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Urologia - 2020

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Questões resolvidas

O trato urinário é totalmente extraperitoneal?

1.1 RIM
Macroscopicamente, os rins são órgãos pares situados no retroperitônio e que repousam sobre a parede posterior do abdome. Pesam, em média, 150 g no homem e 135 g na mulher e apresentam cerca de 10 a 12 cm verticalmente, 5 a 7 cm transversalmente e 3 cm no sentido anteroposterior.
1.1.1 Relações anatômicas e envoltórios renais
O rim direito situa-se de 1 a 2 cm mais caudalmente do que o esquerdo, em virtude da presença do fígado. Em geral, o rim direito situa-se ao nível de L1-L3, e o esquerdo, ao nível de T12-L3.
Posterossuperiormente, o diafragma recobre o terço superior de ambos os rins, com a décima segunda costela acompanhando a extremidade inferior do diafragma, não sendo raras, portanto, lesões iatrogênicas pleurais em cirurgias renais. Posteriormente, os 2 terços inferiores repousam sobre os músculos psoas maior e quadrado lombar. Lateral e medialmente, os rins apresentam íntimo contato com o arco lombocostal e o tendão do músculo transverso do abdome, respectivamente.
O polo inferior renal repousa lateral e anteriormente em relação ao polo superior. Assim, o eixo longitudinal renal é paralelo ao eixo do músculo psoas. Além disso, a borda medial renal é discretamente voltada anteriormente, ao passo que a borda lateral tem direção posterior. Isso confere angulação de cerca de 30° no plano frontal (Figura 1.1).
Figura 1.1 - Eixo renal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
No eixo renal, a borda medial é anterior em relação à borda lateral; e o polo superior é medial e posterior em relação ao inferior.
O rim “em ferradura” é constituído por 2 rins de funcionamentos distintos em cada um dos lados da linha média, ligados por 1 istmo nos polos inferiores. Supõe-se que surja devido à união de ambos os rins durante a quinta semana de gestação, quando os órgãos ainda se encontram muito próximos uns dos outros na pelve menor. Sua localização é mais inferior do que os rins normais, uma vez que a ascensão durante o desenvolvimento embriológico é impedida pela artéria mesentérica inferior.
Figura 1.2 - Rim “em ferradura”
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Cada rim é envolto por massa de tecido adiposo (gordura perirrenal), que, por sua vez, é envolvida pela fáscia renal (mais conhecida como fáscia de Gerota). Posteriormente, esta é circundada por outra camada adiposa de espessura variável, denominada gordura pararrenal. Superior e lateralmente, a fáscia de Gerota é fechada, porém medialmente cruza a linha média e fusiona-se com a fáscia contralateral. Inferiormente, não ocorre a fusão e permanece um espaço aberto em potencial, servindo como barreira para a disseminação de neoplasias e coleções perirrenais. Assim, estas últimas podem se estender inferiormente até a região pélvica sem violação da fáscia de Gerota (Figura 1.3).
Figura 1.3 - Envoltórios renais
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
A Figura 1.4 demonstra a íntima relação dos rins com os demais órgãos intra-abdominais. Tais relações explicam alguns achados comuns à prática clínica. As lesões renais ocorrem em cerca de 10% dos traumas abdominais, sendo o mecanismo de lesão mais comum o trauma fechado (terceiro órgão mais lesado no trauma abdominal fechado). O índice de lesões a outros órgãos abdominais associado a trauma renal é alto, pois a força de impacto deve ser grande para superar a proteção anterior da costela e posterior dos músculos paravertebrais. Por último, inúmeras são as possibilidades de lesões iatrogênicas de órgãos vizinhos durante cirurgias renais, como lesão esplênica durante nefrectomia esquerda.
Figura 1.4 - Relação anatômica dos rins com demais órgãos intra-abdominais
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
1.1.2 Anatomia intrarrenal básica
A secção renal mediana demonstra 3 regiões de medial para lateral: pelve, medula e córtex renais (Figura 1.5).
A pelve renal é uma estrutura coletora formada pela porção superior expandida do ureter que se comunica com a medula renal. Na face medial renal, há uma passagem ovalada, denom

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Questões resolvidas

O trato urinário é totalmente extraperitoneal?

1.1 RIM
Macroscopicamente, os rins são órgãos pares situados no retroperitônio e que repousam sobre a parede posterior do abdome. Pesam, em média, 150 g no homem e 135 g na mulher e apresentam cerca de 10 a 12 cm verticalmente, 5 a 7 cm transversalmente e 3 cm no sentido anteroposterior.
1.1.1 Relações anatômicas e envoltórios renais
O rim direito situa-se de 1 a 2 cm mais caudalmente do que o esquerdo, em virtude da presença do fígado. Em geral, o rim direito situa-se ao nível de L1-L3, e o esquerdo, ao nível de T12-L3.
Posterossuperiormente, o diafragma recobre o terço superior de ambos os rins, com a décima segunda costela acompanhando a extremidade inferior do diafragma, não sendo raras, portanto, lesões iatrogênicas pleurais em cirurgias renais. Posteriormente, os 2 terços inferiores repousam sobre os músculos psoas maior e quadrado lombar. Lateral e medialmente, os rins apresentam íntimo contato com o arco lombocostal e o tendão do músculo transverso do abdome, respectivamente.
O polo inferior renal repousa lateral e anteriormente em relação ao polo superior. Assim, o eixo longitudinal renal é paralelo ao eixo do músculo psoas. Além disso, a borda medial renal é discretamente voltada anteriormente, ao passo que a borda lateral tem direção posterior. Isso confere angulação de cerca de 30° no plano frontal (Figura 1.1).
Figura 1.1 - Eixo renal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
No eixo renal, a borda medial é anterior em relação à borda lateral; e o polo superior é medial e posterior em relação ao inferior.
O rim “em ferradura” é constituído por 2 rins de funcionamentos distintos em cada um dos lados da linha média, ligados por 1 istmo nos polos inferiores. Supõe-se que surja devido à união de ambos os rins durante a quinta semana de gestação, quando os órgãos ainda se encontram muito próximos uns dos outros na pelve menor. Sua localização é mais inferior do que os rins normais, uma vez que a ascensão durante o desenvolvimento embriológico é impedida pela artéria mesentérica inferior.
Figura 1.2 - Rim “em ferradura”
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Cada rim é envolto por massa de tecido adiposo (gordura perirrenal), que, por sua vez, é envolvida pela fáscia renal (mais conhecida como fáscia de Gerota). Posteriormente, esta é circundada por outra camada adiposa de espessura variável, denominada gordura pararrenal. Superior e lateralmente, a fáscia de Gerota é fechada, porém medialmente cruza a linha média e fusiona-se com a fáscia contralateral. Inferiormente, não ocorre a fusão e permanece um espaço aberto em potencial, servindo como barreira para a disseminação de neoplasias e coleções perirrenais. Assim, estas últimas podem se estender inferiormente até a região pélvica sem violação da fáscia de Gerota (Figura 1.3).
Figura 1.3 - Envoltórios renais
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
A Figura 1.4 demonstra a íntima relação dos rins com os demais órgãos intra-abdominais. Tais relações explicam alguns achados comuns à prática clínica. As lesões renais ocorrem em cerca de 10% dos traumas abdominais, sendo o mecanismo de lesão mais comum o trauma fechado (terceiro órgão mais lesado no trauma abdominal fechado). O índice de lesões a outros órgãos abdominais associado a trauma renal é alto, pois a força de impacto deve ser grande para superar a proteção anterior da costela e posterior dos músculos paravertebrais. Por último, inúmeras são as possibilidades de lesões iatrogênicas de órgãos vizinhos durante cirurgias renais, como lesão esplênica durante nefrectomia esquerda.
Figura 1.4 - Relação anatômica dos rins com demais órgãos intra-abdominais
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
1.1.2 Anatomia intrarrenal básica
A secção renal mediana demonstra 3 regiões de medial para lateral: pelve, medula e córtex renais (Figura 1.5).
A pelve renal é uma estrutura coletora formada pela porção superior expandida do ureter que se comunica com a medula renal. Na face medial renal, há uma passagem ovalada, denom

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O trato urinário é
totalmente extraperitoneal?
1.1 RIM
Macroscopicamente, os rins são órgãos pares situados no
retroperitônio e que repousam sobre a parede posterior do abdome.
Pesam, em média, 150 g no homem e 135 g na mulher e apresentam
cerca de 10 a 12 cm verticalmente, 5 a 7 cm transversalmente e 3 cm
no sentido anteroposterior.
1.1.1 Relações anatômicas e envoltórios renais
O rim direito situa-se de 1 a 2 cm mais caudalmente do que o
esquerdo, em virtude da presença do fígado. Em geral, o rim direito
situa-se ao nível de L1-L3, e o esquerdo, ao nível de T12-L3.
Posterossuperiormente, o diafragma recobre o terço superior de
ambos os rins, com a décima segunda costela acompanhando a
extremidade inferior do diafragma, não sendo raras, portanto,
lesões iatrogênicas pleurais em cirurgias renais. Posteriormente, os
2 terços inferiores repousam sobre os músculos psoas maior e
quadrado lombar. Lateral e medialmente, os rins apresentam íntimo
contato com o arco lombocostal e o tendão do músculo transverso do
abdome, respectivamente.
O polo inferior renal repousa lateral e anteriormente em relação ao
polo superior. Assim, o eixo longitudinal renal é paralelo ao eixo do
músculo psoas. Além disso, a borda medial renal é discretamente
voltada anteriormente, ao passo que a borda lateral tem direção
posterior. Isso confere angulação de cerca de 30° no plano frontal
(Figura 1.1).
Figura 1.1 - Eixo renal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
No eixo renal, a borda medial é anterior em
relação à borda lateral; e o polo superior é
medial e posterior em relação ao inferior.
O rim “em ferradura” é constituído por 2 rins de funcionamentos
distintos em cada um dos lados da linha média, ligados por 1 istmo
nos polos inferiores. Supõe-se que surja devido à união de ambos os
rins durante a quinta semana de gestação, quando os órgãos ainda se
encontram muito próximos uns dos outros na pelve menor. Sua
localização é mais inferior do que os rins normais, uma vez que a
ascensão durante o desenvolvimento embriológico é impedida pela
artéria mesentérica inferior.
Figura 1.2 - Rim “em ferradura”
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Cada rim é envolto por massa de tecido adiposo (gordura perirrenal),
que, por sua vez, é envolvida pela fáscia renal (mais conhecida como
fáscia de Gerota). Posteriormente, esta é circundada por outra
camada adiposa de espessura variável, denominada gordura
pararrenal. Superior e lateralmente, a fáscia de Gerota é fechada,
porém medialmente cruza a linha média e fusiona-se com a fáscia
contralateral. Inferiormente, não ocorre a fusão e permanece um
espaço aberto em potencial, servindo como barreira para a
disseminação de neoplasias e coleções perirrenais. Assim, estas
últimas podem se estender inferiormente até a região pélvica sem
violação da fáscia de Gerota (Figura 1.3).
Figura 1.3 - Envoltórios renais
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
A Figura 1.4 demonstra a íntima relação dos rins com os demais
órgãos intra-abdominais. Tais relações explicam alguns achados
comuns à prática clínica. As lesões renais ocorrem em cerca de 10%
dos traumas abdominais, sendo o mecanismo de lesão mais comum
o trauma fechado (terceiro órgão mais lesado no trauma abdominal
fechado). O índice de lesões a outros órgãos abdominais associado a
trauma renal é alto, pois a força de impacto deve ser grande para
superar a proteção anterior da costela e posterior dos músculos
paravertebrais. Por último, inúmeras são as possibilidades de lesões
iatrogênicas de órgãos vizinhos durante cirurgias renais, como lesão
esplênica durante nefrectomia esquerda.
Figura 1.4 - Relação anatômica dos rins com demais órgãos intra-abdominais
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
1.1.2 Anatomia intrarrenal básica
A secção renal mediana demonstra 3 regiões de medial para lateral:
pelve, medula e córtex renais (Figura 1.5).
A pelve renal é uma estrutura coletora formada pela porção superior
expandida do ureter que se comunica com a medula renal. Na face
medial renal, há uma passagem ovalada, denominada hilo renal, que
dá acesso ao seio renal, uma cavidade no interior do rim onde se
localizam pelve renal, tecido adiposo, vasos e nervos. Em direção à
medula renal, a pelve ramifica-se em 2 ou 3 grupos calicinais
maiores, que, por sua vez, ramificam-se em cálices menores (em
número variável de 8 a 18).
A medula renal é a porção média do rim e apresenta de 8 a 18
pirâmides renais, estruturas dispostas longitudinalmente em
formato de cone. A base de cada pirâmide volta-se para o córtex
renal, mais externamente. De sua base, a pirâmide renal projeta
estruturas filiformes, denominadas raios medulares, para o interior
do córtex. O ápice de cada pirâmide termina em uma papila renal que
se abre em um cálice menor. A urina é drenada das papilas renais
para o interior da via coletora nos cálices menores e segue para os
cálices maiores, a pelve renal e o ureter, até a bexiga.
A porção renal mais externa compreende o córtex renal, que pode ser
dividido em 2 porções: externa ou subcapsular e justamedular. Tem
aparência granulosa e se estende até a base das pirâmides renais.
Projeções de córtex renal entremeiam as pirâmides renais e são
denominadas colunas renais.
Figura 1.5 - Anatomia intrarrenal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
1.1.3 Anatomia vascular
Classicamente, o pedículo renal consiste em 1 única artéria e em 1
única veia renal, porém alterações anatômicas não são incomuns.
#IMPORTANTE
A veia renal posiciona-se anteriormente à
artéria renal no hilo renal. A pelve renal é
posterior às estruturas vasculares.
As artérias renais são ramos diretos da aorta abdominal e emergem
logo abaixo da projeção da artéria mesentérica superior. Ao
aproximar-se dos rins, ambas as artérias renais fornecem ramos
para adrenal, pelve renal e ureter ipsilateral. Ao atingir o seio renal, a
artéria renal divide-se, mais comumente, em 5 ramos, denominadas
artérias segmentares: posterior, apical, superior, médio e inferior
(Figura 1.6). Normalmente, o ramo posterior cruza posteriormente o
sistema coletor e os demais ramos anteriormente. Cada artéria
segmentar supre uma região renal distinta, sem a existência de
circulação colateral entre elas. Assim, a oclusão ou a lesão de um
ramo segmentar causará infarto segmentar renal. Ainda, a
inexistência de circulação colateral entre os ramos segmentares
permite a identificação de um plano renal avascular na congruência
do ramo posterior com os ramos anteriores (linha avascular de
Brodel), essencial para a execução de incisões no parênquima renal
com a menor perda sanguínea possível.
No interior do seio renal, as artérias segmentares dividem-se
inicialmente em artérias lobares e, posteriormente, em interlobares,
que seguem ao lado das pirâmides renais. Próximo à base da
pirâmide renal, passam a ser denominadas artérias arqueadas, que,
posteriormente, ramificam-se em artérias interlobulares.
Finalmente, estas fornecem ramos aos glomérulos renais,
denominados como arteríolas aferentes (Figura 1.7).
#IMPORTANTE
A irrigação arterial intrarrenal respeita esta
sequência: artéria renal → artérias segmentares
→ artérias lobares → artérias interlobares →
artérias arqueadas → artérias interlobulares →
arteríolas aferentes.
A drenagem venosa correlaciona-se intimamente com a circulação
arterial. As veias interlobulares drenam os capilares pós-
glomerulares e, progressivamente, são chamadas arqueadas,
interlobares, lobares e segmentares. Cursam paralelamente às
respectivas artérias e, normalmente, coalescem em 3 grandes
troncos para, então, formarem a veia renal. A veia renal esquerda
mede cerca de 6 a 10 cm e desemboca na veia cava inferior, após
cruzar anteriormente a aorta e, posteriormente, a artéria
mesentérica superior.
Normalmente, a veia renal esquerda recebe 3 tributárias: veia
gonadal esquerda, veia adrenal esquerda e veia lombar. Por outro
lado, a veia renal direita mede de 2 a 4 cm e, geralmente, não recebe
tributárias, sendo que asveias adrenal e gonadal direitas drenam
diretamente para a veia cava inferior.
Figura 1.6 - Ramos segmentares da artéria renal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.7 - Ramificações da artéria renal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
1.1.4 Drenagem linfática
A drenagem linfática renal é abundante e segue os vasos sanguíneos
através das colunas renais para sair do parênquima renal e formar
grandes troncos linfáticos no seio renal. Vasos linfáticos vindos da
cápsula renal e dos tecidos perirrenais juntam-se a estes troncos no
seio renal, em associação a vasos linfáticos da pelve e da porção
superior do ureter.
O tronco linfático renal esquerdo drena, primeiramente, para
linfonodos para-aórticos laterais esquerdos, incluindo linfonodos
anteriores e posteriores da aorta abaixo da artéria mesentérica
inferior, até a parte inferior do diafragma. Em geral, não ocorre
drenagem linfática periaortocaval, exceto em casos de doença em
estágio avançado.
O tronco linfático direito drena, primariamente, para linfonodos
interaortocavais e linfonodos anteriores e posteriores à veia cava
inferior, estendendo-se dos vasos ilíacos comuns direitos até o
diafragma. Embora seja infrequente, linfáticos oriundos do rim
direito podem drenar para linfonodos próximos ao hilo renal
esquerdo.
1.1.5 Acesso cirúrgico
1.1.5.1 Laparoscopia
a) Transperitoneal;
b) Retroperitoneoscópica.
1.1.5.2 Lombotomia
a) Posição: decúbito lateral com extensão do flanco (Figura 1.8);
b) Incisão acompanhando a décima segunda costela, supra ou
infracostal;
c) Incisão do músculo grande dorsal (Figura 1.9);
d) Incisão do músculo oblíquo externo do abdome (Figura 1.10);
e) Incisão do músculo oblíquo interno do abdome;
f) Incisão do músculo transverso do abdome;
g) Acesso ao retroperitônio;
h) Ressecção subperiosteal da décima segunda costela (opcional),
com o objetivo de ganhar campo cirúrgico (Figura 1.10);
i) Lombotomia vertical posterior (Figura 1.15): 3 camadas – folheto
anterior, folheto posterior e folheto do quadrado lombar;
j) A incisão vertical dorsal posterior é uma opção de acesso cirúrgico
ao rim, mas está praticamente em desuso.
1.1.5.3 Laparotomia transversa (Figura 1.11)
a) Posição: decúbito dorsal horizontal;
b) Incisão infracostal, com extensão variável (geralmente da linha
axilar anterior até a metade do reto abdominal contralateral);
c) Incisão da bainha anterior e posterior do músculo reto abdominal;
d) Incisão do músculo oblíquo externo do abdome;
e) Incisão do músculo oblíquo interno do abdome;
f) Incisão do músculo transverso do abdome;
g) Acesso ao retroperitônio através da incisão da goteira parietocólica.
1.1.5.4 Laparotomia mediana
Técnica habitual de laparotomia mediana.
Vale ressaltar que a laparotomia mediana deve
ser a incisão utilizada no caso de tratamento
cirúrgico de traumas renais. Nesses casos, o
índice de lesões associadas é alto, e toda a
cavidade abdominal deve ser explorada.
1.1.5.5 Acesso percutâneo
a) Punção guiada por radioscopia do sistema coletor através dos
cálices menores, após pielografia (injeção de contraste por meio de um
cateter no ureter – Figura 1.12);
b) Dilatação do trajeto até a via coletora, permitindo a passagem de
materiais endoscópicos para a remoção de cálculos, ressecção de
tumores de pelve renal e colocação de nefrostomia.
Figura 1.8 - Posicionamento para lombotomia esquerda
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.9 - Incisão muscular durante lombotomia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.10 - Ressecção da décima segunda costela durante lombotomia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.11 - Laparotomia transversa
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.12 - Punção renal percutânea
1.2 URETER
1.2.1 Anatomia
Didaticamente, o ureter pode ser dividido em 3 porções: superior,
média e inferior. Sua porção superior inicia-se na junção
ureteropiélica posteriormente aos vasos renais. Direciona-se
inferiormente sobre o músculo psoas e os processos transversos e
estende-se até a borda superior do sacro. A porção média ureteral
compreende a sua extensão ao nível da articulação sacroilíaca, e a
inferior, abaixo da borda inferior do sacro até atingir a bexiga. Pode
ser classificado, também, como ureter abdominal (da pelve até os
vasos ilíacos) e pélvico (abaixo destes).
Assim que adentra a pelve, o ureter cruza
anteriormente os vasos ilíacos, geralmente na
altura da bifurcação, em ilíacos internos e
externos.
São descritos, classicamente, 3 pontos de estreitamento ureteral: a
junção ureteropiélica, o cruzamento com vasos ilíacos e a junção
ureterovesical.
O ureter recebe irrigação de múltiplos ramos arteriais em seu trajeto.
O ureter abdominal é irrigado por ramos das artérias renal, gonadal,
aorta e ilíaca comum. O ureter pélvico é irrigado por ramos da artéria
ilíaca interna e seus ramos.
Um conhecimento de grande importância ao cirurgião é que, em seu
trajeto abdominal, os ramos arteriais atingem o ureter medialmente
e, na porção pélvica, após cruzar os vasos ilíacos, a irrigação o atinge
lateralmente (Figura 1.13). Devido ao seu trajeto posteromedial na
pelve, o ureter torna-se posterior às artérias uterinas e ovarianas.
Após atingir o ureter, os ramos arteriais formam uma extensa rede
anastomótica na adventícia ureteral, o que permite a mobilização
cirúrgica ureteral do retroperitônio sem isquemia do órgão.
1.2.2 Acesso cirúrgico
1.2.2.1 Laparoscopia
a) Transperitoneal;
b) Retroperitoneoscópica.
1.2.2.2 Cirurgia aberta
1. Ureter proximal:
a) Lombotomia (Figuras 1.8, 1.9 e 1.10);
b) Laparotomia subcostal (Figura 1.14);
c) Lombotomia vertical posterior (Figura 1.15).
2. Ureter médio: incisão de Gibson (Figura 1.16);
3. Ureter inferior:
a) Incisão de Gibson (Figura 1.16);
b) Incisão de Pfannenstiel (Figura 1.17).
Figura 1.13 - Irrigação ureteral
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.14 - Incisão subcostal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.15 - Lombotomia vertical posterior
Figura 1.16 - Incisão de Gibson
Fonte: adaptado de GermanVectorPro.
Figura 1.17 - Incisões
Legenda: (A) Incisão de Pfannenstiel; (B) incisão da aponeurose do reto abdominal; (C)
dissecção ampla da aponeurose do reto abdominal e incisão da fascia transversalis. 
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
1.3 BEXIGA
1.3.1 Anatomia
A bexiga urinária é um órgão oco, de formato tetraédrico, que se
divide em cúpula, teto, 2 paredes laterais e base (ou assoalho).
Anterior e lateralmente, relaciona-se com o espaço retropúbico
(espaço de Retzius) e músculos elevador do ânus e obturador
interno. No sexo masculino, posteriormente, relaciona-se com
ductos deferentes, vesícula seminal, ureter e reto; inferiormente,
relaciona-se com a próstata e, superiormente, com o íleo e o cólon.
No sexo feminino, relaciona-se, posteriormente, com o útero, a
vagina e o reto; inferiormente, relaciona-se com a uretra e,
superiormente, com o útero e o íleo. Devido a essa relação com íleo e
cólon, presente em ambos os sexos, a bexiga é o principal órgão
acometido por fístulas com o trato digestivo.
Quando a bexiga está cheia, sua superfície interna fica lisa. Uma área
triangular na superfície posterior da bexiga não exibe rugas. Essa
área é chamada trígono da bexiga e é sempre lisa. O trígono é
limitado por 3 vértices: os pontos de entrada dos 2 ureteres e o ponto
de saída da uretra. O trígono é importante clinicamente, pois as
infecções tendem a persistir nessa área.
Figura 1.18 - Trígono vesical
Fonte: adaptado de Regaining control: treatment options for spinal cord injury bladder
dysfunction, 2003.
A irrigação arterial vesical é realizada, principalmente, pelas artérias
vesicais superior, média e inferior. Todas são ramos da artéria ilíaca
interna (hipogástrica). Irrigações suplementar e variável advêm de
ramos das artérias umbilicais, obturatórias e glútea inferior.
1.3.2 Acesso cirúrgico
a) Cirurgia aberta: laparotomiamediana suprapúbica;
b) Cirurgia endoscópica;
c) Cirurgia videolaparoscópica.
Figura 1.19 - Ressecção transuretral de tumor de bexiga
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
1.4 TESTÍCULOS E ESCROTO
O escroto é uma bolsa localizada na região genital, que abriga os
testículos, os epidídimos e elementos do funículo espermático.
Abaixo da pele, encontra-se a túnica dartos, formada por fibras
musculares lisas, que é contínua com as fáscias perineal superficial e
superficial do abdome.
No período embriológico, durante a descida dos testículos, eles
adquirem camadas oriundas da parede abdominal, conhecidas como
fáscias espermáticas. A fáscia espermática externa deriva da
aponeurose do músculo oblíquo externo do abdome. Mais
internamente, localiza-se a fáscia cremastérica, que deriva do
músculo oblíquo interno do abdome. Mais internamente ainda,
encontra-se a túnica espermática interna, derivada da fascia
transversalis.
A camada mais profunda é a túnica vaginal derivada do peritônio,
dividida em 2 folhetos: parietal e visceral (Figura 1.20).
Os testículos apresentam 2 polos (superior e inferior), 2 margens
(lateral e medial) e 2 faces (anterior e posterior). As artérias que
promovem a irrigação arterial testicular são: artéria testicular; ramo
direto da aorta, deferencial (ramo das vesicais – superior ou
inferior) e cremastérica (ramo da epigástrica inferior); além de
ramos da artéria ilíaca interna. O testículo é drenado pelo plexo
pampiniforme que, na região do anel inguinal interno, origina a veia
testicular.
A veia testicular esquerda desemboca na veia renal ipsilateral, e a
veia testicular direita desemboca na veia cava inferior. Devido a
angulação de 90 ° da veia testicular esquerda na veia renal, forma-se
uma longa coluna hidrostática, com alta pressão, que, em virtude da
incompetência valvular venosa, dilata o plexo pampiniforme,
causando a varicocele mais comumente à esquerda.
#IMPORTANTE
A drenagem linfática do escroto é feita para
linfonodos inguinais superficiais.
O testículo direito drena para linfonodos retroperitoneais situados
ao longo do pedículo renal e da veia cava inferior, entre a veia cava e
a artéria aorta. O testículo esquerdo, por sua vez, drena para
linfonodos situados ao longo do hilo renal esquerdo e da aorta.
Formando um cordão de sustentação e comunicação com a região
abdominal, está o funículo espermático, que vai do testículo até a
cavidade abdominal, passando pela região inguinal. É formado pela
união de ducto deferente, por componentes vasculares (artéria
testicular, plexo pampiniforme e artéria do ducto deferente),
componentes nervosos (ramo genital do nervo genitofemoral) e
componente linfático e muscular (cremáster).
Figura 1.20 - Escroto e suas camadas
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.21 - Ducto deferente e funículo espermático
1.5 EPIDÍDIMOS, DUCTOS DEFERENTES
E VESÍCULAS SEMINAIS
Os epidídimos estão localizados na face posterolateral dos testículos
e podem ser didaticamente divididos em cabeça, corpo e cauda. A
artéria epididimária, ramo da artéria testicular, supre a cabeça e o
corpo do epidídimo. A cauda é irrigada pelas artérias epididimária,
deferencial e testicular. As principais veias contribuem, também,
para a formação do plexo venoso pampiniforme.
Os ductos deferentes são a continuação da cauda dos epidídimos,
ascendendo medialmente aos epidídimos, fazendo parte dos
componentes do funículo espermático. Ao passar pelos canais
inguinais, curvam-se em torno das artérias epigástricas inferiores e
cruzam, anteriormente, as artérias ilíacas externas, voltando-se
posterior e inferiormente, cruzando os vasos ilíacos externos e
penetrando a pelve. Cruzam a face medial dos ureteres, atingindo a
face posterior da bexiga, e continuam em direção inferior sobre a
face medial das vesículas seminais. Nessa região, ficam dilatados e
tortuosos, sendo denominados ampolas dos ductos deferentes. A
irrigação se faz pela artéria deferencial, ramo da artéria ilíaca
interna e a drenagem venosa, pelo plexo pampiniforme, localizado
ao seu redor.
As vesículas seminais são órgãos alongados que apresentam
extremidade superior alargada e colo localizado inferiormente, que
recebem os ductos deferentes. São órgãos multiloculados,
compostos, principalmente, por musculatura lisa. Relacionam-se,
anteriormente, com a bexiga, e, posteriormente, com o reto. Sua
vascularização é feita por ramos da artéria ilíaca interna,
principalmente pelas artérias deferencial, vesical inferior e retal
média. A drenagem venosa se dá pelo plexo venoso periprostático, e
a drenagem linfática vai para os linfonodos ilíacos internos.
1.6 PRÓSTATA
1.6.1 Anatomia
A próstata apresenta 1 face anterior, 2 faces inferolaterais, 1 base
superiormente e 1 ápice inferiormente. A base é contínua com o colo
vesical, e o ápice repousa sobre a fáscia superior do diafragma
urogenital. A face anterior relaciona-se com o pube, ao qual é fixada
pelo ligamento avascular puboprostático. Posteriormente,
relaciona-se com a superfície anterior do reto, do qual é separada
por um segmento de peritônio obliterado, denominado fáscia de
Denonvilliers.
Divide-se didaticamente em 4 zonas: central, periférica, de
transição e anterior (Figura 1.22). A zona central consiste em uma
porção de tecido glandular que circunda os ductos ejaculatórios e
representa 20% da massa total de tecido glandular prostático. A zona
periférica é a maior região prostática, responsável por 70% da massa
glandular total. É o principal local de desenvolvimento da neoplasia
maligna da próstata e tem localização posterolateral, portanto é
facilmente examinada por meio do toque retal. A zona de transição
responde por 5 a 10% do tecido glandular prostático e localiza-se ao
redor da uretra (zona periuretral). Seu crescimento patológico é
responsável pelas manifestações clínicas observadas na hiperplasia
prostática benigna. A zona anterior, por fim, é composta unicamente
por tecido fibromuscular.
A artéria vesical inferior (ramo da artéria ilíaca interna) dá origem às
artérias prostáticas que, por meio de 2 ramos (uretrais e capsulares),
promovem a irrigação da próstata (Figura 1.23). Os ramos uretrais
penetram posterolateralmente na junção prostatovesical,
perpendicular à uretra e, então, direcionam-se inferiormente,
paralelamente à uretra, onde irrigam as glândulas periuretrais e a
zona de transição. Os ramos capsulares correm posterolateralmente
à próstata, com os nervos cavernosos, e emitem pequenos ramos que
adentram a glândula perpendicularmente. A drenagem linfática
prostática se faz, principalmente, para linfonodos ilíacos internos,
incluindo os obturadores.
1.6.2 Vias de acesso
1. Via suprapúbica:
a) Transvesical (Figura 1.24);
b) Retropúbica (Figura 1.25).
2. Via perineal (Figura 1.26):
a) Incisão arqueada em “U” invertido a 2 cm da borda anal;
b) Divulsão da musculatura perineal, superiormente, e do
elevador do ânus, inferiormente;
c) Secção do músculo e do tendão retouretral e liberação
posterior do reto.
3. Via videolaparoscópica;
4. Via endoscópica (Figura 1.27).
Figura 1.22 - Zonas da próstata
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.23 - Irrigação da próstata
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.24 - Acesso transvesical
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.25 - Acesso retropúbico
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.26 - Acesso perineal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.27 - Ressecção endoscópica
Fonte: adaptado de National Cancer Institute, 2013.
1.7 PÊNIS
O pênis é composto por 1 corpo esponjoso e 2 corpos cavernosos
(Figura 1.28). O corpo esponjoso apresenta localização mediana,
contém a uretra em seu interior e distalmente forma a glande. Os
corpos cavernosos têm localização lateral e são as principais
estruturas eréteis. Abaixo da pele, observa-se a fáscia superficial do
pênis. Inferiormente, encontra-se a fáscia profunda (fáscia de
Buck), que envolve os corpos cavernosose o esponjoso; esta fáscia é
contínua com fáscia perineal profunda. Por fim, situada abaixo da
fáscia de Buck, a túnica albugínea consiste em um envoltório fibroso
denso, que envolve os corpos cavernosos (dupla camada) e o corpo
esponjoso (única camada).
Cada artéria pudenda interna (ramo da ilíaca interna), após emitir
vários ramos perineais, passa a ser denominada artéria comum do
pênis. Estas dão origem a 3 ramos para irrigação peniana: artéria
bulbouretral, artéria dorsal do pênis e artéria cavernosa. As artérias
bulbouretrais são responsáveis pela irrigação da uretra e dos corpos
esponjosos. A dorsal do pênis localiza-se superficialmente à túnica
albugínea e profundamente à fáscia de Buck. Por fim, as cavernosas
localizam-se no interior dos corpos cavernosos.
A drenagem venosa do pênis se faz, principalmente, pela veia dorsal
profunda, que desemboca no plexo venoso periprostático.
Linfonodos inguinais superficiais, localizados acima da fáscia lata,
recebem a drenagem linfática da pele e do prepúcio. Por sua vez,
estruturas penianas mais profundas drenam para linfonodos
inguinais profundos (abaixo da fáscia lata) e linfonodos ilíacos
externos.
Nervos dorsais do pênis, os quais são ramos do nervo pudendo,
inervam a pele e, principalmente, a glande. A uretra é inervada por
ramos profundos dos nervos perineais que penetram a região do
bulbo. Os nervos cavernosos são ramos do plexo hipogástrico
inferior e os principais responsáveis pela inervação autonômica
peniana, logo essenciais para a função erétil.
Figura 1.28 - Anatomia peniana básica
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 1.29 - Corte tridimensional do pênis
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
1.8 ADRENAIS
As glândulas adrenais localizam-se superomedialmente aos rins e
são envolvidas pela fáscia de Gerota, que se delamina para envolvê-
las. Anteriormente, a adrenal direita relaciona-se com o lobo
hepático direito, e a esquerda, com o estômago, o pâncreas e,
eventualmente, o baço. Posteriormente, ambas as glândulas se
relacionam com o diafragma e, lateralmente, com os rins.
Medialmente, a suprarrenal direita normalmente entra em contato
com a veia cava inferior, mas a esquerda não entra em contato com a
aorta abdominal (Figura 1.30).
#IMPORTANTE
Ao contrário do que acontece com os rins (o rim
direito é mais caudal do que o rim esquerdo), a
glândula adrenal direita é mais cranial do que a
adrenal esquerda.
O suprimento arterial é extenso e provém das artérias suprarrenais
superior, média e inferior (Figura 1.30). Respectivamente, originam-
se da artéria frênica inferior, da aorta abdominal e da artéria renal.
Por outro lado, a drenagem venosa é, em geral, única, sendo que a
adrenal direita é curta e drena quase imediatamente para a veia cava
inferior. A veia adrenal esquerda é mais longa e drena para a renal
esquerda. Essa diferença é importante no planejamento de
adrenalectomias. Além disso, as adrenais podem originar-se de
neoplasias funcionantes com produção exacerbada de corticoides e
catecolaminas.
Ao realizar procedimento cirúrgico sobre essas glândulas, um
cuidado especial necessário é a manipulação cuidadosa da glândula,
bem como a ligadura precoce da veia adrenal, com o intuito de
diminuir a liberação aguda desses hormônios na corrente sanguínea,
que podem acarretar arritmias cardíacas, crise hipertensiva e
eventos cerebrovasculares.
Figura 1.30 - Anatomia vascular das adrenais
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
O trato urinário é
totalmente extraperitoneal?
O trato urinário não é totalmente extraperitoneal e é de
extrema importância conhecer a anatomia e suas relações
com estruturas vizinhas para o tratamento correto de suas
patologias.
Qual é a importância de se
conhecer os exames de
imagens para a
propedêutica e para o
tratamento na Urologia?
2.1 INTRODUÇÃO
Os métodos de imagem são cada vez mais importantes para a
elucidação diagnóstica de inúmeras doenças. Observamos que a
melhoria desses métodos tem corroborado com o diagnóstico e o
tratamento da maioria das doenças do trato geniturinário.
Vamos dividir os métodos diagnósticos em radiologia convencional,
ultrassonografia, Tomografia Computadorizada (TC), Ressonância
Nuclear Magnética (RNM) e Medicina Nuclear (MN).
2.2 RADIOLOGIA
Os raios X são absorvidos pelo corpo humano de forma irregular,
dependendo da estrutura que atravessam. Por esse motivo,
observamos variações entre a parte óssea (atenuam os raios com
maior intensidade) e o gás dentro das alças intestinais (atenuam
menos). Essas variações são observadas no exame de raios X pela
intensidade da cor cinza (mais claro, estruturas sólidas; mais escuro,
estruturas líquidas; e, por último, as gasosas). A limitação do método
está relacionada à nitidez do órgão em estudo (comparado a exames
mais modernos) e ao fato de demonstrar imagens bidimensionais de
estruturas tridimensionais.
A radiologia digital é um avanço da convencional, pela qual podemos
melhorar a qualidade da imagem com menor radiação para as
gônadas do paciente, podendo, inclusive, subtrair as imagens menos
importantes, oferecendo mais ênfase ao que se deseja.
2.2.1 Radiografia simples de abdome
Em Urologia, é preferível utilizar a técnica de radiografia
denominada RUB (Rins, Ureter e Bexiga), composta por 3 incidências
diferentes:
a) Imagem contemplando todo o abdome (panorâmica);
b) Imagem localizada das lojas renais com maior penetração dos raios
X para maior visualização das unidades renais;
c) Imagem localizada, na região da bexiga.
O método procura avaliar a presença de calcificações patológicas
urinárias, gastroenterológicas, esqueléticas ou eventual corpo
estranho.
Figura 2.1 - Radiografia simples de cálculo renal bilateral
Fonte: Puwadol Jaturawutthichai.
Principais indicações (Wein et al., 2016):
a) Avaliação de doença calculosa antes ou depois de algum
tratamento;
b) Avaliar posicionamento de drenos e cateteres;
c) Avaliar presença de contraste residual de algum exame contrastado
prévio;
d) Calcificações urinárias e não urinárias (principalmente litíase
urinária);
e) Suspeita de corpo estranho abdominal;
f) Doenças gastroenterológicas radiopacas ou com efeito de massa;
g) Doenças ósseas.
2.2.2 Urografia excretora
Apesar desse método estar em desuso nos dias de hoje, a urografia
excretora tem como principal interesse estudar a anatomia das vias
excretoras com razoável avaliação da função renal.
As indicações mais comuns para esse método são litíase e/ou
obstrução urinária alta (acima da bexiga), infecção urinária de
repetição ou hematúria.
As contraindicações são alergia a contraste, insuficiência renal,
gestação e mieloma múltiplo.
As reações ao meio de contraste (iodo) ocorrem em 5 a 8% dos casos.
A maioria apresenta reações leves (náusea, vômito, taquicardia,
prurido). Entre 1 e 2% das reações são moderadas (edemas facial e
laríngeo, broncoespasmo), e entre 0,05 a 0,1% são graves (parada
cardiorrespiratória, edema de glote, convulsão, choque por
hipotensão).
A técnica baseia-se em realizar radiografia simples panorâmica,
inicialmente para avaliar alguma concreção no trato urinário.
Realizam-se infusão em bolus de contraste iodado, no primeiro
minuto, e clichês com cortes planigráficos (nefrotomografia). Após 5
minutos, surge nova imagem na fase nefrográfica (avalia contorno e
função renal) e, em 10 minutos, imagem panorâmica para avaliar
opacificação de vias excretoras e ureter, seguida por imagens
localizadas da bexiga cheia e vazia (avaliar formato da bexiga e
resíduo pós-miccional).
Apresentando demora de opacificação de 1 das 2 unidades renais,
denomina-se retardo de excreção renal. Esse diagnóstico sugere
obstrução e/ou menor função da unidade com retardo. Nesse caso,
podemos realizar radiografias até 24 horas após a infusão do
contraste para diagnosticar o fator obstrutivo.
Esse método tem sido utilizado com menor frequência atualmente,
por apresentar menor acurácia e menos detalhes do que a TC e a
RNM.
Figura 2.2 - Urografia excretora
Legenda:(A) cálculo no ureter distal esquerdo; (B) cálculo no cálice inferior esquerdo.
Principais indicações (Wein et al., 2016):
a) Litíase urinária (também pode ser utilizada para evidenciar um
cálculo radiotransparente que foi enviado a LECO – litotripsia
extracorpórea – para tratamento – exame realizado com o paciente na
mesa para LECO);
b) Anomalias congênitas do trato urinário alto;
c) Trauma do trato urinário (menos utilizado atualmente);
d) Avaliar o nível de obstrução aguda ou crônica do trato urinário alto;
e) Hematúria;
f) Infecção urinária de repetição.
2.2.3 Uretrocistografia retrógrada
Infusão de contraste pela uretra sob leve pressão demonstrando a
morfologia desta e da bexiga.
O exame demonstra lesões uretrais (estenose, divertículo, próstata
obstrutiva, fístula, lesões traumáticas) e vesicais (divertículos,
trabeculações, neurogênica, refluxo vesicoureteral, hiperplasia
prostática, tumorações, fístulas).
2.2.4 Uretrocistografia miccional
É o exame que demonstra o contraste iodado sendo eliminado da
bexiga pela uretra. Pode ser feito introduzindo sonda uretral e
infundindo contraste diretamente na bexiga, ou como segunda fase
da uretrocistografia retrógrada. Quando não é possível infusão via
uretral, pode-se realizar punção suprapúbica.
Indica-se o exame na suspeita de anomalias congênitas (válvula de
uretra posterior), infecção (refluxo vesicoureteral), enurese,
hematúria, bexiga neurogênica e estenose de uretra. Está indicado,
também, na avaliação de bexiga desfuncionalizada de paciente que
será submetido a transplante renal.
Após a micção completa, realiza-se clichê na bexiga para avaliar o
resíduo urinário.
Principais indicações:
1. Uretrais: divertículo, estenose, trauma, retenção urinária,
uretrorragia, fístula, malformações congênitas (válvula da uretra
posterior);
2. Vesicais: divertículo, bexiga neurogênica, refluxo vesicoureteral,
pré-transplante renal, bexiga desfuncionalizada, tumor vesical, trauma,
fístula, enurese.
2.2.5 Pielografia anterógrada e retrógrada
1. Anterógrada: punção percutânea pielocalicial e infusão de
contraste no sistema coletor urinário para avaliar anatomia;
2. Retrógrada: introdução de cateter por via endoscópica pelo ureter e
injeção de contraste pela via excretora também avaliam a anatomia do
ureter e da pelve renal.
Figura 2.3 - Pielografia retrógrada (cateter intrapiélico)
Legenda: cálculo radiotransparente na junção ureteropiélica (seta azul) e agulha para
punção percutânea de cálculo no cálice médio.
Principais indicações (Wein et al., 2016):
a) Obstrução do trato superior (estenose ureteral congênita e/ou
adquirida);
b) Fístula urinária;
c) Opacificação do trato para auxiliar punção e procedimento
percutâneo;
d) Avaliar pressão intrapiélica (em desuso atualmente);
e) Avaliar anatomia e drenagem renal pós-procedimento cirúrgico.
2.2.6 Angiografia
Avaliação de anomalias vasculares do aparelho urinário (fístulas
arteriais, venosas, neoformações ou estenoses). Seu emprego
atualmente está limitado à suspeita de doença renovascular, estudo
arterial prévio à nefrectomia parcial ou doador renal.
Pela facilidade de realizar TC com melhor
qualidade de imagem (multislice), a angiografia
tem sido menos utilizada para avaliação de
anomalias vasculares do aparelho urinário.
A aortografia abdominal (aortorrenal) avalia a perfusão do rim
estudado; a angiografia renal seletiva, a perfusão de área específica
do rim; a cavografia inferior observa presença de oclusão venosa
intrínseca ou extrínseca, bem como anomalias congênitas; a
flebografia renal seletiva serve para avaliar fístulas venosas (causa
de hematúria). A coleta de sangue de veias renais, adrenais e
testicular é utilizada para testes específicos.
Principais indicações:
a) Hipertensão renovascular;
b) Avaliação de doador renal;
c) Mapeamento arterial pré-operatório;
d) Suspeita de obstrução do pedículo renal (trauma);
e) Diagnóstico e tratamento de fístula arterial ou venosa;
f) Pré-embolização renal (tumor ou trauma);
g) Pesquisa de doenças vasculares renais (por exemplo,
hemangiomas).
2.3 ULTRASSONOGRAFIA
É um método muito popular na Urologia, pois é um exame não
invasivo, barato, rápido, seguro e com boa acurácia quando realizado
por profissional experiente. Com ele, podem-se avaliar o formato, a
textura e a funcionalidade (Doppler em rim e testículo) dos órgãos
do sistema urinário, além de verificar a presença de neoformações
(vasculares, tumorais, infecciosas, líquidas), hidronefrose e resíduo
vesical, entre muitas outras indicações. É bom lembrar também que
não se usa contraste e não apresenta radiação.
A ultrassonografia é um exame muito útil para a litíase renal, pois
avalia tamanho, localização, dilatação do trato urinário e espessura
do parênquima renal. Pode ser feito em gestantes, sem os riscos de
radiação dos demais métodos.
A ultrassonografia é limitada em casos de
cálculo no ureter médio, pois a presença de
gases intestinais impossibilita a avaliação.
É um exame muito útil para a drenagem percutânea de cistos ou
abscessos, bem como para biópsias (por exemplo, renal e
prostática).
Figura 2.4 - Ultrassonografia de rim com dilatação piélica
Fonte: arquivo pessoal dr. Alessandro Rossol.
Figura 2.5 - Ultrassonografia de bexiga demonstrando lesão neoplásica
Principais indicações:
1. Rim: litíase, obstrução, abscesso, cistos, tumores (malignos e
benignos), avaliação do parênquima renal, guia para biópsia ou
punção;
2. Ureter: litíase (principalmente ureter proximal e distal), obstrução
(limitado pelos gases intestinais);
3. Bexiga: tumores, litíase, bexiga neurogênica, resíduo vesical, corpo
estranho, divertículos;
4. Próstata: tamanho, tumor, abscesso, guia para biópsia, hiperplasia
prostática;
5. Testículo/bolsa escrotal: escroto agudo, hidrocele, tumor, hérnia
inguinal, varicocele.
2.4 TOMOGRAFIA
COMPUTADORIZADA
A TC tem se tornado um método cada vez mais importante no
armamentário diagnóstico urológico. Avalia detalhadamente a
anatomia de partes moles e de estruturas ósseas. Mede os graus de
atenuação dos tecidos do organismo e traduz-se pelas respectivas
densidades por meio da escala de Hounsfield (variações da cor
cinza). Por definição arbitrária, o valor zero refere-se à água, -1.000
UH refere-se ao ar (cinza muito escuro) e +1.000 UH refere-se ao
osso compacto (cinza muito claro). Todos os tecidos possuem
densidade entre o ar e o osso, variando de pontuação entre -1.000 e
+1.000 UH. Por exemplo, cisto renal simples pode ter densidade
próxima a zero e massa sólida renal +60UH.
Para a avaliação de perfusão de um órgão como o rim, pode-se
realizar a injeção de contraste iodado e definir a anatomia do
parênquima renal, além de avaliar parcialmente a função desse
órgão. O estudo renal completo compreende 4 fases: pré-contraste e
pós-contraste, a última dividida em cortical, medular e excretora.
O padrão-ouro para diagnóstico de litíase urinária é a TC de abdome
e pelve sem contraste.
Técnicas de análise tardias e uso de aparelhos mais modernos
(multislice) vêm melhorando de forma exponencial o diagnóstico das
mais variadas doenças urológicas, reduzindo a indicação de exames
como urografia excretora, pielografias e angiografias.
Figura 2.6 - Tomografia computadorizada
Legenda: (A) demonstrando cálculo no cálice inferior (seta amarela); (B) em fase
angiográfica; (C) sem contraste em reconstrução tomográfica.
Figura 2.7 - Reconstrução da imagem anterior de tomografia
Principais indicações:
1. Rim: tumor, abscesso, litíase, avaliação do parênquima renal,
trauma, obstrução intrínseca e extrínseca, guia de biópsia, hematúria;
2. Ureter: obstrução intrínseca e extrínseca, litíase, fístula (sem
limitação dos gases intestinais);
3. Bexiga: tumor, litíase, corpo estranho, fístula;
4. Próstata: tamanho, abscesso, tumor;
5. Retroperitônio: estadiamento de tumores urogenitais, abscessos.
2.5 RESSONÂNCIA MAGNÉTICA
A RNM é um método que utiliza o campo magnético produzido pelo
órgão em estudo para definir seu formato e sua densidade. O
contraste éo gadolínio, que não apresenta riscos significativos de
alergia e não é nefrotóxico (porém, em pacientes com função renal
debilitada, pode causar fibrose sistêmica nefrogênica).
Diferentemente da TC, a RNM não emite
radiação ionizante, podendo, inclusive, ser
usada na gestação.
A RNM possui excelente resolução para determinadas avaliações,
como massas tumorais, plano de clivagem ou extensão de tumores
intravasculares. Sua resolução tecidual com alta sensibilidade na
detecção de gordura a torna importante em alguns diagnósticos
diferenciais, principalmente em lesões de glândulas adrenais. A
ressonância multiparamétrica da próstata tem sido importante para
definir a presença de tumor extraprostático e classificar a lesão
prostática quanto a probabilidade de ser neoplasia (classificação de
PI-RADS®).
A sensibilidade para litíase ou concreções à base de cálcio é pequena,
limitando o uso no diagnóstico de cálculo renal, e, além disso,
depende da colaboração do paciente e apresenta maior custo.
Figura 2.8 - Ressonância nuclear magnética de próstata demonstrando nódulo de origem
tumoral (comprovado por biópsia)
Figura 2.9 - Ressonância nuclear magnética de abdome
Legenda: tumor renal (seta azul) e metástase hepática (seta amarela).
Figura 2.10 - Ressonância nuclear magnética de abdome
Nota: rim esquerdo com sequência ponderada em T1 coronal com saturação de gordura e
uso de contraste paramagnético mostrando volumosa lesão expansiva na porção inferior
do rim com extensão à veia renal e à veia cava inferior.
Principais indicações:
a) Pacientes alérgicos ao iodo com indicação de tomografia (menos
adequado para litíase);
b) Avaliação do plano de clivagem de tumor e estadiamento;
c) Tumores com extensão intravascular;
d) Massas adrenais e linfonodos retroperitoneais;
e) Estadiamento do tumor de próstata (ressonância multiparamétrica
da próstata);
f) Angiorressonância (por exemplo, doença renovascular);
g) Urorressonância para fatores obstrutivos.
2.6 MEDICINA NUCLEAR –
CINTILOGRAFIA RENAL E
RENOGRAMA
A MN objetiva identificar tecidos viáveis e quantificar a atividade
metabólica e funcional desses tecidos. Não oferece muita acurácia
para definir a anatomia do órgão estudado.
Diferentemente dos métodos já descritos, a MN necessita que o
paciente receba radiofármacos, que serão captados pelos órgãos
desejados e, na sequência, “lidos” pela câmara de cintilação, que
definirá quanto e como o órgão está funcionando.
O funcionamento do rim é o maior interesse da Urologia com a MN.
Os radiofármacos mais utilizados são DTPA-99Tc (ácido
dietilenotriaminopentacético marcado com tecnécio 99m), DMSA-
99Tc (ácido dimercaptossuccínico, marcado com tecnécio 99m) e
MAG3-99Tc (ácido dimercaptossuccínico, marcado com tecnécio
99m).
A cintilografia renal é o exame de escolha para avaliação de
obstrução (DTPA) e função renal (DMSA).
Não utiliza gadolínio (sem risco de fibrose nefrogênica sistêmica) ou
contrastes iônicos intravenosos: logo, não causa danos aos rins, não
apresenta toxicidade persistente ou reações alérgicas, além de
resultar em mínima radiação absorvida. Comparada a outros exames
de imagem, a cintilografia não é invasiva e apresenta o mínimo risco
e mínimo desconforto ao paciente, permitindo determinar a função
renal.
Principais indicações (Wein et al., 2016):
a) Avaliação da drenagem e excreção renal;
b) Avaliação do parênquima renal (malformações, ectopias, displasias,
lesões corticais residuais – cicatrizes pós-pielonefrite, refluxo
vesicoureteral, traumatismo renal);
c) Avaliação da função relativa e absoluta do rim;
d) Diagnóstico e seguimento de patologia renal obstrutiva;
e) Avaliação de perfusão e função de rim transplantado.
