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Daiane Martins Rocha Jason de Lima e Silva Evandro Oliveira de Brito (organizadores) Promoção Grupo de Pesquisa Filosofia, Arte e Educação UFSC ENSAIOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA Parceiro Editorial Centro Universitário Municipal de São José USJ 2015 ENSAIOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA Daiane Martins Rocha Jason de Lima e Silva Evandro Oliveira de Brito (organizadores) ENSAIOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA São José CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ 2015 CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ Reitora: Elisiane C. de Souza de F. Noronha EDITORA CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ Editor Conselheiro: Evandro Oliveira de Brito Assessor editorial: Débora Medeiros COMISSÃO EDITORIAL ACADÊMICA Adarzilse Mazzuco Dallabrida Carolina Ribeiro Cardoso da Silva Fernando Mauricio da Silva Keila Villamayor Gonzalez Jason de Lima e Silva José Cláudio Morelli Matos Maria Solange Coelho Rogério Tadeu Lacerda Vera Regina Lúcio EDITORA ASSISTENTE Zuraide Silveira EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Assessoria de Comunicação USJ CAPA: Evandro O. Brito “Gota de orvalho” de Escher, 1948. REVISÃO: Organizador FICHA CATALOGRÁFICA Coordenação de Biblioteca do USJ Atribuição - Uso Não-Comercial Vedada a Criação de Obras Derivadas 100 R672e Ensaios para o ensino de filosofia / Daiane Martins Rocha, Jason de Lima e Silva, Evandro Oliveira de Brito – 1 ed. – São José : Centro Universitário Municipal de São José, 2015. 173 p. ISBN 978-85-66306-13-2 (e-book) Inclui bibliografia 1. Filosofia – Estudo e ensino. 2. Estágios supervisionados. 3. Prática de ensino. I. Rocha, Daiane Martins. II. Silva, Jason L. III. Brito, Evandro O. IV. Título. CDD 100 A filosofia não é uma habilidade para exibir em público, não se destina a servir de espetáculo; a filosofia não consiste em palavras, mas em ações. O seu fim não consiste em fazer-nos passar o tempo com alguma distração, nem em libertar o ócio do tédio. O objetivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos atos, em apontar-nos o que devemos fazer ou pôr de lado, em sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre escolhos. Sêneca 7 SUMÁRIO Apresentação Jason de Lima e Silva e Daiane Martins Rocha ................... 09 Por que e como ensinar filosofia no ensino médio? Ou Sócrates contra Eichmann: educar para o pensar ou para o não pensar? Helder Félix Pereira de Souza .............................................. 17 The Wall: uma reflexão acerca do mecanicismo escolar e o ensino de filosofia Felini de Souza ..................................................................... 43 É possível a filosofia no ensino médio? Como é possível? Vinicius Arion Aliende Palongan de Oliveira ....................... 57 Uma possibilidade para o ensino de filosofia atual: o intercruzamento kathegeliano em dois atos Lucas Beligni Campi ............................................................. 69 Ensino da filosofia: um exercício antropofágico Thor João de Sousa Veras .................................................... 79 O “ensinar a filosofar” e o filosofar sobre sexualidade: uma proposta pedagógica para a filosofia enquanto processo de criação conceitual de gilles deleuze e félix guattari e o corpo lascivo em Merleau-Ponty Diego Luiz Warmling .......................................................... 101 8 Os desafios do ensino de filosofia para o ensino médio Michelle Ramunno Monteiro ............................................ 115 Sobre o ensino de filosofia no ensino médio Guilherme Damin Bortoli .................................................. 125 Filosofia no ensino médio: sim, uma experiência possível Aldo Félix Barreto .............................................................. 141 Compreensão prévia e filosofia no ensino Flávio Ricardo da Silva ....................................................... 153 A importância do estudo dos textos clássicos nas aulas de filosofia do ensino médio: reflexões acerca da docência em filosofia Yuri Galvão Oberlaender de Almeida ................................ 163 9 APRESENTAÇÃO Os ensaios deste livro foram produzidos pelos estagiários do curso de Licenciatura em Filosofia da UFSC, em 2014, a partir de dois campos de atuação: o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e o Colégio Aplicação da UFSC. O trabalho de supervisão desses estagiários, ou seja, o trabalho de acolhimento na escola e acompanhamento na sala de aula, devemos a quatro pessoas, sem as quais a formação filosófica dos estudantes careceria da excelência que a experiência humana e coletiva nos dá, nesta tarefa de tornar-se professor, a cada encontro, na escuta e na palavra. São elas: Sandro Ricardo Rosa e Leonardo Francisco Schwinden, do Colégio de Aplicação, e Eliodória Ventura e Eliéser Spereta, do IFSC. A essas pessoas deixamos nossos mais sinceros agradecimentos: pelo trabalho de formação na escola e de diálogo permanente com a universidade. A experiência em sala, desde a etapa da observação e assistência até o momento da prática de ensino, despertou nos estagiários e estagiárias o interesse em muitos dos problemas que integram o nosso sistema escolar, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de se ensinar Filosofia (o que significa também a possibilidade de o discurso filosófico produzir algum efeito sobre aqueles que não escolheram a filosofia como modo de vida e/ou profissão). Assim, tais ensaios expressam o trabalho de o estagiário primeiramente se situar como sujeito na escola, entre outros sujeitos, segundo a ordem de disciplinas e de saberes que regulamentam o tempo e o espaço de cada qual; esse esclarecimento põe ao mesmo tempo em jogo o desafio de se constituir uma forma de saber cuja razão é justamente problematizar a realidade (como algo evidentemente conhecido ou inquestionável) e a ocasião de se fazer do encontro, num tempo e espaço previamente dados, o princípio de uma experiência de pensamento e liberdade entre Jason de Lima e Silva Daiane Martins Rocha 10 outros. Nada disso, claro, é tão simples, nem seguramente garantido. Depende em parte da compreensão do que fazemos (ou do que é possível fazer) onde estamos, em parte também do quanto o outro está aberto à experiência de aprender a ser livre ao questionar o que pensa ou julga ser. Abrimos essa edição com o ensaio de Helder Félix Pereira de Souza, Por que e como ensinar Filosofia no Ensino Médio? Ou Sócrates contra Eichman: Educar para o pensar ou para o não pensar? Nesse texto, somos levados a questionar o sentido da educação após Auschwitz (os campos de concentração do Terceiro Reich). Para o filósofo Theodor Adorno, a razão de educar se daria no evitar a barbárie. Considerando as possíveis implicações da análise de Hannah Arendt sobre o julgamento de Eichmann, são pensadas duas formas fundamentais de educação, segundo duas espécies de formação: o “tipo Eichmann”, que corresponde à produção de indivíduos prontos a obedecer a seus superiores, sem pensar o quanto esses atos seriam bons ou ruins para si e para outros; e o “tipo Sócrates”: a atividade educacional teria como base um caráter mais reflexivo, compreendido tanto pelo conhecimento de si, quanto pelas implicações das escolhas e ações individuais sobre a humanidade como um todo. Cabem ainda as críticas de Nietzsche a Sócrates e Platão, no sentido de considerar o pensamento reflexivo e moralo princípio para nos converter em animais de rebanho, ao invés de liberar o animal guerreiro. Como essas questões podem nos levar a uma postura em sala de aula no que se refere ao ensino de Filosofia? Que métodos poderíamos utilizar para alcançar os objetivos propostos, os quais, como proposto nesse artigo, opõem-se a uma educação que produza indivíduos do “tipo Eichmann”? Em seguida, lemos o ensaio de Felini de Souza, intitulado The Wall: Uma reflexão acerca do mecanicismo escolar e o ensino de Filosofia, no qual somos provocados pelo clássico filme The Wall, do diretor Allan Parker (1982), Apresentação 11 baseado no sucesso da banda Pink Floyd: trata-se de questionar o ensino enciclopédico que reprime a criatividade e a diferença entre os estudantes, o qual, por sua vez, impossibilita o exercício filosófico propriamente dito. Em tom bastante provocativo e instigante, o ensaio traz várias críticas ao nosso sistema de educação atual, de tal modo que aponta a outro direcionamento: rumo a uma educação para a reflexão e liberdade. E nesse