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O trato urinário é totalmente extraperitoneal? 1.1 RIM Macroscopicamente, os rins são órgãos pares situados no retroperitônio e que repousam sobre a parede posterior do abdome. Pesam, em média, 150 g no homem e 135 g na mulher e apresentam cerca de 10 a 12 cm verticalmente, 5 a 7 cm transversalmente e 3 cm no sentido anteroposterior. 1.1.1 Relações anatômicas e envoltórios renais O rim direito situa-se de 1 a 2 cm mais caudalmente do que o esquerdo, em virtude da presença do fígado. Em geral, o rim direito situa-se ao nível de L1-L3, e o esquerdo, ao nível de T12-L3. Posterossuperiormente, o diafragma recobre o terço superior de ambos os rins, com a décima segunda costela acompanhando a extremidade inferior do diafragma, não sendo raras, portanto, lesões iatrogênicas pleurais em cirurgias renais. Posteriormente, os 2 terços inferiores repousam sobre os músculos psoas maior e quadrado lombar. Lateral e medialmente, os rins apresentam íntimo contato com o arco lombocostal e o tendão do músculo transverso do abdome, respectivamente. O polo inferior renal repousa lateral e anteriormente em relação ao polo superior. Assim, o eixo longitudinal renal é paralelo ao eixo do músculo psoas. Além disso, a borda medial renal é discretamente voltada anteriormente, ao passo que a borda lateral tem direção posterior. Isso confere angulação de cerca de 30° no plano frontal (Figura 1.1). Figura 1.1 - Eixo renal Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. No eixo renal, a borda medial é anterior em relação à borda lateral; e o polo superior é medial e posterior em relação ao inferior. O rim “em ferradura” é constituído por 2 rins de funcionamentos distintos em cada um dos lados da linha média, ligados por 1 istmo nos polos inferiores. Supõe-se que surja devido à união de ambos os rins durante a quinta semana de gestação, quando os órgãos ainda se encontram muito próximos uns dos outros na pelve menor. Sua localização é mais inferior do que os rins normais, uma vez que a ascensão durante o desenvolvimento embriológico é impedida pela artéria mesentérica inferior. Figura 1.2 - Rim “em ferradura” Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Cada rim é envolto por massa de tecido adiposo (gordura perirrenal), que, por sua vez, é envolvida pela fáscia renal (mais conhecida como fáscia de Gerota). Posteriormente, esta é circundada por outra camada adiposa de espessura variável, denominada gordura pararrenal. Superior e lateralmente, a fáscia de Gerota é fechada, porém medialmente cruza a linha média e fusiona-se com a fáscia contralateral. Inferiormente, não ocorre a fusão e permanece um espaço aberto em potencial, servindo como barreira para a disseminação de neoplasias e coleções perirrenais. Assim, estas últimas podem se estender inferiormente até a região pélvica sem violação da fáscia de Gerota (Figura 1.3). Figura 1.3 - Envoltórios renais Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. A Figura 1.4 demonstra a íntima relação dos rins com os demais órgãos intra-abdominais. Tais relações explicam alguns achados comuns à prática clínica. As lesões renais ocorrem em cerca de 10% dos traumas abdominais, sendo o mecanismo de lesão mais comum o trauma fechado (terceiro órgão mais lesado no trauma abdominal fechado). O índice de lesões a outros órgãos abdominais associado a trauma renal é alto, pois a força de impacto deve ser grande para superar a proteção anterior da costela e posterior dos músculos paravertebrais. Por último, inúmeras são as possibilidades de lesões iatrogênicas de órgãos vizinhos durante cirurgias renais, como lesão esplênica durante nefrectomia esquerda. Figura 1.4 - Relação anatômica dos rins com demais órgãos intra-abdominais Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. 1.1.2 Anatomia intrarrenal básica A secção renal mediana demonstra 3 regiões de medial para lateral: pelve, medula e córtex renais (Figura 1.5). A pelve renal é uma estrutura coletora formada pela porção superior expandida do ureter que se comunica com a medula renal. Na face medial renal, há uma passagem ovalada, denominada hilo renal, que dá acesso ao seio renal, uma cavidade no interior do rim onde se localizam pelve renal, tecido adiposo, vasos e nervos. Em direção à medula renal, a pelve ramifica-se em 2 ou 3 grupos calicinais maiores, que, por sua vez, ramificam-se em cálices menores (em número variável de 8 a 18). A medula renal é a porção média do rim e apresenta de 8 a 18 pirâmides renais, estruturas dispostas longitudinalmente em formato de cone. A base de cada pirâmide volta-se para o córtex renal, mais externamente. De sua base, a pirâmide renal projeta estruturas filiformes, denominadas raios medulares, para o interior do córtex. O ápice de cada pirâmide termina em uma papila renal que se abre em um cálice menor. A urina é drenada das papilas renais para o interior da via coletora nos cálices menores e segue para os cálices maiores, a pelve renal e o ureter, até a bexiga. A porção renal mais externa compreende o córtex renal, que pode ser dividido em 2 porções: externa ou subcapsular e justamedular. Tem aparência granulosa e se estende até a base das pirâmides renais. Projeções de córtex renal entremeiam as pirâmides renais e são denominadas colunas renais. Figura 1.5 - Anatomia intrarrenal Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. 1.1.3 Anatomia vascular Classicamente, o pedículo renal consiste em 1 única artéria e em 1 única veia renal, porém alterações anatômicas não são incomuns. #IMPORTANTE A veia renal posiciona-se anteriormente à artéria renal no hilo renal. A pelve renal é posterior às estruturas vasculares. As artérias renais são ramos diretos da aorta abdominal e emergem logo abaixo da projeção da artéria mesentérica superior. Ao aproximar-se dos rins, ambas as artérias renais fornecem ramos para adrenal, pelve renal e ureter ipsilateral. Ao atingir o seio renal, a artéria renal divide-se, mais comumente, em 5 ramos, denominadas artérias segmentares: posterior, apical, superior, médio e inferior (Figura 1.6). Normalmente, o ramo posterior cruza posteriormente o sistema coletor e os demais ramos anteriormente. Cada artéria segmentar supre uma região renal distinta, sem a existência de circulação colateral entre elas. Assim, a oclusão ou a lesão de um ramo segmentar causará infarto segmentar renal. Ainda, a inexistência de circulação colateral entre os ramos segmentares permite a identificação de um plano renal avascular na congruência do ramo posterior com os ramos anteriores (linha avascular de Brodel), essencial para a execução de incisões no parênquima renal com a menor perda sanguínea possível. No interior do seio renal, as artérias segmentares dividem-se inicialmente em artérias lobares e, posteriormente, em interlobares, que seguem ao lado das pirâmides renais. Próximo à base da pirâmide renal, passam a ser denominadas artérias arqueadas, que, posteriormente, ramificam-se em artérias interlobulares. Finalmente, estas fornecem ramos aos glomérulos renais, denominados como arteríolas aferentes (Figura 1.7). #IMPORTANTE A irrigação arterial intrarrenal respeita esta sequência: artéria renal → artérias segmentares → artérias lobares → artérias interlobares → artérias arqueadas → artérias interlobulares → arteríolas aferentes. A drenagem venosa correlaciona-se intimamente com a circulação arterial. As veias interlobulares drenam os capilares pós- glomerulares e, progressivamente, são chamadas arqueadas, interlobares, lobares e segmentares. Cursam paralelamente às respectivas artérias e, normalmente, coalescem em 3 grandes troncos para, então, formarem a veia renal. A veia renal esquerda mede cerca de 6 a 10 cm e desemboca na veia cava inferior, após cruzar anteriormente a aorta e, posteriormente, a artéria mesentérica superior. Normalmente, a veia renal esquerda recebe 3 tributárias: veia gonadal esquerda, veia adrenal esquerda e veia lombar. Por outro lado, a veia renal direita mede de 2 a 4 cm e, geralmente, não recebe tributárias, sendo que asveias adrenal e gonadal direitas drenam diretamente para a veia cava inferior. Figura 1.6 - Ramos segmentares da artéria renal Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.7 - Ramificações da artéria renal Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. 1.1.4 Drenagem linfática A drenagem linfática renal é abundante e segue os vasos sanguíneos através das colunas renais para sair do parênquima renal e formar grandes troncos linfáticos no seio renal. Vasos linfáticos vindos da cápsula renal e dos tecidos perirrenais juntam-se a estes troncos no seio renal, em associação a vasos linfáticos da pelve e da porção superior do ureter. O tronco linfático renal esquerdo drena, primeiramente, para linfonodos para-aórticos laterais esquerdos, incluindo linfonodos anteriores e posteriores da aorta abaixo da artéria mesentérica inferior, até a parte inferior do diafragma. Em geral, não ocorre drenagem linfática periaortocaval, exceto em casos de doença em estágio avançado. O tronco linfático direito drena, primariamente, para linfonodos interaortocavais e linfonodos anteriores e posteriores à veia cava inferior, estendendo-se dos vasos ilíacos comuns direitos até o diafragma. Embora seja infrequente, linfáticos oriundos do rim direito podem drenar para linfonodos próximos ao hilo renal esquerdo. 1.1.5 Acesso cirúrgico 1.1.5.1 Laparoscopia a) Transperitoneal; b) Retroperitoneoscópica. 1.1.5.2 Lombotomia a) Posição: decúbito lateral com extensão do flanco (Figura 1.8); b) Incisão acompanhando a décima segunda costela, supra ou infracostal; c) Incisão do músculo grande dorsal (Figura 1.9); d) Incisão do músculo oblíquo externo do abdome (Figura 1.10); e) Incisão do músculo oblíquo interno do abdome; f) Incisão do músculo transverso do abdome; g) Acesso ao retroperitônio; h) Ressecção subperiosteal da décima segunda costela (opcional), com o objetivo de ganhar campo cirúrgico (Figura 1.10); i) Lombotomia vertical posterior (Figura 1.15): 3 camadas – folheto anterior, folheto posterior e folheto do quadrado lombar; j) A incisão vertical dorsal posterior é uma opção de acesso cirúrgico ao rim, mas está praticamente em desuso. 