Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
RELAÇÕES JURÍDICAS DE PROPRIEDADE Eduardo Zaffari Direito real de laje Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir direito real de laje. Distinguir o direito real de laje do direito de superfície. Analisar o direito real de laje diante do déficit habitacional, bem como das possibilidades de regularização das moradias irregulares. Introdução O Direito acompanha, sempre tardiamente, o desenvolvimento da re- alidade social. A sociedade desenvolve novas realidades e institutos à medida que a necessidade se apresenta, incumbindo ao Direito regular as relações que daí decorrem. O direito real de laje é um novo instituto que ganha espaço no orde- namento jurídico brasileiro, e a doutrina busca delinear os seus contornos, principalmente ante a sua grande utilidade e uso. As características desse novo instituto assemelham-no ao direito de superfície, especialmente em razão de ambos constituírem um direito real sobre a coisa alheia que se separa do imóvel que lhe dá substrato. Neste capítulo, você vai ler sobre os caracteres que distinguem o instituto, a importância do direito real de laje e outras possibilidades de regularização fundiária de moradias irregulares. Conceitos fundamentais Antes de conceituar o direito real de laje, precisamos compreender o que signifi ca o direito real. Essa compreensão permite a exata dimensão desse novo direito e a ressignifi cação da política habitacional nacional. Duas são as teorias justificadoras dos direitos reais: a teoria personalista e a teoria realista (ou clássica). A teoria personalista prescreve que os direitos reais são relações estabelecidas entre pessoas, sendo necessárias, no mínimo, duas pessoas, mas essas relações são intermediadas por coisas. Para essa corrente, o que diferencia o direito real das demais relações é que haveria um sujeito passivo universal, posto que todas as pessoas, de forma indeterminada, seriam sujeitas passivas do dever de respeitar a propriedade da coisa e seus atributos. Esse dever apenas se concretizaria se algum sujeito violasse o direito inerente à coisa. Aliás, Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 971) discordam dessa teoria e da ideia de que um sujeito passivo universal poderia consistir em um ponto definidor dados direitos reais, posto que “[...] sustentar a existência de ‘um sujeito passivo universal’ apenas para não prejudicar a pessoalidade comum, mas não absoluta, das relações jurídicas e direitos em geral, é, em nosso ponto de vista, um raciocínio equivocado”. A teoria realista prescreve o direito real como um poder imediato que a pessoa exerce sobre a coisa, cuja eficácia é exercida erga omnes (em face de todos). Nessa segunda corrente, que se opõe à teoria personalista, a re- lação é entre pessoa e coisa, independentemente de qualquer outro sujeito. Concordando com a teoria realista, Tartuce (2017) leciona que os autores contemporâneos têm adotado essa corrente pelos seus aspectos internos, quais sejam, as consequências que se dão entre proprietário e coisa, decorrentes da propriedade, independem de terceiros. De fato, Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 971) afirmam que: A despeito de considerarmos o direito como um fenômeno essencialmente humano, o fato é que, em meio a tão variados matizes de relações jurídicas, algumas há em que a figura do sujeito passivo é despicienda: eu exerço as faculdades ínsitas ao direito de propriedade sobre o meu imóvel, indepen- dentemente da interferência de quem quer que seja. Assim, considerando a possibilidade de revisão conceitual de direito real, haja vista o crescente contratualismo do direito privado, levando-o a valorizar a inter-relação pessoal, adotamos o conceito de Tartuce (2017, p. 18) de direito real, que conceitua “Direitos Reais como sendo as relações jurídicas estabe- lecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis, tendo como fundamento principal o conceito de propriedade, seja ela plena ou restrita”. Definidos os direitos reais, vamos destacar as características dos direitos reais: oponibilidade erga omnes, em que todos deverão respeitar o direito; direito de sequela, em que os direitos se agregam à coisa; direito de preferência a favor do titular de um direito real, como é comum nos direitos reais de garantia sobre coisa alheia (penhor e hipoteca); Direito real de laje2 possibilidade de renúncia ao direito; possibilidade da usucapião; rol taxativo (numerus clausus) de institutos; observância ao princípio da publicidade dos atos. As obrigações reais (propter rem) decorrem de um direito real sobre a coisa, acompa- nhando-a, mesmo que troque de titular. Um exemplo de obrigação propter rem é a obrigação de pagar a dívida condominial, que acompanha a coisa mesmo que o bem mude de proprietário. O direito real de laje surgiu no Brasil a partir da Medida Provisória nº. 759, de 22 de dezembro de 2016, que se converteu na Lei nº. 13.465, de 11 de julho