sentido, retoma e atualiza muito do legado de nosso mestre Paulo Freire. Vale também conferir É possível a Filosofia no Ensino Médio? Como é possível?, de Vinicius Arion de Oliveira, quem pensa nossa aptidão filosófica desde a mais tenra idade. As questões mais básicas feitas por nós quando crianças, assim, corresponderiam a um exercício filosófico natural a nós seres humanos, o qual pode e deve ser incentivado na adolescência. Por quê? Justamente para que tais questionamentos e dúvidas não sejam rejeitados como meros “porquês”, mas se tornem princípios para mudanças de pensamento e atitude frente ao mundo. Lucas Beligni Campi abre o ensaio Uma possibilidade para o ensino de Filosofia no modelo atual: o intercruzamento Kanthegeliano em dois atos com um poema de sua autoria sobre o exercício filosófico em sala de aula: ressignificação de si e do outro durante o processo de ensino. Campi direciona seu artigo para a defesa de um modelo Kanthegeliano do exercício de Filosofia no ensino médio, o que consistiria numa compatibilização tanto da proposta kantiana, de um ensino que proporcione o exercício da autonomia aos educandos, quanto da abordagem historicista da Filosofia, que é atribuída a Hegel, já que toda a tradição filosófica, com os dilemas e as grandes questões da humanidade investigados, não devem ser ignorados. O foco é, sobretudo, ir além da história da filosofia, fazendo com que o exercício filosófico ocorra em sala de aula, e que as ferramentas para a construção de um raciocínio sólido Jason de Lima e Silva Daiane Martins Rocha 12 e bem argumentado sejam alcançadas nas aulas (em razão do que os professores partem dos clássicos da história da Filosofia). O objetivo não é de pouca importância: permitir ao estudante de ensino médio, através das aulas de Filosofia, viver um processo de ressignificação de sua existência, de modo a fortalecer o seu pensar para o enfrentamento diário dos próprios problemas. No ensaio Ensino da Filosofia: Um exercício Antropofágico, Thor João de Sousa Veras parte do que ele nomeia uma “pedagogia da devoração”, inspirada no manifesto antropofágico de Oswald de Andrade, e que se serve de quatro etapas (aperitivação, deglutição/devoração, digestão e transformação). Etapas que muito lembram os escritos de Sílvio Gallo a propósito do ensino da filosofia, embora aqui esteja em jogo uma apropriação da arte como recurso fundamental para afetar os alunos “com a filosofia, na filosofia e para a filosofia”, contando ainda com o suporte da história da filosofia e a construção de conceitos. Em O ensinar a filosofar e o filosofar sobre a sexualidade, de Diego Luiz Warmling, somos instigados a pensar em como trabalhar a questão da sexualidade nas aulas de Filosofia, a partir de Merleau-Ponty e seus escritos sobre a relação do sujeito com o seu corpo, sua reação à dor e ao prazer, o que importaria à formação da estrutura subjetiva do indivíduo enquanto tal. Partindo de questionamentos como “o que vocês entendem por relações afetivas?”, “existe, de fato, o que podemos entender por uma sexualidade normal? Se existe, o que pode ser definido como tal?”, o ensaio reforça a importância do ensino de filosofia como construção de conceitos, e esboça alguns caminhos para se pensar no ensino médio o conceito de sexualidade. Michelle Ramunno Monteiro, no ensaio Os desafios do ensino de Filosofia para o Ensino Médio, descreve a aparente falta de interesse dos estudantes nas aulas de filosofia Apresentação 13 como um dos principais desafios que se apresentam aos professores de ensino médio, situação que foi “desmistificada” com a aplicação de um questionário que indagava estudantes acerca de temas que lhes interessariam. Os resultados foram surpreendentes, pois levam a perceber que o desinteresse não é em relação à filosofia em si, mas ao modo como ela tem sido trabalhada em sala de aula. Como é defendido no artigo, a atividade filosófica no ensino médio não se trata somente de transmitir informações ou conceitos, mas também de incitar a reflexão acerca das questões universais que a Filosofia aponta, o que pode ser feito pautando o plano de ensino em três aspectos: problematizar, conceituar e argumentar. Com o ensaio Sobre o ensino de Filosofia no Ensino Médio, Guilherme Bortoli, apresenta Sócrates como o professor de filosofia por excelência. Investiga sua formação e seus métodos, bem como a importância de o professor ter uma “atitude filosófica” que possa levar seus interlocutores a “ascese do pensamento”, sobretudo segundo o uso da dialética. E ainda temos o ensaio Filosofia no Ensino Médio: Sim, uma experiência possível, de Aldo Félix Barreto, que traz algumas experiências de sala de aula e reflexões do professor supervisor sobre a possibilidade e função da Filosofia no ensino médio, bem como a responsabilidade atribuída a essa disciplina e ao professor pelos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) e OCN’s (Orientações Curriculares Nacionais para o ensino de Filosofia). Acerca da Compreensão prévia e filosofia no ensino médio, Flávio Ricardo da Silva sustenta ser a filosofia possível por conta de sermos e estarmos sempre em contato com o mundo, de modo que o existir, como seres conscientes, se torna o princípio da própria filosofia. Através de alguns exemplos práticos de formas para se trabalhar em sala de aula, o ensaio coloca a filosofia como aquela que “abre o jovem para a Jason de Lima e Silva Daiane Martins Rocha 14 possibilidade de ressignificação e enriquecimento da própria experiência no mundo”. Por fim, o ensaio A importância do estudo dos textos clássicos nas aulas de Filosofia do ensino médio: reflexões acerca da docência em filosofia, de Yuri de Almeida, provoca reflexões sobre a situação do ensino de Filosofia após 2008, quando se tornou obrigatório novamente, com a responsabilidade de “ajudar a formar cidadãos”. O artigo nos chama atenção ainda para o déficit de formação adequada de professores, visto que muitas vezes o foco dos cursos de filosofia é o da pesquisa acadêmica e não o da formação de professores. Também observa o quanto é recente o crescimento no número de material didático de filosofia. A proposta do artigo é, sobretudo, mostrar o quanto o estudo dos clássicos poderia iluminar o ensino de filosofia atualmente, tais como Platão e Aristóteles, através dos problemas levantados por esses grandes autores, de modo a tornar possível o exercício do pensamento crítico e efetivamente encorajada a tal “educação para a cidadania”. Muitos contribuíram para a realização deste livro, a começar pelos próprios estagiários, que se serviram de uma experiência em razão da qual a vida profissional é precedida pelo risco de se colocar diantede outros, convencer-se do que se faz como algo que tem algum sentido e pode dar algum sentido àqueles que encontra, reconhecer que o tempo no fim das contas oprimiu e que lamentavelmente não foi possível falar e discutir tudo o que pensou antes e depois de um encontro, mas também descobrir que a inclinação solitária e filosófica pode ser reforçada pela solidariedade de alguns, ao lembrar ter sido despertada certa apatia ou concentrada a euforia. Dar-se conta de que o mundo é mundo no seu devir e fazer filosofia, dar-se a pensar e dar a pensar, eis a diferença, no trabalho entre os jovens de um mundo que nos dá tantas coisas quantas poucas boas ideias, as ideias com as quais Apresentação 15 fazemos mais digna nossa condição tão frágil. A esses primeiramente agradecemos, os acadêmicos com quem aprendemos a generosidade de que ensinar é estar cercado de olhares e distrações, e por isso mesmo o esforço para se produzir e perceber o entusiasmo que nos dá o pensar. Agradecemos de modo especial a todos os professores e idealizadores do LEFIS (Laboratório Interdisciplinar de Ensino de Filosofia e Sociologia), por proporcionarem o debate e a integração entre pesquisadores e professores do ensino médio e das licenciaturas de Filosofia e Sociologia. Nossos agradecimentos ao professor Alberto Cupani, que incentivou e amparou os estagiários durante o ano, em reuniões na universidade e no colégio, além de ter se dedicado à leitura crítica de seus ensaios. Boas leituras! Jason de Lima e Silva Daiane Martins Rocha 17 POR QUE E COMO ENSINAR FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO? OU SÓCRATES CONTRA EICHMANN: EDUCAR PARA O PENSAR OU PARA O NÃO PENSAR? Helder Félix Pereira de Souza 1. Introdução A primeira parte do ensaio desenvolve a noção de ausência do pensar caracterizada pela figura do tipo Eichmann como perigo para a existência da