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• • • • • • • • • Membros problematicos de grupos Ainda estou para encontrar urn paciente que nao seja problematico, que navegue pelo curso da terapia como urn navio recem-bati- zado, escorregando pela rampa ate a agua. Cada membro de grupo deve ter urn proble- ma: 0 sucesso da terapia depende de cada in- dividuo encontrar e aprender a lidar com os problemas basicos da vida no aqui-e-agora do grupo. Cada problema e complexo, determi- nado e linico. A inten<;ao deste livro nao e promover urn compendio de solu<;6es para problemas, mas descrever uma estrategia e urn conjunto de tecnicas que possibilitem que 0 terapeuta se ada pte a qualquer problema que surja no grupo. A expressao "paciente problematico" ja e problematica por si s6. Tenha em mente que 0 paciente problematico raramente existe em urn vacuo, mas e urn amrugama que consiste de di- versos componentes: a propria psicodinamica do paciente, a dinamica do grupo e as intera- <;6es do paciente com os outros membros e 0 terapeuta. Geralmente, superestimamos 0 papel do carater do paciente, enquanto subestima- mos 0 papel do contexto interpessoal e social.1 Determinadas constela<;6es comporta- mentais ilustrativas merecem particular aten- <;ao por causa de sua ocorrencia comum. Urn questionario enviado pela Associa<;ao Norte- Americana da Psicoterapia de Grupo para terapeutas de grupo atuantes inquiriu sobre as quest6es criticas que 0 terapeuta de grupo deve dominar. Mais de 50% responderam: "Traba- lhar com pacientes diHceis". 2 Dessa forma, nes- te capitulo, voltamos nossa aten<;ao para pa- cientes diHceis e discutimos especificamente oito tipos cImicos problematicos: 0 monopoliza- dor, 0 paciente silencioso, 0 paciente aborreci- do, 0 queixoso que rejeita ajuda, 0 paciente psicotico ou bipolar, 0 paciente esquizoide, 0 paciente borderline e 0 paciente narcisista. o MONOPOUZADOR A besta negra de muitos terapeutas de gru- po e 0 monopolizador, uma pessoa que parece for<;ada a tagarelar incessantemente. Esses in- dividuos ficam ansiosos quando estao em silen- cio. Se outros tomam a palavra, eles se inserem novamente com uma variedade de tecnicas: correr para preencher 0 menor silencio, respon- der a cada afirma<;ao dita no grupo, responder continuamente aos problemas da pessoa que esta falando dizendo "tambem sou assim". o monopolizador pode descrever conver- sas com outras pessoas (muitas vezes assumin- do diversos papeis na conversa) em detalhes interminaveis ou apresentando relatos de ma- terias de revistas e jornais que podem ser ape- nas levemente relevantes para 0 problema do grupo. Esses monopolizadores mantem a pa- lavra assumindo 0 papel de interrogador. Uma mulher bloqueava 0 grupo com tantas quest6es e "observa<;6es" que impossibilitava qualquer oportunidade para os membros interagirem ou refletirem. Finalmente, quando os outros mem- bros a confrontaram furiosamente sobre 0 seu 310 IRVIN D. YALOM efeito perturbador, ela explicou que tinha medo do silencio, pois ele a lembrava da "calmaria antes da tempestade" em sua familia - 0 silen- cio que precedia os surtos explosivos e violen- tos do seu pai. Outros capturam a aten<;ao dos membros provocando-os com material bizar- ro, chocante ou sexualmente picante. Pacientes instaveis que tern urna veia dra- matica podem monopolizar 0 grupo pelo meto- do da crise: eles regularmente apresentam gran- des problemas de vida para 0 grupo, que sempre exigem aten<;iio urgente e prolongada. Outros membros intimidam-se e ficam em silencio, pois seus problemas parecem trivia is em compara- <;ao. ("Nao e facil interromper E 0 Vento Levou", como colocou urn membro de urn grupo.) Efeitos sobre 0 grupo Embora 0 grupo possa, na reuniao inicial, aceitar e talvez ate estimular 0 monopolizador, o humor logo se transforma em frustra<;ao e raiva. Alguns membros de grupos preferem nao silenciar outro membro por medo de incorre- rem na obriga<;ao de preencher 0 silencio. Eles preveem a replica 6bvia: "Ok, eu calo a boca e voce fala". E e claro que nao e possfvel falar em urn clima tense e protegido. Os membros que nao sao particularmente assertivos podem nao ITdar diretamente com 0 monopolizador por algum tempo. Em vez disso, eles fervem em silencio ou fazem ataques hostis indiretos. Geralmente, os ataques obliquos contra 0 mono- polizador apenas agravam 0 problema e ali- men tam 0 ciclo vicioso. 0 discurso compulsivo do monopolizador e uma-tentativa de lidar com a ansiedade. A medida que 0 paciente sente a tensao e 0 ressentimento crescendo no grupo, sua ansiedade aumenta, juntamente com a ten- dencia de falar compulsivamente. Nesses mo- mentos, alguns monopolizadores tern conscien- cia de que criam uma cortina de fuma<;a de palavras para impedir que 0 grupo fa<;a urn ataque direto. Finalmente, essa fonte de tensao nao-re- solvida tera urn efeito prejudicial sobre a coe- sao - urn efeito que se manifesta por meio de sinais de perturba<;ao do grupo como brigas indiretas e deslocadas do alvo, absentefsmo, desistencias e a forma<;ao de subgrupos. Quan- do 0 grupo enfrenta 0 monopolizador, geral- mente e com urn estilo e brutal. 0 porta-voz do grupo geralmente recebe apoio unanime - ja testemunhei ate uma rod ada de aplausos. 0 monopolizador pode entao ficar amuado, permanecer em completo silencio por uma ou duas reunioes ("veremos 0 que eles farao sem mim") ou deixar 0 grupo. De qual- quer jeito, todos obtem poucos resultados tera- peuticos com tudo isso. terapeuticas Como pode 0 terapeuta interromper 0 monopolizador de maneira terapeuticamente efetiva? Apesar da maior provoca<;ao e tenta- <;ao de gritar com 0 paciente ou de silencia-lo por decreto, urn ataque desses tern pouco va- lor (exceto como uma catarse temporaria para o terapeuta). 0 paciente nao tern beneficios: nao M aprendizado, a ansiedade subjacente ao discurso do paciente persiste e, sem duvida, voltara em salvas monopolizadoras ou, se nao houver uma v<ilvula de escape, for- <;ara 0 paciente a abandonar 0 grupo. 0 grupo tam bern nao tern beneffcios. Independente- mente das circunstancias, os OUtIOS se senti- rao amea<;ados pelo terapeuta ter silenciado urn dos membros de maneira autoritaria. Plan- ta-se uma semente de cautela e medo na men- te de todos os membros, e eles come<;am a ques- tionar se terao semelhante destino. Entretanto, 0 comportamento monopoli- wdor deve ser analisado e geralmente isso e tarefa do terapeuta. Embora 0 terapeuta deva esperar que 0 grupo lide com os seus proble- mas, 0 membro monopolizador e urn proble- ma que 0 grupo, e especialmente urn grupo jovem, muitas vezes nao consegue enfrentar. 0 paciente monopolizador representa uma amea- c;a para os seus fundamentos metodol6gicos: os membros do grupo sao estimulados para falar no grupo, mas esse membro especifico deve ser silenciado. 0 terapeuta deve impedir a elabora<;ao de normas que obstruam a tera- pia e, ao mesmo tempo, impedir que 0 pacien- te monopolizador cometa suicfdio social. Vma abordagem de duas vias e mais efetiva: consi- dere 0 monopolizador e 0 grupo que se deixou ser monopolizado. Essa abordagem reduz 0 perigo de haver bodes expiatorios e ilumina 0 papel que 0 grupo desempenha no comporta- mento de cada membro. Do ponto de vista do grupo, tenha em men- te 0 princfpio de que a psicologia individual e a do grupo sao intricadamente entremeadas. Nenhum paciente monopolizador existe em urn vacuo: 0 paciente sempre reside em urn equilfbrio dinamico com urn grupo que permi- te ou estimula tal comportamento.3 Assim, 0 terapeuta po de questionar por que 0 grupo permite ou estimula urn membro a carregar 0 fardo de toda a reuniao. Esse questionamento pode surpreender os membros, que se perce- bern apenas como vitimas passivas do monopo- lizador. Apos os protestos iniciais serem traba- lhados, os membros do grupo podem entao aproveitar e examinar a maneira como explo- ram 0 monopolizador. Por exemplo, talvez eles se sentissem aliviadospor nao terem de parti- cipar verbalmente do grupo. Eles podem ter permitido que 0 monopolizador fizesse todas as suas revela<;oes, ou parecesse tolo, ou agis- se como urn para-raios para a raiva dos mem- bros do grupo, enquanto eles mesmos assu- miam pouca responsabilidade pelas tarefas te- rapeuticas do grupo. Quando os membros re- velam e discutem as razoes para a sua inativi- dade, aumenta 0 seu comprometimento com 0 processo terapeutico. Eles podem, por exem- plo, discutir seu medo da assertividade, ou de prejudicar 0 monopolizador, ou de urn ataque de algum membra ou do terapeuta em retalia- <;ao. Podem preferir nao chamar a aten<;ao do grupo para nao expor a sua avareza e podem se deleitar secretamente com a sina do mono- polizador e gostar de fazer parte da maio ria vitimada e desapravadora. A revela<;ao de qual- quer uma dessas questoes por urn paciente que ainda nao estava envolvido significa progres- so e maior envolvimento na terapia. Em urn grupo, por exemplo, uma mulher submissa e cronicamente deprimida, Sue, ex- plodiu com uma raiva inusitada e cheia de ex- pletivos em resposta ao comportamento mono- polizador de outro membro. A medida que ex- plorau a sua explosao, Sue logo reconheceu que a sua raiva na verdade era voltada para PSICOTERAPIA DE GRUPO 311 dentro, partindo de sua propria repressao de si mesma, sua passividade, por evitar as suas proprias emo<;oes. "Minha explosao foi cons- trufda durante 20 anos", disse Sue, enquanto pedia desculpas e agradecia ao seu surpreso "antagonista" por cristalizar essa consciencia. A abordagem do grupo a esse problema deve ser complementada por meio de trabalho com 0 indiv{duo monopolizador. 