1.1.5.3 Laparotomia transversa (Figura 1.11) a) Posição: decúbito dorsal horizontal; b) Incisão infracostal, com extensão variável (geralmente da linha axilar anterior até a metade do reto abdominal contralateral); c) Incisão da bainha anterior e posterior do músculo reto abdominal; d) Incisão do músculo oblíquo externo do abdome; e) Incisão do músculo oblíquo interno do abdome; f) Incisão do músculo transverso do abdome; g) Acesso ao retroperitônio através da incisão da goteira parietocólica. 1.1.5.4 Laparotomia mediana Técnica habitual de laparotomia mediana. Vale ressaltar que a laparotomia mediana deve ser a incisão utilizada no caso de tratamento cirúrgico de traumas renais. Nesses casos, o índice de lesões associadas é alto, e toda a cavidade abdominal deve ser explorada. 1.1.5.5 Acesso percutâneo a) Punção guiada por radioscopia do sistema coletor através dos cálices menores, após pielografia (injeção de contraste por meio de um cateter no ureter – Figura 1.12); b) Dilatação do trajeto até a via coletora, permitindo a passagem de materiais endoscópicos para a remoção de cálculos, ressecção de tumores de pelve renal e colocação de nefrostomia. Figura 1.8 - Posicionamento para lombotomia esquerda Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.9 - Incisão muscular durante lombotomia Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.10 - Ressecção da décima segunda costela durante lombotomia Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.11 - Laparotomia transversa Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.12 - Punção renal percutânea 1.2 URETER 1.2.1 Anatomia Didaticamente, o ureter pode ser dividido em 3 porções: superior, média e inferior. Sua porção superior inicia-se na junção ureteropiélica posteriormente aos vasos renais. Direciona-se inferiormente sobre o músculo psoas e os processos transversos e estende-se até a borda superior do sacro. A porção média ureteral compreende a sua extensão ao nível da articulação sacroilíaca, e a inferior, abaixo da borda inferior do sacro até atingir a bexiga. Pode ser classificado, também, como ureter abdominal (da pelve até os vasos ilíacos) e pélvico (abaixo destes). Assim que adentra a pelve, o ureter cruza anteriormente os vasos ilíacos, geralmente na altura da bifurcação, em ilíacos internos e externos. São descritos, classicamente, 3 pontos de estreitamento ureteral: a junção ureteropiélica, o cruzamento com vasos ilíacos e a junção ureterovesical. O ureter recebe irrigação de múltiplos ramos arteriais em seu trajeto. O ureter abdominal é irrigado por ramos das artérias renal, gonadal, aorta e ilíaca comum. O ureter pélvico é irrigado por ramos da artéria ilíaca interna e seus ramos. Um conhecimento de grande importância ao cirurgião é que, em seu trajeto abdominal, os ramos arteriais atingem o ureter medialmente e, na porção pélvica, após cruzar os vasos ilíacos, a irrigação o atinge lateralmente (Figura 1.13). Devido ao seu trajeto posteromedial na pelve, o ureter torna-se posterior às artérias uterinas e ovarianas. Após atingir o ureter, os ramos arteriais formam uma extensa rede anastomótica na adventícia ureteral, o que permite a mobilização cirúrgica ureteral do retroperitônio sem isquemia do órgão. 1.2.2 Acesso cirúrgico 1.2.2.1 Laparoscopia a) Transperitoneal; b) Retroperitoneoscópica. 1.2.2.2 Cirurgia aberta 1. Ureter proximal: a) Lombotomia (Figuras 1.8, 1.9 e 1.10); b) Laparotomia subcostal (Figura 1.14); c) Lombotomia vertical posterior (Figura 1.15). 2. Ureter médio: incisão de Gibson (Figura 1.16); 3. Ureter inferior: a) Incisão de Gibson (Figura 1.16); b) Incisão de Pfannenstiel (Figura 1.17). Figura 1.13 - Irrigação ureteral Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.14 - Incisão subcostal Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.15 - Lombotomia vertical posterior Figura 1.16 - Incisão de Gibson Fonte: adaptado de GermanVectorPro. Figura 1.17 - Incisões Legenda: (A) Incisão de Pfannenstiel; (B) incisão da aponeurose do reto abdominal; (C) dissecção ampla da aponeurose do reto abdominal e incisão da fascia transversalis. Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. 1.3 BEXIGA 1.3.1 Anatomia A bexiga urinária é um órgão oco, de formato tetraédrico, que se divide em cúpula, teto, 2 paredes laterais e base (ou assoalho). Anterior e lateralmente, relaciona-se com o espaço retropúbico (espaço de Retzius) e músculos elevador do ânus e obturador interno. No sexo masculino, posteriormente, relaciona-se com ductos deferentes, vesícula seminal, ureter e reto; inferiormente, relaciona-se com a próstata e, superiormente, com o íleo e o cólon. No sexo feminino, relaciona-se, posteriormente, com o útero, a vagina e o reto; inferiormente, relaciona-se com a uretra e, superiormente, com o útero e o íleo. Devido a essa relação com íleo e cólon, presente em ambos os sexos, a bexiga é o principal órgão acometido por fístulas com o trato digestivo. Quando a bexiga está cheia, sua superfície interna fica lisa. Uma área triangular na superfície posterior da bexiga não exibe rugas. Essa área é chamada trígono da bexiga e é sempre lisa. O trígono é limitado por 3 vértices: os pontos de entrada dos 2 ureteres e o ponto de saída da uretra. O trígono é importante clinicamente, pois as infecções tendem a persistir nessa área. Figura 1.18 - Trígono vesical Fonte: adaptado de Regaining control: treatment options for spinal cord injury bladder dysfunction, 2003. A irrigação arterial vesical é realizada, principalmente, pelas artérias vesicais superior, média e inferior. Todas são ramos da artéria ilíaca interna (hipogástrica). Irrigações suplementar e variável advêm de ramos das artérias umbilicais, obturatórias e glútea inferior. 1.3.2 Acesso cirúrgico a) Cirurgia aberta: laparotomiamediana suprapúbica; b) Cirurgia endoscópica; c) Cirurgia videolaparoscópica. Figura 1.19 - Ressecção transuretral de tumor de bexiga Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. 1.4 TESTÍCULOS E ESCROTO O escroto é uma bolsa localizada na região genital, que abriga os testículos, os epidídimos e elementos do funículo espermático. Abaixo da pele, encontra-se a túnica dartos, formada por fibras musculares lisas, que é contínua com as fáscias perineal superficial e superficial do abdome. No período embriológico, durante a descida dos testículos, eles adquirem camadas oriundas da parede abdominal, conhecidas como fáscias espermáticas. A fáscia espermática externa deriva da aponeurose do músculo oblíquo externo do abdome. Mais internamente, localiza-se a fáscia cremastérica, que deriva do músculo oblíquo interno do abdome. Mais internamente ainda, encontra-se a túnica espermática interna, derivada da fascia transversalis. A camada mais profunda é a túnica vaginal derivada do peritônio, dividida em 2 folhetos: parietal e visceral (Figura 1.20). Os testículos apresentam 2 polos (superior e inferior), 2 margens (lateral e medial) e 2 faces (anterior e posterior). As artérias que promovem a irrigação arterial testicular são: artéria testicular; ramo direto da aorta, deferencial (ramo das vesicais – superior ou inferior) e cremastérica (ramo da epigástrica inferior); além de ramos da artéria ilíaca interna. O testículo é drenado pelo plexo pampiniforme que, na região do anel inguinal interno, origina a veia testicular. A veia testicular esquerda desemboca na veia renal ipsilateral, e a veia testicular direita desemboca na veia cava inferior. Devido a angulação de 90 ° da veia testicular esquerda na veia renal, forma-se uma longa coluna hidrostática, com alta pressão, que, em virtude da incompetência valvular venosa, dilata o plexo pampiniforme, causando a varicocele mais comumente à esquerda. #IMPORTANTE A drenagem linfática do escroto é feita para linfonodos inguinais superficiais. O testículo direito drena para linfonodos retroperitoneais situados ao longo do pedículo renal e da veia cava inferior, entre a veia cava e a artéria aorta. O testículo esquerdo, por sua vez, drena para linfonodos situados ao longo do hilo renal esquerdo e da aorta. Formando um cordão de sustentação e comunicação com a região abdominal, está o funículo espermático, que vai do testículo até a cavidade abdominal, passando pela região inguinal. É formado pela união de ducto deferente, por componentes vasculares (artéria testicular, plexo pampiniforme e artéria do ducto deferente), componentes nervosos (ramo genital do nervo genitofemoral) e componente linfático e muscular (cremáster). Figura 1.20 - Escroto e suas camadas Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.21 - Ducto deferente e funículo espermático 1.5 EPIDÍDIMOS, DUCTOS DEFERENTES E VESÍCULAS SEMINAIS Os epidídimos estão localizados na face posterolateral dos testículos e podem ser didaticamente divididos em cabeça, corpo e cauda. A artéria epididimária, ramo da artéria testicular, supre a cabeça e o corpo do epidídimo. A cauda é irrigada pelas artérias epididimária, deferencial e testicular. As principais veias contribuem, também, para a formação do plexo venoso pampiniforme. Os ductos deferentes são a continuação da cauda dos epidídimos, ascendendo medialmente aos epidídimos, fazendo parte dos componentes do funículo espermático. Ao passar pelos canais inguinais, curvam-se em torno das artérias epigástricas inferiores e cruzam, anteriormente, as artérias ilíacas externas, voltando-se posterior e inferiormente, cruzando os vasos ilíacos externos e penetrando a pelve. Cruzam a face medial dos ureteres, atingindo a face posterior da bexiga, e continuam em direção inferior sobre a face medial das vesículas seminais. Nessa região, ficam dilatados e tortuosos, sendo denominados ampolas dos ductos deferentes. A irrigação se faz pela artéria deferencial, ramo da artéria ilíaca interna e a drenagem venosa, pelo plexo pampiniforme, localizado ao seu redor. As vesículas seminais são órgãos alongados que apresentam extremidade superior alargada e colo localizado inferiormente, que recebem os ductos deferentes. São órgãos multiloculados, compostos, principalmente, por musculatura lisa. Relacionam-se, anteriormente, com a bexiga, e, posteriormente, com o reto. Sua vascularização é feita por ramos da artéria ilíaca interna, principalmente pelas artérias deferencial, vesical inferior e retal média. A drenagem venosa se dá pelo plexo venoso periprostático, e a drenagem linfática vai para os linfonodos ilíacos internos. 