humanidade. Problema atual em nossa época e que foi enfatizada pela pensadora alemã Hannah Arendt, mas também em coro com Heidegger, Adorno e outros autores que refletiram sobre o período pós-guerra e os riscos da homogeneização do ser. Por outro lado, a segunda parte destaca a importância da presença do pensar representada pela figura do tipo Sócrates como capaz de cultivar a pluralidade humana. Ou seja, o autoexame, o exame de si, a reflexão ou o pensar, como o elemento que cuida e possibilita a convivência entre homens no singular e no plural, combinando a diferença e a identidade. Na terceira parte o pensar socrático e o não-pensar eichmaniano são contrapostos a fim de destacar a importância de manter ativo o pensar para evitar a instalação do horror totalitário e a perpetuação da barbárie. Apontando como possível resposta ao por que ensinar filosofia no ensino médio a aposta no ensino de filosofia na educação básica brasileira Helder Félix Pereira de Souza 18 como uma abertura ao pensar ou filosofar para evitar a perda da pluralidade do mundo humano. Aceitando tal aposta na educação filosófica como o exercício do filosofar, a quarta parte busca indicar algumas maneiras de como ensinar filosofia no ensino médio. Assim, são destacadas algumas táticas experimentadas durante o estágio I e II e que são de grande serventia para quem ousa ensinar filosofia. Por fim, algumas considerações finais. 2. O tipo Eichmann e o não-pensar Se pensarmos com Heidegger (1973), Hannah Arendt (2010, 2011a), Adorno (2000) etc., grande parte dos pensadores do século passado aceitam o acontecimento da segunda grande guerra, o evento totalitário, os campos de concentração, como marcos na história da humanidade que não podemos simplesmente esquecer, mas cuidar para que não se instalem novamente. Mesmo que a ameaça do totalitarismo pretenda sempre desertificar o mundo humano, como destaca Arendt (2011b), a nossa época exige um esforço para que o mundo não seja esvaziado. Mas, qual a relação entre o risco de perdermos o mundo e a educação, especificamente, o ensino da filosofia na educação? Se pensarmos com Arendt que, apesar de ter tratado diretamente muito pouco o tema da educação, é possível detectar, ao menos indiretamente, em seus textos, uma preocupação com a continuidade do mundo e consequentemente com a educação, ainda mais ao desenvolver as noções de amor mundi (ALMEIDA, 2009) e “banalidade do mal” (ARENDT, 2010), ou seja, do amor ao mundo do qual pertencemos no plural e no singular e o risco de perdermos o Por que e como ensinar filosofia 19 mundo pela ausência do pensamento reflexivo. A inserção da filosofia na educação pode ser um caminho para ampliar ainda mais a reflexão na formação dos alunos e estimular ainda mais tal postura entre os professores, os cidadãos e a sociedade, contribuindo para que o mundo não seja totalmente desertificado pela ausência de pensamento. Hannah Arendt, influenciada por Heidegger 1 (1973) que apontou sobre a importância da tarefa do pensamento que se abria com os acontecimentos do século passado e também pelo espírito de sua época do pós-guerra, voltou seus esforços para realizar uma espécie de ontologia do presente na medida em que buscava pensar o que estamos fazendo. Tal postura arendtiana se intensifica após suas reflexões sobre o julgamento do alemão nazista Adolf Eichmann (2011a) realizado em Jerusalém em 1961. 1 É importante destacar o fato curioso de Heidegger ter participado do nazismo por alguns meses, se afastando depois. Alguns autores criticam tal postura do grande filósofo alemão e, sobretudo, detectam elementos totalitários em suas obras. Pensemos se a abertura ao pensar não seria também uma armadilha em que a humanidade caiu e não consegue escapar, como Nietzsche (2010) alertava sobre o engodo em que Sócrates nos colocou ao implantar o gérmen do pensamento reflexivo e moral, que nos torna animais de rebanho ao invés de liberar o animal guerreiro. Mesmo agora, nesta pequena nota, refletindo sobre isso, não conseguimos escapar do pensar e do pensamento. Talvez isso seja uma condição que não podemos mais deixar de lado, ainda mais que “onde mora o perigo é lá que também cresce o que salva” (HEIDEGGER, 2012, p.37). Por esse motivo, como veremos mais a frente, o ensino da filosofia no ensino médio é um estímulo à atividade do pensar contra a ausência do pensamento, sendo uma aposta no modo de ser socrático frente ao maior perigo de tipos Eichmann de ser, que não pensam. Antes ser um animal de rebanho pensante do que um animal de rebanho não pensante que pode colocar em risco todo o rebanho, ainda mais em tempos no qual o homem manipula cientificamente experimentos capazes de aniquilar sua própria existência, tal como os experimentos físico-nucleares, químicos, biológicos e também as tecnologias sociais. Antes de fazer ou agir cegamente é melhor pensar duas vezes ou três vezes mais. Helder Félix Pereira de Souza 20 A partir do contato com Eichmann, sua vida e sua postura no julgamento, Arendt e muitos outros ficaram espantados ao encontrar uma figura comum no banco dos réus. Um pai de família normal, com círculo de colegas e laços de amizade como qualquer outra pessoa, bem diferente do monstro nazista e cruel que muitos esperavam encontrar. A questão que espantava Arendt é como Eichmann, uma pessoa tão normal, foi capaz de organizar a logística da solução final identificando e transportando milhares de pessoas, enviando-as para a morte nos campos de concentração sem muito se importar? A pensadora alemã destaca a hipótese de que o respectivo tenente-coronel nazista era incapaz de refletir sobre suas ações, de pensar sobre o que estava fazendo, ponderar o bem e o mal daquilo que ele fazia. O que mais assustou Arendt foi a extrema obediência deEichmann às ordens do Führer e a sua completa normalidade diante do assassínio em massa que organizou e cuidou enquanto burocrata e que alegava somente cumprir ordens. “O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais” (AREDNT, 2011a, p.299). No nazismo o mais importante era o cumprimento estrito do dever, ou seja, as leis do Estado que emanavam diretamente das palavras de Hitler e adquiriam força de lei devendo ser realizadas cegamente. Tais ordens eram rigorosamente e eficientemente cumpridas pelos nazistas, em que o certo era cumprir ordens, mas não pensá-las, mesmo que implicasse em aniquilar milhares de pessoas. Os atos eram monstruosos, mas o agente – ao menos o que estava em julgamento – era bastante comum, banal, e não demoníaco ou monstruoso. Nele não se encontrava sinal de firmes convicções ideológicas ou de motivação Por que e como ensinar filosofia 21 especificamente más, e a única característica notória que se podia perceber tanto em seu comportamento anterior quanto durante o próprio julgamento sumário de culpa que o antecedeu era algo de inteiramente negativo: não era estupidez, mas irreflexão. No âmbito dos procedimentos da prisão e da corte israelenses, ele funcionava como havia funcionado sob o regime nazista; mas, quando confrontado com situações para as quais não havia procedimentos de rotina, parecia indefeso, e seus clichês produziam na tribuna, como já haviam evidentemente produzido em sua vida funcional, uma espécie de comédia macabra. Clichês, frases feitas, adesão a códigos de expressão e conduta convencionais e padronizados têm a função socialmente reconhecida de proteger-nos da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos em virtude de sua mera existência. Se respondêssemos todo o tempo a essa exigência, logo estaríamos exaustos; Eichmann se distinguia do comum dos homens unicamente porque ele, como ficava evidente, nunca havia tomado conhecimento de tal exigência. Foi essa ausência de pensamento – uma experiência tão comum em nossa vida cotidiana, em que dificilmente temos tempo e muito menos desejo de parar e pensar – que despertou meu interesse (ARENDT, 2010, pp.18-19). O sociólogo e filósofo Zigmunt Bauman (2014, p. 78) aponta que Eichmann era o modelo perfeito de burocrata, cidadão, cumpridor dos deveres que mantinha-se o mesmo tanto em casa ou no trabalho, capaz até mesmo de em momentos livres executar metodicamente algumas sonatas de Brahms sem cometer erros. Pensando nos dias de hoje ele seria o modelo de trabalhador perfeito ou “o orgulho de uma prestigiosa firma europeia (incluindo, pode-se acrescentar, as Helder Félix Pereira de Souza 22 empresas com grandes proprietários ou grandes executivos judeus)”. O oficial nazista não nutria ódio intenso ou preconceito contra os judeus, apesar de os