de 2017, e introduziu os arts. 1.510-A a 1.510-E do Código Civil. Esse instituto já era conhecido em outras legislações, como em Portugal e Itália, não obstante as diferentes denominações (direito de construir sobre edifício alheio e costituzione del diritto di superficie, respectivamente). Na Suíça, chama-se de direito de superfície de segundo grau (droit de superfice au second degré). No Brasil, optou-se pela denominação de direito real de laje em face da popularização do termo “laje” para os espaços disponíveis em cima de moradias populares e ocupados para outras moradias e outras atividades. O termo “puxadinho” para as edículas ou outras casas construídas em cima de outras construções em bairros populares tem sido usado por alguns doutrinadores para explicar o imóvel localizado sobre uma construção-base, mas a similitude desse instituto (direito real de laje) e do direito de superfície, embora em outros países tenham o mesmo nome, não permite confundi-los, conforme abordaremos a seguir. Trata-se de um direito que surge a partir de sobreposição de casas umas sobre as outras, muito comuns nos bairros populares das grandes cidades. Em verdade, a realidade fática já reconhecia a prática de compra e venda desses espaços, mas sem a efetiva proteção do Estado. O inchaço das cidades e a pressão imobiliária, entre outros fatores, ocasionaram a grande concentração de pessoas em pequenos espaços geográficos com o consequente surgimento de puxadinhos. O art. 1.510-A, § 1º, do Código Civil prescreve que: 3Direito real de laje Art. 1.510-A O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. § 1º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base (BRASIL, 2002, documento on-line). Da conjunção dessas duas disposições, podemos retirar algumas caracte- rísticas que formarão o conceito do direito real de laje: é cedida pelo proprietário da construção-base; poderá ser superior ou inferior à sua construção; distinta da construída sobre o solo; é um direito real; espaço aéreo ou o subsolo; de terrenos públicos ou privados; projeção vertical e unidade autônoma. A doutrina ainda trabalha no conceito, tendo em vista a novidade do instituto no ordenamento pátrio, mas alguns doutrinadores já arriscam suas primeiras impressões, permitindo que se forme um conceito único. Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 1.075), o direito real de laje pode ser conceituado como um “[...] novo direito real, em favor de quem imprime destinação socioeconômica sobre a unidade imobiliária superior, situada em plano vertical, quando se constatar a impossibilidadede individua- lização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos”. Apesar do brilhantismo de seus autores, parece que esse conceito não abarca a possibilidade de instituição em imóvel público, a sua independência como direito real, a sua contratualização, entre outras características desse novo instituto olvidado no conceito. Talvez possa ser mais bem definido como um direito real contratualmente estabelecido, no plano vertical, sob ou sobre uma construção-base, seja esta pública ou privada, constituindo uma unidade imobiliária distinta do solo e da construção-base, que observará as condições constantes na escritura que o instituiu. Esse conceito, até o aprofundamento doutrinário pela doutrina no decorrer dos anos, abarca os caracteres desse novo instituto. Convencionou- -se, outrossim, chamar o cedente do direito real de laje de lajeiro, enquanto aquele que recebe o direito real de lajeário. Direito real de laje4 Constituída como uma unidade imobiliária autônoma, a laje deverá arcar com os tributos e encargos incidentes enquanto constituída. Assim, será cobrado um valor de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) devido pela propriedade-base e um valor de IPTU da laje. Direito real de laje e direito de superfície O direito real de laje e o direito de superfície se assemelham tanto que, para alguns autores, o primeiro nada mais seria do que uma corruptela do segundo. Um exemplo é o entendimento de Flávio Tartuce na edição de 2017 do seu Manual de Direito Civil (antes da efetiva positivação desse instituto), em que leciona que amparou-se doutrinariamente o direito de sobrelevação, conhecido como direito de laje, situação muito comum em áreas favelizadas; com isso, criou-se a superfície de segundo grau, ver- dadeiro direito real, que não está tratado no rol do art. 1.225 do Código Civil. A hipótese parece ser de criação de direito real por exercício da autonomia privada, o que representa um grande avanço quanto ao tema (TARTUCE, 2017). Na edição de 2018, Tartuce (2018) reconhece o direito real de laje como um novo direito, mas não o distingue expressamente do direito de superfície. O direito à laje, em termos fáticos, já existia, pois eram práticas comuns a sua compra e sua venda. Antecipando a necessidade de regulação do instituto, o autor analisava no capítulo destinado ao direito real de superfície. Como