1.6 PRÓSTATA 1.6.1 Anatomia A próstata apresenta 1 face anterior, 2 faces inferolaterais, 1 base superiormente e 1 ápice inferiormente. A base é contínua com o colo vesical, e o ápice repousa sobre a fáscia superior do diafragma urogenital. A face anterior relaciona-se com o pube, ao qual é fixada pelo ligamento avascular puboprostático. Posteriormente, relaciona-se com a superfície anterior do reto, do qual é separada por um segmento de peritônio obliterado, denominado fáscia de Denonvilliers. Divide-se didaticamente em 4 zonas: central, periférica, de transição e anterior (Figura 1.22). A zona central consiste em uma porção de tecido glandular que circunda os ductos ejaculatórios e representa 20% da massa total de tecido glandular prostático. A zona periférica é a maior região prostática, responsável por 70% da massa glandular total. É o principal local de desenvolvimento da neoplasia maligna da próstata e tem localização posterolateral, portanto é facilmente examinada por meio do toque retal. A zona de transição responde por 5 a 10% do tecido glandular prostático e localiza-se ao redor da uretra (zona periuretral). Seu crescimento patológico é responsável pelas manifestações clínicas observadas na hiperplasia prostática benigna. A zona anterior, por fim, é composta unicamente por tecido fibromuscular. A artéria vesical inferior (ramo da artéria ilíaca interna) dá origem às artérias prostáticas que, por meio de 2 ramos (uretrais e capsulares), promovem a irrigação da próstata (Figura 1.23). Os ramos uretrais penetram posterolateralmente na junção prostatovesical, perpendicular à uretra e, então, direcionam-se inferiormente, paralelamente à uretra, onde irrigam as glândulas periuretrais e a zona de transição. Os ramos capsulares correm posterolateralmente à próstata, com os nervos cavernosos, e emitem pequenos ramos que adentram a glândula perpendicularmente. A drenagem linfática prostática se faz, principalmente, para linfonodos ilíacos internos, incluindo os obturadores. 1.6.2 Vias de acesso 1. Via suprapúbica: a) Transvesical (Figura 1.24); b) Retropúbica (Figura 1.25). 2. Via perineal (Figura 1.26): a) Incisão arqueada em “U” invertido a 2 cm da borda anal; b) Divulsão da musculatura perineal, superiormente, e do elevador do ânus, inferiormente; c) Secção do músculo e do tendão retouretral e liberação posterior do reto. 3. Via videolaparoscópica; 4. Via endoscópica (Figura 1.27). Figura 1.22 - Zonas da próstata Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.23 - Irrigação da próstata Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.24 - Acesso transvesical Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.25 - Acesso retropúbico Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.26 - Acesso perineal Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.27 - Ressecção endoscópica Fonte: adaptado de National Cancer Institute, 2013. 1.7 PÊNIS O pênis é composto por 1 corpo esponjoso e 2 corpos cavernosos (Figura 1.28). O corpo esponjoso apresenta localização mediana, contém a uretra em seu interior e distalmente forma a glande. Os corpos cavernosos têm localização lateral e são as principais estruturas eréteis. Abaixo da pele, observa-se a fáscia superficial do pênis. Inferiormente, encontra-se a fáscia profunda (fáscia de Buck), que envolve os corpos cavernosose o esponjoso; esta fáscia é contínua com fáscia perineal profunda. Por fim, situada abaixo da fáscia de Buck, a túnica albugínea consiste em um envoltório fibroso denso, que envolve os corpos cavernosos (dupla camada) e o corpo esponjoso (única camada). Cada artéria pudenda interna (ramo da ilíaca interna), após emitir vários ramos perineais, passa a ser denominada artéria comum do pênis. Estas dão origem a 3 ramos para irrigação peniana: artéria bulbouretral, artéria dorsal do pênis e artéria cavernosa. As artérias bulbouretrais são responsáveis pela irrigação da uretra e dos corpos esponjosos. A dorsal do pênis localiza-se superficialmente à túnica albugínea e profundamente à fáscia de Buck. Por fim, as cavernosas localizam-se no interior dos corpos cavernosos. A drenagem venosa do pênis se faz, principalmente, pela veia dorsal profunda, que desemboca no plexo venoso periprostático. Linfonodos inguinais superficiais, localizados acima da fáscia lata, recebem a drenagem linfática da pele e do prepúcio. Por sua vez, estruturas penianas mais profundas drenam para linfonodos inguinais profundos (abaixo da fáscia lata) e linfonodos ilíacos externos. Nervos dorsais do pênis, os quais são ramos do nervo pudendo, inervam a pele e, principalmente, a glande. A uretra é inervada por ramos profundos dos nervos perineais que penetram a região do bulbo. Os nervos cavernosos são ramos do plexo hipogástrico inferior e os principais responsáveis pela inervação autonômica peniana, logo essenciais para a função erétil. Figura 1.28 - Anatomia peniana básica Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.29 - Corte tridimensional do pênis Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. 1.8 ADRENAIS As glândulas adrenais localizam-se superomedialmente aos rins e são envolvidas pela fáscia de Gerota, que se delamina para envolvê- las. Anteriormente, a adrenal direita relaciona-se com o lobo hepático direito, e a esquerda, com o estômago, o pâncreas e, eventualmente, o baço. Posteriormente, ambas as glândulas se relacionam com o diafragma e, lateralmente, com os rins. Medialmente, a suprarrenal direita normalmente entra em contato com a veia cava inferior, mas a esquerda não entra em contato com a aorta abdominal (Figura 1.30). #IMPORTANTE Ao contrário do que acontece com os rins (o rim direito é mais caudal do que o rim esquerdo), a glândula adrenal direita é mais cranial do que a adrenal esquerda. O suprimento arterial é extenso e provém das artérias suprarrenais superior, média e inferior (Figura 1.30). Respectivamente, originam- se da artéria frênica inferior, da aorta abdominal e da artéria renal. Por outro lado, a drenagem venosa é, em geral, única, sendo que a adrenal direita é curta e drena quase imediatamente para a veia cava inferior. A veia adrenal esquerda é mais longa e drena para a renal esquerda. Essa diferença é importante no planejamento de adrenalectomias. Além disso, as adrenais podem originar-se de neoplasias funcionantes com produção exacerbada de corticoides e catecolaminas. Ao realizar procedimento cirúrgico sobre essas glândulas, um cuidado especial necessário é a manipulação cuidadosa da glândula, bem como a ligadura precoce da veia adrenal, com o intuito de diminuir a liberação aguda desses hormônios na corrente sanguínea, que podem acarretar arritmias cardíacas, crise hipertensiva e eventos cerebrovasculares. Figura 1.30 - Anatomia vascular das adrenais Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. O trato urinário é totalmente extraperitoneal? O trato urinário não é totalmente extraperitoneal e é de extrema importância conhecer a anatomia e suas relações com estruturas vizinhas para o tratamento correto de suas patologias. Qual é a importância de se conhecer os exames de imagens para a propedêutica e para o tratamento na Urologia? 2.1 INTRODUÇÃO Os métodos de imagem são cada vez mais importantes para a elucidação diagnóstica de inúmeras doenças. Observamos que a melhoria desses métodos tem corroborado com o diagnóstico e o tratamento da maioria das doenças do trato geniturinário. Vamos dividir os métodos diagnósticos em radiologia convencional, ultrassonografia, Tomografia Computadorizada (TC), Ressonância Nuclear Magnética (RNM) e Medicina Nuclear (MN). 2.2 RADIOLOGIA Os raios X são absorvidos pelo corpo humano de forma irregular, dependendo da estrutura que atravessam. Por esse motivo, observamos variações entre a parte óssea (atenuam os raios com maior intensidade) e o gás dentro das alças intestinais (atenuam menos). Essas variações são observadas no exame de raios X pela intensidade da cor cinza (mais claro, estruturas sólidas; mais escuro, estruturas líquidas; e, por último, as gasosas). A limitação do método está relacionada à nitidez do órgão em estudo (comparado a exames mais modernos) e ao fato de demonstrar imagens bidimensionais de estruturas tridimensionais. A radiologia digital é um avanço da convencional, pela qual podemos melhorar a qualidade da imagem com menor radiação para as gônadas do paciente, podendo, inclusive, subtrair as imagens menos importantes, oferecendo mais ênfase ao que se deseja. 2.2.1 Radiografia simples de abdome Em Urologia, é preferível utilizar a técnica de radiografia denominada RUB (Rins, Ureter e Bexiga), composta por 3 incidências diferentes: a) Imagem contemplando todo o abdome (panorâmica); b) Imagem localizada das lojas renais com maior penetração dos raios X para maior visualização das unidades renais; c) Imagem localizada, na região da bexiga. O método procura avaliar a presença de calcificações patológicas urinárias, gastroenterológicas, esqueléticas ou eventual corpo estranho. Figura 2.1 - Radiografia simples de cálculo renal bilateral Fonte: Puwadol Jaturawutthichai. Principais indicações (Wein et al., 2016): a) Avaliação de doença calculosa antes ou depois de algum tratamento; b) Avaliar posicionamento de drenos e cateteres; c) Avaliar presença de contraste residual de algum exame contrastado prévio; d) Calcificações urinárias e não urinárias (principalmente litíase urinária); e) Suspeita de corpo estranho abdominal; f) Doenças gastroenterológicas radiopacas ou com efeito de massa; g) Doenças ósseas. 