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Crime De tortura e de Maus Tratos

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Crime De tortura e de Maus Tratos
O Código Penal de 1830 não previa o caso de castigos excessivos e, expressamente, afirmava ser justificável o crime quando consistisse em castigos moderados dos pais aos filhos, dos senhores aos escravos e dos mestres aos discípulos. A matéria não constou do Código Penal de 1890.
Veio o Código Penal de 1940 que disciplinou, no artigo 136, casos de excessos nos meios de correção e disciplina, como também qualquer outra espécie de maus-tratos, infligidos a pessoa que o agente tenha sob sua guarda, vigilância ou autoridade, para o fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, hipóteses essas que já estavam previstas no Código de Menores(artigo 137 a 140) e introduzidas na Consolidação das Leis Penais de 1932(artigo 292, incisos VI a X), como crimes autônomos, envolvendo castigos imoderados, maus-tratos habituais, privação de alimentos ou dos cuidados, excesso de trabalho. 
Assim se lê no artigo 136 do CP:
 Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
 § 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
 § 2º - Se resulta a morte: 
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
 § 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)
 Ensinou Nelson Hungria (Código penal comentado, volume V, pág. 450) que “educação compreende toda a atividade docente destinada a aperfeiçoar, sob o aspecto intelectual, moral, técnico ou profissional, a capacidade individual. Ensino é tomado, aqui, no sentido menos amplo que o de educação: é a administração de conhecimentos que devem formar o fundo comum de cultura (ensino primário, ensino propedêutico). Tratamento abrange não só o emprego de meios e cuidados no sentido da cura de moléstias, como o fato continuado de prover a subsistência de uma pessoa. Finalmente, a custódia deve ser entendida em sentido estrito: refere-se à detenção de uma pessoa para fim autoridade em lei. Assim o crime em questão é praticável por pais, tutores, curadores, diretores de colégio ou de institutos profissionais, professores, chefes de oficina ou contramestres, enfermeiros, carcereiros etc”. 
É crime de menor potencial ofensivo, com pena de detenção de dois meses a um ano ou multa. Por sua vez, a superveniência de lesões graves ou de morte alteram a pena para reclusão de um a quatro anos e, de quatro a doze anos, respectivamente. As lesões corporais quando leves são absorvidas por aqueles (JTACrSP 54/289). Há causa de aumento de pena, de 1/3, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14(quatorze) anos.
 É delito de ação múltipla, podendo realizar-se por mais de uma forma. Em algumas delas será necessária a habitualidade, mas noutras o emprego habitual não é requisito.
 Trata-se de crime de perigo e o objeto da tutela é a vida e a incolumidade pessoal. Repudia-se a violência física como meio pedagógico, segundo a correta lição de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial – artigos 121 a 212 – 7ª edição, pág. 166).
 O sujeito ativo é quem tem a vítima sob sua guarda, vigilância ou autoridade, para o fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Há a exigência de um vínculo obrigacional entre o agente e a vítima, importando o crime em violação de um dever preexistente. Do contrário, não havendo essa especial obrigação jurídica, o crime será o do artigo 132 do CP. Sendo assim é crime de mão própria. 
O sujeito passivo é o menor de 18 anos e ainda qualquer pessoa submetida à guarda, vigilância ou autoridade de outra, para fins de educação, ensino etc. 
Como crime de perigo pode ser cometido através das seguintes modalidades
a) Privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis;
 b) Sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado; 
c) Abusando dos meios de correção e disciplina.
 Na primeira modalidade o crime é omissivo.
 O abuso dos meios de correção ou indisciplina é o emprego de castigos corporais imoderados, com propósitos coercitivos ou disciplinares.
 É possível a tentativa nas modalidades comissivas. Mas tal entendimento não é pacífico. Disse Magalhães Noronha que Impugnam-na, dentre outros, Manzini e Maggiore. Mas admitem-na, Manfredini. Nesse ponto, Magalhães Noronha (obra citada, pág. 112), entende que, tratando-se de crime de perigo, na modalidade de omissão, é difícil caracterizar-se a tentativa, máxime quando se exigir a habitualidade. Já na forma comissiva não parece impossível a tentativa.