0 princfpio basico e simples: nao se deseja silenciar 0 monopoliza- dor, nao se deseja ouvir menos do paciente - deseja-se ouvir mais. A aparente contradi<;ao se resolve quando consideramos que 0 monopoli- zador usa 0 seu discurso compulsivo para se esconder. As questoes que 0 monopolizador apresenta para 0 grupo nao refletem preocu- pac;oes pessoais profundas de maneira precisa, mas sao escolhidas por outras razoes: entreter, ganhar aten<;ao, justificar uma posi<;ao, apre- sentar queixas, e assim por diante. Dessa for- ma, 0 monopolizador sacrifica a oportunidade de fazer terapia pela necessidade insaciavel de atenc;ao e contra Ie. Embora cada terapeuta construa intervenc;6es segundo seu estilo pes- soal, a mensagem essencial para os monopoli- zadores deve ser que, por meio de seu discur- so compulsivo, eJes seguram 0 grupo e impe- dem que os outros se relacionem com eJes de maneira significativa. Assim, nao se deve rejei- ta-Ios, mas fazer urn convite para que se envol- yam de forma mais integral no grupo. Se tiver o objetivo unico de silenciar 0 paciente, voce tera, de fato, abandonado 0 objetivo terapeu- tico e sera ate melhor retirar aquele membra do grupo. As vezes, apesar de urn cuidado conside- ravel por parte do terapeuta, 0 paciente conti- nuara a entender apenas a mensagem: "Entao voce quer que eu cale a boca!" Esses pacientes acabarao deixando 0 grupo, seguidamente per- turbados ou com raiva. Embora este seja urn evento perturbador, as conseqiiencias da inati- vidade do terapeuta sao muito piores. Ainda que os membras remanescentes possarn lastimar a safda daquele membro, nao e incomum que eles reconhe<;am que eles mesmos estavam a beira de sair, se 0 terapeuta nao tivesse intervindo. Alem de seu comportamento nitidamen- te fora dos padr6es esperados no grupo, 0 sis- tema sensorial social dos monopolizadores tem 312 IRVIN O. YALOM uma grande limitac;ao. Eles parecem peculiar- mente inconscientes de seu impacto interpes- soal e da resposta dos outros a eles. Alem dis- so, nao possuem a capacidade ou a incIinac;ao para sentir empatia pelos outros. Dados de urn estudo explorat6rio corro- boram essa concIusao.4 Solicitou-se que pacien- tes e estudantes observadores preenchessem urn questionario ao final de cada reuniao do grupo. Uma das areas exploradas foi a ativida- de. Os participantes deveriam avaliar os mem- bros do grupo, incIuindo eles mesmos, com relac;ao ao numero total de palavras pronun- ciadas durante a reuniao. Houve excelente fi- dedignidade nas avaliac;oes da atividade entre os membros do grupo e os observadores, com duas excec;6es: (1) as avaliac;oes da atividade do terapeuta pelos pacientes apresentavam grandes discrepancias (uma func;ao da trans- ferencia; ver 0 Capitulo 7), e (2) os pacientes monopolizadores se colocaram muito abaixo nas avaliac;6es de atividade do que os outros membros, que costumavam ser unanimes em cIassificar 0 monopolizador como 0 membro mais ativo da reuniao. o terapeuta, entao, deve ajudar 0 mono- polizador a observar a si mesmo, incentivando o grupo a fornecer-Ihe feedback empatico e constante a respeito do seu impacto sobre os outros.5 Sem esse tipo de orientac;ao do lfder, 0 grupo pode dar feedback de maneira des cone- xa e explosiva, 0 que apenas torna 0 monopo- lizador defensivo. Essa sequencia tern pouco valor terapeutico e simplesmente recapitula urn drama e urn papel que 0 paciente ja desempe- - nhou muitas vezes. • Na entrevista inicial, Matthew, urn monopo- lizador, recIamou de seu relacionamento com a sua esposa, que, segundo dizia, cos- tuma recorrer subitamente a taticas pesa- das como humilha-Io em publico ou acusa- 10 de infidelidade na frente dos seus filhos. Essa abordagem agressiva nao produzia nada nesse homem e, assim que as feridas saravam, ele e sua esposa comec;avam 0 ci- cIo novamente. Nas primeiras reunioes, a mesma seqiiencia ocorreu no micro cosmo social do grupo: devido ao seu comporta- mento monopolizador, suas crfticas e sua incapacidade de ouvir a resposta dos mem- bros a ele, 0 grupo 0 encurralou cada vez mais, ate que, quando foi forc;ado a ouvir, a mensagem pareceu cruel e destrutiva. o terapeuta deve ajudar a aumentar a receptividade do paciente ao feedback. Talvez voce precise ser fume e diretivo, dizendo, por exemplo: "Charlotte, acho que seria melhor voce parar de falar; pois estou sentindo que ha sentimentos importantes sobre voce no grupo que the seriam uteis". Talvez voce tambem te- nha que ajudar os membros a revelar suas res- postas a Charlotte, em vez de suas interpreta- c;oes dos motivos dela. Conforme descrito an- teriormente nas sec;6es sobre 0 feedback e a aprendizagem interpessoal, e muito mais pro- veitoso e aceitavel dizer algo como "quando voce fala desse jeito, eu sinto ... " do que "voce esta se comportando assim porque ... " 0 pacien- te po de considerar as interpretac;oes motivacio- nais como acusac;6es, mas tera mais dificulda- de para rejeitar a validade das respostas subje- tivas dos outros.Y Comfreqilencia, confundimos ou trocamos os conceitos de manifesta(;iio res- posta e causa. A causa do comportamento monopolizador pode variar consigeravelmen- te de paciente para paciente: alguns individuos falam para se controlar, muitos sentem tanto medo de ser influenciados ou invadidos pelos outros que defendem suas decIarac;6es compul- sivamente, e outros exageram tanto 0 valor de suas ideias e observac;6es que nao conseguem esperar e precisam expressar todos os seus pen- samentos imediatamente. Geralmente, a cau- sa ou a intenc;ao real do comportamento do monopolizador nao e compreendida ate muito depois na terapia, e a interpretac;ao da causa po de ajudar pouco no manejo de padroes de comportamento diruptivos. E muito mais efeti- vo concentrar-se na manifestar;ao do self do pa- ciente no grupo e na resposta dos outros mem- bros ao seu comportamento. De maneira cor- tes mas repetida, devem-se confrontar os mem- bros com 0 paradoxo de que, nao importa 0 quanta possam desejar que os outros os acei- tern e respeitem, eles persistem em urn com- portamento que produz apenas irritac;ao, re- jeic;ao e frustrac;ao. Urn exemplo cUnieo de muitas dessas questoes ocorreu em urn grupo de terapia em urn hospital/prisao psiquiatrieo onde agres- soressexuais estavam encarcerados: • Walt, que estava no grupo havia tres sema- nas, comec;ou urn longo e conhecido tribu- to a notavel melhora que tinha feito. Des- creveu em detalhes minuciosos a maneira como seu problema era que ele nao havia entendido os efeitos prejudiciais que seu comportamento tinha sobre os outros e como agora, tendo chegado a esse entendi- mento, estava pronto para sair do hospital. o terapeuta observou que alguns dos mem- bros estavam irrequietos. Urn deles baria le- vemente com 0 punho na palma da mao, enquanto outros permaneciam sentados em uma posrura de indiferenc;a e resignac;ao. Ele interrompeu 0 monopolizador, pergun- tando aos outros membros do grupo quan- tas vezes eles ja tinham ouvido Walt fazer esse relato. Todos concordaram que ouviam a mesma hist6ria todas as reunioes - de fato, ouviram Walt falar assim na primeira reu- niao. Alem disso, eles nunca 0 haviam ou- vido falar em mais nada, e somente 0 co- nheciam como uma hist6ria. Os membros discutiram a sua irritac;ao com Walt, sua relutancia em ataca-Io por medo de machu- ca-Io seriamente, de perder 0 controle so- bre si mesmos ou de uma retaliac;ao dolo- rosa. Alguns falaram de ter perdido a espe- ranc;a de tocar Walt e do fato de que ele somente se relacionava com eles como es- tere6tipos de fig-mas humanas, sem carne ou profundidade. Outros ainda falaram de sentir medo de falar e se revelar no grupo. Portanto, aceitavam a monopolizac;ao de Walt. Alguns membros expressaram sua to- tal falta de interesse ou fe na terapia e, as- sim, nao interceptavam Walt por causa de sua apatia. Dessa forma, 0 processo ja estava determi- nado: uma variedade de fatores interliga- dos resultava em urn equilibrio dinamico, chamado monopolizac;ao. Interrompendo 0 processo desgovernado, descobrindo e tra- balhando os fatores subjacentes, 0 terapeuta tirou 0 maximo beneficio terapeutico de urn PSICOTERAPIA DE GRUPO 313 fenameno de grupo potencialmente debili- tante. Cada membro se aproximou do envolvirnento no grupo. Walt nao pade mais participar de urn modo que nao pudesse ser util para si mesmo ou para 0 grupo. E essencial orientar 0 paciente monopo- lizador para 0 processo auto-reflexivo de tera- pia. Digo a esses pacientes para refletirem so- bre 0 tipo de resposta que esperavam receber originalmente do grupo e compara-Io com 0 que acabou acontecendo. Como eles explicam a discrepiincia? Que papel planejavam nisso? Muitas vezes, os pacientes monopoliza- dores podem desvalorizar a importancia da reac;ao do gropo a eles. Eles podem sugerir que o grupo consiste apenas de pessoas perturba- das ou protestar: "Esta foi a primeira vez que algo assim aconteceu comigo". Se 0 terapeuta . impede 0 usa de bodes expiat6rios, essa decIa- rac;ao sempre sera incorreta: 0 paciente encon- tra-se ern urn lugar particularmente familiar. A diferenc;a no gropo e a presenc;a de normas que permitem que os outros comentem 0 seu com- portamento abertamente. o terapeuta aumenta a forc;a terapeutica encorajando esses pacientes a examinarem e discutirem as dificuldades interpessoais de sua vida: solidao, falta de amigos intimos, nao ser ouvido pelos outros, ser excIuido sem razao - todas as razoes para as quais eles procuraram terapia. Quando isso e explicitado, 0 terapeuta pode demonstrar aos pacientes monopoliza- dores, de mane ira mais convincente, a impor- tancia e a relevancia de examinar 0 seu com- portamento no grupo. E necessario esperar 0 momento adequado. Nao existe razao para ten- tar fazer esse trabalho com urn individuo fe- chado e defensivo no meio de uma tempesta- de, sendo necessarias intervenc;6es brandas, re- petidas e no momenta certo. o PACIENTE SILENCIOSO o membro silencioso e urn problema me- nos perturbador, mas igualmente dificil para 0 terapeuta. 