2.2.2 Urografia excretora Apesar desse método estar em desuso nos dias de hoje, a urografia excretora tem como principal interesse estudar a anatomia das vias excretoras com razoável avaliação da função renal. As indicações mais comuns para esse método são litíase e/ou obstrução urinária alta (acima da bexiga), infecção urinária de repetição ou hematúria. As contraindicações são alergia a contraste, insuficiência renal, gestação e mieloma múltiplo. As reações ao meio de contraste (iodo) ocorrem em 5 a 8% dos casos. A maioria apresenta reações leves (náusea, vômito, taquicardia, prurido). Entre 1 e 2% das reações são moderadas (edemas facial e laríngeo, broncoespasmo), e entre 0,05 a 0,1% são graves (parada cardiorrespiratória, edema de glote, convulsão, choque por hipotensão). A técnica baseia-se em realizar radiografia simples panorâmica, inicialmente para avaliar alguma concreção no trato urinário. Realizam-se infusão em bolus de contraste iodado, no primeiro minuto, e clichês com cortes planigráficos (nefrotomografia). Após 5 minutos, surge nova imagem na fase nefrográfica (avalia contorno e função renal) e, em 10 minutos, imagem panorâmica para avaliar opacificação de vias excretoras e ureter, seguida por imagens localizadas da bexiga cheia e vazia (avaliar formato da bexiga e resíduo pós-miccional). Apresentando demora de opacificação de 1 das 2 unidades renais, denomina-se retardo de excreção renal. Esse diagnóstico sugere obstrução e/ou menor função da unidade com retardo. Nesse caso, podemos realizar radiografias até 24 horas após a infusão do contraste para diagnosticar o fator obstrutivo. Esse método tem sido utilizado com menor frequência atualmente, por apresentar menor acurácia e menos detalhes do que a TC e a RNM. Figura 2.2 - Urografia excretora Legenda:(A) cálculo no ureter distal esquerdo; (B) cálculo no cálice inferior esquerdo. Principais indicações (Wein et al., 2016): a) Litíase urinária (também pode ser utilizada para evidenciar um cálculo radiotransparente que foi enviado a LECO – litotripsia extracorpórea – para tratamento – exame realizado com o paciente na mesa para LECO); b) Anomalias congênitas do trato urinário alto; c) Trauma do trato urinário (menos utilizado atualmente); d) Avaliar o nível de obstrução aguda ou crônica do trato urinário alto; e) Hematúria; f) Infecção urinária de repetição. 2.2.3 Uretrocistografia retrógrada Infusão de contraste pela uretra sob leve pressão demonstrando a morfologia desta e da bexiga. O exame demonstra lesões uretrais (estenose, divertículo, próstata obstrutiva, fístula, lesões traumáticas) e vesicais (divertículos, trabeculações, neurogênica, refluxo vesicoureteral, hiperplasia prostática, tumorações, fístulas). 2.2.4 Uretrocistografia miccional É o exame que demonstra o contraste iodado sendo eliminado da bexiga pela uretra. Pode ser feito introduzindo sonda uretral e infundindo contraste diretamente na bexiga, ou como segunda fase da uretrocistografia retrógrada. Quando não é possível infusão via uretral, pode-se realizar punção suprapúbica. Indica-se o exame na suspeita de anomalias congênitas (válvula de uretra posterior), infecção (refluxo vesicoureteral), enurese, hematúria, bexiga neurogênica e estenose de uretra. Está indicado, também, na avaliação de bexiga desfuncionalizada de paciente que será submetido a transplante renal. Após a micção completa, realiza-se clichê na bexiga para avaliar o resíduo urinário. Principais indicações: 1. Uretrais: divertículo, estenose, trauma, retenção urinária, uretrorragia, fístula, malformações congênitas (válvula da uretra posterior); 2. Vesicais: divertículo, bexiga neurogênica, refluxo vesicoureteral, pré-transplante renal, bexiga desfuncionalizada, tumor vesical, trauma, fístula, enurese. 2.2.5 Pielografia anterógrada e retrógrada 1. Anterógrada: punção percutânea pielocalicial e infusão de contraste no sistema coletor urinário para avaliar anatomia; 2. Retrógrada: introdução de cateter por via endoscópica pelo ureter e injeção de contraste pela via excretora também avaliam a anatomia do ureter e da pelve renal. Figura 2.3 - Pielografia retrógrada (cateter intrapiélico) Legenda: cálculo radiotransparente na junção ureteropiélica (seta azul) e agulha para punção percutânea de cálculo no cálice médio. Principais indicações (Wein et al., 2016): a) Obstrução do trato superior (estenose ureteral congênita e/ou adquirida); b) Fístula urinária; c) Opacificação do trato para auxiliar punção e procedimento percutâneo; d) Avaliar pressão intrapiélica (em desuso atualmente); e) Avaliar anatomia e drenagem renal pós-procedimento cirúrgico. 2.2.6 Angiografia Avaliação de anomalias vasculares do aparelho urinário (fístulas arteriais, venosas, neoformações ou estenoses). Seu emprego atualmente está limitado à suspeita de doença renovascular, estudo arterial prévio à nefrectomia parcial ou doador renal. Pela facilidade de realizar TC com melhor qualidade de imagem (multislice), a angiografia tem sido menos utilizada para avaliação de anomalias vasculares do aparelho urinário. A aortografia abdominal (aortorrenal) avalia a perfusão do rim estudado; a angiografia renal seletiva, a perfusão de área específica do rim; a cavografia inferior observa presença de oclusão venosa intrínseca ou extrínseca, bem como anomalias congênitas; a flebografia renal seletiva serve para avaliar fístulas venosas (causa de hematúria). A coleta de sangue de veias renais, adrenais e testicular é utilizada para testes específicos. Principais indicações: a) Hipertensão renovascular; b) Avaliação de doador renal; c) Mapeamento arterial pré-operatório; d) Suspeita de obstrução do pedículo renal (trauma); e) Diagnóstico e tratamento de fístula arterial ou venosa; f) Pré-embolização renal (tumor ou trauma); g) Pesquisa de doenças vasculares renais (por exemplo, hemangiomas). 2.3 ULTRASSONOGRAFIA É um método muito popular na Urologia, pois é um exame não invasivo, barato, rápido, seguro e com boa acurácia quando realizado por profissional experiente. Com ele, podem-se avaliar o formato, a textura e a funcionalidade (Doppler em rim e testículo) dos órgãos do sistema urinário, além de verificar a presença de neoformações (vasculares, tumorais, infecciosas, líquidas), hidronefrose e resíduo vesical, entre muitas outras indicações. É bom lembrar também que não se usa contraste e não apresenta radiação. A ultrassonografia é um exame muito útil para a litíase renal, pois avalia tamanho, localização, dilatação do trato urinário e espessura do parênquima renal. Pode ser feito em gestantes, sem os riscos de radiação dos demais métodos. A ultrassonografia é limitada em casos de cálculo no ureter médio, pois a presença de gases intestinais impossibilita a avaliação. É um exame muito útil para a drenagem percutânea de cistos ou abscessos, bem como para biópsias (por exemplo, renal e prostática). Figura 2.4 - Ultrassonografia de rim com dilatação piélica Fonte: arquivo pessoal dr. Alessandro Rossol. Figura 2.5 - Ultrassonografia de bexiga demonstrando lesão neoplásica Principais indicações: 1. Rim: litíase, obstrução, abscesso, cistos, tumores (malignos e benignos), avaliação do parênquima renal, guia para biópsia ou punção; 2. Ureter: litíase (principalmente ureter proximal e distal), obstrução (limitado pelos gases intestinais); 3. Bexiga: tumores, litíase, bexiga neurogênica, resíduo vesical, corpo estranho, divertículos; 4. Próstata: tamanho, tumor, abscesso, guia para biópsia, hiperplasia prostática; 5. Testículo/bolsa escrotal: escroto agudo, hidrocele, tumor, hérnia inguinal, varicocele. 2.4 TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA A TC tem se tornado um método cada vez mais importante no armamentário diagnóstico urológico. Avalia detalhadamente a anatomia de partes moles e de estruturas ósseas. Mede os graus de atenuação dos tecidos do organismo e traduz-se pelas respectivas densidades por meio da escala de Hounsfield (variações da cor cinza). Por definição arbitrária, o valor zero refere-se à água, -1.000 UH refere-se ao ar (cinza muito escuro) e +1.000 UH refere-se ao osso compacto (cinza muito claro). Todos os tecidos possuem densidade entre o ar e o osso, variando de pontuação entre -1.000 e +1.000 UH. Por exemplo, cisto renal simples pode ter densidade próxima a zero e massa sólida renal +60UH. Para a avaliação de perfusão de um órgão como o rim, pode-se realizar a injeção de contraste iodado e definir a anatomia do parênquima renal, além de avaliar parcialmente a função desse órgão. O estudo renal completo compreende 4 fases: pré-contraste e pós-contraste, a última dividida em cortical, medular e excretora. O padrão-ouro para diagnóstico de litíase urinária é a TC de abdome e pelve sem contraste. Técnicas de análise tardias e uso de aparelhos mais modernos (multislice) vêm melhorando de forma exponencial o diagnóstico das mais variadas doenças urológicas, reduzindo a indicação de exames como urografia excretora, pielografias e angiografias. Figura 2.6 - Tomografia computadorizada Legenda: (A) demonstrando cálculo no cálice inferior (seta amarela); (B) em fase angiográfica; (C) sem contraste em reconstrução tomográfica. Figura 2.7 - Reconstrução da imagem anterior de tomografia Principais indicações: 1. Rim: tumor, abscesso, litíase, avaliação do parênquima renal, trauma, obstrução intrínseca e extrínseca, guia de biópsia, hematúria; 2. Ureter: obstrução intrínseca e extrínseca, litíase, fístula (sem limitação dos gases intestinais); 3. Bexiga: tumor, litíase, corpo estranho, fístula; 4. Próstata: tamanho, abscesso, tumor; 5. Retroperitônio: estadiamento de tumores urogenitais, abscessos. 