mencionamos, no Direito comparado, usamos a expressão “su- perfície” (Direito italiano e suíço), o que acaba por causar confusão entre os institutos, e seus caracteres tendem a causar confusão. Dessa forma, é necessária a distinção entre ambos. A primeira definição que se apresenta é a do direito de superfície apresentada por Tartuce (2017, p. 227), para quem: A superfície é o instituto real pelo qual o proprietário concede a outrem, por tempo determinado ou indeterminado, gratuita ou onerosamente, o direito de construir ou plantar em seu terreno. Tal direito real de gozo ou fruição recai sempre sobre bens imóveis, mediante escritura pública, devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis. 5Direito real de laje Para Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 1.056-1.057), o direito de superfície se dá quando “O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis, segundo o art. 1.369”. O direito à superfície vem prescrito entre os arts. 1.369 a 1.377 do Código Civil (BRASIL, 2002). O direito de superfície prescrito no Código Civil de 2002 surge para substituir a antiga enfiteuse, que tinha por marca sempre ser onerosa, perpétua e necessitar de pagamento do laudêmio, valor mínimo de 2,5% sobre o preço a cada alienação que se pagava ao senhorio quando este não exercesse o direito de preferência (art. 686 do Código Civil de 1916). No direito de superfície, há o proprietário, chamado de fundieiro, que é quem cede o uso da superfície do bem imóvel a outrem, chamado de super- ficiário, que recebe a coisa para a construção ou plantação. Formam-se dois patrimônios distintos sobre as partes, cada qual com seus encargos. Ressaltamos que há o direito de superfície prescrito no Código Civil de 2002 e o direito de superfície previsto no Estatuto da Cidade, Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, entre os arts. 21 a 24. No direito de superfície, podemos constituir o direito sobre a propriedade superficiária separadamente ou o direito de superfície sobre outro direito de superfície. Assim, é concedido ao superficiário o direito de utilizar a proprie- dade superficiária separadamente de seu solo, que permanecerá sob o domínio do proprietário cedente. Por essa razão, nesse direito, será possível efetuar uma construção ou plantação ou apenas o direito de alienação de construção ou plantação já existentes. No direito real de laje, diferentemente do direito de superfície, há o direito efetivo sobre a laje, em que o lajeário recebe a propriedade sobre a laje, go- zando e dispondo dela. Por exemplo, enquanto o lajeário tem a propriedade de metade da alvenaria divisória entre um imóvel e outro, o superficiário não tem a propriedade sobre o solo sobre o qual se assenta o seu direito de superfície. Além disso, no direito de superfície, o superficiário fica constrangido pela finalidade a ele concedida, nos termos do art. 1.374 do Código Civil, em que “Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao Direito real de laje6 terreno destinação diversa daquela para que foi concedida” (BRASIL, 2002, documento on-line). Isso significa que se o proprietário concedeu o direito de superfície para uma destinação específica, como o plantio de soja, a alteração de uso dessa superfície determinará a extinção do direito de superfície. O direito real de laje não contempla norma específica nesse sentido, o que não impede contratação conforme prescrito no art. 1.374 do Código Civil. Se não houver, na concessão do direito real de laje, uma prescrição específica quanto à finalidade, poderá o lajeário dar destinação diversa à laje (como a alteração de imóvel residencial para comercial, por exemplo). O direito à superfície poderá se dar não apenas para a construção, mas igual- mente para o plantio, tendo sido esse um dos motivos para o seu surgimento. O direito à laje surge, primordialmente, em razão de um déficit habitacional do País e da solução encontrada por milhões de brasileiros que não têm acesso ao solo. Embora não conste na legislação do direito de laje, a sua gênese aponta que não poderia ser cedido para o plantio (o que poderia vir até mesmo a comprometer a estabilidade e segurança da construção-base, mas a doutrina, com o surgimento de discussões, certamente enfrentará a possibilidade no futuro). O direito de superfície não tem como pressuposto uma construção, visto que poderá ser estabelecido sobre a terra nua. O direito de laje necessita de uma construção-base, seja sobre a propriedade concedida (nos casos em que o subsolo é concedido), seja sob o imóvel concedido (como nos casos mais comuns, em que a laje concedida está acima do imóvel-base). Os dois institutos têm núcleos distintos inclusive. No direito de superfície, o núcleo está centrado na construção ou plantação (que poderá, inclusive, importar na reversão do direito em caso de seu descumprimento, como antes referido); no direito de laje, salvo estipulação em contrário, o lajeário poderá fazer o uso que lhe aprouver (resguardada a necessidade habitacional). Isso significa que o lajeário, uma vez cedida a laje, poderá: construir sua moradia sobre a laje ou não; construir a sua moradia ou um pequeno comércio; colocar uma piscina para seu desfrute, se a estrutura permitir, por exemplo. 