 É salutar a lição de Magalhães Noronha (Direito Penal, 12ª edição, págs. 110 e 111) quando diz:
 “Por privação de alimentos não há que se há de entender a supressão total, que seria antes meio de homicídio, mas a insuficiência, carência ou falta, molesta à saúde do ofendido. Mesmo como castigo disciplinar nos presídios – ao contrário do que outrora acontecia – tal não é admitido, pois a isso se impõe o artigo 32 do Código. A privação de cuidados diz respeito às cautelas necessárias à vida e à higidez da pessoa, v.g, o pai que, por sovinice, não desse cama ao filho, tolerando que ele dormisse no chão duro e frio. Como é notório, nestas duas primeiras modalidades, o crime é omissivo.
 A terceira forma do elemento material é a sujeição a trabalho excessivo ou inadequado. O primeiro é o que produz fadiga além do normal ou natural. Deve ser relacionado à vítima: o que não será excessivo para um musculoso estivador, poderá esgotar, em pouco, a pessoa débil e franzina. 
Trabalho inadequado é o impróprio, inconveniente ou discorde. É o que não se coaduna com o sujeito passivo. Ainda aqui a consideração deste é indeclinável. Tanto isso é exato que todos sabemos das restrições impostas ao trabalho dos menores de 18 e maiores de 14 anos (Decs. Nº 1.801, de 11 – 8 - 1917, e 22.042, de 3 – 11 – 1932; Código de Menores, artigos 101 a 125, e outras leis).
 Constitui ainda maus tratos o abuso de meios de correção e disciplina. Abuso é uso ilegítimo, é mau emprego, é excesso de uso. Ao contrário das hipóteses precedentes, em que o agente pode proceder por impaciência, grosseria etc, o fim agora é lícito – corrigir e disciplinar -, porém, o autor excede-se nos meios empregados. Tal excesso pode consistir em violência física, diversa da vis tolerada pelo escopo disciplinar(advirta-se, entretanto, que os castigos corporais estão, hoje, quase abolidos, sendo inadmissíveis na disciplina escolar), ou em violência moral, de que são exemplos as ameaças, as intimidações, o impedimento do sono, a coação a fadigas excessivas(para nós, antes, violência física, estes dois últimos meios), o terror, a coação a visões terrificas ou repugnantes etc, sempre se tendo em conta a idade ou outras condições pessoais do sujeito passivo”.
 Disse ainda Magalhães Noronha (obra citada, pág. 111) que, no abuso, o meio deve ser lícito, mas torna-se ilegítimo pela intensidade ou qualquer outra circunstância. 
O elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo, a vontade livre e consciente de expor a perigo a vida ou a saúde da vítima, através de maus-tratos (dolo direto), ou a aceitação do risco de exposição a perigo (dolo eventual).
 A jurisprudência já entendeu que é lícito ao pai punir o filho e os limites do poder de corrigir são elásticos (RT 567/334). Entendeu-se ainda que o castigo físico imposto pelo pai a filho menor, com moderação, adequação às circunstâncias e com finalidade pedagógica não configura o ilícito (RJTDACRIM 11/127). Ainda se entendeu que se configura o crime nos casos de surra (RT 426/406, 651/329), espancamento (JTACrSP 61/240, 49/394), paulada, no uso de chicote, no colocar ou fazer colocar formigas sobre o corpo do aluno, a título de castigo. Nas escolas não se admitem castigos corporais (RT 376/248).
 Consuma-seo crime de maus-tratos com a ação ou omissão – isolada ou habitual, previstos em lei, que venha acarretar perigo para a vida ou a saúde do sujeito passivo. Como tal é desnecessário o dano. 
Há maus-tratos e não sequestro se a finalidade do encerramento foi corretiva, ainda quando ocorra o excesso (RT 547/378). Sendo o abuso de autoridade elemento integrante do tipo, não se aplica a circunstância agravante prevista no artigo 61, II, f, do CP (RT 546/332). 
