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23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 1/14 Lição 08 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo Começar a aula 1. Introdução Com o crescimento do Liberalismo no decorrer do século XX, e a adoção desse sistema econômico em quase todo o mundo, toda a nossa concepção a respeito de como deveriam ser nossas relações econômicas passou a ser culturalmente produzida por valores liberais. Assim, passamos a acreditar que todos os bens produzidos pelos seres humanos deveriam ser propriedade privada de alguém e que o acesso a qualquer conteúdo só poderia se dar através da venda. Daí nasce a ideia de propriedade intelectual, e foi por isso que durante o século XX, por exemplo, os artistas gravavam suas músicas em discos, e posteriormente CD’s, e os vendiam, como produto, para as pessoas. O Estado, aliado às grandes empresas, se torna o maior defensor da propriedade privada e da manutenção da ordem liberal. No entanto, a partir da década de 1960 alguns programadores de computador, chamados de hackers, começaram a desenvolver softwares de maneira colaborativa, informal e em rede e isso lhes gerava paixão pelo trabalho que desenvolviam. Eles ainda não sabiam, mas essa prática mudaria a maneira como as pessoas se relacionam em praticamente todos os aspectos, o Liberalismo ficaria ameaçado de desaparecimento e a democratização do acesso à informação deixaria de ser um sonho distante. Depois de algumas décadas, com o desenvolvimento de tecnologias de gravação digital e de conexão em rede, a manutenção do direito à propriedade intelectual está comprometida, pois as músicas, os filmes, os livros passaram a ser gravados em arquivos digitais e compartilhados, gratuita e clandestinamente, via internet. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 2/14 Esse exemplo demonstra a força da ética hacker na mudança dos paradigmas culturais e de produção de riqueza, colocando em xeque os princípios e práticas do liberalismo. Neste tópico, estudaremos a emergência e o crescimento de espaços de produção social em rede e analisaremos como esses espaços, potencialmente ricos para compartilhamento e usufruto de bens e recursos, têm modificado a maneira como vivemos em sociedade, ressignificando os usos e as normas de distribuição e acesso aos bens resultantes da produção cultural coletiva. 2. A ética protestante e o espírito do capitalismo Tendo como base uma série de estudos estatísticos sobre seu país, o sociólogo alemão Max Weber verificou uma relação entre crença religiosa e o tipo de atividade econômica desenvolvida, constatando que proprietários do capital e empresários eram, em sua maioria, de origem protestante. Na área da educação, os protestantes preferiam uma educação mais técnica e racionalista, enquanto os católicos escolhiam uma educação voltada para a área de humanidades. Diante disso, Weber se perguntou: qual seria a razão para essa tendência ao racionalismo econômico por parte dos protestantes? Buscando essa resposta, Weber cria a expressão espírito do capitalismo, que seria seu objeto de pesquisa, e para exemplificar essa forma de comportamento, analisou algumas frases famosas de Benjamin Franklin, que viriam a influenciar a mentalidade ocidental, como por exemplo: tempo é dinheiro, crédito é dinheiro, dinheiro é fértil por natureza, o bom pagador sempre terá crédito, as mínimas ações afetam o crédito etc. Nessas expressões, Weber identificou o espírito do capitalismo, que carrega a ideia da profissão como dever e da necessidade de se dedicar ao trabalho produtivo como fim em si mesmo. Essa era uma forma bastante diferente de encarar o trabalho, pois antes o indivíduo se dedicava ao trabalho apenas enquanto algo necessário, e não como algo que tem um valor intrínseco, um fim em si mesmo. O protestantismo deu origem ao que Weber chama de espírito do capitalismo, pois atribuiu um valor religioso ao trabalho, levando o estilo de vida submisso e abnegado dos monges para toda a sociedade. Assim, passou a ser exigido de todo e qualquer leigo cristão um senso de dever e de disciplina em relação ao trabalho, tal qual os monges tinham nos monastérios. No protestantismo o indivíduo tinha que provar sua qualidade religiosa com base no trabalho árduo, sério, honesto e disciplinado. A partir dessa crença, dedicar-se às artes, ao entretenimento e a outras atividades que não fossem o trabalho, passou a ser considerado como falha de caráter. A riqueza, proveniente do trabalho duro, passou a ser vista como uma comprovação da honestidade e da inclinação religiosa do indivíduo. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 3/14 Assim, a religião protestante contribuiu na formação da mentalidade do moderno “homem de negócios” e até mesmo do trabalhador dos tempos atuais; a mentalidade profissional dos tempos modernos tem sua origem na moral religiosa protestante. Em outras palavras, Weber percebeu que a motivação religiosa estava por trás do impulso aquisitivo, e que este, por sua vez, estava na base da conduta capitalista. Juntamente com a mentalidade capitalista de acumulação de riquezas, surge na Inglaterra um movimento denominado enclosure, que foi o “cercamento” dos espaços coletivos, ou seja, a privatização dos espaços que antes eram usados coletivamente. No modo de produção feudal, a terra era vista como um bem comum para a produção camponesa, onde todos cultivavam coletivamente. Na transição para o modo de produção capitalista, a terra passou a ser encarada como um bem de produção, ou seja, como um possível gerador de riqueza. Assim, uma parte dos senhores feudais passaram a cercar as suas terras (cercamentos) e a arrendá-las como pastagens para a criação de ovelhas, e para isso expulsaram os camponeses. Esse movimento foi um reflexo do que acontecia nos campos políticos, sociais e econômicos da época, e enfraqueceu a noção de coletividade; essa privatização também criou condições para a construção de muros cada vez mais altos, tanto os dos mosteiros clericais, quanto os dos castelos aristocráticos ou dos burgos, que eram distritos murados onde se realizava o comércio no final da Idade Média. Segundo Nelson Pretto (2013), Essa charge representa o espírito do capitalismo e suas consequências na mentalidade das pessoas. O próprio Jesus denunciou essa mentalidade, argumentando que o dinheiro pode se tornar um deus (Mateus 6:24). https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2018/10/aula_estsoc.jpg 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 4/14 Era dentro desses muros que se gestava a burocratização urbana dos fluxos de bens materiais (mercadorias) e simbólicos (informação e conhecimento) como são conhecidos hoje. No que diz respeito aos fluxos de bens simbólicos, essa conjuntura coincide com o desenvolvimento da indústria tipográfica (século XV), que passa a controlar o acesso aos conteúdos intelectuais através dos meios materiais que veiculam esses conteúdos, agora impressos e não mais copiados pelas mãos dos copistas. A prescindência dos mosteiros e de seus copistas para a multiplicação e conservação dos conhecimentos acumulados historicamente não só deslocou o espaço de configuração dos rumos ideológicos que tomariam a sociedade, como também se tornou um forte condicionante do modelo econômico e jurídico, que se foi construindo nas primeiras cidades modernas.Esse fato beneficiou a emancipação sociopolítica burguesa, que não se deu sem resistência da aristocracia da época. Assim, com a formação de uma nova classe de proprietários de terras (os burgueses) e a consequente construção de muros para proteger seus bens e seus interesses de privatização, muitos filósofos e intelectuais passaram a defender o direito à propriedade privada e a legitimá-la juridicamente, visando proteger os interesses econômicos dos burgueses. Além disso, uma nova regulamentação foi sendo elaborada com o objetivo de resguardar os direitos sobre um tipo diferente de propriedade, donde surge o conceito de Propriedade Intelectual. De acordo com Lucia Mury Scalco: Com a invenção da imprensa, os soberanos sentiam-se ameaçados com a iminente democratização da informação e criaram um ardiloso instrumento de censura, consciente em conceder aos donos dos meios de produção dos livros o monopólio da comercialização dos títulos que editassem, a fim de que estes, em contrapartida, velassem para que o conteúdo não fosse desfavorável à ordem vigente. Em outros termos, Scalco argumenta que o direito à propriedade intelectual sobre uma obra artística (livro) foi concedido aos burgueses ligados à imprensa, com a condição de evitar que