0 membro silencioso sempre e pro- blematico? Talvez 0 paciente se beneficie do silencio. Urn caso, provavelmente apocrifo, que 314 IRVIN D. YALOM circula entre os terapeutas ha decadas fala de urn individuo que participou de urn grupo por urn ana sem mencionar uma palavra. Ao final da SO· reuniao, ele anunciou ao grupo que nao retornaria. Seus problemas estavam resolvidos, ele se casaria no dia seguinte e gostaria de ex- pressar sua gratidao pela ajuda que 0 grupo tinha lhe dado. Alguns membros reticentes podem bene- ficiar-se vicariamente, identificando-se com membros ativos com problemas semelhantes. E possivel que ocorram graduais de comportamento e na capaddade de correr ris- cos nos relacionamentos desses padentes fora do grupo. 0 estudo de Lieberman, Yalom e Miles indicou que alguns dos participantes que mudaram mais pareciam ter uma capaddade especial de maximizar suas oportunidades de aprendizagem em urn grupo de curta (30 horas), envolvendo-se de forma vicana na experiencia de outros membros no grupO.6 Entretanto, de urn modo geral, as eviden- cias indicam que quanto mais ativo e influente o membro for na matriz do grupo, mais prova- vel ele sera de se beneficiar. Pesquisas em gru- pos experimentais demonstram que, indepen- dentemente do que os participantes disserem, quanto mais palavras falarem, maior sera a mudanra positiva em sua imagem de si mesmos. 7 Outras pesquisas demonstram que a experien- cia vicaria, ao contrario da dire- ta, nao foi efetiva para produzir sig- nificativas, envolvimento emocional ou atra- c;ao ao processo de grupO.8 Alem disso, existe urn grande consenso clinico de que os membros silenciosos nao se beneficiam com 0 grupo na terapia de longa durac;ao. Os membros do grupo que se reve- lam lentamente demais podem nunca alcan- c;ar 0 resto do gmpo e, no maximo, alcanc;ar ganhos minimos.9 Quanto maior a participa- c;ao verbal, maior 0 sentido de envolvimento e rna is os pacientes sao valorizados pelos outros e por si mesmos. A auto-revelac;ao nao apenas e essencial ao desenvolvimento da coesao grupal, como esta diretamente correlacionada com 0 resultado terapeutico positivo, assim como 0 "trabalho" do paciente na terapia. Su- giro entao que nao sejamos levados pela len- daria historia do membro silencioso que ficou bern. Um paciente silencioso e um paciente pro- blematico e raramente se beneficia significativa- mente com 0 grupo. Y Os pacientes podem estar em silencio por muitas razoes. Alguns podem experimentar urn medo disseminado de se revelarem: cada pa- lavra, sentem eles, pode compromete-los com mais revelac;oes progressivas. Outros podem ser tao conflituosos com relac;ao a agressividade que nao conseguem ter a auto-afirmac;ao ine- rente ao ato de falar. Alguns esperam ser ati- vados e trazidos a vida por urn cuidador idea- lizado, sem terem abandonado 0 desejo infantil do resgate magico. Outros que procuram nada menos que a perfeic;ao em si mesmos nunca falam por medo de passar vergonha, enquanto outros tentam manter distancia ou controle por meio de urn silencio altivo e superior. Alguns pacientes sentem-se especialmente ameac;ados por deterrninado membro do grupo e, habitual- mente, apenas falam na ausencia daquela pes- soa. Outros somente participam de reunioes menores ou em reunioes altemativas (sem li- der). Alguns ficam em silencio por medo de serem considerados fracos, insipidos ou enjoa- tivos. Outros ainda podem ficar silenciosamen- te amuados para punir os outros ou para for- c;ar 0 grupo a prestar atenc;ao a Nesse caso tamMm, a dinamica do grupo pode desempenhar urn papel. A ansiedade do grupo com relac;ao a agressividade potencial ou a disponibilidade de recurs os emocionais no grupo pode forc;ar urn membro vulneravel a se silenciar para reduzir a tensao ou a competic;ao por atenC;ao. Portanto, e bastante importante distinguir urn "estado" passageiro de silencio ou urn "trac;o" de silencio mais duradouro. o importante, contudo, e que 0 silencio nunca e silencioso. Ele e urn comportamento e, como qualquer comportamento no grupo, tern significado no aqui-e-agora como uma amos- tra representativa da maneira dopaciente se relacionar com 0 seu mundo interpessoal. A tarefa terapeutica, portanto, nao e apenas mu- dar 0 comportamento (que e essencial para que o paciente permanec;a no grupo), mas explo- rar 0 significado do comportamento. o manejo adequado depende em parte da compreensao do terapeuta sobre a dinami- ca do silencio. Deve haver urn direcionamento intermediario entre colocar pressao indevida sobre 0 paciente e pennitir que 0 paciente caia em urn papel isolado extremo. 0 terapeuta deve incluir 0 paciente silencioso periodicamente, comentando 0 seu comportamento nao-verbal: ou seja, quando, por gesto ou atitude, 0 pacien- te demonstre interesse, tensao, tristeza, abor- recimento ou divertimento. Com freqiiencia, uma pessoa quieta introduzida em urn grupo em.andamento ficara impressionada com a cla- reza, honestidade e insight dos membros mais experientes. E importante que 0 terapeuta es- clarec;a que muitos desses membros veteranos admirados tambem lutaram contra 0 silencio e duvidas pessoais quando comec;aram. Mui- tas vezes, 0 terapeuta pode estimular a partici- paC;ao de urn membro, encorajando outros membros a refletirem sobre a sua propria in- clinac;ao para 0 silencio.lI Mesmo que seja ne- cessario estimular ou bajular, 0 terapeuta deve incentivar a autonomia e responsabilidade do paciente, fazendo avaliac;oes repetidas do pro- cesso. "Voce precisa ser estimulado nesta reu- niao?" "Como voce se sentiu quando Mike 0 colocou no holofote?" "Ele foi longe demais?" "Voce pode nos dizer quando 0 deixarmos desconfortavel?" "Qual e a pergunta ideal que poderiamos fazer hoje para ajuda-lo a partici- par do grupo?" 0 terapeuta usaria a oportuni- dade para reforc;ar a atividade do paciente e enfatizar 0 valor de forc;a-lo contra os seus te- mores (indicando, por exemplo, os sentimen- tos de alivio e realizaC;ao que ele sente apos correr riscos).J2 Se urn paciente resistir a todos esses es- forc;os e mantiver uma participac;ao muito limi- tada, mesmo apos tres meses de reunioes, mi- nha experiencia e que 0 prognostico sera des- favoravel. 0 grupo ficara frustrado e cansado de estimular e instruir 0 membro bloqueado e silencioso. Diante da desaprovaC;ao do grupo, o paciente e mais marginalizado e ainda me- nos provavel de participar. Podem-se usar ses- soes individuais concomitantes para ajudar 0 paciente nessa hora. Se isso fracassar, 0 terapeuta pode considerar tirar 0 paciente do grupo. Ocasionalmente, entrar para urn segun- do grupo de terapia pode se mostrar benefico, desde que 0 paciente esteja bem-infonnado dos perigos do silencio. PSICOTERAPIA DE GRUPO 315 o PACIENTE ABORRECIDO Raramente, alguem procura terapia por ser aborrecido. Ainda assim, em uma diferen- te roupagem, levemente disfarc;ada, a queixa nao e incamum. Os pacientes queixam-se de que nunca tern nada a dizer aos outros, que sao deixados de lado em festas, que ninguem os convida para sair mais de uma vez, que sao usados apenas para ter relac;oes sexuais, que sao inibidos, timidos, socialmente ineptos, va- zios ou insipidos. Como 0 silencio, a monopo- lizac;ao, ou 0 egoismo, 0 aborrecimento deve ser levado a serio. Ele e urn problema extre- mamente importante, independentemente de o paciente se identificar dessa forma ou nao. No microcosmo social do grupo de tera- pia, os membros aborrecidos recriam esses pro- blemas e aborrecem os outros membros - e 0 terapeuta. Qualquer terapeuta teme ter de par- ticipar de uma reuniao com apenas dois ou tres membros aborrecidos presentes. Se eles desis- tissem, simplesmente sumiriam do grupo, nao deixando sequer uma ondulaC;ao na superficie do lago. o aborrecimento e uma experiencia bas- tante individual. Nem todos se aborrecem na mesma situaC;ao, e nao e facil fazer generaliza- c;5es. De urn modo geral, contudo, 0 paciente aborrecido no grupo de terapia e aquele que e muito inibido, que nao tern espontaneidade, que nunca corre riscos. As declarac;5es dos pa- dentes aborrecidos sempre sao "seguras" (e, da mesma forma, sempre previsiveis). Obse- quiosos e cuidadosamente evitando qualquer sinal de agressividade, eles costumam ser ma- soquistas (correndo para a autoflagelaC;ao an- tes que alguem consiga esmurra-los - ou, para usar outra metafora, pegando flechas lanc;adas contra eles no ar e cravando-as em si mesmos). Eles dizem 0 que acreditam que a imprensa social quer OUW - ou seja, antes de falarem, analisam os rostos dos outros membros para detenninar 0 que se espera que digam e silen- dam qualquer sentimento contrario vindo de dentro. 0 estilo social espedfico do individuo varia consideravelmente: urn po de ser silencio- so, outro, afetado e excessivamente racional; urn, timido e retraido, outro, dependente, exi- gente ou suplicante. 316 IRVIN D. YALOM Alguns pacientes aborrecidos sao alexiti- micos - uma dificuldade de expressao que parte nao de uma inibir;:ao neurotica, mas de deficits cognitivos na capacidade de identificar e co- municar sentimentos. 0 paciente alexitfmico e concreto, carece de capacidade imaginativa e concentra-se em detalhes operacionais, nao na experiencia emocional. 