2.5 RESSONÂNCIA MAGNÉTICA A RNM é um método que utiliza o campo magnético produzido pelo órgão em estudo para definir seu formato e sua densidade. O contraste éo gadolínio, que não apresenta riscos significativos de alergia e não é nefrotóxico (porém, em pacientes com função renal debilitada, pode causar fibrose sistêmica nefrogênica). Diferentemente da TC, a RNM não emite radiação ionizante, podendo, inclusive, ser usada na gestação. A RNM possui excelente resolução para determinadas avaliações, como massas tumorais, plano de clivagem ou extensão de tumores intravasculares. Sua resolução tecidual com alta sensibilidade na detecção de gordura a torna importante em alguns diagnósticos diferenciais, principalmente em lesões de glândulas adrenais. A ressonância multiparamétrica da próstata tem sido importante para definir a presença de tumor extraprostático e classificar a lesão prostática quanto a probabilidade de ser neoplasia (classificação de PI-RADS®). A sensibilidade para litíase ou concreções à base de cálcio é pequena, limitando o uso no diagnóstico de cálculo renal, e, além disso, depende da colaboração do paciente e apresenta maior custo. Figura 2.8 - Ressonância nuclear magnética de próstata demonstrando nódulo de origem tumoral (comprovado por biópsia) Figura 2.9 - Ressonância nuclear magnética de abdome Legenda: tumor renal (seta azul) e metástase hepática (seta amarela). Figura 2.10 - Ressonância nuclear magnética de abdome Nota: rim esquerdo com sequência ponderada em T1 coronal com saturação de gordura e uso de contraste paramagnético mostrando volumosa lesão expansiva na porção inferior do rim com extensão à veia renal e à veia cava inferior. Principais indicações: a) Pacientes alérgicos ao iodo com indicação de tomografia (menos adequado para litíase); b) Avaliação do plano de clivagem de tumor e estadiamento; c) Tumores com extensão intravascular; d) Massas adrenais e linfonodos retroperitoneais; e) Estadiamento do tumor de próstata (ressonância multiparamétrica da próstata); f) Angiorressonância (por exemplo, doença renovascular); g) Urorressonância para fatores obstrutivos. 2.6 MEDICINA NUCLEAR – CINTILOGRAFIA RENAL E RENOGRAMA A MN objetiva identificar tecidos viáveis e quantificar a atividade metabólica e funcional desses tecidos. Não oferece muita acurácia para definir a anatomia do órgão estudado. Diferentemente dos métodos já descritos, a MN necessita que o paciente receba radiofármacos, que serão captados pelos órgãos desejados e, na sequência, “lidos” pela câmara de cintilação, que definirá quanto e como o órgão está funcionando. O funcionamento do rim é o maior interesse da Urologia com a MN. Os radiofármacos mais utilizados são DTPA-99Tc (ácido dietilenotriaminopentacético marcado com tecnécio 99m), DMSA- 99Tc (ácido dimercaptossuccínico, marcado com tecnécio 99m) e MAG3-99Tc (ácido dimercaptossuccínico, marcado com tecnécio 99m). A cintilografia renal é o exame de escolha para avaliação de obstrução (DTPA) e função renal (DMSA). Não utiliza gadolínio (sem risco de fibrose nefrogênica sistêmica) ou contrastes iônicos intravenosos: logo, não causa danos aos rins, não apresenta toxicidade persistente ou reações alérgicas, além de resultar em mínima radiação absorvida. Comparada a outros exames de imagem, a cintilografia não é invasiva e apresenta o mínimo risco e mínimo desconforto ao paciente, permitindo determinar a função renal. Principais indicações (Wein et al., 2016): a) Avaliação da drenagem e excreção renal; b) Avaliação do parênquima renal (malformações, ectopias, displasias, lesões corticais residuais – cicatrizes pós-pielonefrite, refluxo vesicoureteral, traumatismo renal); c) Avaliação da função relativa e absoluta do rim; d) Diagnóstico e seguimento de patologia renal obstrutiva; e) Avaliação de perfusão e função de rim transplantado. Principais radiofármacos utilizados: 1. DTPA-99Tc: excretado exclusivamente por filtração glomerular (sem ser reabsorvido), possui fase angiográfica e possibilita estudo dinâmico com renograma quantificando e comparando a filtração renal bilateral, além de avaliar se há obstrução funcional das vias excretoras. Na suspeita de hipertensão renovascular, o uso de captopril durante o exame demonstra hipoperfusão do lado da estenose renal; 2. DMSA-99Tc: filtrado e reabsorvido pelo túbulo proximal. É a droga de escolha para realizar imagens do córtex renal e estimar a massa de parênquima renal funcionante bilateral, demonstrando, assim, a presença de cicatrizes renais; 3. MAG3-99Tc: pode ser utilizado nas mesmas situações que o DTPA. Possui secreção tubular. Seu uso fica limitado por apresentar custo elevado. Não disponível no Brasil. Qual é a importância de se conhecer os exames de imagens para a propedêutica e para o tratamento na Urologia? Tendo como base esses conhecimentos, podemos ter aliados importantíssimos na nossa prática clínica diária ajudando na propedêutica diagnóstica dos casos urológicos. Entendendo o funcionamento dos exames, fica mais fácil saber quando e para que pedir cada um deles, auxiliando no diagnóstico e no tratamento dos casos urológicos. O exame de urina I alterado significa somente infecção urinária? 3.1 INTRODUÇÃO A análise da amostra de urina, também conhecida como “biópsia renal sem agulha” e “espelho do rim”, é um dos principais exames em Urologia, pois é de simples execução, de baixo custo, acessível e muito elucidativo. Em conjunto com a história e o exame físico, a análise urinária desempenha um papel central na avaliação da doença renal aguda e crônica. A nomenclatura da urinálise varia nas diversas regiões do Brasil: pode ser chamada urina I, EAS (Elementos Anormais e Sedimentos), EQU (Exame Qualitativo de Urina) e sumário de urina. Por meio da urinálise, faz-se a avaliação qualitativa de certos constituintes químicos e do sedimento urinário. A urina utilizada para o exame deve ter sido recém-emitida, preferencialmente sem cateterismo vesical, pela manhã, em um recipiente limpo e seco. Na mulher, a genitália deve ser cuidadosamente limpa e deve-se evitar a coleta em dias próximos do início ou do fim do período menstrual, ocasião em que poderá ocorrer contaminação com hemácias. Em ambos os sexos, o jato miccional inicial deve ser desprezado, coletando-se o intermediário. A amostra pode ser avaliada no máximo 120 minutos após a coleta, desde que mantida durante esse período em refrigerador (de 2 a 8 °C). Em pacientes com cateteres urinários, a amostra de urina deve ser coletada diretamente do cateter, e não da bolsa coletora. A coleta de urina I em neonatos e crianças deve ser feita preferencialmente com sonda vesical ou saco coletor (este, porém, pode causar resultado falso positivo devido a maior chance de contaminação). A punção suprapúbica fica reservada para os casos em que não se consegue coletar a urina pelos outros 2 meios anteriores. Grande parte dos dados podem ser obtidos por meio de fitas reativas, porém estas não substituem o exame microscópico do sedimento urinário. 3.2 COR E ASPECTO Quando se tem alteração na coloração da urina, deve-se pensar em alterações sanguíneas, patologias, corantes alimentares e medicamentos, porém esse é um exame de baixas sensibilidade e especificidade. A seguir, está descrita a análise da urina referente à sua coloração e ao seu aspecto – o que já pode indicar algumas patologias: 1. Amarelo-clara/âmbar: normal; 2. Amarelo-escura: urina concentrada (pode significar desidratação ou simplesmente restrição hídrica); 3. Amarronzada: bilirrubina (colúria), cloroquina, nitrofurantoína, metronidazol, primaquina, fava, babosa; 4. Laranja: rifampicina, varfarina, fenazopiridina, cenoura (betacaroteno), vitamina C, aumento de ácido úrico; 5. Vermelha/marrom: hematúria, hemoglobinúria, mioglobinúria, necrose tubular aguda, rabdomiólise, fenitoína, clorpromazina, beterraba, amora-preta (blackberry); 6. Vinho: porfiria; 7. Turva/leitosa: infecções, piúria, quilúria, fungos, cristais de fosfato, propofol; 8. Rosa: cristalúria de ácido úrico maciça, beterraba, amora-preta (blackberry); 9. Azul/verde: azul de metileno, Pseudomonas, amitriptilina, propofol, cimetidina, indometacina,prometazina, aspargo, má absorção do triptofano; 10. Amarelo-esverdeada fluorescente: complexo B; 11. Preta: alcaptonúria causada pela excreção urinária do ácido homogentísico, relacionada ao distúrbio do metabolismo da tirosina. 3.3 ODOR Algumas condições patológicas podem conferir odor característico à urina. 1. Fétido: infecção urinária; 2. Adocicado: cetonúria; 3. “De óleo de peixe”: hipermetioninemia; 4. “De mofo”: fenilcetonúria. 3.4 DENSIDADE A densidade urinária normal varia de 1.015 a 1.025. Após uma noite sem ingestão de líquidos, espera-se que um adulto tenha densidade de ao menos 1.020. De 1.000 a 1.003 é compatível com hiperdiluição urinária, que pode ocorrer no diabetes insipidus e na polidipsia psicogênica. Densidade > 1.032 pode ser compatível com glicosúria, e, quando > 1.040, devem-se considerar agentes osmóticos extrínsecos, como manitol ou contrastes osmóticos. 3.5 PARÂMETROS QUÍMICOS 3.5.1 pH Embora seja determinado rotineiramente, o pH não identifica nem exclui patologia renal; ele reflete o grau de acidificação da urina. Pode variar entre 4,5 e 8, porém o valor esperado para urina normal está entre 5 e 6, na primeira urina da manhã; dependendo do equilíbrio acidobásico sistêmico. Urina com pH alcalino (≥ 7) pode sugerir infecção urinária ou proliferação de bactérias que desdobram a ureia, produzindo urease, como Proteus mirabilis; e, também, quando ocorre demora na realização do exame. Outras causas que elevam o pH urinário são uso de diuréticos, dieta vegetariana, vômitos e uso de substâncias alcalinas. Por outro lado, indivíduos em acidose metabólica ou com dieta rica em carnes têm pH urinário baixo. O pH urinário pode ser útil no diagnóstico das acidoses tubulares renais (reabsorção inadequada de bicarbonato ou incapacidade de acidificar apropriadamente a urina), em que esta tende a ficar alcalina, apesar de o organismo apresentar-se em acidose. A urina alcalina, como já dito, pode ser sugestiva de infecção por bactérias produtoras de urease (cálculos de estruvita), além de poder estar associada a fosfato de amônia. Urinas ácidas e litíase são, geralmente, sinônimos de cálculos de ácido úrico. 