Principais radiofármacos utilizados:
1. DTPA-99Tc: excretado exclusivamente por filtração glomerular (sem
ser reabsorvido), possui fase angiográfica e possibilita estudo dinâmico
com renograma quantificando e comparando a filtração renal bilateral,
além de avaliar se há obstrução funcional das vias excretoras. Na
suspeita de hipertensão renovascular, o uso de captopril durante o
exame demonstra hipoperfusão do lado da estenose renal;
2. DMSA-99Tc: filtrado e reabsorvido pelo túbulo proximal. É a droga
de escolha para realizar imagens do córtex renal e estimar a massa de
parênquima renal funcionante bilateral, demonstrando, assim, a
presença de cicatrizes renais;
3. MAG3-99Tc: pode ser utilizado nas mesmas situações que o DTPA.
Possui secreção tubular. Seu uso fica limitado por apresentar custo
elevado. Não disponível no Brasil.
Qual é a importância de se
conhecer os exames de
imagens para a
propedêutica e para o
tratamento na Urologia?
Tendo como base esses conhecimentos, podemos ter
aliados importantíssimos na nossa prática clínica diária
ajudando na propedêutica diagnóstica dos casos
urológicos. Entendendo o funcionamento dos exames, fica
mais fácil saber quando e para que pedir cada um deles,
auxiliando no diagnóstico e no tratamento dos casos
urológicos.
O exame de urina I alterado
significa somente infecção
urinária?
3.1 INTRODUÇÃO
A análise da amostra de urina, também conhecida como “biópsia
renal sem agulha” e “espelho do rim”, é um dos principais exames
em Urologia, pois é de simples execução, de baixo custo, acessível e
muito elucidativo. Em conjunto com a história e o exame físico, a
análise urinária desempenha um papel central na avaliação da
doença renal aguda e crônica. A nomenclatura da urinálise varia nas
diversas regiões do Brasil: pode ser chamada urina I, EAS (Elementos
Anormais e Sedimentos), EQU (Exame Qualitativo de Urina) e
sumário de urina.
Por meio da urinálise, faz-se a avaliação qualitativa de certos
constituintes químicos e do sedimento urinário. A urina utilizada
para o exame deve ter sido recém-emitida, preferencialmente sem
cateterismo vesical, pela manhã, em um recipiente limpo e seco. Na
mulher, a genitália deve ser cuidadosamente limpa e deve-se evitar a
coleta em dias próximos do início ou do fim do período menstrual,
ocasião em que poderá ocorrer contaminação com hemácias. Em
ambos os sexos, o jato miccional inicial deve ser desprezado,
coletando-se o intermediário.
A amostra pode ser avaliada no máximo 120 minutos após a coleta,
desde que mantida durante esse período em refrigerador (de 2 a 8
°C).
Em pacientes com cateteres urinários, a
amostra de urina deve ser coletada diretamente
do cateter, e não da bolsa coletora.
A coleta de urina I em neonatos e crianças deve ser feita
preferencialmente com sonda vesical ou saco coletor (este, porém,
pode causar resultado falso positivo devido a maior chance de
contaminação). A punção suprapúbica fica reservada para os casos
em que não se consegue coletar a urina pelos outros 2 meios
anteriores. Grande parte dos dados podem ser obtidos por meio de
fitas reativas, porém estas não substituem o exame microscópico do
sedimento urinário.
3.2 COR E ASPECTO
Quando se tem alteração na coloração da urina, deve-se pensar em
alterações sanguíneas, patologias, corantes alimentares e
medicamentos, porém esse é um exame de baixas sensibilidade e
especificidade.
A seguir, está descrita a análise da urina referente à sua coloração e
ao seu aspecto – o que já pode indicar algumas patologias:
1. Amarelo-clara/âmbar: normal;
2. Amarelo-escura: urina concentrada (pode significar desidratação
ou simplesmente restrição hídrica);
3. Amarronzada: bilirrubina (colúria), cloroquina, nitrofurantoína,
metronidazol, primaquina, fava, babosa;
4. Laranja: rifampicina, varfarina, fenazopiridina, cenoura
(betacaroteno), vitamina C, aumento de ácido úrico;
5. Vermelha/marrom: hematúria, hemoglobinúria, mioglobinúria,
necrose tubular aguda, rabdomiólise, fenitoína, clorpromazina,
beterraba, amora-preta (blackberry);
6. Vinho: porfiria;
7. Turva/leitosa: infecções, piúria, quilúria, fungos, cristais de fosfato,
propofol;
8. Rosa: cristalúria de ácido úrico maciça, beterraba, amora-preta
(blackberry);
9. Azul/verde: azul de metileno, Pseudomonas, amitriptilina, propofol,
cimetidina, indometacina,prometazina, aspargo, má absorção do
triptofano;
10. Amarelo-esverdeada fluorescente: complexo B;
11. Preta: alcaptonúria causada pela excreção urinária do ácido
homogentísico, relacionada ao distúrbio do metabolismo da tirosina.
3.3 ODOR
Algumas condições patológicas podem conferir odor característico à
urina.
1. Fétido: infecção urinária;
2. Adocicado: cetonúria;
3. “De óleo de peixe”: hipermetioninemia;
4. “De mofo”: fenilcetonúria.
3.4 DENSIDADE
A densidade urinária normal varia de 1.015 a 1.025. Após uma noite
sem ingestão de líquidos, espera-se que um adulto tenha densidade
de ao menos 1.020. De 1.000 a 1.003 é compatível com hiperdiluição
urinária, que pode ocorrer no diabetes insipidus e na polidipsia
psicogênica. Densidade > 1.032 pode ser compatível com glicosúria,
e, quando > 1.040, devem-se considerar agentes osmóticos
extrínsecos, como manitol ou contrastes osmóticos.
3.5 PARÂMETROS QUÍMICOS
3.5.1 pH
Embora seja determinado rotineiramente, o pH não identifica nem
exclui patologia renal; ele reflete o grau de acidificação da urina.
Pode variar entre 4,5 e 8, porém o valor esperado para urina normal
está entre 5 e 6, na primeira urina da manhã; dependendo do
equilíbrio acidobásico sistêmico. Urina com pH alcalino (≥ 7) pode
sugerir infecção urinária ou proliferação de bactérias que desdobram
a ureia, produzindo urease, como Proteus mirabilis; e, também,
quando ocorre demora na realização do exame. Outras causas que
elevam o pH urinário são uso de diuréticos, dieta vegetariana,
vômitos e uso de substâncias alcalinas. Por outro lado, indivíduos em
acidose metabólica ou com dieta rica em carnes têm pH urinário
baixo.
O pH urinário pode ser útil no diagnóstico das acidoses tubulares
renais (reabsorção inadequada de bicarbonato ou incapacidade de
acidificar apropriadamente a urina), em que esta tende a ficar
alcalina, apesar de o organismo apresentar-se em acidose.
A urina alcalina, como já dito, pode ser sugestiva de infecção por
bactérias produtoras de urease (cálculos de estruvita), além de poder
estar associada a fosfato de amônia. Urinas ácidas e litíase são,
geralmente, sinônimos de cálculos de ácido úrico.
3.5.2 Bilirrubina e urobilinogênio
Apenas a bilirrubina direta (conjugada) é hidrossolúvel e pode,
portanto, ser excretada na urina. Assim, na estase biliar por
obstrução ou por drogas, a pesquisa de bilirrubina na urina é
positiva. Já em situações de hemólise, em que aumenta a bilirrubina
indireta (que não é hidrossolúvel), a pesquisa na urina é negativa.
O urobilinogênio urinário é negativo nas icterícias obstrutivas, pois
não há quebra de bilirrubina na luz intestinal; entretanto, pode ser
positivo em casos de hemólise e hemorragias digestivas. A
quantidade de urobilinogênio considerada normal na urina é de 0,2 a
1 mg/dL.
3.5.3 Esterase leucocitária e nitrito
Tanto a positividade do nitrito quanto a da esterase leucocitária são
achados indiretos que podem sugerir infecção urinária. Em casos de
nitrito negativo associado a ausência de leucocitúria, pode-se
descartar a possibilidade de infecção urinária mesmo sem a cultura
de urina (guideline da European Association of Urology, 2019).
O método da esterase leucocitária baseia-se na detecção da esterase
liberada por granulócitos por meio de fita reativa. Quando há
contaminação vaginal, podem ocorrer resultados falsos positivos.
Falsos negativos são possíveis na presença de grande quantidade de
glicose, albumina, ácido ascórbico, tetraciclina, cefalexina,
cefalotina ou ácido oxálico. Urina excessivamente diluída pode
favorecer a lise celular e diminuir o limiar para a positividade do
teste. Em contrapartida, uma urina concentrada pode impedir a lise
das células e, por conseguinte, produzir resultado falso negativo.
Algumas bactérias (principalmente Enterobacteriaceae) convertem
nitrato em nitrito. A presença deste também é detectada por reação
com fita reativa, e podem ocorrer resultados falsos negativos quando
há demora na realização do exame, o que causa a degradação prévia
do nitrito.
Deve ser considerado o fato de que alguns patógenos não convertem
nitrato em nitrito, como o Enterococcus faecalis e a Neisseria
gonorrhoeae.
Piúria isolada é indicativa de infecção do trato urinário (incluindo a
tuberculose, em que as culturas bacterianas convencionais podem
ser negativas). Piúria estéril pode ocorrer, também, em doença
tubulointersticial, como nefropatia por analgésico.
Piúria é comumente associada a bacteriúria. No
entanto, se a cultura de urina correspondente é
negativa (isto é, estéril), devemos pensar em
nefrite intersticial, tuberculose renal ou
nefrolitíase.
3.5.4 Glicose
Glicosúria ocorre por incapacidade do rim em reabsorver glicose
filtrada no túbulo proximal ou concentração de glicose plasmática
elevada. Em pacientes com a função renal normal, a glicosúria
geralmente não ocorre até que a concentração de glicose no plasma
seja > 180 mg/dL.
A maior parte das fitas usa o método glicose oxidase/peroxidase, que
normalmente detecta níveis baixos de glicose urinária (50 mg/dL).
Como o limiar renal é de aproximadamente 160 a 180 mg/dL, a
presença de glicosúria geralmente indica glicemia > 210 mg/dL. A
presença de grande quantidade de corpos cetônicos, ácido ascórbico
e metabólitos da fenazopiridina (Pyridium®) pode alterar a reação.
Além de ocorrer em pacientes com aumento da glicemia (diabetes
mellitus, gestação), a glicosúria pode estar presente em casos de
lesão tubular (em que a reabsorção da glicose não ocorre
adequadamente), como na glicosúria renal ou na síndrome de
Fanconi, um defeito primário de reabsorção do túbulo proximal que
consiste em glicosúria, fosfatúria (hipofosfatemia sérica),
uricosúria, acidose tubular renal e aminoacidúria.
3.5.5 Corpos cetônicos
Acetoacetato e acetona podem aparecer na urina de pacientes em
jejum prolongado e com cetoacidose diabética ou alcoólica.
Geralmente, são detectados com a reação de nitroprussiato.
Entretanto, o beta-hidroxibutirato, principal corpo cetônico (80%),
não é detectado pela reação com nitroprussiato.
3.5.6 Hemoglobina e mioglobina
A fita reativa usa a atividade peroxidase-like da hemoglobina para
catalisar a reação. A presença de hemoglobina, mioglobina ou
hemácias resulta em positividade da reação.
A hemoglobina é relativamente mal filtrada, tanto pelo seu amplo
tamanho quanto pela ligação à haptoglobina. Quando a capacidade
da hemoglobina do plasma em se ligar é excedida, surge a
hemoglobinúria. A principal causa de hemoglobina livre é a
hemólise. Já a mioglobina é um monômero e não está ligada a
proteínas, sendo, portanto, rapidamente filtrada e excretada. Sua
fonte de excesso é a degradação do músculo esquelético
(rabdomiólise), que também está associada à elevação acentuada da
concentração de creatinoquinase no soro.
Teste positivo para hemoglobina, porém com quantidade de
hemácias normal, sugere hemoglobinúria (hemólise) ou
mioglobinúria (rabdomiólise). Nessas circunstâncias, o aspecto do
plasma pode ajudar, pois na hemoglobinúria sua coloração é
avermelhada e, na mioglobinúria, está inalterada.
O resultado negativo de hemoglobina e
mioglobina afasta, com segurança, hematúria,
hemoglobinúria e mioglobinúria.
A presença de urina vermelha, com reação negativa na fita, pode
representar a excreção de pigmentos após a ingestão de
medicamentos (fenitoína, clorpromazina) ou de alimentos
(beterraba) ou a presença de porfiria.
Figura 3.1 - Principais causas de hematúria com relação à idade em que geralmente
ocorrem (eixo horizontal), transitoriedade ou persistência (eixo vertical) e frequência (azul
implica mais frequente)
Legenda: Hiperplasia Prostática Benigna (HPB).
Convém lembrar que o teste da fita reativa é um
bom parâmetro para abrir um leque de
diagnósticos, entretanto ele tem elevada
sensibilidade e baixa especificidade.
3.6 PROTEINÚRIA
Normalmente, são filtrados pelos glomérulos de 170 a 180 L de
plasma diariamente, e cada litro filtrado contém cerca de 70 g de
proteína. No entanto, os túbulos apresentam eficientemecanismo de
reabsorção da proteína filtrada, portanto, menos de 150 mg são
excretados por dia.
Dos 150 mg de proteínas excretadas diariamente, 30 a 50 mg são
compostas pela proteína de Tamm-Horsfall (mucoproteína formada
na porção espessa da alça de Henle e porção inicial do túbulo distal),
e o restante, por globulinas e albumina (menos de 30 mg/d).
A análise tem sensibilidade bastante variável, conforme a diluição da
urina, e basicamente detecta albumina em níveis > 300 mg/d (ou
seja, níveis de macroalbuminúria). Em urinas muito concentradas, a
detecção pode ser maior; em urinas mais diluídas, a detecção pode
ser mais difícil, sendo que o exame pode ser, inclusive, um falso
negativo. Outras proteínas, como as de cadeia leve produzidas no
mieloma múltiplo, não são detectadas.
Em geral, as proteinúrias acontecem por lesão tubular ou
glomerular, porém, existem situações em que ocorre proteinúria
transitória, sem lesão tubular ou glomerular, como em infecção
urinária, febre, exposição ao frio ou ao calor, exercício físico,
postural (proteinúria ortostática) e convulsões.
As proteinúrias glomerulares acompanham-se de perda
predominante de albumina; já as tubulares, de perdas de proteínas
de baixo peso molecular, como a beta-2-microglobulina, proteína
transportadora de retinol, lisozima, cadeias leves de
imunoglobulinas etc.
3.6.1 Determinação qualitativa
Existem diferentes métodos para a detecção de proteína na urina. Os
resultados podem ser expressos em g/dL ou em cruzes (0 a ++++), de
acordo com a intensidade da reação. De forma geral, traços de
proteinúria são equivalentes a 10 a 150 mg/24 horas; 1+ corresponde
a cerca de 200 a 500 mg/24 horas; 2+ corresponde a de 500 a 1.500
mg/24 horas; 3+, de 2 a 5 g/24 horas; e 4+, de 7 g ou mais em 24
horas. É importante ressaltar que, para a interpretação correta
desses resultados, deve-se levar em conta o valor da densidade
urinária, pois, em situação de fluxo urinário elevado (urina diluída,
com densidade baixa), a concentração de proteína é baixa, podendo
não ser detectada pelos métodos habituais.
Tabela 3.1 - Proteinúria, segundo o Serviço de Nefrologia do Hospital Fernando Fonseca
(2012)
3.6.2 Determinação quantitativa
A determinação quantitativa é feita colhendo urina de 24 horas e
determinando o conteúdo de proteína pelo método de precipitação. A
quantidade diária de proteínas na urina não deve ultrapassar 150
mg/d, portanto valores superiores a esse limite significam alterações
importantes na permeabilidade glomerular ou na função tubular.
Proteinúria acima de 3,5 g/24 horas, em adultos, é considerada em
faixa nefrótica.
Quando existe dificuldade para ser coletada urina de 24 horas, pode-
se utilizar a relação proteína-creatinina em amostra isolada de
urina. Normalmente, essa relação é menor do que 0,2 mg/mg,
portanto, valores maiores indicam excesso de proteína na urina.
1. Microalbuminúria: excreção de 30 a 300 mg/d;
2. Proteinúria: > 150 mg/d;
3. Proteinúria nefrótica: > 3,5 g/d.
3.6.3 Albuminúria
A quantificação de albumina urinária é usada para screening e
acompanhamento de nefropatia diabética. Existem diferentes
métodos utilizados para a determinação da albumina urinária:
radioimunoensaio, ELISA, nefelometria. A interpretação dos valores
encontrados deve ser realizada da seguinte forma:
1. Até 30 mg/d: normoalbuminúria;
2. 30 a 300 mg/d: microalbuminúria;
3. Maior do que 300 mg/d: macroalbuminúria.
Proteinúria grave com hematúria ausente ou mínima é indicativa de
doenças glomerulares não proliferativas, incluindo nefropatia
diabética severa. Além disso, esse padrão pode ser visto em
nefropatia membranosa, glomeruloesclerose segmentar e focal,
doença de lesões mínimas e amiloidose.
3.7 SEDIMENTO URINÁRIO
O exame microscópico do sedimento urinário pode indicar
nefropatia e, muitas vezes, a natureza e a extensão das lesões. A
seguir, serão especificadas as substâncias e as células normalmente
presentes no sedimento urinário e as indicativas de patologias
renais.
3.7.1 Células
As células encontradas no sedimento urinário podem ser
provenientes de descamação do epitélio do trato urinário ou dos
elementos celulares do sangue (eritrócitos, linfócitos e neutrófilos).
Nas nefropatias, as células epiteliais se degeneram e são eliminadas
em grande número, particularmente quando há proteinúria intensa.
Além disso, na presença de proteinúria, ocorre a degeneração
gordurosa das células epiteliais, com a inclusão de partículas de
gordura no interior dessas células, as quais passam a ser chamadas
corpúsculos ovais.
Leucócitos e hemácias podem ser provenientes tanto dos rins como
de qualquer parte do trato urinário. É considerada normal a presença
de até 10 leucócitos e 3 hemácias por campo no sedimento urinário.
A hematúria pode ser transitória ou persistente. A primeira é
relativamente comum em pacientes jovens e pode ocorrer após
exercício ou relação sexual, além de poder indicar processos
infecciosos do trato urinário (cistite ou prostatite). Na hematúria
persistente, o número de hemácias (hematúria) pode indicar tanto
lesão glomerular (hematúria alta) quanto do trato urinário inferior
(hematúria baixa), e sugere-se complementar a investigação com a
pesquisa de dismorfismo eritrocitário. Hematúria inicial pode
indicar origem uretral; se terminal, indica origem do colo vesical ou
da próstata e a hematúria total é mais indicativa de origem vesical ou
no sistema excretor alto.
A hematúria persistente deve ser sempre
avaliada; entre as causas mais comuns estão
nefrolitíase, infecção urinária, hiperplasia
prostática benigna, câncer e doença
glomerular.
A distinção entre causas glomerulares e não glomerulares é o
primeiro passo na avaliação da hematúria inexplicada. Na hematúria
de origem glomerular, encontra-se grande número de hemácias
dismórficas (Figura 3.2), pois essas células têm sua forma alterada
ao passarem pela barreira glomerular; o mesmo não acontece na
forma baixa. Adicionalmente, na hematúria de origem glomerular, a
urina tem coloração amarronzada (ou cor de “Coca-Cola”) e não há
formação de coágulos. Essas características auxiliam na distinção da
hematúria de origem glomerular daquela de origem nas vias
urinárias baixas, de coloração vermelho-viva e com coágulos.
A presença de hematúria associada a proteinúria sugere doença
glomerular; já a de hematúria isolada pode ser encontrada em casos
de litíase, tumores e doença renal policística, mas pode, também,
estar presente em algumas doenças glomerulares, como nefropatia
por IgA, doença da membrana basal glomerular fina e síndrome de
Alport.
A leucocitúria (Figura 3.3) reflete infecção ou inflamação do trato
urinário, portanto, pode estar presente em quadros de infecção do
trato urinário, pielonefrite, glomerulonefrites, nefrite intersticial
aguda etc.
A presença de eosinófilos na urina tem sido
considerada marcador na nefrite intersticial
alérgica.
Outras células:
a) Tubulares renais (necrose tubular aguda, nefrite intersticial aguda);
b) Revestimento do excretor.
Figura 3.2 - Exame microscópico do sedimento urinário
Legenda: (A) hematúria não dismórfica e (B) hematúria dismórfica e acantócitos.
Figura 3.3 - Exame microscópico do sedimento urinário mostrando leucocitúria, que pode
estar presente em quadros de infecção do trato urinário ou inflamação do trato urinário
3.7.2 Cilindros
Os cilindros são formados no lúmen tubular, e vários fatores
favorecem sua formação, como estase de urina, baixo pH e maior
concentração urinária. São elementos do sedimento urinário de
grande importância na distinção entre nefropatia primária e doença
do trato urinário baixo, normalmente formados por uma matriz
proteica, na qual se podem aglutinar células e gotículas de gordura.
Principais tipos:
1. Hialinos: compostos principalmente por mucoproteína de Tamm-
Horsfall, sem inclusões (Figura 3.4 - A). Clinicamente, têm pouco
significado, podendo ser fisiológicos;
2. Leucocitários: compostos por mucoproteína de Tamm-Horsfall e
leucócitos (Figura 3.4 - B). Aparecem na inflamaçãointersticial,
pielonefrite e glomerulonefrite proliferativa;
3. Hemáticos: compostos por mucoproteína de Tamm-Horsfall e
hemácias (Figura 3.4 - C). A presença desse tipo no exame de
sedimento urinário é patognomônica de doença glomerular;
4. Celulares/epiteliais: compostos por mucoproteína de Tamm-
Horsfall e células epiteliais descamadas. A presença de cilindros
epiteliais renais é indicativa de lesão tubular como necrose tubular
aguda, nefrite intersticial aguda e glomerulonefrite proliferativa;
5. Granulosos: cilindros epiteliais com fragmentos de células que se
desintegraram (Figura 3.4 - D). Podem ser fisiológicos ou estar
associados a quadro de lesão tubular, como a necrose tubular aguda;
6. Céreos: cilindros muito largos, que refletem a fase final da
dissolução dos cilindros epiteliais. Estão associados a estase urinária e
ocorrem nos estágios finais da doença renal crônica;
7. Gordurosos: cilindros hialinos impregnados de gotículas de
gordura, também chamados corpos lipoides. Ocorrem em casos de
síndrome nefrótica.
Figura 3.4 - Sedimento urinário
Legenda: (A) cilindro hialino; (B) cilindro leucocitário; (C) cilindro hemático; (D) cilindro
granuloso.
A presença de hemácias dismórficas, cilindros
hemáticos, proteinúria e/ou lipidúria é sugestiva
de doença glomerular.
3.7.3 Cristais
Os cristais encontrados na urina I podem ser de diferentes
composições e significados. A presença de cristais de ácido úrico,
fosfato e oxalato de cálcio pode não ter significado diagnóstico, já
que essas substâncias podem cristalizar em decorrência de
alterações de pH e temperatura. No entanto, cristais de ácido úrico
podem estar presentes na insuficiência renal aguda por lise tumoral
pós-quimioterapia (Figura 3.5 - A), e cristais de oxalato de cálcio
podem sugerir intoxicação por etilenoglicol (Figura 3.5 - B).
Cristais de estruvita (fosfato amoníaco-magnesiano) são incomuns
e podem estar relacionados a litíase, associada a infecções por
bactérias produtoras de urease (Klebsiella, Proteus). Os cristais de
cistina também são incomuns, e a cistinúria deve ser investigada.
Figura 3.5 - Sedimento urinário
Legenda: (A) cristal de ácido úrico e (B) cristal de oxalato de cálcio. 
Fonte: Schira.
A urina I normal pode ser encontrada em insuficiência renal aguda
pré-renal ou por necrose tubular aguda, em obstruções do trato
urinário, em hipercalcemia, no mieloma múltiplo, em emergências
hipertensivas, na crise esclerodérmica renal, microangiopatias, na
doença ateroembólica, na poliarterite nodosa, na síndrome de lise
tumoral e na nefropatia aguda por fosfato. Em pacientes renais
crônicos, urina I normal pode indicar situações de baixo volume
circulante (insuficiência cardíaca), obstrução de trato urinário ou
nefrosclerose hipertensiva.
O exame de urina I alterado
significa somente infecção
urinária?
Com base nesse capítulo podemos notar que a alteração no
exame de urina I pode nos levantar a hipótese diagnóstica
de diversas patologias e não apenas a infecção; por isso, é
importante saber interpretar bem esse exame simples e
barato para que assim possamos continuar investigando as
alterações que foram inicialmente detectadas.
Quando tratar uma
infecção do trato urinário?
Como diferenciar uma
infecção do trato urinário
baixo de uma do trato
urinário alto?
4.1 DEFINIÇÃO
A Infecção do Trato Urinário (ITU) é definida como uma resposta
inflamatória dos tecidos de qualquer parte do trato urinário à
invasão bacteriana ou, mais raramente, a outros agentes infecciosos,
como fungos e vírus.
A presença de patógenos na urina implica colonização, infecção ou
contaminação, pois se espera que esta seja estéril.
Pode ser sintomática ou assintomática e, em alguns casos, evoluir
com sepse e até morte, caso não seja tratada.
Bacteriúria assintomática é um termo muito utilizado e significa
isolamento de bactérias na urina, em contagens significativas,
porém sem sintomas locais ou sistêmicos.
Conforme o guideline da European Association of Urology (2019), a
bacteriúria assintomática é definida por 2 uroculturas positivas,
colhidas na sequência e contendo 100.000 Unidades Formadoras de
Colônias por mL (UFC/mL) da mesma cepa bacteriana (geralmente
apenas a espécie pode ser detectada, quando mais de uma espécie
está presente, temos que estar atentos com a possibilidade de
contaminação). Para as mulheres, consideram-se necessárias 2
amostras, enquanto para os homens, apenas 1 amostra é suficiente.
Em casos de urina cateterizada, é necessária apenas 1 amostra com
mais de 100 UFC/mL para ambos os sexos. Vale lembrar que a
bacteriúria assintomática é independente da leucocitúria, podendo
esta última estar presente ou não.
Em casos de ITU por S. saprophyticus ou Candida, o cut-o� (valor de
corte) de 10.000 UFC/mL é aceito.
A ITU é considerada a infecção bacteriana mais comum, porém sua
real incidência não é totalmente conhecida. Nos Estados Unidos,
estima-se que, anualmente, cause cerca de 7.000.000 consultas
ambulatoriais, 1.000.000 consultas de emergência e 100.000
hospitalizações, sendo a sua incidência 2 vezes maior entre
mulheres.
Dentre as infecções nosocomiais, a ITU é a
primeira em incidência, embora a mortalidade
das pneumonias nosocomiais seja maior.
Entre os homens, são incomuns até os 50 anos. Após essa idade,
pode ocorrer hiperplasia prostática, causando obstrução no fluxo
urinário, com aumento da incidência.
Além disso, algumas populações são especialmente suscetíveis à
ITU, incluindo crianças pequenas, mulheres grávidas, idosos,
pacientes com lesões medulares, usuários de sondas vesicais,
diabéticos e imunossuprimidos.
4.2 CONCEITOS
Diversos termos relacionados às ITUs, usados de forma muitas vezes
indevida, devem ser conhecidos para melhor caracterização das
infecções.
4.2.1 Bacteriúria
É anormal a presença de bactéria na urina, em qualquer quantidade.
Muitas vezes, é difícil diferenciar bacteriúria decorrente de infecção
ou contaminação. Assim, em 1956, foi introduzido, por Kass et al., o
termo bacteriúria significativa, ou seja, mais de 100.000
colônias/mL. Estudos recentes consideram infecção em mulheres
sintomáticas com contagem de 103 bactérias/mL, homens com
contagem de 105 bactérias/mL e pacientes com uso de cateteres
urinários com contagem de 102 bactérias/mL. Aproximadamente,
5% dos adultos jovens terão bacteriúria pelo menos 1 vez, e a
incidência aumenta com a idade, na taxa de 1 a 2% por década.
Desenvolve-se muito mais em mulheres com história de infecções
urinárias frequentes e, se não houver história de infecção
sintomática, há a tendência de, em poucos dias, desaparecer
espontaneamente. Contudo, em 52% das mulheres nas quais a
bacteriúria desaparece, haverá recorrência da bacteriúria
assintomática, algumas vezes sintomática, pelo menos 1 vez, nos
próximos 2 anos.
Quadro 4.1 - Definição de infecção do trato urinário – contagem de colônia com piúria
4.2.2 Bacteriúria assintomática
Como norma geral, segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de
Urologia e segundo o guideline da European Association of Urology
(2019), pacientes idosos e com disfunções neurogênicas, diabéticos,
em uso de cateter vesical, transplantados ou antes de cirurgia
ortopédica não devem ser tratados com antibióticos, pois existe o
risco desnecessário de seleção de bactérias mais resistentes e da
interação alérgica às drogas, além dos custos dos tratamentos.
A bacteriúria assintomática deve ser tratada previamente a
manipulação cirúrgica do trato urinário e em gestantes.
Bacteriúria significativa em adultos:
a) ≥ 103 uropatógenos/mL no jato médio da urina em cistite aguda não
complicada em mulheres;
b) ≥ 104 uropatógenos/mL no jato médio em pielonefrite aguda não
complicada em mulheres;
c) ≥ 105 uropatógenos/mL no jato médio da urina em mulheres, ou ≥
104 uropatógenos/mL no jato médio da urina em homens (ou em urina
colhida diretamente por cateterismo em mulheres) com ITU
complicada;
d) Na amostra colhida por punção suprapúbica, qualquer contagem de
bactérias é relevante.
4.2.3 Infecção urináriarecorrente por reinfecção
Trata-se de infecção das vias urinárias causada por novos micro-
organismos em intervalos variáveis após a erradicação de infecção
prévia. É provável que 80% de todas as infecções recorrentes do trato
urinário sejam reinfecções, cujas causas ainda não estão
completamente esclarecidas. Porém, técnicas modernas de imagem
têm demonstrado estruturas celulares bacterianas chamadas
fímbrias ou pili, que são apêndices proteicos filamentosos e longos,
que se aderem às células uroteliais, como causa de reinfecção.
4.2.4 Infecção urinária recorrente por recidiva
Trata-se da infecção das vias urinárias causada pelo mesmo micro-
organismo durante ou após a conclusão do tratamento. Na infecção
recorrente por reinfecção, há um novo micro-organismo ou o
mesmo após erradicação da infecção prévia, e, na infecção
recorrente por recidiva, há o mesmo micro-organismo durante ou
após a conclusão do tratamento – a maior causa é a resistência a
antibiótico.
4.2.5 Piúria
A presença de leucócitos na urina, conhecida como piúria, não é
indicação absoluta de infecção urinária inespecífica.
É importante salientar que é muito comum a interpretação
equivocada de piúria como infecção urinária. Não se deve esquecer
que a presença de bactérias é importante para tal diagnóstico. Podem
causar piúria: tuberculose urinária, cálculos renais, vaginites,
vulvites, cistite química (uso de ciclofosfamida) e uretrites. Presença
de piúria não é indicação para tratamento.
4.2.6 Infecção urinária não complicada
Caracteriza-se por não apresentar alterações anatômicas ou doenças
associadas, sistêmicas ou locais (diabetes, cálculos), em mulheres
não gestantes e pré-menopausadas, bem como quando ocorre fora
do ambiente hospitalar. As ITUs não complicadas apresentam-se
como cistite e pielonefrite e comumente deixam poucas sequelas.
4.2.7 Infecção urinária complicada
A infecção urinária complicada é uma infecção em um indivíduo com
o trato urinário apresentando alguma alteração anatômica ou
patológica ou quando há infecções associadas ao uso de cateteres
urinários.
Podemos destacar alterações obstrutivas (hiperplasia prostática
benigna, tumores, corpos estranhos), anatomofuncionais (bexiga
neurogênica, rim espongiomedular, nefrocalcinose, cistos renais),
metabólicas (diabetes, insuficiência renal, transplante renal), uso de
cateter de demora ou mesmo infecções urinárias com origem
nosocomial e gestação.
# PERGUNTA AÍ
Na ITU, piúria e leucocitúria são sinônimos ou existe diferença
entre eles?
Normalmente nos casos de infecção do trato urinário os termos são
utilizados como sinônimos. Em pacientes verdadeiramente
infectados, um número significativo de leucócitos (> 10/µL ou
10.000/mL) geralmente deve estar presente. Dada a associação
muito alta entre infecção e piúria, a ausência de piúria na avaliação
microscópica pode sugerir colonização em vez de infecção quando
há bacteriúria (embora bacteriúria e piúria não signifiquem
necessariamente infecção, particularmente se não houver
sintomas).
4.3 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Desenvolvem-se mais frequentemente em mulheres, quando
uropatógenos da flora fecal colonizam o introito vaginal. Ao discutir
ITU, devem ser considerados fatores relacionados ao micro-
organismo e ao hospedeiro. Entre os fatores do micro-organismo,
estão a virulência e a resistência a antimicrobianos.
São categorias de alterações de exames de urina relacionadas à
presença de bactéria:
a) Bacteriúria assintomática;
b) ITU aguda (baixa) não complicada em mulheres;
c) Pielonefrite aguda não complicada;
d) ITU complicada e em homens;
e) ITU recorrente (profilaxia com antibiótico).
As infecções urinárias são causadas, principalmente, por germes Gram
negativos, sendo cerca de 85% pela bactéria Escherichia coli, cujos fatores
de virulência já foram amplamente estudados.
Considera-se vir de fonte intestinal, sendo o seu reservatório a
colonização do cólon. Infecções nosocomiais são causadas,
principalmente, por Pseudomonas aeruginosa e Serratia marcescens,
que requerem tratamentos diferenciados. Cerca de 10% das infecções
urinárias sintomáticas do trato urinário inferior, em mulheres
sexualmente ativas, são causadas pelo Staphylococcus saprophyticus.
Outros agentes importantes são Enterococcus spp. e outros bacilos
Gram negativos, como Klebsiella, Proteus e Enterobacter, que têm
outros mecanismos de adesão epitelial. Os Proteus mirabilis são
importantes por produzirem urease, uma enzima que decompõe a
ureia, tornando a urina alcalina, o que favorece a precipitação de
fosfatos e a formação de cálculos de fosfato amoníaco-magnesiano
(estruvita).
Alguns fatores são importantes para o aparecimento de ITU. Dentre
os relacionados ao hospedeiro estão idade, fatores
comportamentais, Diabetes Mellitus (DM), lesão espinal,
cateterização vesical e gravidez.
4.3.1 Idade
Na população geriátrica, a apresentação clínica da ITU é
frequentemente atípica.
Há alta prevalência de bacteriúria assintomática, por isso uma
urocultura positiva não necessariamente requer tratamento.
A maioria dos estudos envolveu idosos institucionalizados e pode
não refletir o que ocorre com aqueles que vivem independentemente
na comunidade. O risco de ITU associa-se a dificuldade de controle
urinário (incontinência em mulheres e prostatismo em homens). O
uso de cateteres urinários e as alterações anatômicas ou funcionais
do trato urinário também são fatores de risco. A ITU aumenta a
prevalência de incontinência urinária em mulheres mais idosas e
também o risco de morte, significativamente.
A bacteriúria assintomática é comum e geralmente benigna,
afetando até 50% das mulheres e 30% dos homens em instituições, e
a sua frequência aumenta com a idade e com as comorbidades, sendo
que, entre idosos, a E. coli representa menos de 50% dos agentes de
ITU. Infecções polimicrobianas são frequentes.
4.3.2 Fatores comportamentais
Os fatores comportamentais associados a ITU são atividade sexual
(mulheres mais ativas sexualmente têm maior incidência) e uso de
espermicidas (que aumenta a colonização por E. coli). Não há
aumento de risco associado aos hábitos de micção ou higiene íntima.
Há, ainda, diferenças anatômicas que predispõem a ITU, como
menor distância entre a uretra e o ânus.
4.3.3 Diabetes mellitus
Bacteriúria assintomática e ITU sintomática são mais frequentes em
diabéticos do que em não diabéticos. É um fator de risco para
pielonefrite e subsequente queda da função renal em mulheres com
DM tipo 1. A presença de DM leva a maior risco de complicações,
incluindo apresentações raras de ITU, como cistite e pielonefrite
enfisematosa, abscesso, necrose papilar e pielonefrite
xantogranulomatosa.
Vários fatores no DM têm sido propostos como de risco: controle
glicêmico ruim, duração da doença, microangiopatia diabética,
disfunção leucocitária secundária a hiperglicemia e vaginite de
repetição. Além disso, parece haver maior prevalência de alterações
anatômicas e funcionais do trato urinário entre pacientes com DM.
Embora o agente etiológico mais comum seja E. coli, Klebsiella spp. e
Acinetobacter spp., os agentes estreptococos do grupo B e Candida
spp. são causas de ITU nesses pacientes.
4.3.4 Lesão espinal ou cateterização vesical
A ITU é muito frequente nesses casos e está relacionada à
mortalidade e morbidade importantes. Fatores que aumentam a
suscetibilidade são hiperdistensão da bexiga, dificuldade de micção e
litíase urinária.
4.3.5 Gravidez
Cerca de 4 a 10% das gestantes têm bacteriúria assintomática, e 1 a
4% desenvolvem cistite aguda. A pielonefrite aguda afeta 1 a 2% das
mulheres no final do segundo e no início do terceiro trimestre. As
implicações de ITU durante a gravidez são aumento do risco de
pielonefrite, parto prematuro e mortalidade fetal. Se não tratada, a
bacteriúria assintomática pode evoluir para pielonefrite. É possível
que, em gestantes, manifeste-se apenas com sintomas de trato
urinário baixo. A bacteriúria assintomática deve sempre ser tratada
em gestantes.
4.4 CLASSIFICAÇÃO
As ITUs podem serclassificadas de acordo com sua localização
anatômica, em alta e baixa, sintomática ou assintomática,
complicada ou não complicada, recorrente ou esporádica. Essa
classificação é importante tanto para a terapêutica a ser utilizada
quanto para o tempo de tratamento, que pode variar.
1. ITU baixa:
a) Cistite;
b) Uretrite;
c) Orquite;
d) Epididimite;
e) Prostatite.
2. ITU alta:
a) Pielonefrite aguda;
b) Pielonefrite crônica;
c) Pielonefrite xantogranulomatosa;
d) Pielonefrite enfisematosa;
e) Abscesso perinefrético e paranefrético;
f) Abscesso renal.
4.5 OUTROS FATORES ENVOLVIDOS E
VIAS DE AQUISIÇÃO DA INFECÇÃO
4.5.1 Fatores envolvidos
Vários fatores estão envolvidos no desenvolvimento das infecções
urinárias, como virulência da bactéria e mecanismos de defesa do
hospedeiro. Destes últimos, um dos mais importantes é uma
sequência de fatores hidrodinâmicos que agem por meio de diluição,
lavagem e eliminação das bactérias, através de diurese e micção
adequada. Quanto à virulência bacteriana, as fímbrias (ou pili)
parecem ser um dos fatores de maior importância nas infecções
urinárias.
1. Mecanismos de defesa:
a) pH e osmolaridade;
b) Diurese;
c) Camada de mucopolissacarídeos;
d) Junção ureterovesical;
e) Defesa imunológica;
f) Secreções prostáticas.
2. Virulência bacteriana:
a) Cepas nefritogênicas;
b) Elementos de aderência (fímbrias tipos 1 e P);
c) Lipopolissacarídeos antiperistálticos;
d) Lipopolissacarídeos antifagocitários;
e) Produção de hemolisinas (maior citotoxicidade).
4.5.2 Vias de aquisição
Os mecanismos de entrada das bactérias no trato urinário não são
sempre estabelecidos com certeza. Há 4 vias principais: ascendente,
hematogênica, linfática e extensão direta de outro órgão.
4.5.2.1 Ascendente
A ascendente é a via mais frequente e importante de infecção do
trato geniturinário, que advém a partir da uretra.
Vários mecanismos são necessários para haver a infecção vesical,
como a colonização por bactérias da flora intestinal, por fatores
mecânicos, defecação, higiene pessoal e sudorese. Como a uretra
feminina é mais curta e há tendência de colonização do períneo e do
vestíbulo vaginal por bactérias da flora intestinal, as mulheres são
mais suscetíveis a infecções por essa via. A colonização dependerá da
competição com a flora local e do pH vaginal, muito influenciado
pelo nível de estrogênio.
4.5.2.2 Hematogênica
Trata-se de uma disseminação rara e ocorre em situações
específicas, como tuberculose, abscessos renais e perinefréticos.
4.5.2.3 Linfática
Trata-se de uma disseminação provável, porém rara. Há
especulação, e poucas provas, de que a contaminação por bactérias
da próstata e da bexiga via linfática ocorra por meio dos capilares
periuretrais e periuterinos.
4.5.2.4 Extensão direta
Algumas doenças podem causar infecção urinária por extensão
direta: abscessos intraperitoneais, causados por doenças intestinais
inflamatórias (diverticulite), abscessos perivesicais e fístulas do
trato geniturinário.
4.6 ACHADOS CLÍNICOS
4.6.1 Bacteriúria assintomática
Como já discutido, trata-se de um diagnóstico microbiológico. Afeta
cerca de 10% das gestantes e é mais comum entre diabéticos, idosos
e mulheres. A atividade sexual influencia a sua presença. Também
afeta, com alta frequência, idosos institucionalizados (até 55% das
mulheres e 31% dos homens). Geralmente a bacteriúria
assintomática não deve ser tratada, exceto em grupos específicos
(gestantes ou indivíduos que serão submetidos a procedimentos com
manipulação de vias urinárias).
4.6.2 Cistite
É a forma mais comum de infecção urinária, mais frequente em
mulheres sexualmente ativas. Mais de 50% das mulheres terão ao
menos 1 episódio de ITU durante a vida.
Detalhes sobre o assunto serão abordados em capítulo específico do
tema.
4.6.3 Pielonefrite
A pielonefrite aguda é uma doença inflamatória infecciosa (com
predominância de Escherichia coli, de 70 a 90% dos casos) que
envolve o parênquima e a pelve renal. A ascendente é a via mais
comum de contaminação do trato superior (rim), a partir de uma
infecção da bexiga que ascende por meio dos ureteres.
Febre, em geral, acima de 38 °C, com calafrios, taquicardia, sinal de
Giordano, dor costovertebral, náuseas e vômitos são sugestivos de
pielonefrite.
4.7 EXAMES COMPLEMENTARES
Em mulheres com ITU não complicada, definida pela presença de
sintomas como polaciúria, disúria, dor suprapúbica e urgência
urinária, sem alteração estrutural de trato urinário, o diagnóstico se
baseia na história clínica.
Exames complementares (urina tipo I e urocultura) não são
indicados a mulheres com ITU não complicada e sintomática. Quanto
a todos os outros pacientes, é necessária a confirmação diagnóstica,
com exames laboratoriais. A ITU em homens é considerada uma
infecção complicada, pois frequentemente se associa a
anormalidades estruturais do trato urinário. Testes com fitas
reagentes quimicamente impregnadas são de grande utilidade, e o
resultado positivo geralmente é suficiente. Se 1 deles demonstra
leucócitos e esterase ou nitrito (Gram negativos), pode-se iniciar o
tratamento, pois se trata de infecção urinária. Caso a esterase ou o
nitrito sejam negativos e haja leucocitúria, indica-se exame do
sedimento urinário com ou sem bacterioscopia (coloração de Gram),
que poderá demonstrar presença de bactérias.
A presença de piúria é praticamente universal, seja em pacientes
com ITU baixa, seja com pielonefrite, e a ausência dela sugere
fortemente diagnóstico alternativo não infeccioso. O melhor método
para determiná-la é a análise do jato médio da urina por
hemocímetro com contagem maior de 10 leucócitos/mL. Pode estar
presente, ainda, em cerca de 30 a 35% dos indivíduos com
bacteriúria assintomática. Independentemente desse achado, esses
pacientes continuam sem indicação de tratamento, exceto em
subgrupos específicos. A detecção de nitritos na urina, procedimento
diagnóstico usado desde 1920, representa evidência de crescimento
bacteriano, com boa sensibilidade e especificidade diagnóstica
àqueles com grandes contagens de bactérias em urocultura, mas
com acurácia inadequada.
O exame definitivo para o diagnóstico de ITU é a urocultura, que deve
ser colhida antes da introdução de antibióticos.
Considera-se que o melhor espécime para a urocultura seja a urina
de jato médio após higiene íntima. Realiza-se cultura quantitativa, e
se considera positiva uma contagem ≥ 105 UFC/mL. Em mulheres
com sintomas fortemente sugestivos, pode-se considerar contagens
menores, a partir de 102 UFC/mL.
Hemograma com leucocitose e desvio para a esquerda, com aumento
da velocidade de hemossedimentação, pode ocorrer em pacientes
com pielonefrite.
Deve-se suspeitar da presença de complicações, como abscesso
perinefrético, em todos os indivíduos em que a febre não ceda após
48 horas de antibioticoterapia prolongada, e exames de imagem
devem ser realizados nessa situação. Os seguintes achados nesses
exames são sugestivos da complicação:
a) Ultrassonografia demonstrando cavidade espessada com parede
cheia de fluido;
b) Achados na tomografia são dependentes da evolução. Em estágios
iniciais, aparecem lesões tipo massa e hipodensas, que evoluem com
liquefação. Tipicamente, encontra-se rim hiperdenso, com contraste
circundando uma cavidade de abscesso.
4.8 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial inclui vaginites e uretrites, conforme já
discutido. A cistite intersticial é outro diagnóstico diferencial que
deve ser lembrado, principalmente em idosos. A pielonefrite aguda,
por sua vez, deve ser diferenciada da pielonefrite crônica, causa
comum de doença tubulointersticial por infecções recorrentes, como
as que ocorrem em pacientes com obstrução renal por cálculos ou
refluxo vesicoureteral.
4.9 TRATAMENTO
4.9.1 Bacteriúria assintomática
A bacteriúria assintomática não deve ser tratada, exceto em caso de
gravidez e pré-operatório de cirurgia urológica.
Há grande discussão na literatura sobre o tratamento dessas
situações em diabéticos, pois a presença de bacteriúria
assintomática poderiater evolução desfavorável e piorar o controle
metabólico. Estudos nessa população não demonstraram benefício
no tratamento.
4.9.2 Cistite na mulher
A mulheres com sintomas sugestivos não se indicam exames de
urina ou de urocultura, desde que sejam excluídas as seguintes
condições:
a) Febre;
b) Sintomas presentes por mais de 7 dias;
c) Sintomas sugestivos de vaginite;
d) Dor abdominal, náuseas ou vômitos;
e) Hematúria franca em maiores de 50 anos;
f) Imunossupressão;
g) DM;
h) Gravidez;
i) Alterações urológicas ou doença renal crônica;
j) Cálculos renais recentes ou atuais;
k) Internação hospitalar nas últimas 2 semanas;
l) Tratamento de ITU nas últimas 2 semanas;
m) ITU sintomática recorrente.
A terapia com dose única de antibiótico foi analisada em diversos
estudos e, em algumas meta-análises, sempre apresentou resultado
inferior ao tratamento-padrão com 3 dias de antibioticoterapia, com
taxas inaceitáveis de recorrência. Portanto, não pode ser
recomendada como tratamento. Há consenso na literatura de que
tratamento por 3 dias seja tão eficaz quanto por 5 a 7 dias. Deve-se
iniciar tratamento empírico oral por 3 dias com:
a) Fosfomicina (3 g), dose única;
b) Norfloxacino (400 mg), a cada 12 horas;
c) Ácido nalidíxico (500 mg), a cada 6 horas;
d) Nitrofurantoína (100 mg), a cada 6 horas;
e) Cefadroxila (250 mg), a cada 12 horas;
f) Cefalexina (250 mg), a cada 6 horas.
A amoxicilina não é considerada uma opção apropriada para esses
pacientes. A escolha inicial do antibiótico depende da resistência
esperada ao sulfametoxazol e à trimetoprima, estabelecida para a
região. Se menor de 10 a 20%, tal medicação pode ser utilizada como
agente de escolha. As fluoroquinolonas são ótima opção como
segunda linha de tratamento, com resistência em apenas 5% dos
casos.
A eficácia dos regimes de tratamento de cistite com 3 dias de
antibioticoterapia é superior a 90%. Em caso de resolução dos
sintomas, não é necessário o seguimento clínico ou laboratorial.
Caso não haja a melhora dos sintomas, devem ser realizados exame
de urina (urina I ou sedimento urinário) e urocultura com
antibiograma, orientando o tratamento com base nos seus
resultados. É importante lembrar-se, ainda, dos diagnósticos
diferenciais de cistite (vaginite e uretrite).
4.9.3 Cistite na gestação
Devem ser colhidos exames de urina (urina tipo I ou sedimento
urinário) e urocultura, e iniciado o tratamento empírico com
cefadroxila, cefalexina ou amoxicilina, que deve durar 7 dias e ser
alterado se necessário, com base no resultado da cultura e no
antibiograma. Não se devem usar quinolonas (contraindicadas). O
uso de cranberry como profilaxia para ITU é controverso. Há estudos
que mostram evidências de seu fator protetor e outros que não
mostram diferença significante na redução de aparecimento de
sintomas.
4.9.4 Cistite no homem
Na maioria dos casos, a cistite no homem associa-se a hiperplasia
prostática. Devem ser realizados exame de urina (urina tipo I ou
sedimento urinário) e urocultura, além do exame clínico da próstata.
Obviamente que se a história e o exame físico do paciente sugerirem
outros diagnósticos (por exemplo, litíase), exames direcionados
devem ser realizados para cada caso. O tratamento deve durar 7 dias.
4.9.5 Cistite em pacientes com diabetes,
imunossupressão, internação hospitalar recente
ou história de cálculos renais
Devem ser realizados exames de urina (urina tipo I ou sedimento
urinário) e urocultura antes do tratamento empírico. A duração do
tratamento, em geral, é de 3 dias, e, ao seu final, deve ser realizada a
urocultura. Caso não haja a resolução dos sintomas ou exista história
de alterações renais ou urológicas, como rins policísticos ou
alterações anatômicas, deve ser feita investigação mais ampla. Na
presença de sinais sistêmicos, como febre, dor abdominal, náuseas
ou vômitos, deve-se suspeitar de pielonefrite, tratada por 10 a 14
dias (eventualmente, 28 dias).
4.9.6 Cistite no idoso
Deve-se evitar tratar casos sem sintomas. Em idosas, sem
comorbidades e com ausência de achados de pielonefrite, a
medicação de escolha é o ciprofloxacino por 3 dias (250 mg, a cada 12
horas). Em homens ou mulheres com comorbidades, devido à
dificuldade do diagnóstico de pielonefrite em tal população,
costumam ser realizados tratamentos mais longos: 7 a 10 dias para
mulheres e 14 a 28 dias (quando se considera prostatite) para
homens.
4.9.7 Pielonefrite aguda não complicada
Recomendam-se exame de urina (urina tipo I ou sedimento
urinário) e urocultura com antibiograma. O tratamento inicial deve
ser empírico oral ou parenteral, com internação hospitalar, de
acordo com o estado geral do paciente, considerando que cerca de
12% deles apresentam bacteriemia. As opções são:
a) Ciprofloxacino: 400 mg IV ou 500 mg VO, a cada 12 horas;
b) Levofloxacino: 750 mg IV ou VO 1x/d (vale lembrar que para optar
por fluoroquinolonas, a taxa de resistência a tais medicações deve ser
menor que 10%);
c) Ceftriaxona: 1 a 2 g IM/IV, 1x/d;
d) Aminoglicosídeo: IM ou IV em dose única diária, amicacina, 15
mg/kg, ou gentamicina, 5 mg/kg.
A duração total do tratamento da pielonefrite aguda não complicada
será de 10 a 14 dias, sendo possível a passagem da via parenteral para
a oral, conforme melhora do quadro geral e alta hospitalar.
Se não houver melhora importante do quadro clínico após 24 a 48
horas de tratamento, deve-se considerar avaliação com imagem
para verificar se há complicações ou abscessos, principalmente na
presença de febre persistente por mais de 5 dias após o início da
antibioticoterapia.
4.9.8 Infecções em pacientes com sonda vesical
Por definição, são as infecções com pacientes em uso de sonda
crônica ou aqueles que foram sondados nas últimas 48 horas do
início dos sintomas.
Os cateteres devem ser trocados, e uma urocultura deve ser colhida
com essa nova sonda e, caso a bacteriúria persista 48 horas após a
retirada, indica-se o tratamento. Porém, pacientes críticos, com
diagnóstico presuntivo de ITU, devem receber tratamento
antibiótico imediato. A terapia antibiótica deve ter duração de 10 a 14
dias, e a escolha do antibiótico depende dos resultados de culturas.
Nos indivíduos em que a coloração de Gram não apresente cocos
Gram positivos (etiologia provável de infecção por Enterococcus ou
Staphylococcus coagulase-negativo), o agente de escolha é
cefalosporina de terceira geração, como ceftriaxona, 2 g/d, ou
fluoroquinolonas, como ciprofloxacino, 400 mg IV, a cada 12 horas.