13 A terapia individual com esses pacientes pode ser exaustivamente lenta e arida, semelhante a trabalhar com pa- cientes com transtorno de personalidade esquizoide. A terapia de grupo apenas, ou concomitante a terapia individual, pode ser particularmente util para promover a expressi- vidade emocional por meio de modelagem, apoio e a oportunidade de experimentar com os proprios sentimentos e expressividade.14 A incapacidade de ler suas proprias pis- tas emocionais tambem pode tomar esses in- dividuos vulneraveis a doenr;as medicas e psi- cossomaricas.15 A terapia de grupo, por causa de sua capacidade de promover a consciencia e a expressao das emor;6es, pode reduzir a alexitimia e mostrou melhorar os resultados medicos, por exemplo, em doenr;as cardiacas.16 Os lideres e membros de grupos muitas vezes trabalham arduamente para incentivar a espontaneidade em pacientes aborrecidos. Eles solicitam que os pacientes compartilhem suas fantasias sobre os membros, gritem, xin- guem - qualquer coisa que ajude a extrair algo imprevisivel deles. • Uma de minhas pacientes, Nora, levava 0 grupo ao desespero com seus cliches e co- mentarios autodepreciativos constantes. Apos muitos meses no grupo, sua vida ex- terior comer;ou a melhorar, mas cada rela- to de sucesso vinha acompanhado pela ine- vita vel neutralizar;ao autodepreciativa. Ela foi aceita por uma sociedade profissional honoraria ("isso e born", disse ela, "po is e 0 unico clube que nao pode me expulsar"), recebeu seu diploma de graduar;ao ("mas eu devia ter terminado mais cedo"), tirou apenas notas A ("mas parer;o uma crianr;a por me vangloriar disso"), parecia melhor fisicamente ("mostra 0 que urn bronzea- mento artificial po de fazer"), foi convidada para sair por varios homens novos em sua vida ("deve haver pouca oferta no merca- do"), conseguiu urn born emprego ("caiu no meu colo"), teve seu primeiro orgasmo va- ginal ("0 credito e da maconha"). o grupo tentou sintonizar Nora a sua auto- destruir;:ao. Urn engenheiro sugeriu trazer uma campainha eletrica para tocar cada vez que ela se diminuisse. Outro membra, ten- tando levar Nora a urn estado mais esponta- neo, comentou sobre 0 seu sutia, que acha- va que poderia ser melhor. (Ed, discutido no Capitulo 2, que geralmente se relacionava apenas com as partes sexuais das mulheres.) Ele disse que traria urn sutia novo de pre- sente para ela na proxima sessao. Com cer- teza, na sessao seguinte, Ed chegou com uma grande caixa, que Nora disse preferir abrir em casa. E la ficou a caixa, durante a reu- niao, inibindo qualquer outro tema. Pediram- lhe que pelo menos adivinhasse 0 conteudo, e ela disse: "Urn sutia com enchimento". Nora finalmente foi convencida a abrir 0 presente e 0 fez com muita dificuldade e embarar;o. A caixa continha nada aMm de isopor. Ed explicou que essa era asua ideia do novo sutia de Nora, que ela nao devia usar nenhum sutia. Nora desculpou-se com Ed (por achar que ele tinha lhe:; dado enchi- mentos) e agradeceu pelo trabalho que teve. o incidente deu inicio.a urn produtivo tra- balho para os dois. (Nao yOU discutir a con- tinuar;ao para Ed.) 0 grupo falou a Nora que, embora Ed a tivesse embarar;ado e hu- milhado, ela respondeu pedindo desculpas a ele. Ela havia agradecido educadamente a alguem que lhe tinha dado absolutamen- te nada de presente! 0 illcidente criou a prime ira fagulha robusta de auto-observa- r;ao em Nora. Ela comer;ou a reuniao se- guinte dizendo: de bater 0 recorde da gratidao. Na noite passada, recebi uma ligar;ao obscena e pedi desculpas ao ho- mem!" (Ela havia dito: "Desculpe, mas voce deve ter discado 0 numero errado".) A dinamica subjacente ao paciente abor- recido varia imensamente de individuo para individuo. Muitos tern uma posir;ao dependente basica e, assim, temem a rejeir;ao e 0 abando- no par serem compulsivamente condescenden- tes, evitando qualquer comentario agressivo que possa dar inicio a uma retaliar;ao. Eles con- fundem a auto-afirmar;ao saudavel com agressi- vidade e, recusando-se a reconhecer a sua pro- pria vitalidade, espontaneidade, interesses e opillioes, transmitem (aborrecendo os outros) a mesma rejeir;ao e abandono que esperam evitar.y17 Se voce, como terapeuta, estiver aborre- cido com urn paciente, esse aborrecimento e urn dado importante. (A terapia de todos os pacientes dificeis necessita de atenr;ao criterio- sa para a sua contratransferencia.}18* Sempre pressuponhil. que se voce esta aborrecido com urn membro, os outros tambem estarao. Voce deve contrapor 0 seu aborrecimento com curio- sidade. Questione-se: "0 que toma uma pes- soa aborrecida? Quando fico mais e menos aborrecido? Como posso encontrar a pessoa - a pessoa real, viva, espontanea, criativa - den- tro dessa casca aborrecida?" Nao existe nenhu- ma tecnica urgente indicada. Como 0 grupo tolera 0 individuo aborrecido mais do que 0 paciente abrasivo, narcisista ou monopolizador; voce tem bastante tempo. Por ultimo, tenha em mente que 0 tera- peuta deve manter uma postura socratica com esses pacientes. Nossa tarefa nao e colocar algo dentro do individuo, mas 0 oposto, deixar que saia algo que sempre esteve lao Assim, nao ten- tamos inspirar pacientes aborrecidos, ou inje- tar cor, espontaneidade ou riqueza dentro de- les, mas identificar suas partes infantis vitais e * A contratransferencia do terapeuta sempre e uma fonte de dados valiosos sobre 0 cliente, ainda rnais com clientes provocativos, cujo comportamento de- safia a nossa efetividade terapeutica. Os lideres de grupo devem determinar seu papel na constru<;ao conjunta das dificuldades do cliente problematico. Qualquer rea<;ao ou comportamento do terapeuta que se afaste de seus cornportamentos basais indica que estao sendo geradas atra<;6es interpessoais. 0 terapeuta deve ter 0 cuidado de examinar seus sen- tinlentos antes de responder. Juntas, essas perspec- tivas informam e equilibram 0 usa do processamento empatico, da confronta<;ao e do feedback pelo terapeuta. PSICOTERAPIA DE GRUPO 317 criativas reprimidas e ajudar a remover os obs- taculos a sua livre expressao. o OUEIXOSO nUE REJElTA AJUDA o queixoso que rejeita ajuda, uma varia- r;ao do monopolizador, foi identificado e no- meado pela primeira vez por J. Frank em 1952.19 Desde entao, 0 padrao de comporta- mento foi reconhecido por muitos de grupo, e 0 termo aparece com freqiiencia na literatura psiquiarrica, particularmente nas areas de psicoterapia e psicossomatica.20 Nes- ta ser;ao, discuto 0 queixoso que rejeita ajuda, que raramente se desenvolve completamente. Todavia, esse padrao de comportamento nao e uma sindrome clinica distinta, do tipo tudo ou nada. Os individuos podem chegar a esse esti- 10 de interar;ao por diversos camirIhos psicolo- gicos. Alguns podem manifestar 0 comporta- mento de maneira persistente em urn grau ex- tremo, sem provocar;ao extema, enquanto ou- tros podem demonstrar apenas urn trar;o do padrao. Outros ainda podem tomar-se quei- xosos que rejeitam ajuda apenas em momen- tos de muito estresse. Intimamente associada ao ato de se queixar e rejeitar ajuda, verifica- se a expressao de perturbar;5es emocionais por rneio de queixas somaricas. Pacientes com sin- tomas inexplidveis por meios medicos consti- tuem urn grande e frustrante problema de aten- r;ao primaria.21 Descri,<iio Os queixosos que rejeitam ajuda apresen- tam urn padrao comportamental distinto no grupo: eles pedem ajuda do grupo de forma implicita ou explicita, apresentando problemas ou queixas, e depois rejeitam qualquer ajuda oferecida. Eles apresentam problemas conti- nuamente de urn modo que os faz parecer in- superaveis. De fato, eles parecem se orgulhar da insolubilidade de seus problemas. Muitas vezes, concentram-se inteiramente no terapeu- ta, em uma campanha incansavel para obter uma intervenr;ao ou conselho e parecem indi- ferentes a rear;ao do grupo a eles. Parecem dis- 318 IRVIN D. YALOM postos a parecer ridiculos, desde que possam persistir na busca por ajuda, e baseiam seu relacionamento com os outros membros na dimensao singular de terem mais necessidade de ajuda. Os queixosos que rejeitam ajuda ra- ramente sao competitivos em alguma area, exceto quando outro membro pede a aten<;ao do terapeuta e do grupo para aIgum proble- ma; entao, eles, muitas vezes, tentam diminuir as queixas da outra pessoa, comparando-as des- favoravelmente corn as suas. Eles tendem a exa- gerar seus problemas e a culpar os outros, mui- tas vezes figuras de autoridade de quem de- pendem de alguma forma, e parecem inteira- mente autocentrados, falando apenas de si mesmos e de seus problemas. Quando 0 grupo e 0 terapeuta respondem aos seus apelos, essa desconcertante configu- ra<;ao assume uma forma, a medida que 0 pa- ciente rejeita a ajuda oferecida. A rejei<;ao e inconfundfvel, embora possa assumir varias for- mas sutis: as vezes, 0 conselho e rejeitado aber- tamente e, as vezes, de fonna indireta. As ve- zes, enquanto e aceito verbalmente, ele nunca produz uma a<;ao e, se produzir, inevitavelmen- te nao consegue melhorar as dificuldades do individuo .. Efeitos sobre 0 grupo Os efeitos sobre 0 grupo sao obvios: os outros membros ficam irritados, frustrados e confusos. 0 queixoso parece urn redemoinho ganancioso, sugando toda a energia do grupo. Pior ainda, nao existe nentlUma redu<;ao evi- dente nas suas exigencias. A fe no processo do grupo e abalada, a medida que os membros experimentam uma sensa<;ao de impotencia e desespero para que 0 grupo entenda as suas proprias necessidades. A coesao e abalada it medida que ha absentefsmo ou os pacientes unem-se em subgrupos para excluir 0 queixo- so que rejeita ajuda. Dimimica o padrao comportamental do queixoso que rejeita ajuda parece ser uma tentativa de resolver sentimentos conflituosos sobre a de- pendencia. Por urn lado, 0 queixoso se sente impotente, insignificante e com total depen- dencia dos outros, em especial do terapeuta, para obter urn sentido de valor pessoal. Qual- quer observa<;iio e aten<;iio do terapeuta aurnen- tam a sua auto-estima temporariamente. Por outro lado, a sua posi<;ao de dependencia e bastante confundida com uma desconfian<;a e inimizade para com figuras de autoridade. Consumido por sua demanda, ele busca ajuda de uma figura que ja preve que nao estara dis- posta ou nao conseguira ajudar. A antecipa<;ao da recusa colore 0 estilo de pedir ajuda de tal modo que a profecia se cumpre, e acumulam- se mais evidencias da cren<;a na malfeitoria do cuidador potencial.22 0 resultado e urn cfrculo vicioso, que ja vern girando por grande parte da vida do paciente. Diretrizes de manejo Urn queixoso que rejeita ajuda grave e urn desafio clfnico extremamente dificil, e muitos pacientes tiveram sua vitoria de Pirro sobre seus terapeutas e seu grupo, fracassandona