enxergar como “objetos que deveriam ser, por exigência de sua repartição, devidamente manejados” (BAUMAN, 2014, p.79). Curiosamente, ele cita Kant em seu julgamento ao fundamentar a sua aceitação rigorosa das leis e que Arendt (2011a) ironicamente atesta a superficialidade da sua leitura dado que a sua versão do imperativo categórico estaria corrompida pelo fato de colocar em risco a pluralidade humana e que Eichmann fora incapaz de ponderar reflexivamente. No entanto, a constatação de Arendt sobre o modo de ser de um agente nazista, tomando como modelo o modo de ser do burocrata Eichmann, causa espanto na medida em que relacionamos com o nosso cotidiano atual. Em nossa vida parece que mais reproduzimos mimeticamente comportamentos do que agimos com espontaneidade, ou seja, nos acostumamos facilmente a aceitar uma ordem ou uma lei, repetir gestos, comportamentos, frases de efeito e clichês, sem ao menos refletir sobre elas próprias e mais ainda sobre suas causas e consequências. “Isso levou alguns observadores a supor que na maioria das pessoas, se não em todas, vive um pequeno SS esperando para vir à tona [...]” uma espécie de “‘Eichmann latente’ escondido no homem comum” (BAUMAN, 1998, p.195). Se dirigirmos a perspectiva para o meio educacional brasileiro e lembrarmos os inúmeros modos de se ensinar, constataremos que boa parte do ensino e aprendizagem se foca na repetição mimética de clichês. Na filosofia, um âmbito que por excelência nos deveria estimular o pensar, não é tão diferente como aponta o professor Geraldo Balduíno Horn visto que “o ensino institucional e formal da Filosofia sempre serviu ao estabelecimento e manutenção de forças hegemônicas Por que e como ensinar filosofia 23 que buscavam neutralizar ou mesmo anular qualquer possibilidade de formação humana crítica e autônoma”(2009, p.19). O professor Silvio Gallo (2012) tece também diversas críticas sobre a forma de ensino mecânico e acelerado, característico de nossa época e que tem em vista a mera repetição de conceitos e aplicação em prova, deixando de lado a reflexão que exige tempo e paciência. Reforçando a crítica, o professor Alejandro Cerletti aponta os cuidados que se deve ter no ensino da filosofia para que não sejam “simples técnicos que apenas aplicam receitas ideadas por especialistas” (2009, p.78) e nem repetidores de propostas de ensino, deixando de lado os contextos e as particularidades dos cursos e dos alunos. Enfim, Nietzsche em seus primeiros escritos já havia criticado essa forma de ensino de filosofia que causa mais repugnância à filosofia do que aproximação: [...] pense-se em uma cabeça juvenil, sem muita experiência da vida, em que cinquenta sistemas em palavras e cinquenta críticas desses sistemas são guardados juntos e misturados – que aridez, que selvageria, que escárnio, quando se trata de uma educação para a filosofia! Mas, de fato, todos reconhecem que não se educa para ela, mas para uma prova de filosofia: cujo resultado, sabidamente e de hábito, é que quem sai dessa prova – ai, dessa provação! – confessa a si mesmo com um profundo suspiro: ‘Graças a Deus que não sou filósofo, mas cristão e cidadão do meu Estado! (NIETZSCHE, 1974, p.89). Parece que essa forma de ensino educa para formar tipos Eichmann de ser. Tipos normais, comuns, incapazes de pensar por si, mas somente obedecer. Dotados de uma extrema normalidade e que em momentos extremos podem colocar em risco a existência da humanidade, pois irrefletidamente são Helder Félix Pereira de Souza 24 capazes de cometer crimes contra o gênero humano pelo fato de não saberem ou sentirem “que estão agindo de modo errado” (ARENDT, 2011a, p.299). Kant, já havia alertado para essa forma de educação em que foca somente no treino/adestramento dos indivíduos. O pensador de Köningsberg enfatiza que “não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a pensar.” (1996, p.28) e diz que na filosofia 2 é possível aprender a filosofar, ou seja, estimular o exercício do pensamento, mas não ensinar um pensamento filosófico, a não ser historicamente (2001). E tal atividade se dá praticando “o método de Sócrates” (1996, p.75): a maiêutica. Parece que para fugir dos clichês, da mimética irrefletida, da obediência incondicional e cega que caracterizam uma educação para formar tipos como Eichmann, a reflexão praticada com a maiêutica socrática é capaz de conter o perigo de tal irreflexão que pode colocar em risco a pluralidade humana. 3. O tipo Sócrates e o pensar Como muito bem observa o professor Cléber Duarte Coelho (2014), a maioria dos filósofos tomam Sócrates como o um modelo de educador. Ou seja, Sócrates é um exemplo de homem que além cumprir seus deveres, respeitar as leis, é capaz de pensar reflexivamentee instigar as pessoas a pensar, sendo um médico de si e também dos outros. 2 É importante destacar que a tarefa da reflexão é objetivo comum a todos os saberes, não só da filosofia, mas das diversas outras disciplinas. A diferença é que a tarefa por excelência da filosofia que defendemos é a de manter ativa a atividade do pensar e refiná-la cada vez mais ao aproximar os âmbitos da ciência, da arte e da própria filosofia, assim como da vida. Por que e como ensinar filosofia 25 Não é de pouca consideração que o próprio Platão se utiliza de Sócrates para difundir a filosofia em diálogos e mais à frente Kant o elege como o modelo de educador que difunde a atividade do filosofar através da maiêutica. Em passagens finais da Crítica da razão pura de Kant discorre sobre a filosofia e o filosofar dizendo que: “Entre todas as ciências racionais (a priori) só é possível, por conseguinte, aprender a matemática, mas nunca a filosofia (a não ser historicamente): quanto ao que respeita à razão, apenas se pode, no máximo, aprender a filosofar” (2001, p.672). Por esse motivo, podemos pensar sobre os pensamentos filosóficos e seus conceitos, mas não ter como certo e acabado alguma ideia filosófica. Isso indica que há na compreensão filosófica de Kant um aspecto mais originário e fundamental da filosofia como uma atividade do filosofar, muito diferente de uma concepção demonstrativa e puramente expositiva no seu ensino. Segundo o professor e grande intérprete de Kant, Leonel Ribeiro dos Santos, Kant tem da prática filosófica uma concepção essencialmente investigativa e inventiva. Todo aquele que pensa deve chegar à verdade por si mesmo, servindo as opiniões alheias apenas de matéria para o exercício do próprio talento filosófico. A verdade filosófica não está feita nem dada em parte alguma. Cada qual a extrai da sua própria razão e a legitima perante a própria razão. E é neste sentido que se deve entender a afirmação kantiana, tão frequentemente repetida, segundo a qual não se aprende Filosofia, mas aprende-se a filosofar, não se ensinam pensamentos, mas ensina-se a pensar (SANTOS, 2013, p.132). O apontamento do filósofo português evidencia a importância de Kant com a atividade inesgotável do pensamento que não se limita à mera imitação e repetição de Helder Félix Pereira de Souza 26 outros pensamentos, como muitas vezes constatamos nas aulas de filosofia, mas extrapola esses limites e expande tal atividade através do filosofar por si. Como dito anteriormente, é neste sentido que a filosofia adquire seu caráter mais elementar: a maiêutica socrática, em que a tarefa fundamental da filosofia enquanto atividade do filosofar é a de ser parteira de pensamentos. No caso do ensino da filosofia aos jovens, a estratégia básica implica em extrair conhecimentos dos alunos: que se “dê a luz o que tem dentro acerca do saber” (PLATÃO, 2010, p.265) tal como exemplarmente fazia Sócrates, e não somente introduzi- los. Transferir conceitos abstratos dos pensadores da filosofia, se é que isto é possível, é uma tarefa complexa e maçante para os jovens no ensino médio, que estão sendo inseridos no universo da filosofia e muitos deles tendo o seu primeiro contato com tal saber. Portanto, trabalhar de forma leve os conceitos, priorizando o filosofar através da maiêutica socrática é um caminho possível para a filosofia no ensino médio brasileiro. Hannah Arendt também aceita Sócrates como uma espécie de tipo ideal de homem e pensador, na medida em que convida a todos ao autoexame ou a reflexão: [...] um pensador que tenha permanecido sempre um homem entre homens, que nunca tenha evitado a praça pública, que tenha sido um cidadão entre cidadãos, que não tenha feito nem reivindicado nada além do que, em sua opinião, qualquer cidadão poderia e deveria reivindicar.