Na suspeita de infecção por Pseudomonas, indica-se ceftazidima, 2 g,
a cada 8 horas, e pode-se considerar usar aminoglicosídeos.
Em infecções por Enterococcus, antibióticos como ampicilina,
vancomicina e, eventualmente, aminoglicosídeos são os agentes de
escolha. No caso de paciente com Staphylococcus coagulase-negativo,
o uso é, preferencialmente, de vancomicina, 1 g, a cada 12 horas.
É importante que o tratamento seja guiado pelo resultado da
urocultura.
Outros pontos importantes são:
a) Não solicitar urocultura de rotina para pacientes em uso crônico de
sonda assintomáticos;
b) Não usar a piúria como indicador de infecção em pacientes com
sonda;
c) Não usar isoladamente o odor e a coloração da urina para definir
infecção em pacientes com sonda que estejam assintomáticos.
4.9.9 Infecções por Candida
O objetivo do tratamento é erradicar sinais e sintomas que se
associam a infecção urinária parenquimatosa. Esse tratamento pode
diminuir o risco de infecção ascendente ou disseminada.
Aqueles com candidúria sintomática devem ter a sonda vesical
trocada e o tratamento iniciado. São possíveis as seguintes opções:
fluconazol 200 mg/d, por 7 a 14 dias; e anfotericina B 0,3 mg/kg/d,
em dose única (alguns autores recomendam curso de até 7 dias).
A irrigação vesical com anfotericina B, na maioria dos casos,
melhora transitoriamente a candidúria, mas não deve ser indicada
rotineiramente.
4.10 PROFILAXIA
Em pacientes com ITUs de repetição, definidas por 3 ou mais
episódios ao ano ou 2 episódios nos últimos 6 meses, deve ser
considerada a profilaxia.O uso de antibióticos para tal propósito tem demonstrado redução da
reinfecção em aproximadamente 95% (cerca de 2 episódios por
paciente por ano para 0,1 a 0,2 episódio), exceto em áreas onde a
resistência bacteriana é alta. Uma variedade de antibióticos pode ser
usada na metade da dosagem ou 1 quarto à noite, antes de deitar-se.
O agente a ser utilizado deve ter boa concentração urinária, ser
efetivo contra bactérias localizadas no introito vaginal e nas fezes e
não causar resistência bacteriana. O tempo de utilização varia de 2 a
6 meses.
As drogas mais usadas são nitrofurantoína (Macrodantina®),
sulfametoxazol-trimetoprima, norfloxacino e cefalexina (Quadro
4.2). Em mulheres em que a ITU tem forte correlação com atividade
sexual, pode-se considerar a profilaxia após o coito.
Quadro 4.2 - Antibióticos e dosagem
O estrogênio tópico é altamente efetivo em mulheres na menopausa
que habitualmente apresentam ITU e cistites de repetição. Sua
atuação é na restauração do trofismo vaginal, no restabelecimento
da colonização por lactobacilos e na eliminação dos uropatógenos.
Há estudos em andamento para a prevenção com uso de biologia
molecular, lactobacilos e mesmo sucos ou extratos de cranberry, mas
os resultados ainda não são definitivos.
Quando tratar uma
infecção do trato urinário?
Como diferenciar uma
infecção do trato urinário
baixo de uma do trato
urinário alto?
É preciso saber que bacteriúria assintomática deve ser
tratada apenas em 2 ocasiões: na gestante e previamente à
manipulação cirúrgica do trato urinário.
As principais diferenças entre uma infecção do trato
urinário alto e baixo estão nos achados clínicos do
paciente.
Você sabe diagnosticar e
tratar corretamente um
quadro extremamente
presente e recorrente na
prática médica diária?
5.1 DEFINIÇÃO
Trata-se de uma síndrome clínica causada, principalmente, por
bactérias coliformes que podem ascender da uretra para a bexiga. O
adenovírus afeta, em especial, crianças, causando cistite
hemorrágica, rara em adultos.
A bactéria de maior incidência nas cistites
bacterianas é a Escherichia coli (85%); outras
ocasionais são Proteus mirabilis e Klebsiella sp.
Dentre as Gram positivas, o Staphylococcus saprophyticus é a mais
importante, responsável por cerca de 10% das infecções.
5.2 ANATOMIA PATOLÓGICA
Há resposta inflamatória do urotélio que se manifesta, na fase
inicial, por hiperemia da mucosa vesical, edema e infiltrado
inflamatório, principalmente por neutrófilos. Com a evolução, há a
substituição da mucosa por uma superfície glandular, hemorrágica,
friável e ulcerada, geralmente preservando-se a muscular.
5.3 INCIDÊNCIA
Exceto no período neonatal, a incidência de
cistite aguda é maior nas mulheres (em especial
nas mulheres sexualmente ativas) do que nos
homens. No período neonatal até 1 ano, a
fimose é a principal causa de cistites.
Estima-se que mais de 50% das mulheres terão infecção urinária
durante algum período da vida. Nos homens, é sempre importante
fazer investigação mais profunda no primeiro episódio. Também é
comum nas mulheres após a relação sexual (cistite “de lua de mel”).
São fatores de risco na infecção do trato urinário recorrente:
a) Intercurso sexual versus frequência (> 4/mês) e novo parceiro no
último ano;
b) Uso de diafragma + espermicida;
c) Primeira infecção com menos de 15 anos;
d) História de infecção do trato urinário recorrente;
e) Tratamento com antibiótico recente;
f) Fatores anatômicos (pequena distância entre o ânus e a uretra);
g) Grupo ABO não secretório (somente em pós-menopausa);
h) Nível baixo de estrogênio;
i) Incontinência urinária;
j) Cistocele;
k) Resíduo pós-miccional;
l) Função defeituosa do gene CXCRI.
5.4 ASPECTOS CLÍNICOS
5.4.1 Sintomas
Em geral, são autolimitados.
Sintomas miccionais irritativos, como polaciúria, disúria,
hematúria, ardência miccional, dor suprapúbica, noctúria e urgência
miccional são os mais frequentes na cistite aguda.
Quando se iniciam após a relação sexual, cerca de 36 a 48 horas
depois, dificilmente a paciente reconhece a associação com o ato.
Nos homens, os sintomas são semelhantes e sempre secundários a
algum outro fator: prostatite, cálculos e infecções intestinais, como
diverticulite e abscesso no apêndice.
5.4.2 Achados laboratoriais
Em geral, o hemograma é normal ou com discreta leucocitose. O
exame de urina pode ser realizado rapidamente no consultório por
meio de urinoscopia, que demonstrará urina turva, com grumos em
suspensão e fétida. Teste com fitas reagentes quimicamente
impregnadas é de grande utilidade e habitualmente suficiente. Em
caso de exame com fita demonstrando leucócitos e esterase ou
nitrito (Gram negativos), pode-se iniciar o tratamento, pois se trata
de infecção urinária. Caso a esterase ou o nitrito sejam negativos e
haja leucocitúria, o exame do sedimento urinário com ou sem
bacterioscopia (coloração de Gram) está indicado e poderá
demonstrar bactérias. Convém lembrar que a leucocitúria isolada
não é indicativa de infecção urinária. A cultura quantitativa e
qualitativa pode ser solicitada principalmente em pacientes com
infecções recorrentes ou persistentes ou em casos de insuficiência
renal e alergia a drogas. Têm ganhado força técnicas modernas de
diagnóstico de infecção urinária de cultura de tecido e identificação
de fragmentos bacterianos com biofilme e a utilização de técnicas de
biologia molecular (PCR).
5.4.3 Achados de imagem
O diagnóstico é eminentemente clínico. Em caso de quadros clínicos
atípicos, o exame de urina pode auxiliar. Em geral, não há
necessidade de exames por imagem em pacientes com cistite
bacteriana; eles são indicados somente na suspeita de anomalia do
trato urinário.
Pacientes com infecção urinária causada por Proteus mirabilis devem
ser mais bem investigados, a fim de verificar a possibilidade de
associação a cálculos de estruvita infectados.
5.5 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial da cistite bacteriana aguda é realizado com
doenças infecciosas e inflamatórias do trato urinário que podem
causar sintomas semelhantes – uretrites por infecções sexualmente
transmissíveis, vulvovaginites, carcinoma de bexiga, cistite
intersticial, cistite actínica e cálculos vesicais e ureterais.
5.6 COMPLICAÇÃO
A principal complicação é a pielonefrite. Crianças com refluxo e
gestantes são as mais suscetíveis.
5.7 TRATAMENTO
Embora existam vários protocolos para o tratamento com
antibióticos, que podem variar de acordo com a preferência do
médico, devem-se experimentar, primeiramente, drogas de menor
custo, também evitando o uso descontrolado de antibióticos, o que
pode implicar resistência bacteriana, uma das grandes causas de
recorrência de infecção.
Há um consenso quanto ao tratamento das infecções urinárias de
que, para cistite, o tratamento de 3 dias é tão efetivo quanto o
prolongado de 5 a 7 dias, além de provocar menos efeitos colaterais
(gastrintestinal, rash, vaginite) e contemplar menor custo.
5.7.1 Sulfametoxazol
A associação de trimetoprima ao sulfametoxazol tem sido
considerada padrão no tratamento da cistite há muitos anos e não
deve ser usada em gestantes pela hepatotoxicidade fetal. O uso da
trimetoprima isolada tem menos efeitos colaterais e é tão efetivo
quanto a associação das medicações. Em algumas comunidades, a
taxa de resistência a esse antibiótico (betalactâmicos) já é elevada
(cerca de 20%).
5.7.2 Fluoroquinolonas
São uma boa opção terapêutica, com resistência menor do que 5%.
Recomenda-se o uso desses antibióticos para pacientes com
infecções recorrentes, intolerância ou falha (resistência ao
antibiótico) da primeira linha de tratamento. São contraindicados
para crianças, gestantes e mulheres que estejam amamentando, pois
aumentam o risco de lesão na cartilagem de crescimento.
5.7.3 Amoxicilina
Apresenta alto índice de resistência e não é indicada como primeira
escolha. Junto às cefalosporinas de primeira geração, deve ser
indicada a gestantes como primeira opção no tratamento da infecção
urinária não complicada.
5.7.4 Aminoglicosídeos
Osaminoglicosídeos devem ser usados em cistites mais complicadas
que necessitem de antibioticoterapia intravenosa.
5.7.5 Nitrofurantoína
Trata-se de um antibiótico usado há muitos anos, que permanece
como boa opção, pois apresenta baixo índice de resistência. De forma
geral, é seguro nos 2 primeiros trimestres da gestação, sendo
contraindicado no terceiro trimestre.
5.7.6 Fosfomicina
Antibiótico de alta concentração urinária, porém sem boa
concentração sistêmica. Portanto, não deve ser utilizado em casos de
pielonefrite. A dose é única, de 3 g, e deve ser administrada ao
deitar-se.
Quadro 5.1 - Toxicidade dos antibióticos durante a gestação
5.8 PROFILAXIA
5.8.1 Antibióticos
Estudos têm demonstrado redução da taxa de reinfecção em,
aproximadamente, 95% (cerca de 2 episódios por paciente por ano
para 0,1 a 0,2 episódio), exceto em áreas onde há alta resistência
bacteriana. Uma variedade de antibióticos pode ser utilizada,
usualmente, na metade da dosagem, ou 1 quarto antes de deitar-se.
O agente deve ter boa concentração urinária, ser efetivo contra
bactérias localizadas no introito vaginal e nas fezes e não provocar
resistência bacteriana.
O tempo de utilização da profilaxia de cistite
com antibióticos varia de 2 a 6 meses. As drogas
mais usadas são nitrofurantoína,
sulfametoxazol-trimetoprima, norfloxacino e
cefalexina.
Quadro 5.2 - Antibióticos e dosagem para profilaxia
5.8.2 Atividade sexual
Em algumas mulheres, a atividade sexual é a desencadeadora de
infecção do trato urinário, portanto, o uso de antibióticos logo após a
relação e a micção antes e depois dela reduzem as infecções
significativamente.
5.8.3 Tratamento tópico
O estrogênio tópico é altamente efetivo em pacientes no climatério
que, com frequência, apresentam infecção do trato urinário e cistites
de repetição. Sua atuação concentra-se na restauração do trofismo
vaginal, no restabelecimento da colonização por lactobacilos e na
eliminação dos uropatógenos.
5.8.4 Outros métodos
Em estudo para a prevenção da infecção no trato urinário, foram
propostos tratamentos com base na utilização de vacinas, extratos
ou suco de cranberry, lactobacilos e biologia molecular, com
resultados ainda não definitivos. Entretanto, alguns estudos têm
demonstrado diminuição no índice de infecções em pacientes com
infecção urinária de repetição com uso de suco de cranberry, 200 mL,
2x/d, principalmente em gestantes.
5.9 INFECÇÃO EM GESTANTES
A infecção do trato urinário é comum em gestantes.
Aproximadamente 20 a 40% das mulheres com bacteriúria
sintomática podem desenvolver pielonefrite.
Em gestantes, bacteriúria assintomática é considerada quando em 2
coletas, em dias diferentes, são de 100.000 bactérias/mL do mesmo
espécime na urina do jato médio, ou 1 coleta com crescimento de
100.000/mL em urina coletada por cateterismo vesical.
É importante monitorizar essas pacientes, principalmente no
primeiro trimestre para tratamento, se necessário.
Você sabe diagnosticar e
tratar corretamente um
quadro extremamente
presente e recorrente na
prática médica diária?
O diagnóstico da cistite aguda é eminentemente clínico,
apresentando como principais sintomas: polaciúria,
disúria, hematúria, ardência miccional, dor suprapúbica,
noctúria e urgência miccional. Em casos de dúvida
diagnóstica ou casos atípicos, exames complementares
podem ser utilizados, tais como urina I e hemograma.
Pielonefrite é uma infecção
grave e potencialmente
fatal. Sempre devo tratar
com internação? Quando
realizar exame de imagem?
Devo coletar urocultura em
quais casos?
6.1 PIELONEFRITE AGUDA
6.1.1 Definição
Trata-se de uma doença inflamatória infecciosa que envolve o
parênquima e a pelve renal, caracterizada por síndrome clínica de
febre moderada a alta, calafrios, dor lombar unilateral ou bilateral e
sintomas de cistite.
6.1.2 Etiologia
É a mesma etiologia das infecções urinárias baixas (cistites), ou seja,
bactérias aeróbias Gram negativas.
A predominância na pielonefrite aguda é da
Escherichia coli, de 70 a 90% dos casos.
As bactérias Gram positivas, como Staphylococcus saprophyticus,
representam cerca de 5% das infecções. Mais raramente, aparecem
outras enterobactérias, como Proteus, Klebsiella e Enterococcus.
6.1.3 Anatomia patológica
6.1.3.1 Macroscopia
O rim geralmente está aumentado de volume, pelo edema na
superfície capsular; observam-se pequenos abscessos amarelados,
elevados e circundados por uma borda hemorrágica. Esses abscessos
aparecem, sobretudo, no córtex renal. A pelve renal representa-se
com a mucosa congestionada, espessada e recoberta com exsudato
(Figura 6.1).
6.1.3.2 Microscopia
Leucócitos polimorfonucleares no interstício e em túbulos. A
natureza focal do envolvimento renal com inflamação é mais
significativa.
Figura 6.1 - Pielonefrite aguda com microabscessos no parênquima renal
6.1.4 Patogenia
A ascendente é a via mais comum de contaminação do trato superior
(rim), a partir de uma infecção da bexiga que ascende por meio dos
ureteres. O envolvimento renal é influenciado pelos fatores de
virulência das bactérias e de defesa do hospedeiro. A via
hematogênica é muito rara, e a linfática raramente ou nunca é
contaminada.
6.1.5 Aspectos clínicos
6.1.5.1 Sintomas
O quadro clínico da pielonefrite abrange mal-estar, prostração,
náuseas, vômitos, dor lombar unilateral ou bilateral (distensão da
cápsula renal), febre moderada ou alta e calafrios.
#IMPORTANTE
As infecções dos órgãos parenquimatosos (rins,
testículos e próstata) geralmente são
acompanhadas de febre e sintomas gerais e
podem tornar-se crônicas.
6.1.5.2 Sinais
Fácies toxemiada, febre geralmente acima de 38 °C e taquicardia. A
manobra de Giordano geralmente produz dor. Pode haver distensão
abdominal (geralmente em função de um íleo paralítico associado), e
a dor à descompressão pode sugerir lesão intraperitoneal. A urina é
comumente turva, com grumos e odor fétido.
6.1.5.3 Achados laboratoriais
Hemograma com leucocitose e desvio à esquerda, com aumento da
velocidade de hemossedimentação e/ou proteína C reativa (PCR). A
urina habitualmente é turva, com piúria, podendo ter hematúria
tanto macroscópica quanto microscópica, com presença de bactérias
tanto na sedimentoscopia quanto na coloração pelo Gram.
Podem-se encontrar cilindros leucocitários e proteinúria leve. A
urocultura deve ser sempre solicitada para a identificação da bactéria
antes de iniciar o tratamento, e hemoculturas podem ser necessárias
na suspeita de sepse urinária.
6.1.5.4 Achado de imagem
Hoje em dia está indicado o uso da ultrassonografia (quando
disponível) como primeiro exame para descartar a possibilidade de
obstrução do trato urinário e/ou litíase. Em caso de não dispor de
ultrassonografia, a radiografia de abdome pode ajudar a afastar
litíase associada à infecção. Não é obrigatória a realização de exame
de imagem quando se faz a hipótese diagnóstica de pielonefrite.
Na dependência da evolução clínica (se a febre e os sintomas se
mantiverem mesmo após 72 horas de início da antibioticoterapia) e
dos achados radiológicos e ultrassonográficos, podem ser
necessários exames como Tomografia Computadorizada (TC) e
cintilografia com DMSA (ácido dimercaptossuccínico marcado com
tecnécio 99m).
#IMPORTANTE
É importante lembrar que a cintilografia é
particularmente útil em crianças e deve ser o
primeiro exame a ser utilizado.
6.1.6 Tratamento
A pielonefrite divide-se em não complicada e complicada. A primeira
responde rapidamente a antibióticos orais, e a segunda necessita de
tratamento mais agressivo, com evolução mais arrastada e maior
toxicidade ao paciente, muitas vezes necessitando de internação.
Cerca de 12% dos hospitalizados com pielonefrite aguda não
complicada têm bacteriemia.
Figura 6.2 - Manejo clínico
Fonte: elaborado pelos autores.
Alguns fatores podem tornar uma pielonefrite complicada: sexo
masculino, diabetes, cálculos obstrutivos, presença de cateteres,
resíduo pós-miccional, refluxo vesicoureteral, derivação urinária e
imunodeficiência, mulheres idosas. Recomendam-se,para
pielonefrite não complicada, como primeira opção, as
fluoroquinolonas. Para crianças, gestantes e durante a
amamentação, são contraindicadas, e recomendam-se as
aminopenicilinas (ampicilina ou amoxicilina associada a inibidor da
betalactamase) ou uma cefalosporina de segunda ou terceira geração
(Figura 6.2).
6.2 PIELONEFRITE
XANTOGRANULOMATOSA
6.2.1 Definição
Representa uma forma rara e severa de infecção bacteriana renal
crônica, de patogenia não clara.
6.2.2 Incidência
Pode ser observada em qualquer idade, porém com maior frequência
na quinta e na sexta década de vida. As mulheres são 3 vezes mais
afetadas do que os homens.
6.2.3 Etiopatogenia
A patogenia não é clara. Infecção crônica, obstrução e doença
calculosa estão associadas à pielonefrite xantogranulomatosa, mas
não são encontradas em todos os casos.
As bactérias mais comumente encontradas na
cultura de urina de pacientes com pielonefrite
xantogranulomatosa são o Proteus mirabilis e a
E. coli.
6.2.4 Clínica
A maioria tem história de cálculos renais, nefropatia obstrutiva,
diabetes mellitus ou cirurgia urológica. Os sintomas incluem dor no
flanco, febre, anorexia, emagrecimento, hematúria, mal-estar e
sinais de irritação, como urgência, disúria e polaciúria. Ao exame
físico, geralmente ocorrem dor à palpação do flanco e até massa
palpável.
6.2.5 Exames complementares
6.2.5.1 Laboratoriais
O hemograma apresenta-se anormal com anemia, leucocitose,
exames de urina com bacteriúria, hematúria e leucocitúria.
Urinocultura geralmente com desenvolvimento de E. coli e Proteus.
6.2.5.2 Imagem
No passado, a arteriografia era comumente usada, mostrando, em
geral, massas relativamente avasculares. A TC é particularmente útil
no diagnóstico, demonstrando ausência ou diminuição de excreção
de contraste, calcificações, hidronefrose, lesões no parênquima e
aumento de volume renal.
6.2.5.3 Anatomia patológica
O rim geralmente está aumentado de volume, com dilatação
pielocalicial causada por cálculo e/ou pus. Nódulos de cor amarelo-
laranja, áreas de necrose tecidual e supuração. Microscopia com
neutrófilos, linfócitos, plasmócitos e resíduos necróticos. Os grandes
macrófagos com citoplasma espumoso contendo grande material
lipídico são as mais características células gigantes encontradas na
microscopia da pielonefrite xantogranulomatosa.
6.2.6 Diagnóstico diferencial
Muitas vezes, é difícil diferenciar a pielonefrite xantogranulomatosa
de outras causas de massas renais, principalmente carcinoma renal.
O diagnóstico definitivo, na maioria das vezes, é feito pelo
anatomopatológico.
6.2.7 Tratamento
Usualmente, é feito com nefrectomia, principalmente pela
dificuldade de diferenciação do carcinoma renal no pré-operatório.
6.3 PIELONEFRITE ENFISEMATOSA
6.3.1 Definição
Trata-se de uma rara e grave infecção do parênquima renal, causada
por germes formadores de gás, que podem estender-se para o
espaço perirrenal ou sistema coletor.
6.3.2 Epidemiologia
A pielonefrite enfisematosa é uma complicação
rara da pielonefrite aguda, principalmente em
diabéticos insulinodependentes não
controlados (90%), com predileção para o sexo
feminino.
A obstrução do trato urinário está presente em 20 a 40% de todos os
pacientes e, quando em indivíduos não diabéticos, geralmente existe
obstrução no rim. Acredita-se que o gás produzido no parênquima
renal seja atribuído à fermentação da glicose pela bactéria.
Em não diabéticos, geralmente há obstrução e as causas da formação
gasosa não são bem esclarecidas.
6.3.3 Etiologia
Na maioria dos casos descritos, a Escherichia coli é responsável em
cerca de 65 a 70% deles. Klebsiella, Aerobacter e Proteus são menos
comuns.
6.3.4 Diagnóstico
6.3.4.1 Clínico
A clínica é semelhante à de uma pielonefrite bacteriana aguda com
febre, dor lombar e sinais irritativos urinários baixos, porém não
evoluindo bem com o início do tratamento habitual.
6.3.4.2 Laboratorial
Leucocitose, piúria, hiperglicemia e glicosúria são os achados mais
comuns.
À urocultura, a Escherichia coli é a bactéria mais comumente
encontrada.
6.3.4.3 Imagem
O diagnóstico é feito por métodos de imagem, que demonstram gás
tanto no parênquima renal quanto no retroperitônio.
A TC é o melhor exame para identificar gás no rim e no espaço
retroperitoneal na pielonefrite enfisematosa.
6.3.4.4 Tratamento
A taxa de mortalidade é alta. O controle do diabetes e da infecção
deve ser iniciado imediatamente. Habitualmente, a nefrectomia é
necessária, e, quando ela não é realizada, raros pacientes conservam
a função do rim afetado.
Pielonefrite é uma infecção
grave e potencialmente
fatal. Sempre devo tratar
com internação? Quando
realizar exame de imagem?
Devo coletar urocultura em
quais casos?
Pielonefrite é um quadro potencialmente grave e que
idealmente deveríamos, sempre que possível, coletar uma
urocultura antes de iniciar o tratamento com antibiótico.
Nos casos em que o paciente não apresenta sinais clínicos
de gravidade e/ou sepse, optamos por tratamento
domiciliar com antibiótico via oral.
Hoje em dia, devido à facilidade de acesso em um grande
número de hospitais, a ultrassonografia está indicada na
suspeita do diagnóstico (quando tal exame está
disponível). Nos casos que mesmo depois de instituído a
antibioticoterapia, passadas 72 horas de tratamento sem
melhora do quadro clínico, devemos solicitar exames de
imagem (exemplos: ultrassonografia, se já não havia sido
solicitada, e/ou tomografia) para descartar pielonefrite
complicada (exemplos: pielonefrite com cálculo obstrutivo
em via urinária, abscessos renais, pielonefrites atípicas
etc.).
Quando suspeitar de litíase
no trato urinário? Quando
devemos nos preocupar em
relação a uma urgência ou
emergência urológica
relacionada à litíase
urinária?
7.1 EPIDEMIOLOGIA
Trata-se de uma das doenças mais frequentes do trato urinário (de 1
a 20% da população adulta mundial, sendo que, em países mais ricos
como Suécia, Canadá e Estados Unidos da América, a prevalência é
mais alta, acima de 10%), com recorrência de 50% em 5 anos e maior
incidência entre a terceira e a quinta década. Ocorria à proporção de 3
homens para cada mulher, porém, essa diferença vem
desaparecendo e hoje está em 1,5:1.
7.2 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Os cristais de cálcio estão presentes na maioria dos casos de litíase
urinária (80%), e o oxalato de cálcio (Figura 7.1) representa o
composto mais comumente encontrado (até 70% dos casos).
Contudo, é comum termos diferentes substâncias em um cálculo.
Os cristais podem ser classificados em 2 tipos, o mono-hidratado e o
diidratado, que diferem quanto as suas morfologias e propriedades.
O fosfato de cálcio (apatita) tem diferentes composições, sendo a
mais comum a hidroxiapatita [Ca10(PO4)6(OH)2]. No Quadro 7.1,
estão a composição e a frequência dos cálculos.
Figura 7.1 - Cálculo de oxalato de cálcio bilateral: radiografia simples e urografia excretora
Quadro 7.1 - Composição e frequência dos cálculos urinários
Fonte: Campbell-Walsh Urology, 2015.
Quadro 7.2 - Fatores etiológicos de alguns cálculos
O desenvolvimento de litíase no trato urinário é complexo e
multifatorial. Os fatores epidemiológicos mais conhecidos são:
climático (clima seco), ocupacional, dietético e hereditário.
7.2.1 Fisiologia e litogênese
Com a alimentação normal, ingere-se 1 g de cálcio por dia, e 30 a
40% deste são absorvidos ativamente pelo intestino (duodeno e
jejuno proximal) com o auxílio da vitamina D. Em contrapartida, 10 g
de cálcio são filtrados no rim, dos quais 98% são reabsorvidos pelos
túbulos renais. Esse equilíbrio é mantido pela regulação do cálcio
sérico controlado pelo paratormônio (PTH), por meio da
mobilização do cálcio ósseo.
O mecanismo de formação do cálculo implica um estado de
supersaturação de solutos (sais formadores de cálculos, como o
oxalato de cálcio) associado a certas condições (pH e temperatura)
que levam à precipitação de cristais sobre uma base que pode ter
características bioquímicas semelhantes (nucleação homogênea) ou
uma base de característicasbioquímicas diferentes e/ou sobre outros
cristais (nucleação heterogênea ou epitaxial). Como exemplos de
nucleação heterogênea, têm-se moléculas de oxalato de cálcio
depositando-se sobre fragmentos de células epiteliais descamadas
ou cálculos de oxalato de cálcio que, frequentemente, contêm
moléculas de ácido úrico. A adição de novas moléculas do mesmo
soluto denomina-se crescimento do cristal; quando ocorre a adesão
de 2 ou mais núcleos em crescimento, chama-se agregação do
cristal.
A cristalização do soluto não costuma ocorrer em condições
normais, pois o organismo possui substâncias que inibem esse
mecanismo, denominadas inibidores da cristalização. Estes atuam
ligando-se aos solutos ou aumentando o solvente (diluindo o
soluto). Para ocorrer a litogênese, os inibidores de cristalização
urinária geralmente estão com níveis abaixo do necessário. A água é
um grande inibidor da formação do cálculo, pois, quando ingerida
em grande quantidade, aumenta o solvente.
O citrato liga-se ao cálcio (citrato de cálcio), e o magnésio, ao
oxalato (oxalato de magnésio). Também são inibidores da
cristalização as proteínas de Tamm-Horsfall, nefrocalcina e
uropontina.
Matriz é uma mucoproteína não cristalina geralmente associada ao
cálculo renal. Em pacientes não formadores de cálculo renal, essa
substância atua como inibidor da cristalização, mas em formadores
de cálculo serve como base para a deposição dos cristais. Cálculo de
matriz puro é visto somente em associação à infecção por Proteus
mirabilis.
Disfunção tubular renal pode ser um importante fator na formação
do cálculo. O crescimento do cristal inicia-se no túbulo coletor
distal, e, gradualmente, ocorre a extrusão para o sistema coletor,
tornando-se um cálculo urinário livre.
Existem substâncias exógenas que, ao serem ingeridas, podem
formar cálculo urinário. O triantereno e o indinavir podem produzir
cálculos radiotransparentes.
O indinavir é um inibidor de protease, utilizado
no tratamento da AIDS, que produz cálculos
moles e gelatinosos. Estes são
radiotransparentes, portanto não visíveis em
radiografia convencional ou tomografia.
7.2.1.1 Diagnóstico
A avaliação metabólica demonstra a etiologia da litíase em 90% dos
pacientes. A passagem de 1 único cálculo pela via urinária sugere a
avaliação com dosagem sérica de cálcio, fósforo e ácido úrico, além
da dosagem urinária de 24 horas de creatinina, cálcio, fósforo, ácido
úrico e oxalato. Pacientes com alguma anormalidade nesses exames
devem ser avaliados com mais detalhes.
7.2.1.2 Avaliação metabólica
1. Avaliação inicial: em indivíduos com dieta normal, são dosados, na
urina de 24 horas, creatinina, cálcio, fósforo, ácido úrico, oxalato e
citrato. Associados ao pH e ao volume urinário total, dosagem sérica
de cálcio, creatinina, fósforo e ácido úrico também são pesquisados;
Quadro 7.3 - Dosagem dos componentes bioquímicos do cálculo urinário
2. Restrição dietética: os pacientes são submetidos a dieta pobre em
cálcio (400 mg) e sódio (100 mEq) por 1 semana. Após esse período,
faz-se nova coleta dos mesmos exames;
3. Sobrecarga de cálcio: após a ingestão de água somente no
período da noite, o paciente vai ao laboratório às 7 da manhã. Após
desprezar a urina da noite, é coletada a das 7 às 9 horas. O paciente
recebe 1 g de gluconato de cálcio oral às 9 horas, e é coletada a urina
das 9 às 13 horas.
Hoje, entretanto, vários autores preconizam uma abordagem mais
simplificada, visto que a sobrecarga de cálcio é muito complexa em
sua realização e exige restrição dietética do paciente, que geralmente
tem pouca adesão às orientações. Opta-se pela simples dosagem de
eletrólitos descritos anteriormente na urina de 24 horas (1 ou 2
vezes).
7.2.2 Alterações bioquímicas nos formadores de
cálculos renais
7.2.2.1 Hipercalciúria
A hipercalciúria pode ser causada por reabsorção óssea (mais
comumente, hiperparatireoidismo), aumento da absorção do trato
intestinal ou lesão de filtração renal. Observam-se 3 tipos de
hipercalciúria (Quadro 7.4).
Quadro 7.4 - Tipos de hipercalciúria
1. Hipercalciúria reabsortiva: está presente, independentemente de
restrição dietética:
a) Etiologia: o hiperparatireoidismo primário acomete menos de
5% dos pacientes com litíase de cálcio. O excesso de PTH resulta
na reabsorção excessiva de massa óssea e no estímulo da
síntese de vitamina D, que aumenta a absorção de cálcio
intestinal. Os efeitos finais são a elevação da reabsorção renal de
cálcio (hipercalcemia) e o aumento da excreção de fosfato,
resultando em hipercalciúria. Metade dos portadores de
hiperparatireoidismo primário desenvolve litíase. Outras causas
de hipercalciúria reabsortiva são tumores ósseos metastáticos,
mieloma múltiplo, doença de Cushing e imobilização prolongada;
b) Tratamento: tratar a doença primária (hiperparatireoidismo
primário – paratireoidectomia).
2. Hipercalciúria absortiva: é a causa única mais comum de
hipercalciúria (20 a 40% dos pacientes com litíase):
a) A etiologia é dividida em 3 tipos:
Tipo I: aumento da permeabilidade mucosa intestinal ao
cálcio;
Tipo II: permeabilidade normal, porém aumento da dieta de
cálcio;
Tipo III: perda de fosfato pelo rim, levando a elevada
produção de vitamina D, que aumenta a absorção intestinal
de cálcio.
b) A hipercalcemia resultante aumenta a filtração renal de cálcio e
diminui a reabsorção tubular, suprimindo o PTH. O excesso da
perda de cálcio é compensado com o aumento da absorção de
cálcio intestinal para manter a calcemia;
c) Tratamento: modalidade de hipercalciúria em que a dieta deve
ser restrita em cálcio e sódio (400 mg de cálcio/d e 100 mEq de
sódio/d);
d) Ingestão de 3 a 4 L de água/d;
e) Fosfato de celulose sódico: resina de troca iônica que atua no
trato intestinal, trocando sódio por cálcio e inibindo a absorção
deste;
f) Ortofosfatos: aumentam a excreção urinária de cálcio e a
excreção de pirofosfato e citrato.
3. Hipercalciúria renal: representa em torno de 10% das
hipercalciúrias.
a) Etiologia: elevação da reabsorção tubular de cálcio urinário,
causando hiperparatireoidismo secundário. Níveis séricos do
cálcio permanecem normais porque a produção de PTH provoca
aumento da produção de vitamina D ativa (calcitriol), elevando a
absorção de cálcio intestinal e ósseo;
b) Tratamento: diuréticos tiazídicos (50 mg, 2x/d). Atuam
diminuindo a perda urinária de cálcio e o volume extracelular. A
suplementação de potássio é necessária eventualmente.
Quanto aos casos que não respondem aos tiazídicos, podem-se
tentar ortofosfatos e a restrição de cálcio.
7.2.2.2 Hiperuricosúria
Cálculos puros de ácido úrico (Figura 7.2) são encontrados em cerca
de 10% dos cálculos e são radiotransparentes. A solubilidade desse
ácido é muito dependente do pH do meio (torna-se insolúvel com pH
< 5,8).
1. Etiologia: aproximadamente 25% dos pacientes com cálculo de
ácido úrico possuem gota, além de doenças malignas e
mieloproliferativas. Entretanto, muitos portadores de cálculo de ácido
úrico não apresentam hiperuricemia nem hiperuricosúria. O
desenvolvimento do cálculo depende da acidez urinária, do baixo
volume urinário e da excreção de ácido úrico. Hiperuricosúria é
encontrada em 20% daqueles com cálculo de cálcio (alguns autores
acreditam que o ácido úrico sirva de base para a formação desse
cálculo);
2. Tratamento: hidratação com ingestão de 3 L de água/d:
a) Alcalinização da urina com 650 mg de bicarbonato de sódio
oral, 6x/d. O pH deve manter-se acima de 6,5;
b) Redução da carga de ácido úrico ingerido na dieta (reduzir
dieta proteica para 90 g/d) e uso de alopurinol (200 a 600 mg/d),
quando necessário.
Figura 7.2 - Cálculo radiotransparente piélico em pielografia descendente (imagem
negativa na seta): cateter ureteral e ponta de agulha de punção renal no cálice médio
7.2.2.3 Hiperoxalúria
O ácido oxálico é um produto final do metabolismo, muito insolúvel.
Menos de 10% do oxalato são absorvidos pelo trato gastrintestinal,
pois a maioria deriva do metabolismo.
Classificação:
1. Hiperoxalúria primária: doença autossômica recessiva rara, queapresenta níveis elevados de oxalato urinário. O tratamento com
piridoxina, 100 a 400 mg/d, reduz a excreção de oxalato e promove
adequadas hidratação e redução da substância da dieta;
2. Hiperoxalúria entérica: paciente com doença intestinal causando
má absorção (doença inflamatória intestinal ou síndrome do intestino
curto), com aumento de ácidos graxos e sais biliares e consequente
saponificação do oxalato, que se liga ao cálcio e ao magnésio,
aumentando sua disponibilidade. O tratamento inclui baixa ingestão de
oxalato e gordura, hidratação e suplementação de cálcio, e a
colestiramina pode auxiliar na má absorção;
3. Hiperoxalúria exógena: ocorre quando são ingeridas, em grandes
quantidades, substâncias que apreentam oxalato no seu produto final
(por exemplo, etilenoglicol, ácido ascórbico e metoxiflurano).
A falta da bactéria Oxalobacter formigenes no intestino leva à maior
absorção de oxalato. Por esta ser responsável pela degradação da
substância em questão, consequentemente aumenta a chance da
formação de cálculos de oxalato de cálcio.
7.2.2.4 Hipocitratúria
A hipocitratúria tem sido encontrada em 50% dos casos de cálculos
de cálcio. O citrato inibe a precipitação de cristais de cálcio na urina,
pois o composto de citrato de cálcio impede a formação do oxalato de
cálcio, possível formador de litíase.
7.2.2.5 Acidose tubular renal
A acidose tubular renal é causada por acidose metabólica
hipocalêmica, por defeito de secreção do íon hidrogênio do túbulo
renal. A litíase ocorre na acidose tubular renal tipo I, em que existe
deficiência no túbulo distal em manter gradiente adequado de íon
hidrogênio. Está associada à hipocitratúria e à urina supersaturada
com fosfato e cálcio. O resultado do excesso de ácido no sangue,
cronicamente, é a absorção deste e de fosfato dos ossos, que acabam
sendo excretados na urina (hipercalciúria e hiperfosfatúria). A
hipocitratúria decorrente da acidemia e da hipocalemia leva a
deficiência de crescimento e raquitismo; a presença de cálcio no
parênquima renal, por sua vez, leva a nefrocalcinose, e podem se
formar cálculos de fosfato ou oxalato de cálcio e mistos.
O tratamento consiste na alcalinização da urina com bicarbonato de
sódio ou citrato de potássio.
7.2.2.6 Cistinúria
A cistina em abundância na urina forma cálculos, pois esse elemento
é pouco solúvel no pH urinário. Trata-se de doença autossômica
recessiva, caracterizada pelo defeito do transporte transepitelial no
intestino e no rim, que se manifesta com diminuição de absorção de
cistina. O pico de incidência está entre a segunda e a terceira década
de vida. O nível de cistina acima de 250 mg/d é considerado
cistinúria.
O tratamento consiste na restrição dietética de cistina presente em
vários alimentos (carne, aves). Deve-se adicionar hidratação e
alcalinização com bicarbonato de sódio ou citrato de potássio. A
alcalinização da urina para pH > 7 aumenta a solubilidade da cistina
para 400 mg/L de urina. Quando a hidratação e a alcalinização
falham, a D-penicilamina e a alfamercaptopropionilglicina são
usadas para se ligar à cistina.
7.2.2.7 Cálculos de estruvita
Os cálculos de estruvita (Figura 7.3) são compostos de fosfato de
amônio e magnésio e carbonato de apatita, e seu crescimento se dá
no interior do sistema coletor renal (cálculo coraliforme). Algumas
condições permitem que bactérias produtoras da enzima urease
transformem a ureia em amônia (NH3) e dióxido de carbono (CO2).
A amônia é uma base que alcaliniza a urina e se liga ao hidrogênio,
formando o amônio (NH4). Em pH alcalino (> 7), o amônio
combina-se ao fosfato e ao magnésio, formando o cálculo de
estruvita (MgNH4PO4). O CO2 pode combinar-se ao cálcio urinário e
formar o carbonato de cálcio (CaCO3).
O Proteus sp. é o germe mais encontrado (75% dos casos) quando há
cálculo de estruvita, mas também podem produzir urease Klebsiella
sp., Pseudomonas sp., Providencia sp., Staphylococcus e, mais
recentemente, Ureaplasma urealyticum. Mulheres são 2 vezes mais
afetadas.
Aproximadamente 10% dos portadores de lesão medular produzem
cálculo de estruvita. Outras populações de risco são portadoras de
conduto ileal ou cateter vesical suprapúbico de longa data. As
mulheres são mais acometidas que os homens.
1. Diagnóstico: pacientes com pH urinário elevado (> 7) causado por
infecção urinária. A radiografia simples de abdome geralmente
demonstra o cálculo, mas pode ser pouco radiopaco. A urografia
excretora ou a tomografia computadorizada auxiliam na avaliação, e a
cintilografia nuclear demonstra função e perfusão renal;
2. Tratamento: retirada total do cálculo e erradicação da infecção.
Figura 7.3 - Cálculo de estruvita em radiografia simples de abdome
Fonte: arquivo pessoal dr. Ernesto Reggio.
Quadro 7.5 - Principais condições, causas e tratamentos profiláticos da litíase recorrente
Hoje não se recomenda mais a restrição dietética de cálcio, pois
sabe-se que essa prática aumenta a disponibilidade do oxalato na
mucosa intestinal. Apenas a restrição de sódio é encorajada, pois
este está intimamente relacionado com a excreção de cálcio.
7.3 APRESENTAÇÃO CLÍNICA E
TRATAMENTO
7.3.1 Litíase do trato urinário superior
O cálculo renal é geralmente assintomático até o momento em que se
move, causando obstrução do trato urinário. A obstrução urinária
pode causar dor, náusea, vômito, infecção urinária e sepse; quando
crônica, pode ser assintomática.
Em 25% dos casos, há história familiar de litíase urinária. Hematúria
(micro ou macroscópica) está presente em 85% dos casos.
Deve-se suspeitar de cálculo urinário quando o paciente apresenta,
de forma repentina, dor em cólica na região lombar ou abdominal, a
qual pode irradiar-se para a região inguinal, para o testículo no
homem e para o lábio vaginal na mulher e, eventualmente, levar à
irritação vesical (polaciúria, urgência miccional), caso esteja
localizado em ureter distal.
7.3.1.1 Diagnóstico
A avaliação inicial deve incluir hemograma, creatinina sérica,
urinálise, urocultura e radiografia simples de abdome. A radiografia
simples de abdome permitem diagnóstico em até 90% dos casos,
porém, sua falha está relacionada ao baixo grau de opacidade (por
exemplo, cálculo de ácido úrico), sobreposição de gases intestinais,
estruturas ósseas, calcificações pélvicas (por exemplo, flebólitos) e
cálculos menores de 2 mm.
A ultrassonografia do trato urinário é um método bastante utilizado
(Figura 7.4), pois demonstra a presença de cálculo, inclusive
radiotransparente, e mostra possíveis dilatações ocasionadas por
ele. No entanto, pode ser difícil identificar cálculos pequenos e
ureterais baixos.
Figura 7.4 - Dilatação piélica e cálculo em ureter distal (seta) próximo à bexiga, com
dilatação a montante
A urografia excretora (Figura 7.5) é um método adequado, no
entanto, é obsoleto para identificar possíveis repercussões
anatômicas e funcionais. Seu uso é mais restrito por apresentar
efeitos colaterais ao contraste iodado (incluindo alergia em graus
variados e nefrotoxicidade) em 5 a 8% dos casos, bem como reação
cruzada com alguns hipoglicemiantes orais. Apresenta sensibilidade
de 96% em cálculos ureterais, porém, essa porcentagem diminui
quando a radiografia simples não demonstra litíase.
Hoje está em desuso devido a popularização da tomografia
computadorizada.
Figura 7.5 - Cálculo renal em cálice superior e inferior: radiografia simples e urografia
excretora
A tomografia (Figura 7.6) é o método com maiores sensibilidade
(97%) e especificidade (96%) e permite o diagnóstico diferencial de
cálculos, coágulos e tumores. Muitas vezes, é possível dispensar o
contraste.
Muitos centros têm optado por realizar a tomografia sem contraste e
com baixa dose de radiação como primeiro método de imagem para
diagnóstico de cálculo ureteral. A dificuldade continua sendo o custo,
quando comparado aos custos da radiografia e da ecografia.
Figura 7.6 - (A) Mesmos cálculos da Figura 7.5 à tomografia computadorizada e (B)
posterior reconstrução em 3D
A ressonância magnética urográfica éum método de imagem que
tem sido sugerido por alguns autores como promissor, porém,
atualmente, não faz parte da rotina médica pelo fato de o cálculo
renal e/ou ureteral não ser visualizado por esse método.
7.3.1.2 Tratamento
Depende do tamanho, da localização, do grau de obstrução do
cálculo e do quadro clínico do paciente.
7.3.2 Cálculo ureteral
7.3.2.1 Analgesia na cólica renal
Geralmente, os cálculos renais pequenos não cursam com dor. O
mecanismo da dor na cólica renal é a distensão da cápsula renal,
secundária à obstrução renal (em cálculos maiores) ou ureteral
(cálculo ureterais, normalmente menores). Associados à obstrução,
temos edema e espasmo da mucosa ureteral, contribuindo ainda
mais para a não descida do cálculo. O alívio da dor é o foco mais
importante na cólica nefrética. As drogas mais utilizadas na prática
médica são os analgésicos, antiespasmódicos e anti-inflamatórios
não esteroides.
Quando a dor é mais intensa, deve-se lançar mão de drogas
injetáveis, como opioides. O uso de antiemético é importante, pois
tanto a inervação do rim quanto a do estômago seguem para o plexo
celíaco, causando náuseas e vômitos, comuns na cólica renal.
Drogas como anti-inflamatórios não esteroidais e alfabloqueadores
tipo 1 auxiliam na eliminação do cálculo mais precocemente.
Atualmente, são denominadas como terapia expulsiva
medicamentosa de cálculo ureteral com o uso de fármacos como a
tansulosina, por exemplo, que promove o relaxamento da via
urinária e auxilia na eliminação do cálculo, bem como deflazacorte,
que diminui o edema ureteral e é uma opção em conjunto com o
alfabloqueador.
Pacientes com cálculos menores de 5 mm e mínima dilatação do
trato urinário devem ser tratados com analgésicos e hidratação.
Cerca de 90% dos cálculos menores de 4 mm passarão
espontaneamente pelo ureter, enquanto somente 20% passarão em
caso de tamanho maior do que 6 mm.
Os locais com maior dificuldade para a passagem são a junção
ureteropiélica, o cruzamento do ureter com os vasos ilíacos e a
junção ureterovesical.
A realização de método de imagem (como radiografia ou
ultrassonografia) semanalmente é útil para a monitorização da
eliminação do cálculo. O tempo permitido para a saída do cálculo é de
4 a 6 semanas; após esse período, deve ser sugerido outro método
terapêutico.
7.3.2.2 Intervenção imediata
Indica-se intervenção quando há alto grau de obstrução do trato
urinário, com risco de perda da função renal em longo prazo, cálculo
ureteral em rim único funcionante, elevação da creatinina,
insuficiência renal preexistente, infecção urinária por uropatia
obstrutiva e dor intratável com medicação.
A retirada do cálculo e a drenagem da via urinária é mandatória
nesses casos. Nos quadros agudos, a drenagem com cateter
pielovesical ou nefrostomia percutânea é adequada. Nos casos de
infecções ou sepse associadas, a drenagem de urgência é mandatória
propondo uma segunda abordagem para tratamento do cálculo após
resolução da infecção.
Nos casos em que não há indicação de intervenção imediata e em
cálculos ureterais distais, pode-se optar pela terapia medicamentosa
expulsiva com uso de alfabloqueadores, anti-inflamatórios não
esteroides e analgésicos por até 45 dias.
Segundo o guideline da European Association of Urology (2019),
cálculos de ureter distal e maiores ou iguais a 5 mm são passíveis de
tal tratamento.
7.3.2.3 Ureterolitotripsia
A ureterolitotripsia é a modalidade de tratamento em que se
introduz um aparelho endoscópico de fino calibre (7 a 10 Fr) pela
uretra do paciente, chegando ao interior do ureter. Sob visão direta
do cálculo, pode-se fragmentá-lo com litotriptor intracorpóreo
(laser, eletro-hidráulico ou pneumático) e retirar os fragmentos
com pinça ou cesta de Dormia® (basket).
O ureterorrenoscópio pode ser semirrígido ou flexível; costuma-se
dar preferência pelo aparelho semirrígido em cálculos do ureter
inferior. Nos cálculos de ureter médio e proximal, pode-se tentar a
abordagem com ureteroscópio semirrígido, porém, idealmente com
a presença do ureterorrenoscópio flexível em sala, caso seja
necessário para acessar o cálculo.
As indicações para esse procedimento são: cálculo ureteral
obstrutivo com repercussão sistêmica, dor refratária ao tratamento,
falha da litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LECO) e
fragmentos múltiplos obstruindo o ureter (“rua de cálculos”). As
principais complicações são perfuração, sangramento, avulsão e
fístula urinária.
Após a retirada do cálculo ureteral, é importante avaliar a condição
do ureter, pois, se houver processo inflamatório intenso ou lesão da
parede, serão adequadas a colocação de cateter duplo J e a sua
manutenção por um período mínimo de 1 semana para a
cicatrização. Hoje em dia, praticamente se vê mais a realização de
ureterolitotripsia do que LECO para cálculos ureterais, pois muitas
vezes eles se apresentam obstruídos, principalmente após o advento
do laser, já que este propicia acesso a cálculos maiores.
Figura 7.7 - Ureterolitotripsia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
7.3.2.4 Litotripsia extracorpórea por ondas de choque
A LECO é um tratamento em que se utiliza o litotriptor
extracorpóreo, no qual o paciente se deita e o cálculo é localizado por
ecografia ou radioscopia. O aparelho dispara ondas de choque
(podem ser eletro-hidráulicas, eletromagnéticas e piezelétricas) em
direção ao cálculo, causando, assim, a sua fragmentação. Após o
procedimento, o cálculo fragmentado deve ser eliminado
espontaneamente. No ureter, com até 1 cm, os cálculos respondem
bem ao tratamento. Esse procedimento é contraindicado em
distúrbio de coagulação, hidronefrose, gravidez e em suspeita de
infecção, pois pode desenvolver sepse urinária e sangramento.
Alguns fatores são preditivos de sucesso, como distância pele-
cálculo < 10 cm, cálculo ≤ 1 cm e densidade <1.000 UH (unidades
Hounsfield).
7.3.2.5 Ureterolitotripsia laparoscópica
Utilizada em pacientes com cálculos ureterais > 2 cm ou naqueles em
que os outros métodos foram contraindicados. O uso de duplo J após
a retirada do cálculo é adequado.
7.3.2.6 Ureterolitotomia aberta
Para casos eventuais em que não se disponibilizam os métodos
anteriores. Apresenta boa eficácia, porém com morbidade maior que
a ureterolitotripsia endoscópica ou laparoscópica.
Figura 7.8 - Tratamento de ureterolitíase
7.3.3 Cálculo renal
1. Conservador: cálculos renais < 6mm apresentam grandes chances
de serem eliminados espontaneamente;
2. LECO: cálculos renais com até 2 cm de diâmetro podem ser
submetidos a essa modalidade de tratamento, com bons resultados.
Está indicada a cálculos renais < 2 cm; nos > 1,5 cm, sugere-se o uso
de cateter ureteral temporário. Cálculos de cálice superior e médio são
melhores tratados até 1,5 cm; já os cálculos de cálice inferior, até 1 cm.
Está indicada, também, a cálculos ureterais de até 1 cm, com bons
resultados. As complicações são hematoma perirrenal (geralmente
sem repercussão hemodinâmica), hematúria (geralmente nas primeiras
24 horas), cólica renal (migração de fragmentos), “rua de cálculos”
(descrito a seguir), sepse (se o paciente estiver infectado) e,
raramente, pancreatite. Estudos têm sugerido complicações como
hipertensão e diabetes mellitus em longo prazo. Portanto, a utilização
indiscriminada de LECO em portadores de litíase recorrente não é uma
prática adequada. As principais contraindicações são gravidez,
hidronefrose, diátese hemorrágica e infecção urinária;
3. Ureterolitotripsia flexível: tem sido muito utilizada para cálculos no
ureter proximal e cálculos renais com fragmentação utilizando fibra de
laser;
4. Nefrolitotripsia percutânea: procedimento cirúrgico em que se
realiza inicialmente pielografia ascendente com cateter ureteral
colocado previamente, seguida de punção percutânea por via lombar
com agulha do cálice desejado (auxiliado por radioscopia ou
ultrassonografia), introduzindo o fio-guia pela luz da agulha e,
posteriormente, dilatando o trajeto até a passagem do nefroscópio.