tera- pia_ Dessa forma, seria presun<;oso e ilusorio tentar prescrever urn plano terapeutico cuida- doso. Porem, certas generaliza<;6es podem ser postuladas. Certamente, seria urn grave enga- no 0 terapeuta confundir a ajuda pedida com a ajuda necessaria.y23 0 queixoso que rejeita ajuda nao pede conselhos por seu valor poten- cial, mas para refuta-los. Conselhos, orienta- <;ao e 0 tratamento do terapeuta serao rejeita- dos ou, se usados, nao se mostrarao efetivos ou, se forem efetivos, isso sera mantido em segredo. Tambem seria urn engano do terapeu- ta expressar frustra<;ao e ressentimento. A re- talia<;ao simplesmente completa 0 drculo vicio- so: a previsao do tratamento erroneo e do aban- dono realiza-se novamente: eles se sentemjus- tificados em sua desconfian<;a hostil e conse- guem afirmar mais uma vez que ninguem ja- mais os consegue entender. Que linha de a<;ao, entao, esta disponfvel para 0 terapeuta? Urn clfnico sugere, talvez em desespero, que 0 terapeuta interrompa 0 dr- culo vicioso, indicando que "nao apenas en- tende, mas compartilha os sentimentos de de- sesperan<;a do paciente com a situa<;ao", recu- sando-se assim a perpetuar a sua participa<;ao em urn relacionamento rutil. Dois bravos co- terapeutas que orientavam urn grupo compos- to apenas de queixosos que rejeitavam ajuda nos advertiram contra investir em urn relacio- namento solidario e estimulante com 0 pacien- teo Eles sugerem que os terapeutas evitem qual- quer expressao de otimismo, estfmulo ou orien- ta<;ao e adotem uma postura de ironia, pela qual concordam com 0 conteudo do pessimismo do paciente, enquanto mantem urn afeto distante. Eric Berne, que considera 0 padrao do queixoso que rejeita ajuda como 0 mais comum de todos os jogos ern grupos sociais e de psicoterapia, chamou-o de "Por que voce nao - sim, mas". 0 uso desses rotulos descritivos acessfveis torna 0 processo mais transparente para os membros do grupo, mas se deve ter muito cuidado ao se utilizar qualquer abordagem de brincadeira: h3 uma fina linha separando 0 cuidado terapeutico ludico do deboche e da humilha<;ao.24 De urn modo geral, 0 terapeuta deve ten- tar mobilizar os principais fatores terapeuticos a servi<;o do paciente. Quando urn grupo coeso se formou e 0 paciente - pela universalidade, identifica<;ao e catarse - come<;a a valOlizar a participa<;ao no grupo, 0 terapeuta pode esti- mular a aprendizagem interpessoal, concen- trando-se continua mente no feedback e no pro- cesso da mesma mane ira que descrevi ao dis- cutir 0 paciente monopolizador. Os queixosos que rejeitam ajuda geralmente nao estao cien- tes de sua falta de empatia para com os outros. Ajuda-Ios a enxergar 0 seu impacto interpessoal sobre os outros membros e urn passo funda- mental para que examinem 0 padrao caracte- ristico dos seus relacionamentos. o PACIENTE PSICOTICO OU BIPOLAR Muitos grupos sao projetados especifica- mente para trabalhar com pacientes com dis- turbios do Eixo I significativos. De fato, quan- do se consideram grupos em clfnicas psiquia- tricas, unidades de hospitaliza<;ao parcial, 110s- pitais para veteranos de guerra e programas de p6s-cuidado, 0 numero total de grupos de PSICOTERAPIA DE GRUPO 319 terapia para pacientes com dificuldades gra- ves provavelmente ultrapassa 0 de pacientes com funcionamento superior. Discutirei grupos compostos para pacientes hospitalizados no Capftulo 15 (para mais sobre 0 tema, veja meu texto Inpatient group psychotherapy, Basic Books, 1983), mas por enquanto considere 0 que ocorre com urn grupo de terapia interativa para indivfduos de funcionamento superior quando urn membro desenvolve uma doen<;a psicotica durante 0 tratarnento. o destine do paciente psicotico, a resposta dos outros membros e as op<;6es efetivas dis- ponfveis ao terapeuta dependem em parte do momento, ou seja, quando no curso do grupo a doen(:a psicotica ocorre. De urn modo geral, em urn grupo maduro em que 0 paciente psicotico ocupava urn papel central e valorizado, os membros do grupo sao mais provaveis de ser tolerantes e efetivos durante a crise. As rases iniciais do grupo No Capftulo 8, enfatizei que, na triagem inicial, 0 paciente inteiramente psic6tico deve ser exclufdo da terapia de grupo interacional ambulatorial. Todavia, e pratica comum indi- car pacientes com doen<;a bipolar aparente- mente estavel a uma terapia de grupo para li- darem com as conseqiiencias interpessoais da sua doen<;a. As vezes, apesar de urna triagem cautelo- sa, urn individuo descompensa nos primeiros estagios da terapia, talvez por causa de algum estresse inesperado de circunstancias da vida ou do grupo, ou talvez por rna adesao a urn reginle de medica<;ao. Esse e urn evento importante para o grupo e sempre cria problemas substanciais para 0 grupo recem-formado (e, e claro, para 0 paciente, que provavelmente assumira urn pa- pel fora dos padr6es do grupo e podera aban- donar 0 tratamento, geralmente pior do que come<;ou, devido a experiencia). Neste livro, tenho enfatizado repetida- mente que os escigios iniciais do grupo sao uma epoca de grande fluxo e de grande importan- cia. 0 jovem grupo e facilmente influenciado e as normas estabelecidas no come<;o costumam ser muito duraveis. Segue-se uma seqiiencia 320 IRVIN D. YAlOM intensa de eventos e, em algumas semanas, urn agregado de estranhos assustados e desconfia- dos transforrna-se em urn grupo intimo e mu- tuamente proveitoso. Qualquer evento que con- suma uma quantidade exagerada de tempo e desvie a energia das tarefas da seqiiencia evolutiva e potencialmente destrutivo para 0 grupo. Alguns dos problemas relevantes sao ilustrados pelo seguinte exemplo elmico. Sandy era uma dona de cas a de 37 anos que, muitos anos antes, havia sofrido uma grande e recalcitrante depressao, exigindo hospitaliza<;ao e eletroconvulsoterapia. Ela procurou a terapia de grupo por insistencia de seu terapeuta individual, que acreditava que uma compreensao de seus relaciona- mentos interpessoais a ajudaria a melhorar o relacionamento com 0 seu marido. Nas primeiras reuni6es do grupo, ela era uma participante ativa,que revelava detalhes muito mais intimos de sua historia do que os outros membros. Ocasionalmente, Sandy expressava raiva para com algum outro membro e come<;ava com uma profusao de desculpas e comentarios autodepreciativos. Na sexta reuniao, seu comportamento tor- nou-se ainda mais inadequado. Ela discur- sou detalhadamente sobre os problemas urinarios de seu filho, por exemplo, descre- venda as minucias da cirurgia feita para ali- viar a sua constri<;ao uretral. Na reuniao se- guinte, comentou que 0 gato da familia tam- bern havia desenvolvido urn bloqueio do tra- to urinario, e pediu que os outros membros descrevessem seus animais de estima<;ao. Na oitava reuniao, Sandy estava cada vez mais maniaca. Ela se comportava de ma- neira bizarra e irracional, insultando os membros do grupo, flertando abertamente com os homens, a ponto de tocar seus cor- pos, e finalmente come<;ou com trocadilhos, associa<;6es por assonancia, riso inadequa- do e lagrimas. Urn dos terapeutas finalmen- te a acompanhou para fora da sala, telefo- nou para 0 marido e fez os arranjos neces- sarios para uma hospitaliza<;ao psiqui<itri- ca imediata. Sandy perrnaneceu no hospi- tal em urn estado maniaco e psicotico por urn mes, recuperando-se gradualmente. Os membros obviamente ficaram extrema- mente desconfortaveis durante a reuniao, seus sentimentos variando de perplexidade e medo a irrita<;ao. Apos ela sair, alguns ex- pressaram culpa por ter, de alguma manei- ra desconhecida, desencadeado 0 seu com- portamento. Outros falaram de seu medo, e urn lembrou de alguem que; havia agido de maneira semelhante, mas que tambem exibia uma arma. Duqmte a reuniao seguinte, os membros discutiram muitos sentimentos relacionados com 0 incidente. Urn membro expressou a sua convic<;ao de que nao se pode confiar em ninguem: embora conhecesse Sandy ha setesemanas, 0 comportamento dela se mostrou totalmente imprevisivel. Outros expressaram seu aHvio por estarem psico- logicamente saudaveis, em compara<;ao com ela. Outros, em resposta ao medo de tam- bern perder 0 controle, empregaram muita nega<;ao e fugiram da discussao desses pro- blemas. Alguns expressaram medo de Sandy retomar e destruir 0 grupo. Outros disse- ram ter menos fe na terapia de grupo. Urn membro pediu para ser hipnotizado, e ou- tro trouxe urn artigo de urn jomal cientifi- co que afirrnava que a psicott;rapia nao era efetiva. A perda de fe nos terapeutas e em sua competencia expressou-se no sonho de urn membro, no qual 0 terapeuta estava no hospital e era salvo pelo paciente. Nas proximas reuni6es, todos esses temas permaneceram ocultos. Os encontros tor- naram-se desinteressantes, superficiais e intelectualizados. A freqiiencia caiu bastan- te, e 0 grupo parecia resignado a propria impotencia. Na 14" reuniao, os terapeutas anunciaram que Sandy havia melhorado e retomaria na semana seguinte. Houve uma calorosa e vigorosa discussao. Os membros temiamque: 1. Eles a deixassem irritada. Uma reuniao intensa a deixaria doente novamente e, para evitar isso, 0 grupo seria for<;ado a andar lenta e superficialmente. 2. Sandy seria imprevisivel. A qualquer momento, ela poderia perder 0 contro- Ie e ter comportamentos perigosos e as- sustadores. 