7Direito real de laje O lajeário, no momento da construção, deverá se submeter ao prescrito na escritura de sua constituição, às normas de construção e à legislaçãomunicipal. Os municípios podem estabelecer importantes restrições construtivas. Segundo o art. 1.510-B do Código Civil, em seu § 5º: “Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje” (BRASIL, 2002, do- cumento on-line). A legislação prescreveu, ainda, normas que se assemelham às obrigações condominiais, como a proibição de o titular da laje prejudicar os demais pro- prietários do mesmo prédio com obras novas ou falta de reparos. Não poderá o lajeário prejudicar a linha arquitetônica ou o arranjo estético do imóvel como um todo (enfeiamento). A lei ainda prescreve a observância das normas condominiais quanto às despesas do prédio (o que reforça a sua distinção de um condomínio, uma vez que é apenas a observância das normas, não a adoção de um condomínio), assim como o partilhamento das despesas dos serviços comuns que servem ao prédio. Embora não se trate de um condomínio, o legislador preocupou- -se com a solidez, a harmonia e o custeio das despesas do imóvel comum. No direito de superfície, não há essa preocupação do legislador, tampouco a necessidade de expressa regulamentação nesse sentido, visto que se poderá ceder a superfície de terra nua inclusive. O legislador prescreveu, ante a característica do direito de laje, as partes que serão comuns às duas propriedades (construção-base e laje), quais sejam: alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio; telhado ou terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje; instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar- -condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício. Direito real de laje8 Direito real de laje e possibilidades de regularização de moradias irregulares A necessidade de desenvolvimento do País no fi nal do século XIX levou ao acolhimento de milhares de imigrantes europeus e ao fi m da escravidão, fazendo milhares de negros serem expulsos do campo em direção às cidades. Essas populações — especialmente nas cidades mais populosas, como Rio de Janeiro e São Paulo — demandaram não apenas trabalho, mas moradia e serviços urbanos. Foi apenas na década de 1930 que o Poder Público iniciou com uma incipiente política urbana por meio dos antigos institutos de apo- sentadoria e pensão para fi nanciar casas de aluguel. Entretanto, o custo dessas moradias se tornava proibitivo para essas popu- lações em comparação às moradias irregulares. A partir da década de 1950, o desenvolvimento das cidades e sua reurbanização fizeram o Poder Público desenvolver diferentes políticas, constituindo a mais famosa a desenvolvida pelo Banco Nacional de Habitação, extinto na década de 1980. As políticas posteriores — como o Plano de Ação Imediata para a Habitação, da década de 1990, ou o Programa Minha Casa Minha Vida, do ano de 2009 — não conseguiram resolver o problema em face da falta de recursos públicos. Nesse sentido, as ocupações ilegais espalharam-se nos grandes centros urbanos como resposta à falta de uma política clara e acessível para uma população carente de espaço, estrutura viária e serviços básicos para a moradia, o que leva o País a ter um déficit populacional de cerca de oito milhões de moradias. A Lei nº. 13.465/2017, que instituiu o direito de laje, igualmente imple- mentou uma política de regularização fundiária urbana, com nítido caráter de regularizar moradias irregulares, como consta em seu art. 9º: Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes (BRASIL, 2017, documento on-line). Além do direito real de laje, a nova lei legitimou a posse como forma de regularização fundiária, estabelecendo, no art. 11º, VI, a legitimação da posse como forma de regularização, a qual vale transcrever: 9Direito real de laje Para fins desta Lei, consideram-se: [...] legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, conversível em aquisição de direito real de pro- priedade na forma desta Lei, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse (BRASIL, 2017, documento on-line). A conversão dessa posse em propriedade se dá pela usucapião administra- tiva, assim, o Poder Público confere título aos ocupantes de imóvel, em que atestará a identificação de seus ocupantes, o tempo da ocupação e a natureza da posse para posterior conversão em direito real de propriedade. Passados 5 anos do registro do título conferido, será convertida a posse legitimada, automaticamente, em propriedade, nos termos do art. 26 da Lei nº. 13.465/2017 (BRASIL, 2017). O título conferido pelo Poder Público poderá ser cancelado a qualquer momento caso não estejam mais presentes os