[...] decidido dar a vida não por um credo ou uma doutrina específica – ele não tinha nenhum dos dois - , mas simplesmente pelo direito de examinar as opiniões alheias, pensar sobre elas e pedir a seus interlocutores que fizessem o mesmo (2010, pp.189-190). Por que e como ensinar filosofia 27 Pensar o que estamos fazendo, realizar uma ontologia do presente, exercitar o autoexame, são atividades sinônimas ao cuidado de si e que se constitui também em uma espécie de cuidado do outro (FOUCAULT, 2011), podendo servir como um antídoto ao perigo do totalitarismo ou para que Auschwitz não se repita (ADORNO, 2000). Em outras palavras, o modelo socrático de ser, que estimula a atividade reflexiva como postura de vida, se fomentada também no ensino da filosofia como convite ao filosofar, pode contrapor-se a ausência de pensamento ou a incapacidade de pensar o que fazemos, característica de tipos Eichmanns de ser ou de uma educação meramente instrumental, que busca o conhecimento pelo conhecimento e o homem não como fim em si, mas como meio. Até mesmo Hannah Arendt destacou que o maior mal que pode ocorrer entre homens, a banalidade do mal, é a ausência do pensar. É a possibilidade da morte do pensamento e que pode implicar no estabelecimento do mal banal e a desertificação do mundo humano, nos deixando acostumados com o deserto e até mesmo a viver nessa falta de mundo (ARENDT, 2011b). Ser capaz de discernir o certo do errado, pensando em si e nos outros enquanto seres plurais que habitam e constituem o mesmo mundo, foi a postura de Sócrates e é a peculiaridade do pensamento reflexivo, diferentemente do pensamento que calcula e enquanto vontade de verdade quer instrumentalmente conhecer e dominar a totalidade. Como aponta Arendt, “A manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento, é a habilidade de distinguir o certo do errado, o belo do feio. E isso, nos raros momentos em que as cartas estão postas sobre a mesa, pode sem dúvida prevenir catástrofes, ao menos para o eu.” (2010, p.216). Helder Félix Pereira de Souza 28 4. Sócrates x Eichmann e a aposta na educação para o pensar Mas e se pensarmos de forma contrária? Ou seja, e se aceitássemos a hipótese nietzschiana presente em “Crepúsculo dos ídolos” na qual Sócrates e Platão são “como sintomas de declínio, como instrumentos da dissolução grega, como pseudogregos, antigregos” (2010, p.18)? Seria então o surgimento do pensar maiêutico a decadência de um povo? E o modo de ser do tipo Eichmann, incapaz de pensar reflexivamente por si, seria um modelo a ser seguido, pois é o inverso de Sócrates? Qual então seria o caminho certo da educação? Obedecer cegamente suspendendo o pensar reflexivo ou saber obedecer e também mandar, mantendo ativo o pensar reflexivo? Em outras palavras, por que ensinar filosofia na educação básica? Por que abrir nos alunos a vereda da reflexão e educar para o filosofar? Parece que, pensando com Heidegger, Arendt, Adorno, dentre inúmeros outros pensadores, nós contemporâneos ocidentais tendemos a ponderar para o caminho do pensamento reflexivo. Sobretudo após os horrores da segunda grande guerra, a melhor aposta (PASCAL, 1973) que podemos fazer é evitar que coisas como o totalitarismo, a barbárie ao extremo se instalem. Mesmo não tendo absoluta certeza de que estimular o pensamento reflexivo seja um caminho absolutamente seguro, ao menos contra a ausência de pensamento que produz tipos Eichmann, apostar na reflexão é uma opção para quem não tem alguma outra. Além do mais, o simples fato de se colocar tal questão nos insere no âmbito do pensar e que nos força a meditar sobre outra questão importante: é possível escapar ao pensar quem já nele se encontra? Por que e como ensinar filosofia 29 Podemos dizer que nos encontramos dispostos em um ‘entre’ pensar e não pensar. Em alguns momentos o pensamento parecenos requisitar e algumas vezes não, porém há momentos em que não podemos deixá-lo de lado, sobretudo nos acontecimentos extremos como aqueles que sempre ameaçam o mundo e a existência humana, ou a instalação da barbárie como aponta Adorno (2000). Parece que a justa medida aristotélica (1973) pode auxiliar o respectivo problema do excesso de pensar e o excesso de não pensar. O meio termo implica em cultivar a reflexão para que ela se refine em suas múltiplas possibilidades e desperte quando necessária, mas também cultivá-la para que o pensar não se torne um peso ou tormento ao ponto de suspender o mundo buscando um além-mundo para habitar. Há aqui uma espécie de educar para que nem sejamos completamente socráticos, o que nos levaria a ser “superafetados” (NIETZSCHE, 2010, p.19) da razão ao ponto de platonicamente suspender o mundo acreditando em outro melhor. Por outro lado, é importante educar também para que nem sejamos completamente Eichmanns, que nos levaria a ser repetidores miméticos de ordens, incapazes de refletir sobre o que se está fazendo (ARENDT, 2011a). No entanto, partindo do pressuposto de que Eichmann tornou-se um tipo comum de ser do homem moderno e atual que não pensa ou pouco pensa sobre suas próprias ações, pois não tem tempo para pensar; parece que apostar em um tipo socrático de ser, que muito pensa e sabe pensar com rigor quando é requisitado, poderia ser uma boa aposta justamente por representar uma falta em nossa época. O antídoto para tipos Eichmann de ser é misturar-se, contaminar-se a tipos Sócrates de ser. O que falta em um torna evidente o que transborda no outro, e vice e versa, desvelando assim a essência de ambos e a sua importância em nossa época. Helder Félix Pereira de Souza 30 Pensando a educação brasileira atual, ter como modelo de ensino filosófico a maiêutica socrática, mas também que ultrapasse a barreira das disciplinas, é um possível e estimulante contraponto ao modo eichmaniano de ser. Em outras palavras, uma possível resposta à pergunta sobre por que ensinar filosofia na educação básica é: educar para refletir ou pensar o que estamos fazendo consiste em uma aposta frente a ausência do pensar ou da reflexão, tão comum hoje em dia em nossa era da instantaneidade (BAUMAN, 2001) e que pode colocar em risco toda a pluralidade humana. É uma aposta na educação que possibilita saber obedecer e saber mandar, e, quando requisitado, também pensar as próprias ações para se evitar catástrofes. 5. Como exercitar a maiêutica socrática no ensino médio? A aceitação da aposta no exercício do filosofar ou de se pensar o que estamos fazendo tal como Sócrates, em contrapartida ao estabelecimento de figuras não-pensantes reflexivamente do tipo Eichmann, representa um caminho possível para a filosofia no ensino médio na tentativa de se educar contra a barbárie (ADORNO, 2000) e o deserto do totalitarismo (ARENDT, 2011b). Mas como pode acontecer este tipo de educação filosófica no ensino médio? Em outras palavras, como ensinar filosofia aos alunos do ensino médio? Esta é também uma pergunta que se mantém sempre aberta, pois existem vários modos de se ensinar filosofia. Aqui, o ensino de filosofia na educação básica é pensado juntamente com Kant (2001), que aposta no ensino da filosofia como atividade do filosofar. Para isso, indicamos três táticas úteis que se orientam pela grande aposta na estratégia da Por que e como ensinar filosofia 31 atividade de filosofar no ensino médio e que foram exercitadas durante a prática de estágio I e II na licenciatura em filosofia da UFSC. Acompanhadas pela tática do SPIC que conforme Silvio Gallo (2012) consiste em sensibilizar, problematizar, investigar e conceitualizar com os alunos; as táticas do CSI que implica no dizer claro, simples e ingênuo; e com a tática do PréDuPós como exercícios pré-aula (fixação do tema, esboço mental e escrito da aula, aula com alunos invisíveis, ensaios e re- ensaios), durante-aula (manter-se no aqui agora, sensibilidade espacial e temporal, aproveitar toda e cada questão do aluno, instigá-los e entusiasmá-los, tirá-los do aturdimento, etc.) e pós-aula (reexame mental e se possível escrito das aulas), podem ampliar as chances de que a atividade do filosofar aconteça em sala de aula no ensino médio. De modo geral, a grande tática do SPIC consiste em uma etapa do ensino em que os alunos são sensibilizados a fim de serem inseridos e preparados para o tema da aula; consequentemente, o tema é problematizado abrindo espaço para um exame de tais problemas na história da filosofia; e, por fim, os conceitos que emergem das atividades anteriores em diálogo com os alunos através dos pensamentos filosóficos, intermediado pelo professor-filósofo, são reproblematizados com o intuito de os alunos, e também o