3. Por causa de sua falta de controle, seria impossivel confiar em Sandy. Nada que ocorresse no grupo perrnaneceria confi- dencial. Ao mesmo tempo, os membros expressaram uma grande ansiedade e culpa por deseja- rem exeluir Sandy do grupo, e logo preva- leceu a tensao e urn silencio pesado. A rea- <;ao extrema do grupo persuadiu 0 terapeuta a retardar a volta de Sandy (que, inciden- temente, estava em terapia individual) por algumas semanas. Quando finalmente voltou ao grupo, ela foi tratada como urn objeto fragil, e toda a intera<;ao do grupo foi protegida e defensi- va. Na 20' reuniao, cinco dos sete membros haviam saido do grupo, deixando apenas Sandy e outra pessoa. Os terapeutas reconstituiram'o grupo, acres- centando cinco novos membros. E interes- sante que, apesar do fato de que apenas dois dos membros antigos e os terapeutas conti- nuavam no grupo reconstituido, a cultura do grupo antigo persistiu - urn forteexem- plo do poder de permanencia das normas, mesmo na presen<;a de urn numero limita- do de pessoas que as mantenham.2S A di- namica do grupo havia fixado Sandy e 0 grupo em fun<;6es e papeis rigidamente res- tritos. Sandy foi tratada de forma tao deli- cad a e obliqua pelos novos membros que 0 grupo avan<;ou lentamente, arrastando-se em sua propria polidez e conven<;6es sociais. Somente quando os terapeutas confronta- ram essa questao abertamente e discutiram o seu proprio medo de irritar Sandy e leva- la a outra descompensa<;ao psicologica, os membros conseguiram lidar com seus sen- timentos e temores em rela<;ao a ela. Na- quele ponto, 0 grupo avan<;ou mais rapida- mente. Sandy permaneceu no novo grupo por urn ana e teve melhoras visiveis em sua capacidade de se relacionar com outras pessoas e em seu conceito pessoal. Urn estagio rnais avanc;ado no grupo Uma situa<;ao completamente diferente pode surgir quando urn individuo que foi urn PSICOTERAPIA DE GRUPO 321 membro ativo e envolvido por muitos meses descompensa em urn estado psicotico. Os ou- tros membros entao se preocupam mais com aquele membro do que consigo mesmos ou com o grupo. Como ja conhecem e compreendem 0 membro agora psicotico como pessoa, eles cos- tumam reagir com muita preocupa<;ao e inte- resse. 0 paciente e menos provavel de ser con- siderado urn objeto estranho e assustador, que deve ser evitado.26* Embora perceber tendencias semelhantes em si mesmos possa aumentar a capacidade dos outros membros para continuarem a se relacionar com urn membro perturbado do gru- po, tambem pode criar urn problema pessoal para alguns, que come<;am a temer que pos- sam perder 0 controle e cair em urn abismo semelhante. Assim, 0 terapeuta deve antecipar e expressar seu medo para os outros membros do grupo. Quando confrontados com urn paciente psicotico no grupo, muitos terapeutas voltam a urn modelo medico e simbolicamente rejei- tam 0 grupo, intervindo de forma vigorosa in- dividualmente. De fato, eles estao dizendo ao grupo: "Esse e urn problema serio demais para voces resolverem". Todavia, essa manobra cos- tuma ser antiterapeutica: 0 paciente fica as- sustado, e 0 grupo, infantilizado. Minha experiencia mostra que urn grupo maduro e perfeitamente capaz de lidar com emergencias psiquiatricas e, embora possaha- ver falsos movimentos, considerar cada con- tingencia e tomar as mesmas a<;6es que 0 terapeuta poderia ter imaginado. * Moos e eu demonstTamos, por exemplo, que estu- dantes de medicina designados pela primeira vez a uma elinica psiquiatrica consideravam os pacientes psicoticos extTemamente perigosos, assustadores, imprevisiveis e diferentes deles mesmos. Ao final de cinco semanas de tTabalho, suas atitudes haviam mudado consideravelmente: os estudantes estavam menos assustados com seus pacientes e entendiam que os individuos psicoticos eram apenas seres hu- manos confusos e profundamente angustiados, mais semelhantes a eles mesmos do que pensavam ante- riormente. 322 IRVIN D. YALOM • Na 45a reuniao, Rhoda, uma divorciada de 43 anos, chegou alguns minutos atrasada em urn estado desarrumado e obviamente perturbado. Nas semanas anteriores, ela estava em urn processo gradual de depres- sao, mas agora 0 processo parecia ter se ace- lerado repentinamente. Rhoda estava cho- rosa, desesperada e apresentava urn retar- do psicomotor. Durante a prime ira parte da reuniao, ela chorou continuamente e ex- pres sou sentimentos de solidao e desespe- ran\=a, alem de uma incapacidade de amar; odiar ou tampouco de sentir qualquer emo- \=ao profundamente. Rhoda disse sentir urn grande desapego de todos, incluindo 0 gru- po e, quando questionada, discutiu rumi- na\=oes suicidas. Os membros do grupo responderam a Rhoda com muita empatia e preocupa\=ao. Eles perguntaram sobre eventos da semana anterior e ajudaram-na a discutir dois acon- tecimentos importantes que pareciam estar relacionados com a crise depressiva: (1) ha meses, ela vinha juntando dinheiro para uma viagem para a Europa. Na semana pas- sada, seu filho de 17 anos havia decidido nao trabalhar na colonia de ferias no verao e se negava a procurar outro emprego - uma virada que, aos olhos de Rhoda, colocava sua viagem em perigo; (2) apos meses de hesita\=ao, ela tinha decidido ir a uma festa para pessoas divorciadas de meia-idade, que foi urn desastre: ninguem quis dan\=ar com ela, que acabou a noite consumida por sen- timentos de completa inutilidade. o grupo a ajudou a explorar 0 relaciona- mento com 0 seu filho e, pela primeira vez, Rhoda expressou raiva dele por sua falta de preocupa\=ao com ela. Com a ajuda do grupo, tentou explorar e expressar os !imi- tes da sua responsabilidade para com ele. Foi dificil para Rhoda discutir a festa, por causa da vergonha e humilha\=ao que sen- tia. Duas outras mulheres do grupo, uma solteira e outra divorciada, tiveram uma empatia profunda por ela e compartilharam suas experiencias e sua rea\=ao a falta de homens adequados. 0 grupo tambem a lem- brou das tantas vezes em que, durante as sessoes, ela interpretava cada pequeno me- nosprezo como uma rejei\=ao total e conde- na\=ao. Finalmente, apos muita aten\=ao, carinho e afeto, urn dos membros apontou para ela que a experiencia da festa estava sendo negada a!i no grupo: varias pessoas que a conheciam bern estavam profunda- mente preocupadas e envolvidas com ela. Rhoda rejeitou essa ideia, alegando que 0 grupo, ao contrario da festa, era uma situa- \=ao artificial, onde as pessoas seguiam re- gras de conduta que nao eram naturais. Os membros logo disseram que 0 conrrario era o correto: a festa - a congrega\=aorestrita de estranhos, as atra\=oes baseadas em im- pressoes imediatas e superficiais - era a si- tua\=ao artificial e 0 grupo era a real. Era no grupo que ela era mais conhecida. Rhoda, saturada com sentimentos de inuti- lidade, diminuiu-se entao por sua incapaci- dade de sentir afeto e envolvimento reci- procos pelos membros do grupo. Urn dos membros logo interceptou essa manobra, apontando que Rhoda tinha urn padrao fa- miliar e de experimentar senti- mentos para com os outros membros, evi- denciado por sua expressao facial e postu- ra corporal, mas deixando seus "deveres" tomarem conta e torturarem-na, insistindo que ela deveria sentir mais a/eto e mais amor do que qualquer urn. 0 efeito liquido era que 0 sentimento real que ela tinha era rapidamente extinguido pela for\=a de suas exigencias pessoais impossiveis. Em essencia, 0 que ficou claro foi 0 reco- nhecimento gradual de Rhoda da discrepan- cia entre sua estima publica e sua estima privada (descritas no Capitulo 3). Ao final da reuniao, Rhoda respondeu caindo em la- grimas e chorando por alguns minutos. 0 grupo relutou em ir embora, mas partiu quando os membros convenceram-se de que o suicidio nao estava mais em considera- \=ao. Na semana seguinte, os membros man- tiveram uma vigilia informal, cada urn te- lefonando pelo menos uma vez para Rhoda. Alguns principios importantes e abrangen- tes emergem com esse exemplo. No come\=o da sessao, 0 terapeuta compreendeu a impor- tante dinamica que opera na depressao de Rhoda e, se tivesse preferido, poderia ter feito as interpreta\=oes adequadas para permitir que a paciente e 0 grupo chegassem muito mais rapidamente a urn entendimento do problema - mas isso teria se afastado cons ide- ravelrnente da significancia e valor da reuniao para a protagonista e para os outros membros. Por exemplo, 0 grupo teria side privado da oportunidade de experimentar a sua propria for\=a. A cada sucesso aumenta a coesao do gru- po e 0 auto-respeito de cada urn dos membros. E dificil para alguns terapeutas nao interpre- tar, mas e essencial que eles aprendam a man- ter a sua sensatez. Existem momentos em que e tolice ser sensato e e sensato ficar em silencio. AB vezes, como nesse episodio clinico, 0 grupo escolhe e realiza a a\=30 adequada. Em outras, 0 grupo pode decidir que 0 terapeuta deve agir. Contudo, existe uma vasta diferen\=a entre a decisao apressada do grupo baseada em uma dependencia infantil e na avalia\=30 irreal da for\=a do terapeuta e a decisao basea- da na investiga\=ao minuciosa da situac;ao pe- los membros e na avalia\=ao madura do conhe- cimento do terapeuta. Essas questoes levaram-me a urn princi- pio importante da dinamica de grupo, substan- ciado por pesquisas consideraveis. Um grupo que chega a uma decisao autonoma com base em uma minuciosa dos problemas pertinentes empregara todos as seus recursos em favor de suas decisoes. Um grupo que recebe uma decisao imposta sobre si e provavel de resistir a essa decisao e.ser ate menos efetivo para tomar decisoes validas no futuro. Deixe-me tomar uma taugente urn pouco diferente, mas relevante, e contar uma histo- ria sobre urn conhecido estudo de dinamica de grupo. 