Sob visão direta, ocorrem a fragmentação ea retirada do cálculo. É um
método indicado a cálculos renais > 2 cm, coraliformes, em divertículos
renais, refratários à LECO, obstrutivos e volumosos no ureter proximal
(Figura 7.9);
Figura 7.9 - (A) Cálculo coraliforme extraído do rim; (B) urografia excretora demonstrando
cálculo coraliforme no rim esquerdo; (C) passos da nefrolitotripsia percutânea
Fonte: (C) ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
5. Complicações mais comuns: sangramentos (podem levar à
necessidade de embolização seletiva); lesão e extravasamento do
sistema coletor (podem provocar fístulas renocutâneas no pós-
operatório); lesão de órgãos adjacentes como cólon, pleura, pulmão,
baço, fígado e duodeno. As complicações clínicas mais comuns são
sepse, hipotermia e trombose;
Figura 7.10 - Cálculo renal
Nota: observar cálculos residuais no lado direito e cateter duplo J; o tratamento
subsequente consiste em nefrolitotripsia no rim esquerdo e, posteriormente, LECO em
cálculos residuais. 
Legenda: (A) cálculo renal bilateral e (B) após a primeira nefrolitotripsia percutânea no rim
direito. 
Fonte: arquivo pessoal dr. Ernesto Reggio.
6. Cirurgia aberta: com o avanço das técnicas endourológicas, a
cirurgia convencional (aberta) está restrita aos locais sem o método já
descrito. Cirurgias como pielolitotomia e nefrolitotomia anatrófica são
menos utilizadas, tendo como complicações dor, enfraquecimento da
parede abdominal na incisão, hérnia incisional e maior tempo de
recuperação, além de todas as complicações clínicas já descritas;
7. Cirurgia laparoscópica: a pielolitotomia laparoscópica está sendo
utilizada em casos eventuais de cálculos > 2 cm na pelve, com
experiência positiva, porém limitada até o momento.
Figura 7.11 - Tratamento de nefrolitíase
1 Ângulo agudo entre infundíbulo e pelve, cálice longo, distância pelo cálculo > 10cm,
infundíbulo calicial estreito, pedras resistentes às ondas de choque (cistina, bruxita e
oxalato mono-hidratado de cálcio).
7.3.3.1 Situações especiais
1. Gestação: cateter duplo J é o método mais adotado em casos que
necessitem de alguma intervenção. A LECO é contraindicada;
2. “Rua de cálculos”: situação em que vários cálculos ou fragmentos
obstruem o ureter; nesse caso, pode-se tratar conservadoramente com
terapia medicamentosa expulsiva por até 6 semanas (a maioria é
eliminada espontaneamente). A LECO poderá ser resolutiva se não
houver infecção associada ou sintomas severos. Caso contrário, a
ureterolitotripsia ou a passagem de duplo J estão indicadas;
3. Cálculos urinários na infância: em geral, podem ser tratados da
mesma forma que em adultos (LECO ou ureterolitotripsia, quando
necessário);
4. Cálculo coraliforme: trata-se de cálculo volumoso, que preenche 3
cálices renais ou mais, além da pelve renal. Em geral, está associado
a infecção.
O tratamento depende da total eliminação do cálculo e da
erradicação da infecção:
a) Nefrolitotripsia percutânea: 85% dos pacientes estão livres de
cálculo em 3 meses. É o tratamento de escolha;
b) Cirurgia aberta ou laparoscópica: quando a função renal é
pequena, a nefrectomia está indicada. A nefrectomia parcial pode ser
realizada quando uma porção do rim está sem função;
c) LECO: como tratamento único, apresenta taxa de 40 a 60% livre de
cálculo; tem melhor resultado quando associada a outro tratamento
(técnica “de sanduíche”), em que se realiza nefrolitotripsia percutânea
seguida por LECO, e por nova nefrolitotripsia percutânea ou quimólise
em cálculo residual;
d) Quimólise: método pouco efetivo em cálculo de cálcio, porém
possui boa eficácia em cálculos de ácido úrico, eventualmente em
casos de estruvita, carbonato de apatita e cistina.
7.3.4 Litíase do trato urinário inferior
7.3.4.1 Cálculos vesicais
Os cálculos vesicais são mais encontrados em homens, em geral
portadores de qualquer disfunção infravesical que mantenha resíduo
urinário após a micção (por exemplo, bexiga neurogênica,
hiperplasia prostática benigna, câncer de próstata e estenose de
uretra). Podem ser motivo de litíase a presença de corpo estranho
vesical (cateteres vesicais, sutura inabsorvível, objetos inseridos na
bexiga) e, eventualmente, cálculos renais e ureterais que migraram
para a bexiga.
1. Apresentação clínica: dor no hipogástrio ou na genitália, disúria,
hematúria e infecção de repetição;
2. Diagnóstico: radiografia simples de abdome, ultrassonografia de
bexiga e cistoscopia;
3. Tratamento: normalmente, a investigação demonstra a causa da
litíase (por exemplo, hiperplasia prostática e estenose de uretra),
devendo ser tratada concomitantemente para evitar recidiva. O
tratamento específico da litíase vesical pode ser feito pela via
endoscópica. A cirurgia aberta (cistolitotomia) é uma opção quando a
litíase é muito volumosa ou em situações menos comuns (ampliação
vesical na bexiga neurogênica, hiperplasia prostática volumosa, entre
outros).
Quando suspeitar de litíase
no trato urinário? Quando
devemos nos preocupar em
relação a uma urgência ou
emergência urológica
relacionada à litíase
urinária?
Quando o paciente apresenta quadro súbito de dor tipo
cólica em região lombar e/ou flancos/fossa ilíaca, por vezes
associado a náuseas e/ou vômitos (na exacerbação da dor)
e também podendo estar associado a sintomas urinários
(principalmente polaciúria, disúria e urgência miccional).
Sempre que um diagnóstico de cistite aguda é aventado,
devemos lembrar da litíase como diagnóstico diferencial,
principalmente nos casos refratários ao tratamento para a
cistite. Em um quadro de litíase renal temos uma urgência
e necessidade de intervenção cirúrgica nos casos que o
paciente se apresenta com uma das seguintes situações:
dor refratária a medicação, suspeita de pielonefrite
associada (tendo um diagnóstico de pielonefrite
obstrutiva), alteração da função renal ou casos de
pacientes com rim único.
Você sabe diferenciar uma
emergência urológica de
uma urgência? Qual é a
importância desta
diferenciação?
8.1 INTRODUÇÃO
1. Emergência: perigo de vida ou de viabilidade de órgão.
Necessidade de resolução imediata;
2. Urgência: sem perigo de vida ou de viabilidade imediatos.
Necessidade de resolução em até 24 horas.
As urgências urológicas são:
a) Cólica renal (dor no flanco aguda);
b) Retenção urinária.
As emergências urológicas são:
a) Priapismo;
b) Escroto agudo;
c) Parafimose;
d) Síndrome de Fournier.
8.2 CÓLICA RENAL
É frequente, sendo um dos eventos dolorosos mais intensos da
existência humana. Ureterolitíase é a causa mais comum, entretanto
cerca de 40% das cólicas podem ser causadas por outras doenças.
As principais causas de dor no flanco de causas urológicas e não
urológicas são:
1. Causas urológicas:
a) Cálculo renal ou ureteral;
b) Infecção do trato urinário (pielonefrites, pionefrose, abscesso
renal);
c) Obstrução ureteropiélica;
d) Desordens renovasculares (infarto renal, trombose de veia
renal);
e) Necrose papilar;
f) Sangramento intra ou perirrenal.
2. Causas não urológicas:
a) Aneurisma aórtico;
b) Transtornos da vesícula biliar;
c) Distúrbios gastrintestinais;
d) Pancreatite;
e) Desordens ginecológicas;
f) Doença musculoesquelética.
8.2.1 Sintomatologia
O quadro clínico da cólica renal compreende dor lombar, que pode
surgir bruscamente, de maneira violenta, e que pode se irradiar para
abdome, flanco, fossa ilíaca e regiões inguinocrural e inguinogenital
(testículos, no homem, ou grandes lábios, na mulher).
O mecanismo é a obstrução aguda parcial ou completa do ureter,
além de aumento da pressão intraluminal e distensão do sistema
coletor, com estimulação dos terminais nervosos da lâmina própria,
com contração e espasmos do músculo liso do ureter, produção de
ácido láctico e estimulação das vias aferentes da dor (medula espinal
T11-L1).
Os sintomas não urinários mais frequentes são náuseas e vômitos
por irritação do plexo solar (união dos plexos celíaco e mesentérico
superior) e íleo reflexo.
Figura 8.1 - Etiologia da dor em litíase
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Assim, história e exame físico, incluindo verificaçãode temperatura,
podem ajudar a diferenciar o diagnóstico de dor aguda lombar, ou
seja, pielonefrite aguda não complicada, de cólica renal complicada.
Exames de imagem são imprescindíveis a pacientes com dor no
flanco (cólica) portadores de rim único. Dor aguda na região lombar
em pacientes com risco aumentado de eventos tromboembólicos
levanta a suspeita de infarto renal. Aneurisma abdominal com
cuidadoso exame da região pode ajudar na suspeita diagnóstica.
Trombose de veia renal pode causar dor no flanco ou abdominal
(cólica), acompanhada de hematúria, proteinúria, insuficiência renal
e hipotensão. Estenose da junção ureteropiélica pode ocasionar
cólica após grande ingesta de líquido. Necrose renal papilar é comum
em doenças sistêmicas, como diabetes ou nefropatia diabética, e
pode ocasionar dor lombar e hematúria. Sangramentos renais ou no
retroperitônio podem ocasionar dor aguda em pacientes que estão
em uso de anticoagulantes ou com tumores.
8.2.2 Avaliação laboratorial e por imagem
Devem ser realizados exames de urina (urinálise mais cultura),
hemograma, creatinina e Proteína C Reativa (PCR), na dependência
dos sintomas. Radiografia simples de abdome, ultrassonografia,
urografia excretora e tomografia helicoidal podem ser feitos a
depender da suspeita diagnóstica.
São recomendações de diagnósticos por imagem (European
Association of Urology Guidelines, 2016):
a) Pacientes febris (≥ 38 °C), com dor lombar aguda ou rim único com
dor necessitam urgentemente de exames de imagem;
b) A tomografia helicoidal sem contraste é a modalidade de diagnóstico
por imagem com maiores sensibilidade e especificidade para a
avaliação de dor lombar aguda não traumática, pois é superior à
urografia excretora;
c) A ultrassonografia pode ser alternativa à tomografia na abordagem
inicial da dor lombar aguda não traumática.
8.2.3 Tratamento
Analgesia sistêmica e tratamento de acordo com a doença básica.
8.3 RETENÇÃO URINÁRIA
A retenção urinária aguda é uma condição caracterizada pela
interrupção abrupta da eliminação de urina, deixando-a represada
na bexiga, sem possibilidade de eliminação, em virtude de fatores
anatômicos obstrutivos ou de motivos funcionais. Requer
tratamento urgente que pode ser cateterismo evacuador até
cistostomia suprapúbica por punção ou cirurgia.
8.3.1 Etiologia
Tumores vesicais e uretrais, causando hematúria, processos
inflamatórios crônicos (estenose de uretra, esclerose de colo
vesical), cálculos vesicais e uretrais, disfunções neurogênicas, uso de
medicamentos, processos obstrutivos congênitos (válvula de uretra
posterior, fimose com aderência do meato uretral por processo
inflamatório), prostatite aguda, hiperplasia benigna de próstata e
câncer de próstata. Na mulher, é importante lembrar-se da retenção
urinária pós-parto, evento comum no puerpério imediato (primeiro
ao décimo dia pós-parto).
8.3.2 Sintomas
Na retenção urinária, há, comumente, dor na região hipogástrica de
forte intensidade, com massa palpável ou visualizada (globo
vesical), associada ou não a sudorese, palidez, história de poliúria,
noctúria, urgência urinária, interrupção do jato urinário, resíduo
pós-miccional e jato urinário fraco.
8.3.3 Tratamento
O tratamento da retenção urinária é feito com desobstrução por
punção (Figura 8.2) ou cirurgia, tomando-se o cuidado de fazer um
esvaziamento vagaroso para evitar hematúria ex vacuo (que ocorre
em 2 a 16% dos pacientes). Outra complicação é a hipotensão por
resposta vagal.
Figura 8.2 - (A) Passagem de sonda pela via uretral; (B) punção suprapúbica
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
8.4 PRIAPISMO
Trata-se de ereção contínua (prolongada) e persistente dos corpos
cavernosos – e não da glande, que costuma ficar flácida –, não
acompanhada de desejo sexual, mantida por pelo menos 4 horas. O
termo tem origem no deus Príapo (grego), antigo ícone da virilidade
e da sexualidade.
Figura 8.3 - Priapismo
8.4.1 Classificação e etiologia
8.4.1.1 Priapismo isquêmico (baixo fluxo ou veno-oclusivo)
O priapismo isquêmico é o de maior frequência,
em 95% dos casos está associado à diminuição
do retorno venoso, levando a estase vascular,
que determina isquemia tecidual. Seu
tratamento é de emergência.
Trata-se de uma síndrome compartimental peniana.
O sangue dos corpos cavernosos durante a punção e a aspiração tem
coloração vermelho-escura. São múltiplas as origens: idiopáticas,
medicamentos injetáveis intracavernosos penianos, anemia
falciforme (principal causa em crianças), diabetes juvenil,
neoplasias, disfunções neurológicas, leucemia em adultos, e
leucemia em crianças.
São causas de priapismo de alto ou baixo fluxo:
1. Hematológicas:
a) Anemia falciforme (corresponde no mínimo a 1 terço dos
casos, causa mais comum na infância e adolescência);
b) Leucemia;
c) Trombocitopenia;
d) Trombocitemia;
e) Mieloma múltiplo;
f) Talassemia;
g) Policitemia.
2. Infecciosas:
a) Tularemia;
b) Hidrofobia;
c) Parotidite;
d) Rickettsiose.
3. Metabólicas:
a) Enfermidade de Fabry;
b) Amiloidoses;
c) Diabetes tipo 1.
4. Neurológicas
a) Esclerose múltipla;
b) Tabes dorsalis;
c) Hérnia de disco;
d) Trauma medular;
e) Trauma cerebral;
f) Aneurisma roto intracraniano.
5. Medicamentos e drogas:
a) Injeção intracavernosa e fármacos;
b) Fenotiazinas;
c) Trazodona;
d) Clonazepam;
e) Guanetidina;
f) Hidralazina;
g) Corticoides;
h) Androgênios;
i) Álcool;
j) Maconha.
6. Locais:
a) Neoplasias;
b) Inflamações urogenitais;
c) Traumas perineais e do pênis.
8.4.1.2 Priapismo não isquêmico (alto fluxo ou arterial)
É menos comum e caracteriza-se pelo aumento de fluxo arterial e
retorno venoso normal, comumente não doloroso, e o sangue
aspirado dos corpos cavernosos tem coloração vermelho-clara. Está
relacionado a traumas com formação de fístula arteriovenosa. O
tratamento pode ser eletivo.
8.4.2 Diagnóstico
É obtido por meio de história clínica para tratamento específico com
exame físico. Exames de laboratório para tentar descobrir a etiologia
incluem gasometria arterial, hemograma, glicemia, eletroforese de
hemoglobina (hemoglobinas B e C, HbS) e exames de urina.
No priapismo isquêmico, a gasometria dos corpos cavernosos
demonstra acidose metabólica, com baixa concentração de oxigênio
(pO2 < 30 mmHg; pCO2 > 60 mmHg; pH < 7,25). O sangue dos corpos
cavernosos, quando aspirado, tem coloração vermelho-escura. No
priapismo não isquêmico, a gasometria dos corpos cavernosos é do
tipo arterial (pO2 > 90 mmHg; pCO2 < 40mmHg; pH = 7,4), sem
acidose ou hipoxemia.
Exames incluem radiografia de tórax para averiguar metástase e
ultrassonografia com Doppler colorido do pênis, que pode
demonstrar sinais de fístula arteriocavernosa e aumento do fluxo
nas artérias cavernosas no priapismo não isquêmico e diminuição no
isquêmico. Arteriografia somente está indicada na embolização
seletiva, na forma não isquêmica.
8.4.3 Tratamento
Figura 8.4 - Tratamento
Fonte: elaborado pelos autores.
8.4.3.1 Priapismo isquêmico
Deve-se tentar identificar a etiologia para tratar, se possível,
concomitantemente. O paciente deve ser esclarecido sobre os riscos
de disfunção erétil, lembrando que, quanto mais precoce o
tratamento, menor a possibilidade de impotência.
Realizam-se punção e esvaziamento (Figura 8.5) seguidos ou não de
lavagem dos corpos cavernosos com soro fisiológico. Caso o
priapismo não seja resolvido, segue-se com o tratamento
medicamentoso intracavernoso. As drogas indicadas são agonistas
alfa-adrenérgicos (epinefrina, norepinefrina, fenilefrina,
metaraminol).
Figura 8.5 - Punção e esvaziamento
O tratamento cirúrgico pode ser cogitado na falha da punção, e o
objetivo é estabelecer fístulas entre o corpo esponjoso e o corpo
cavernoso, sendo utilizadas, preferencialmente, as técnicas de shunts
distais e, em casos de insucesso, shunts proximais, já que estes são
mais complexos e demorados. Não há recomendação de uma técnica
sobre a outra.
Quadro 8.1 - Técnicas cirúrgicas
1 Taxa de disfunção erétil nos procedimentos proximais (Quackels e Grayhack) mais alta,
por volta de50%, e distais, de 25% ou menos.
Figura 8.6 - Técnicas cirúrgicas
Legenda: (A) e (B) distais; (C) e (D) proximais (Quackels e Grayhack). 
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
8.4.3.2 Priapismo não isquêmico ou alto fluxo
A punção dos corpos cavernosos serve para diagnóstico, não sendo
indicada para esvaziamento e lavagem. Embora dados de literatura
sejam insuficientes para concluir sua eficiência, gelo local pode ser
usado. Sedação, analgesia, hidratação, alfa-adrenérgicos
intracavernosos, arteriografia com embolização seletiva e ligadura
arterial também são propostos.
Resolução com o tratamento proposto ou espontaneamente pode
ocorrer em até 62% dos casos.
8.4.4 Complicações
O início do tratamento do priapismo isquêmico não deve ultrapassar
4 horas, pois o risco de veno-oclusão prolongada pode levar a
fibrose dos corpos cavernosos e, como consequência, causar
disfunção erétil.
Nos casos não isquêmicos, as complicações são geralmente devido às
sequelas da embolização, que são: necrose glútea ou peniana,
cavernosite ou abscesso perineal.
8.5 ESCROTO AGUDO
Define-se como quadro doloroso súbito com aumento de volume da
bolsa testicular, geralmente unilateral, com edema e rubor, podendo
ser acompanhado por manifestações gerais como febre, sudorese,
náuseas e vômitos. O diagnóstico preciso e rápido deve ser realizado
para que o procedimento terapêutico permita preservar o órgão.
8.5.1 Etiologia
A conduta terapêutica a ser instituída depende do diagnóstico
etiológico correto. Várias doenças podem se apresentar sob esse
diagnóstico sindrômico.
O diagnóstico diferencial de escroto agudo é feito a partir de orquite
aguda, orquiepididimite aguda, torção do cordão espermático,
torção dos apêndices testiculares, hérnia inguinoescrotal
encarcerada, hidrocele e tumor testicular, apesar de esses 2 últimos
não se classificarem como urgências.
Figura 8.7 - Anatomia do testículo
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
8.5.1.1 Epididimite, orquite e orquiepididimite aguda (Figuras 8.8 e
8.9)
A epididimite aguda é a causa mais comum, no adulto, de escroto
agudo, sendo sua etiologia possivelmente viral, bacteriana e
idiopática.
Comumente, seu quadro clínico é de início insidioso, uni e, mais
raramente, bilateral, com sinais flogísticos, aumento de volume do
conteúdo da bolsa testicular, sendo o epidídimo doloroso e espesso.
Frequentemente, após 24 horas, existe participação do testículo,
causando o que se denomina orquiepididimite.
A inflamação aguda do testículo, isolada, é pouco frequente, sendo a
orquite pós-parotidite (caxumba), de etiologia viral, a mais habitual.
Atinge os adultos jovens em até 30% dos casos. Comumente, os
sintomas aparecem de maneira insidiosa, 7 dias após a parotidite,
unilateral em cerca de 70%. A evolução é autolimitada, podendo
levar a atrofia testicular em cerca de 50% e, quando atinge os
testículos bilaterais, a esterilidade (10%).
A orquiepididimite aguda é o processo inflamatório mais comum da
bolsa testicular, podendo ser evolução da epididimite, e é
comumente de etiologia bacteriana, sendo, em pacientes com menos
de 40 anos, Chlamydia e Neisseria gonorrhoeae as bactérias mais
comuns e, acima de 40 anos, as Gram negativas, sendo a via de
contaminação mais comum a retrógrada (uretra prostática).
1. Diagnóstico: é feito pela história clínica, pelo exame físico e pelos
exames laboratoriais e de imagem, como hemograma, urinálise mais
cultura e ultrassonografia com Doppler. Deve ser feito o diagnóstico
diferencial com outras doenças, principalmente torção de cordão
espermático e hérnia encarcerada.
2. Tratamento: recomendam-se medidas gerais, que visem à melhora
dos sintomas, como repouso relativo, gelo, suspensão escrotal,
analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos adequados (ciprofloxacino
por 10 a 14 dias), direcionadas ao diagnóstico etiológico específico.
Convém lembrar que a melhora pode ser lenta, mesmo com
tratamento adequado, e que o restabelecimento completo pode levar
até 1 mês.
3. Complicações: as principais complicações podem ser abscesso
escrotal e infarto testicular; consequentemente, ocorre infertilidade em
níveis de 42%, quando bilateral, e 23%, quando unilateral.
Figura 8.8 - Orquiepididimite aguda (aspecto de bolsa testicular)
Figura 8.9 - Orquiepididimite aguda (aspecto de testículo e epidídimo)
8.5.1.2 Torção de cordão espermático
Em um quadro de escroto agudo, deve ser
levantada a hipótese de torção de cordão
espermático, até que se prove o contrário,
principalmente em crianças e adolescentes.
Tipos de torções:
1. Extravaginais: ocorrem em testículos não descidos, exclusivas no
período intrauterino ou em recém-nascidos, quando as fixações da
túnica vaginal e do gubernáculo ao músculo dartos são frouxas.
Correspondem a 10% de todas as torções;
2. Intravaginais: ocorrem em qualquer idade, com pico de incidência
na puberdade, por uma anomalia de fixação do testículo, que permite
que ele e o epidídimo flutuem livremente dentro da túnica vaginal, tal
qual um “badalo de sino”. São defeitos anatômicos congênitos.
Correspondem a cerca de 88 a 90% dos casos (Figuras 8.10, 8.11,
8.12 e 8.13).
Figura 8.10 - Escroto agudo: torção em adolescente, com aumento de volume de bolsa
testicular à direita
Figura 8.11 - Torção de cordão espermático
Figura 8.12 - Torção de cordão espermático
Legenda: (A) anatomia normal e (B) torção testicular. 
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 8.13 - Torção de cordão: tempo de isquemia superior a 10 horas
Na torção de cordão espermático, a dor é de início súbito, de grande
intensidade, e pode estar acompanhada de náuseas e vômitos, sem
relação com traumas e exercícios físicos.
O diagnóstico deve ser feito de maneira precisa e rápida, para um
tratamento cirúrgico na tentativa de salvar o testículo, pois o tempo
de isquemia pode alterar a viabilidade deste (Figuras 8.12 e 8.13). A
torção pode ser de 90 a 180 °, acreditando-se que, quanto maior o
número de torção, pior o prognóstico.
O tempo de isquemia e comprometimento testicular é de 80% de
viabilidade nas primeiras 5 horas e 20% de viabilidade após 10 horas.
O sintoma predominante é a dor, em mais de 90% dos casos, de
início abrupto e intenso, referida ao longo do cordão espermático
e/ou no baixo abdome, podendo ser acompanhada de náuseas e
vômitos. Alterações no leucograma e febre são raras. Podem existir
antecedentes de episódios de dor semelhantes, que melhoraram
espontaneamente, explicando ser possível distorcerem-se por si. Em
recém-nascidos, o quadro consiste em aumento de volume do
testículo, com bom estado geral.
O epidídimo pode mostrar-se anteriorizado, porém, caso esteja em
sua posição normal, não afasta a hipótese de torção, pois pode estar
torcido 360 °. Outro sinal que chama a atenção ao exame físico é a
elevação do testículo na bolsa (redux testis), em cerca de 1 terço dos
pacientes. Edema, eritema, dor à palpação e endurecimento são
achados comuns, que podem confundir o diagnóstico.
Para diferenciar torção de cordão de orquiepididimite, 2 sinais são
importantes a serem analisados: o sinal de Angell (paciente em pé e
testículo contralateral horizontalizado) e o sinal de Prehn (piora ou
manutenção da dor com a elevação do testículo na torção testicular e
melhora da dor na orquiepididimite – sinal positivo).
a) Exames de imagem
O exame que fecha o diagnóstico da torção do testículo é a
ultrassonografia do escroto com Doppler colorido. Pouco invasiva e
de custo acessível, a ultrassonografia do escroto aponta a anatomia
do cordão e o fluxo sanguíneo, que, nos casos de torção, está
reduzido ou ausente.
A cintilografia escrotal com o tecnécio-99m demonstra, também
com precisão, a irrigação dos testículos, porém demanda mais
tempo e não está disponível na maioria dos serviços de urgência. O
diagnóstico por imagem indicado, que não deve atrasar o tratamento
cirúrgico, é a ultrassonografia de bolsa testicular com Doppler, que
demonstra a ausência de vascularização.
b) Tratamento
O objetivoé a revascularização do testículo pelo destorcimento do
cordão espermático. Como cerca de 2 terços das torções ocorrem de
lateral para medial, a tentativa de destorcer manualmente pode ser
feita de maneira inversa, sempre visando manter a vitalidade do
testículo.
A correção cirúrgica está indicada mesmo quando, manualmente,
consegue-se destorcê-lo, e é feita sempre a orquipexia bilateral,
pois o defeito anatômico que permitiu a torção de um lado, em geral,
existe bilateralmente.
A orquiectomia pode ser realizada em caso de comprometimento da
vitalidade do(s) testículo(s).
Figura 8.14 - Ultrassonografia com Doppler de torção de cordão com ausência de
vascularização à esquerda
Figura 8.15 - Ultrassonografia com Doppler de orquiepididimite aguda com vascularização
bilateral
Fonte: adaptado de US features of scrotal disorders: A pictorial essay, 2014.
8.5.1.3 Torção dos apêndices testiculares
Os apêndices testiculares são estruturas remanescentes do
desenvolvimento embriológico. A extremidade cranial do ducto
mülleriano persiste como appendix testis.
O terço médio torna-se o deferente, e a extremidade caudal, o
utrículo prostático (Figura 8.17). São 4 os apêndices testiculares:
appendix testis (apêndice testicular), appendix epididymis (apêndice
epididimário), paradidimys (paradídimo – órgão de Giraldès) e vasa
berrans (ducto aberrante – órgão de Haller), sendo o appendix testis o
mais comumente encontrado e torcido. É uma estrutura de até 1 cm
de diâmetro, comumente ovoide e pedunculada, situada no polo
superior do testículo, próxima à cabeça do epidídimo (Figura 8.16).
Figura 8.16 - Localização mais comum dos apêndices testiculares
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 8.17 - Origem dos apêndices testiculares
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
O diagnóstico se dá pela clínica de dor, que pode ser de leve a forte
intensidade, também de instalação súbita, comumente no polo
superior do testículo, acompanhada ou não de edema e hiperemia da
bolsa. A ultrassonografia é o exame indicado, e, feito o diagnóstico, o
tratamento pode ser conservador, com analgésicos e anti-
inflamatórios.
8.6 PARAFIMOSE
Em homens que não se submeteram à cirurgia de circuncisão, a
glande é coberta por um revestimento de pele conhecido como
prepúcio. Quando este não é facilmente retraído ou não se consegue
retraí-lo, está definida uma fimose.
Quando o prepúcio, com abertura estenótica, é retraído, expondo a
glande e não reduzido, este fica preso no sulco balanoprepucial,
causando edema, dor e perda de fluxo da extremidade do pênis
(Figuras 8.18 e 8.19).
Figura 8.18 - Parafimose com edema de mucosa e infecção secundária pela perda de fluxo
à glande
Figura 8.19 - Parafimose com edema de mucosa e infecção secundária pela perda de fluxo
à glande, com 5 dias de evolução
8.6.1 Tratamento
A conduta na parafimose consiste na tentativa de redução manual ou
incisão dorsal do prepúcio, geralmente sob algum grau de anestesia,
caso não haja sinais de necrose do pênis. Se já existem sinais de
isquemia ou se a redução manual não é efetiva, o paciente deve ser
encaminhado à cirurgia para a postectomia (Figuras 8.20 e 8.21).
Figura 8.20 - (A) Incisão na área de constrição e (B) pele prepucial em posição normal
após redução
Figura 8.21 - (A) Parafimose; (B) compressão manual; (C) pressão da glande peniana e
redução de pele prepucial
8.7 FASCIITE NECROSANTE/SÍNDROME
DE FOURNIER
8.7.1 Introdução, epidemiologia e patogênese
A síndrome ou gangrena de Fournier é uma doença polimicrobiana
(Gram negativas e positivas, e anaeróbias) da genitália/períneo
altamente progressiva e que, se não combatida severamente, pode
levar à morte (3 a 67%). Ela se espalha pelas fáscias locais,
ocorrendo endarterite obliterante de vasos da superfície corpórea,
levando à necrose da pele e do subcutâneo. Acomete mais homens
que mulheres, 10:1, com mais frequência após os 50 anos e com
prevalência de 1:7.500 a 1:750.000. Pode levar à sepse em algumas
horas. Os fatores de risco são diabetes (20 a 70% dos casos),
etilismo, trauma local, HIV, neoplasia maligna ou doenças renais ou
hepáticas (todos fatores que cursam com imunodepressão).
8.7.2 Diagnóstico
É clínico. Exames laboratoriais são sugestivos de quadro infeccioso
sistêmico.
8.7.3 Tratamento
Deve ser agressivo e instituído com urgência, com reposição
volêmica agressiva com ou sem drogas vasoativas, antibioticoterapia
de amplo espectro (que cubra todas as 3 classes de bactérias), e
também tratamento cirúrgico, com debridamento da área necrosada
e drenagem dos tecidos infectados/abscedidos.
A oxigenoterapia hiperbárica deve, se possível, ser instituída em
conjunto, pois auxilia no combate à infecção e na cicatrização local.
São contraindicações ao procedimento: pneumotórax, uso de
doxorrubicina ou cisplatina.
Você sabe diferenciar uma
emergência urológica de
uma urgência? Qual é a
importância desta
diferenciação?
Como em qualquer cenário na Medicina, as emergências
são quadros mais graves, que necessitam de tratamento
imediato, sendo que a demora em estabelecer a conduta
correta está interferindo na vitalidade de algum órgão (por
exemplo, o testículo em uma torção testicular) ou até
mesmo causando um risco iminente de morte (choque
séptico de foco urinário em um paciente com pielonefrite
obstrutiva). Por outro lado, as urgências são casos em que
o paciente necessita de uma assistência médica em até 24
horas (por exemplo, cólica ureteral refratária).
Todo trauma abdominal
fechado com lesão renal é
cirúrgico?
9.1 TRAUMA RENAL
9.1.1 Etiologia
Ocorre em 1 a 5% de todos os casos de trauma e 4,9:100.000 na
população geral; dos traumas abdominais são 8 a 10% dos casos.
Raramente ocorre no trauma torácico e é mais comum em homens
(3:1). As lesões renais contusas/fechadas (90%) são mais comuns do
que as penetrantes/abertas (10%). As primeiras, frequentemente,
são lesões menores e com mínima morbimortalidade associada. As
penetrantes, por outro lado, estão associadas a maior gravidade e
frequentemente necessitam de abordagem cirúrgica. Os traumas
renais contusos são causados, principalmente, por acidentes
automobilísticos e depois por quedas de altura e agressões físicas.
Um ponto relevante na história clínica do trauma renal é a
magnitude da desaceleração envolvida no mecanismo do trauma. A
rápida desaceleração pode acarretar danos aos vasos renais,
resultando em trombose da artéria renal (Figura 9.1), rotura da veia
renal ou avulsão do pedículo renal. O trauma isolado dos vasos renais
é raro, ocorrendo em menos de 0,1% dos traumatismos gerais.
Os traumas renais penetrantes são, geralmente, oriundos de
ferimentos por armas de fogo ou brancas. Qualquer ferimento
penetrante no abdome superior, no flanco e no tórax inferior deve
levantar suspeita para o acometimento renal.
É importante lembrar que o paciente com patologias renais
preexistentes, como rim “em ferradura”, hidronefrose, rins
policísticos ou tumores, são mais suscetíveis a lesões secundárias ao
trauma, mesmo com mecanismos de trauma atípicos e de baixa
energia.
Figura 9.1 - Trauma fechado associado a rápida desaceleração acarreta estiramento da
artéria renal com lesão da camada íntima vascular e trombose arterial
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
9.1.2 Apresentação clínica
A hematúria é o sintoma mais frequente do trauma renal, entretanto
a sua intensidade não se correlaciona com a gravidade do trauma.
Até 50% das lesões vasculares renais graves (avulsão do pedículo
renal, trombose de artéria renal, rotura da veia renal) não
apresentam hematúria. Por outro lado, a hematúria macroscópica
pode ser observada em pequenas contusões renais.
Além de hematúria, dor e/ou equimose em flanco, lesão hepática ou
esplênica, fratura de arcos costais inferiores e de processos
transverso de vértebras lombares são indícios de trauma renal.
9.1.3 Classificação
Segundo The American Association for the Surgery of Trauma, o
trauma renal é classificado de I a V.
1. Grau I: contusãoou hematoma subcapsular não expansivo, sem
laceração parenquimatosa;
2. Grau II: hematoma perirrenal não expansivo ou laceração do córtex
renal menor do que 1 cm; sem extravasamento urinário;
3. Grau III: laceração do córtex renal maior do que 1 cm (estende-se
até a medula renal); sem ruptura do sistema coletor ou extravasamento
urinário;
4. Grau IV: laceração maior do que 1cm atingindo córtex, medula e
sistema coletor ou lesão da artéria ou das veias renais segmentares
com hemorragia contida, trombose vascular;
5. Grau V: várias lacerações de grau IV ou avulsão do pedículo renal.
Figura 9.2 - Classificação das lesões traumáticas renais
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
9.1.4 Diagnóstico
O método complementar padrão-ouro para o diagnóstico e a
classificação dos traumas renais é a tomografia computadorizada
com contraste intravenoso (Figuras 9.3 e 9.4).
A ultrassonografia não deve ser utilizada, e a ressonância magnética,
embora forneça imagem renal detalhada, por apresentar a duração
para realização muito prolongada, não deve ser adotada em
traumatizados. Em caso de indisponibilidade da tomografia, o exame
de eleição passa a ser a urografia excretora.
Em pacientes instáveis e com indicação de exploração cirúrgica, a
exploração do retroperitônio com inspeção renal é o método mais
confiável para o diagnóstico de trauma renal. Porém, a zona II do
retroperitônio (lojas renais) só deve ser abordada cirurgicamente em
casos de hematoma pulsátil ou em expansão, notados na
laparotomia. Caso contrário, as lojas renais não devem ser
exploradas pelo alto risco de nefrectomias. Uma outra possibilidade
no transoperatório é a pielografia intravenosa, na qual se
administram 2 mL/kg de contraste iodado e se realiza radiografia 10
minutos após. O método permite avaliar grosseiramente a existência
de lesão renal e verificar se a função renal contralateral está
preservada e a presença de rim contralateral.
A investigação radiológica está indicada em casos de trauma fechado
com hematúria macroscópica, trauma fechado com hematúria
microscópica e pressão arterial sistólica < 90 mmHg em qualquer
momento da ressuscitação, além de trauma penetrante com
hematúria macro ou micro.
Nos casos de trauma abdominal fechado, vale lembrar que crianças
são mais suscetíveis ao trauma renal do que adultos. Além disso,
apresentam níveis mais altos de catecolaminas circulantes durante o
trauma, permitindo manutenção dos níveis tensionais até que 50%
do volume circulante seja perdido. Portanto, em crianças,
poderemos ser mais permissivos na indicação dos exames de
imagem se houver suspeita de trauma renal.
Figura 9.3 - Hematoma subcapsular renal esquerdo (grau I)
Fonte: adaptado de Abdominal Trauma Imaging, 2012.
Figura 9.4 - Múltiplas e extensas lacerações no rim direito com volumoso hematoma
perirrenal (grau V)
Fonte: adaptado de Diagnóstico por imagem no trauma abdominal, 1999.
9.1.5 Tratamento
Apenas 5,4% dos traumas são graus II a V. Atualmente, mais de 90%
dos traumas renais fechados são tratados conservadoramente. Por
outro lado, os penetrantes frequentemente requerem exploração
cirúrgica em virtude da sua maior gravidade e da necessidade de
explorar órgãos adjacentes.
A indicação cirúrgica não se baseia na classificação do trauma renal
(graus I a V). Mesmo lesões traumáticas de alto grau (IV e V) podem
ser manejadas conservadoramente em casos selecionados.
As únicas indicações absolutas de exploração cirúrgica no trauma
renal são instabilidade hemodinâmica (indicação mais comum),
hematoma perirrenal pulsátil ou em expansão e sangramento
persistente, vistos na laparotomia.
O manejo conservador requer diagnóstico e classificação precisa por
meio da tomografia, internação em unidade de terapia intensiva,
repouso e acompanhamento clínico/laboratorial rigoroso, além de
banco de sangue disponível.
O tratamento cirúrgico deve sempre ser realizado pela laparotomia
mediana, por permitir completa inspeção da cavidade abdominal e
de possíveis lesões associadas. Sempre que possível, a cirurgia
reconstrutiva renal deve ser tentada. A nefrectomia somente é
indicada para lesões renais extensas, na qual a vida do paciente é
posta em risco no intuito de se reparar a lesão traumática.
Antes de realizar a incisão da goteira parietocólica para acessar o
retroperitônio, é importante a dissecção do hilo renal com controle
vascular das suas estruturas. Caso o controle vascular não seja
realizado, ao acessar o retroperitônio, a descompressão do
hematoma perirrenal pode acarretar aumento do sangramento,
restando ao cirurgião apenas a nefrectomia para salvar a vida do
paciente. Havendo o isolamento das estruturas vasculares renais,
basta clampeá-las para o controle do sangramento. Com essa
técnica, o índice de nefrectomia reduziu de 56 para 18%.
Dicas para o manejo adequado do traumatismo renal:
1. Manejo conservador:
a) Sempre ter diagnóstico e classificação precisos com tomografia
computadorizada de abdome com contraste;
b) Sempre fazer internação em unidade de terapia intensiva;
c) Manter repouso absoluto;
d) Realizar acompanhamentos clínico e laboratorial rigorosos.
2. Manejo cirúrgico:
a) Sempre fazer o acesso por laparotomia mediana (inspeção
cavitária, avaliar lesões associadas);
b) Realizar o controle vascular dos pedículos renais antes de
acessar o retroperitônio;
c) Se o paciente estiver instável com risco de vida, sacrificar o rim
e salvar a vida do paciente (nefrectomia);
d) Em caso de condição clínica adequada, realizar reconstrução
renal.
Figura 9.5 - Controle vascular das estruturas do hilo renal anterior à exploração do
retroperitônio
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 9.6 - Abertura do retroperitônio
Nota: caso haja sangramento intenso após a descompressão do hematoma, basta
clampear as estruturas vasculares renais. 
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Os princípios da reconstrução renal pós-trauma incluem completa
exposição renal, debridamento de tecidos inviáveis, hemostasia por
meio da ligadura dos vasos sangrantes, fechamento da via coletora
renal e a aproximação do parênquima renal (Figura 9.7). Quando
uma lesão polar não pode ser reconstruída, nefrectomia parcial deve
ser executada, com remoção total dos tecidos inviáveis, hemostasia e
síntese da via coletora. Se possível, o parênquima renal exposto deve
ser coberto com flap de omento maior ou enxerto de peritônio ou
gordura retroperitoneal.
Figura 9.7 - Princípios da reconstrução renal pós-trauma
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 9.8 - Nefrectomia polar seguida da cobertura do parênquima renal exposto com flap
de omento maior
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Lesões renovasculares exigem o clampeamento dos vasos e rafia
com fios inabsorvíveis. Traumas que envolvem desaceleração de
grande magnitude podem evoluir com trombose da artéria renal
principal. A mobilidade do rim permite o estiramento da artéria
renal e o rompimento da camada íntima vascular com consequente
trombose. Essa situação exige rápido diagnóstico pela tomografia
com contraste ou por angiografia. Nestes casos, revascularização
renal com bypass vascular ou com stents vasculares são as opções
terapêuticas. Em caso de diagnóstico tardio (mais de 8 horas),
raramente a unidade renal pode ser salva.
9.1.6 Complicações
O extravasamento de urina para o espaço perirrenal pode levar à
formação de urinoma; a maioria pode ser manejada clinicamente
com antibiótico sistêmico e apresenta alta taxa de resolução
espontânea. Nos casos de extravasamento persistente, a colocação
de cateter duplo J pode ser a opção terapêutica. Em caso de infecção
do urinoma, ocorre a formação de abscesso perinefrético, que deve
ser tratado com drenagem percutânea ou cirúrgica.
O sangramento tardio pode ocorrer até 3 semanas após o trauma e
pode ser manejado clinicamente com repouso e hidratação. Nos
casos refratários, a angiografia com embolização é a opção adotada.
A hipertensão arterial é uma complicação descrita, em consequênciada ativação do eixo renina-angiotensina-aldosterona, e ocorre em
menos de 5% dos casos. Pode ser explicada por lesão vascular renal,
compressão do parênquima renal por sangue ou urina extravasada
ou fístula arteriovenosa renal. Esta pode ocorrer tardiamente, é rara
e se apresenta como hematúria macroscópica persistente. É mais
comum em traumas penetrantes e pode ser tratada com embolização
ou cirurgia nas fístulas arteriovenosas maiores. O pseudoaneurisma,
por sua vez, é possível, mas raramente ocorre após traumas
contusos, é tratado com embolização.
9.2 TRAUMA URETERAL
9.2.1 Etiologia
A lesão ureteral traumática é rara. Ocorre em 4% dos traumas
penetrantes e em < 1% dos traumas contusos. A porção proximal é
mais comumente acometida.
Mais frequentemente, o trauma ureteral
decorre de iatrogenia no intraoperatório. Cerca
de 80% das lesões são iatrogênicas e 20%
decorrentes de lesão externa (geralmente arma
de fogo e branca e, raramente, trauma fechado).
O mecanismo pelo qual um projétil de arma de fogo lesa o ureter não
compreende simplesmente o trauma mecânico, mas também
envolve a sua alta temperatura, que pode acarretar microtromboses
da vascularização intramural do ureter e consequentes isquemia e
necrose. Esse dado é importante na correção cirúrgica, na qual
dissecção adequada, ressecção dos cotos inviáveis e garantia de
adequada irrigação são impreteríveis para adequado resultado
cirúrgico.
Como já dito, a maioria é iatrogênica e pode resultar de inúmeras
cirurgias pélvicas e do retroperitônio. A histerectomia é a principal
cirurgia associada à lesão ureteral, seguida das cirurgias colorretais.
Podemos citar ainda ooforectomias, cirurgias urológicas e
vasculares.
Cerca de 1 terço das lesões ureterais é percebida durante cirurgia
aberta. Por outro lado, utilizando-se a via laparoscópica, raramente
essas lesões são percebidas, exigindo alto índice de suspeição do
cirurgião.
Figura 9.9 - Relações anatômicas entre o ureter e as estruturas normalmente ligadas em
uma histerectomia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
9.2.2 Apresentação clínica
Em caso de ligadura cirúrgica ureteral unilateral, o quadro clínico do
trauma ureteral caracteriza-se por dor no flanco e na região lombar,
associada, eventualmente, a náuseas, vômitos, febre e íleo paralítico.
Tratando-se de ligadura ureteral bilateral, o quadro caracteriza-se
por anúria e elevação das escórias nitrogenadas.
Em caso de secção ureteral com extravasamento de urina, o quadro
manifesta-se por drenagem de urina pela secreção cirúrgica ou pela
vagina.
Das lesões penetrantes do ureter, até 45% não apresentam nem
mesmo hematúria microscópica. A manifestação clínica pode ser
peritonite, caso haja extravasamento de urina para o interior do
peritônio, ou a formação de tumoração e dor local, se o
extravasamento for dirigido para o retroperitônio. Em ambas as
situações, pode haver febre e infecção secundária.
9.2.3 Classificação
Segundo The American Association for the Surgery of Trauma, o
trauma ureteral é classificado de I a V.
1. Grau I: contusão ou hematoma sem desvascularização;
2. Grau II: laceração < 50% da circunferência;
3. Grau III: laceração > 50% da circunferência;
4. Grau IV: transecção completa com desvascularização < 2 cm;
5. Grau V: transecção completa com desvascularização > 2 cm.
9.2.4 Diagnóstico
O método complementar padrão-ouro para o diagnóstico do trauma
ureteral é a pielografia retrógrada. Esse exame é realizado com o
paciente em posição de litotomia, e, através de cistoscopia,
introduz-se um cateter ureteral e injeta-se contraste. Apesar de ser
o padrão-ouro, não é um exame prático, pois requer urologista ou
anestesista. Por esse motivo, a tomografia computadorizada e a
urografia excretora são métodos frequentemente utilizados para o
diagnóstico, apesar de apresentarem menor acurácia.
9.2.5 Tratamento
O tratamento definitivo das lesões ureterais varia com a topografia e
a extensão da lesão.
A colocação de stent ureteral (cateter duplo J) por tempo prolongado
(mínimo 3 semanas) é reservada somente para casos selecionados,
como nas lesões puntiformes ou angulações ureterais.
Lesões de ureter superior e médio devem, sempre que possível, ser
reparadas com anastomose terminoterminal espatulada
(ureteroureterostomia – Figura 9.10 - A).
Em casos de segmento ureteral lesado extenso, em que não seja
possível a confecção de anastomose com cotos ureterais viáveis, bem
irrigados e sem tensão, pode-se optar pela anastomose do coto
ureteral proximal no ureter contralateral
(transureteroureterostomia – Figura 9.10 - B), interposição de
retalho vascularizado de intestino delgado ou apêndice cecal para
substituição do segmento ureteral lesado ou autotransplante renal
para a pelve com reimplante ureteral e anastomose da artéria e veia
renais nos vasos ilíacos. Vale ressaltar que, no caso dos ferimentos
por armas de fogo, é comum o comprometimento da vascularização
ureteral tardiamente. No intraoperatório, a irrigação dos cotos
ureterais parece adequada e, no pós-operatório, evolui com necrose
dos cotos e fístula. Portanto, em casos de ferimento por arma de
fogo, deve ser realizado o debridamento amplo dos cotos ureterais
para evitar tal complicação.
As lesões de ureter distal, sempre que possível, devem ser manejadas
por reimplante ureteral com técnica antirrefluxo (a técnica de Lich-
Gregoir é a mais difundida – Figura 9.12). No caso de o coto ureteral
não alcançar a bexiga sem tensão, são possíveis alternativas como o
reimplante ureteral após a fixação da bexiga no músculo psoas
(“bexiga psoica” ou “psoas Hitch” – Figura 9.13 - B) ou a confecção
de retalho de bexiga (“retalho de Boari” – Figura 9.13 - A) para a
substituição do segmento ureteral lesado.
Opções cirúrgicas para reconstrução ureteral são descritas a seguir:
1. Ureter proximal e médio:
a) Ureteroureteroanastomose terminoterminal (primeira opção);
b) Transureteroureterostomia;
c) Substituição ureteral com retalho intestinal ou apendicular;
d) Autotransplante renal.
2. Ureter inferior: reimplante ureteral com mecanismo antirrefluxo
(primeira opção);
3. Ureter inferior:
a) Bexiga psoica;
b) Retalho de Boari.
Figura 9.10 - (A) Ureteroureterostomia e (B) transureteroureterostomia
Fonte: (A) ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 9.11 - Retalho de segmento intestinal para substituição ureteral
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 9.12 - Reimplante ureteral à Lich-Gregoir
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 9.13 - (A) Retalho de Boari e (B) psoas Hitch
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
9.3 TRAUMA VESICAL
9.3.1 Etiologia
A bexiga urinária, em geral, é protegida de traumas externos pela
sua localização no interior do anel pélvico.
Lesões vesicais isoladas, decorrentes de traumatismo fechado, são
extremamente raras, e mais de 80% dessas apresentam outra lesão
não urológica associada. Destas lesões associadas, a mais comum é a
fratura da bacia.
Considerando todos os pacientes com lesão
vesical por trauma fechado, cerca de 85%
apresentam fratura de bacia.
Por outro lado, ao considerarmos todos aqueles com fratura de
bacia, cerca de 5 a 10% apresentarão lesão vesical associada. Lesões
penetrantes da bexiga também estão associadas ao alto índice de
traumas associados. Além disso, o trauma cirúrgico iatrogênico
(principalmente cirurgias obstétrica e ginecológica) é uma
importante causa de trauma vesical.
Rupturas extraperitoneais correspondem a 55% das lesões vesicais,
seguidas pelas intraperitoneais (38%) e pelas mistas (5 a 8%). As
primeiras estão quase sempre associadas a fraturas pélvicas.
Quase 50% dos casos dos traumas vesicais são iatrogênicos, sendo
os mais comuns associados a procedimentos ginecológicos e
obstétricos; seguidos de cirurgias colônicas; e, por último, cirurgias
urológicas.
9.3.2 Apresentação clínica
O principal cenário clínico na suspeita de lesão vesical é o de paciente
com fratura de bacia associada a hematúria macroscópica. A
hematúriapode ocorrer em até 95% dos casos.
Outros sinais que podem indicar trauma de bexiga são dor
suprapúbica, incapacidade de urinar, baixo volume urinário, líquido
livre intraperitoneal, distensão abdominal, íleo paralítico, aumento
das escórias nitrogenadas.
9.3.3 Diagnóstico
O método complementar padrão-ouro para o diagnóstico de trauma
vesical é a cistografia retrógrada (Figura 9.14), com acurácia de 85 a
100%.
A cistografia retrógrada é realizada por meio da injeção de solução
salina com contraste diluído a 30% no interior da bexiga,
previamente esvaziada por meio de cateter urinário.
A tomografia com injeção de contraste intravesical (Figura 9.15) é
uma alternativa para o diagnóstico de trauma vesical, e, quando
realizada de maneira adequada, seus resultados são semelhantes aos
da cistografia, com a vantagem de estudar concomitantemente o
trato urinário superior. Portanto, é o método preferido em pacientes
politraumatizados estáveis.
Figura 9.14 - Cistografia com extravasamento de contraste no espaço perivesical (lesão
extraperitoneal da bexiga)
Fonte: Diagnóstico por imagem no trauma abdominal, 1999.
Figura 9.15 - Tomografia com extravasamento de contraste vesical entre as alças do
intestino (lesão intraperitoneal da bexiga)
9.3.4 Tratamento
O tratamento clássico das lesões vesicais extraperitoneais é
conservador, feito pela sondagem vesical de demora associada a
antibiótico.
Deve-se dar preferência à sonda de Foley de grande calibre (20 ou 22
Fr), no intuito de garantir adequada drenagem. Recomendam-se
cistografia após 14 dias de tratamento e a retirada da sonda, caso não
haja extravasamento de contraste. A administração de antibióticos
deve ser realizada até 3 dias após a retirada da sonda.
Algumas lesões vesicais extraperitoneais devem ser tratadas
cirurgicamente. Estas incluem lesões associadas a fragmento ósseo
intravesical, fraturas expostas de bacia, perfurações do reto
associadas ou quando o paciente for submetido a qualquer outro
procedimento cirúrgico, desde que esteja estável
hemodinamicamente. A exploração cirúrgica das lesões
extraperitoneais de bexiga é realizada mediante incisão suprapúbica
longitudinal, e o reparo da lesão deve ser feito por via transvesical
após abertura da cúpula da bexiga.
Com relação à ruptura intraperitoneal, o tratamento clássico é
cirúrgico.
Por meio de incisão longitudinal mediana, realiza-se a inspeção
cavitária e vesical. Geralmente, a lesão encontra-se na cúpula, por
ser a região mais frágil do órgão.
O tratamento é realizado por meio de rafia e manutenção de
sondagem por pelo menos 7 a 10 dias.
9.4 TRAUMA URETRAL
9.4.1 Etiologia
As lesões uretrais podem ser classificadas em lesão de uretra
anterior (peniana e bulbar) e de uretra posterior (membranosa e
prostática).
Figura 9.16 - Anatomia da uretra no homem
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
A maior parte das lesões de uretra anterior, principalmente no
segmento da uretra bulbar, é decorrente de trauma perineal que
comprime a uretra contra o pube (“queda à cavaleiro” – Figura
9.17).