3.5.2 Bilirrubina e urobilinogênio Apenas a bilirrubina direta (conjugada) é hidrossolúvel e pode, portanto, ser excretada na urina. Assim, na estase biliar por obstrução ou por drogas, a pesquisa de bilirrubina na urina é positiva. Já em situações de hemólise, em que aumenta a bilirrubina indireta (que não é hidrossolúvel), a pesquisa na urina é negativa. O urobilinogênio urinário é negativo nas icterícias obstrutivas, pois não há quebra de bilirrubina na luz intestinal; entretanto, pode ser positivo em casos de hemólise e hemorragias digestivas. A quantidade de urobilinogênio considerada normal na urina é de 0,2 a 1 mg/dL. 3.5.3 Esterase leucocitária e nitrito Tanto a positividade do nitrito quanto a da esterase leucocitária são achados indiretos que podem sugerir infecção urinária. Em casos de nitrito negativo associado a ausência de leucocitúria, pode-se descartar a possibilidade de infecção urinária mesmo sem a cultura de urina (guideline da European Association of Urology, 2019). O método da esterase leucocitária baseia-se na detecção da esterase liberada por granulócitos por meio de fita reativa. Quando há contaminação vaginal, podem ocorrer resultados falsos positivos. Falsos negativos são possíveis na presença de grande quantidade de glicose, albumina, ácido ascórbico, tetraciclina, cefalexina, cefalotina ou ácido oxálico. Urina excessivamente diluída pode favorecer a lise celular e diminuir o limiar para a positividade do teste. Em contrapartida, uma urina concentrada pode impedir a lise das células e, por conseguinte, produzir resultado falso negativo. Algumas bactérias (principalmente Enterobacteriaceae) convertem nitrato em nitrito. A presença deste também é detectada por reação com fita reativa, e podem ocorrer resultados falsos negativos quando há demora na realização do exame, o que causa a degradação prévia do nitrito. Deve ser considerado o fato de que alguns patógenos não convertem nitrato em nitrito, como o Enterococcus faecalis e a Neisseria gonorrhoeae. Piúria isolada é indicativa de infecção do trato urinário (incluindo a tuberculose, em que as culturas bacterianas convencionais podem ser negativas). Piúria estéril pode ocorrer, também, em doença tubulointersticial, como nefropatia por analgésico. Piúria é comumente associada a bacteriúria. No entanto, se a cultura de urina correspondente é negativa (isto é, estéril), devemos pensar em nefrite intersticial, tuberculose renal ou nefrolitíase. 3.5.4 Glicose Glicosúria ocorre por incapacidade do rim em reabsorver glicose filtrada no túbulo proximal ou concentração de glicose plasmática elevada. Em pacientes com a função renal normal, a glicosúria geralmente não ocorre até que a concentração de glicose no plasma seja > 180 mg/dL. A maior parte das fitas usa o método glicose oxidase/peroxidase, que normalmente detecta níveis baixos de glicose urinária (50 mg/dL). Como o limiar renal é de aproximadamente 160 a 180 mg/dL, a presença de glicosúria geralmente indica glicemia > 210 mg/dL. A presença de grande quantidade de corpos cetônicos, ácido ascórbico e metabólitos da fenazopiridina (Pyridium®) pode alterar a reação. Além de ocorrer em pacientes com aumento da glicemia (diabetes mellitus, gestação), a glicosúria pode estar presente em casos de lesão tubular (em que a reabsorção da glicose não ocorre adequadamente), como na glicosúria renal ou na síndrome de Fanconi, um defeito primário de reabsorção do túbulo proximal que consiste em glicosúria, fosfatúria (hipofosfatemia sérica), uricosúria, acidose tubular renal e aminoacidúria. 3.5.5 Corpos cetônicos Acetoacetato e acetona podem aparecer na urina de pacientes em jejum prolongado e com cetoacidose diabética ou alcoólica. Geralmente, são detectados com a reação de nitroprussiato. Entretanto, o beta-hidroxibutirato, principal corpo cetônico (80%), não é detectado pela reação com nitroprussiato. 3.5.6 Hemoglobina e mioglobina A fita reativa usa a atividade peroxidase-like da hemoglobina para catalisar a reação. A presença de hemoglobina, mioglobina ou hemácias resulta em positividade da reação. A hemoglobina é relativamente mal filtrada, tanto pelo seu amplo tamanho quanto pela ligação à haptoglobina. Quando a capacidade da hemoglobina do plasma em se ligar é excedida, surge a hemoglobinúria. A principal causa de hemoglobina livre é a hemólise. Já a mioglobina é um monômero e não está ligada a proteínas, sendo, portanto, rapidamente filtrada e excretada. Sua fonte de excesso é a degradação do músculo esquelético (rabdomiólise), que também está associada à elevação acentuada da concentração de creatinoquinase no soro. Teste positivo para hemoglobina, porém com quantidade de hemácias normal, sugere hemoglobinúria (hemólise) ou mioglobinúria (rabdomiólise). Nessas circunstâncias, o aspecto do plasma pode ajudar, pois na hemoglobinúria sua coloração é avermelhada e, na mioglobinúria, está inalterada. O resultado negativo de hemoglobina e mioglobina afasta, com segurança, hematúria, hemoglobinúria e mioglobinúria. A presença de urina vermelha, com reação negativa na fita, pode representar a excreção de pigmentos após a ingestão de medicamentos (fenitoína, clorpromazina) ou de alimentos (beterraba) ou a presença de porfiria. Figura 3.1 - Principais causas de hematúria com relação à idade em que geralmente ocorrem (eixo horizontal), transitoriedade ou persistência (eixo vertical) e frequência (azul implica mais frequente) Legenda: Hiperplasia Prostática Benigna (HPB). Convém lembrar que o teste da fita reativa é um bom parâmetro para abrir um leque de diagnósticos, entretanto ele tem elevada sensibilidade e baixa especificidade. 3.6 PROTEINÚRIA Normalmente, são filtrados pelos glomérulos de 170 a 180 L de plasma diariamente, e cada litro filtrado contém cerca de 70 g de proteína. No entanto, os túbulos apresentam eficientemecanismo de reabsorção da proteína filtrada, portanto, menos de 150 mg são excretados por dia. Dos 150 mg de proteínas excretadas diariamente, 30 a 50 mg são compostas pela proteína de Tamm-Horsfall (mucoproteína formada na porção espessa da alça de Henle e porção inicial do túbulo distal), e o restante, por globulinas e albumina (menos de 30 mg/d). A análise tem sensibilidade bastante variável, conforme a diluição da urina, e basicamente detecta albumina em níveis > 300 mg/d (ou seja, níveis de macroalbuminúria). Em urinas muito concentradas, a detecção pode ser maior; em urinas mais diluídas, a detecção pode ser mais difícil, sendo que o exame pode ser, inclusive, um falso negativo. Outras proteínas, como as de cadeia leve produzidas no mieloma múltiplo, não são detectadas. Em geral, as proteinúrias acontecem por lesão tubular ou glomerular, porém, existem situações em que ocorre proteinúria transitória, sem lesão tubular ou glomerular, como em infecção urinária, febre, exposição ao frio ou ao calor, exercício físico, postural (proteinúria ortostática) e convulsões. As proteinúrias glomerulares acompanham-se de perda predominante de albumina; já as tubulares, de perdas de proteínas de baixo peso molecular, como a beta-2-microglobulina, proteína transportadora de retinol, lisozima, cadeias leves de imunoglobulinas etc. 3.6.1 Determinação qualitativa Existem diferentes métodos para a detecção de proteína na urina. Os resultados podem ser expressos em g/dL ou em cruzes (0 a ++++), de acordo com a intensidade da reação. De forma geral, traços de proteinúria são equivalentes a 10 a 150 mg/24 horas; 1+ corresponde a cerca de 200 a 500 mg/24 horas; 2+ corresponde a de 500 a 1.500 mg/24 horas; 3+, de 2 a 5 g/24 horas; e 4+, de 7 g ou mais em 24 horas. É importante ressaltar que, para a interpretação correta desses resultados, deve-se levar em conta o valor da densidade urinária, pois, em situação de fluxo urinário elevado (urina diluída, com densidade baixa), a concentração de proteína é baixa, podendo não ser detectada pelos métodos habituais. Tabela 3.1 - Proteinúria, segundo o Serviço de Nefrologia do Hospital Fernando Fonseca (2012) 3.6.2 Determinação quantitativa A determinação quantitativa é feita colhendo urina de 24 horas e determinando o conteúdo de proteína pelo método de precipitação. A quantidade diária de proteínas na urina não deve ultrapassar 150 mg/d, portanto valores superiores a esse limite significam alterações importantes na permeabilidade glomerular ou na função tubular. Proteinúria acima de 3,5 g/24 horas, em adultos, é considerada em faixa nefrótica. Quando existe dificuldade para ser coletada urina de 24 horas, pode- se utilizar a relação proteína-creatinina em amostra isolada de urina. Normalmente, essa relação é menor do que 0,2 mg/mg, portanto, valores maiores indicam excesso de proteína na urina. 1. Microalbuminúria: excreção de 30 a 300 mg/d; 2. Proteinúria: > 150 mg/d; 3. Proteinúria nefrótica: > 3,5 g/d. 3.6.3 Albuminúria A quantificação de albumina urinária é usada para screening e acompanhamento de nefropatia diabética. Existem diferentes métodos utilizados para a determinação da albumina urinária: radioimunoensaio, ELISA, nefelometria. A interpretação dos valores encontrados deve ser realizada da seguinte forma: 1. Até 30 mg/d: normoalbuminúria; 2. 30 a 300 mg/d: microalbuminúria; 3. Maior do que 300 mg/d: macroalbuminúria. Proteinúria grave com hematúria ausente ou mínima é indicativa de doenças glomerulares não proliferativas, incluindo nefropatia diabética severa. Além disso, esse padrão pode ser visto em nefropatia membranosa, glomeruloesclerose segmentar e focal, doença de lesões mínimas e amiloidose. 3.7 SEDIMENTO URINÁRIO O exame microscópico do sedimento urinário pode indicar nefropatia e, muitas vezes, a natureza e a extensão das lesões. A seguir, serão especificadas as substâncias e as células normalmente presentes no sedimento urinário e as indicativas de patologias renais. 