informações desfavoráveis ao soberano político fossem publicadas. Na outra ponta do processo, os burgueses ligados à imprensa se tornaram intermediários entre os “escritores” e os “consumidores” das obras literárias e científicas, e acabaram definindo a maneira como a sociedade ocidental faria a gestão do fluxo de informações e conhecimentos dali em diante. Assim, sob o pretexto de proteger os direitos de autoria do escritor da obra, essas empresas editoriais definiram os modos de produção, circulação e fruição dos bens culturais, limitando o acesso a esses bens, tornando-os disponíveis apenas através de meios comerciais, ou seja, dinheiro. Ao mesmo tempo, um novo modelo de sociedade foi se estruturando junto aos Estados modernos, baseado na defesa do direito à propriedade privada como suposta garantia da liberdade, bem como na ética privatista e exclusivista do protestantismo. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 5/14 Como argumenta Nelson Pretto (2013), Essa é a herança legada aos tempos contemporâneos com trágicas consequências para a ciência e a educação, pois as normatizações que tratam sobre produção e difusão da cultura se estruturam ainda ancoradas em concepções de direito criadas na sociedade capitalista do início da era moderna, calcadas na antiga noção de propriedade material. Esses pressupostos, pensados desse ponto de vista, procuram legitimar os interesses dos detentores dos meios de produção através de práticas que vão de encontro aos direitos coletivos de acesso ao conhecimento e aos resultados dos processos culturais. No entanto, uma nova ética surgida no século XX veio revolucionar a difusão do conhecimento e colocar em xeque a noção de propriedade privada, principalmente a ideia de Propriedade Intelectual. Novos atores sociais surgiram e trouxeram novas ferramentas e novas possibilidades para mudar o jogo de poder que se processa no mundo globalizado. Os meios de produção, antes restritos a poucos proprietários capitalistas, agora está disponível a um número muito maior de indivíduos. O equilíbrio de poder pode estar mudando muito rapidamente. Você sabia? A partir desse entendimento, passou-se a valorizar o direito à propriedade intelectual ao invés de uma apropriação coletiva dos bens sociais, e a reprodução das obras passou a ser vista como pirataria. As obras de arte (música, pintura, literatura, etc.) passaram a ser registradas e comercializadas pelos empresários de arte, que se tornaram intermediários entre os artistas e o público. 3. A ética hacker e o espírito da era da informação: os programadores, o código aberto e o manifesto GNU O famoso sociólogo Manuel Castells (2003) escreveu que “a Internet nasceu da improvável interseção da big science, da pesquisa militar e da cultura libertária”. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 6/14 Big Science é um termo utilizado por cientistas e historiadores da ciência para explicar como o progresso científico, durante e após a Segunda Guerra Mundial, passou a contar cada vez mais com projetos de grande porte e geralmente financiados por governos ou grupos governamentais. A internet, por exemplo, foi um desses projetos de grande porte que teve sua origem pelas mãos dos cientistas militares nos Estados Unidos, no final da década de 1960, através da Arpanet (Advanced Research Projects Agency Network). De acordo com Leonardo Werner Silva (2001), em matéria para o jornal Folha de São Paulo A internet foi criada em 1969, nos Estados Unidos. Chamada de Arpanet, tinha como função interligar laboratórios de pesquisa. Naquele ano, um professor da Universidade da Califórnia passou para um amigo em Stanford o primeiro e-mail da história. Essa rede pertencia ao Departamento de Defesa norte-americano. O mundo vivia o auge da Guerra Fria. A ARPANET era uma garantia de que a comunicação entre militares e cientistas persistiria, mesmo em caso de bombardeio. Eram pontos que funcionavam independentemente de um deles apresentar problemas. A partir do momento em que os militares americanos permitiram que pesquisadores da área de programação desenvolvessem pesquisas dentro das universidades, o desenvolvimento da rede mundial de computadores começou a acontecer de maneira mais livre. Não só os professores pesquisadores, mas também os alunos e os amigos dos alunos, tiveram acesso aos estudos já desenvolvidos e somaram esforços para aperfeiçoá-los. O interessante foi que esse avanço no campo da comunicação militar aconteceu no auge da Contracultura norte-americana, e logo foi apropriada por jovens universitários de mentalidade libertária. Como constatou o sociólogo Pierre Lévy (1999), “um verdadeiro movimento social nascido na Califórnia na efervescência da ‘contracultura apossou-se das novas possibilidades técnicas e inventou o computador pessoal”. Grande precursor dos computadores pessoais, o Apple I foi construído em 1976 e representou uma grande evolução na informática. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2018/10/image3-3.jpeg 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 7/14 A influência dos valores da Contracultura é claramente percebida no desenvolvimento histórico da Internet e, na perspectiva de Castells, a produção dos sistemas tecnológicos é estruturada culturalmente, assim, a cultura dos jovens universitários de mentalidade libertária teria moldado o desenvolvimento da Internet. Esses jovens programadores universitários, principalmente os mais entusiasmados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de Massachussets (MIT) nos EUA, passaram a se autodenominar de hackers, isto é, “indivíduos que se dedicam com entusiasmo à programação”, e passaram a desenvolver softwares de maneira colaborativa e mantendo o código-fonte aberto a quem quisesse interferir no processo. A relação dos hackers com o tempo, com o trabalho e com o dinheiro também é interessante de ser analisada, pois contrasta com a ética protestante analisada por Weber, simbolizada no slogan de Benjamim Franklin “tempo é dinheiro”. Diferente da ética protestante, em que o trabalho deve ser árduo, sério e disciplinado, para os hackers o trabalho nunca deve perder sua dimensão lúdica e prazerosa. Os hackers são estimulados pelo reconhecimento numa comunidade de programadoresonde compartilha suas paixões, e este reconhecimento é mais importante para os hackers do que ter dinheiro ou um trabalho de qualquer tipo. Essa perspectiva é transformadora porque coloca a relação humana de reconhecimento na comunidade, como uma “moeda” mais importante do que o dinheiro, assim questionando o poder simbólico do dinheiro imposto pelo espírito do capitalismo. A mentalidade que estimula a acumulação de riquezas, se vê ameaçada. O tempo, como um aspecto central da ética hacker do trabalho, é fundamentado numa noção de liberdade, que respeita o ritmo de vida pessoal de cada indivíduo, e não numa noção de produtividade em busca do lucro. Pekka Himanen, autor do livro A ética dos hackers e o espírito da era da informação, conta que “Linus Torvalds acha que no meio do trabalho sério do Linux, sempre havia espaço para a diversão e algumas experiências de programação que não têm objetivo imediato. A mesma opinião é compartilhada pelos hackers desde o MIT na década de 1960” (HIMANEN, 2001). Nessa perspectiva, “hackers como Torvalds acreditam que o fator organizacional não é nem o trabalho nem o dinheiro, mas a paixão e o desejo de criar juntos algo que seja valioso em termos sociais” (HIMANEN, 2001). Essa perspectiva também impacta o espírito do capitalismo porque questiona a cobrança por produtividade e o esgotamento da saúde do trabalhador, que são elementos necessários para o lucro do empresário capitalista. Para os hackers, trabalho deve estar associado ao bem-estar do trabalhador e que essa atividade deve gerar paixão. Estava montado o cenário para o surgimento da ética hacker, em contraposição à ética protestante, que dominou a mentalidade ocidental durante gerações. Como percebeu Manuel Castells (2003), “a Internet é, acima de tudo, uma criação cultural”. Segundo Himanen, organizar o trabalho de forma colaborativa, fazê-lo com paixão, sem intermediários e manter público o código de desenvolvimento de softwares foi uma grande mudança cultural, pois até então o trabalho tinha sido organizado e experimentado de forma bastante diferente, como herança da era industrial e da ética protestante. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 8/14 Segundo Steven Levy, autor do livro Os heróis da revolução (2012), os pontos centrais observados nessa subcultura e os elementos que embasam uma ética construída nas comunidades hackers são: 1) Acesso ilimitado e total aos computadores; 2) Todas as informações deveriam ser livres; 3) Hackers desconfiam das autoridades e promovem a descentralização; 4) Hackers devem ser julgados por seus ‘hackeamentos’ e não por outros critérios, tais como escolaridade, idade, raça ou posição social; 5) Você pode criar arte e beleza em um computador, e 6) os computadores podem mudar sua vida para melhor”. Para Steven Levy, o que os hackers fizeram foi criar uma filosofia “que parece estar atrelada ao elegante fluxo lógico da computação. É uma filosofia de compartilhamento, abertura, descentralização e do prazer de colocar as mãos sobre as máquinas a qualquer custo – desde que seja para aprimorá-las e também ao mundo”. No entanto, essa nova ética hacker lançou um desafio ao comportamento e às próprias relações de trabalho da sociedade capitalista; não é fácil modificar relações comerciais e relações de trabalho já enraizadas durante vários séculos, principalmente quando as relações comerciais vigentes servem aos interesses de grandes empresas. Não é fácil propor o compartilhamento gratuito de conteúdos, quando a maior fonte de renda dessas grandes empresas é justamente a Propriedade Intelectual sobre esses conteúdos e sua comercialização monetária. Um exemplo clássico disso aconteceu com uma decisão da gigante das telecomunicações americana, a AT&T. Na década de 1980, fundamentando-se em tecnologias disponibilizadas nas redes de colaboração científica, o laboratório Bells, da AT&T, elaborou e compartilhou um sistema operacional chamado de Unix. Rapidamente, este sistema operacional passou a ser usado livremente na maioria das universidades e centros tecnológicos, levando também ao surgimento de outras versões do programa. No entanto, a cúpula administrativa da AT&T tomou a uma decisão mercadológica, até então inusitada, de fechar o código-fonte do Unix e passar a cobrar pela utilização desse sistema. Como argumenta Henrique Parra (2011), “Se, nos séculos XVII e XVIII, os enclosures foram fundamentais para a expropriação da propriedade comunal das terras e instauração de um novo conceito de propriedade privada, atualmente, vemos uma disputa análoga sobre o commons (conhecimentos, saberes, cultura, etc.), inaugurada pelas mídias digitais”. Em outras palavras, assim como nos movimentos de “cercamentos” (enclosures) do início do sistema capitalista na Europa, que expulsou os camponeses da terra e passou a cobrar arrendamento, a AT&T “expulsou” os hackers programadores do acesso ao software, “cercou” seu software e passou a cobrar pela utilização. Essa decisão inspirou outras empresas a fazerem o mesmo, e ainda na década de 1980 quase todos os softwares passaram a ser propriedade de alguma empresa, o que significava que eles possuíam donos que proibiam e evitavam a cooperação dos usuários. Essa decisão também provocou reações dos hackers, das mais diversas naturezas, contra esta atitude que rompia com os valores de compartilhamento de conhecimento e a prática livre de desenvolvimento tecnológico. Dentre essas reações, talvez a mais importante tenha surgido em 1985 com um famoso hacker do instituto MIT, Richard Stallman, através do Projeto GNU. O objetivo do projeto era criar um sistema operacional, chamado GNU, baseado em software livre, em que os usuários são livres para executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar o software sem ter que pedir permissão a um suposto dono. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 9/14 Para os hackers, o compartilhamento do conhecimento maximiza o desenvolvimento de bens porque explora inteligentemente as potencialidades da rede e as características próprias aos bens informacionais. Essas iniciativas deram origem, não apenas a um sistema operacional de código- fonte aberto, mas também a um movimento internacional que visa garantir os princípios do compartilhamento de informações e da liberdade tecnológica, que é o “movimento software livre”. Assim, com o objetivo de contribuir com esse movimento iniciado por Stallman, surge em 1991 o famoso sistema operacional GNU/Linux ou simplesmente Linux, criado pelo hacker finlandês Linus Torvalds. Segundo Himanen (2001), Richard Stallman, a lenda do software livre. SAIBA MAIS Veja abaixo a definição de software livre, segundo a Free Software