Além disso, a uretra peniana pode também ser lesada em decorrência
de fratura de pênis, presente em cerca de 15% desses casos. A uretra
posterior, por sua vez, frequentemente é lesada em decorrência de
traumas de alta energia que comumente se associam à fratura de
bacia. Em virtude de a uretra posterior se encontrar fixa ao
diafragma urogenital e aos ligamentos puboprostáticos, a junção
bulbomembranosa encontra-se vulnerável à ruptura durante fratura
da bacia.
A maioria das lesões uretrais, quando ocorrem na uretra bulbar, tem
como mecanismo de trauma a “queda à cavaleiro”; quando o
acometimento é da uretra posterior, relaciona-se à fratura de bacia;
e as lesões de uretra peniana estão associadas à fratura de pênis.
Figura 9.17 - “Queda à cavaleiro” com compressão da uretra contra o pube
Nota: este é o principal mecanismo de trauma da uretra bulbar. 
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
9.4.2 Apresentação clínica
Sinais indicativos de lesão uretral incluem uretrorragia (sinal mais
comum), hematoma escrotal e perineal (“em asa de borboleta”),
próstata elevada ou deslocada cranialmente (que não pode ser
palpada ao toque retal), globo vesical e incapacidade de urinar.
9.4.3 Diagnóstico
Pacientes com suspeita de ruptura uretral devem ser submetidos a
uretrografia retrógrada (Figuras 9.18 e 9.19). Esta é realizada por
meio da introdução de uma sonda de Foley 14 ou 16 Fr na fossa
navicular. Insufla-se o balão com cerca de 1 a 2 mL e injeta-se
contraste iodado a 30%.
Figura 9.18 - Uretrografia demonstrando ruptura parcial da uretra bulbosa demonstrando
intravasamento venoso
Fonte: Long-Term Outcome of Primary Endoscopic Realignment for Bulbous Urethral
Injuries: Risk Factors of Urethral Stricture, 2012.
Figura 9.19 - Uretrografia demonstrando ruptura completa da uretra bulbar por todo o
períneo
Fonte: Long-Term Outcome of Primary Endoscopic Realignment for Bulbous Urethral
Injuries: Risk Factors of Urethral Stricture, 2012.
9.4.4 Tratamento
Em casos de rotura decorrentes de “queda à cavaleiro”, o
cateterismo vesical deve ser tentado cuidadosamente com sonda de
Foley 14 Fr, que deve ser mantida por 14 dias, quando se realiza
uretrografia ao redor da sonda. Nos casos de tentativa frustrada,
uma opção é a via endoscópica. Na falha da sondagem, mesmo com o
auxílio do endoscópio, a cistostomia é a opção que deve ser mantida
até o desaparecimento do extravasamento uretral. Em caso de
trauma da uretra peniana decorrente de lesões penetrantes ou
associadas à fratura peniana, a exploração cirúrgica é a melhor
opção.
No caso de lesões parciais de uretra bulbar, cateterismo vesical tem
altos índices de sucesso. Porém, em se tratando de lesões completas,
a exploração cirúrgica imediata é recomendada, com confecção de
anastomose terminoterminal sobre cateter 16 ou 18 Fr. Por fim, em
paciente com politraumatismo grave, instabilidade hemodinâmica e
com outras lesões de maior importância, a confecção de cistostomia
e reconstrução tardia (6 a 12 semanas) é a opção.
Nas lesões parciais de uretra posterior, pode-se tentar o cateterismo
vesical cuidadoso e, se necessário, com auxílio de cistoscópio
flexível. No caso de insucesso e nas lesões completas da uretra
posterior, a confecção de cistostomia com reconstrução tardia da
uretra é a melhor opção.
9.5 FRATURA DE PÊNIS
9.5.1 Etiologia
A fratura peniana resulta da ruptura da túnica albugínea de 1 ou de
ambos os corpos cavernosos. A túnica albugínea torna-se delgada
durante a ereção, assim ficando vulnerável à ruptura. Por esse
motivo, a principal causa de fratura peniana é o trauma durante
intercurso sexual. Mais raramente, autopunição, ferimentos
penetrantes e mordeduras de animais são descritos como causa de
fratura do pênis.
A túnica albugínea tem função importante no mecanismo de ereção.
Por tratar-se de estrutura rica em elastina, durante a ereção,
comprime o plexo venoso subalbuginial, evitando o retorno venoso
do pênis, e mantém o sangue represado no órgão. Portanto, a
principal complicação da fratura peniana, principalmente se não
tratada, é a disfunção erétil, secundária à fibrose da túnica albugínea
e perda do mecanismo veno-oclusivo.
9.5.2 Apresentação clínica
A fratura peniana apresenta-se com dor aguda, seguida de perda
súbita da ereção e edema e hematoma volumosos.
É muito comum o paciente relatar um “estalido”, que corresponde à
rotura da túnica albugínea. Em cerca de 15%, há rotura da uretra
associada, que se manifesta com uretrorragia.
9.5.3 Diagnóstico
É clínico, sem necessitar de qualquer exame com plementar.
9.5.4 Tratamento
O tratamento da fratura de pênis é cirúrgico, por meio da incisão
subcoronal, do desenluvamento peniano e da rafia da túnica
albugínea.
9.6 TRAUMA ESCROTAL
9.6.1 Etiologia
Trauma fechado escrotal pode ocasionar ruptura testicular em
decorrência de lesões esportivas, agressões ou acidentes
automobilísticos. O escroto é vulnerável a vários tipos de lesões,
incluindoavulsões, decorrentes, principalmente, de acidentes de
moto e envolvendo operadores de máquinas industriais. Trauma
penetrante escrotal é comum, sendo o ferimento por arma de fogo a
principal etiologia.
9.6.2 Apresentação clínica
Nos traumatismos escrotais, o exame físico é de difícil interpretação
em virtude da dor local, do edema e do hematoma. Raramente se
palpa com precisão a descontinuidade da túnica albugínea testicular.
9.6.3 Diagnóstico
Na suspeita de trauma testicular, a ultrassonografia com Doppler é
de grande valia, permitindo demonstrar a ruptura da túnica
albugínea e avaliar o fluxo sanguíneo testicular.
9.6.4 Tratamento
A maioria dos traumas escrotais fechados sem lesão testicular pode
ser tratada conservadoramente com analgesia, repouso e
compressas de gelo. Na presença de lesão testicular, o tratamento é
cirúrgico, sendo necessários o debridamento dos tecidos necróticos e
a rafia da túnica albugínea.
Todo trauma abdominal
fechado com lesão renal é
cirúrgico?
Não são todos os casos de traumas urológicos associados a
trauma abdominal fechado que devem ser explorados.
Especificamente sobre o trauma renal nesse cenário, cada
dia mais a conduta conservadora está sendo tomada e com
sucesso, sendo necessária sempre a avaliação do paciente
como um todo.
Refluxo vesicoureteral: uma
patologia apenas de
crianças?
10.1 INTRODUÇÃO
O refluxo vesicoureteral (RVU) é definido como fluxo não fisiológico
retrógrado de urina da bexiga para o ureter. A pior consequência do
refluxo é a falência renal progressiva, secundária a episódios de
pielonefrite, levando a cicatrizes renais. Entre 10 e 15% dos pacientes
com refluxo sofrem de hipertensão renina-dependente como
sequela da isquemia causada pela cicatrização do parênquima renal.
A isquemia diminui a taxa de filtração glomerular, o que causa a
liberação da renina e ativação do sistema renina-angiotensina-
aldosterona, aumentando a absorção de sódio e água e, por
conseguinte, causando a elevação da pressão arterial.
10.2 INCIDÊNCIA
A incidência de refluxo na criança normal, assintomática, é de 0,5 a
1%. Em recém-nascidos, 80% dos casos são em meninos, e, mais
tarde, após os 6 meses, as meninas serão 4 vezes mais afetadas. Em
crianças, a associação a infecção urinária é significativamente alta
(de 29 a 50%).
A incidência de RVU é inversamente
proporcional à idade.
Em adultos, estudos demonstram a incidência em cerca de 8% de
RVU, quando associado a bacteriúria. O RVU familiar foi observado
por vários autores, sugerindo herança autossômica dominante.
10.3 ETIOLOGIA
De maneira sucinta, a principal causa de RVU é a anomalia de
inserção do ureter no trígono e de sua musculatura ureteral
intravesical contígua (qualquer fator que altere o mecanismo de
prevenção natural do refluxo: ação valvular passiva e contração
muscular ativa). Desse modo, há um encurtamento do trajeto
intramural do ureter, favorecendo o refluxo.
As principais causas de refluxo vesicoureteral:
1. Anomalia de inserção ureteral (refluxo primário): causa mais
comum, sendo mais frequente no sexo feminino (tanto em crianças
acima de 6 meses quanto em adultos). Supõe-se que a anomalia
esteja relacionada ao desenvolvimento do botão ureteral no ducto
mesonéfrico. Entram neste tipo de causa: ectopia ureteral,
duplicação ureteral completa, divertículo paraureteral;
2. Infecção urinária: sugere-se que quadros de infecção do trato
urinário atuariam na região da junção ureterovesical, naquelas que
se apresentam no limite da normalidade. O edema e o infiltrado
inflamatório local tornariam rígido o teto do ureter intravesical,
levando ao aparecimento do refluxo. Geralmente, o refluxo
associado à infecção tem caráter temporário, de pequena
intensidade, sem dilatação da via excretora, e desaparece com a
erradicação do processo infeccioso;
3. Ectopia ureteral: ureter único ou em par; pode abrir-se no trígono,
no colo vesical e na uretra;
4. Duplicação ureteral completa: o orifício vesical do ureter,
correspondente à unidade inferior do rim, comumente é
incompetente e localiza-se superior e lateralmente ao orifício
ureteral da unidade superior do rim;
5. Divertículo paraureteral ou divertículo de Hutch: o local de
penetração do ureter na parede vesical é um ponto de fraqueza, em
que pode haver dilatação do trajeto intravesical do ureter,
permitindo a formação de hérnia de mucosa posterolateral ao meato
ureteral, chamada divertículo de Hutch. Quando a ureterocele é
tratada, pode evidenciar um ureter refluxivo;
6. Hereditariedade: o RVU primário é de origem hereditária,
multifocal e poligênica;
7. Iatrogênicas: tratamentos cirúrgicos para ureterocele,
prostatectomias e meatotomia ureteral podem levar a refluxos,
temporários ou não.
10.4 CLASSIFICAÇÃO
O refluxo pode ser primário ou secundário, além de ativo (durante a
micção e associado a alta pressão) e passivo (geralmente em baixa
pressão e que aparece no momento da colocação de contraste
durante a uretrocistografia).
1. Refluxo primário: anomalia congênita da junção vesicoureteral,
em que a deficiência da musculatura longitudinal no trajeto
intravesical do ureter leva a mecanismo valvular incompetente;
2. Refluxo secundário: devido a fatores que determinam alta pressão
intravesical, ultrapassando os limites do sistema valvular da junção
ureterovesical.
O grau de refluxo é avaliado pela uretrocistografia miccional. O
International Reflux Study Committee (1985) introduziu um sistema
uniforme para a sua descrição, graduando-o, conforme apresentado
a seguir.
1. Grau I:
a) Não alcança a pelve renal;
b) Varia o grau de dilatação ureteral.
2. Grau II:
a) Alcança a pelve renal;
b) Sem dilatação do sistema coletor;
c) Fórnice normal.
3. Grau III:
a) Pequena ou moderada dilatação do ureter, sem tortuosidade;
b) Moderada dilatação do sistema coletor;
c) Normal ou mínima deformidade do fórnice.
4. Grau IV:
a) Moderada dilatação do ureter, com discreta tortuosidade ou
sem;
b) Moderada dilatação do sistema coletor, com presença de
baqueteamento dos cálices, porém com manutenção das
impressões papilares na maioria deles.
5. Grau V:
a) Grande dilatação e tortuosidade do ureter (dolicomegaureter);
b) Dilatação acentuada do sistema coletor;
c) Impressões papilares não mais visíveis na maioria dos cálices;
d) Refluxo intraparenquimatoso.
Figura 10.1 - Diferentes graus de refluxo vesicoureteral
Fonte: acervo Medcel.
A graduação do refluxo pode ajudar no planejamento do tratamento.
10.5 QUADRO CLÍNICO
As manifestações clínicas podem ser gerais e urológicas.
A febre, de intensidade variável, é a manifestação geral mais comum
de RVU associado a infecção urinária e está presente em 85% das
vezes. Em crianças, a febre pode ser o primeiro sinal de refluxo.
Outros sinais e sintomas que devem levar à suspeita são
irritabilidade, queda do estado geral, náuseas, vômitos e, por vezes,
diminuição do desenvolvimento ponderoestatural, hipertensão e
insuficiência renal.
Os sintomas urológicos são compatíveis com o quadro de
pielonefrite aguda e variam de acordo com a faixa etária. Distúrbios
miccionais, como polaciúria, noctúria e disúria, são comuns. Em
pacientes com disfunção neurogênica (mielomeningocele, esclerose
múltipla, paraplegia, quadriplegia, espinha bífida, entre outras), o
RVU deve ser pesquisado.
10.6 DIAGNÓSTICO
Por ser a infecção urinária/pielonefrite a complicação mais comum,
a investigação laboratorial deve incluir urina I, urocultura,
creatinina sérica e outras provas de função renal e ultrassonografia.
Exames de imagem sem exposição a radiação, como a
ultrassonografia, são o primeiro passo na procura de fatores que
predispõem ao RVU ou mesmo na avaliação de complicações
(duplicidade, dilatações, avaliação do parênquima renal).
O RVU deve ser sempre suspeitado em recém-nascidos e lactentes
com infecção do trato urinário febril e/ou dilatação pielocalicial à
ultrassonografia. Muitas vezes, a suspeição é feita durante a
gestação, quando temos hidronefrose antenatal à ultrassonografia
gestacional. Lembrando quea hidronefrose precisa ser confirmada 7
dias após o nascimento, pois, antes disso, o recém-nascido pode ter
hidronefrose fisiológica.
A partir da confirmação da hidronefrose, partimos para a
uretrocistografia miccional, o padrão-ouro para diagnóstico e
estadiamento.
A cintilografia com DMSA pode evidenciar cicatrizes renais em
crianças que já tiveram pielonefrites, além de quantificar a função
renal relativa de cada rim. A cistografia com radionuclídeos ou
cistocintilografia é útil em detectar o RVU, porém ruim para
estadiamento, reservada apenas para seguimento pós-operatório.
Convém lembrar que a avaliação radiológica invasiva (tanto com
uretrocistografia miccional e cintilografias) não deve ser realizada
na presença de quadro de infecção urinária, já que esta pode ser a
causa do refluxo e o quadro pode até piorar clinicamente. A
cintilografia com DTPA ou MAG-3 pode ser solicitada na
investigação de criança com pielonefrite após a melhora clínica para
excluir causas de uropatia obstrutivas (como estenose de junção
ureteropélvica etc.).
A urografia excretora pode mostrar sinais indiretos, como dilatações
renoureterais, porém é um exame que, junto com a tomografia, é
totalmente desnecessário em qualquer situação nesses pacientes,
principalmente em crianças.
Se a uretrocistografia e a ultrassonografia forem negativas, mas a
suspeita clínica persistir, os exames poderão ser repetidos após certo
intervalo, pois o grau do refluxo pode não ser constante nas
diferentes condições do exame.
Em adultos, caso a urina residual seja elevada, sem a presença de
obstrução infravesical, a urodinâmica pode ser executada para
afastar a disfunção vesicoesfincteriana e, desse modo, o refluxo
secundário.
A cistoscopia pode ser útil para planejar o tratamento cirúrgico, além
de evidenciar óstios ureterais alterados e sua posição, assim como
excluir obstrução infravesical. Raramente é solicitada em crianças,
ficando reservada a alguns casos de RVU em adultos.
10.7 COMPLICAÇÕES
As principais implicações são as lesões renais e a queda da função
renal, podendo levar a insuficiência renal crônica e doença renal
terminal. A dilatação do ureter, da pelve renal e de cálices é de graus
variáveis e pode levar a insuficiência renal. Quanto maior o grau do
refluxo, maior a chance de cicatriz renal ou de progressão das
cicatrizes já existentes. A infecção urinária e a consequente
pielonefrite são consideradas as principais causas de escaras renais
no RVU.
Figura 10.2 - Diagnóstico de refluxo primário
Nota: a urofluxometria (urodinâmica) pode ser solicitada em crianças acima de 3 anos para
afastar disfunção do esfíncter da uretra (causa secundária de refluxo). 
Fonte: elaborado pelos autores.
10.8 TRATAMENTO
O objetivo é impedir complicações tardias, como a nefropatia de
refluxo e doença renal terminal. O princípio baseia-se no conceito de
que refluxo, na ausência de infecção e de obstrução, é um fenômeno
benigno, embora não esteja completamente descartado que a
deterioração renal progrida mesmo na ausência de infecção.
A terapêutica do RVU consiste em tratamento clínico
medicamentoso e tratamento cirúrgico aberto e endoscópico.
10.8.1 Tratamento clínico
A estratégia da terapêutica é influenciada pela idade do paciente,
pelo grau do refluxo, pela posição e pelo tipo de óstio e pela evolução
clínica. Com base no fato de que a tendência natural do refluxo é
desaparecer ou melhorar com o tempo, o tratamento clínico visa
prevenir a infecção urinária. Recomendam-se aumento da ingesta
líquida, esvaziamento vesical completo, boa higiene e profilaxia com
antibióticos por longo período, especialmente em jovens com baixo
grau de refluxo e que já tiveram pielonefrite.
Tratamento clínico:
1. 1 ano: conservador, exceto em caso de RVU de alto grau e perda de
função renal progressiva, em que se deve indicar derivação da via
urinária (ureterostomia, vesicostomia);
2. 1 a 5 anos:
a) Graus I a III: conservador;
b) Graus IV a V: tratamento cirúrgico aberto ou endoscópico.
3. > 5 anos:
a) Meninos: indicação rara de cirurgia, somente nos casos de
cicatrizes renais, pielonefrite de repetição ou perda de função renal
progressiva;
b) Meninas: cirurgia (em razão da alta taxa de infecção, principalmente
durante a gestação).
10.8.2 Tratamento cirúrgico
10.8.2.1 Injeção subureteral de polímeros
A injeção subcutânea endoscópica de polímeros tornou-se uma
alternativa à profilaxia antibiótica de longo prazo e à intervenção
cirúrgica aberta no tratamento de RVU em crianças. Usando
cistoscopia, o material é injetado sob a parte intramural do ureter
em um local submucoso. O agente injetado eleva o orifício ureteral e
o ureter distal, de modo que a coaptação é aumentada. Isso resulta
no estreitamento do lúmen ureteral, o que impede o refluxo de urina
para o ureter, enquanto ainda permite seu fluxo anterógrado. Vários
agentes de volume têm sido utilizados nas últimas 2 décadas,
incluindo politetrafluoretileno (PTFE ou Teflon®), colágeno, uma
solução de dextranômer/ácido hialurônico (Deflux®, Dexell®) e,
mais recentemente, copolímero de poliacrilato-poliálcool-hidrogel
(Vantris®).
10.8.2.2 Técnicas cirúrgicas abertas
Várias técnicas intra e extravesicais foram descritas para a correção
cirúrgica do RVU. Embora diferentes métodos possuam vantagens e
complicações específicas, todos compartilham o princípio básico de
alongar a parte intramural do ureter por incorporação submucosa do
ureter. Todas as técnicas demonstraram ser seguras com uma baixa
taxa de complicações e excelentes taxas de sucesso (92 a 98%,
segundo a European Association of Urology – Paediatric Urology
Guidelines, 2018). As técnicas de Politano, Lich-Gregoir e Cohen,
podem ser feitas por via laparoscópica ou robô-assistida, porém,
como apresentam tempo cirúrgico elevado e curva de aprendizado
longa, ainda são indicadas apenas em centros de estudo.
Tratamento cirúrgico ou endoscópico:
1. Cirurgia (não antes de 6 meses):
a) Infecção recorrente, apesar da antibioticoterapia;
b) Malformação (duplicação, ureter ectópico, divertículo de Hutch).
Refluxo vesicoureteral: uma
patologia apenas de
crianças?
Após o estudo desse capítulo podemos concluir que o
refluxo vesicoureteral não é uma patologia exclusiva de
crianças.
Você conhece as doenças
císticas do rim? Elas são
manejadas todas da mesma
forma?
11.1 INTRODUÇÃO
As doenças císticas renais compreendem um grupo heterogêneo de
distúrbios hereditários ou adquiridos que se assemelham pela
presença de cistos renais uni ou bilaterais, que são dilatações e/ou
expansões progressivas de segmentos tubulares renais contendo
líquido claro, revestidos por 1 única camada de células epiteliais.
Esses cistos podem comunicar-se ou não com glomérulo, ducto
coletor ou cálice renal.
Os rins que apresentam múltiplos cistos, porém com estrutura renal
completa, são denominados policísticos. Quando ocorre displasia
severa, sem configuração reniforme e de drenagem calicial, a
denominação utilizada é rim multicístico displásico.
As doenças renais císticas são classificadas, mais comumente,
conforme demonstrado a seguir:
1. Genéticas:
a) Doença renal policística autossômica dominante (adulto);
b) Doença renal policística autossômica recessiva (infantil);
c) Nefronoftise juvenil medular;
d) Nefronoftise juvenil (autossômica recessiva);
e) Doença medular cística (autossômica dominante);
f) Nefrose congênita (síndrome nefrótica familiar) autossômica
recessiva;
g) Doença glomerulocística hipoplásica familiar (autossômica
dominante);
h) Doenças multissistêmicas (von Hippel-Lindau, esclerose tuberosa
etc.).
2. Não genéticas:
a) Rim multicístico displásico;
b) Cisto multilocular benigno;
c) Cisto simples;
d) Doença renal glomerulocística esporádica;
e) Doença renal cística adquirida;
f) Divertículo calicial.
11.2 DOENÇA RENAL POLICÍSTICA
AUTOSSÔMICA DOMINANTE
11.2.1 Genética
A Doença Renal Policística Autossômica Dominante (DRPAD)
compreende um distúrbio sistêmico caracterizado pela formação de
cistos em múltiplos órgãos e desenvolvimentode anormalidades no
sistema cardiovascular.
A maioria das mutações (85% dos casos) da DRPAD ocorre no gene
PKD1 (Polycystic Kidney Disease 1), localizado no cromossomo 16p13-
3. A minoria (15%) acontece no gene PKD2 (Polycystic Kidney Disease
2), mapeado no cromossomo 4q21-23.
O gene PKD1 codifica a policistina-1, e o PKD2, a policistina-2,
determinando a DRPAD1 e a DRPAD2, respectivamente. Apesar de as
2 alterações demonstrarem situações clínicas semelhantes,
demonstrou-se que a DRPAD1 apresenta uma forma mais grave da
doença, com sobrevidas renal e do paciente menores, além de maior
propensão a hipertensão arterial sistêmica, infecções do trato
urinário e hematúria.
As policistinas 1 e 2 são proteínas de membrana com ampla
distribuição (as 2 interagem em uma via comum), que parecem ser
importantes para a manutenção das estruturas epiteliais e
endoteliais maduras, de modo que, quando mutadas, as vias de
sinalização, como Ca+2, Wnt/beta-catenina, AMPc e polaridade
celular planar, reguladas pelos cílios presentes na superfície apical
tubular, tornam-se alteradas. Podem aparecer, também, aneurisma
aórtico, prolapso mitral, cistos hepáticos e pancreáticos e
divertículos colônicos.
11.2.2 Manifestações clínicas
A DRPAD constitui uma das doenças hereditárias humanas mais
comuns, cuja prevalência é de 1:1.000 habitantes.
A doença pode manifestar-se em qualquer idade, porém se apresenta
mais comumente entre a terceira e a quinta década de vida. Cerca de
metade dos pacientes atinge os 58 anos sem Insuficiência Renal
Crônica Terminal (IRCT), ao passo que apenas 23% sobrevivem além
dos 70 anos sem apresentarem essa evolução.
A renomegalia pode predominar no quadro clínico, com distensão,
dor ou desconforto abdominal. Por outro lado, pode ser descoberta
de forma incidental ao exame físico ou em exames de imagem
abdominal.
A nefropatia pode desenvolver um defeito na concentração urinária e
na excreção de amônia, além de infecção recorrente do trato urinário
e presença de cálculos renais.
A hipertensão está presente em 50% dos casos da doença renal
policística autossômica dominante.
A anemia é menos proeminente do que nas demais doenças renais,
provavelmente pelo fato de a eritropoetina estar preservada. A
proteinúria também é menos frequente.
As infecções dos cistos ocorrem pelas bactérias comuns ao trato
urinário e podem levar à sepse. Caracterizam-se por febre, calafrios,
dor em flanco e/ou no abdome e leucocitose. Já a ruptura e a
hemorragia dos cistos (espontâneas ou por trauma) se caracterizam
por dor aguda e hematúria.
Cerca de 4 a 15% dos portadores de DRPAD desenvolvem aneurismas
cerebrais (4 a 10 vezes mais do que na população geral), o que pode
levar a hemorragias e, eventualmente, à morte.
As manifestações extrarrenais mais comuns da doença renal
policística autossômica dominante são:
1. Cistos: hepáticos, pancreáticos, em aracnoide, prostáticos e
vesícula seminal;
2. Hérnias: umbilical, ventral, inguinal;
3. Cardíacas: prolapso da válvula mitral, insuficiência aórtica,
hipertrofia do ventrículo esquerdo;
4. Vasculares: aneurismas (intracranianos e de coronárias), dilatação
de raiz aórtica, dissecção de artérias (aorta ascendente,
cervicocefálicas e coronárias).
11.2.3 Diagnóstico
O método de imagem mais comum para o diagnóstico da doença
renal policística autossômica dominante é a ecografia renal, porém a
tomografia computadorizada e a ressonância magnética têm altas
sensibilidade e especificidade.
O diagnóstico de DRPAD é estabelecido quando são detectados
múltiplos cistos renais (uni ou bilaterais) e 2 ou mais dos seguintes:
aumento renal bilateral, 3 ou mais cistos hepáticos, aneurisma de
artérias cerebrais e cisto único da glândula pineal, pâncreas,
aracnoide ou baço. A história familiar é compatível com DRPAD em
50% dos casos.
Figura 11.1 - Ultrassonografia renal com cistos
Fonte: site Clínica Cocuzza.
Figura 11.2 - Tomografia de abdome com cistos renais bilaterais
11.2.4 Prevenção e tratamento
Não existe tratamento específico para
portadores de doença renal policística
autossômica dominante, somente
monitorização e tratamento das complicações.
A hipertensão arterial acelera o declínio da função renal, portanto a
utilização de anti-hipertensivos (inibidores da enzima conversora
de angiotensina) é importante para o controle da doença. Além
desses, medidas não farmacológicas para controle de fatores de
risco, como tabagismo, sobrepeso, diabetes e uso de cafeína, se
fazem necessárias.
O tratamento e a prevenção da infecção e da litíase são os mesmos da
população geral. Já o tratamento ideal da infecção dos cistos (renais
e hepáticos) deve ser feito com antimicrobianos lipofílicos, que têm
capacidade de penetrar nos cistos (ciprofloxacino, trimetoprima,
clindamicina e vancomicina). Punção do cisto com drenagem do
material purulento e até nefrectomia podem ser necessárias em
casos com má resposta à antibioticoterapia. Algumas drogas já se
apresentam em ensaios clínicos, com o alvo nas cascatas de
sinalização celular anormais, tais como tolvaptana e octreotida.
A ruptura e a hemorragia dos cistos são, geralmente, tratadas de
modo conservador (repouso e analgésicos). A aspiração dos cistos
com esclerose utilizando substâncias esclerosantes pode ser
utilizada em alguns casos. Raramente a nefrectomia é indicada antes
do início da doença renal policística terminal.
Figura 11.3 - Tomografia de abdome com cistos renais múltiplos
Figura 11.4 - Tomografia de abdome com cistos renais
11.2.5 Prognóstico
Cerca de metade dos portadores de DRPAD desenvolve IRCT em
torno dos 60 anos. A progressão parece ser maior entre homens sem
controle da hipertensão arterial, idade precoce no diagnóstico e
mutações no DRPAD1. Cerca de 5% de todos os portadores de DRPAD
morrem por ruptura de aneurisma cerebral. A sobrevida média é de
55 e 65 anos para aqueles com mutações do DRPAD1 e DRPAD2,
respectivamente.
O médico deve informar aos familiares sobre a natureza genética da
doença e os benefícios do aconselhamento para os que apresentam
risco de desenvolvê-la. O screening pré-sintomático deve ser
recomendado somente a familiares com indicação clínica
(hipertensão arterial precoce, história familiar de aneurisma
intracraniano, prática de esportes físicos de contato e avaliação de
risco em futuro filho).
O tratamento definitivo aos que evoluem para insuficiência renal
crônica é a terapia de substituição renal: hemodiálise ou transplante
renal (padrão-ouro).
11.3 DOENÇA RENAL POLICÍSTICA
AUTOSSÔMICA RECESSIVA
11.3.1 Epidemiologia
A Doença Renal Policística Autossômica Recessiva (DRPAR) leva a
IRCT precoce, insuficiência pulmonar e fibroses hepática e
pancreática. Acomete 1:40.000 nascidos vivos.
11.3.2 Genética
A doença renal policística autossômica
recessiva está associada a mutações do gene
PKHD1, localizado no cromossomo 6, que
codifica a proteína chamada poliductina.
A mutação no gene PKHD1 produz alterações na função ciliar,
acometendo rim, fígado, pulmão e pâncreas, além de desenvolver as
respectivas complicações já descritas.
11.3.3 Manifestações clínicas
Cistos renais bilaterais, simétricos e com aumento do volume renal
ocorrem geralmente entre a fase pré-natal e o primeiro ano de vida.
Podem, também, ser encontrados na fase adulta (menos frequentes
e com quadro clínico mais brando). Essas alterações levam a
poliúria, enurese, hiponatremia e acidose metabólica
hiperclorêmica, podendo chegar a IRCT.
O oligodrâmnio pode estar presente, e presume-se que essa seja a
causa da hipoplasia pulmonar grave, responsável pela maior parte
das mortes no primeiro ano de vida (35% dos neonatos). O fenótipo
de Potter pode estar presente nesses casos (hipoplasia pulmonar,
anomalias faciais e deformidade da coluna e de membros). Os
pacientes que sobrevivem a essa fase terão 50% de chance de
desenvolver IRCT na primeira década de vida.
A fibrose hepática leva a hipertensão portal e suas complicações
(varizes esofágicas e hepatoesplenomegalia), e a fibrose pancreática
é mais rara.Os portadores de DRPAR desenvolvem hipertensão arterial sistêmica
(contribuindo para a falência renal). Outras complicações
conhecidas são infecções, ruptura de cistos e, raramente, hematúria.
11.3.4 Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se nas apresentações clínica e radiológica
(ultrassonografia ou tomografia) de rins policísticos e fibrose
hepática, com demonstração negativa nos pais com mais de 30 anos
(para diferenciar de DRPAD).
11.3.5 Tratamento e prognóstico
O tratamento visa detectar e manejar precocemente as complicações
da hipertensão arterial sistêmica (uso de inibidores da enzima
conversora de angiotensina e bloqueadores do canal de cálcio). A
IRCT deve ser tratada com diálise regular e, se possível, transplante
renal. É importante realizar o manejo adequado das infecções
urinárias.
A hipertensão portal pode exigir derivação portossistêmica ou
transplante hepático, e os pacientes acometidos de DRPAR têm
maior mortalidade no primeiro ano de vida. Após esse período, a
sobrevida aumenta para 50 a 80% até 15 anos.
11.4 DOENÇA RENAL CÍSTICA
ADQUIRIDA
Está relacionada, comumente, aos portadores de Insuficiência Renal
Crônica (IRC) em diálise crônica. Seu diagnóstico é feito com o
surgimento de 3 a 5 cistos em cada rim, agrupados e com até 3 cm de
diâmetro. O rim possui tamanho normal ou reduzido, com contornos
regulares.
As manifestações clínicas são sangramento intracisto, dor, macro-
hematúria e hematoma retroperitoneal.
O carcinoma de células renais está presente em
4 a 7% dos pacientes com doença renal cística
adquirida.
11.5 NEFRONOFTISE E DOENÇA
MEDULAR CÍSTICA
As nefronoftises (NFs) são doenças autossômicas recessivas
heterogêneas causadas por mutações em pelo menos 4 genes: NPHP1
(cromossomo 2q13) e NPHP4 (cromossomo 1p36), que causam NF
juvenil e codificam a nefrocistina 1 e 4, respectivamente. A NPHP2
(9q22) causa NF infantil, e a NPHP3 (3q22), NF na adolescência. A
síndrome de Senior-Loken (NF e retinite pigmentosa) foi descrita
em pacientes com mutações em NPHP 1, 3 e 4.
A Doença Medular Cística (DMC) engloba 3 patologias de herança
autossômica dominante: tipo 1 (DCM1) em cromossomo 1q21, tipo 2
(DCM2) e nefropatia familiar hiperuricêmica juvenil, ambas locadas
no cromossomo 16p11-13, com mutação no gene UMOD (codifica a
uromodulina).
A NF e a DMC são caracterizadas por rins reduzidos e endurecidos,
com vários cistos de paredes finas localizados na junção
corticomedular. Histologicamente, apresentam atrofia tubular e
fibrose intersticial difusa. O diagnóstico é realizado por história
familiar e ultrassonografia ou tomografia computadorizada.
O tratamento consiste em controle da hipertensão arterial e correção
de distúrbios hidroeletrolíticos (hiponatremia). A IRCT é tratada por
diálise crônica e transplante renal.
11.6 RIM ESPONGIOMEDULAR
Caracteriza-se por dilatações internas congenitamente adquiridas
dos ductos coletores papilares e medulares, além de hipercalciúria.
O diagnóstico é radiológico, com a apresentação de estriações radiais
ou coleções císticas de contraste nas papilas renais na urografia
excretora.
A nefrolitíase é a complicação mais importante dessa doença, e
infecções e hematúria também podem estar presentes.
11.7 ESCLEROSE TUBEROSA
É uma doença sistêmica de herança autossômica dominante, com
incidência de 1:10.000, caracterizada pela presença de hamartomas.
As mutações estão presentes em 2 genes: TSC1 (cromossomo 9q34) e
TSC2 (16p13). Esses genes são supressores tumorais, que produzem,
respectivamente, a hamartina e a tuberina.
Clinicamente, são observados angiofibromas cutâneos, máculas
hipocrômicas e hamartomas no sistema nervoso central (podem
estar associados a crises convulsivas e a retardo mental).
Metade dos portadores de esclerose tuberosa
apresentam angiomiolipomas renais (tumores
benignos compostos por vasos e tecido
muscular e adiposo). Os cistos renais estão
presentes em 30% dos casos.
O tratamento específico está direcionado aos casos em que os
hamartomas causam sintomas. Quando há evolução para IRC, é
necessário o transplante renal.
11.8 DOENÇA DE VON HIPPEL-LINDAU
É uma doença sistêmica de herança autossômica dominante, com
incidência de 1:36.000 a 1:53.000, caracterizada por tumores
benignos e malignos em diversos órgãos. A doença é resultado da
mutação no gene supressor tumoral VHL, localizado no cromossomo
3p25-26.
As manifestações clínicas mais comuns são: carcinoma de células
renais (50% dos casos, geralmente precoces entre a terceira e a
quarta década de vida, bilaterais e multifocais), feocromocitoma,
angiomas de retina, hemangioblastomas de tronco cerebral,
cerebelo e medula espinal.
Exames de imagem periódicos auxiliam na detecção de neoplasias
mais precocemente.
Figura 11.5 - Tomografia de abdome com lesões renais em portador de von Hippel-Lindau
11.9 CISTOS RENAIS
O Cisto Simples (CS) aumenta de frequência com a idade, chegando a
33% após os 60 anos. Os cistos costumam ser solitários, porém
podem ser múltiplos e/ou bilaterais. Variam de tamanho, podendo
ter de 1 a mais de 10 cm de diâmetro. A parede do cisto é composta
por epitélio cuboide e paredes finas sem elementos renais no seu
interior.
Os CSs podem evoluir com dor ou somente como uma massa
abdominal, até mesmo hematúria (por ruptura). Os assintomáticos
devem somente ser observados. Quando o cisto causa obstrução
pielocalicial ou hipertensão, pode-se considerar o tratamento
cirúrgico. A retirada da parede (marsupialização) ou a punção
percutânea do cisto com aspiração do conteúdo e posterior injeção
de substância esclerosante são as opções mais comuns.
A presença de neoplasia (20%), concomitantemente a cistos renais,
aumentou o interesse em diagnosticar os cistos e, eventualmente,
tratá-los com maior precocidade.
Em 1986, Bosniak dividiu os cistos renais em 4 categorias (conforme
o aspecto radiológico), para melhorar o seu controle. A
representação das 4 categorias é descrita a seguir. É uma
classificação que pode ser dada apenas na tomografia
computadorizada, e não por ultrassonografia.
A tomografia de abdome deve ser sempre realizada quando houver
lesão cística suspeita a ultrassonografia (Bosniak, IIFa IV).
Classificação de Bosniak (atualizada em 2005):
1. Categoria I: são cistos sem septos ou vegetações, de paredes lisas
e finas e sem realce após a administração de meio de contraste
intravenoso;
2. Categoria II: são incluídos cistos com septos finos, parede
minimamente espessa e calcificações parietais finas e sem realce após
a administração de meio de contraste intravenoso;
3. Categoria II-F: estes podem conter mais septos finos. Realce
mínimo de um septo ou parede fina. Espessamento mínimo dos septos
ou da parede. O cisto pode conter calcificação, que pode ser nodular e
espessa, sem realce pelo contraste. Não há elementos de tecido mole
que realçam. Essa categoria também inclui lesões renais que não
realçam e intrarrenais > 3 cm. Geralmente os cistos são bem definidos;
4. Categoria III: enquadram-se os cistos hiperdensos até 3 cm e
lesões com septos irregulares, espessos, com calcificações grosseiras
e nítido realce após meio de contraste intravenoso;
5. Categoria IV: é reservada às lesões com septos ou parede
contendo componentes sólidos bem definidos e com realce após meio
de contraste intravenoso.
Figura 11.6 - Aspecto tomográfico da classificação de Bosniak
Quadro 11.1 - Resumo de conduta em cistos renais com base na classificação de Bosniak
Você conhece as doenças
císticas do rim? Elas são
manejadas todas da mesma
forma?
As doenças císticas renais são patologias multivariadas,
cada uma com sua etiologia e tratamento próprios. É de
suma importância que o aluno saiba reconhecer cada uma
para o melhor manejo da doença.
Qual é o exame de escolha
para diferenciar os
abscessos renais?
12.1 ABSCESSO RENAL CORTICAL
(CARBÚNCULO RENAL)
12.1.1 Definição
O abscesso renal cortical resulta da disseminação hematogênica de
bactéria proveniente de infecção cutânea ou intravascular, na
maioria dos casos.
12.1.2 Etiologiae patogenia
Fatores predisponentes como diabetes, uso de drogas e hemodiálise
associada a infecção cutânea favorecem o aparecimento do abscesso,
que resulta em 90% dos casos pelo Staphylococcus aureus e é
raramente causado por infecção ascendente.
A infecção no rim possivelmente resulta da bacteriemia
estafilocócica, que promove múltiplos microabscessos que
coalescem, resultando no abscesso do parênquima renal, o qual
usualmente é solitário e unilateral, com predomínio no rim direito.
Esses abscessos podem romper a cápsula renal, formando um
abscesso perinefrético.
12.1.3 Achados clínicos
12.1.3.1 Sinais e sintomas
O abscesso renal cortical tem apresentação típica de calafrios, febre,
dor no flanco ou abdominal, com irradiação para a região inguinal ou
para a perna, principalmente quando a infecção acomete a pelve.
Sintomas urinários podem não aparecer nos estágios iniciais da
doença, pois ainda não há comunicação do carbúnculo com o sistema
coletor.
12.1.3.2 Achados laboratoriais
Um dos achados é a leucocitose com desvio para a esquerda. O exame
de urina e a cultura podem ser normais quando não há comunicação
entre o abscesso e o sistema coletor. A hemocultura é comumente
negativa, podendo ocorrer hiperglicemia e glicosúria frequentes.
12.1.3.3 Estudo de imagem
A tomografia computadorizada com contraste é o exame mais
preciso para o diagnóstico do abscesso renal cortical.
A ultrassonografia pode ser útil; porém, na fase inicial da lesão, pode
confundir com outras lesões (neoplasias).
12.1.4 Tratamento
O uso de antibioticoterapia em abscessos renais por Staphylococcus
aureus, muitas vezes, pode ser eficaz e representar a única forma de
tratamento. A drenagem cirúrgica ainda é a base do tratamento por
via percutânea, guiada por ultrassonografia, tomografia ou cirurgia
aberta.
Recomenda-se iniciar o tratamento parenteral com antibióticos e, se
não houver resposta clínica favorável em 48 horas, deve-se proceder
a drenagem cirúrgica, pois provavelmente haverá suspeita de
patógeno resistente ou abscesso perinefrético.
12.2 ABSCESSOS RENAIS
CORTICOMEDULARES
12.2.1 Definição
Os abscessos renais corticomedulares são o tipo mais comum de
abscesso renal e resultam, mais frequentemente, de infecção
ascendente do trato urinário.
Afetam igualmente os sexos masculino e feminino.
12.2.2 Etiologia e patogenia
Ao contrário dos abscessos corticais, causados
pelo Staphylococcus aureus, os abscessos
corticomedulares são causados, com maior
frequência, por bactérias coraliformes, como
Escherichia coli, Klebsiella e Proteus.
Há fatores predisponentes, que incluem uropatia obstrutiva, doença
calculosa, refluxo vesicoureteral, bexiga neurogênica e diabetes. São
complicações de uma pielonefrite aguda. A infecção renal resulta da
ascensão via papila renal e medula, com progressão para tecido
corticomedular e supuração, podendo evoluir para abscesso
perinefrético.
12.2.3 Achados clínicos
12.2.3.1 Sinais e sintomas
Os achados clínicos são inespecíficos e semelhantes aos do
carbúnculo renal, porém os sintomas urinários são mais habituais.
Pode cursar com derrame da pleura ipsilateral (contiguidade com a
pleura).
12.2.3.2 Achados laboratoriais
São, também, semelhantes aos achados do carbúnculo renal, porém
se diferenciam por apresentarem exames de urina alterados e
uroculturas positivas. As hemoculturas são, em maior frequência,
positivas em relação ao carbúnculo renal.
12.2.3.3 Estudos de imagem
A ultrassonografia e a tomografia computadorizada são os exames
de maior confiabilidade para o diagnóstico.
12.2.4 Tratamento
Depende da localização e do tamanho do abscesso e do estado geral
do paciente. Tanto o carbúnculo renal quanto o abscesso
corticomedular podem, algumas vezes, ser tratados clinicamente
com antibióticos, sem a necessidade de drenagem. Esta pode ser
necessária, por via percutânea ou aberta. Em casos mais graves, pode
ser necessária a nefrectomia.
12.3 ABSCESSO PERINEFRÉTICO
12.3.1 Definição
Pode ser definido como uma coleção de material purulento nos
tecidos ao redor do rim, ou seja, entre a cápsula renal e a bainha
perirrenal (cápsula de Gerota).
12.3.2 Etiologia e patogenia
Cerca de 75% dos casos são resultados de ruptura de abscessos
corticomedulares para o espaço perirrenal.
Os micro-organismos infectantes do abscesso perinefrético são os
mesmos que causam abscessos intrarrenais: Staphylococcus
(abscesso cortical) e bactérias Gram negativas como Escherichia coli,
Klebsiella e Proteus.
Embora a maior parte dos abscessos seja de origem renal, outras
causas podem levar a abscesso perirrenal, como micobactéria,
bactérias anaeróbias obrigatórias e fungos (Candida). Em cerca de
25%, as culturas desenvolvem várias bactérias diferentes no mesmo
material que é enviado para exame.
Em geral, o abscesso restringe-se à fáscia de Gerota, mas pode
expandir-se amplamente pelo retroperitônio, inclusive com sinais
de flogose na região lombar, mais raros atualmente (Figura 12.1).
Figura 12.1 - Abscesso perirrenal: exteriorização na região lombar direita
12.3.3 Achados clínicos
12.3.3.1 Sinais e sintomas
Habitualmente, trata-se de uma doença de caráter insidioso, com
clínica confusa, podendo ser difícil o diagnóstico precoce. O
paciente, em geral, procura o serviço médico de 2 a 3 semanas após o
início dos sintomas.
Pode-se obter história de infecções urinárias recorrentes ou
prolongadas.
No abscesso perinefrético estafilocócico, quase
sempre há história de infecção da pele prévia
aos sintomas.
Correspondem aos sinais e sintomas: febre (sinal universal), dor
lombar, prostração, escoliose de coluna com concavidade para o lado
comprometido devido ao espasmo do músculo psoas, perna fletida
sobre o abdome, sinais de massa na região lombar, com a
possibilidade de calor e hiperemia.
12.3.3.2 Exames laboratoriais
São achados de hemograma, leucocitose de moderada a grave, desvio
à esquerda e anemia. A cultura de urina pode ser normal em cerca de
40% dos casos, e a urinálise, apresentar-se normal em cerca de
30%, ou exibir piúria e proteinúria.
12.3.3.3 Estudo de imagem
1. Radiológico: radiografia de tórax pode demonstrar hemidiafragma
elevado ou fixo, derrame pleural, abscesso pulmonar, infiltrado ou
atelectasia do lobo inferior;
2. Radiografia simples de abdome: pode demonstrar massa em
flanco, apagamento de psoas e renal e escoliose da coluna;
3. Urografia excretora: deslocamento lateral do polo do rim ou parte
dele pelo abscesso, retardo de excreção do contraste, sinais de
calculose e hidronefrose.
A tomografia computadorizada e a ultrassonografia são os melhores
exames para diagnóstico e avaliação da extensão do abscesso
perinefrético.
12.3.4 Tratamento
O tratamento do abscesso perinefrético envolve a combinação de
antibioticoterapia com manejo cirúrgico.
A mortalidade está diretamente associada a retardo do diagnóstico e
tratamento adequado. A drenagem do abscesso via cirurgia aberta ou
percutânea é indicada, além de nefrectomia, caso seja necessário.
Qual é o exame de escolha
para diferenciar os
abscessos renais?
O melhor exame para diferenciação entre os 3 tipos de
abscessos renais é a tomografia computadorizada de
abdome total. Ela dará com clareza informações com
relação à localização do abscesso, tamanho, acometimento
de outras estruturas e se há sobreposição de lesões (por
exemplo: abscesso renal evoluindo para abscesso
perinefrético).
Prostatite é uma doença
simples e de fácil manejo,
ou complexa e
multifacetada?
13.1 INTRODUÇÃO
As prostatites estão em terceiro lugar entre as doenças urológicas
mais comuns em pacientes com mais de 50 anos (depois de
hiperplasia prostática benigna e câncer da próstata), de alta
incidência (chegando a 12%), tratamento difícil e resultados
frustrantes, com menos de 10% dos casos com confirmação de
infecção bacteriana. De maneira geral, sua etiologia baseia-se em
um fator iniciador (infecção, toxinas, estresse, trauma), seguido de
resposta exacerbada, propagação, culminando em dor neuropática
por ativação neurogênica.São de alta morbidade, causam dor pélvica
crônica e sintomas miccionais, podendo levar a disfunção sexual e
infertilidade, e podem ser classificadas conforme a presença ou não
de bactérias, recorrência e alterações laboratoriais.
Classificação das prostatites, segundo o National Institutes of
Health:
1. Categoria I: prostatite bacteriana aguda;
2. Categoria II: prostatite bacteriana crônica;
3. Categoria III:
a) Prostatite abacteriana crônica;
b) Síndrome da dor pélvica crônica.
4. Categoria IIIa: síndrome dolorosa pélvica infla matória;
5. Categoria IIIb: síndrome dolorosa pélvica não inflamatória;
6. Categoria IV: prostatite inflamatória assintomática.
13.2 PROSTATITE BACTERIANA AGUDA
– CATEGORIA I
13.2.1 Definição
É definida como a infecção aguda da glândula prostática, geralmente
associada a cistite aguda e podendo causar retenção urinária. É
geralmente acompanhada de mal-estar e febre.
13.2.2 Patogenia
As possíveis vias de disseminação das bactérias para a próstata são:
a) Refluxo direto de urina infectada para dentro dos ductos prostáticos;
b) Disseminação linfática por meio do reto;
c) Disseminação hematogênica de sítios distantes;
d) Ascensão a partir da uretra.
13.2.3 Etiologia
Os agentes bacterianos mais comuns são os aeróbios Gram
negativos, principalmente Escherichia coli (80%). Cerca de 10 a 15%
são decorrentes de Pseudomonas, Serratia, Klebsiella e outras
enterobactérias. Os germes Gram positivos, como estreptococos,
estafilococos e enterococos, têm papel indefinido e não é possível
afirmar se eles infectam ou apenas colonizam a glândula.
13.2.4 Achados clínicos
13.2.4.1 Sintomas
O quadro clínico da prostatite bacteriana aguda envolve quadro
agudo de dores na região suprapúbica, nos flancos e no períneo,
febre, calafrios, polaciúria, nictúria, disúria, urgência miccional, dor
ao ejacular e grau variável de obstrução urinária.
13.2.4.2 Sinais
Compõem-se de urina turva e fétida, febre e, ao toque retal, próstata
amolecida e extremamente dolorosa. Hemospermia pode estar
presente, assim como hematúria macroscópica.
13.2.4.3 Exames laboratoriais
Hemograma revela leucocitose, e urinálise revela leucocitúria,
hematúria e bacteriúria. Para complementação diagnóstica,
hemocultura também é útil.
A secreção prostática apresenta muitas bactérias após toque retal, e a
massagem prostática deve ser evitada pela possibilidade de provocar
bacteriemia com sepse e pela dor intensa.
O exame mais importante na investigação de prostatite é a
urocultura do jato médio de urina.
O PSA em geral está elevado na prostatite bacteriana aguda,
retornando a níveis normais após o tratamento.
13.2.4.4 Imagem
A suspeita é clínica. A ultrassonografia pode ser útil para a
confirmação e para o diagnóstico de abscesso prostático.
13.2.5 Complicações
São observadas retenção urinária, prostatite crônica, abscesso
prostático, orquiepididimite, pielonefrite aguda. A complicação mais
grave é a bacteriemia, podendo levar a sepse.
No caso de abscessos prostáticos, se < 1 cm pode ser tratado
conservadoramente, porém, se > 1 cm, a drenagem por aspiração é
mais indicada.
13.2.6 Tratamento
Embora apresentem quadro clínico mais grave, os pacientes
respondem muito bem a antibióticos que se difundem mal do plasma
para a próstata. Acredita-se que o processo inflamatório permita a
difusão das drogas que, normalmente, não têm penetração na
próstata, visto que os antibióticos lipossolúveis, não ionizados e não
ligados a proteínas, são os ideais.
Fluoroquinolonas, cefalosporinas de terceira geração e
aminoglicosídeos podem ser utilizados na dependência do quadro
clínico da prostatite bacteriana aguda, e o uso é recomendado por 2 a
4 semanas.
Medidas gerais, como hidratação, repouso, analgésicos e
antitérmicos, podem ser necessárias.
Quando o paciente com prostatite bacteriana
aguda possui retenção urinária, a
recomendação é a punção suprapúbica,
evitando-se, assim, a manipulação pela via
uretral, o que pode piorar o quadro.
13.3 PROSTATITE BACTERIANA
CRÔNICA – CATEGORIA II
13.3.1 Definição
Trata-se de uma infecção recorrente da próstata, com sintomas de
duração superior a 3 meses. Oscila em intensidade, alternando
períodos de agravamento com períodos assintomáticos. Na
prostatite crônica, ocorrem episódios agudos de infecção do trato
urinário recorrentes em 25 a 43% dos casos, causados por bactérias
semelhantes às da prostatite aguda.
13.3.2 Etiologia
Aeróbios Gram negativos, principalmente Escherichia coli (80%),
seguida de Pseudomonas, Serratia e Klebsiella (10 a 15%), podendo ser
composta por bactérias atípicas.
13.3.3 Patogenia
As possíveis vias de infecção são as mesmas que as da prostatite
aguda e, por vezes, não bem definidas.
13.3.4 Achados clínicos
13.3.4.1 Sintomas
Podem ser variáveis ou não existir, com diagnóstico feito por
alteração em exames de urina, e pelo paciente apresentar sintomas
de infecção urinária, como disúria, dores em diversos locais como
períneo, pênis, escroto e parte interna da coxa, urgência miccional e
dor ao ejacular. A febre é incomum, só ocorrendo na reagudização do
quadro.