Se a vítima é criança(com idade até 12 anos) ou adolescente(até 18 anos), os maus tratos podem configurar o crime de tortura, que era antes previsto no artigo 233 da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990(Estatuto da Criança e do Adolescente) e agora definido no artigo 1º , II, da Lei9.455, de 7 de abril de 1997. 
A propósito foi sancionada a chamada “Lei da Palmada”, que recebeu o nome de Lei menino Bernardo, onde se proíbem os castigos físicos para crianças e adolescentes. A Lei prescreve que as crianças e adolescentes têm o direito de ser educados sem castigo físico que provoque dor ou lesão, nem tratamento cruel ou degradante, que ocorre quando o pai ameaça o filho. A mensagem trazida pela lei é de que os pais devem criar os filhos com conversa e paciência e que um comportamento agressivo traz consequências. As denúncias devem ser levadas aos conselhos tutelares, que vão decidir que medidas devem ser aplicadas e dependendo do caso, os pais podem ser obrigados a fazer tratamento psicológico, cursos ou simplesmente vão receber uma advertência. Mas não é dever do Conselho dizer como os pais devem educar o seu filho, mas pontuá-la na proteção da criança. 
Por sua vez, os maus-tratos à pessoa idosa, que venham a consistir na sua submissão a condições desumanas ou degradantes ou a trabalho excessivo ou inadequado, ou, ainda na privação de alimentos ou cuidados indispensáveis, a que estava o agente obrigado a prestar, está tipificado no artigo 99 da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003(Estatuto do Idoso),em que se cominam penas idênticas para as mesmas formas qualificadas previstas no artigo 136, § § 1º e 2º. Tem-se desta forma crimes qualificados por resultado. Assim se entendeu que “se o menor vítima estava sob os cuidados e guarda da acusada, que a ela infligia constantes maus-tratos, provocando-lhe a morte, o delito a ser cogitado, na espécie é o do artigo 136, § 2º, e não o do artigo 129, § 3º, ambas do CP”. 
O crime de maus-tratos está disciplinado no artigo 134 do Anteprojeto do Código Penal, quando se diz: “Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custodia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”. A pena é de prisão de um a cinco anos. Se do fato decorrer lesão corporal grave, em qualquer grau, aplicam-se também as penas de lesão. Se resulta morte, aplicam-se também as penas de homicídio. 
Distingue-se o crime de maus-tratos do crime de tortura. 
A propósito, tem-se a jurisprudência a seguir:
 "TORTURA E MAUS TRATOS – CRIANÇA – DISTINÇÃO "A distinção entre os crimes de maus tratos e de tortura deve ser encontrada não só no resultado provocado na vítima, como no elemento volitivo do agente; assim se abusa do direito de corrigir para fins de educação, ensino, tratamento e custódia, haverá maus tratos, ao passo que caracterizará tortura quando a conduta é praticada como forma de castigo pessoal, objetivando fazer sofrer, por prazer, por ódio ou qualquer outro sentimento vil. "Caracteriza tortura a conduta do agente que, tendo criança sob sua guarda, a pretexto de corrigi-la, submete-a de forma contínua e reiterada, a maus tratos físicos e morais, causando-lhe intenso e angustiante sofrimento físico e mental" (Ap. Crim. n. 98.014413-2, de São José do Cedro, rel. Des. Nilton Macedo Machado). "APELAÇÃO CRIME. TORTURA. VÍTIMA CRIANÇA SOB PODER E AUTORIDADE DO PAI. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE MAUS TRATOS. IMPOSSIBILIDADE. UMA VEZ FARTAMENTE DEMONSTRADO NOS AUTOS QUE O AGENTE CAUSOU PROFUNDO SOFRIMENTO FÍSICO E PSÍQUICO NA VÍTIMA, NA MEDIDA EM QUE AS LESÕES APRESENTADAS PELO MENOR, DESCRITAS NO AUTO DE EXAME DE CORPO DE DELITO, BEM COMO VISUALIZADAS PARCIALMENTE NAS FOTOGRAFIAS, IMPOSSÍVEL PREVALECER A TESE DE QUE HOUVE APENAS EXCESSO NOS ATOS DE CORREÇÃO E EDUCAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA DEFESA" (TJRS – Ap. Crim. n. 70008848517 – rel. Des. Marcel Esquivel Hoppe – j. 15.9.2004). "DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE TORTURA PARA O DE MAUSTRATOS - IMPOSSIBILIDADE. Demonstrado nos autos que o agente causou profundo sofrimento físico ou psíquico na vítima, na medida em que a espancava reiteradamente, não há como prevalecer a tese de que houve apenas excesso nos atos de correção e educação, restando inviável o pedido de desclassificação da tortura para o crime de maus-tratos" (Ap. Crim. n. 2003.022881-0, de São José do Cedro, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler). 