Foundation: Por “software livre” devemos entender aquele software que respeita a liberdade e senso de comunidade dos usuários. Grosso modo, isso significa que os usuários possuem a liberdade de executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar o software. Assim sendo, “software livre” é uma questão de liberdade, não de preço. Para entender o conceito, pense em “liberdade de expressão”, não em “cerveja grátis”. Por vezes chamamos de “libre software” para mostrar que livre não significa grátis, pegando emprestado a palavra em francês ou espanhol para “livre”, para reforçar o entendimento de que não nos referimos a software como grátis. Nós fazemos campanha por essas liberdades porque todo mundo merece. Com essas liberdades, os usuários (tanto individualmente quanto coletivamente) controlam o programa e o que ele faz por eles. Quando os usuários não controlam o programa, o programa controla os usuários. O desenvolvedor controla o programa e, por meio dele, controlaos usuários. Esse programa não livre é “proprietário” e, portanto, um instrumento de poder injusto. Para mais informações, clique aqui. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2018/10/image4-5-768x399.jpeg https://www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt-br.html 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 10/14 O que distingue o Linux do modelo comercial dominante para software, caracterizado pelos produtos da Microsoft, é antes de tudo sua abertura: do mesmo modo que os pesquisadores científicos permitem a todos os demais em seus campos de estudo, examinar e utilizar suas descobertas para serem testadas e desenvolvidas, os hackers que participam do projeto Linux permitem a todos os demais utilizar, testar e desenvolver seus programas. 4. Ciberativismo: As novas formas de expressão e intervenção social Segundo Sérgio Amadeu da Silveira (2010), Por ciberativismo podemos denominar um conjunto de práticas em defesa de causas políticas, socioambientais, sociotecnológicas e culturais, realizadas nas redes cibernéticas, principalmente na Internet. O ciberativismo se confunde com a própria expansão da rede mundial de computadores. Ele influenciou decisivamente grande parte da dinâmica e das definições sobre os principais protocolos de comunicação utilizados na conformação da Internet. Como vimos anteriormente, a Internet já nasce mergulhada na mentalidade libertária da Contracultura da década de 1960, e desde então serve como ferramenta de questionamento dos poderes estabelecidos. Indivíduos ou grupos que buscam divulgar sua mensagem, utilizam a Internet para fazê-lo de modo mais barato e atingir uma quantidade muito maior de pessoas. Seja para defender causas humanitárias ou para divulgar o terrorismo, o ciberativismo se tornou uma poderosa arma de comunicação de ideias e conexão entre pessoas. Segundo o pesquisador Stefan Wray, em 1998 já há registros do surgimento de duas importantes expressões do ciberativismo, que seriam 1) a desobediência civil eletrônica e 2) o “hacktivismo”. Exemplificando o primeiro caso, Wray escreve que o grupo autodenominado Electronic Disturbance Theater propôs uma série de ações de desobediência civil eletrônica contra o governo mexicano, em apoio ao movimento zapatista. Ignorado pelos meios de comunicação de massa e sem ter um canal de comunicação com o povo mexicano, o subcomandante Marcos, líder do movimento, rompeu o cerco e se tornou o primeiro movimento de comunidades tradicionais a utilizar Internet para sensibilizar a opinião pública internacional. Exemplificando o segundo caso, Silveira (2010) aponta as várias possibilidades de ação trazidas à tona pela interação livre dos indivíduos com a rede, com os jogos e entre si. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 11/14 O hacktivismo agigantou-se nos primeiros dez anos do século XXI e podem ser encontradas desde ações em favor de se obter maior transparência dos dados públicos, como no caso do Transparência HackDay ocorrido em outubro de 2009, em São Paulo, até a criação de machinimas políticos. “Machinima” origina-se da reunião das palavras inglesas “machine” e “animation”. Trata-se de uma das práticas recombinantes que caracterizam a cibercultura. A empresa que desenvolvia o game Doom, em 1993, lançou um programa que permitia a seus jogadores gravarem as ações de combate que realizavam dentro do game. Assim, os gamers poderiam analisar sua atuação para melhorar sua performance. Mas, tal como ocorre na história da Internet, essa possibilidade foi reconfigurada pelos seus usuários gerando um outro uso não previsto. Várias pessoas passaram a gravar as cenas de seus avatares no jogo. Logo, muitos jovens criaram roteiros dentro do jogo que eram gravados como se fossem minifilmes. Desse modo, milhares de pessoas começaram a utilizar o ambiente do game como se fosse um set de filmagens (Silveira, 2009, p.135). Um machinima político chamado War of Internet Addiction10 produzido em um quarto no interior da China se tornou um enorme sucesso, com mais de 10 milhões de visualizações em apenas uma semana. O filme, gravado no ambiente do RPG online World of Warcraft, é uma sátira às tentativas das autoridades chinesas de monitorar e controlar o uso da Internet. Dirigido por alguém que se autodenomina “Corndog” (Xinggan Yumi, literalmente, “Sexy Corn”) e apoiado por mais de vinte gamers voluntários, teve sua produção realizada em apenas três meses, sendo lançado no dia 21 de janeiro de 2010 (Shao & Kuo, 2010). Outro machinima de denúncia chama-se French Democracy11. Foi produzido pelo design francês de origem chinesa, Alex Chan, sobre o game The Movies, utilizando a plataforma de animação da companhia inglesa Lionhead Studios. O filme trata dos conflitos ocorridos nos subúrbios de Paris, em 2005, envolvendo jovens imigrantes. French Democracy busca mostrar a origem da rebelião a partir de quatro personagens centrais, todos imigrantes, que são discriminados e humilhados cotidianamente. A Internet é um meio de comunicação que possibilita a produção de conteúdo e informação por parte de qualquer indivíduo que esteja conectado em rede, gerando uma certa democratização do discurso e a possibilidade de comunicação de ideias sem a interferência de mediadores governamentais ou empresariais. As mobilizações populares conhecidas como “Primavera Árabe”, ocorridas em 2011, chamam a atenção pela centralidade do uso da Internet como ferramenta de articulação, mobilização e divulgação de informações em tempo real, principalmente nas redes sociais como o Twitter e o Facebook. No caso do Egito, por exemplo, as mídias sociais foram ferramentas importantíssimas na construção do caminho para a queda do Presidente Mubarack. Apesar das insatisfações que culminaram nas revoltas árabes de 2011 parecerem uma explosão repentina, ou uma manifestação sem histórico de lutas ou construção de uma mobilização popular, na verdade já estavam sendo gestadas ao longo de décadas de movimentos, on-line e off-line, da população em busca de democracia. A Internet e as redes sociais apenas potencializaram uma demanda por liberdade que já estava latente entre os povos árabes do norte da África. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 12/14 Entretanto, a Internet é apenas uma ferramenta e o ciberativismo pode ter todos os tipos de motivações e ser aplicada por todos os grupos, como é o caso do Estado Islâmico. E além do ciberterrorismo, também temos como efeito colateral da comunicação em rede, as Fake News. Segundo Mauro de Souza Ventura, especialista em mídia, Cartaz em mobilização popular no Egito durante a Primavera Árabe. As pessoas tinham consciência de que a Internet lhes dava autonomia de diálogo, ajudando a escapar do controle dos Estados autoritários que os governavam. Você sabia: Ciberativismo terrorista: Entre a Síria e o Estado Islâmico Este documentário registra e explica o declínio da Síria até o caos que permitiu a ascensão do Estado Islâmico na região. Os diretores Sebastian Junger e Nick Quested conseguem abordar o contexto político, as consequências sociais e o drama humano vivido diariamente pela população do país. Além disso, o documentário também mostra a propaganda do grupo terrorista feita na Internet, e que tem como objetivo causar o medo e atrair simpatizantes. Vale a pena assistir a esse documentário para entender uma das maiores crises humanitárias de nossos tempos. Clique aqui para assistir. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2018/10/image6-3-768x545.jpeghttps://www.youtube.com/watch?v=FJNvtDcacqo 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 13/14 De forma crescente, o apelo às emoções e à opinião tendem a se sobrepor aos fatos, ou, pelo menos, às versões que circulam sobre os fatos. O consumo excessivo de mídias e canais de entretenimento embota a capacidade crítica e torna difícil o questionamento sobre as fontes ou o desenvolvimento de uma visão crítica quanto à relação entre interesse e expressão da opinião. (...) A vitória de Donald Trump nas eleições americanas de novembro passado mostrou a face sombria da sociedade em rede: notícias inventadas tendem a obter mais audiência do que os fatos apurados segundo procedimentos do jornalismo. Durante a campanha, conteúdos falsos criticando a candidata do Partido Democrata Hillary Clinton pipocaram pela web, difundidos por websites localizados na pequena cidade de Veles, na Macedônia, ex-república da Iugoslávia. Pouco depois das eleições, soube-se que a Rússia estava envolvida em ações de hackeamento dos computadores da sede do Partido Democrata, com a clara intenção de prejudicar a eleição da candidata. A partir de então, tornou-se evidente que o ecossistema midiático, sucessor da velha esfera pública, era passível de disseminação de mentiras sob a forma de notícia. “A campanha presidencial de 2016 marcou um descolamento de fatos sem precedentes turbinado pela explosão de fake news, as falsas notícias veiculadas pelo duopólio digital planetário do Facebook e do Google”, escreveu a jornalista Lúcia Guimarães. Talvez isso nos mostre as diversas faces da vida em sociedade e os distintos usos que os grupos e os indivíduos fazem das mesmas ferramentas: enquanto uns lutam pela valorização da vida, outros transformam o assassinato em publicidade; enquanto uns buscam apurar a veracidade dos fatos, outros tantos inventam milhares de Fake News. É a complexidade da vida em sociedade. 5. Conclusão Ao olharmos para o passado, principalmente para a influência do pensamento religioso protestante na Europa do século XVI em diante, podemos compreender a mentalidade que rege as ações das pessoas na atualidade, suas motivações e suas consequências. Como vimos, a ética protestante moldou a mentalidade ocidental durante séculos e ajudou a construir sociedades baseadas na propriedade privada, na acumulação de riquezas, na valorização do trabalho árduo e disciplinado e na concepção de tempo como um tempo de produtividade. A partir da década de 1960, os hackers ajudaram a criar a rede mundial de computadores e, com isso, ajudaram a produzir uma nova ética para a sociedade conectada em rede. As ferramentas desenvolvidas pelos hackers possibilitam a construção de sociedades baseadas no compartilhamento de informações, na gratuidade dos bens informacionais, na valorização do trabalho lúdico e apaixonante e no respeito à concepção e organização do tempo de cada indivíduo. Cabe a nós fazer a escolha pelo tipo de sociedade em que queremos viver, e colocar em prática nossas ações de acordo com a ética que acreditamos. 23/04/2020 Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo https://cead.uvv.br/graduacao/conteudo.php?aula=ciberativismo-cultura-hacker-e-o-individualismo-colaborativo&dcp=estudos-socioantropologicos&topico=08 14/14 6. Referências CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os Negócios e a Sociedade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003. HIMANEN, P. A ética dos hackers: o espírito da era da informação. Trad. Fernanda Wolff. Rio de Janeiro: Campus, 2001. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Editora 34, 1999. LEVY, S. Os heróis da revolução: como Steve Jobs, Steve Wozniak, Bill Gates, Mark Zuckerberg e outros mudaram para sempre as nossas vidas. São Paulo: Évora, 2012. PRETTO, Nelson De Luca; CORDEIRO, Salete Noro; OLIVEIRA, Washington dos Santos. Produção cultural e compartilhamento de saberes em rede: entraves e possibilidades para a cultura e a educação. Educação em Revista: Belo Horizonte - v.29 - n.03, set. 2013. PARRA, H. Z. M. Sujeito, território e propriedade: tensões estético-políticas sobre a emergência do commons digital, 2011. Disponível em: <www.labjor.unicamp.br/MDCC/artigos/art_henrique.pdf> Acesso em: 05 de agosto de 2018. SCALCO, L. M. Camelódromo: a repercussão do regime transacional de propriedade intelectual em nível local. In: LEAL, O. F.; SOUZA, R. H. V. 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