13.3.4.2 Sinais
Ao toque retal, a próstata pode estar normal ou amolecida, dolorosa,
com cálculos prostáticos. Pode-se encontrar epididimite secundária
à prostatite crônica bacteriana.
É importante lembrar que, na infecção urinária recorrente, deve-se
suspeitar de prostatite crônica bacteriana.
13.3.4.3 Exames laboratoriais
Achados de leucocitúria, bacteriúria e aumento de leucócitos em
secreção prostática são comuns. Na fase de reagudização, as culturas
de urina podem desenvolver bactérias.
Uma prova importante para diferenciar prostatites crônicas, tanto
bacterianas quanto abacterianas, é a de Stamey-Meares (Figura 13.1).
Figura 13.1 - Teste de Stamey-Meares
Fonte: adaptado de Conventional bacteriology in prostatitis patients: Microbiological bias,
problems and epidemiology on 1686 microbial isolates, 2007.
A prova de Stamey-Meares é importante para identificar a
localização da infecção. Além disso, é utilizada para fazer o
diagnóstico diferencial com uretrites ou outros tipos de prostatites:
1. VB1: coleta dos primeiros 10 mL de urina (amostra uretral);
2. VB2: coleta de urina do jato médio (200 mL, amostra vesical);
3. EPS: massagem prostática e coleta da secreção;
4. VB3: coleta de 10 mL de urina pós-massagem.
Essas amostras devem ser levadas ao laboratório imediatamente,
devendo ser pesquisados leucócitos e bactérias e, se necessário, fazer
cultura.
Geralmente, quando o número de leucócitos no primeiro jato
ultrapassa a quantidade das amostras posteriores, deve-se suspeitar
de uretrite. Caso ocorra o inverso, a prostatite deve ser a suspeita
diagnóstica.
Na prostatite crônica, as provas de cultura são positivas,
principalmente VB2 e VB3, porém não há quadro sistêmico
concomitante.
13.3.5 Tratamento
A resposta a antibióticos também é boa na prostatite bacteriana
crônica, porém com tratamento mais prolongado, com duração de 4
a 12 semanas.
Os antibióticos lipossolúveis são os ideais, e fluoroquinolonas, como
ciprofloxacino ou levofloxacino, são as mais indicadas.
13.4 PROSTATITE ABACTERIANA
CRÔNICA OU SÍNDROME DA DOR
PÉLVICA CRÔNICA – CATEGORIA III
13.4.1 Definição
A prostatite abacteriana crônica, ou Síndrome da Dor Pélvica
Crônica, é a causa mais comum das síndromes de prostatite, de
origem desconhecida. Raramente apresenta complicações, e seu
tratamento é empírico. Podem-se separar os pacientes em 2
categorias: aqueles com sinais de inflamação prostática (categoria
IIIa) e aqueles sem inflamação prostática (categoria IIIb).
O diagnóstico é, habitualmente, confirmado pela exclusão de outras
formas de prostatites.
Os sinais e sintomas da prostatite abacteriana são semelhantes,
muitas vezes, aos da bacteriana (sinais irritativos), porém não se
encontra o agente etiológico. Em pacientes de meia-idade e idade
avançada, deve-se diferenciar de carcinoma in situ de bexiga.
O diagnóstico baseia-se na clínica e nos achados laboratoriais,
principalmente na provade Stamey-Meares.
13.4.1.1 IIIa – Síndrome da dor pélvica crônica inflamatória
Caracteriza-se pela presença de leucócitos no esperma, na secreção
prostática após toque retal ou na amostra de urina pós-massagem
prostática (VB3). As culturas, entretanto, são negativas.
13.4.1.2 IIIb – Síndrome da dor pélvica crônica não inflamatória
Ausência de leucócitos no esperma, secreção prostática ou VB3.
13.4.2 Tratamento
O tratamento é empírico. Utilizam-se antibióticos por 4 semanas,
alfabloqueadores, anti-inflamatórios, fitoterápicos, relaxantes
musculares, faz-se massagem prostática, biofeedback e cirurgia em
casos muito especiais. Na avaliação para a escolha do tratamento,
surgiu em 2009 o conceito de domínios (formado pelo acrônimo
UPOINT), em que cada um aponta para determinado sintoma:
sintomas urinários (Urinary), problemas psicossociais (Psychosocial),
órgão-específico (Organ), infecção (Infection), neurológico
(Neurologic) e dor muscular (Tenderness muscle); todos orientam o
tratamento predominante.
13.5 PROSTATITE INFLAMATÓRIA
ASSINTOMÁTICA – CATEGORIA IV
Os pacientes são assintomáticos, com leucócitos na secreção
prostática ou em tecidos prostáticos obtidos por biópsias.
Habitualmente, tais indivíduos não requerem tratamento, exceto
quando existe elevação no PSA, em que se deseja excluir
adenocarcinoma de próstata, ou em casos de infertilidade.
Prostatite é uma doença
simples e de fácil manejo,
ou complexa e
multifacetada?
A prostatite é um termo genérico para uma patologia de
graus variados de apresentação clínica e sintomatologia, e
com tratamentos muitos distintos para cada caso. Deve ser
abordada de forma global, pois esta doença pode interferir
muito na qualidade de vida do paciente.
Como abordar amplamente
e completamente os
sintomas do trato urinário
inferior? Quais são as
formas de tratamento e
quando indicar cada uma
delas?
14.1 INTRODUÇÃO
A Hiperplasia Prostática Benigna (HPB) é uma entidade definida pela
proliferação (hiperplasia) de células do epitélio e do estroma
prostático, formando tecido nodular adenomatoso. Isso geralmente
provoca aumento do volume da glândula, associado a história clínica
de sinais e sintomas obstrutivos/irritativos, mais comum entre
homens acima dos 45 anos.
14.2 ANATOMIA
A próstata normal de um homem adulto pesa cerca de 20 g e está
localizada inferiormente à bexiga, atravessada pela primeira porção
da uretra e limitada anteriormente pela sínfise púbica e
posteriormente pelo reto. É um órgão constituído de tecido
glandular e um componente de estroma fibromuscular, contendo
músculo liso e tecido conjuntivo.
Figura 14.1 - Limites anatômicos da próstata
Fonte: adaptado de Alexey Blogoodf.
Na glândula normal, há cerca de 30% de componente glandular e
60% de estroma fibromuscular.
O compartimento glandular é constituído de células epiteliais basais
e secretoras, distribuídas em uma estrutura tubuloalveolar. Sua
secreção representa 20% do volume ejaculado e é constituída de
ácido cítrico, frutose, fosforilcolina, espermina, aminoácidos livres,
fosfatase ácida prostática e antígeno específico da próstata.
Deve-se a McNeal a mais completa descrição anatomofuncional da
próstata, que o levou a uma concepção tridimensional do órgão. No
modelo concebido por esse estudioso, 4 regiões anatômicas podem
ser individualizadas (Figura 14.2): zona periférica, zona central,
zona de transição e estroma anterior. A zona periférica constitui
70% da próstata, a zona central, 25%, a de transição, 4%, e o
estroma anterior, 1%. Este último é formado apenas por músculo liso
e tecido conjuntivo, não contendo tecido glandular. A zona periférica
é derivada do seio urogenital e representa o local mais frequente de
aparecimento do câncer, enquanto a zona de transição é o sítio
exclusivo de origem da hiperplasia benigna.
Figura 14.2 - Regiões anatômicas da próstata
Fonte: adaptado de site Anatomía y Fisiología humana.
14.3 ETIOPATOGENIA
O aumento da idade e a presença dos testículos representam as
determinantes mais importantes para o desenvolvimento da HPB.
No início, acreditava-se que o desenvolvimento do quadro resultasse
da produção elevada de testosterona, uma vez que, em homens
castrados antes da puberdade, não se encontravam casos da doença.
Atualmente, acredita-se que o desenvolvimento dessa hiperplasia
resulte da ação de vários mecanismos interativos, em que se
destacam a testosterona, a diidrotestosterona (DHT) e alguns
fatores de crescimento teciduais.
Nos casos de HPB, ocorre aumento de ambos os
componentes da próstata, com predomínio do
crescimento do estroma fibromuscular, que
passa a representar mais de 70% do peso da
glândula.
O estroma fibromuscular, disperso dentro da próstata sob a forma de
septos e presente na cápsula prostática, tem seu tônus regulado pelo
sistema autônomo simpático. Receptores alfa-1-adrenérgicos são
encontrados em abundância no estroma e ao nível do colo vesical, de
modo que a hiperatividade do sistema simpático promove contração
muscular local, com aparecimento de forças centrípetas que tendem
a ocluir a uretra prostática e o colo da bexiga.
O componente glandular, por sua vez, é formado por células
sensíveis às ações da testosterona e de fatores de crescimento. Isso
torna a próstata dependente do eixo hipotalâmico-hipofisário-
gonadal, o que permite que manipulações endócrinas em diferentes
pontos desse sistema interfiram no funcionamento e na proliferação
das glândulas prostáticas. Ao nível das células prostáticas, a
testosterona é transformada em DHT por ação de uma enzima
microssômica, a 5-alfarredutase. A testosterona e, principalmente, a
DHT se ligam a um receptor androgênico específico, e tal complexo
DHT-receptor migra para o núcleo e se fixa em segmentos
específicos das moléculas de DNA, estimulando a transcrição de
genes sensíveis aos androgênios e promovendo, finalmente, a
síntese proteica e a divisão celular.
Nos pacientes com HPB, há aumento de concentração tecidual de
DHT, que, por formar complexos mais estáveis com os receptores
androgênicos, acaba exercendo efeito trófico mais intenso do que a
testosterona sobre a proliferação das células prostáticas. Isso as leva
a secretar fatores de crescimento, que, por meio do mecanismo
parácrino, modulam o crescimento das células epiteliais.
14.4 FISIOPATOLOGIA
O processo de hiperplasia prostática condiciona o aparecimento de
sintomas miccionais, que podem resultar de 3 fenômenos
fisiopatológicos:
a) Um componente estático (efeito mecânico), no qual o aumento
volumétrico da próstata provoca diminuição do calibre e aumento da
resistência uretral, com consequente dificuldade de esvaziamento
vesical;
b) Um componente dinâmico (efeito funcional), representado pela
musculatura lisa presente na cápsula, na glândula prostática e no colo
vesical, em que o aumento da atividade alfa-adrenérgica nas fibras
musculares hipertrofiadas provoca a elevação da resistência uretral;
c) Um componente vesical, decorrente de alterações secundárias à
obstrução produzida pela HPB na musculatura detrusora, traduz-se em
hiperatividade, como resposta ao esforço contínuo na tentativa de
esvaziamento, ou em hipoatividade, como resultante da falência
muscular nas fases mais avançadas da doença.
Cabe salientar que, constantemente, tais fatores atuam
simultaneamente, e a resultante desses componentes, na
dependência da intensidade de suas ações, promove o aparecimento
e a gravidade da sintomatologia vista na HPB.
14.5 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
14.5.1 Sinais e sintomas clássicos
As manifestações clínicas da HPB apresentam intensidade bastante
variável, desde discretos sintomas relacionados ao enchimento ou
armazenamento vesical até os relacionados ao esvaziamento vesical
ou à retenção urinária. Os de esvaziamento decorrem da oclusão
produzida pela próstata hiperplásica e pelo tônus da musculatura
lisa da uretra e do estroma prostático, enquanto os de enchimento
ou armazenamento se devem à disfunção vesical.
Os sintomas relacionados ao esvaziamento vesical ocorrem durante
a micçãoe incluem hesitação para iniciar a micção, diminuição da
força e do calibre do jato, sensação de esvaziamento incompleto da
bexiga, jato intermitente, gotejamento pós-miccional e retenção
urinária aguda. Tais sintomas estão presentes na obstrução
infravesical produzida pela HPB ou podem ser atribuídos a
contrações ineficientes do detrusor.
Já os sintomas relacionados a fase de enchimento vesical ou de
armazenamento são representados por polaciúria, nictúria, urgência
miccional e incontinência de urgência. Parece que esses sintomas
são relacionados à hiperatividade do detrusor em consequência da
obstrução infravesical, embora possam estar relacionados à
presença de resíduo urinário.
Na prática, diferenciar tais manifestações tem algumas implicações
práticas, como a intervenção cirúrgica, que possui melhores
resultados quando as manifestações obstrutivas são predominantes;
quando o quadro irritativo é muito exuberante, deve-se ficar atento
à possibilidade de outras doenças associadas, como disfunções
neurológicas, infecções, litíase vesical e neoplasia de bexiga.
Manifestações clínicas:
1. Sintomas de esvaziamento ou sintomas obstrutivos:
a) Esforço miccional;
b) Hesitação;
c) Gotejamento terminal;
d) Jato fraco;
e) Esvaziamento incompleto;
f) Incontinência paradoxal;
g) Retenção urinária.
2. Sintomas de enchimento, armazenamento ou sintomas de
hiperatividade:
a) Urgência;
b) Polaciúria;
c) Noctúria;
d) Incontinência de urgência;
e) Pequenos volumes de micção;
f) Dor suprapúbica.
Pela grande variação de intensidade desses sintomas e pelo diferente
grau de importância que os autores atribuem a eles, decidiu-se
estabelecer uma pontuação para transformar, em número, a
presença e a intensidade dos sintomas, tornando, desta forma,
uniforme sua valorização. A tabela de pontuação mais utilizada é a
International Prostate Symptom Score (I-PSS), criada em 1991 e
aceita pela American Urological Association (AUA) e pela European
Association of Urology (EAU). Posteriormente, com o apoio da
Organização Mundial da Saúde, foi acrescentada uma nova
avaliação, relacionada à qualidade de vida (Quadro 14.1).
Quadro 14.1 - International Prostate Symptom Score
Legenda: escore – sintomas leves: de 0 a 7; sintomas moderados: de 8 a 19; sintomas
severos: de 20 a 35.
O escore é composto por 7 perguntas sobre os sintomas do paciente,
com notas individuais de 0 a 5. Dependendo da intensidade de cada
sintoma e de acordo com os resultados obtidos, os pacientes podem
ser classificados em:
1. Sintomatologia leve: escore de 0 a 7;
2. Sintomatologia moderada: escore de 8 a 19;
3. Sintomatologia grave: escore de 20 a 35.
É muito importante considerar que os sintomas miccionais na HPB
podem apresentar variação de intensidade em um mesmo paciente e
dependem de múltiplos fatores, como estresse, frio, volume
miccional e uso de medicamentos (simpaticomiméticos,
anticolinérgicos).
14.5.2 Complicações
14.5.2.1 Retenção urinária aguda
Acontece em 2,6% dos pacientes, podendo acometer mesmo aqueles
que apresentem pouca sintomatologia e estando relacionada ao
componente dinâmico da obstrução. O uso de simpaticomiméticos
ou anticolinérgicos, distensão aguda da bexiga (diurese forçada),
prostatite aguda, cálculo vesical ou infarto prostático são fatores que
podem desencadear a retenção urinária aguda.
14.5.2.2 Infecção urinária e prostatite
Surgem em torno de 1% por ano nos pacientes com HPB,
exacerbando os sintomas urinários e, por vezes, desencadeando
retenção urinária. Essas infecções resultam da colonização
prostática ou da presença de urina residual e podem provocar
quadros de bacteriemia.
14.5.2.3 Litíase vesical
Pode surgir (1 a 3%) por estase local ou impossibilidade de eliminar
cálculos migrados dos rins. Os pacientes podem apresentar bloqueio
abrupto do jato urinário e, às vezes, hematúria macroscópica.
14.5.2.4 Insuficiência renal aguda ou crônica
Três por cento dos pacientes com HPB têm lesão renal causada pela
própria obstrução prostática (nefropatia obstrutiva crônica), e, em
metade desses casos, o quadro de hidronefrose se instala de maneira
insidiosa, frequentemente sem manifestações urinárias
importantes. Porém, no importante estudo The Medical Therapy Of
Prostatic Symptoms (MTOPS) não houve aumento da incidência de
insuficiência renal crônica nos pacientes com HPB em relação à
população geral.
14.5.2.5 Hematúria
A hematúria macroscópica surge em poucos pacientes com HPB e se
deve à ruptura de vasos submucosos locais.
14.6 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico inicial deve ser feito por meio de história clínica,
exame físico e exames laboratoriais.
14.6.1 História clínica
É importante avaliar os sintomas prostáticos cara cterísticos da HPB
descritos nas manifestações clínicas (de esvaziamento e
armazenamento ou enchimento) e o I-PSS.
14.6.2 Exame físico
Além do exame físico geral para a avaliação global do paciente, o
exame urológico completo é imprescindível. Devem-se observar a
micção, avaliando seu jato urinário, realizar a palpação do
hipogástrio, para detectar massas ou globo vesical, e realizar o toque
retal. O toque (Figura 14.3) avaliará se a próstata está aumentada de
volume e detectará possíveis nodulações.
No exame digital da próstata, devem ser avaliadas a contração e a
sensibilidade do esfíncter anal, o reflexo bulbocavernoso, as
características prostáticas (volume, consistência, regularidade,
limites, sensibilidade e mobilidade), as vesículas seminais e a parede
retal.
A palpação de uma próstata pequena em um paciente com sintomas
de esvaziamento e enchimento ou armazenamento pode sugerir
crescimento de lobo médio, assim como indivíduos assintomáticos
podem apresentar próstatas aumentadas de volume.
A medida do resíduo urinário pode ser obtida com a passagem de
uma sonda vesical após a micção ou por meio de ultrassonografia
transabdominal (sendo a segunda forma mais indicada pela EAU).
Figura 14.3 - Toque retal
Fonte: adaptado de Blamb.
14.6.3 Exames laboratoriais obrigatórios
1. Exame de urina: investigar a presença de piúria e nitrito (infecção)
e hematúria;
2. Ureia e creatinina: avaliar complicação importante da HPB, a
nefropatia obstrutiva;
3. PSA (antígeno prostático específico): glicoproteína produzida
pelo tecido prostático que pode elevar os seus níveis séricos em
qualquer doença prostática inflamatória ou neoplásica. O valor
normal é abaixo de 2,5 ng/mL para homens com menos de 60 anos e
até 4 ng/mL para os demais.
Tais exames são os preconizados pela Associação Médica Brasileira e
são voltados para a avaliação do paciente na Atenção Básica.
14.6.4 Outros exames não obrigatórios
1. Ultrassonografia: avalia a morfologia do trato urinário, o volume
da próstata (Figura 14.4) e o resíduo pós-miccional. Idealmente a via
preferida é a transretal;
Figura 14.4 - Ultrassonografia de próstata
2. Urofluxometria: método urodinâmico recomendável, que registra,
em gráfico, a curva do fluxo urinário, fornecendo dados como fluxos
máximo e médio e perfil de curva. Tem boa acurácia em detectar
hipofluxo miccional, desde que o volume urinado seja ≥ 150 mL;
3. Uretrocistoscopia: avalia a presença ou não de estenose de uretra,
a extensão da uretra prostática, o aspecto da parede vesical
(trabeculações e divertículos) e observam-se doenças associadas
(cálculos ou tumores vesicais);
4. Urodinâmica: indicada nos casos de Sintomas do Trato Urinário
Inferior (STUI) em pacientes com menos de 50 anos e mais de 80
anos; volume urinário < 150 mL; resíduo pós-miccional > 300 mL;
pacientes sintomáticos com fluxometria normal (≥ 15 mL/s);
pacientes com doenças neurológicas (acidente vascular encefálico
prévio, doença de Parkinson); ou falha após procedimento invasivo
prévio.
14.6.5 Diagnóstico diferencial
Os STUI são inespecíficos e ocorrem em uma grande variedade de
doenças, o que torna necessário lançar mão de exames
complementares para o esclarecimento de tais doenças, que
mimetizam os sintomas da HPB, como pode ser visto a seguir.
Doenças envolvidas no diagnóstico diferencial:1. Uretrais:
a) Estenose de uretra;
b) Uretrite;
c) Divertículo de uretra;
d) Litíase de uretra;
e) Disfunções do esfíncter externo;
f) Dissinergia detrusora esfincteriana;
g) Pseudodissinergia.
2. Prostáticas:
a) Prostatites;
b) Câncer de próstata;
c) Infarto prostático.
3. Vesicais:
a) Disfunções do colo vesical;
b) Cistites específicas;
c) Cistites inespecíficas;
d) Cistite actínica;
e) Litíase vesical;
f) Tumores vesicais superficiais;
g) Tumores vesicais infiltrativos;
h) Tumores vesicais in situ;
i) Hiperatividade vesical.
14.7 TRATAMENTO
A melhor compreensão de sua história natural e dos processos
fisiopatológicos envolvidos tem permitido a mudança dos critérios
para indicação do tratamento. Essas indicações devem ter base no
escore de sintomas e na avaliação clínica, que poderão ser
reforçados, sempre que possível, com parâmetros específicos, como
ultrassonografia e urofluxometria.
A ausência de correlação significativa entre as dimensões da próstata
e a intensidade dos sintomas clínicos torna precária a indicação de
intervenção terapêutica em HPB quando baseada exclusivamente no
volume da próstata.
Há situações em que o tratamento cirúrgico da HPB é absoluto:
retenção urinária, infecção urinária recorrente, cálculo vesical,
hidronefrose ou insuficiência renal, hematúria macroscópica
refratária e sintomas urinários acentuados persistentes após o
tratamento clínico. Por outro lado, há outro extremo, em que as
queixas são discretas e as avaliações clínica e por imagem não
revelam alterações funcionais. Nesses casos, não se indica
tratamento algum, e o paciente é orientado para realizar avaliações
periódicas.
Figura 14.5 - Tratamento
Legenda: ressecção transuretral (RTU); eletrovaporização da próstata (EVP). 
Fonte: elaborado pelos autores.
As opções disponíveis para o tratamento da HPB são: observação e
acompanhamento, tratamento farmacológico e tratamento
cirúrgico.
14.7.1 Observação e acompanhamento
Devem ser anuais e estão indicados a todos aqueles com sintomas
leves e sem complicações (escore de sintomas entre 0 e 7),
associados a mudanças do estilo de vida como: diminuição da
ingesta hídrica à noite, evitar bebidas diuréticas como café ou álcool,
rever uso de medicações etc.
14.7.2 Farmacológico
É indicado aos pacientes com sintomatologia moderada (escore de
sintomas entre 8 e 19), com morbidade mínima e boa aceitação, e
não deve interferir na sua qualidade de vida. Os agentes mais
utilizados são bloqueadores alfa-adrenérgicos, inibidores da 5-
alfarredutase, fitoterápicos (estes não são recomendados) e
inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (IPDE-5).
14.7.2.1 Bloqueadores alfa-adrenérgicos
O impedimento do fluxo urinário resulta do componente dinâmico,
além do componente estático ou mecânico. Esse fator dinâmico
depende da quantidade de estroma, que compreende cerca de 70%
do tecido hiperplásico, e do tônus da musculatura lisa prostática, que
é mediado pela estimulação simpática da musculatura lisa da
próstata por meio de receptores alfa-adrenérgicos. Há 2 subtipos de
receptores alfa-1-adrenérgicos: alfa-1a e alfa-1b. O primeiro é
específico para o tecido muscular prostático, enquanto o segundo é
específico para os vasos sanguíneos.
Os alfabloqueadores seletivos alfa-1 amenizam os sintomas
miccionais, com efeitos sistêmicos de intensidade e frequência
menores. Por isso, são chamados urosseletivos. Mais recentemente
foram criadas as drogas mais urosseletivas, que bloqueiam os
receptores alfa-1a. O maior exemplo é a tansulosina, com mínimos
efeitos vasculares. Os pacientes com sintomas urinários
moderados/severos (pontuação da AUA > 7), que afetam a qualidade
de vida, e os que não aceitam ou não têm indicação absoluta de
cirurgia são candidatos a essa modalidade de terapia.
As contraindicações ao uso dos alfabloqueadores são divididas em
absolutas e relativas:
1. Contraindicações absolutas:
a) Insuficiência renal pós-renal e/ou resíduo vesical elevado, causados
pela HPB;
b) Pacientes com história de hipersensibilidade à droga.
2. Contraindicações relativas:
a) Doença cerebrovascular;
b) História de síncope ou hipotensão postural, principalmente nos
casos de drogas não seletivas;
c) Retenção urinária aguda repetida ou infecção urinária recorrente
atribuída à HPB.
Existem vários alfabloqueadores disponíveis, todos comparáveis
quanto à acurácia no alívio dos sintomas, diferindo na
urosseletividade, na farmacocinética e nos efeitos colaterais. Entre
estes, destacam-se hipotensão postural, astenia, tontura e cefaleia.
Alfabloqueadores disponíveis:
1. Prazosina: atua promovendo a diminuição das pressões arterial e
uretral. Sua vida média é de 4 a 6 horas, e a dose habitual, de 4 a 6
mg, dividida em 2 ou 3 tomadas diárias, aconselhando-se aumento
progressivo da dose inicial. Provoca hipotensão postural acentuada,
podendo levar a síncope; por isso e pela baixa urosseletividade, caiu
em desuso;
2. Terazosina: embora tenha ação similar à da prazosina, tem menor
atividade, mais urosseletividade e efeitos colaterais menos
acentuados. A vida média é de 12 horas, e a dose habitual, de 10 a 20
mg, ao deitar-se, aconselhando-se igualmente um regime de
titulação da dose;
3. Alfuzosina: possui urosseletividade mais elevada do que as drogas
anteriores e, por essa razão, tem menos efeitos colaterais. A vida
média é de 5 horas, e pode ser usada como dose única (10 mg/d) ou
fracionada (2,5 mg, 3x/d). Sua ação na melhoria dos sintomas tem
sido demonstrada, em longo prazo, em vários trabalhos;
4. Doxazosina: tem afinidade elevada pelos receptores alfa-1, e a
vida média é de 20 horas. A dosagem é de 2 a 8 mg, em única dose,
tomada ao deitar-se, ou doses múltiplas com titulação progressiva.
Age favoravelmente com redução da pontuação dos sintomas, e seus
efeitos colaterais são leves, porém quando presentes levam à
descontinuidade da droga;
5. Tansulosina: é o mais moderno e potente bloqueador alfa-1
sintetizado para o tratamento das obstruções prostáticas, com
especificidade para os receptores alfa-1a-adrenérgicos. É usado em
dose diária de 0,4 mg. Apresenta mínimos efeitos vasculares. A taxa
de abandono devido aos efeitos colaterais foi igual à do placebo.
Figura 14.6 - Atuação dos alfabloqueadores
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
A doxazosina e a tansulosina são os alfabloqueadores adrenérgicos
mais usados no Brasil para tratamento da HPB.
14.7.2.2 Inibidores da 5-alfarredutase
A 5-alfa redutase (5AR) é uma enzima altamente lipofílica que
converte, na próstata, a testosterona em DHT. Ela apresenta 2
isoformas: tipos 1 e 2. A 5AR do tipo 2 é encontrada
predominantemente na próstata (98%); já a tipo 1, em todo o
organismo, mas também na próstata e na pele.
A finasterida é um inibidor potente e reversível da 5-alfarredutase
tipo 2. Esse mecanismo inibitório leva à redução do volume
prostático em percentuais variados, sobretudo em portadores de
glândulas acima de 40 g. A administração regular de finasterida por
tempo prolongado (> 6 meses), além da diminuição volumétrica
mencionada, atua beneficamente sobre o quadro clínico, com
melhoria do fluxo urinário e redução do I-PSS. A finasterida,
comprovadamente, diminui o risco de retenção aguda de urina e a
necessidade de tratamento cirúrgico da HPB e é usada na dose de 5
mg/d. Estudos indicam que, quando administrada precocemente,
essa droga é capaz de reverter o processo evolutivo da glândula. Seus
efeitos colaterais ficam restritos à esfera sexual. Em
aproximadamente 12% dos casos, há diminuição da libido, do
volume ejaculado e da capacidade erétil. Tomada por período acima
de 6 a 12 meses, a finasterida promove redução dos níveis
plasmáticos de PSA em cerca de 50%. Por isso, é recomendável que,
para não mascarar o diagnóstico precoce do câncer de próstata, o
PSA seja dobrado em seus valores para interpretação clínica mais
correta. Recentemente, outro inibidor da 5-alfarredutase foi
introduzido, a dutasterida, que atua como inibidor seletivo tipo 1 e
tipo 2. As reações adversas mais frequentes são asmesmas da
finasterida. A dutasterida também reduz os níveis plasmáticos do
PSA em cerca de 50% quando tomada por período mínimo de 6
meses. Não há diferença estatística entre as 2 drogas no sucesso do
tratamento da HPB.
14.7.2.3 Terapia combinada
Recentemente, a terapia concomitante da HPB com alfabloqueador
(tansulosina) e inibidor da 5-alfarredutase (dutasterida) tem sido
considerada relevante pelo fato de combinar o benefício do alívio
rápido dos sintomas dos alfabloqueadores com os benefícios de
longo prazo dos inibidores da 5-alfarredutase, principalmente a
redução dos sintomas de longo prazo, do volume da próstata e dos
riscos de retenção urinária aguda e de cirurgia relacionada à HPB.
Para os homens com sintomas do trato urinário inferior de
intensidade moderada a grave e aumento do volume da próstata
(≥30cm3), a terapia combinada com dutasterida-tansulosina
(Combodart®) propicia um grau significativamente maior de
benefício do que a monoterapia. As terapias combinadas mais
utilizadas são: alfabloqueador + inibidor da 5AR e alfabloqueador +
antimuscarínicos.
14.7.2.4 Fitoterápicos
Os fitoterápicos têm sido utilizados há muitas décadas no
tratamento da HPB, com grande atuação por serem naturais e
desprovidos de efeitos colaterais. Os meios acadêmicos relutam em
aceitar a validade da fitoterapia devido à carência de estudos; outro
problema que torna seu uso menos frequente pela classe urológica é
o fato de muitos produtos preconizados pelas indústrias terem
múltiplos componentes, o que dificulta a compreensão da
farmacocinética. A Serenoa repens tem sido um dos agentes mais
estudados, e as respostas clínicas têm sido positivas, mas não é
recomendada pela AUA e EAU.
14.7.2.5 IPDE-5
Vários estudos comprovam o efeito dos IPDE-5 no tratamento da
HPB. Os prováveis mecanismos de ação são decorrentes dos efeitos
sobre o relaxamento do músculo liso, da proliferação de células
endoteliais, da melhora do fluxo sanguíneo e da atividade sobre os
nervos eferentes prostáticos. Tadalafila 5 mg, 1x/d, está aprovada no
Brasil.
14.7.2.6 Antimuscarínicos
Estão indicados em pacientes com STUI moderados/graves com
predomínio de sintomas de armazenamento. O resíduo pós-
miccional deve ser < 150 mL, caso contrário, uma outra classe de
droga deverá ser associada (por exemplo, alfabloqueadores).
14.7.2.7 Agonista beta-3-adrenérgico
É a classe mais recente introduzida, com a mirabegrona, que atua
como agonista nos receptores beta-3-adrenérgicos vesicais e
promove o relaxamento do detrusor, melhorando os sintomas de
armazenamento.
14.7.3 Cirúrgico
Deve haver indicação nos casos de:
a) Retenção urinária;
b) Infecções recorrentes ou persistentes do trato urinário;
c) Distúrbios anatômicos ou funcionais do trato urinário superior
decorrentes de obstrução prostática;
d) Calculose vesical secundária a obstrução;
e) Hematúria macroscópica recorrente de origem prostática;
f) Insucesso ou impossibilidade de tratamento clínico.
A escolha da técnica cirúrgica deve ter base na experiência do
cirurgião, no estado clínico e no desejo do paciente, no tamanho da
próstata, nas doenças associadas à HPB e na disponibilidade das
técnicas.
14.7.3.1 Incisão transuretral da próstata
Esta é uma opção atraente para pacientes selecionados com
indicação cirúrgica, porém que têm sintomatologia leve ou
moderada e próstata < 30 mg, sem lobo mediano. É realizada por
meio de 2 incisões posteriores (4 a 8 horas). Há controvérsia sobre a
incisão da cápsula prostática, pois esta propicia melhor
desobstrução, mas aumenta as taxas de sangramento. Tal técnica
oferece taxas razoáveis de melhora dos sintomas e da obstrução,
mas por curto período (2 anos, em média).
14.7.3.2 Tratamentos minimamente invasivos
Muitas foram as técnicas desenvolvidas para o tratamento da HPB, a
fim de serem tão eficazes como as prostatectomias, mas com uso de
anestesia local, menor morbidade, menor tempo de internação e
melhor reabilitação. A maioria delas baseia-se no uso de formas
variadas de energia para a destruição do tecido prostático. O
Consenso Internacional de Hiperplasia Prostática Benigna de 2000
classificou tais técnicas em inaceitáveis, aceitáveis com restrição ou
aceitáveis. Dilatação por balão, hipertermia e ultrassonografia de
alta frequência foram considerados métodos inaceitáveis de
tratamento, por seus resultados inconstantes e imprevisíveis, além
da necessidade de múltiplas sessões e a recidiva precoce dos
sintomas. O uso de stent uretral foi considerado aceitável com
restrição, pela falta de evidências científicas de seu benefício. As
técnicas com uso transuretral de micro-ondas (TUMT) e ablação por
agulha (TUNA) foram consideradas métodos aceitáveis de
tratamento. Além de não possibilitar o estudo anatomopatológico da
próstata, nenhuma dessas técnicas ainda alcançou taxas de sucesso
comparáveis às das prostatectomias ou da ressecção transuretral
(RTU), sendo consideradas tratamento alternativo. Há também o lift
de uretra prostática (urolift) e a embolização de artérias prostáticas,
que são inferiores à RTU.
14.7.3.3 Ressecção transuretral da próstata
Atualmente, a ressecção transuretral da próstata (RTUP)
corresponde ao tratamento cirúrgico mais utilizado (mais de 90%),
considerado padrão-ouro devido à sua alta taxa de sucesso e ao fato
de preencher requisitos de técnica minimamente invasiva, pois
possibilita curva de aprendizado rápida com uso de microcâmera,
menor tempo de cateterização vesical com deambulação,
reabilitação e alta precoces, podendo ser utilizada em pacientes de
risco cirúrgico elevado. Há melhora nos sintomas e no fluxo urinário
em cerca de 85% dos operados, e a mortalidade se situa em torno de
2%.
A complicação intraoperatória mais temida da ressecção transuretral
da próstata monopolar é a síndrome de intoxicação hídrica, que
decorre da absorção excessiva, pelo leito prostático cruento, da
solução hipotônica (água destilada, glicina 1,5%, sorbitol 2,7%,
manitol 0,5%, glicose 4%), empregada para irrigação vesical
durante o procedimento.
A síndrome de intoxicação hídrica, principal complicação da RTUP,
ocorre em 2% dos pacientes e é caracterizada por hiponatremia,
confusão mental, náuseas e vômitos, hipertensão arterial,
bradicardia e distúrbios da visão.
Com o advento da técnica bipolar, usando-se soro fisiológico ao
invés de solução hipotônica, a intoxicação hídrica praticamente foi
eliminada, permitindo tratar próstatas maiores endoscopicamente
(antes 80, agora 100 a 120 g).
Outras complicações:
a) Hemorragia perioperatória (10%), com necessidade de transfusão
somente 4%;
b) Perfuração da cápsula (2%);
c) Retenção urinária pós-operatória (7%);
d) Tamponamento por coágulos (5%);
e) Infecção urinária (3%);
f) Ejaculação retrógrada (60%);
g) Disfunção erétil (12%), porém cerca de 30% demonstram melhora
após a RTU;
h) Estenose de colo vesical (3%);
i) Incontinência urinária (1,5%), geralmente transitória.
Cerca de 20% dos submetidos a RTUP necessitarão de nova ressecção
ao longo da vida.
Figura 14.7 - (A) Ressecção transuretral de próstata; (B) e (C) visão endoscópica da
ressecção transuretral da próstata
Figura 14.8 - Ressecção transuretral da próstata
Fonte: acervo Medcel.
14.7.3.4 Vaporização transuretral da próstata
Trata-se de uma variante da RTUP, em que, com uma alça especial,
destrói-se o tecido prostático que é “vaporizado”, dissecado. É uma
técnica que pode ser utilizada em indivíduos com problemas de
coagulação ou naqueles que vão realizar a terapêutica
anticoagulante.
14.7.3.5 Terapia a laser
A terapia a laser GreenLight™, também conhecida por laser verde, é
um tratamento que combina a eficácia do procedimento cirúrgico
tradicional (RTUP) com a vantagem de apresentar menos efeitos
colaterais.
No princípio dos anos 1990, começou-se a utilizar a energia laser
para tratar, por via endoscópica, a HPB, provocando menor perda de
sangue e sendo tão eficaz como a energia elétrica utilizada na
cirurgia endoscópica clássica.
A desvantagem dessa terapia está no fato de possuir um valorelevado para sua realização por conta do elevado custo do
equipamento; hoje, há uma gama maior de aparelhos com custo
menor.
As 2 energias laser atualmente mais utilizadas na cirurgia da
próstata são a de Holmium e a de KTP (Potassium Titanyl
Phosphate). Esta última, também conhecida por GreenLight™ ou
laser verde, é a mais moderna e avançada. Permite a chamada
vaporização fotosseletiva da próstata (PVP – Photoselective
Vaporization of the Prostate), uma técnica de ablação da glândula de
elevadas eficácia e precisão. A cirurgia é feita sob anestesia geral,
epidural ou raquidiana e dura cerca de 2 horas. Uma das maiores
vantagens da utilização do GreenLight™, além da quase ausência de
hemorragias operatórias (permite, inclusive, operar pacientes que
utilizam anticoagulantes), é a baixa taxa de disfunção erétil que
provoca. A incontinência urinária pós-operatória é também muito
rara e, quando ocorre, é geralmente ligeira e transitória.
A única complicação frequente é a ocorrência de sintomas
miccionais irritativos durante algumas semanas, queixa que, em
geral, é bem tolerada. Além disso, não há possibilidade de envio de
material para anatomopatológico.
14.7.3.6 Evaporação plasma button
Nova técnica que, por meio do plasma, provoca a vaporização dos
tecidos. Permite rápida recuperação e redução de vários transtornos
típicos de processos operatórios. Essa nova tecnologia utiliza a
energia elétrica transmitida por um gerador bipolar. Um “bolsão” de
plasma ionizado é criado, o que permite a ressecção, a vaporização e
a hemostasia ao mesmo tempo. Não há necessidade de fio terra; a
energia elétrica está contida no eletrodo, de tal forma que o efeito é
localizado, não havendo passagem de eletricidade pelo paciente.
14.7.3.7 Prostatectomia (aberta, laparoscópica ou robótica)
A prostatectomia aberta é a forma de tratamento com taxas mais
elevadas na melhoria dos sintomas e do fluxo urinário, porém com o
maior índice de morbimortalidade entre todas as técnicas de
tratamento cirúrgico da HPB.
A cirurgia aberta é indicada aos casos de próstatas volumosas (acima
de 80 g, ou 100 a 120 g se considerarmos a técnica bipolar), pelo
aumento nas taxas de complicações da RTUP, e aos pacientes com
contraindicações à RTUP (alterações na bacia que impossibilitam o
adequado posicionamento do paciente e estenose uretral extensa).
Pode ser realizada pela técnica suprapúbica transvesical (técnica de
Freyer) ou retropúbica (técnica de Millin). A primeira (Figura 14.9) é
uma cirurgia consagrada, de fácil aprendizado e que possibilita
ótima abordagem nas próstatas volumosas com lobo médio
proeminente e alterações vesicais concomitantes, como cálculos e
divertículos. Como desvantagens, há a abertura da parede vesical,
que necessita de cateterismo vesical prolongado, com risco de fístula
urinária, e a dificuldade de hemostasia pelo acesso à loja prostática.
A técnica retropúbica possibilita melhor abordagem da loja
prostática, sem necessidade de abertura da parede vesical, porém
com prejuízo ao acesso do lobo mediano e da bexiga.
Complicações mais comuns:
a) Hemorragia (15%), geralmente não necessitando de transfusão;
b) Perfuração da cápsula (1%);
c) Retenção urinária pós-operatória (5%);
d) Fístula urinária (5%);
e) Infecção urinária (5%);
f) Ejaculação retrógrada (65%);
g) Disfunção erétil (3 a 5%);
h) Esclerose do colo vesical (5%);
i) Incontinência urinária (1%).
Figura 14.9 - Prostatectomia suprapúbica transvesical
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Como abordar amplamente
e completamente os
sintomas do trato urinário
inferior? Quais são as
formas de tratamento e
quando indicar cada uma
delas?
Visto que existe uma ampla variedade de técnicas para
tratamento cirúrgico da hiperplasia prostática benigna, é
importante saber quando é o melhor momento para se
indicar e qual técnica é a melhor para cada situação.
Um dos melhores questionários existentes para se avaliar
os sintomas urinários do trato urinário inferior é o
International Prostate Symptom Score (IPSS). IPSS < 7: não
tratar; IPSS entre 8 e 19: iniciar terapia medicamentosa. Se
piora nos sintomas ou não melhora: abordagem cirúrgica
conforme o tamanho prostático (< 30 g: incisão
transuretral da próstata ou ressecção transuretral; 30 a 80
g: ressecção transuretral, enucleação a laser ou bipolar,
vaporização a laser; > 80 g: prostatectomia aberta, HoLEP
etc.).
Como diagnosticar
corretamente a disfunção
erétil? Quais são os
tratamentos e as suas
contraindicações?
15.1 INTRODUÇÃO
A Disfunção Erétil (DE) é a incapacidade persistente em obter e/ou
manter ereção adequada para a atividade sexual satisfatória. A
expressão “disfunção erétil” define com maior precisão a natureza
desse distúrbio sexual do que o termo “impotência”. De acordo com
a intensidade dos sintomas, pode ser classificada em:
1. Leve: de início, há ereção normal durante o intercurso do ato
sexual, e, em seguida, ocorre a perda da rigidez;
2. Moderada: logo após a penetração, percebe-se a perda da rigidez;
3. Grave: não se consegue o enrijecimento para a penetração.
Diversos elementos orgânicos e psicológicos estão envolvidos na
função erétil normal, incluindo fatores vasculares, neurológicos,
hormonais e cavernosos.
15.2 CLASSIFICAÇÃO
1. Orgânica: provocada por lesões ou distúrbios vasculares,
neurológicos, hormonais ou cavernosos;
2. Psicogênica: em decorrência de inibição central do mecanismo de
ereção, sem a participação de componente orgânico;
3. Mista (orgânica/psicogênica): composta pela combinação de
fatores orgânicos e psicogênicos.
De acordo com a International Index of Erectile Function (IIEF-5), a
DE pode ser classificadas com base nas 5 perguntas relacionadas no
Quadro 15.1.
Quadro 15.1 - Perguntas para classificação da disfunção erétil
Nota: em todas as perguntas atribuem-se pontos conforme as respostas: nunca ou quase
nunca (1 ponto); menos da metade das vezes (2 pontos); metade (3 pontos); mais da
metade (4 pontos); quase sempre (5 pontos).
Os resultados serão DE severa (5 a 7 pontos), moderada (8 a 11 pontos); leve a moderada
(12 a 16 pontos); leve (17 a 21 pontos); e DE inexistente (22 a 25 pontos).
15.3 PREVALÊNCIA
Sua incidência aumenta com o envelhecimento, especialmente após
os 40 anos. O painel de consenso do National Institutes of Health
revelou que a DE pode afetar até 30.000.000 de norte-americanos;
52% dos homens relataram algum grau de DE (40 a 70 anos).
15.4 ETIOLOGIA
A maioria dos fatores que afeta a prevalência da DE orgânica
relaciona-se a doenças crônicas, cirurgias, traumas, agentes
farmacológicos, tabagismo e abuso de álcool.
15.4.1 Doenças crônicas
A doença aterosclerótica ocorre em cerca de 56% dos casos de DE em
homens com mais de 50 anos, e 75% dos homens com doença
arterial coronariana têm sintomas de DE. Além disso, a DE ocorre em
cerca de 75% dos pacientes com diabetes e 90% dos homens com
depressão grave.
No diabetes mellitus, essa disfunção normalmente ocorre após 5 a 10
anos de doença. A gravidade da DE está relacionada a controles
glicêmicos insatisfatórios, idade, associação com tabagismo, e de
acordo com o tempo de doença. Estão associadas à DE:
a) Insuficiência renal crônica (45%);
b) Insuficiência hepática (70%);
c) Esclerose múltipla (71%);
d) Doença de Alzheimer (53%);
e) Doença pulmonar obstrutiva crônica (30%).
15.4.2 Drogas
a) Maconha (pode provocar esterilidade), álcool, heroína, cocaína,
barbitúricos;
b) Algumas das seguintes classes:
Anti-hipertensivos;
Vasodilatadores;
Hipoglicemiantes;
Agentes de ação cardíaca;
Antidepressivos;
Antagonistas H2;
Hormônios;
Anti-inflamatórios não hormonais;
Tranquilizantes.
15.4.3 Fator neurológico
Lesões do sistema nervoso central, como acidente vascular cerebral,
esclerose múltipla e trauma raquimedular também podem cursar
com DE. As cirurgias pélvicas, como prostatectomia radical, e
cirurgias oncológicas coloproctológicas também podem ser a causa,
devido a lesão nervosa direta ao feixe vasculonervoso do pênis.
15.4.4 Fator intrínseco peniano
Sequelasde priapismo, Peyronie, traumas penianos e neoplasias.
15.5 FISIOLOGIA DA EREÇÃO PENIANA
Constitui um evento hemodinâmico que envolve fatores dos
sistemas nervosos central e periférico e que é regulado pelo
relaxamento das artérias cavernosas e da musculatura lisa dos
corpos cavernosos, com participação hormonal.
Em uma ereção normal, há processos somatossensitivos, estados
motivacionais na ínsula e a informação sensorial e motivacional no
lobo frontal, que liberam neurotransmissores. O principal deles é o
óxido nítrico, o qual age na musculatura lisa peniana e ativa a
enzima guanilato ciclase, provocando aumento dos níveis de
monofosfato de guanosina cíclico (GMPc), produzindo relaxamento
da musculatura lisa dos corpos cavernosos e permitindo o influxo de
sangue e, consequentemente, a tumescência peniana. Esse aumento
de sangue nas lacunas dos corpos cavernosos, juntamente com a
rigidez da túnica albugínea, comprime as veias, impedindo a
detumescência (mecanismo veno-oclusivo).
A enzima fosfodiesterase-5 (PDE-5), pre sente no
tecido cavernoso, é responsável pela
degradação do GMPc no corpo cavernoso, o que
provoca o retorno do estado flácido do pênis.
Figura 15.1 - Anatomia do pênis
Figura 15.2 - Mecanismo bioquímico da ereção peniana
Legenda: sistema de neurotransmissão não adrenérgico e não colinérgico (NANC). 
Fonte: elaborado pelos autores.
15.6 DIAGNÓSTICO
1. História clínica: elemento importante para a descoberta de fatores
que podem desempenhar algum papel no desencadeamento de
quadros de DE;
2. História sexual: deve ser obtida tanto do paciente quanto do
parceiro ou da parceira sexual, sempre que possível;
3. Exame físico: contribui igualmente para a identificação de fatores
causais ou complementares;
4. Avaliação psicológica: deve ser realizada também como parte da
triagem inicial para determinar se fatores psicossociais estão
relacionados à DE e podem requerer avaliação e/ou tratamento
psicológico;
5. Testes laboratoriais: recomendados para excluir eventuais
quadros de diabetes não diagnosticados ou outras doenças
sistêmicas;
6. Exames radiológicos: a cavernosografia foi um exame muito
utilizado com o objetivo de avaliar, radiologicamente, pela injeção
intracavernosa de contraste, os corpos cavernosos e a drenagem
peniana. Atualmente, sua indicação é restrita aos casos de doença
cavernoso-vaso-oclusiva de origem traumática em candidatos a
cirurgia vascular;
Figura 15.3 - Cavernosografia
Fonte: adaptado de Diagnostyka zaburzeń wzwodu prącia [Diagnóstico de disfunção erétil
peniana (tradução literal)], 1999.
7. Teste de ereção fármaco-induzida: tem por finalidades avaliar o
tecido erétil mediante a injeção intracavernosa de drogas vasoativas,
identificar o fator orgânico por meio de uma resposta negativa ou
parcial e iniciar a titulação da dose, quando o paciente opta pela
terapia intracavernosa. Diferentes drogas podem ser utilizadas,
como papaverina, prostaglandinas, fentolamina, dentre outras. A
reação adversa mais preocupante é a ereção prolongada, que pode
requerer as mesmas medidas necessárias para o tratamento do
priapismo.
Figura 15.4 - Injeção
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
15.7 TRATAMENTO
a) Eliminação dos fatores de risco modificáveis;
b) Aconselhamento e/ou psicoterapia;
c) Medicamentos;
d) Administração de drogas por via transuretral;
e) Aplicação de injeção intracavernosa;
f) Implantação de prótese peniana;
g) Cirurgia venosa/arterial.
15.7.1 Eliminação dos fatores de risco
Evitar o uso de fumo, álcool e drogas; tratar a hipertensão arterial, o
diabetes e as taxas elevadas de colesterol; substituir medicamentos
que prejudiquem a ereção por outros sem tais efeitos colaterais;
promover o controle do peso e a prática de exercícios físicos em
obesos e sedentários; evitar condições de estresse etc.
15.7.2 Aconselhamento e/ou psicoterapia
Os resultados positivos da psicoterapia quanto à melhora da ereção,
nos casos da DE de origem psicogênica, somam 75% dos casos em 6
meses e, ao longo de 3 anos, chegam a 96%.
A média é de 16 sessões, na maioria dos casos. Os pacientes que
fazem terapia de casal evoluem mais rapidamente.
15.7.3 Medicamentos de uso oral
O tratamento da DE com droga por via oral, eficaz e sem efeitos
colaterais, é o ideal tanto para o médico quanto para o paciente. Ao
longo do tempo, diversos medicamentos foram utilizados, todavia
sem apresentar eficiência comprovada.
Os inibidores da PDE-5 (IPDE-5), como o citrato de sildenafila
(Viagra®), a tadalafila (Cialis®), a vardenafila (Levitra®) e o
carbonato de lodenafila (Helleva®), estão bem estabelecidos no
tratamento medicamentoso da DE, na forma diária ou sob demanda.
O primeiro é preferido pela maioria dos pacientes.
Entretanto, como todo medicamento, é necessária uma avaliação
criteriosa do paciente, para estabelecer indicação precisa de seu uso.
Em hipótese alguma o homem deve tentar “experimentar” qualquer
medicação sem orientação médica; a automedicação é sempre
perigosa e deve ser evitada.
Em média, as medicações pela via oral sob demanda devem ser
utilizadas 1 hora antes da relação sexual.
Os efeitos colaterais costumam ser transitórios e de leve intensidade.
Os mais frequentes são cefaleia, rubor facial, epigastralgia e
congestão nasal. Dor lombar e mialgia são mais comuns com
tadalafila.
Todos os IPDE-5 são contraindicados em:
a) Pacientes que sofreram de infarto do miocárdio, acidente vascular
cerebral ou arritmia com risco de vida nos últimos 6 meses;
b) Pacientes com hipotensão de repouso (pressão arterial < 90x50
mmHg) ou hipertensão (pressão arterial > 170x100 mmHg);
c) Pacientes com angina instável, angina com relação sexual ou
insuficiência cardíaca congestiva classificada como classe IV da New
York Heart Association.
A contraindicação absoluta aos IPDE-5 é representada por doentes
que estejam a utilizar qualquer forma de nitrato orgânico
(nitroglicerina, mononitrato de isossorbida e dinitrato de
isossorbida).
15.7.4 Dispositivos de constrição a vácuo
O estado de ereção é obtido por meio de uma pequena câmara de
vácuo, onde é introduzido o pênis. A sucção provocada pelo vácuo
causará o intumescimento dos tecidos penianos.
A ereção artificialmente provocada é mantida por meio de um anel
de borracha colocado na base do pênis, que impede o retorno do
sangue através das veias superficiais do órgão. É um método de
difícil emprego por pacientes sem muita destreza manual. É opção
para pacientes que não suportam a dor das drogas uretrais. Há o
risco de estrangulamento e dificuldade de retirada do dispositivo
devido ao edema.
Dispositivos de ereção a vácuo são contraindicados em pacientes
com distúrbios hemorrágicos ou em terapia anticoagulante. Podem
ser o tratamento de escolha em pacientes mais velhos e bem
informados, com comorbidades e relações sexuais infrequentes,
exigindo tratamento não invasivo e livre de drogas para disfunção
erétil.
Figura 15.5 - Tratamento da disfunção erétil com sistema a vácuo
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
15.7.5 Administração de medicamentos por meio
da uretra
Medicação específica, a prostaglandina alprostadil é introduzida na
uretra por aplicador próprio, que acompanha o medicamento. Então,
é absorvida pela mucosa uretral, relaxando a musculatura lisa e
promovendo a ereção. Estatisticamente, os resultados obtidos são
inferiores aos observados com a injeção intracavernosa, sendo
efetiva em 35% dos casos apenas.