O que distingue os maus-tratos do crime de tortura é principalmente o propósito do agente. Nos maus-tratos o objetivo é a simples correção ou a disciplina. Na tortura é o castigo pessoal ou a medida de caráter preventivo. O intenso sofrimento da vítima, físico ou mental, caracteriza tortura quando imposto como castigo pessoal.
 O crime de tortura se encontra balizado pela Lei 9.455/97, que teve como ponto de partida os termos da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, ficando a tortura no processo de progressiva incorporação no Ordenamento Jurídico Internacional. Isto se vê no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1976, que foi ratificado pelo Brasil, em 1992, onde se lê, no artigo 7º, que “ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa sem seu livre consentimento, a experiências médicas e científicas”.
 Em 1975 foi elaborado texto constante da Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.
 A Assembleia-Geral da ONU adotou a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes(1984) e foi ratificada pelo Brasil no ano de 1989 e por mais de aproximadamente 123 países. 
Tem-se o conceito de tortura: 
Art. 1º - O termo tortura designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido: de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação ou como o seu consentimento ou aquiescência. 
A Lei 9.455/97, primeira norma nacional que traz definição do que seja crime de tortura, dita: 
Art. 1º. Constitui crime de tortura: I. constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental:
 a. com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
 b. para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; 
c. em razão de discriminação racial ou religiosa;
 II. submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. 
§ 1º. Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
 § 2º. Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detençãode um a quatro anos. 
Por sua vez, o crime de tortura-castigo está elencado no artigo 1º, inciso II da Lei 9.455/97, onde se diz: “Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Não são todas as pessoas que podem praticar tortura, mas somente quem tem alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, e emprega contra essa pessoa violência ou grave ameaça, causando intenso sofrimento físico ou mental, com o objetivo de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Assim a intensidade do sofrimento irá definir o crime de tortura. 
Mário Coimbra(Tratamento do injusto penal da tortura, 2002, pág. 186) ensinou com relação ao crime de tortura-castigo que, no tocante à quarta modalidade de tortura, inserida no art. 1º, inciso II, da lei em exame, o núcleo reitor do tipo está representado pelo verbo submeter, que, no sentido do texto, denota a ação de sujeitar, de subjugar a vítima a intenso sofrimento físico ou mental. Tal modalidade de tortura é conhecida por punitiva/vingativa e intimidatória, por ser aplicada, com a finalidade de castigar a vítima ou mesmo para prevenir a prática de eventual indisciplina, nos casos em que o torturador detém a sua guarda ou tenha, sobre ela, poder ou autoridade”. 
Necessário para se caracterizar o crime de tortura: o meio empregado (violência ou grave ameaça), as consequências sofridas pela vítima (constrangimento e o sofrimento físico/mental) e a finalidade pretendida. 
Na lição abalizada de Luciano Maia (Tortura no Brasil: a banalidade do mal) há várias condutas que podem tipificar o delito de tortura. Nenhuma delas é exclusiva de agente púbico. Disse ele: “A lei brasileira, contrariamente às convenções internacionais, optou por criminalizar a tortura como tal, deixando de lado a tendência consolidada nas Nações Unidas, e mesmo no âmbito da Organização dos Estados Americanos, de relacioná-la a agentes do Estado. 