professor, apropriarem- se dos conceitos abrindo a possibilidade de construírem por si mesmos seus próprios conceitos ou ao menos algumas noções conceituais. De toda essa tática orientadora do ensino filosófico no ensino médio, destaca-se maior importância para a atividade do filosofar, pensado como um jogo dialógico de perguntas e reperguntas entre professor aluno, aluno professor, e entre os próprios alunos; vertendo e invertendo constantemente pontos de vista entre os envolvidos no diálogo. Helder Félix Pereira de Souza 32 Nesse aspecto, são bem vindas as lições de Silvio Gallo sobre o SPIC com o intuito de sensibilizar os alunos para preparar o terreno para o filosofar e também à filosofia. Dispor de exemplos, mídias, assuntos que estão em nosso cotidiano e dos alunos, chamá-los pelo nome 3 , ou se estiverem compenetrados no celular pedir para acessarem a internet e compartilhar uma informação que contribua para o tema da aula, etc., são táticas importantes para retirá-los do aturdimento e despertá-los para o caminho do filosofar. Por isso, para potencializar a grande tática do SPIC podemos combinar mais táticas para derivá-las em conjunto e aumentar as possibilidades de que a estratégia do filosofar se abra e até mesmo se realize em sala de aula. Além dessa sensibilização e sensibilidade em sala de aula, é importante também uma tática princípio, inspirada em Schopenhauer, que destaca a importância do dizer “simples, claro e ingênuo” (2005, p.33) consistindo na tática do CSI. Implica em elaborar uma proposta temática claramente definida e desenvolvê-la de forma simples, sem muitos floreios ou eruditismos, para que qualquer um entenda minimamente do que trata o assunto; e por fim, ter em conta a leveza da ingenuidade no sentido de realizar um raciocínio que se desenvolva naturalmente no decorrer da aula, sem artificialidades, ou seja, sem denotar algo que pareça forçado, pouco à vontade, mas tomar as aulas com uma desenvoltura 3 O espelho de turma com as fotos e nomes de cada aluno é extremamente importante como ferramenta para conhecer o rosto de cada aluno e estabelecer uma proximidade empática em um primeiro contato do estagiário e a turma ou do professor e aluno, pois permite reconhecer e chamar cada aluno por seu próprio nome, o que desperta maior interesse e atenção na aula para ambos os lados. Permite também identificar quem são os alunos mais participativos, os menos participativos, os que levam a sério as aulas e os que não se interessam, etc., permitindo montar táticas para lidar diretamente com cada um durante as aulas. Por que e como ensinar filosofia 33 espontânea em que professor e alunos sintam-se bem naquele espaço preparado para o filosofar. A grande tática do SPIC, atravessada pela tática princípio do CSI, da clareza, simplicidade e ingenuidade, consistindo no desenvolvimento de um tema claro e bem definido; uma exposiçãosimples e sem tantos floreios; uma disposição ingênua de abertura para o acontecimento de uma aula filosófica: tais elementos reunidos são orientações chave para se montar uma economia de recursos, conceitos e tempo de aula no ensino médio, que merecem ser exercitados para que toda aula tenha grandes chances de se abrir para o acontecimento filosófico. Para isso, mais táticas-exercício são importantes para que o professor esteja bem preparado para ir para a sala de aula. Destacam-se três táticas-exercício que podem auxiliar na realização das aulas: as táticas pré-aula, durante-aula e a pós- aula (PréDuPós). Primeiramente, a tática pré-aula consiste em um exercício inicial que antecede a aula, ou seja, serve para o melhor preparo e ensaio da aula. Após o professor ter elaborado e estudado o plano de aula 4 , passando-o e repassando-o quantas vezes for preciso mentalmente e em 4 A etapa de escolha do tema e problema de aula consiste em um conhecimento inicial da turma (que pode ser aferido por um questionário dirigido a cada aluno para perscrutar seus gostos, como muito bem sugerido por uma das estagiárias) que denota predisposição para certos temas e que o professor se aproveita para inspirar os motes de aulas. Após ter delimitado e estudado o tema, o professor elabora o seu plano de aula e monta como será a aula orientando-se pela grande tática do SPIC e a tática-princípio da clareza, simplicidade e ingenuidade. Após reunir todo o material para a aula, exercitá-lo mentalmente e escrever um esboço ou esquema de aula no papel, até chegar a uma aula aproximada daquilo que pretende realizar, está delimitado o plano de aula e o professor está pronto para seguir a etapa da tática pré-aula, ou ensaio concreto de aula com alunos invisíveis. Helder Félix Pereira de Souza 34 esboço no papel, surge o momento de ensaiá-lo, como em um teatro performático para alunos invisíveis. Ou seja, o professor poderá ensaiar ao menos três vezes sua pré-aula simulando uma aula com alunos invisíveis, pois tal ensaio permite construir uma noção do tempo/espaço de aula, ter melhor noção da tonalidade e intensidade da voz, do corpo, dos gestos e dos passos; além de inspirar (DELEUZE, 2014) e permitir exercitar a imaginação do que poderia ocorrer durante a aula, o que um aluno poderia perguntar sobre tal e tal coisa, etc. Exercitar essa previsibilidade de aula é preparar-se para a arte do improviso, que está presente e é inevitável em todas as aulas, aproveitando esses momentos fundamentais da melhor forma possível abrindo espaço para a criação do novo junto com os alunos. Combinar o aqui agora real, ou o que aparece do mundo, com o aqui agora invisível do pensamento (imaginação), amplia as possibilidades do acontecimento de uma aula. É imprescindível, como parte da estratégia de aula, treinar a tática do ‘passar a aula imaginando-a no pensamento’ testando mentalmente todas as suas possibilidades e ‘passar a aula para alunos invisíveis’ simulando em uma sala real como seria de fato a mesma aula pensada anteriormente para alunos invisíveis, e também se possível para alguns colegas, o que futuramente será a aula para os alunos reais do ensino médio. Aqui a noção de tempo e espaço ganham extrema importância. O aqui agora do espaço tempo visível do mundo é aquele ao qual estamos acostumados: é o tempo cronológico, com delimitações físicas e necessárias. Já o aqui agora do pensamento é sempre presente, ou seja, não há contagem de tempo e medida de espaço necessária, pois sendo um âmbito do pensamento livre para a imaginação, pode ou não contar o tempo e delimitar o espaço, assim o pensamento interiorizado suspende o mundo e o que vigora nele é a imaginação de uma aula em um aqui agora, ou espaço e tempos invisíveis Por que e como ensinar filosofia 35 (ARENDT, 2010). Quando ambos estão bem exercitados, tudo é possível na imaginação reflexiva. Uma segunda tática importante e que deriva do exercício anterior é a tática durante-a-aula, que consiste em sempre estar no aqui agora da aula, praticando com alunos reais tudo o que fora ensaiado. Isso implica na disposição do professor em estar aberto para o acontecimento-aula, bem preparado através da tática da pré-aula, e pronto para qualquer improviso. Tal tática consiste em ficar atento a tudo e a todos que estão ali presentes de um modo que nenhum sinal passe despercebido e também não se esquecer da estratégia e táticas desenvolvidas, para que não se percam os objetivos pretendidos na aula. No entanto, é importante tomar extremo cuidado para que durante a aula o aqui agora (espacial e temporal) da relação direta com os alunos, com a sala, com o que esta sendo dito, etc., não seja suspenso pelo intenso pensar ou preocupar-se com a estratégia ou o plano a ser seguido e as táticas a serem usadas. Pois tal deslocamento pode acabar suspendendo o aqui agora da sala de aula deslocando-o para o aqui agora do pensamento (o lugar invisível do pensamento) comprometendo o jogo com a realidade externa, anulando a ingenuidade do professor e tornando a aula extremamente artificial e mecânica, bem diferente de uma aula com desenvoltura natural e espontânea. 