É contraindicada para relação com parceiras grávidas, pois pode
provocar trabalho de parto. O principal efeito colateral é a dor, mas
tem-se a vantagem de não utilizar agulhas.
Os dados clínicos ainda são limitados sobre a utilização desta forma
de utilização da medicação e a administração intrauretral fornece
uma alternativa às injeções intracavernosas em pacientes que
preferem um tratamento menos invasivo, embora menos eficaz.
Figura 15.6 - Dispositivo de aplicação intrauretral
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
15.7.6 Aplicação de medicamentos no interior docorpo cavernoso
A injeção intracavernosa de determinadas drogas tem sido uma
ótima opção de tratamento na falha dos medicamentos orais para a
DE. Prostaglandina, fentolamina, papaverina e clorpromazina são as
principais utilizadas, isoladas ou em associação. A injeção é aplicada
pelo próprio paciente, que deve ser bem orientado e treinado pelo
médico até o perfeito domínio do método. O sucesso do tratamento
varia de 65 a 85%.
O principal efeito colateral é a fibrose dos corpos cavernosos, com
consequente Peyronie; priapismo, dor e hematoma também podem
ocorrer.
Figura 15.7 - Locais adequados para a injeção intracavernosa
15.7.7 Implantação de próteses penianas
Procedimento cirúrgico em que são colocadas estruturas cilíndricas
de silicone no interior dos corpos cavernosos, de modo a promover a
manutenção artificial de um estado de rigidez peniana. A indicação
básica da utilização das próteses penianas são as disfunções eréteis
de origem orgânica e a pacientes que não se adaptam ou não
apresentam resultados satisfatórios com outros métodos menos
invasivos de tratamento. Atualmente, as próteses mais utilizadas são
de 2 tipos, relacionados a seguir.
15.7.7.1 Semirrígidas
Constituídas por 2 cilindros com camadas de silicone que envolvem
filamentos de prata ou de aço inoxidável, permitindo rigidez e
maleabilidade satisfatórias do pênis. Promovem a rigidez
permanente do órgão.
Figura 15.8 - Prótese semirrígida
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
15.7.7.2 Infláveis
Constituídas por 2 cilindros infláveis conectados a um reservatório
de líquido e a uma bomba. O reservatório de líquido pode ser de 2 e 3
volumes. Quando há 2 volumes, ficam na base dos próprios cilindros,
que são introduzidos nos corpos cavernosos, e a pequena bomba,
colocada sob a pele da bolsa escrotal.
O manuseio da bomba promove a insuflação do líquido nos cilindros,
provocando a rigidez do pênis. Na prótese inflável de 3 volumes, o
líquido fica em um reservatório independente, colocado no abdome.
As próteses infláveis, quando não acionadas, permitem que o pênis
assuma um aspecto mais natural de flacidez.
A complicação mais temida é a infecção que pode inviabilizar a
prótese. Outras complicações mais tardias são: insatisfação do
paciente, alterações de sensibilidade ou temperatura do pênis, falhas
mecânicas, fratura da prótese. Acidentes intraoperatórios são
perfuração de uretra ou de corpo cavernoso, erros na medição etc.
Figura 15.9 - Prótese flexível
15.7.8 Cirurgia de implante de prótese semirrígida
Figura 15.10 - Cirurgia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 15.11 - Implante de prótese semirrígida
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
15.7.9 Cirurgias venosas e arteriais
Objetivam restabelecer a perfeita circulação de sangue no pênis, nos
casos em que esta se encontre comprometida, levando à DE. Diversas
técnicas cirúrgicas foram propostas ao longo dos anos. Atualmente,
têm papel limitado no tratamento.
Como diagnosticar
corretamente a disfunção
erétil? Quais são os
tratamentos e as suas
contraindicações?
Para diagnosticar a disfunção erétil é necessário saber a
definição que é a incapacidade persistente em obter e/ou
manter ereção adequada para a atividade sexual
satisfatória. Para o tratamento, um importante fator é a
mudança de estilo de vida e do controle de doenças
crônicas como hipertensão e diabetes, além da obesidade,
sedentarismo e tabagismo.
Como tratamento medicamentoso existem os inibidores da
PDE-5 como principal medicação, tendo importante
contraindicação absoluta pacientes em uso de nitratos.
Além dessa, também podemos citar:
a) Pacientes que sofreram de infarto do miocárdio,
acidente vascular cerebral ou arritmia com risco de vida
nos últimos 6 meses;
b) Pacientes com hipotensão de repouso (pressão arterial <
90 x 50 mmHg) ou hipertensão (pressão arterial > 170 x
100 mmHg);
c) Pacientes com angina instável, angina com relação
sexual ou insuficiência cardíaca congestiva classificada
como classe IV da New York Heart Association.
Caso não seja eficaz o tratamento medicamentoso,
podemos lançar mão do tratamento cirúrgico, que são os
implantes de próteses penianas.
Quais são os reflexos e as
vias do sistema nervoso
responsáveis pela micção?
Que local de uma lesão é
responsável por cada
alteração no ciclo
miccional? Por que devo
saber sobre a
neurofisiologia da micção?
16.1 INTRODUÇÃO
Bexiga neurogênica, também chamada disfunção miccional
neurogênica, refere-se a qualquer anormalidade na função da bexiga
e/ou do esfíncter uretral durante o ciclo miccional causada por uma
doença neurológica.
16.2 CICLO MICCIONAL
Didaticamente, o ciclo da micção é dividido em 2 fases: enchimento
vesical (“fase de armazenamento”) e micção propriamente dita
(“fase de esvaziamento”). Ambas envolvem funções opostas da
bexiga e da uretra. Durante o enchimento vesical, a bexiga deve
permanecer relaxada para permitir o armazenamento de urina sem
aumento da pressão em seu interior, e o esfíncter uretral deve
permanecer contraído, impedindo a perda urinária (Figura 16.1). Por
outro lado, durante o esvaziamento, a bexiga deve manter contração
apropriada e o esfíncter relaxar adequadamente, permitindo, assim,
o esvaziamento vesical completo (Figura 16.2).
Figura 16.1 - Armazenamento da urina pela bexiga
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 16.2 - Bexiga no ato de urinar
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Para uma correta execução dessas funções durante todo o ciclo da
micção, além da integridade do tecido muscular vesical e uretral, é
imprescindível a integridade das estruturas neurológicas que
coordenam esses músculos.
É nesse sentido que as doenças neurológicas podem desencadear
distúrbios no ciclo da micção, que variam de alterações mínimas na
sensibilidade a situações complexas, como dissinergia
vesicoesfincteriana, com comprometimento da função renal.
16.3 CONTROLE NEUROLÓGICO DA
MICÇÃO
O controle neurológico do ciclo miccional faz-se por diferentes
níveis do sistema nervoso central, localizados na medula, na ponte e
nos centros superiores. Além disso, por meio do sistema nervoso
periférico, o aparelho vesicoesfincteriano é inervado por 3 tipos de
fibras: parassimpáticas, simpáticas e somáticas.
16.3.1 Sistema nervoso periférico
A inervação vesical parassimpática origina-se em neurônios
localizados na coluna intermediolateral dos segmentos de S2 a S4 da
medula (centro sacral da micção), sendo conduzida até a bexiga e a
uretra através do plexo pélvico.
O sistema nervoso parassimpático atua principalmente por meio da
liberação de acetilcolina, que estimula receptores muscarínicos na
parede vesical, promovendo a sua contração.
#IMPORTANTE
A integridade do sistema nervoso
parassimpático é essencial para o esvaziamento
e para o enchimento vesicais.
A inervação simpática origina-se em núcleos da coluna
intermediolateral dos segmentos de T10 a L2 e direciona-se à bexiga
e à uretra através do plexo hipogástrico. O sistema nervoso
simpático exerce sua influência sobre o aparelho
vesicoesfincteriano, atuando principalmente na liberação de
noradrenalina em receptores do corpo vesical, da base vesical, da
próstata e da uretra. No corpo vesical, a influência simpática é
inibitória (por receptores beta-adrenérgicos), permitindo o
relaxamento vesical para o enchimento. Além disso, nas bases
vesical, prostática e uretral, a atuação adrenérgica (por receptores
alfa-adrenérgicos) promove contração e aumento da resistência
uretral.
A inervação da musculatura estriada do esfíncter uretral é
predominantemente somática. Origina-se no núcleo de Onuf,
localizado no corno anterior da medula sacral (S2 a S4). Tais
neurônios atingem o esfíncter uretral externo através dos nervos
pudendos.
#IMPORTANTE
A integridade do sistema nervoso somático é
essencial para o mecanismo de continência
urinária voluntária.
16.3.2 Sistema nervoso central
A atividade dos centros medulares é coordenada por centros
superiores através de tratos descendentescefalospinais.
A ponte possui função essencial no mecanismo antagônico de
funcionamento da bexiga e da uretra durante a fase de esvaziamento.
A coordenação entre bexiga contraída e esfíncter relaxado se faz pelo
Centro Pontino da Micção (CPM).
Ainda, centros suprapontinos (CSPs), incluindo córtex cerebral,
cerebelo, gânglios da base, tálamo e hipotálamo, têm atuação
inibitória sobre o CPM, sendo fundamentais para o enchimento
vesical.
Quadro 16.1 - Síntese dos principais centros neurológicos envolvidos no ciclo miccional
16.4 PRINCIPAIS DISFUNÇÕES
MICCIONAIS NEUROGÊNICAS E SEUS
TRATAMENTOS
16.4.1 Hiperatividade detrusora
Durante a fase de enchimento vesical, o detrusor deve permanecer
completamente relaxado. A hiperatividade detrusora é definida na
presença de contrações involuntárias do detrusor durante a fase de
enchimento.
#IMPORTANTE
A hiperatividade detrusora é definida na
presença de contrações involuntárias do
detrusor durante a fase de enchimento.
O objetivo do tratamento da hiperatividade detrusora é reduzir a
contratilidade do detrusor, o que é possível por 3 medidas: drogas
com ação anticolinérgica que bloqueiam receptores muscarínicos,
injeção de toxina botulínica no detrusor e cirurgia de ampliação
vesical (enterocistoplastia). Para minimizar o impacto de possíveis
sintomas de urgência miccional, algumas medidas
comportamentais, como a micção programada, são recomendadas.
Os principais antimuscarínicos disponíveis no Brasil são a
oxibutinina, a solifenacina, a darifenacina e a tolterodina. Essas
drogas atuam bloqueando receptores colinérgicos muscarínicos
localizados no detrusor e, assim, inibem a contratilidade vesical.
Como há também receptores muscarínicos em outros órgãos, como
nas glândulas salivares, no intestino e no sistema nervoso central,
não são raros os efeitos colaterais, como boca seca, constipação e
déficit cognitivo. Os antimuscarínicos são as drogas de primeira
linha para o tratamento, entretanto se observa, com certa
frequência, falha nessa alternativa terapêutica, sendo necessária a
instituição de alternativas invasivas, com a injeção de toxina
botulínica no detrusor ou a enterocistoplastia.
A injeção de toxina botulínica é feita por meio de cistoscopia (Figura
16.3).
A toxina atua na fenda pré-sináptica, impedindo a liberação de
acetilcolina e, consequentemente, reduz a contratilidade do
detrusor. A injeção é realizada em diversos pontos da bexiga acima
do trígono vesical, com efeito temporário e duração média de 6
meses, exigindo, portanto, reaplicações do medicamento.
Figura 16.3 - Injeção de toxina botulínica no detrusor
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
A enterocistoplastia (ampliação vesical – Figuras 16.4, 16.5, 16.6 e
16.7) é executada por meio da anastomose de um segmento
intestinal detubulizado na cúpula da bexiga. O segmento intestinal,
além de impedir a progressão da onda contrátil do detrusor, permite
a acomodação de maiores volumes de urina e um ambiente de baixa
pressão no interior da bexiga.
Figura 16.4 - Bipartição da bexiga
Figura 16.5 - Exclusão do segmento intestinal
Figura 16.6 - Detubulização do segmento intestinal
Figura 16.7 - Confecção de anastomose enterovesical
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
16.4.2 Dissinergia vesicoesfincteriana
Durante a fase de esvaziamento vesical, o esfíncter uretral deve estar
relaxado para que haja esvaziamento vesical satisfatório. Caso haja a
contração do esfíncter concomitantemente com a contração vesical,
caracteriza-se a dissinergia vesicoesfincteriana.
O tratamento da dissinergia vesicoesfincteriana é basicamente
realizado por meio de técnicas de esvaziamento vesical, que incluem
cateterismo vesical intermitente ou cateterismo vesical de demora
(sonda uretral ou cistostomia).
Eventualmente, casos mais leves, nos quais há micção espontânea e
ausência de resíduo pós-miccional, podem ser tratados com
alfabloqueadores (doxazosina e tansulosina).
16.4.3 Arreflexia detrusora
Durante a fase de esvaziamento, a bexiga deve contrair-se para um
adequado esvaziamento. Caso não haja contração vesical,
caracteriza-se a arreflexia detrusora.
O tratamento da arreflexia detrusora é também realizado por
técnicas de esvaziamento vesical, que incluem cateterismo vesical
intermitente ou cateterismo vesical de demora (sonda uretral ou
cistostomia).
O Cateterismo Intermitente Limpo (CIL) é o método mais aceito no
mundo para esvaziamento vesical, com menores taxas de
complicações, como infecções, do que a sondagem de demora
(European Association of Urology – Uroneurologia, 2019).
16.5 DIAGNÓSTICO
1. História e exame físico: história geral, concentrando-se nos
sintomas passados e presentes, além de história urinária, intestinal,
sexual e neurológica. Atenção à possível existência de sinais de
alarme (dor, infecção, hematúria, febre) que justifiquem
diagnósticos específicos adicionais. O exame neurológico deve ser
descrito o mais completamente possível. Sensações e reflexos na
área urogenital devem todos ser testados, assim como funções do
esfíncter anal e do assoalho pélvico;
2. Urodinâmica: investigação urodinâmica é o único método que
pode avaliar objetivamente a função e a disfunção do trato urinário
inferior. Em pacientes neurológicos, a investigação urodinâmica
invasiva é ainda mais desafiadora do que em pacientes gerais.
Qualquer artefato deve ser considerado crítico, pois é essencial
manter a qualidade do exame para sua interpretação. É composta por
3 fases:
a) Urofluxometria: fornece uma primeira impressão da função miccional
e é obrigatória antes do planejamento de urodinâmica invasiva em
pacientes com capacidade de urinar. Possíveis achados incluem baixo
fluxo urinário, volume urinado, fluxo intermitente, hesitação e resíduo
pós-miccional;
b) Cistometria: a bexiga deve estar vazia no início do enchimento e
uma taxa de enchimento fisiológico deve ser usada. Possíveis
achados: hiperatividade detrusora, baixa complacência, sensações
vesicais anormais e incontinência urinária. Existem algumas evidências
de que a capacidade da bexiga < 200 mL e pressões detrusoras acima
de 75 cmH2O são fatores de risco independentes para danos do trato
urinário alto;
c) Estudo do fluxo versus pressão: reflete a coordenação entre o
detrusor e a uretra ou o assoalho pélvico durante a fase de micção.
Possíveis achados: hipoatividade do detrusor, obstrução infravesical,
dissinergia vesicoesfincteriana, alta resistência uretral e resíduo pós-
miccional. A maioria dos tipos de obstrução causada por distúrbios
neurológicos é devido a dissinergia. A análise do fluxo de pressão
avalia principalmente a quantidade de obstrução mecânica causada
pelas propriedades mecânicas e anatômicas inerentes da uretra e tem
valor limitado em pacientes com distúrbios neurológicos.
16.6 DOENÇAS NEUROLÓGICAS E
DISFUNÇÕES MICCIONAIS
Após a compreensão da fisiologia da micção e o entendimento das
principais disfunções miccionais, fica fácil compreender como as
doenças neurológicas podem acarretar disfunções miccionais
previsíveis.
Doenças suprapontinas, como o acidente vascular cerebral, a doença
de Parkinson e os tumores cerebrais, levam à interrupção da inibição
do CPM, e, consequentemente, a disfunção miccional mais provável
é a hiperatividade detrusora, geralmente com preservação da
atividade esfincteriana e algum grau de diminuição da sensibilidade
vesical. Doenças neurológicas localizadas abaixo da ponte e acima do
centro sacral da micção, como trauma raquimedular suprassacral e
mielites, provocam interrupção do centro pontino da micção e do
centro suprapontino, portanto, além de hiperatividade detrusora,
acarretarão também dissinergia vesicoesfincteriana. Doenças que
acometem a medula sacral, como o trauma raquimedular sacral e a
síndrome “da cauda equina”, causam a interrupção do centro sacral
da micção e, consequentemente, a arreflexia detrusora.
Como se vê, o conhecimento da neurofisiologia da micção permite
predizer a disfunção miccional mais provável apresentada por um
pacientecom doença neurológica. Entretanto, outros fatores, como
lesões associadas, multiplicidade de lesões e doenças preexistentes,
podem induzir a padrões miccionais diferentes do esperado para
determinada doença, tornando a investigação urodinâmica de suma
importância para portadores de bexiga neurogênica. A investigação
urodinâmica permite analisar o armazenamento, o transporte e a
eliminação da urina, documentar a causa dos distúrbios miccionais,
estabelecer os critérios prognósticos e selecionar tratamentos para
os portadores de bexiga neurogênica.
16.6.1 Mielodisplasias
A principal causa de bexiga neurogênica na infância são as
mielodisplasias, conhecidas como defeitos do fechamento do tubo
neural (mielomeningocele, lipomeningocele), intimamente
relacionadas à carência de folatos nas primeiras semanas de
gestação.
Figura 16.8 - Mielomeningocele
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
A disfunção miccional produzida por essa condição varia com as
estruturas envolvidas pela patologia, e o exame físico não fornece
informações suficientes para definir o prognóstico ou para inferir o
grau de disfunção vesical. O exame urodinâmico é importante para
determinar o comportamento vesicoesfincteriano, dirigindo o
tratamento e ajudando a estabelecer o prognóstico.
Nos primeiros anos de vida, a preocupação do urologista deve ser
impedir episódios de infecção urinária e deterioração vesical e do
trato urinário superior. A investigação urodinâmica permite avaliar
as crianças que requerem tratamento, variando desde a associação
de cateterismo intermitente limpo para esvaziamento vesical
associado a medicações anticolinérgicas até derivações urinárias,
como a vesicostomia.
A preocupação com o controle da continência urinária ocorre a partir
da idade escolar. Procedimentos como ampliação vesical podem ser
indicados para pacientes que apresentam resposta inadequada ao
tratamento conservador, com necessidade de melhora da capacidade
e complacência vesical. Em geral, com a ampliação vesical
restaurando a função de reservatório associada a drenagens
periódicas com cateterismo intermitente, obtém-se continência
urinária. Entretanto, algumas crianças cursam com função
esfincteriana reduzida, sendo necessário associar procedimento
cirúrgico para incremento da resistência uretral, como sling
aponeurótico em meninas ou esfíncter artificial em meninos.
16.6.2 Trauma raquimedular
Na década de 1950, complicações urológicas como insuficiência
renal e sepse urinária eram as principais causas de mortalidade entre
os lesados medulares, perfazendo cerca de 50% dos óbitos. Com a
melhor compreensão da fisiopatologia das disfunções miccionais, o
aumento da disponibilidade da investigação urodinâmica e o início
precoce de cateterismo intermitente limpo, tal cenário mudou.
Estudos recentes demonstram que a mortalidade por complicações
urológicas é de aproximadamente 10 a 15%.
O aumento da pressão vesical associado a esvaziamento vesical
insatisfatório predispõe à dilatação do trato urinário superior, a
infecções urinárias de repetição e à obstrução funcional dos ureteres,
podendo comprometer a função renal.
O objetivo principal no manejo urológico do
paciente com trauma raquimedular é a
preservação da função renal. Secundariamente,
procura-se a obtenção da continência urinária,
permitindo melhor readaptação à sociedade.
O objetivo principal no manejo urológico do paciente com trauma
raquimedular é a preservação da função renal. Secundariamente,
procura-se a obtenção da continência urinária, permitindo melhor
readaptação à sociedade.
Imediatamente após a lesão medular, estabelece-se uma condição
denominada “choque medular”, que se refere à abolição repentina
de diversas influências inibitórias e excitatórias sobre os
motoneurônios da medula, resultando em estado de hipoatividade,
flacidez e arreflexia, com consequente retenção urinária. O choque
medular dura, em geral, de 2 a 6 semanas, podendo perdurar por até
6 meses. Portanto, antes desse tempo não se deve realizar o estudo
urodinâmico. Após essa fase, estabelece-se o padrão miccional
definitivo. Em geral, lesões suprassacrais cursam com perda do
controle voluntário da micção, secundária à hiperatividade
detrusora, e dissinergia vesicoesfincteriana. Como a contração do
detrusor ocorre simultaneamente à contração do esfíncter uretral,
são geradas no interior da bexiga elevadas pressões que predispõem
a hidronefrose, refluxo vesicoureteral, pielonefrites de repetição e
insuficiência renal. Por outro lado, lesões sacrais interrompem o
centro sacral da micção e cursam mais frequentemente com
arreflexia detrusora.
16.6.2.1 Abordagem urológica inicial
Até o paciente ser estabilizado hemodinamicamente, insere-se um
cateter vesical de demora, garantindo esvaziamento vesical e
monitorização da diurese. Após a estabilização hemodinâmica,
inicia-se o cateterismo vesical intermitente, pelo menos 4 vezes ao
dia.
Os intervalos entre os cateterismos são ajustados de forma a não
ultrapassar volumes maiores do que 500 mL, podendo ser mudados
para intervalos maiores, de acordo com a diurese ou se houver
perdas urinárias nos intervalos. A ingestão de líquidos deve ser
ajustada a fim de evitar diurese abundante.
Vários estudos demonstraram vantagens do CIL no tratamento em
longo prazo do trauma raquimedular (TRM). Ele permite o
esvaziamento rítmico da bexiga sob baixa pressão, ao contrário de
modalidades previamente adotadas, como as manobras de Credé
(compressão manual da região suprapúbica) e de Valsalva (hoje
proscritas), que atuam pelo aumento da pressão vesical até que esta
supere a pressão uretral. Além disso, possibilita o esvaziamento
vesical completo, evitando urina residual e reduzindo a
probabilidade de alcançar o volume limite para deflagrar contrações
involuntárias, bem como a exposição da bexiga e do trato urinário
superior a elevadas pressões. O CIL também é superior à sondagem
de demora, por ter menores taxas de infecção.
16.6.2.2 Abordagem urológica em longo prazo
O tratamento das disfunções miccionais secundárias ao TRM não
deve basear-se apenas em dados clínicos, mas também em
laboratoriais, radiológicos e urodinâmicos. A sintomatologia é
imprecisa como indicadora do padrão vesicoesfincteriano e das
complicações urológicas. Exames laboratoriais incluem urinálise,
urocultura e avaliação da função renal. Exames radiológicos incluem
ultrassonografia de vias urinárias, com o intuito de investigar a
dilatação do trato urinário superior e os cálculos urinários.
A investigação urodinâmica constitui a melhor alternativa para
estudar funcionalmente o aparelho vesicoesfincteriano. Além disso,
permite investigar critérios de mau prognóstico e alto risco de lesão
do trato urinário superior, como dissinergia vesicoesfincteriana e
altas pressões intravesicais.
Pacientes com TRM podem apresentar algum grau de recuperação
neurológica por vários meses após o trauma em decorrência de
regeneração da lesão, portanto medidas irreversíveis, como a
enterocistoplastia, devem ser evitadas antes de 1 ano de trauma. O
estudo urodinâmico deve ser feito pelo menos 6 meses após o
trauma.
16.6.2.3 Opções ao cateterismo intermitente
Pacientes com disfunção miccional caracterizada por arreflexia
detrusora são os candidatos ideais para o cateterismo intermitente
limpo.
Pacientes com disfunção miccional
caracterizada por arreflexia detrusora são os
candidatos ideais para o cateterismo
intermitente limpo.
Geralmente, esse tratamento isolado garante todos os objetivos do
tratamento (preservação da função renal e continência urinária). Por
outro lado, pacientes com padrão de hiperatividade detrusora
requerem, além do cateterismo intermitente, o uso de medicações
antimuscarínicas, a fim de reduzir a contratilidade do detrusor. Nos
casos refratários aos antimuscarínicos, a injeção de toxina botulínica
pode ser boa opção.
O CIL apresenta baixa taxa de adesão em pacientes mais velhos,
principalmente se o procedimento necessitar da ajuda de um terceiro
(por exemplo, pacientes tetraplégicos).As complicações são:
bacteriúria assintomática (que não deve ser tratada), infecções de
urina (incidência menor que outros métodos, porém se estiverem
aparecendo com certa frequência, a técnica do paciente deverá ser
revisada); e sangramento, dor e estenose de uretra podem ocorrer. A
falta de motivação do paciente, falta de destreza manual e de apoio
familiar podem ser problemáticos. O custo das sondas também é um
fator limitante, caso a família não consiga pelo Sistema Único de
Saúde.
Entre os refratários a antimuscarínicos e toxina botulínica,
especialmente quando associados a altas pressões detrusoras e
déficit funcional do trato urinário superior, a ampliação vesical deve
superar o problema. Assim como em crianças com
mielomeningocele, no caso de baixa resistência uretral, pode ser
necessária a associação de sling em mulheres ou esfíncter artificial
em homens.
16.6.2.4 Não candidatos a cateterismo intermitente
Este grupo inclui tetraplégicos, deficientes mentais ou pacientes que
se recusam ao método.
O cateter vesical de demora é um método alternativo que garante a
função vesical sob baixa pressão e seu esvaziamento completo.
Entretanto, apresenta morbidade elevada, associada a litíase vesical,
infecções de repetição, transformação neoplásica da bexiga e
complicações uretrais (estenose e fístula).
Especificamente entre pacientes do sexo masculino com arreflexia
detrusora e baixa resistência uretral, a utilização da manobra de
Credé associada a coletor externo do tipo Uripen® hoje está
proscrita por aumento da incidência de lesões aos rins. Se o padrão
for hiperatividade detrusora associada a dissinergia
vesicoesfincteriana, a opção será a esfincterotomia (incisão total do
esfíncter por via endoscópica) associada a coletor externo do tipo
Uripen®. Apesar de tal alternativa acarretar incontinência urinária e
necessitar de revisões regulares, a função renal é preservada, por
garantir baixa resistência ao enchimento vesical.
Mulheres não candidatas a cateterismo intermitente e homens com
patologias uretrais não candidatos a cateterismo intermitente e que
apresentam elevadas pressões detrusoras com risco de lesão do trato
urinário superior são mais bem tratados com a ileovesicostomia.
Em tal procedimento, exclui-se um segmento de alça intestinal,
executa-se anastomose dessa alça na bexiga e deriva-se para pele,
criando uma urostomia incontinente. Assim, propicia-se a saída de
urina a baixas pressões em um coletor externo.
16.6.3 Acidente vascular encefálico
O efeito sobre o ciclo miccional depende do grau, do tamanho e da
localização da lesão. Cerca de 20 a 50% dos acometidos apresentarão
disfunção miccional. O padrão mais comum é a hiperatividade
detrusora, relacionada a incapacidade do córtex cerebral de inibir a
contratilidade detrusora, com sinergia vesicoesfincteriana.
Clinicamente, ocorre incontinência urinária em cerca de 50% nas
primeiras 2 semanas após o acidente vascular encefálico. Após 6
meses, há remissão da incontinência urinária em 80% dos casos.
Na faixa etária dos acometidos, inúmeras são as causas de
disfunções miccionais, como hiperplasia prostática, incontinência
urinária de esforço, demência e diabetes mellitus, sendo, portanto,
essencial a investigação urodinâmica para um correto diagnóstico.
Além disso, o exame urodinâmico deve ser repetido sempre que
houver alteração no quadro clínico ou falha no tratamento.
O tratamento se faz basicamente com anticolinérgicos com ação
antimuscarínica e, mais recentemente, nos casos refratários, com
injeção de toxina botulínica no detrusor.
16.6.4 Doença de Parkinson
Mais da metade dos portadores apresenta disfunção miccional. O
padrão mais comumente observado é a hiperatividade detrusora pela
perda de impulsos inibitórios da substância negra ao CPM. Além
disso, em semelhança ao acometimento de outros grupos
musculares, pode causar bradicinesia do esfíncter externo e,
consequentemente, obstrução infravesical.
A investigação urodinâmica é essencial para o correto diagnóstico e o
planejamento terapêutico. Drogas anticolinérgicas são usadas para
tratar hiperatividade detrusora. Alfabloqueadores e, até mesmo, a
instituição de cateterismo intermitente podem ser necessários no
caso de obstrução infravesical.
16.6.5 Esclerose múltipla
Cerca de 80% dos portadores apresentarão, em alguma fase de sua
doença, disfunção miccional. O padrão mais comum é a
hiperatividade detrusora (de 50 a 90% dos casos). Destes, 30 a 65%
apresentarão dissinergia vesicoesfincteriana associada. Arreflexia
detrusora é encontrada em cerca de 20 a 30%.
Trata-se de uma doença que geralmente apresenta evolução
progressiva, e, paralelamente, podem ocorrer alterações no padrão
da micção. Portanto, além da investigação urodinâmica inicial, o
exame deve ser repetido sempre que houver alteração clínica e a cada
2 anos naqueles que mantiverem quadro clínico inalterado.
O tratamento segue o padrão das disfunções miccionais. Entre os
pacientes com hiperatividade detrusora, antimuscarínicos e toxina
botulínica são alternativas. Aqueles com dissinergia
vesicoesfincteriana podem ser tratados com alfabloqueadores, caso
não haja resíduo pós-miccional, senão a instituição de cateterismo
se fará necessária. Indivíduos com arreflexia detrusora, por sua vez,
requerem método de drenagem, como cateterismo intermitente ou
cateter vesical de demora.
16.6.6 Neuropatia periférica diabética
Disfunção miccional secundária a neuropatia diabética ocorre cerca
de 10 anos ou mais após o início da doença. Classicamente,
caracteriza-se por alteração na sensibilidade vesical, aumento do
intervalo miccional, esforço miccional, podendo até mesmo evoluir
para retenção urinária. Outro achado comum é a hipocontratilidade
detrusora.
O exame urodinâmico permite o correto diagnóstico da disfunção
miccional e a instituição terapêutica. Pacientes com padrão de
arreflexia detrusora necessitam de cateterismo vesical intermitente,
ao passo que aqueles com hiperatividade detrusora se beneficiam de
antimuscarínicos.
Quais são os reflexos e as
vias do sistema nervoso
responsáveis pela micção?
Que local de uma lesão é
responsável por cada
alteração no ciclo
miccional? Por que devo
saber sobre a
neurofisiologia da micção?
O aparelho vesicoesfincteriano é inervado por 3 tipos de
fibras: parassimpáticas, simpáticas e somáticas.
A integridade do sistema nervoso parassimpático é
essencial para o esvaziamento e para o enchimento
vesicais. A integridade do sistema nervoso somático é
essencial para o mecanismo de continência urinária
voluntária.
Há doenças que podem levar à bexiga neurogênica, sendo
fundamental distingui-las. Doenças suprapontinas, como
acidente vascular cerebral, doença de Parkinson e tumores
cerebrais, levam à interrupção da inibição do centro
pontino da micção, e, consequentemente, a disfunção
miccional mais provável é a hiperatividade detrusora.
Doenças neurológicas localizadas abaixo da ponte e acima
do centro sacral da micção, como trauma raquimedular
suprassacral e mielites, provocam interrupção do centro
pontino da micção e do centro suprapontino; portanto,
além de hiperatividade detrusora, acarretarão também
dissinergia vesicoesfincteriana. E doenças que acometem a
medula sacral, como o trauma raquimedular sacral e a
síndrome “da cauda equina”, causam a interrupção do
centro sacral da micção e, consequentemente, arreflexia
detrusora.
Qual é a definição de
bexiga hiperativa? Como
chegar ao diagnóstico e
como proceder o
tratamento?
17.1 INTRODUÇÃO
A Bexiga Hiperativa (BH) é caracterizada como uma síndrome que
cursa com urgência miccional associada ou não a urgeincontinência,
geralmente acompanhada de aumento da frequência urinária e
nictúria (aumento da frequência urinária à noite), sem causa local
(infecção urinária, neoplasia ou litíase vesical etc.) ou metabólica.
Fisiopatologicamente, a BH decorre de
contrações involuntárias do músculo detrusor
durante a fase de enchimento vesical, também
conhecida como hiperatividade detrusora.
Fisiopatologicamente, a BH decorrede contrações involuntárias do
músculo detrusor durante a fase de enchimento vesical, também
conhecida como hiperatividade detrusora.
A BH pode afetar ambos os sexos em qualquer faixa etária, e a
incidência cresce com o aumento da idade. Estima-se que a
prevalência global seja de 16%. Cerca de 56% das mulheres entre 40
e 50 anos são acometidas. A presença de incontinência urinária de
urgência é observada em cerca de 1 terço dos casos, com predomínio
entre mulheres.
Figura 17.1 - Bexiga hiperativa
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
17.2 DIAGNÓSTICO
17.2.1 Anamnese
O diagnóstico é essencialmente clínico.
A queixa de urgência miccional (desejo repentino de urinar difícil de
ser adiado) é determinante para o diagnóstico de BH. A urgência
miccional frequentemente provoca aumento no número de micções,
com diminuição do volume urinário (polaciúria).
O número de micções é variável durante o dia, porém sofre
interferência do clima e da ingestão hídrica.
Na avaliação inicial, é essencial coletar dados que afastem outros
diagnósticos potencialmente responsáveis pelos sintomas, como
infecção urinária, obstrução infravesical, neoplasia e litíase vesical.
A definição de BH deixa explícita a condição de não haver causa local
identificável que possa ser responsável pelos sintomas.
Portanto, questionamentos como a presença de disúria, hematúria,
dor hipogástrica, jato urinário fraco, hesitação e gotejamento
terminal são essenciais. Sintomas relacionados a possíveis doenças
neurológicas, como tremores, alterações de marcha, redução de
força e sensibilidade nos membros, perda do equilíbrio e déficit
cognitivo, devem ser pesquisados. Especificamente em mulheres, é
necessário também pesquisar incontinência urinária de esforço, que
pode estar associada à urgeincontinência. Doenças bastante
prevalentes, como diabetes, acidente vascular encefálico e
insuficiência cardíaca, podem alterar o padrão miccional e devem ser
interrogadas. Por fim, é importante relembrar que medicamentos
frequentemente utilizados pela população podem afetar direta ou
indiretamente o trato urinário, como diuréticos, sedativos,
hipnóticos e alfabloqueadores.
17.2.2 Exame físico
Em geral, o exame físico é completamente normal, entretanto sua
realização é essencial para afastar doenças relacionadas aos
sintomas. Em homens, o exame digital da próstata e a presença de
globo vesical sugerem obstrução infravesical como causa dos
sintomas miccionais. Em mulheres, o exame ginecológico permite
avaliar o assoalho pélvico e mostrar distopias dos órgãos pélvicos,
atrofia genital e vulvovaginites. Pode-se demonstrar, ainda, perda
urinária ao teste de esforço.
17.2.3 Diário miccional
O diário miccional é um formulário preenchido pelo próprio
paciente, no qual são anotadas informações sobre seu
comportamento e sintomas miccionais. Não existe um formulário-
padrão estabelecido, mas de modo geral deve ser dividido em
períodos diurno e noturno, conter anotações sobre a frequência de
micções, episódios de incontinência e eventos associados à perda
urinária, como esforço ou sensação de urgência. O volume de cada
micção e a ingestão hídrica devem ser anotados, bem como o
número de proteções (absorventes/fraldas/forros).
O diário miccional deve ser preenchido durante um período de 3 a 7
dias, consecutivos ou não. É interessante observar que informações
colhidas durante a anamnese variam substancialmente das obtidas
com o diário miccional. A explicação para tal fato é que, diante de
uma pergunta direta, o paciente tem poucos segundos para
responder com precisão. A ansiedade gerada na consulta, aliada ao
desconforto causado pelo distúrbio miccional, pode estimular
respostas excessivas. Ao fazer anotação no papel, a atenção sobre os
sintomas aumenta, e as queixas subjetivas são transformadas em
dados mensuráveis.
A análise exclusiva de 2 dados do diário miccional, volume urinado e
frequência das micções, pode sugerir relação com determinadas
condições clínicas, relacionadas a seguir.
1. Frequência aumentada e volumes normais: caracterizam poliúria,
habitualmente provocada por aumento na ingestão de líquidos ou
eventualmente causada por doenças metabólicas;
2. Volumes normais ao despertar e reduzidos durante o dia: não
há necessidade de despertar durante a madrugada se a bexiga
acumula volume normal. Sugerem-se, portanto, causas
psicossomáticas de polaciúria;
3. Volumes e frequência normais durante o dia e maiores à noite:
caracterizam a poliúria noturna, maior volume de urina eliminada nas
horas destinadas ao sono. Pode estar associada a insuficiência
cardíaca, anormalidades na liberação de hormônios antidiurético e
natriurético ou ser idiopática;
4. Frequência aumentada e volumes reduzidos: caracterizam
polaciúria compatível com BH.
17.2.4 Exames laboratoriais
Frequentemente, não se pode assegurar a ausência de fatores causais
apenas pelos dados de anamnese, exame físico e diário miccional,
surgindo a necessidade de afastar outras doenças antes de
estabelecer o diagnóstico.
A urinálise é um exame de baixo custo, capaz de fornecer
informações relevantes, e pode detectar hematúria, leucocitúria,
proteinúria, glicosúria, cetonúria e nitrito. A urocultura com
antibiograma deve ser realizada para afastar infecção urinária como
causa dos sintomas miccionais. Em indivíduos jovens, saudáveis e
sem antecedentes familiares importantes, análises sanguíneas
podem ser dispensáveis. Para todos os outros, hemograma
completo, dosagem de ureia, creatinina e glicemia são úteis para
descartar distúrbios metabólicos e da função renal.
17.2.5 Exames de imagem
Exames de imagem são indicados em casos selecionados, quando há
suspeita de doenças que possam causar sintomas miccionais, dentre
elas hiperplasia prostática benigna, neoplasia ou cálculo vesical,
prolapso genital e outras.
A ultrassonografia é um método eficaz para avaliar a bexiga, sua
parede interior, sua capacidade e seu formato, bem como estimar o
resíduo urinário pós-miccional. Permite, também, avaliar o
tamanho da próstata, bem como sua conformação.
17.2.6 Exame urodinâmico
O exame urodinâmico é o mais completo para a investigação
funcional do trato urinário inferior.
Grande parte das pacientes com diagnóstico clínico de BH não
necessita da investigação urodinâmica, que deve ser indicada na
presença de doença neurológica, resíduo pós-miccional elevado,
cirurgia prévia do trato urinário inferior e no caso de falha do
tratamento empírico da BH. Na maioria dos pacientes, está indicado
tratamento empírico da BH como teste terapêutico, pois 20% dos
pacientes podem apresentar exame normal, não excluindo BH em
exames sem alterações (International Continence Society).
Os achados urodinâmicos compatíveis com BH são urgência
sensitiva (caracterizada pela vontade de urinar sem que haja
aumento na pressão intravesical), bem como hiperatividade
detrusora (caracterizada por contrações involuntárias do detrusor na
fase de enchimento vesical).
São indicações de exame urodinâmico na bexiga hiperativa:
a) Doença neurológica associada;
b) Resíduo pós-miccional elevado;
c) Cirurgia prévia do trato urinário inferior;
d) Refratariedade ao tratamento empírico instituído.
17.2.7 Cistoscopia
A cistoscopia deve ser realizada nos casos de hematúria ou quando
há a suspeita de neoplasia vesical. Vale lembrar que o carcinoma in
situ de bexiga se manifesta clinicamente com sintomas vesicais
irritativos, muito semelhantes à síndrome da BH.
17.3 TRATAMENTO
A primeira linha de tratamento da BH envolve medidas
conservadoras, como medidas comportamentais e reabilitação do
assoalho pélvico. A associação desses 2 tratamentos parece ser mais
efetiva do que cada um isoladamente, em especial entre mulheres.
Em caso de refratariedade a essas medidas iniciais, terapias de
segunda linha, como drogas antimuscarínicas, e terceira linha, como
injeção de toxina botulínica no detrusor, neuromodulação sacral e
ampliação vesical, podem ser opções adotadas.
17.3.1 Terapia conservadora
17.3.1.1 Medidas comportamentaisConjunto de ações que incluem mudanças de hábitos, de dieta e de
comportamento diante dos sintomas da BH.
Há evidências que sugerem evitar bebidas alcoólicas, gaseificadas ou
com cafeína. Reduzir a ingestão de líquidos no período noturno ajuda
a controlar a nictúria.
Combate ao sedentarismo, à obesidade e ao tabagismo também é
uma medida importante. A constipação intestinal deve ser tratada,
pois se sabe da influência que a impactação fecal pode ter no
funcionamento do trato urinário inferior.
Treinamento vesical é uma técnica de micção programada com
objetivo de tentar urinar antes de atingir o volume vesical que
desencadeie urgência.
17.3.1.2 Reabilitação do assoalho pélvico
A contração dos músculos do assoalho pélvico inibe de modo reflexo
a contração detrusora, além de aumentar a pressão uretral. O
objetivo inicial dos exercícios do assoalho pélvico é conscientizar o
paciente sobre o funcionamento correto da musculatura,
demonstrando as funções de contração e relaxamento. As técnicas
mais utilizadas são os exercícios pélvicos e a eletroestimulação.
Apesar de não haver grandes evidências do sucesso dessa terapia, a
ausência de efeitos colaterais, o baixo custo e a possibilidade de
associação a medicação oral tornaram a reabilitação do assoalho
pélvico a medida de primeira escolha no tratamento da BH, junto
com as medidas comportamentais.
17.3.1.3 Medicação oral
Em última análise, o estímulo a receptores muscarínicos pós-
ganglionares do detrusor pela acetilcolina é o que causa a contração
vesical.
Anticolinérgicos que bloqueiam tais receptores
muscarínicos inibem a contratilidade detrusora
e são os medicamentos mais utilizados na BH (a
segunda linha de tratamento).
São reconhecidos 5 tipos de receptores muscarínicos (M1 a M5), e, na
bexiga, encontram-se os tipos M2 e M3, sendo o último o mais
importante para a contração da bexiga. Outros órgãos, como as
glândulas salivares, lacrimais, sudoríparas, o intestino e o sistema
nervoso central, são ricos em receptores muscarínicos, o que
justifica possíveis efeitos adversos dessas medicações, como boca
seca (xerostomia), constipação intestinal e déficit cognitivo.
A oxibutinina foi a primeira medicação antimuscarínica utilizada em
grande escala. Age em receptores M1, M3 e M4 e apresenta
propriedades anestésicas e antiespasmódicas. Seu principal efeito
adverso é a xerostomia, e pode ocasionar alterações cognitivas, em
virtude da passagem da barreira hematoencefálica, o que restringe
sua utilização em idosos.
A tolterodina apresenta ação mais intensa no detrusor do que nas
glândulas salivares, porém boca seca é, ainda assim, um comum
efeito adverso. Apresenta resultados comparáveis à oxibutinina.
A solifenacina apresenta ação predominante em receptores M2 e M3.
A darifenacina atua em receptores M3 e, por apresentar baixa
penetração na barreira hematoencefálica, apresenta menos chance
de déficit cognitivo em idosos.
Recentemente foi aprovada, pelo Food and Drug Administration e
pela Anvisa, a mirabegrona, um agonista beta-3-adrenérgico. Ela se
liga a esse receptor do detrusor, causando relaxamento vesical. Pode
ser usada na forma isolada ou associada a antimuscarínicos. O efeito
colateral mais comum é a hipertensão arterial (7,5%). Não há
evidências de que quaisquer dessas drogas sejam superiores umas às
outras.
17.3.2 Outras terapias
17.3.2.1 Toxina botulínica
A toxina botulínica, recentemente aprovada para uso intravesical, é
considerada a terceira linha de conduta no tratamento da BH e deve
ser indicada na falha do tratamento conservador e medicamentoso.
São aplicadas 100 UI de toxina botulínica por meio de cistoscopia em
diferentes pontos da bexiga (20 a 30 aplicações), evitando-se o
trígono. A resposta costuma ser satisfatória, porém os efeitos são
reversíveis em torno de 6 meses. A reaplicação pode ser feita com
segurança. As complicações mais comuns são contratilidade
detrusora e retenção urinária, exigindo cateterismo intermitente
após o procedimento.
17.3.2.2 Neuromodulação
Consiste no estímulo de raízes nervosas com eletrodos colocados por
punção percutânea no forame sacral, ao longo do trajeto de S3,
ligados a um gerador instalado no subcutâneo. A princípio, instala-
se um gerador externo como fase de teste, antes da colocação do
eletrodo definitivo no subcutâneo. Porém, o custo elevado limita seu
uso. Sua vantagem é ter um efeito mais duradouro que a toxina
botulínica.
Figura 17.2 - Implante de eletrodo na raiz sacral e gerador no subcutâneo
17.3.2.3 Ampliação vesical
É a última escolha nos casos de BH refratária com severo impacto na
qualidade de vida. Os resultados são razoáveis, mas podem surgir
complicações, como excesso de muco na urina, formação de cálculos
no reservatório e retenção urinária.
Hoje raramente é usado na BH, reservado apenas para os casos de
hiperatividade relacionados à baixa complacência vesical ou
diminuição do tamanho vesical, secundários à bexiga neurogênica.
Qual é a definição de
bexiga hiperativa? Como
chegar ao diagnóstico e
como proceder o
tratamento?
A bexiga hiperativa é caracterizada como uma síndrome
que cursa com urgência miccional associada ou não a
urgeincontinência, geralmente acompanhada de aumento
da frequência urinária e nictúria, sendo seu diagnóstico
essencialmente clínico.
O tratamento de primeira linha se faz com alteração de
estilo de vida com mudanças comportamentais e
reabilitação do assoalho pélvico. Como segunda linha do
tratamento, são usados os anticolinérgicos que bloqueiam
os receptores muscarínicos e inibem a contratilidade
detrusora – são os medicamentos mais utilizados na
bexiga hiperativa.
Incontinência urinária:
como diferenciar os
subtipos? Quais são os
tratamentos e qual é a
melhor forma/sequência de
tratamentos a instituir?
18.1 INTRODUÇÃO
A International Continence Society (ICS) define a incontinência
urinária como toda perda involuntária de urina. Três tipos são
clinicamente reconhecidos:
1. Incontinência Urinária de Esforço (IUE): definida como a perda
involuntária de urina durante esforço ou exercício, ou ao tossir ou
espirrar;
2. Incontinência Urinária de Urgência (IUU) ou urgeincontinência:
é a perda de urina precedida de urgência miccional, geralmente
associada a polaciúria e noctúria;
3. Incontinência Urinária Mista (IUM): quando se associam ambos os
tipos de incontinência.
Está demonstrado que qualquer tipo de incontinência urinária causa
grande impacto na qualidade de vida de seus portadores, alterando o
convívio social, familiar e sexual. A prevalência da IUE em mulheres
adultas varia de 15 a 35%. Essa variação da prevalência pode ser
parcialmente explicada pelos diferentes tipos de questionários
aplicados, pelas amostras populacionais distintas e pela falta de
uniformização nas definições dos sintomas. A prevalência da
incontinência significativa, que se define como tendo 1 ou mais
episódios semanais de perda urinária, situa-se entre 5 e 8% da
população com incontinência. No estrato etário acima dos 60 anos,
as mulheres apresentam probabilidade 2 vezes superior aos homens
de terem incontinência, e, em populações de idosos
institucionalizados, pode atingir até 80%.
18.2 ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO
Atribui-se classicamente a IUE a alterações da pressão de
fechamento uretral. Estas podem ocorrer por disfunção esfincteriana
ou por alterações da posição e da mobilidade do colo vesical e da
uretra proximal. Essas 2 causas podem coexistir, e há, atualmente, a
crença de que, na maioria das mulheres incontinentes, exista algum
grau de disfunção esfincteriana independentemente da presença ou
não de hipermobilidade do colo vesical.
As causas exatas que levam à hipermobilidade e à disfunção
esfincteriana não são claramente estabelecidas, mas é fato que essas
alterações ocorrem com maior frequência entre mulheres com
antecedentes obstétricos, especialmente naquelas que tiveram
partos vaginais, partos traumáticos (uso de fórcipe e episiotomia).
Uma série de outros fatores pode interferir na integridade do
assoalho pélvico edo esfíncter urinário e incluem alterações
teciduais (qualidade de colágeno, deficiência estrogênica), idade,
peso corpóreo, características familiares e/ou genéticas, aumento
crônico da pressão intra-abdominal (comuns entre as portadoras de
doença pulmonar obstrutiva crônica e obesidade), entre outros.
Estudos recentes apontam para um paralelismo entre idade e
diminuição da densidade das células musculares lisas na uretra e a
sua substituição por adipócitos e células do tecido conjuntivo;
quando o volume das células substituídas chega a determinado
limite, a função esfincteriana passa a ser comprometida, podendo
surgir a incontinência. Tanto os fatores esfincterianos quanto as
alterações da estática e da dinâmica do assoalho pélvico tendem a
agravar-se após a menopausa e com o envelhecimento, fase em que
se observa nítido aumento da incidência de prolapsos dos órgãos
pélvicos e das incontinências urinária e fecal.
Há ainda doenças que, com as alterações descritas, podem contribuir
para a incontinência por alterações neurológicas, como diabetes
mellitus, hérnias discais, doença de Parkinson, acidentes vasculares
cerebrais, demências senis etc.
Os fatores envolvidos na gênese da IUE são
múltiplos e podem ter origem no aparelho
urinário, no assoalho pélvico e no sistema
neurológico, além de influências hormonais,
psicológicas e, algumas vezes, iatrogênicas.
Os fatores envolvidos na gênese da IUE são múltiplos e podem ter
origem no aparelho urinário, no assoalho pélvico e no sistema
neurológico, além de influências hormonais, psicológicas e, algumas
vezes, iatrogênicas.
18.2.1 Mecanismos de sustentação uretral
18.2.1.1 Fáscia endopélvica
A fáscia endopélvica recobre o músculo levantador do ânus (Figura
18.1) e se insere lateralmente no arco tendíneo (visão superior da
pelve). Esse é o espessamento da fáscia endopélvica que se estende
do arco púbico até a espinha isquiática de cada lado. É o local de
fixação da porção horizontal das fáscias pubocervical e do septo
retovaginal.
18.2.1.2 Suporte uretral
O suporte da uretra depende da integridade da fáscia pubocervical,
dos ligamentos pubouretral e uretropélvico e das conexões da vagina
e dos tecidos periuretrais aos músculos e fáscias do assoalho pélvico
(Figura 18.1). É a inserção lateral da fáscia endopélvica no seu arco
tendíneo que sustenta a uretra e a bexiga. Em suma, as estruturas
descritas, as porções mediais dos músculos levantadores do ânus, a
fáscia endopélvica e seu arco tendíneo formam o sistema de suporte
da uretra.
18.2.2 Mecanismos de sustentação das vísceras
pélvicas
O hiato do levantador é o espaço entre os feixes musculares de cada
lado da pelve e permite a passagem da uretra e da vagina para o
períneo. A placa do levantador é dinâmica, alterando
constantemente sua tensão e ajustando-se às alterações da pressão
intra-abdominal, além de estar no plano horizontal da junção
anorretal ao cóccix. Sobre ela se apoiam a bexiga, os 2 terços
superiores da vagina e o reto. Assim, com o aumento da pressão
abdominal, as vísceras são empurradas contra a placa contraída dos
levantadores. Isso, juntamente com a contração da musculatura do
hiato do levantador, impede o prolapso genital. Os músculos
levantadores do ânus recebem inervação dos nervos sacrais dos
segmentos S2 e S4 em sua face pélvica. A face perineal recebe a
inervação dos ramos do nervo pudendo.
Figura 18.1 - Mecanismos de sustentação uretral
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
18.2.3 Mecanismos de continência urinária
A continência urinária pode ser dividida, também, do ponto de vista
da inervação dos mecanismos de continência uretral:
18.2.3.1 Mecanismo proximal
Durante o enchimento vesical, a musculatura lisa entre o detrusor e
o anel trigonal se contrai e fecha o colo vesical. Durante a micção,
essas fibras são responsáveis pelo afunilamento do colo vesical. A
contração é mediada por fibras alfa-adrenérgicas do sistema
simpático do nervo hipogástrico (fibras de T11 a L2).
18.2.3.2 Mecanismo de continência do terço uretral médio
O mecanismo de continência do terço uretral médio é o principal, em
que predomina o componente estriado (rabdoesfíncter).
O mecanismo de continência do terço uretral
médio é o principal, em que predomina o
componente estriado (rabdoesfíncter).