3.7.1 Células As células encontradas no sedimento urinário podem ser provenientes de descamação do epitélio do trato urinário ou dos elementos celulares do sangue (eritrócitos, linfócitos e neutrófilos). Nas nefropatias, as células epiteliais se degeneram e são eliminadas em grande número, particularmente quando há proteinúria intensa. Além disso, na presença de proteinúria, ocorre a degeneração gordurosa das células epiteliais, com a inclusão de partículas de gordura no interior dessas células, as quais passam a ser chamadas corpúsculos ovais. Leucócitos e hemácias podem ser provenientes tanto dos rins como de qualquer parte do trato urinário. É considerada normal a presença de até 10 leucócitos e 3 hemácias por campo no sedimento urinário. A hematúria pode ser transitória ou persistente. A primeira é relativamente comum em pacientes jovens e pode ocorrer após exercício ou relação sexual, além de poder indicar processos infecciosos do trato urinário (cistite ou prostatite). Na hematúria persistente, o número de hemácias (hematúria) pode indicar tanto lesão glomerular (hematúria alta) quanto do trato urinário inferior (hematúria baixa), e sugere-se complementar a investigação com a pesquisa de dismorfismo eritrocitário. Hematúria inicial pode indicar origem uretral; se terminal, indica origem do colo vesical ou da próstata e a hematúria total é mais indicativa de origem vesical ou no sistema excretor alto. A hematúria persistente deve ser sempre avaliada; entre as causas mais comuns estão nefrolitíase, infecção urinária, hiperplasia prostática benigna, câncer e doença glomerular. A distinção entre causas glomerulares e não glomerulares é o primeiro passo na avaliação da hematúria inexplicada. Na hematúria de origem glomerular, encontra-se grande número de hemácias dismórficas (Figura 3.2), pois essas células têm sua forma alterada ao passarem pela barreira glomerular; o mesmo não acontece na forma baixa. Adicionalmente, na hematúria de origem glomerular, a urina tem coloração amarronzada (ou cor de “Coca-Cola”) e não há formação de coágulos. Essas características auxiliam na distinção da hematúria de origem glomerular daquela de origem nas vias urinárias baixas, de coloração vermelho-viva e com coágulos. A presença de hematúria associada a proteinúria sugere doença glomerular; já a de hematúria isolada pode ser encontrada em casos de litíase, tumores e doença renal policística, mas pode, também, estar presente em algumas doenças glomerulares, como nefropatia por IgA, doença da membrana basal glomerular fina e síndrome de Alport. A leucocitúria (Figura 3.3) reflete infecção ou inflamação do trato urinário, portanto, pode estar presente em quadros de infecção do trato urinário, pielonefrite, glomerulonefrites, nefrite intersticial aguda etc. A presença de eosinófilos na urina tem sido considerada marcador na nefrite intersticial alérgica. Outras células: a) Tubulares renais (necrose tubular aguda, nefrite intersticial aguda); b) Revestimento do excretor. Figura 3.2 - Exame microscópico do sedimento urinário Legenda: (A) hematúria não dismórfica e (B) hematúria dismórfica e acantócitos. Figura 3.3 - Exame microscópico do sedimento urinário mostrando leucocitúria, que pode estar presente em quadros de infecção do trato urinário ou inflamação do trato urinário 3.7.2 Cilindros Os cilindros são formados no lúmen tubular, e vários fatores favorecem sua formação, como estase de urina, baixo pH e maior concentração urinária. São elementos do sedimento urinário de grande importância na distinção entre nefropatia primária e doença do trato urinário baixo, normalmente formados por uma matriz proteica, na qual se podem aglutinar células e gotículas de gordura. Principais tipos: 1. Hialinos: compostos principalmente por mucoproteína de Tamm- Horsfall, sem inclusões (Figura 3.4 - A). Clinicamente, têm pouco significado, podendo ser fisiológicos; 2. Leucocitários: compostos por mucoproteína de Tamm-Horsfall e leucócitos (Figura 3.4 - B). Aparecem na inflamaçãointersticial, pielonefrite e glomerulonefrite proliferativa; 3. Hemáticos: compostos por mucoproteína de Tamm-Horsfall e hemácias (Figura 3.4 - C). A presença desse tipo no exame de sedimento urinário é patognomônica de doença glomerular; 4. Celulares/epiteliais: compostos por mucoproteína de Tamm- Horsfall e células epiteliais descamadas. A presença de cilindros epiteliais renais é indicativa de lesão tubular como necrose tubular aguda, nefrite intersticial aguda e glomerulonefrite proliferativa; 5. Granulosos: cilindros epiteliais com fragmentos de células que se desintegraram (Figura 3.4 - D). Podem ser fisiológicos ou estar associados a quadro de lesão tubular, como a necrose tubular aguda; 6. Céreos: cilindros muito largos, que refletem a fase final da dissolução dos cilindros epiteliais. Estão associados a estase urinária e ocorrem nos estágios finais da doença renal crônica; 7. Gordurosos: cilindros hialinos impregnados de gotículas de gordura, também chamados corpos lipoides. Ocorrem em casos de síndrome nefrótica. Figura 3.4 - Sedimento urinário Legenda: (A) cilindro hialino; (B) cilindro leucocitário; (C) cilindro hemático; (D) cilindro granuloso. A presença de hemácias dismórficas, cilindros hemáticos, proteinúria e/ou lipidúria é sugestiva de doença glomerular. 3.7.3 Cristais Os cristais encontrados na urina I podem ser de diferentes composições e significados. A presença de cristais de ácido úrico, fosfato e oxalato de cálcio pode não ter significado diagnóstico, já que essas substâncias podem cristalizar em decorrência de alterações de pH e temperatura. No entanto, cristais de ácido úrico podem estar presentes na insuficiência renal aguda por lise tumoral pós-quimioterapia (Figura 3.5 - A), e cristais de oxalato de cálcio podem sugerir intoxicação por etilenoglicol (Figura 3.5 - B). Cristais de estruvita (fosfato amoníaco-magnesiano) são incomuns e podem estar relacionados a litíase, associada a infecções por bactérias produtoras de urease (Klebsiella, Proteus). Os cristais de cistina também são incomuns, e a cistinúria deve ser investigada. Figura 3.5 - Sedimento urinário Legenda: (A) cristal de ácido úrico e (B) cristal de oxalato de cálcio. Fonte: Schira. A urina I normal pode ser encontrada em insuficiência renal aguda pré-renal ou por necrose tubular aguda, em obstruções do trato urinário, em hipercalcemia, no mieloma múltiplo, em emergências hipertensivas, na crise esclerodérmica renal, microangiopatias, na doença ateroembólica, na poliarterite nodosa, na síndrome de lise tumoral e na nefropatia aguda por fosfato. Em pacientes renais crônicos, urina I normal pode indicar situações de baixo volume circulante (insuficiência cardíaca), obstrução de trato urinário ou nefrosclerose hipertensiva. O exame de urina I alterado significa somente infecção urinária? Com base nesse capítulo podemos notar que a alteração no exame de urina I pode nos levantar a hipótese diagnóstica de diversas patologias e não apenas a infecção; por isso, é importante saber interpretar bem esse exame simples e barato para que assim possamos continuar investigando as alterações que foram inicialmente detectadas. Quando tratar uma infecção do trato urinário? Como diferenciar uma infecção do trato urinário baixo de uma do trato urinário alto? 4.1 DEFINIÇÃO A Infecção do Trato Urinário (ITU) é definida como uma resposta inflamatória dos tecidos de qualquer parte do trato urinário à invasão bacteriana ou, mais raramente, a outros agentes infecciosos, como fungos e vírus. A presença de patógenos na urina implica colonização, infecção ou contaminação, pois se espera que esta seja estéril. Pode ser sintomática ou assintomática e, em alguns casos, evoluir com sepse e até morte, caso não seja tratada. Bacteriúria assintomática é um termo muito utilizado e significa isolamento de bactérias na urina, em contagens significativas, porém sem sintomas locais ou sistêmicos. Conforme o guideline da European Association of Urology (2019), a bacteriúria assintomática é definida por 2 uroculturas positivas, colhidas na sequência e contendo 100.000 Unidades Formadoras de Colônias por mL (UFC/mL) da mesma cepa bacteriana (geralmente apenas a espécie pode ser detectada, quando mais de uma espécie está presente, temos que estar atentos com a possibilidade de contaminação). Para as mulheres, consideram-se necessárias 2 amostras, enquanto para os homens, apenas 1 amostra é suficiente. Em casos de urina cateterizada, é necessária apenas 1 amostra com mais de 100 UFC/mL para ambos os sexos. Vale lembrar que a bacteriúria assintomática é independente da leucocitúria, podendo esta última estar presente ou não. Em casos de ITU por S. saprophyticus ou Candida, o cut-o� (valor de corte) de 10.000 UFC/mL é aceito. A ITU é considerada a infecção bacteriana mais comum, porém sua real incidência não é totalmente conhecida. Nos Estados Unidos, estima-se que, anualmente, cause cerca de 7.000.000 consultas ambulatoriais, 1.000.000 consultas de emergência e 100.000 hospitalizações, sendo a sua incidência 2 vezes maior entre mulheres. Dentre as infecções nosocomiais, a ITU é a primeira em incidência, embora a mortalidade das pneumonias nosocomiais seja maior. Entre os homens, são incomuns até os 50 anos. Após essa idade, pode ocorrer hiperplasia prostática, causando obstrução no fluxo urinário, com aumento da incidência. Além disso, algumas populações são especialmente suscetíveis à ITU, incluindo crianças pequenas, mulheres grávidas, idosos, pacientes com lesões medulares, usuários de sondas vesicais, diabéticos e imunossuprimidos. 4.2 CONCEITOS Diversos termos relacionados às ITUs, usados de forma muitas vezes indevida, devem ser conhecidos para melhor caracterização das infecções. 