requisitos da prescrição aquisitiva (de usucapião), conforme art. 27 da Lei nº. 13.465/2017, em que se prescreve que “O título de legitimação de posse poderá ser cancelado pelo poder público emitente quando constatado que as condições estipuladas nesta Lei deixaram de ser satisfeitas, sem que seja devida qualquer indenização àquele que irregularmente se beneficiou do instrumento” (BRASIL, 2017, documento on-line). Outra forma de regularização é a possibilidade de usucapião coletiva de núcleos urbanos informais, que já encontrava previsão legal na Lei nº. 10.257/2001, mas que passa, a partir da nova lei, a se destinar às ocupações informais com área inferior a 250m2 por possuidor. Facilitou definitivamente a usucapião de áreas favelizadas, apenas dificultando, em caso de demanda judicial, o cálculo pelo juízo da área usucapível para os posseiros, mas não há dúvida que se implementa uma nova política de assentamento e regularização das camadas sociais menos abastadas. Há também a possibilidade de arrecadação dos bens vagos pela municipa- lidade, que são aqueles abandonados por seus proprietários pelo período de 3 anos, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, consoante prescrição do art. 1.276 do Código Civil. A política fundiária abrange ainda uma série de outras possibilidades disponíveis à Administração Pública, como: Direito real de laje10 usucapião; consórcio imobiliário; desapropriação por interesse social; direito de preempção; transferência do direito de construir; requisição; em caso de perigo público iminente, a intervenção do Poder Público em parcelamento clandestino ou irregular; alienação de imóvel pela Administração Pública diretamente para seu detentor; concessão de uso especial para fins de moradia; concessão de direito real de uso; doação; compra e venda. A perempção é a forma de aquisição da propriedade pelo Poder Público para a regu- larização fundiária, em que a Administração Pública tem a preferência na aquisição de bens entre particulares, nos termos do art. 25 da Lei nº. 10.257/2001. A grande variedade de possibilidades disponíveis ao Poder Público para a regularização fundiária permite a regularização por meio de diferentes meios, mas a compreensão de que os particulares têm a condição de auxiliar na questão fundiária permitiu a introdução do direito real de laje como política urbana de regularização fundiária. É exatamente pela necessidade de garantia de obtenção de serviços públicos básicos e segurança nas relações entre particulares que esse novo instituto ganha sua relevância. O direito real de laje constitui, assim, além da instrumentalização de uma realidade fática muito comum nos bairros mais populares, a transferência pelo Poder Público aosparticulares da possibilidade de regularização de imóveis e moradias que antes se encontravam à margem da lei. A partir da implementação desse direito, os lajeários ganham a condição de exigir serviços públicos, legar a seus herdeiros um patrimônio e residir sem o risco de uma política urbana posterior que retire sua moradia. Certamente se trata de um grande avanço para o ordenamento jurídico nacional. 11Direito real de laje BRASIL. Lei nº. 9.310, de 15 de março de 2018. Institui as normas gerais e os procedimen- tos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana e estabelece os procedimentos para a avaliação e a alienação dos imóveis da União. Diário Oficial da União, 16 mar. 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/ D9310.htm. Acesso em: 24 jul. 2019. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm. Acesso em: 24 jul. 2019. BRASIL. Lei nº. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; altera as Leis nos. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 13.001, de 20 de junho de 2014, 11.952, de 25 de junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de outubro de 2011, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de maio de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de 1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de agosto de 2012, a Medida Provisória nº. 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis nos. 2.398, de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365, de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei Complementar nº. 76, de 6 de julho de 1993, e da Lei nº. 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 8 set. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/ decreto/D9310.htm. Acesso em: 24 jul. 2019. GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Manual de Direito Civil: volume único. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. TARTUCE, F. Direito Civil: direito das coisas. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017. TARTUCE, F. Manual de Direito Civil: volume único. 8. ed. Rio de Janeiro: Método, 2018. Leitura recomendada VENOSA, S. S. Direito Civil: reais. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017. Direito real de laje12
Compartilhar