0 foco deste exemplo e uma fabrica de pijamas onde mudanc;as periodicas nos empre- gos e rotinas faziam-se necessarias por causa de avan\=os na tecnologia empregada. Por mui- tos anos, os empregados resistiram as mud an- \=as. A cad a altera\=ao, havia urn aumento no absenteismo, na rotatividade e na agressividade dos funcionarios para com a gerencia, soman- do a menor eficiencia e produ\=ao. Os pesquisadores projetaram urn experi- mento para testar varios metodos para supe- rar a resistencia dos empregados a mudan\=a. PSICOTERAPIA DE GRUPO 323 A variavel critica a ser estudada era 0 grau de participa\=30 dos membros do grupo (os em- pregados) no planejamento das mudan\=as. Os empregados foram divididos em tres grupos, e foram testadas tres varia\=oes. A primeira nao envolvia a participa\=30 dos empregados no planejamento das mudanc;as, embora eles te- nham recebido uma explicac;ao. A segunda va- ria\=30 envolvia a participa\=ao de representan- tes eleitos dos trabalhadores na prepara\=ao das mudan\=as no trabalho. A terceira consistia da participa\=30 total de todos os membros do gru- po no planejamento das mudan\=as. Os resulta- dos mostraram conclusivamente que, em todas as medidas estudadas (agressividade para com a gerencia, absentefsmo, eficiencia, numero de empregados renunciando ao trabalho), a suces- so da mudanrafoi diretamente proporcional ao grau de participarao dos membros do grupO.27 As implica\=oes para a terapia de grupo sao visiveis: os membros que participam pes- soalmente no planejamento de um curso de a\=ao comprometem-se com a execu\=ao do pla- no. Por exemplo, eles se dedicam mais ao cui- dado de urn membro com problemas se reco- nhecerem que 0 problema tambem e seu, e nao apenas do terapeuta. AB vezes, como no exemplo clinico ante- rior, toda a experiencia e benefica para 0 de- senvolvimento da coesao de grupo. Comparti- lhar experiencias emocionais intensas geral- mente fortalece os vinculos entre os membros. o perigo para 0 grupo ocorre quando 0 paciente psicotico consome uma grande quantidade de energia por urn perfodo prolongado. Entao, outros membros podem desistir, e 0 grupo pode !idar com 0 individuo perturbado de maneira cuidadosa e restrita, ou tentar ignora-lo. Esses metodos sempre ajudam a piorar 0 problema. Nessas situa\=oes criticas, uma importante op- c;ao que esta sempre disponivel ao terapeuta e atender 0 paciente perturbado em sessoes in- dividuais durante a crise (essa opiniao sera tra- tada mais profunda mente na discussao sobre terapia combinada). Contudo, 0 grupo deve explorar as implica\=oes disso cuidadosamente e compartilhar a decisao. Uma das piores calamidades que pode acontecer com urn grupo de terapia e a pre- sen\=a de urn membro maniaco. Urn paciente 324 IRVIN D. YALOM em meio a urn episodio hipomaniaco grave tal- vez seja 0 problema mais diruptivo para 0 gru- po. (Em compara<;ao, urn episodio manfaco completo representa pouco problema, pois 0 curso de a<;ao imediato e dare: hospitaliza<;ao.) o paciente com transtorno bipolar agu- do e pouco amtido e melhor manejado farma- cologicamente e nao e urn born candidato para tratamentos de orienta<;ao interacional. Seria claramente insensato permitir que urn grupo investisse muita energia e tempo em urn trata- mento com tao pouca probabilidade de suces- so. Todavia, existem evidencias crescentes em favor do uso de interven<;5es de grupos esped- ficos e homogeneos para pacientes com doen- <;a bipolar. Esses grupos of ere cern psicoedu- ca<;ao sobre a doen<;a e enfatizam a irnportan- cia da adesao a farmacoterapia e da manuten- <;ao de urn estilo de vida saudavel e de rotinas de auto-regula<;1io. Esses grupos devem ser usa- dos em con junto com farmacoterapia na fase de manuten<;ao da doen<;a cronica, apos quais- quer perturba<;5es agudas terem se estabiliza- do. Foram demonstrados beneficios substan- ciais da terapia, incluindo maior adesao a farmacoterapia, menos perturba<;5es do humor, menos recafdas da doen<;a, menos abuso de substancias e melhor funcionamento psi cos- socia1.28 o PACIENTE DE CARATER DlFiclL Os tres ultimos tipos de paciente proble- matico da terapia de grupo que you discutir sao 0 paciente esquizoide, 0 paciente borderli- ne e 0 paciente narcisista. Esses pacientes cos- tumam ser discutidos em conjunto na litera- tura clinica, sob a rubrica de pacientes de ca- rater dificil do Eixo II. 29 Os criterios diagnos- ticos tradicionais do DSM nao fazemjusti<;a a complexidade desses pacientes e nao captam adequadamente a sua experiencia psicologica interior.30 A maioria dos pacientes de carater dificil tern em comum problemas na regula<;ao do afeto, envolvimento interpessoal e sentido de self. Acredita-se que sua patologia se baseie em problemas seriosdos primeiros anos de vida. Eles nao possuem tranqiiilidade interior ou representa<;5es parentais confortantes, e seu mundo interne e preenchido por representa<;5es parentais desinteressadas, retrafdas e decepcio- nantes. Eles muitas vezes nao possuem a capa- cidade de integrar sentimentos e rea<;5es inter- pessoais ambivalentes, dividindo 0 mundo em preto e branco, born e mau, arnor e odio, idea- lizado e desvalorizado. Em qualquer momen- to, eles tern poucas recorda<;5es de outros sen- timentos passados, alem dos poderosos senti- mentos que tinham naquele momento. Suas dificuldades incluem sentir raiva, vulnerabili- dade ao abandono e problemas narcisistas, alem de uma tendencia a identifica<;ao projeti- va. Esses pacientes tambem nao tern percep- <;ao do seu papel em suas dificuldades ou de seu irnpacto sobre os outroS.31 Como essas dificuldades geralmente ma- nifestam-se em relacionarnentos interpessoais perturb ados e perturb adores, a terapia de gru- po tern urn papel irnportante em cenarios de hospitaliza<;ao parcial e ambulatoriais. A tera- pia de grupo e promissora, mas dificil com es- ses pacientes, mas a rela<;ao custo-beneficio psi- cologico e do cuidado de saude e bastante po- sitiva, particularmente quando 0 individuo passa 0 tempo adequado em tratamento.32 Muitas vezes, urn paciente de carater di- ficil tarnbem experirnentou abuso traumatico no come<;o de sua vida, 0 que amplifica 0 desa- fio do tratamento. Em algumas amostras, a co- morbidade do transtomo de estresse pos-trau- matico e do transtomo de personalidade bor- derline passa de 50%. Quando as experiencias traumaticas e os sintomas conseqiientes - prin- cipalmente reexperiencias intrusi'{.as do trau- ma, nega<;iio de qualquer lembran<;a do trau- ma e hiper-excita<;ao geral - tern urn irnpacto combinado e profundo sobre 0 indivfduo, apli- ca-se 0 termo "transtomo de estresse pos-trau- matico complexo". Esse termo abrange a ma- neira como os eventos traumaticos e as rea- <;6es psicologicas a esses eventos moldam a per- sonalidade do individuo.33 Pacientes de carater diffcil sao comuns na maior parte dos cenarios cifnicos. Seus tera- peutas individuais costumam indica-los para terapia de grupo quando: (1) a transferencia ficou intensa demais para a terapia a dois; (2) o paciente esta tao defensive que e necessaria a intera<;ao do grupo para envolver 0 pacien- te; e (3) a terapia funcionou bern, mas se atin- giu urn plato e so mente uma experiencia interativa produzira novos ganhos. o paciente esquizoide Muitos anos atras, em uma edi<;ao ante- rior deste livro, comecei esta se<;ao com a se- guinte senten<;a: "A condi<;ao esquizoide, uma doen<;a dos nossos tempos, talvez justifique: mais pacientes que come<;am a fazer terapia do que qualquer outra configura<;ao psicopato- logica". Isso nao parece ser mais verdade. Os modismos de doen<;as mentais mudarn: atual- mente, os pacientes geralmente entrarn em tra- tamento por causa de abuso de substancias, transtomosalirnentares e seqiielas de !!PuSO sexual e fisico. Embora a condi<;1io e'squizoide nao seja mais a doen<;a da epoca, indivfduos esquizoides ainda sao visitantes comuns em grupos de terapia. Eles sao emocionalmente bloqueados, isolados e distantes, e procuram a terapia de grupo por uma sensa<;ao vaga de que algo esta faltando: eles nao conseguem sentir, nao conseguem amar, nao conseguem brincar, nao conseguem chorar. Sao especta- dores de suas vidas, nao habitam seus proprios carpos, nao experimentam sua propria expe- riencia. Superficialmente, 0 paciente esquizoide e 0 paciente esquivo sao parecidos. Contudo, existem diferen<;as claras. 0 indivfduo esquivo e ansioso e inibido, autoconsciente e capaz de se envolver quando tern certeza suficiente de que nao sera. rejeitado. 0 paciente esquizoide, ao contrario, sofre de urn deficit de capacida- des emocionais e reflexivas fundamentais. 34 Ninguem jamais descreveu 0 mundo das experiencias do indivfduo esquizoide de for- ma mais vivida do que Sartre, em A [dade da raziio: Ele fechou 0 joma! e come<;ou a ler a materia do correspondente especial na prirneira pagi- na. Cinqiienta mortos e trezentos feridos ja haviam sido contados, mas nao era tudo, cer- tamente haveria corpos sob os destro<;os. Ha- via milhares de homens na Fran<;a que nao conseguiam ler 0 joma! pela manha sem sen- tir urn engasgo de raiva sub indo pela gargan- PSICOTERAPIA DE GRUPO 325 ta, milhares de hom ens que cerravam os pu- nhos e murmuravam: "Porcos!" Mathieu cer- rou os punhos e murmUTOU: "Porcos!", e sen- tiu-se ainda mais culpado. Se ele pelo menos conseguisse descobrir em si uma leve emo<;ao que estivesse modestamente viva, consciente de seus limites, mas nao: ele estava vazio, e enfrentava uma vasta ralva, uma raiva deses- perada. Ele a via e quase podia toea-la, mas estava inerte - para viver e encontrar expres- sao no sofrirnento, ele precisaria sentir com 0 seu proprio corpo. Era a raiva dos outros. Por- cos! Ele cerrou os punhos, andou, mas nada aconteceu, a raiva perrnaneceu alheia a ele. Algo estava it beira da existencia, uma tirnida aurora de raiva. Enfirn! Mas dirninuiu e su- miu, e ele foi deixado na solidao, caminhan- do com 0 passo comedido e decoroso de urn homem em urn funeral em Paris. Lirnpou a testa com 0 len<;o e pensou: nao se podem for- <;aT nossos sentirnentos mais profundos. Ha urn triigico e terrivel estado de coisas que deve excitar as emo<;5es mais profundas. Nao adian- ta, 0 momento vira.35 Os indivfduos esquizoides muitas vezes encontram-se em uma sina semelhante no gru- po de terapia. Em praticamente todas as reu- ni6es do grupo, eles tern evidencias que con- firmam que a natureza e a intensidade de sua experiencia emocional diferem mente das dos outros membros. Confusos com essa discrepancia, eles podem conduir que os outros membros sao melodramaticos, excessi- vamente instaveis, falsos, preocupados com quest6es triviais ou simplesmente tern urn tem- peramento diferente. Contudo, os pacientes