Fala-se em sofrimento físico ou mental. Ainda nos diz Luciano Maia (obra citada) que “enquanto não parece haver dúvida quanto ao que significa sofrimento físico, o mesmo não se dá quando se refere a sofrimento mental. McGoldrick critica o Comitê de Direitos Humanos da ONU que, examinando casos de violação ao artigo 7º do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, não se revelou capaz de definir sofrimento mental ou psicológico, muito menos de apontá-lo como forma de tortura. 
Disse ainda Luciano Maia: “Alcança várias situações reclamadas no âmbito internacional como necessárias de serem incluídas no rol de condutas que significam tortura, tais como violência doméstica contra crianças, em que os agressores são indivíduos destituídos de poder do Estado, mas imbuídos da autoridade paterna. Alcançará maridos, namorados, amantes, que, através da força física e econômica, submetem suas mulheres ou companheiras a intenso sofrimento físico ou mental? Terão eles guardam, poder ou autoridade sobre suas mulheres, companheiras ou amantes, para que possa se configurar tortura a violência praticada? 
Creio que a resposta deve ser afirmativa. Com Lisa Kois, também considero possível afirmar que essas formas de violência contra a mulher resultam de um contexto de construção patriarcal da sexualidade feminina, e "conquanto a violência perpetrada contra as mulheres em casa não seja inteiramente análoga com a tortura oficial de mulheres, inobstante isso ela existe em um mesmo continuum de violência contra a mulher como um instrumento poderoso em sistemas que mantêm a mulher oprimida e lhes nega seus direito de plena participação em suas sociedades. As técnicas empregadas na perpetração de tortura oficial e de tortura doméstica são análogas, assim como o são os objetivos".
 Com relação ao crime previsto no 1º, §1º, da Lei nº 9.455/97, que se trata de forma de tortura, afigura-se o exemplo da aplicação de “corretivo”, ao detento. No caso, como ensinam Sheila Bierrenbach e Marcellus Polatri Lima(Comentários à lei de tortura – Aspectos penais e processuais penais – 2006, pág. 70), Guilherme de Souza Nucci(Leis penais e processuais penais comentadas, 2008, pág. 1.093) e ainda Antônio Lopes Monteiro(Crimes hediondos, 2008, pág. 98), basta, para a configuração do crime, o dolo de praticar a conduta descrita no tipo objetivo. Neste aspecto a ausência do especial fim de agir nesta modalidade de tortura diferencia-se das demais previstas no texto legal que, por outro lado, exigem sua presença. Nas formas de tortura, descritas no artigo 1º, incisos I e II, somente se perfazem se tiver agido o agente imbuído por uma finalidade específica. No caso do inciso I, para “obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; provocar ação ou omissão de natureza criminosa e por motivo de discriminação racial ou religiosa”. Já no caso do inciso II, no intuito de “aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”, se a vítima se encontra presa não se exige o especial fim de agir na conduta do agente. A esse respeito, é mister a leitura do voto-vista do Ministro Félix Fischer, no Recurso Especial 856.706 – AC. 
A teor do artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal a tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. 
Trata-se de crime próprio em que o sujeito ativo é quem detém autoridade, guarda ou poder sobre a vítima. O sujeito passivo é quem estiver sob essa relação que deve ser de dependência, não necessariamente no exercício de uma função pública. Tem-se a lição de José Ribeiro Borges (Tortura: aspectos históricos e jurídicos: o crime de tortura na legislação brasileira – análise da lei nº 9.455/97, 2004, pág. 178) de que “é punição, penalidade, provocação com objetivo de correção ou emenda. Não precisa ser lesivo à pessoa no sentido de causar-lhe lesões, muito menos revestir-se de natureza cruel”. A medida de caráter preventivo, como disse ainda João Ribeiro Borges, “não obstante o caráter vago do termo pode ser entendida como expediente de que se valha para coibir a prática de ações consideradas danosas sob o ponto de vista penal, ligando-se assim a ideia de prevenção criminal”.
Consuma-se o crime de perigo quando a vítima é submetida ao intenso sofrimento, podendo falar-se em tentativa.