4.2.1 Bacteriúria É anormal a presença de bactéria na urina, em qualquer quantidade. Muitas vezes, é difícil diferenciar bacteriúria decorrente de infecção ou contaminação. Assim, em 1956, foi introduzido, por Kass et al., o termo bacteriúria significativa, ou seja, mais de 100.000 colônias/mL. Estudos recentes consideram infecção em mulheres sintomáticas com contagem de 103 bactérias/mL, homens com contagem de 105 bactérias/mL e pacientes com uso de cateteres urinários com contagem de 102 bactérias/mL. Aproximadamente, 5% dos adultos jovens terão bacteriúria pelo menos 1 vez, e a incidência aumenta com a idade, na taxa de 1 a 2% por década. Desenvolve-se muito mais em mulheres com história de infecções urinárias frequentes e, se não houver história de infecção sintomática, há a tendência de, em poucos dias, desaparecer espontaneamente. Contudo, em 52% das mulheres nas quais a bacteriúria desaparece, haverá recorrência da bacteriúria assintomática, algumas vezes sintomática, pelo menos 1 vez, nos próximos 2 anos. Quadro 4.1 - Definição de infecção do trato urinário – contagem de colônia com piúria 4.2.2 Bacteriúria assintomática Como norma geral, segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Urologia e segundo o guideline da European Association of Urology (2019), pacientes idosos e com disfunções neurogênicas, diabéticos, em uso de cateter vesical, transplantados ou antes de cirurgia ortopédica não devem ser tratados com antibióticos, pois existe o risco desnecessário de seleção de bactérias mais resistentes e da interação alérgica às drogas, além dos custos dos tratamentos. A bacteriúria assintomática deve ser tratada previamente a manipulação cirúrgica do trato urinário e em gestantes. Bacteriúria significativa em adultos: a) ≥ 103 uropatógenos/mL no jato médio da urina em cistite aguda não complicada em mulheres; b) ≥ 104 uropatógenos/mL no jato médio em pielonefrite aguda não complicada em mulheres; c) ≥ 105 uropatógenos/mL no jato médio da urina em mulheres, ou ≥ 104 uropatógenos/mL no jato médio da urina em homens (ou em urina colhida diretamente por cateterismo em mulheres) com ITU complicada; d) Na amostra colhida por punção suprapúbica, qualquer contagem de bactérias é relevante. 4.2.3 Infecção urináriarecorrente por reinfecção Trata-se de infecção das vias urinárias causada por novos micro- organismos em intervalos variáveis após a erradicação de infecção prévia. É provável que 80% de todas as infecções recorrentes do trato urinário sejam reinfecções, cujas causas ainda não estão completamente esclarecidas. Porém, técnicas modernas de imagem têm demonstrado estruturas celulares bacterianas chamadas fímbrias ou pili, que são apêndices proteicos filamentosos e longos, que se aderem às células uroteliais, como causa de reinfecção. 4.2.4 Infecção urinária recorrente por recidiva Trata-se da infecção das vias urinárias causada pelo mesmo micro- organismo durante ou após a conclusão do tratamento. Na infecção recorrente por reinfecção, há um novo micro-organismo ou o mesmo após erradicação da infecção prévia, e, na infecção recorrente por recidiva, há o mesmo micro-organismo durante ou após a conclusão do tratamento – a maior causa é a resistência a antibiótico. 4.2.5 Piúria A presença de leucócitos na urina, conhecida como piúria, não é indicação absoluta de infecção urinária inespecífica. É importante salientar que é muito comum a interpretação equivocada de piúria como infecção urinária. Não se deve esquecer que a presença de bactérias é importante para tal diagnóstico. Podem causar piúria: tuberculose urinária, cálculos renais, vaginites, vulvites, cistite química (uso de ciclofosfamida) e uretrites. Presença de piúria não é indicação para tratamento. 4.2.6 Infecção urinária não complicada Caracteriza-se por não apresentar alterações anatômicas ou doenças associadas, sistêmicas ou locais (diabetes, cálculos), em mulheres não gestantes e pré-menopausadas, bem como quando ocorre fora do ambiente hospitalar. As ITUs não complicadas apresentam-se como cistite e pielonefrite e comumente deixam poucas sequelas. 4.2.7 Infecção urinária complicada A infecção urinária complicada é uma infecção em um indivíduo com o trato urinário apresentando alguma alteração anatômica ou patológica ou quando há infecções associadas ao uso de cateteres urinários. Podemos destacar alterações obstrutivas (hiperplasia prostática benigna, tumores, corpos estranhos), anatomofuncionais (bexiga neurogênica, rim espongiomedular, nefrocalcinose, cistos renais), metabólicas (diabetes, insuficiência renal, transplante renal), uso de cateter de demora ou mesmo infecções urinárias com origem nosocomial e gestação. # PERGUNTA AÍ Na ITU, piúria e leucocitúria são sinônimos ou existe diferença entre eles? Normalmente nos casos de infecção do trato urinário os termos são utilizados como sinônimos. Em pacientes verdadeiramente infectados, um número significativo de leucócitos (> 10/µL ou 10.000/mL) geralmente deve estar presente. Dada a associação muito alta entre infecção e piúria, a ausência de piúria na avaliação microscópica pode sugerir colonização em vez de infecção quando há bacteriúria (embora bacteriúria e piúria não signifiquem necessariamente infecção, particularmente se não houver sintomas). 4.3 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA Desenvolvem-se mais frequentemente em mulheres, quando uropatógenos da flora fecal colonizam o introito vaginal. Ao discutir ITU, devem ser considerados fatores relacionados ao micro- organismo e ao hospedeiro. Entre os fatores do micro-organismo, estão a virulência e a resistência a antimicrobianos. São categorias de alterações de exames de urina relacionadas à presença de bactéria: a) Bacteriúria assintomática; b) ITU aguda (baixa) não complicada em mulheres; c) Pielonefrite aguda não complicada; d) ITU complicada e em homens; e) ITU recorrente (profilaxia com antibiótico). As infecções urinárias são causadas, principalmente, por germes Gram negativos, sendo cerca de 85% pela bactéria Escherichia coli, cujos fatores de virulência já foram amplamente estudados. Considera-se vir de fonte intestinal, sendo o seu reservatório a colonização do cólon. Infecções nosocomiais são causadas, principalmente, por Pseudomonas aeruginosa e Serratia marcescens, que requerem tratamentos diferenciados. Cerca de 10% das infecções urinárias sintomáticas do trato urinário inferior, em mulheres sexualmente ativas, são causadas pelo Staphylococcus saprophyticus. Outros agentes importantes são Enterococcus spp. e outros bacilos Gram negativos, como Klebsiella, Proteus e Enterobacter, que têm outros mecanismos de adesão epitelial. Os Proteus mirabilis são importantes por produzirem urease, uma enzima que decompõe a ureia, tornando a urina alcalina, o que favorece a precipitação de fosfatos e a formação de cálculos de fosfato amoníaco-magnesiano (estruvita). Alguns fatores são importantes para o aparecimento de ITU. Dentre os relacionados ao hospedeiro estão idade, fatores comportamentais, Diabetes Mellitus (DM), lesão espinal, cateterização vesical e gravidez. 4.3.1 Idade Na população geriátrica, a apresentação clínica da ITU é frequentemente atípica. Há alta prevalência de bacteriúria assintomática, por isso uma urocultura positiva não necessariamente requer tratamento. A maioria dos estudos envolveu idosos institucionalizados e pode não refletir o que ocorre com aqueles que vivem independentemente na comunidade. O risco de ITU associa-se a dificuldade de controle urinário (incontinência em mulheres e prostatismo em homens). O uso de cateteres urinários e as alterações anatômicas ou funcionais do trato urinário também são fatores de risco. A ITU aumenta a prevalência de incontinência urinária em mulheres mais idosas e também o risco de morte, significativamente. A bacteriúria assintomática é comum e geralmente benigna, afetando até 50% das mulheres e 30% dos homens em instituições, e a sua frequência aumenta com a idade e com as comorbidades, sendo que, entre idosos, a E. coli representa menos de 50% dos agentes de ITU. Infecções polimicrobianas são frequentes. 4.3.2 Fatores comportamentais Os fatores comportamentais associados a ITU são atividade sexual (mulheres mais ativas sexualmente têm maior incidência) e uso de espermicidas (que aumenta a colonização por E. coli). Não há aumento de risco associado aos hábitos de micção ou higiene íntima. Há, ainda, diferenças anatômicas que predispõem a ITU, como menor distância entre a uretra e o ânus. 4.3.3 Diabetes mellitus Bacteriúria assintomática e ITU sintomática são mais frequentes em diabéticos do que em não diabéticos. É um fator de risco para pielonefrite e subsequente queda da função renal em mulheres com DM tipo 1. A presença de DM leva a maior risco de complicações, incluindo apresentações raras de ITU, como cistite e pielonefrite enfisematosa, abscesso, necrose papilar e pielonefrite xantogranulomatosa. Vários fatores no DM têm sido propostos como de risco: controle glicêmico ruim, duração da doença, microangiopatia diabética, disfunção leucocitária secundária a hiperglicemia e vaginite de repetição. Além disso, parece haver maior prevalência de alterações anatômicas e funcionais do trato urinário entre pacientes com DM. Embora o agente etiológico mais comum seja E. coli, Klebsiella spp. e Acinetobacter spp., os agentes estreptococos do grupo B e Candida spp. são causas de ITU nesses pacientes. 4.3.4 Lesão espinal ou cateterização vesical A ITU é muito frequente nesses casos e está relacionada à mortalidade e morbidade importantes. Fatores que aumentam a suscetibilidade são hiperdistensão da bexiga, dificuldade de micção e litíase urinária. 4.3.5 Gravidez Cerca de 4 a 10% das gestantes têm bacteriúria assintomática, e 1 a 4% desenvolvem cistite aguda. A pielonefrite aguda afeta 1 a 2% das mulheres no final do segundo e no início do terceiro trimestre. As implicações de ITU durante a gravidez são aumento do risco de pielonefrite, parto prematuro e mortalidade fetal. Se não tratada, a bacteriúria assintomática pode evoluir para pielonefrite. É possível que, em gestantes, manifeste-se apenas com sintomas de trato urinário baixo. A bacteriúria assintomática deve sempre ser tratada em gestantes. 4.4 CLASSIFICAÇÃO As ITUs podem ser
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