esquizoides, como 0 protagonista de Sartre, Mathieu, come<;am a se questionar, e come<;am a suspeitar que, em algum lugar dentro deles, ha urn vasto lago congelado de sentimentos. De urn modo ou de outro, pelo que di- zem ou deixam de dizer, os pacientes esquizoi- des transmitem esse isolamento emocional para os outros meinbros. No Capftulo 2, descrevi urn paciente que nao conseguia entender a preo- cupa<;ao dos membros com 0 fato de 0 tera- peuta sair do grupo ou os temores obsessivos de uma mulher de que seu namorado morres- se. Ele considerava as pessoas como objetos substituiveis. Tinha sua necessidade diaria mi- nima de afeto (sem, ao que parece, a preocu- pa<;ao adequada com a fonte do afeto). Ele es- 326 IRVIN D. YALOM tava "incomodado" com a partida do terapeuta apenas porque isso atrasaria a sua terapia, mas nao compartilhava do sentimento que os ou- tros expressavam: luto pela perda da pessoa que 0 terapeuta e. Em sua defesa, 0 paciente dizia: "Nao faz muito sentido ter sentimentos fortes pela safda do terapeuta, pois nao h3 nada que eu possa fazer a respeito". Outro membro, repreendido pelo grupo por sua falta de empatia para com dois mem- bros com problemas, respondeu: "Entao eIes estao sofrendo. Existem miIh6es de pessoas sofrendo em todo 0 mundo neste instante. Se eu fosse me sentir mal por todos os que estao sofrendo, seria urn trabalho em tempo inte- gral". A maior parte de nos tern urn surto de sentimentos, e as vezes tentamos compreen- der 0 seu significado. Em pacientes esquizoides, os sentimentos vern depois - eles recebem prioridade conforme os ditames da raciona- lidade. Os sentimentos devem ser justificados de maneira pragmatica: se eles nao tern ne- nhuma fun<;ao, por que senti-los? o gtupO e bastante ciente das discrepan- cias entre as palavras, experiencia e resposta emocional dos membros. Urn membro, que havia side criticado por esconder informa<;6es do grupo sobre seu relacionamento comuma namorada, perguntou friamente: "Voces gos- tariam de trazer suas cameras e ir para a cama conosco?" Todavia, quando questionado, ele negou sentir raiva e nao conseguia explicar 0 tom de sarcasmo. Em outros momentos, 0 gmpo Ie as emo- <;6es do membro esquizoide a partir de pistas de sua postura ou comportamento. De fato, esses individuos podem relacionar-se de ma- neira semelhante e participar da investiga<;ao, comentando, por exemplo: "Meu cora<;ao esta batendo forte, entao eu devo estar assustado" ou "meu punho esta cerrado, entao eu devo estar bravo". Nesse sentido, eles compartiIham uma dificuldade comum dos pacientes alexiti- micos descritos anteriormente. A resposta dos outros membros e previsi- vel. Ela parte da curiosidade e confusao com a descren<;a, solicitude, irrita<;ao e frustra<;ao. Eles perguntam repetidamente: "Como voce se sen- te a respeito de ... ?" e, somente muito depois, entendem que estavam exigindo que essa pes- soa aprendesse rapidamente a falar uma lin- gua estrangeira. No come<;o, os membros sao muito ativos para ajudar a resolver 0 que pare- ce ser urna pequena afli<;ao, dizendo aos pacien- tes esquizoides 0 que deveriam sentir e 0 que eles sentiriam se estivessem naquela situa<;ao. Mais tarde, eles se cansam, a frustra<;ao se ins- tala e eles redobram seus esfor<;os - quase sem- pre sem resultados visfveis. Eles tentam ainda mais, na tentativa de for<;ar uma resposta afetiva aumentando a intensidade do estimu- 10. Finalmente, partem para uma abordagem agressiva. o terapeuta deve evitar participar da bus- ca por urna grande mudan<;a. Nunca vi nenhum paciente esquizoide mudar significativamente em virtude de urn incidente dramatico. A mu- dan<;a e urn processo prosaico, de trabalho ma- <;ante, pequenos passos repetitivos e progresso quase imperceptive!. E tentador e as vezes pro- dutivo empregar tecnicas ativadoras, nao-ver- bais ou da gestalt para acelerar 0 movimento do paciente. Essas abordagens podem acelerar 0 reconhecimento e a expresS§o por parte do pa- ciente de sentimentos nascentes ou reprimidos, mas tenha em mente que se voce fizer muito trabalho diretivo individual, 0 grupo pode se tomar mais fraco, menos autonomo e mais de- pendente e centrado· no !ider. (Discufuei esses temas no Capitulo 14.) Alem disso, os pacientes esquizoides nao apenas necessitam de novas habilidades como, de maneira mais importan- te, precisam de uma nova experiencia intemali- zada do mundo dos relacionamentos - e isso exige tempo, paciencia e perseveran<;a. No Capftulo 6, descrevi divers as tecnicas ativadoras do aquice-agora que sao uteis no trabalho com 0 paciente esquizoide. Trabalhe energicamente no aqui-e-agora. Estimule 0 paciente a diferenciar os membros. Apesar de protestos, 0 paciente nao se sente precisamen- ·te da mesma maneira para com todos no gru- po. Ajude esses membros a avan<;ar para senti- mentos que dizem nao ter conseqiiencias. Quando 0 paciente admite: "Bern, talvez eu me sinta levemente irritado ou levemente magoa- do", sugira que ele permane<;a com esses senti- mentos. Ninguem disse que somente devemos discutir sentimentos gran des. "Coloque uma lente de aumento sobre a magoa," voce pode sugerir, "e descreva como ela en. Convide 0 paciente a imaginar 0 que os outros estao sen- tindo no gmpo. Tente cortar os metodos cos- tumeiros de nega<;ao do paciente: "De algum modo, voce se afastou de algo que pare cia irn- portante. Pode voltar para onde estava ha 5 minutos? Quando voce estava falando com Julie, achei que voce estava quase chorando. Havia algo acontecendo ai dentro".Y Incentive 0 paciente a observar 0 seu cor- po. Muitas vezes, 0 paciente pode nao sentir afeto, mas ted consciencia dos equivalentes afetivos autonomos: aperto no estomago, suor, constri<;ao' da garganta, rubor, e assim por diante. Gradualmente, 0 grupo pode ajudar 0 paciente a traduzir esses sentimentos para seu significado psicologico. Os membros podem, por exemplo, observar 0 momento das rea<;6es do paciente em rela<;ao a algum evento do grupo. Os terapeutas devem acautelar-se de ava- liar os eventos unicamente segundo seu pro- prio mundo experimental. Como ja discuti an- tes, os pacientes podem experimentar 0 mes- mo evento de maneiras totalmente diferentes: urn evento que a principio e trivial para 0 tera- peuta ou para um membro pode ser uma ex- periencia muito importante para outro mem- bro. Uma leve demonstra<;ao de irrita<;iio por um individuo esquizoide reprimido pode ser uma grande mudan<;a para aquela pessoa. Tal- vez seja a primeira vez que ela expressa raiva na idade adulta, podendo possibilitar 0 teste de novoS comportamentos, tanto dentro quanto fora do gmpo. No grupo, esses sao indivfduos com nf- veis altos de risco e recompensa. Aqueles que conseguem perseverar, continuar no grupo e nao se sentir desestimulados pela incapacida- de de mudar 0 estilo de seus relacionamentos rapidamente devem obter beneficios conside- rave is com a experiencia da terapia de grupo. o paciente borderline Ha decadas, os psicoterapeutas conhecem urn grande grupo de individuos que sao bas- tante dificeis de tratar e que se encontram en- tre os principais criterios diagnosticos de gra- PSICOTERAPIA DE GRUPO 321 vidade de limita<;6es: mais desorganizados do que os pacientes neuroticos, mas mais integra- dos do que os pacientes psicoticos. Uma fina camada de integra<;iio oculta uma estrutura de personalidade primitiva. Sob estresse, esses pa- cientes borderlines sao muito instaveis. Alguns desenvolvem psicoses que podem parecer psi- coses esquizofrenicas, mas que sao lirnitadas, passageiras e episodicas. o DSM-IV-TR afirma que 0 transtomo de personalidade borderline e um padrao global de instabilidade dos relacionamentos interpes- soais, da auto-imagem, dos afetos e do contro- Ie de impulsos que exige pelo menos cinco das nove caractensticas seguintes: esfor<;os frene- ticos para evitar 0 abandono real ou irnagina- rio; relacionamentos interpessoais instaveis e intensos, caracterizados por altemancia entre extremos de idealiza<;ao e desvaloriza<;ao; per- turba<;ao da identidade -auto-imagem ou sen- tido de self notavelmente perturbados e persis- tentes, distorcidos ou instaveis; impulsividade em duas areas autodestrutivas, como abuso de substancias, gas tar dinheiro, sexo, compulsao alimentar e dirigir sem cuidado; amea<;as ou comportamentos suicidas recorrentes ou auto- mutila<;ao; instabilidade afetiva por reatividade acentuada do humor; sentirnentos cronicos de vazio; raiva intensa e inadequada ou falta de controle da raiva; idea<;ao paranoide ou sinto- mas dissociativos graves relacionados com 0 estresse.36 Nos ultimos anos, h3 muito mais clareza sobre pacientes com transtomo de personalida- de borderline, gra<;as especialmente ao trabalho de Otto Kemberg, que enfatizou a instabilidade predominante do paciente borderline - instabi- lidade do humor, pensamento e envolvimento interpessoalY Ainda assim, a categoria ainda carece de precisao, tem fidedignidade insatisfa- toria38 e muitas vezes serve para transtomos da personalidade que os clmicos nao consigam diagnosticar de outra forma. E provavel que ela sofra modifica<;6es em sistemas classificato- rios futuros. Embora haja urn debate consideravel com rela<;ao a psicodinamica e as origens evolutivas do disrurbio de personalidade borderline,39 esse debate e tangencial a pratica da terapia de gru- po e nao precis a ser discutido aqui. 0 impor- 328 IRVIN D. YALOM tante para 0 terapeuta de grupo, como enfatizei ao longo do livro, nao e a questao evasiva e sem resposta de como 0 individuo ficou do jei- to que esta, mas a natureza das fon;as atuais, conscientes e inconscientes, que influenciam a mane ira como 0 paciente de carater dificil se reladona com os outros. Nao apenas houve uma explosao recente de interesse no diagnostico, psicodinamica e na terapia individual do paciente borderline, como grande parte da literatura
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