 Os crimes de lesões corporais leves, constrangimento ilegal e ameaça são absorvidos pelo crime de tortura.
 A teor do artigo 1º, § 5º, da Lei nº 9.455/97, a condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Pode-se entender, a teor do artigo 92, I, do Código Penal que os efeitos extrapenais da condenação passada em julgado são específicos e não automáticos. Só se aplicam a certas hipóteses de determinados crimes e dependem de a sentença condenatória tê-los motivadamente declarado, de modo a deixar claras a necessidade e a adequação ao condenado. No entanto, com relação ao crime de tortura, o Superior Tribunal de Justiça, do que se lê do julgamento do HC 92.247 – DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, ao contrário do disposto no artigo 92, I, do Código Penal, que exige sejam externados os motivos para a decretação da perda do cargo, função ou emprego público, a Lei nº 9.455/97, em seu artigo 1º, § 5º, prevê como efeito extrapenal automático e obrigatório da sentença condenatória, a referida penalidade de perda de cargo, função ou emprego público. À propósito se tem o entendimento de Fernando Capez(Curso de direito penal, Legislação penal especial, volume IV, 2006, pág. 676 e 677) quando disse que: “De acordo com o artigo 92 do Código Penal, são efeitos da condenação a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, quando a pena aplicada for superior a 4 anos, qualquer que seja o crime praticado(redação determinada pela Lei nº 9.268/96). Dependem de o juiz declará-los expressa e motivadamente na sentença (CP, art. 92, parágrafo único).No entanto, para os crimes de tortura há o regramento específico no art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.455/97, o qual dispõe que ‘a condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego e a interdição para seu exercício pelo prazo do dobro da pena aplicada’. Dessa forma, trata-se de efeito extrapenal secundário genérico e automático, o qual, ao contrário do art. 92 do CP, independerá de expressa motivação na sentença. Haverá, assim, automaticamente, a perda do cargo, função ou emprego e a interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Vejam que a Lei nº 9.455/97 não impôs para a perda do cargo, função ou emprego público qualquer limite de pena, diferentemente do art. 92 do CP”. 
Ora, como consignado pelo Ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do AI 769.637 AgR/MG, o crime de tortura é delito comum, sendo-lhe inaplicável o disposto no artigo 125, § 4º, da Constituição, que determina que compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Decidiu-se ainda que, no caso da Lei nº 9.455/97, “a sanção de perda do cargo é acessória e automática”, como se lê do precedente no HC 92.181/MG, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento de 3 de junho de 2008. 
Outro aspecto a ser levado em conta diz respeito a aplicação do artigo 2º da Lei nº 9.455/97, em que se lê: “O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira”. É sabido que o Código Penal acolhe como princípio geral o da territorialidade, pelo qual a lei penal brasileira é aplicada em nosso território, independentemente da nacionalidade do autor e da vítima do delito. Tal regra não é aplicada de modo absoluto, pois são previstas exceções a partir das ressalvas do artigo 5º do Código Penal. Por sua vez, o artigo 7º do Código Penal prevê casos especiais de extraterritorialidade, pela aplicação de outros princípios, como os da defesa, da nacionalidade, da justiça universal e da representação. O caso do artigo 2º da Lei nº 9.455/97 é emblemático. Sabido é que são diversos os casos de tortura, que foram executados nos chamados “anos de chumbo”, envolvendo mais de um País. Aplica-se a lei brasileira de tortura, ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira. A primeira parte (crime de tortura praticado no estrangeiro sendo a vítima brasileira) se refere a uma hipótese de extraterritorialidade incondicionada (que não depende de requisitos), que se distancia da extraterritorialidade condicionada (quando se subordina a certas condições ou pressupostos). Já a segunda parte(crime de tortura praticado no estrangeiro encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira) é caso de extraterritorialidade condicionada, situação prevista em duas Convenções sobre tortura: Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes(artigo 12) e a Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura(artigo 5º), quando se condiciona que a lei será aplicada caso não haja extradição.

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