O rabdoesfíncter é constituído por 2 porções: fibras musculares de
contração lenta (tipo I), responsáveis pelo tônus basal uretral, e
fibras de contração rápida (tipo II), responsáveis pela contração
reflexa quando ocorre o aumento da pressão abdominal.
18.2.3.3 Mecanismo de continência intrínseco
É composto de 4 elementos: mucosa uretral, submucosa uretral,
tecido elástico de parede uretral e envoltório muscular liso
periuretral. As fibras elásticas contribuem com o reforço passivo ao
fechamento uretral, que é perdido com o tempo e com a diminuição
da ação estrogênica, piorando, principalmente, após a menopausa.
Quadro 18.1 - Mecanismos de continência urinária
18.3 AVALIAÇÃO
18.3.1 Anamnese
A história clínica de pacientes com incontinência urinária é
extremamente importante. As características dos episódios de
perdas urinárias devem ser investigadas para que se possa
caracterizar o tipo (IUE, IUU ou IUM).
Pacientes com perdas exclusivas aos esforços são diferenciados
daqueles com urgência miccional e urgeincontinência urinária, estes
últimos característicos da bexiga hiperativa.
Pacientes com perdas exclusivas aos esforços
são diferenciados daqueles com urgência
miccional e urgeincontinência urinária, estes
últimos característicos da bexiga hiperativa.
Diversos outros dados devem ser obtidos na história e incluem a
severidade das perdas, necessidade de uso de absorventes,
interferência do problema na qualidade de vida, antecedentes
obstétricos e ginecológicos, doenças neurológicas prévias ou
concomitantes, uso de medicações, cirurgias pélvicas extirpativas,
antecedente de radioterapia, status hormonal e tratamentos
anteriores para incontinência urinária.
É importantíssimo ressaltar a necessidade e o valor do uso do diário
miccional em pacientes com incontinência urinária e disfunções
miccionais. Esse instrumento deve ser preenchido por um período de
3 a 7 dias e traz informações fundamentais para o entendimento das
dimensões da incontinência e, mais do que isso, permite identificar
problemas que não são passíveis de diagnóstico de qualquer outra
forma. O diário miccional torna queixas subjetivas em dados
objetivos e permite quantificar reclamações como polaciúria,
nictúria, episódios de urgência e de perdas urinárias. A avaliação
precisa do volume miccional diurno e noturno, por sua vez, permite
o diagnóstico de poliúria, que, muitas vezes, pode confundir o
médico que trata pacientes com sintomas miccionais e incontinência
urinária.
Outro ponto fundamental na anamnese é a avaliação do impacto dos
sintomas na qualidade de vida. Estudos mostram que essa avaliação,
quando realizada pelo médico, tende a subestimar a intensidade dos
sintomas em relação à percepção da paciente. Tendo isso em vista,
foram desenvolvidos vários questionários de sintomas e qualidade
de vida que podem ser utilizados na prática clínica.
18.3.2 Exame físico
O exame físico também traz informações preciosas para o
diagnóstico e o planejamento terapêutico. Comprovação das perdas
urinárias, avaliação da presença e quantificação de prolapsos
genitais e nível de estrogenização da mucosa genital devem ser
obrigatoriamente averiguados.
O exame neurourológico básico, que inclui avaliação das
sensibilidades perineal e anal, do reflexo bulbocavernoso e do tônus
do esfíncter anal, permite ter ideia da integridade das vias
neurológicas responsáveis pela inervação dos órgãos e do assoalho
pélvico.
Portanto, o exame físico deve incluir exame abdominal (aumento do
volume vesical ou das massas abdominais/pélvicas), exame perineal,
exame digital da vagina ou do reto, avaliação da situação estrogênica
da mulher e avaliação da contração voluntária dos músculos do
assoalho pélvico.
18.3.3 Padtest
Consistena aferição do peso das proteções (forros, fraldas) e é
utilizado principalmente como ferramenta de estudos clínicos,
permitindo detecção e quantificação de perda urinária sem definir a
causa da incontinência. A International Continence Society cita o
padtest como ferramenta opcional de investigação na avaliação de
rotina de incontinência urinária.
18.3.4 Urina I
A urina I e a urocultura devem ser realizadas em
todos os pacientes, a fim de excluir
anormalidades como hematúria, piúria etc.
A urina I e a urocultura devem ser realizadas, e não se deve tratar
bacteriúria assintomática em pacientes idosos a fim de aliviar a
incontinência urinária.
18.3.5 Avaliação do resíduo pós-miccional
Recomendado na avaliação inicial de incontinência urinária e no
seguimento após tratamento, pode ser mensurado por
ultrassonografia ou cateterismo vesical e deve ser avaliado várias
vezes, devido à variação que pode ocorrer.
18.3.6 Avaliação urodinâmica
18.3.6.1 Estudo urodinâmico
O estudo urodinâmico é um exame urológico que avalia o
comportamento e funcionamento da bexiga, nas fases de
enchimento e esvaziamento, além da função do esfíncter urinário.
Está indicado para pacientes com sintomas urinários e incontinência
urinária refratários ao tratamento e para a avaliação de pacientes
com doenças neurológicas ou para melhor caracterizar a patologia
de indivíduos antes de procedimentos cirúrgicos urológicos. Trata-
se de um exame com duração de 30 a 60 minutos, indolor, que
consiste na introdução de uma sonda na bexiga, através da uretra, e
outra sonda no reto. Essas sondas têm sensores que medem a
pressão. O exame está dividido em 3 componentes: o primeiro
consiste em uma fase de enchimento vesical lento, com soro
fisiológico (através de um cateter vesical), e a concomitante
avaliação das pressões intravesical (através de um transdutor de
pressão presente no mesmo cateter vesical) e intra-abdominal
(cateter intrarretal) e na medição de um eventual fluxo urinário
(urofluxômetro). Em seguida (cistometria), obtêm-se, durante a
fase miccional (em que é pedido ao paciente para urinar), curvas de
pressão/fluxo, em que se tem a relação entre as pressões
intravesicais e o fluxo urinário. O terceiro componente, a
perfilometria uretral, permite avaliar a pressão de encerramento do
esfíncter uretral por meio de um transdutor colocado na
extremidade de um cateter que percorre a uretra à medida que é
recolhido (está em desuso nos dias de hoje para prática corriqueira).
Figura 18.2 - Componentes do estudo urodinâmico
Durante a cistometria, quando houver perda urinária, um dos
parâmetros avaliados é a pressão de perda (pressão intravesical sob
esforço que acarreta perda urinária). Se essa pressão for menor do
que 60 cmH2O, sugere-se IUE por defeito esfincteriano. Se for maior
que 90 cmH2O, provavelmente a IUE é por hipermobilidade do colo
vesical, e o esfíncter uretral está íntegro. Valores intermediários
sugerem associação de lesões e devem ser avaliados juntamente com
a história clínica do paciente.
O papel da avaliação urodinâmica na investigação de pacientes com
IUE vem sendo amplamente debatido nos últimos anos. Esse debate
passou decorrer da inconsistência de resultados dos estudos que
avaliaram a vantagem de realizar urodinâmica previamente ao
tratamento da IUE.
Certamente, a aquisição de conhecimentos sobre a fisiologia e
fisiopatologia da incontinência urinária e das disfunções vesicais
deve-se, em grande parte, aos estudos com o emprego da
urodinâmica desenvolvidos nas últimas 3 décadas. Por ser a única
forma de avaliação da dinâmica vesical e esfincteriana, é lógico
imaginar que a sua utilização traga informações importantes sobre
as disfunções uretrovesicais e, por consequência, facilite a tomada
de decisão sobre a terapêutica a ser instituída. Como mencionado,
alguns autores sustentam que a decisão baseada em urodinâmica
não interfere positivamente nos resultados dos tratamentos
instituídos para pacientes com IUE. Outros estudos demonstraram
que a urodinâmica é útil e pode melhorar os resultados da
terapêutica instituída.
Sabe-se que a hiperatividade detrusora é um fator de risco de
insucesso entre pacientes com IUM quando submetidos a tratamento
cirúrgico da IUE. Outros fatores de risco, identificáveis pela
urodinâmica, são a disfunção esfincteriana intrínseca (baixas
pressões uretrais de fechamento ou baixas pressões de perda sob
esforço) e o déficit de contratilidade do detrusor na fase de
esvaziamento vesical. Neste último caso, o risco que se coloca é a
dificuldade de esvaziamento vesical, resíduo pós-miccional ou
retenção urinária pós-operatória.
18.4 TRATAMENTO
No caso de IUM, o componente da hiperatividade deve ser tratado
primeiramente.
No caso de IUM, o componente da
hiperatividade deve ser tratado primeiramente.
O tratamento da IUE pode ser feito com medicamentos, fisioterapia
do assoalho pélvico ou cirurgia.
Além dos tratamentos com medicamentos, fisioterapia do assoalho
pélvico e cirurgia, é importante lembrar o tratamento conservador,
pois é necessário ver o paciente como um todo e agir em todos os
fatores que possam contribuir para a incontinência urinária, bem
como tratar constipação e estimular mudanças no estilo de vida
(mudança de hábitos alimentares e prática de exercício físico
contribuem para reduzir o peso; cessar o tabagismo; diminuir
ingesta hídrica e de cafeína).
18.4.1 Fisioterapia pélvica
A fisioterapia visa à melhora da função muscular do assoalho pélvico
e pode ser realizada com diversas técnicas terapêuticas. Utiliza-se a
cinesioterapia com ou sem o auxílio de biofeedback, a
eletroestimulação e os cones vaginais.
Apesar de não existirem estudos consistentes de longo prazo
avaliando o impacto da fisioterapia pélvica em mulheres com IUE, a
reabilitação do assoalho pélvico é considerada a primeira linha de
tratamento, principalmente por ser uma técnica minimamente
invasiva e isenta de efeitos adversos.
O tratamento fisioterápico requer comprometimento da paciente na
sua execução, bem como na continuidade dos exercícios por longo
período para a manutenção dos resultados benéficos.
A cinesioterapia consiste em exercícios para o fortalecimento do
assoalho pélvico. Representa uma opção simples e de baixo custo que
objetiva aumentar a resistência uretral e melhorar os elementos de
sustentação do assoalho pélvico. Os índices de cura variam de 50 a
70%. A utilização de aparelhos que informam ao paciente, por meio
de sinais visuais ou sonoros (biofeedback), qual músculo ou grupos
musculares estão sendo utilizados em cada exercício, permite a
conscientização dessa função muscular. Tais informações
proporcionam a aprendizagem pela autocorreção de maneira natural
e intuitiva.
A eletroestimulação é realizada por meio da inserção de eletrodos
vaginais e/ou retais, que, estimulados eletricamente, acarretam
estimulação de fibras nervosas aferentes do nervo pudendo. Tal
estimulação ativa a musculatura esquelética do assoalho pélvico,
além de inibir contrações involuntárias do detrusor.
Os cones vaginais atuam estimulando o recrutamento de fibras
musculares e melhorando a propriocepção da musculatura pélvica. A
pressão intra-abdominal, com o cone alojado no interior da vagina,
tende a expulsá-lo do canal vaginal, promovendo um feedback
sensorial. Essa percepção estimula a contração dos músculos ao
redor do cone na tentativa de mantê-lo no local.
18.4.2 Medicamentoso
É feito com o uso de medicamentos que aumentam o tônus da
musculatura lisa uretral. Drogas com ação adrenérgica
(alfaestimulante) podem promover elevação da pressão de
fechamento uretral e trazer benefícios. Sabe-se, entretanto, que os
resultados clínicos com o uso desses fármacos são pobres e não
isentos de efeitos adversos. Hoje, já em desuso, drogas como a
fenilpropanolamina, a efedrina e a pseudoefedrina já foram
utilizadas com esse fim e proporcionaram resultados bastante
inconsistentes.
Recentemente, foi introduzido no mercado europeu um fármaco
com a finalidade de aumentar a pressão de fechamento uretrale
tratar pacientes com IUE. Esse medicamento, denominado
duloxetina, é um antidepressivo e tem o efeito de estimular o núcleo
medular responsável pela inervação do rabdoesfíncter (núcleo de
Onuf). Esse estímulo provoca elevação do tônus uretral e da sua
pressão de fechamento. Ensaios clínicos desenhados e desenvolvidos
para avaliar a efetividade da duloxetina demonstraram melhora
clínica moderada em pacientes com IUE.
Cerca de 40% dos pacientes relataram melhoras, porém 66%
descontinuaram a droga pelos efeitos colaterais ou ineficácia do
tratamento.
1. Antimuscarínicos: atualmente são a base do tratamento para
incontinência urinária de urgência. São medicações dessa classe:
oxibutinina, tolterodina, solifenacina. Boca seca é o efeito colateral
mais comum, embora constipação, visão turva, fadiga e disfunção
cognitiva possam ocorrer. Oferecer para paciente na qual o tratamento
conservador falhou;
2. Beta-3-agonista adrenérgico: o mirabegrona é o primeiro beta-
agonista clinicamente disponível, desde 2013. Os adrenorreceptores
beta-3 são os receptores beta predominantes expressos nas células
musculares lisas do detrusor e acredita-se que sua estimulação induza
o relaxamento do detrusor. Pode ser utilizado se o paciente apresentou
muitos efeitos colaterais aos antimuscarínicos ou se não respondeu ao
tratamento conservador;
3. Duloxetina: aumenta o tônus de repouso e a força de contração do
esfíncter estriado uretral, porém causa efeitos colaterais
gastrintestinais e no sistema nervoso central importantes, levando a
uma alta taxa de descontinuação do tratamento, embora esses
sintomas sejam limitados às primeiras semanas de uso;
4. Estrogênio tópico: o tratamento vaginal (local) é usado
principalmente para tratar os sintomas da atrofia vaginal em mulheres
pós-menopausa.
18.4.3 Cirúrgico
Classicamente, a incontinência urinária por hipermobilidade
uretrovesical foi tratada com a recolocação do colo vesical e da uretra
proximal na sua posição anatômica (retropúbica). As cirurgias de
colpofixação abdominal ou vaginal têm o objetivo de corrigir a
distopia ou a hipermobilidade do colo vesical, e mais de 1 centena de
variações técnicas foram propostas com essa mesma finalidade. As
mais conhecidas e utilizadas incluem as colpofixações abdominais
de Marshall-Marchetti-Krantz e de Burch, as colpofixações vaginais
de Kelly e as suspensões endoscópicas de Stamey-Pereira, Gittes e
Raz. Muitas dessas técnicas foram abandonadas devido aos maus
resultados em médio e longo prazos.
A disfunção esfincteriana intrínseca pode ser tratada com as
cirurgias de suporte uretral com faixas (slings), injeções suburetrais
de substâncias de preenchimento ou com o implante de esfíncter
urinário artificial. As injeções suburetrais de colágeno, gordura,
pasta de silicone, carbono pirolítico ou qualquer outro material de
preenchimento proporcionam baixos índices de cura e estão restritas
a situações específicas de IUE.
Os slings, propostos no início do século 20, popularizaram-se no
meio urológico no final da década de 1970. Até a década de 1990, os
slings eram confeccionados com materiais autólogos, como fascia
lata ou aponeurose do músculo reto abdominal. Apesar de os
autólogos apresentarem altas taxas de sucesso, no final da década de
1990, Ulmsten propôs o uso do sling sintético, colocado sob a uretra
média, e revolucionou o tratamento da IUE. Anteriormente
utilizados apenas para os casos de incontinência urinária severa e
por lesão esfincteriana, os slings passaram a ser utilizados para todos
os tipos de IUE, com resultados excelentes e duráveis. A introdução
do sling sintético tornou a cirurgia mais simples e rápida, com
uniformidade de resultados em todo o mundo.
Atualmente, os slings sintéticos de uretra média são a escolha para o
tratamento da IUE, por representarem uma técnica simples, de
rápidas execução e aprendizagem e alto índice de sucesso.
Os slings sintéticos podem ser implantados pela via retropúbica ou
transobturatória. Esta última, proposta recentemente por Delorme,
tem a vantagem de evitar a passagem de agulhas pelo interior da
pelve, reduzindo o risco de complicações como a perfuração de vasos
e vísceras abdominais. Estudos randomizados comparando as vias
retropúbica e transobturatória demonstraram que as taxas de
sucesso de ambas as técnicas são comparáveis; o que as diferencia
são as complicações. A via retropúbica está associada a maior índice
de complicações geniturinárias, incluindo perfuração vesical,
retenção urinária, obstrução infravesical e urgeincontinência pós-
operatória. Por outro lado, a via transobturatória está mais associada
a dor crônica pós-operatória, em virtude do acometimento do nervo
obturador (localizado no interior do forame obturador).
Figura 18.3 - Sling suburetral sintético por via retropúbica
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 18.4 - Sling suburetral sintético por via transobturatória
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Quadro 18.2 - Comparação entre slings sintéticos por via retropúbica e trans obturatória
Legenda: retropúbica (RP) e transobturatória (TO).
# PERGUNTA AÍ
Gostaria de saber quais as indicações para cada tipo de sling
(transobturatório, retropúbico) usados no tratamento da
incontinência urinária de esforço.
Mulheres sem melhora suficiente com tratamento inicial e/ou
utilização de pessários uterinos devem ser avaliadas para terapia
cirúrgica. Para as mulheres que desejam um tratamento mais
rápido e definitivo e que estejam dispostas a aceitar os riscos da
cirurgia, o sling (uma opção cirúrgica minimamente invasiva)
oferece maiores taxas de sucesso do que a terapia conservadora.
Lembrando que o tratamento inicial consiste em modificações no
estilo de vida e exercícios musculares do assoalho pélvico,
juntamente com treinamento da bexiga em mulheres com
incontinência de urgência e em algumas mulheres com
incontinência de esforço. Normalmente se trata com terapias
conservadoras por 6 semanas antes de se considerar as terapias
subsequentes. Também é razoável tratar com terapias
conservadoras por até 6 meses, particularmente em mulheres
obesas que provavelmente experimentarão melhor controle da
bexiga após a perda de peso.
Incontinência urinária:
como diferenciar os
subtipos? Quais são os
tratamentos e qual é a
melhor forma/sequência de
tratamentos a instituir?
A diferenciação dos tipos de incontinência urinária se faz
essencialmente pela clínica do paciente. Via de regra, vale a
pena uma reabilitação de assoalho pélvico como primeira
linha de tratamento tanto para incontinência de esforço
quanto de urgência. Em casos de incontinência urinária de
esforço, a segunda linha de tratamento se faz com correção
cirúrgica e na incontinência urinária de urgência é feito
com antimuscarínicos e/ou beta-3-agonistas.
Quais são as principais
causas e como diagnosticar
os quadros de fístulas
urogenitais?
19.1 INTRODUÇÃO
Didaticamente, as fístulas urogenitais (mais comuns em mulheres)
podem ser classificadas em vesicovaginais (entre a bexiga e a
vagina), vesicouterinas (bexiga e útero), ureterovaginais (ureter e
vagina) e uretrovaginais (uretra e vagina). Representam uma
condição de qualidade de vida extremamente insatisfatória do ponto
de vista socioemocional, cujos diagnóstico precoce e tratamento
adequado visam à correção e à reconstrução do trato geniturinário,
além do retorno às atividades habituais.
Tipos de fístulas:
1. Simples:
a) Uretrovaginal;
b) Vesicovaginal (> 75%);
c) Ureterovaginal;
d) Vesicouterina;
e) Ureterouterina.
2. Mistas:
a) Vesicoureterovaginal;
b) Vesicoureterouterina;
c) Vesicovaginorretal.
19.2 ETIOLOGIA
A principal causa de fístulas urogenitais em países pobres e em
desenvolvimento, principalmente no continente africano, é a
assistência inadequada ao trabalho de parto.
Em países desenvolvidos, as cirurgias ginecológicas são o principal
fator etiológico das fístulas urogenitais. Dentre elas, a histerectomia
é responsável por 75% dos casos.
Em países desenvolvidos, as cirurgias
ginecológicassão o principal fator etiológico
das fístulas urogenitais. Dentre elas, a
histerectomia é responsável por 75% dos casos.
Fístulas vesicovaginais são mais comuns após histerectomia
laparoscópica, seguidas pelas vias abdominal aberta e vaginal.
Cesariana prévia, endometriose e radioterapia pélvica são fatores de
risco para fístula pós-histerectomia. Cirurgias gastrintestinais,
neoplasias, doenças inflamatórias intestinais, corpo estranho e
doenças autoimunes são também causas de fístulas urogenitais.
Assim como as fístulas vesicovaginais, as ureterovaginais têm como
principal fator causal a histerectomia. A concomitância entre esses 2
tipos de fístulas pode ocorrer em até 25% dos casos. Fístulas
uretrovaginais são raras e associam-se a traumas uretrais e
obstétricos com compressão da uretra contra o pube.
19.3 QUADRO CLÍNICO
A incontinência urinária pela via vaginal é o principal sintoma das
fístulas, podendo surgir imediatamente ou 3 a 14 dias após o trauma
cirúrgico ou obstétrico.
A intensidade da perda urinária relaciona-se diretamente com o
diâmetro e a localização do trajeto fistuloso.
Fístulas vesicovaginais, em geral, surgem após histerectomia, em
virtude de uma lesão vesical não reconhecida no momento da
cirurgia. Com a lesão vesical, forma-se um urinoma, que drena para
a vagina cerca de 2 semanas após a cirurgia. Caso a fístula tenha
grande diâmetro, haverá perda urinária contínua, e a paciente não
relatará micção espontânea. Por outro lado, fístulas menores podem
permitir a acumulação de alguma quantidade de urina no interior da
bexiga, culminando com micção, além da perda.
Fístulas ureterovaginais manifestam-se clinicamente com dor
lombar, íleo prolongado, febre, sepse, oligúria, anúria e elevação da
creatinina no pós-operatório. Após a drenagem da vagina, ocorre
perda urinária contínua, porém a micção é preservada, em razão do
enchimento da bexiga pelo ureter contralateral.
A principal causa de fístulas vesicouterinas é o parto cesárea; estas
estão dentre as fístulas menos comuns do trato geniturinário. Podem
apresentar-se de maneira variada e são classificadas como: tipo I
(síndrome de Youssef) – amenorreia e hematúria cíclica sem perda
urinária; tipo II – menstruação preservada, hematúria cíclica e
episódios constantes ou periódicos de incontinência; tipo III –
menstruação preservada, ausência de hematúria cíclica e episódios
constantes ou periódicos de incontinência.
Se a fístula for acima da cérvice e esta for competente, a paciente não
apresentará incontinência urinária. A hematúria cíclica se dá pela
passagem de sangue proveniente da menstruação para a bexiga.
Fístulas uretrovaginais próximas ao colo vesical manifestam-se
clinicamente com incontinência urinária contínua. Por outro lado,
em casos de fístulas distais, a incontinência é habitualmente
intermitente, insensível e pós-miccional.
Fístulas pós-radioterapia: são as mais complexas e de difícil
tratamento. Podem ocorrer desde semanas até muitos anos após o
tratamento oncológico. A abordagem cirúrgica se faz por acesso
abdominal, devido à dificuldade do acesso vaginal (vaginite
actínica), à associação de mais de um defeito (presença de fístulas
concomitantes, estenose de ureter) e à necessidade do emprego de
tecidos não irradiados na reconstrução do trato urinário.
19.4 DIAGNÓSTICO
19.4.1 Exame físico
Na suspeita de fístula urogenital, o exame físico deve ser minucioso,
almejando identificar o orifício fistuloso vaginal, sua localização,
seu tamanho, a integridade da mucosa vaginal, sinais de infecção
local e a presença de corpo estranho vaginal.
19.4.2 Teste do azul de metileno
O teste é realizado por meio da instilação de azul de metileno
intravesical pela sondagem vesical e da colocação de gaze no interior
da vagina. Caso a gaze vaginal adquira coloração azulada, confirma-
se a fístula vesicovaginal.
19.4.3 Cistoscopia
É o exame que deve ser realizado em toda paciente com suspeita de
fístula urogenital e que permite identificar orifício fistuloso vesical,
tamanho e relação com os meatos ureterais.
19.4.4 Cistografia
Trata-se de um exame que permite identificar extravasamento de
contraste vesical. Entretanto, depende da experiência do técnico que
o realiza e apresenta altos índices de falso negativo em fístulas de
pequeno diâmetro.
19.4.5 Histerografia e histeroscopia
Compreendem exames que auxiliam no diagnóstico na suspeita de
fístula vesicouterina.
19.4.6 Tomografia de abdome com reconstrução
do trato urinário e urografia excretora
São exames que permitem investigar os ureteres. Devem ser
solicitados na suspeita de fístula ureterovaginal e quando há
diagnóstico de fístula vesicovaginal (em até 25% dos casos há
concomitância entre fístula vesicovaginal e ureterovaginal).
19.5 TRATAMENTO
19.5.1 Conservador
Pode ser opção a pacientes selecionados e não é executado de rotina.
Em fístulas vesicovaginais pequenas, não infectadas, bem
vascularizadas e não irradiadas, drenagem com sonda vesical de
demora ou eletrofulguração do trajeto fistuloso podem ser opções,
mas com chances pequenas de sucesso. Em fístulas ureterovaginais,
a drenagem com cateter duplo J pode ser alternativa àqueles com
alto risco cirúrgico, porém as taxas de sucesso são muito reduzidas.
19.5.2 Cirúrgico
O fator mais importante no sucesso da cirurgia para correção de uma
fístula urogenital é a experiência do cirurgião, e a melhor
oportunidade para correção de uma fístula é a primeira cirurgia. A
época ideal para a abordagem cirúrgica depende apenas das
condições locais dos tecidos.
Por permitir melhor recuperação com melhor qualidade de vida, a
abordagem precoce das fístulas urogenitais tem sido preconizada
pela maioria dos autores. Apenas em fístulas que apresentam
infecção ou pós-radioterapia, na qual há desvitalização dos tecidos,
preconiza-se a abordagem após a recuperação tecidual adequada.
As fístulas vesicovaginais podem ser tratadas cirurgicamente por via
vaginal (o sucesso da via vaginal varia de 70 a 94%) ou abdominal
(sucesso de 75 a 100%). A primeira associa-se a alta hospitalar mais
precoce e menos morbidade se comparada à abdominal. Entretanto,
fístulas cujo orifício vesical se localiza acima do trígono vesical são
preferencialmente corrigidas por via abdominal. Além disso, vale
ressaltar que a escolha da via de acesso depende muito da
experiência do cirurgião.
As indicações clássicas para a via abdominal são fístulas com
diâmetro maior do que 2 cm, fístulas que englobam os orifícios
ureterais, fístulas múltiplas, fístulas vesicouterinas, fístulas
recorrentes e tecidos com pobre qualidade ao redor delas (radiação,
infecção crônica, diabetes mellitus).
Na correção cirúrgica de uma fístula urogenital, alguns princípios
devem ser sempre seguidos, incluindo suturas em múltiplas
camadas, não interposição de suturas, sutura sem tensão e utilização
de fios absorvíveis. Ainda, a casos selecionados, como fístulas
associadas a infecção, após radioterapia, obstétricas e maiores do
que 3 cm, indica-se a interposição de tecido. Pode-se usar gordura
dos grandes lábios, do omento, do peritônio, da mucosa labial etc.
19.5.3 Complicações
A mais importante é a recorrência da fístula, além de incontinência
urinária de esforço, em até 25% dos casos (via vaginal).
Quais são as principais
causas e como diagnosticar
os quadros de fístulas
urogenitais?
Em países subdesenvolvidos, a principal causa de fístula
urogenital é a assistência inadequada ao parto, em países
desenvolvidos são os procedimentos cirúrgicos
ginecológicos. O diagnóstico é feito com uma boa história
clínica, seguida de um exame físico minucioso e o auxílio
de exames complementares, como teste de azul de
metileno, cistoscopia, cistografia e tomografia.
Quais são as patologias
urológicas infantis?
20.1 ESTENOSE DA JUNÇÃO
URETEROPIÉLICA
20.1.1 Introdução
A estenose da junção ureteropiélica (JUP) consiste em um
estreitamento congênito no local da junção entre a pelve renal e o
ureter. Esse estreitamento impede a drenagem apropriada da urina
do rim parao ureter, levando-a a se acumular no rim, causando uma
condição conhecida como hidronefrose (dilatação do sistema coletor
renal).
A estenose da JUP constitui a principal causa de massa abdominal na
infância e o sítio mais comum de obstrução do trato urinário.
A estenose da JUP constitui a principal causa de
massa abdominal na infância e o sítio mais
comum de obstrução do trato urinário.
De acordo com Barril et al. (2014) a incidência da estenose da JUP é
de, aproximadamente, de 1:5.000 nascidos vivos, sendo mais comum
no sexo masculino (2:1). A estenose é encontrada frequentemente do
lado esquerdo (60%), e a forma bilateral pode ocorrer em 10 a 40%
dos casos. Alguns fatores intrínsecos e extrínsecos podem estar
relacionados:
1. Intrínsecos: interrupção do desenvolvimento da musculatura
circular do ureter ou alteração das fibras de colágeno e sua
composição ao redor das fibras musculares, trata-se de uma obstrução
funcional;
2. Extrínsecos: o vaso aberrante ou acessório passa anteriormente ao
ureter proximal ou em decorrência de uma prega mucosa pieloureteral
com comportamento valvular, causando, assim, obstrução mecânica
ao fluxo urinário no ureter.
Figura 20.1 - Estenose da junção ureteropiélica
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
20.1.2 Fisiopatologia
Trata-se de uma alteração intrínseca da musculatura na transição
pieloureteral em nível biomolecular que, assim, prejudica a
transmissão da onda peristáltica. É o fator fisiopatológico mais
reconhecido na gênese dessa afecção.
A obstrução extrínseca por vasos anômalos do polo inferior do rim
cruzando a JUP representa até 30% dos casos, apesar de, não
raramente, estar associada a uma lesão intrínseca.
Além disso, é secundária por dilatação e tortuosidade do ureter,
levando à formação de dobras em casos de refluxo vesicoureteral,
megaureter obstrutivo e válvula da uretra posterior. Pode ser
causada também pela inserção alta do ureter na pelve renal, levando
a uma dificuldade de drenagem.
20.1.3 Quadro clínico
1. Antenatal e neonatal: em casos com rim único ou com JUP
bilateral, podem, eventualmente, ocorrer oligoidrâmnio, azotemia,
distúrbio hidroeletrolítico ou oligoanúria. A urossepse pode ser a
manifestação inicial, embora com menor frequência. Normalmente é
diagnosticada por ultrassonografia antenatal;
2. Crianças e adultos: dor abdominal ou lombar episódica, em geral
desencadeada ou agravada por ingesta hídrica abundante e
acompanhada de náuseas ou de vômitos. A hematúria pode ser
observada após trauma, possivelmente por ruptura de pequenos vasos
da mucosa da via excretora.
O quadro clássico da estenose da JUP de massa palpável, dor
intermitente no flanco ou relacionada com hiperingesta hídrica vem
sendo substituído pelo diagnóstico incidental em um controle
ultrassonográfico, ainda na fase pré-natal.
Infecção urinária na fase neonatal pode ser o
único sinal de estenose da JUP em 30% dos
casos, mas quadro extremo de sepse e uremia
também é possível.
O quadro clínico em crianças poderia ser subdivido da seguinte
forma: crianças mais novas — falhas de crescimento, alterações
alimentares, Infecções do Trato Urinário (ITUs), além de sepse, dor
ou hematúria relacionada a nefrolitíase), geralmente aparecendo
após 1 ano; e crianças mais velhas (dores na região do flanco e/ou do
abdome superior, com náuseas e vômitos, também são relevantes na
história clínica).
20.1.4 Diagnóstico
Do ponto de vista propedêutico, a urografia excretora evidencia a
morfologia da pelve dilatada até o ponto de transição ureteropiélica,
com diferentes níveis de dilatação calicial, de acordo com o grau de
obstrução, porém é um exame praticamente em desuso nos dias de
hoje.
A ultrassonografia constitui um exame fundamental no diagnóstico
de dilatação pielocalicial e, na presença de ureter de calibre normal,
é altamente sugestiva de estenose da JUP.
1. Fase gestacional: ultrassonografia (USG) evidenciando
hidronefrose. Da décima sexta à décima oitava semana, os rins são
visualizados rotineiramente. Se hidronefrose for reconhecida, a USG
deve conter as seguintes informações: lateralidade, severidade da
dilatação, ecogenicidade do parênquima, hidronefrose ou uretero-
hidronefrose, volume vesical, volume de líquido amniótico;
2. Pós-natal: do terceiro ao quinto dia após o nascimento ou até no
primeiro mês de vida deve-se solicitar exames que avaliem a piora da
hidronefrose (DTPA, DMSA, USG). Uretrocistografia miccional é
indicada nos casos de hidronefrose severa para excluir refluxo
vesicoureteral (associado a 25% dos casos), válvula de ureter,
ureterocele, divertículo vesical e bexiga neurogênica. Caso ocorra
piora da função renal ou da obstrução, infecção urinária de repetição
ou urossepse, o tratamento cirúrgico está indicado.
A cintilografia renal com ácidos marcados com radiofármacos, como
Tc-DTPA ou Tc-MAG3 (este último não disponível no Brasil), pode
definir a função proporcional de cada rim e a obstrução funcional.
Segue a classificação de hidronefrose pela Sociedade de Urologia
Fetal:
1. Grau 0: não há hidronefrose. O complexo ecogênico central é
fechado;
2. Grau 1: leve separação do complexo ecogênico central;
3. Grau 2: complexo ecogênico central mais aberto e aparecem alguns
cálices;
4. Grau 3: pelve dilatada com quase todos os cálices visíveis;
5. Grau 4: características do grau 3 + afilamento do parênquima.
Figura 20.2 - Urografia excretora evidenciando estenose da junção ureteropiélica
20.1.5 Tratamento
20.1.5.1 Clínico
É feito por observação permanente, repetindo-se os exames de USG
e cintilografia periodicamente e comparando-os com os exames
anteriores, com o objetivo de acompanhar a função renal e o grau de
dilatação e de obstrução do rim. Caso, durante essa observação, seja
notada piora, é indicada cirurgia.
20.1.5.2 Cirúrgico
O tratamento cirúrgico está indicado em cerca de 1 terço dos casos,
com várias técnicas para a correção da estenose da JUP, chamadas
pieloplastias, todas a fim de melhorar a drenagem renal.
A pieloplastia desmembrada (técnica de Anderson-Hynes) é a
principal técnica empregada, podendo ser realizada aberta e, hoje,
principalmente por vídeo.
São indicações do tratamento cirúrgico:
a) Pacientes sintomáticos (ITU ou dor);
b) Massa abdominal palpável;
c) Rim único;
d) Comprometimento bilateral;
e) Função renal diminuída ou em descenso durante o seguimento;
f) Dilatação persistente na avaliação por USG na dilatação severa;
g) Dilatação persistente na avaliação por USG na dilatação moderada
e que apresenta curva tipo obstrutiva ou indeterminada na cintilografia
com diurético, no seguimento de 6 a 12 meses;
h) Dilatação progressiva no seguimento por USG, desde que
confirmada por outros métodos.
Figura 20.3 - Pieloplastia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
20.2 VÁLVULA DA URETRA POSTERIOR
20.2.1 Introdução
A válvula da uretra posterior representa a causa mais frequente de
obstrução uretral em crianças.
A válvula da uretra posterior representa a causa
mais frequente de obstrução uretral em
crianças.
Incide no sexo masculino a cada 5 em 8.000 nascimentos. Observa-
se pior prognóstico entre crianças com menos de 1 ano. Há
associação a displasia renal em diversos graus e refluxo
vesicoureteral. A patologia vesical variável e a disfunção miccional
levam a controvérsias quanto ao tratamento e ao acompanhamento,
sem uniformidade de condutas.
É uma anomalia congênita, caracterizada por estrutura
membranosa, localizada na mucosa do assoalho da porção prostática
da uretra masculina. Acredita-se que estaria associada a interação de
múltiplos genes de pequeno efeito, como tem sido descrito em
outras anomalias urológicas relacionadas com o desenvolvimento do
ducto mesonéfrico.
Do ponto de vista anatômico, constitui resquício da membrana
urogenital e é representada por pregas valvares distalmente ao
colículo (tipos I e III de Young).
Figura 20.4 - Válvula da uretra posterior
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
20.2.2 Quadro clínico
No neonato com válvula da uretra posterior,podem-se verificar
retenção urinária, massas palpáveis nos flancos, febre como
manifestação de infecção urinária, septicemia com anemia e
icterícia, prejuízo do crescimento ou perda de peso, desidratação e
distúrbios hidroeletrolíticos.
Vômitos e diarreia podem ser manifestações de infecção e/ou de
insuficiência renal. A obstrução grave com displasia renal resulta em
pouca produção urinária fetal com oligoidrâmnio e hipoplasia
pulmonar secundária com possibilidade de síndrome de desconforto
respiratório.
A válvula da uretra posterior é a principal causa de ascite urinária
nesse grupo etário.
A ITU ocorre em 50% dos indivíduos após 1 ano. Sintomas
miccionais como perda de urina, urgência, enurese, ardor miccional,
jato fino e interrompido e gotejamento estão presentes em crianças
maiores.
20.2.3 Diagnóstico
20.2.3.1 Clínico
A válvula da uretra posterior é, atualmente, diagnosticada no
período antenatal, por meio da USG, em 2 terços dos casos. Cerca de
75% de todos os diagnósticos são feitos antes dos 5 anos de vida, e os
25% restantes compreendem os casos oligossintomáticos. Dois
terços dos óbitos ocorrem antes dos 2 anos.
A partir da vigésima semana de gestação, podem-se diagnosticar
uropatia obstrutiva, bilateralidade, bexiga espessada e
constantemente cheia, oligoidrâmnio, ascite ou presença de coleção
perirrenal. No neonato, podem-se verificar febre, vômitos, dor
abdominal, uremia ou septicemia por infecção urinária e
desequilíbrio hidroeletrolítico.
20.2.3.2 Métodos de imagem
1. USG: pode revelar hidronefrose bilateral grave e bexiga distendida,
geralmente por obstrução infravesical; no período antenatal,
ecogenicidade renal, dilatação do trato urinário e oligodrâmnio
sugerem fortemente a hipótese de válvula de uretra posterior;
2. Uretrocistografia miccional: deve ser realizada imediatamente
quando as condições permitirem, pois confirma o diagnóstico de
válvula da uretra posterior; os achados são de dilatação da uretra
prostática (uretra “em peão”), hipertrofia do colo vesical, pouco fluxo
distal, bexiga irregular (trabeculação e divertículos) e refluxo
vesicoureteral em 50%;
3. Cintilografia renal dinâmica (DTPA) e estática (DMSA): fornecem
informações sobre a excreção renal, a filtração glomerular e a função
tubular proximal de cada rim. São úteis no controle sequencial
evolutivo após o tratamento inicial ou definitivo.
Existem 3 tipos de válvulas descritas por Young:
1. Tipo I (90 a 95%): pregas mucosas que se estendem lateral e
distalmente ao verumontano, presas às paredes anterolaterais da
uretra, como as de mecanismo valvular, isto é, obstrução anterógrada
ao fluxo urinário, sem impedir a instrumentação retrógrada;
2. Tipo II e III: representam hipertrofia de pregas coliculares proximais
ao verumontano (comuns em obstrução distal) e estenose congênita
da uretra (obstrução nos 2 sentidos), respectivamente.
Figura 20.5 - Uretrocistografia com válvula da uretra posterior
20.2.4 Tratamento
1. Antenatal: consiste na colocação de um shunt vesicoamniótico
intraútero. Apresenta altas taxas de complicações (21 a 59%) e alta
mortalidade. Estudos realizados não mostraram benefício na
colocação do shunt;
2. Pós-natal: drenagem vesical – sondagem vesical de demora 3-5Fr
no neonato, sem balão, até a estabilização do quadro (hipoplasia
pulmonar, distúrbio hidroeletrolítico, urossepse).
A eletrofulguração endoscópica da válvula compreende o tratamento
de eleição para os casos de válvula da uretra posterior e pode ser
realizada já a partir da segunda semana de vida. Todavia, o risco de
lesão iatrogênica do esfíncter pode ser reduzido indicando-se a
cirurgia apenas a partir do terceiro mês, submetendo o paciente a
vesicostomia como derivação urinária temporária.
Figura 20.6 - Observação endoscópica de válvulas da uretra posterior, antes da sua
remoção
Fonte: site Urologia Pediátrica.
Figura 20.7 - Válvulas parcialmente destruídas por eletrocoagulação (à direita)
Fonte: site Urologia Pediátrica.
Procedimentos no tratamento da hidronefrose:
a) Ablação primária – cuidados;
b) Vesicostomia;
c) Ureterostomia/pielostomia;
d) Cirurgias reconstrutivas.
As seguintes complicações podem acontecer em procedimentos em
neonatos:
a) Insuficiência respiratória;
b) Cateter vesical;
c) Distúrbios eletrolíticos:
Hipernatremia;
Hipercalemia;
Acidose.
d) Septicemia.
20.2.5 Prognóstico
São complicações decorrentes da hidronefrose antenatal e seu
tratamento:
a) Refluxo vesicoureteral;
b) Deterioração da função renal com insuficiência renal crônica;
c) Dilatação do trato urinário superior;
d) Continência (pode levar a incontinência).
20.3 ALTERAÇÕES DO DESCENSO
TESTICULAR
20.3.1 Introdução
A presença de testículo na posição extraescrotal após o nascimento
recebe a denominação genérica de distopia testicular. O termo
“criptorquidia”, ou retenção, refere-se à distopia testicular no
trajeto fisiológico do descenso testicular, enquanto o termo ectopia
refere-se ao testículo fora desse trajeto.
Distopia testicular é o posicionamento congênito do testículo fora do
escroto, por falha de sua migração a partir de seu local de origem
embrionário abdominal até a bolsa testicular. Como sinonímias,
existem os termos “criptorquidia” ou “criptorquidismo”, e os
testículos são denominados distópicos, criptórquidos ou
criptorquídicos.
20.3.2 Incidência
Isoladamente, a distopia testicular compromete cerca de 3% dos
meninos nascidos a termo. Destes, cerca de 70% têm descenso
testicular espontâneo até 1 ano, quando apenas cerca de 1%
apresenta criptorquidia, valor que se manterá para a puberdade e a
vida adulta.
Em 30% de prematuros, observa-se distopia testicular, que pode ser
bilateral em cerca de 1 terço dos casos. De acordo com o Projeto
Diretrizes 2006, de 70 a 77% têm descenso espontâneo até o terceiro
mês de vida. Raramente há descida testicular após o primeiro ano de
vida.
1. Bilateral: 33%;
2. Direito: 46,7%;
3. Esquerdo: 20%.
20.3.3 Diagnóstico
A palpação em decúbito horizontal e na posição ortostática permite a
identificação do testículo distópico em 90%. USG, tomografia
computadorizada, ressonância magnética e flebografia também são
utilizadas no diagnóstico, mas não são essenciais.
Nos casos de difícil identificação testicular, deve-se suspeitar de
testículo intra-abdominal ou anorquia, em que o teste com
gonadotrofina coriônica (< 5 anos, 2.500 UI; > 5 anos, 5.000 UI) por 3
dias consecutivos deve provocar elevação nos níveis de testosterona
sérica acima de 20 ng/100 mL.
A laparoscopia é padrão-ouro para o diagnóstico de alterações do
descenso testicular quando não se consegue palpar ou identificar
com segurança, por métodos de imagem, o testículo a ser tratado.
Sua acurácia na localização do testículo não palpado aproxima-se de
100%.
Pode ser realizada avaliação cromossômica (testículo impalpável
bilateral + hipospádia). A avaliação hormonal alternativa
compreende FSH basal, testosterona, MIS (substância inibidora das
estruturas müllerianas) e dosagem de inibina B.
Figura 20.8 - Tipos de distopia testicular
Legenda: (A) testículo abdominal; (B) testículo puboescrotal; (C) testículo femoral; (D)
testículo perineal. 
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Os testículos podem ser classificados, ainda, em:
1. Palpáveis: de 80 a 90%, podendo ser intracanaliculares,
extracanaliculares, ectópicos (acima do saco de Denis-Browne,
períneo, região pré-pubiana, raiz peniana, hemiescroto contralateral),
retráteis, deslizantes, reascendidos;
2. Não palpáveis: de 10 a 20%, podendo ser intra-abdominais,
atróficos ou ausentes (evanescente, agenesia).
20.3.4 Tratamento
O tratamento deve ser iniciado aos 6 meses de vida, pois após essa
data raramente os testículos descem à bolsa escrotal. O tratamento
deve visar descer o testículo até a bolsa escrotal até 12 a 18 meses de
vida. Exames histológicos evidenciam perda de células de Leydig se o
descenso for realizado após essa idade.
O tratamento hormonal para descenso testicular não é recomendado
pelo guideline da European Associationof Urology (2016 – nível de
evidência 4, grau de recomendação C).
Se o testículo for palpável, recomenda-se a orquidopexia entre 6 e 12
meses, podendo ser realizada por via inguinal ou escrotal. Se o
testículo não for palpável, mesmo após anestesia, deve-se indicar
laparoscopia, sendo os achados: 40%, vasos espermáticos entrando
no canal inguinal; 40%, testículo intra-abdominal, 10%, testículo
retrátil; e 10%, vasos espermáticos acabando em fundo cego. Se o
testículo estiver a mais de 2 cm do canal interno, opta-se pela
cirurgia de Fowler-Stephens em 2 tempos.
Figura 20.9 - Criptorquidia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
20.3.5 Complicações
A atrofia testicular é uma complicação cirúrgica.
A relação de alterações do descenso testicular
com neoplasia é de 10 a 20%.
Quanto à espermatogênese, acredita-se que as alterações funcionais
sejam reversíveis, desde que a correção da anomalia se dê até o
segundo ano de vida. Há, ainda, risco de torção testicular
aumentado.
20.4 HIPOSPÁDIA
As hipospádias são malformações uretrais nas quais o meato externo
se posiciona em qualquer ponto da face ventral do cilindro uretral.
Ocorrem em ambos os sexos, sendo que no masculino não provocam
incontinência urinária, mas coexistem com outras malformações
penianas, algumas funcionalmente muito importantes. Dentre elas,
há a estenose do meato e a presença de um tecido fibroso no sulco
intercavernoso inferior, chamado corda ventral ou chordee. Na
maioria dos casos, o prepúcio se apresenta redundante, com aspecto
de um capuz dorsal (“capuchão”).
As anomalias associadas mais comuns são testículo criptorquídico e
hérnia inguinal (com incidência de 9% que se eleva para 30% nos
casos de hipospádias penoscrotais ou mais graves), nestes casos a
ocorrência de utrículos, cistos prostáticos e remanescentes
müllerianos também é maior. Em casos de pacientes com outras
anormalidades em órgãos ou sistemas diferentes, o médico deve
fazer uma investigação do trato urinário por meio de USG; as
anomalias mais importantes a serem investigadas são estenose da
JUP, refluxo vesicoureteral grave, agenesia renal, tumor de Wilms,
rim pélvico, ectopia renal cruzada e rim “em ferradura”. Podem ser
classificadas, quanto à localização do meato uretral, em:
1. Anteriores: glandular, coronal e subcoronal ou distal;
2. Médias: peniana distal, mediopeniana e peniana proximal ou
intermediária;
3. Posteriores: penoscrotal, escrotal e perineal ou proximal.
As formas distais (anterior e média) são as mais comuns,
responsáveis por 80% de todos os casos.
A hipospádia é a deformidade congênita mais frequente da genitália
masculina (5:1.000) e em 30% se associa a criptorquidia.
Figura 20.10 - Classificação
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 20.11 - Tipos
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
20.4.1 Tratamento
O tratamento da hipospádia é cirúrgico, e seu objetivo é retificar o
pênis e posicionar o meato uretral o mais distalmente possível,
permitindo um fluxo urinário direcionado.
A cirurgia visa, também, melhorar o aspecto cosmético do pênis,
corrigindo o capuz dorsal e conferindo à glande um aspecto cônico.
Figura 20.12 - Tratamento cirúrgico
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
20.5 FIMOSE
20.5.1 Introdução
É a incapacidade de realizar a retração do prepúcio, impedindo a
exposição da glande. Nos recém-nascidos, o prepúcio é retrátil
somente em 4%, aos 6 meses, em 20%, aos 3 anos, em 90% e, aos 17
anos, em 99%. Basicamente, são 2 entidades: a congênita e a
adquirida, com base na idade e na fisiopatologia. Ambas se referem à
dificuldade ou à incapacidade de retrair o prepúcio distal sobre a
glande, esta última em decorrência de repetidos episódios de
infecção local (postites) ou ferimentos secundários associados à
retração prepucial forçada.
Figura 20.13 - Fimose puntiforme
20.5.2 Diagnóstico
É feito pelo exame físico. Devem-se diferenciar os diagnósticos de
fimose, de aderência balanoprepucial e de prepúcio redundante.
Classificação de Kayaba et al.:
1. Grau I: leve retração sem que se veja a glande;
2. Grau II: exposição apenas do meato uretral;
3. Grau III: exposição da glande até sua parte média;
4. Grau IV: exposição da glande até sulco coronal;
5. Grau V: exposição total da glande.
20.5.3 Tratamento
1. Clínico: com esteroides tópicos, mostra eficiência de cerca de 60%.
Devem-se evitar manobras forçadas de retração prepucial;
2. Cirúrgico: denominado postectomia, deve ser considerado
eletivamente para casos de fimose persistente após os 3 anos de vida.
Pacientes que apresentam parafimose na Urgência não devem ser
operados imediatamente, deve-se sempre diminuir o grau de
inflamação local e as lesões. Crianças com balanopostites recorrentes
ou infecção do trato urinário de repetição com anomalia do trato
urinário têm indicação de tratamento cirúrgico em qualquer idade.
Figura 20.14 - Postectomia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
20.6 ENURESE
20.6.1 Definição
É como uma micção involuntária, ou seja, corresponde ao ato
miccional normal que ocorre involuntariamente em local e/ou
momento inadequado. A partir de 5 anos para as meninas e 6 anos
para os meninos, é considerado anormal que ocorra enurese mais do
que 2 vezes por mês. A enurese pode ser classificada de acordo com o
horário – diurna e noturna. Cerca de 15% das crianças de 5 anos
apresentam perdas noturnas de urina. A partir dessa idade, o índice
de resolução espontânea é de 15% ao ano, sendo que, aos 15 anos,
cerca de 1% da população apresenta enurese. A enurese noturna é
mais frequente em meninos (75%).
20.6.2 Classificação
20.6.2.1 Quanto à evolução
1. Primária: quando a criança sempre teve enurese, isto é, nunca teve
período prolongado de continência noturna. Representa a maioria dos
casos, e considera-se que seja causada por retardo na maturação
neurológica;
2. Secundária: quando a criança volta a apresentar episódios de
enurese após um período de controle miccional de ao menos 6 meses.
20.6.2.2 Quanto aos sintomas
1. Simples ou monossintomática: quando a enurese noturna não se
associa a nenhum sintoma miccional ou vesical diurno nem a
anomalias neurológicas e do trato urinário. Corresponde a 70 a 90%
dos enuréticos. Frequentemente há antecedentes familiares;
2. Polissintomática: quando a enurese está associada a sintomas
diurnos, como micções infrequentes, polaciúria, urgência,
urgeincontinência e jato miccional fraco. Também podem estar
presentes a infecção urinária, a obstipação intestinal e a encoprese.
20.6.3 Fisiopatologia
a) Fatores genéticos e familiares;
b) Fatores psicológicos;
c) Alterações vesicais – redução da capacidade vesical funcional;
d) Produção noturna de urina – redução de hormônio antidiurético;
e) Fatores relacionados ao sono:
Imaturidade do sistema nervoso central;
Evolução para cura.
20.6.4 Avaliação clínica
20.6.4.1 História
a) Geral e exame físico:
Descrição de desenvolvimento físico e neuropsicomotor;
Antecedentes familiares de enurese ou de outros problemas
urológicos.
b) Documentação da enurese:
Caracterização como primária ou secundária.
20.6.4.2 Exames complementares
a) Urinálise;
b) USG do trato urinário;
c) Diário miccional.
20.6.5 Tratamento
a) Considerações gerais:
Terapia comportamental;
Alarme noturno;
Terapia medicamentosa;
Outros.
Quadro 20.1 - Vantagens e desvantagens dos tratamentos
Figura 20.15 - Diagnóstico e tratamento
Fonte: elaborado pelos autores.
Quais são as patologias
urológicas infantis?
As patologias pediátricas em Urologia são diversas e
acometem todas as porções do trato urinário.
Normalmente são relacionadas a malformações
anatômicas ao nascimento. O reconhecimento de cada uma
delas será por suas características únicas de cada
patologia, o aluno deverá reconhecer cada uma destas
características que estão dispostas ao longo do capítulo.
Qual é a principal
importância do diagnóstico
precoce do tumor renal?
21.1 INTRODUÇÃO
As neoplasias podem acometer o rim no tecido parenquimatoso ou
no sistema

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