5 5 Por isso é importante o professor ter sua estratégia de aula bem definida e suas táticas bem exercitadas a fim de organicamente se desenvolverem quando necessárias. Do mesmo modo que no teatro as cenas são ensaiadas e exercitadas para que sejam naturais no decorrer da peça, durante as aulas é necessário o professor também sentir-se à vontade no manuseio de suas próprias ferramentas e deixar à vontade seu público inspirando segurança, confiança e entusiasmo aos alunos. Helder Félix Pereira de Souza 36 Alguns cuidados durante o acontecimento de aula são importantes. Por exemplo: se durante a montagem da lousa 6 o professor perceber que uma parte da turma está dispersa, seria interessante aproveitar o momento para construir conjuntamente com os alunos os itens dispostos no quadro ao mesmo tempo em que os explica; outra opção para trazer os alunos para a aula é perguntar mais para os alunos o que eles acham de tal e tal coisa para prepará-los para o diálogo e iniciar a discussão sobre o tema de aula; se muitos estiverem conectados na internet, mexendo em celulares ou tablets, pedir para que pesquisem na internet algo simples, mas pertinente ao tema da aula (como a data de vida e morte de tal filósofo, nome completo do autor de tal obra, de filme, pintura, significado de palavras no dicionário, período histórico, etc.) 7 . Por fim, o intuito durante-as-aulas é que o professor esteja integralmente presente a fim de usar todas as táticas possíveis como tentativa de se conquistar um espaço livre para que o pensamento filosófico, ou a atividade do filosofar, aconteça em sala de aula entre professor e alunos, alunos e professor, e entre os próprios alunos, com a finalidade de que estes também se presentifiquem no aqui agora da aula e do 6 Caso o professor utilize na aula recursos de mídia (power point, vídeo, projeção de imagem ou texto) convém prepará-los e testá-los com antecedência, a fim de que no momento da aula não seja desperdiçado tempo com tais preparativos e tenha-os disponíveis prontamente. De outro lado, pensar outras alternativas como: enquanto pede uma atividade para os alunos (lerem ou escreverem um texto, etc) o professor vai ativando o equipamento de mídia, ou ter outros recursos em mãos para substituir as multimídias quando falharem. 7 Isso talvez seja uma boa tática para guiar os alunos na utilização das tecnologias e orientá-los para uma boa pesquisa na internet indicandoalguns sites interessantes para frequentarem, mas também orientando como identificar boas fontes de conhecimento e informação na internet. Há também vídeos e jogos na internet que podem direcioná-los para os assuntos filosóficos, como o jogo ‘filosofighter’, o vídeo do ‘futebol dos filósofos’, etc. Por que e como ensinar filosofia 37 pensamento. Tudo isso planejado para que uma aula de 45 minutos no ensino médio tenha um bom rendimento, mas que esses poucos minutos possam ser estendidos para as aulas do ano como um todo e consequentemente para a vida dos que ali estão presentes e por ali passaram. 8 Por fim, a tática-pós-aula, que consiste em um reexame mental e escrito da aula efetivamente dada, com o intuito de marcar pontos positivos e negativos da aula trasncorrida para aprimorar ou desenvolver novas táticas de ensino e descartar ou consertar as falíveis. E também para dar um panorama geral da aula a fim de preparar as próximas aulas, mantendo a estratégia do filosofar sempre ativo. Em suma, falou-se da estratégia da aula de filosofia que é possibilitar e manter ativo o filosofar. Para isso destacou-se a importância das táticas de aula: como a grande tática do SPIC; a tática CSI, do dizer claro, simples e ingênuo; a tática PréDuPós: do pré-aula (tema, esboço mental, escrito, aula com alunos invisíveis, ensaios e re-ensaios); a tática durante-a-aula (manter-se no aqui agora, sensibilidade espacial e temporal, aproveitar toda e cada questão do aluno, instigá-los e entusiasmá-los, tirá-los do aturdimento); a tática pós-aula, que consiste em um reexame mental e se possível escrito das aulas, para poder cada vez mais manter aberto o caminho do pensamento e o filosofar como estratégia de educação filosófica no ensino médio. É importante lembrar que mesmo com todo esse treinamento, exercício e ensaios, não é possível garantir o 8 Como sugestão de uma atividade mais longa a criação de um diário de pensamentos pode ser muito útil para manter o filosofar ativo por mais tempo e bem exercitado como destacado no artigo A escrita de si como exercício filosófico para o ensino médio: elaborando um diário de pensamentos (PIEDADE; SOUZA, 2014). Tal atividade pode servir também como instrumento de avaliação do professor, capaz de aferir o andamento do aprendizado do aluno e reforçar a apropriação conceitual pelo mesmo. Helder Félix Pereira de Souza 38 acontecimento de aula e que a atividade do filosofar se ative, mas sem tais táticas a possibilidade que uma aula de filosofia no ensino médio se abra para o filosofar podem diminuir, pois o professor vai para aula com menos preparo. Nota-se que toda a aula, assim como uma peça teatral, nunca está definitivamente pronta, acabada, mas ela pode estar mais ou menos, melhor ou pior preparada, ainda mais quando precisa lidar com os improvisos. A grande tática do SPIC, a tática do CSI e a tática do PréDuPós são fundamentais para que o preparo de aula se torne orgânico no professor e a estratégia do ensino da filosofia entre os jovens da educação básica mantenha aberto o caminho do filosofar para que este aconteça com naturalidade e desenvoltura. 6. Considerações Finais Por fim, a filosofia no ensino médio assim como a educação é uma aposta que nós enquanto educadores, filósofos, cidadãos e pessoas não podemos fugir, pois já estamos inseridos nessa tradição mundana. Educar e ensinar filosofia na educação básica é acreditar que a abertura à crítica e a reflexão através da atividade do filosofar socrático pode auxiliar contra a instalação da barbárie que partilha da condição humana e está sempre presente em tipos tão normais e comuns de ser como Eichmann. Em outras palavras, ao ingressarmos no trágico jogo da vida e da existência humana é melhor ter algo no que apostar do que nada ter para apostar. Como já dizia o antigo provérbio: ‘mais vale ter um pássaro na mão do que dois voando’, ou seja, já que somos lançados em um mundo ‘pronto’ e em movimento é melhor ter presente a atividade do filosofar como aposta do que nada ter para apostar. Por que e como ensinar filosofia 39 Apostando na educação e na importância da filosofia no ensino médio, um caminho possível, dentre vários outros, para que o filosofar aconteça em sala de aula no ensino médio é a de orientar-se pela estratégia de manter ativo o filosofar estimulados pelas táticas do SPIC, do CSI e do PréDuPós explorados neste ensaio. Quando tais táticas são bem exercitadas as chances do acontecimento filosófico ocorrer em sala de aula tornam-se maiores, o que pôde ser constatado durante a realização do estágio I e II no colégio de aplicação da UFSC. 7. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Tradução de Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2010. ALMEIDA, Vanessa Sievers. Amor mundi e educação. Reflexões sobre o pensamento de Hannah Arendt. 2009. 193f. Tese (doutorado em educação). 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As promessas de mais escolas, escolas de qualidade e boa remuneração ao professor sempre são citadas nesses períodos de eleições para governantes, porém durante décadas a educação vem sendo debatida, como uma necessidade mal empregada na sociedade. Na atual eleição de governantes federais e estaduais de 2014, foi comum ouvir a proposta de educação em tempo integral. Confunde-se assim, escola com educação, considerando-se que o aluno ficará na escola o dia inteiro, e assim aprenderá. Pensamos que este tipo de promessa eleitoreira, não passa de uma proposta de “asilo” infantil, onde se coloca a criança na escola em tempo integral para que os pais e as mães possam trabalhar mais, servir mais ao sistema. A educação não se dá apenas no ambiente escolar. O ser humano possui a capacidade de aprender e essa capacidade não se limita à escola. A todo momento o ser humano está aprendendo, descobrindo coisas novas, experimentando, modificando conceitos que até então acreditava, aperfeiçoando capacidades e se adaptando ao meio que sempre se modifica. E de quem é a culpa pelos problemas da educação? Da escola? Dos professores? Dos alunos? Da sociedade? Ou do Felini de Souza 44 governo? Responder essas perguntas não é uma questão fácil, assim como tentar solucionar os problemas da educação que a décadas são diagnosticados e debatidos. 1. Relação docente-discente e discente-docente O processo de ensino não se dá simplesmente por transferência de conhecimento. Os conteúdos trabalhados precisam estar associados à realidade do estudante, deste modo, o aluno consegue compreender e adaptar o conteúdo às problemáticas do seu cotidiano. O professor não é o único dentro da sala de aula que possui conhecimentos prévios, é preciso notar que os alunos já possuem uma carga cultural e de aprendizado que proporcionaram experiências válidas para a constituição do conhecimento. Sendo assim, não é só o aluno que aprende na relação professor-aluno, mas também o professor adquire conhecimento. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objeto de meu ato formador. É preciso que, pelo contrário desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos [...](FREIRE, 1996, p. 22-23). É necessário levar em consideração os conhecimentos culturais vividos pelos alunos. Por meio desse conhecimento, é possível construir um entendimento melhor a respeito do que é passado em sala de aula. Não existe professor sem os alunos, assim como não existe o “ensinar” sem o “aprender”. Portanto, o ensinar e o aprender se dá simultaneamente, a professora ou o professor aprende enquanto ensina, devido aos conhecimentos The Wall 45 prévios dos estudantes. É preciso parar de considerar o aluno como tábula rasa. É preciso parar de considerar o professor como o portador de todo o conhecimento, aquele que tem a obrigação de responder todas as perguntas. As respostas para os questionamentos podem ser encontradas de forma coletiva, na relação docente-discente e discente-docente. O professor não é aquele que simplesmente “dá a aula”, a aula deve ser construída como uma participação ativa tanto do aluno como do professor. O aluno não é um mero espectador apassivado que apenas recebe os conteúdos prontos e as respostas para as suas perguntas. Dar as respostas para os alunos, para todos seus questionamentos, é impedi-lo de ir em busca da solução para as suas dúvidas por conta própria. Portanto, o professor deve ter uma postura democrática, visando reforçar a capacidade crítica do educando e sua curiosidade. O professor não deve silenciar o aluno, deve deixá-lo livre para perguntar, questionar, expor sua curiosidade frente aos conteúdos passados e situações cotidianas, pois o que é ensinado em sala de aula tem relação com situações cotidianas e é preciso que os alunos consigam visualizar desta maneira: visualizar que o aprender, os conteúdos tratados na escola, tem total relação com a nossa vida e com todo o meio que nos cerca. No filme The Wall (1982), do diretor Allan Parker, temos a demonstração do que é uma cultura educacional conservadora e tecnicista, em que é preciso apenas repetir os ensinamentos do professor a ponto de decorá-los. Não há criação, apenas repetição. O personagem principal do filme, chamado Pink, durante a infância, cria um poema que é lido de forma pejorativa pelo professor. Uma demonstração de uma atividade docente que nega as origens, ideias e criações de suas alunas e alunos. Em The Wall, o professor de Pink não instiga os alunos a buscarem o conhecimento, não os torna inquietos a Felini de Souza 46 ponto de que haja uma procura por parte deles, somente se vê a repetição, a criação de padrões de mentes. Suas potencialidades são deixadas de lado, dando vez apenas às “frases” decoradas: “Daí a impossibilidade de ver a tornar-se um professor crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de frases e de ideias inertes do que um desafiador (FREIRE, 1996, p.27)”. Um ponto negativo de tomar a finalidade da escola como a aprovação no vestibular é esse caráter de repetir e decorar para passar no concurso e ter uma boa colocação. Para essa memorização através da repetição são criados métodos como a paródia de músicas onde a letra é a fórmula que precisa ser aplicada, ou o conteúdo que precisa ser decorado para saber responder a questão na prova. Mas na prática da vida o aluno não consegue assimilar aquele conteúdo decorado na música com o seus questionamentos cotidianos. O professor que utiliza como um meio apenas a memorização do aluno quanto aos conteúdos, não consegue dar a liberdade de criação e de assimilação do mundo em que o aluno vive. Sabe-se, porém, como os educadores são tentados a considerar a educação como um processo puramente espiritual. Entretanto, à educação compete também a tarefa de ajudar o homem a situar-se no seu meio físico e a tirar o maior proveito possível das condições que este lhe oferece (SAVIANI, 1983, p.33). Atribui-se importância, então, a aproximação com a realidade do aluno ao ensinar. Deste modo, fazendo com que o aluno perceba que pode experimentar seu aprendizado em seu meio e em seu cotidiano. The Wall 47 2. O despertar da curiosidade Costumamos ter a infância e a juventude como períodos de questionamentose descobertas. A postura filosófica é ir além do senso comum nas respostas para tais questionamentos e incentivar que essa curiosidade dos alunos leve a aprendizados. A criança ou adolescente vai passar por diversas problemáticas nessas fases, como exemplo podemos considerar os seguintes casos; quando ocorre uma morte de um parente ou conhecido da criança e surgem as dúvidas sobre “o que acontece quando as pessoas morrem?” ou quando o adolescente passa pelo seu primeiro conflito amoroso e surgem questionamentos sobre “o que é o amor?”; ou sobre o futuro, “com o que vou trabalhar?”; e “o que preciso para ser feliz?”; “o que é felicidade?”. Todos esses questionamentos não deixam de ser questionamentos filosóficos que devem ser levados em consideração. Devem ser levados para a sala de aula e trabalhados de modo que possam trazer mais questionamentos e mais conhecimentos para os alunos. Para Dermeval Saviani (1983, p.66) o objeto da filosofia é tratar “os problemas que o homem enfrenta no transcurso de sua existência”. Pensando assim, podemos chegar à conclusão de que a filosofia está muito presente na vida dos seres humanos e, portanto, ela não deve ser ensinada distante dos questionamentos e experiências dos estudantes. O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos (FREIRE, 1996, p.86). A curiosidade é uma característica vital que proporciona descobertas e ultrapassa os limites do aprendizado Felini de Souza 48 mecânico. Por meio das perguntas e indagações os alunos vão construindo ou reconstruindo suas opiniões. Esse é o papel principal das aulas de Filosofia, pois elas precisam ser questionadoras para que desse modo o aluno encontre meios e soluções para os problemas filosóficos. Um dos deveres da prática educativa é o desenvolvimento da curiosidade insatisfeita e crítica do aluno. A curiosidade precisa ser estimulada para que por meio dela o estudante possa buscar experiências, desse modo, adquirindo conhecimento. E é por meio da curiosidade que atingimos a criatividade. A criatividade e a autonomia do aluno devem ser respeitadas, assim como sua identidade, e na prática educativa é preciso ser coerente com esses deveres. Em The Wall, os alunos são representados em uma das cenas com máscaras iguais, demonstrando assim que suas potencialidades e identidades não são respeitadas. No filme, mostra-se este exemplo também quando os alunos caem na máquina de moer carne, transformando-se em uma massa homogênea onde não é possível identifica-los. Considerar os alunos iguais em suas capacidades os obriga a ter o dever de saber das mesmas coisas, nas mesmas fases. Porém, o desenvolvimento pode não se dar assim de forma mecânica. Nem todos os alunos e alunas de determinada série vão possuir e ter condições de ter certos conhecimentos, ou ter facilidade para adquiri-los. Cada pessoa tem sua história, sua cultura, seu tempo de aprender e de fazer descobertas. A divisão por séries é mais uma amostra do modelo industrial que a escola utiliza. E a escola; no filme The Wall, segundo minha interpretação, tem ainda o caráter de formá-los para serem “mais um tijolo do muro”. The Wall 49 3. A finalidade da escola Quando falamos em “mais um tijolo no muro”, isso nos remete a uma formação mecânica que visa um único fim a todos os estudantes. Na prática, atualmente, podemos observar que o fim comum das escolas tem sido a boa pontuação no vestibular que leva à aprovação dos estudantes nas universidades. Deste modo a educação perde o seu caráter de desenvolver a personalidade e as capacidades dos seres humanos e passa a ter apenas a finalidade da aprovação nos concursos e vestibulares. As publicidades apelativas que mostram números de aprovados chamam a atenção dos pais e dos alunos que sonham estar nos melhores cursos das universidades. Esse tipo de aprendizado mecânico é condenado pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Nietzsche em Schopenhauer como Educador trata do “ensino enciclopédico” mais voltado a área da Filosofia. Segundo Nietzsche, a Filosofia estava sendo ensinada distante da realidade dos jovens estudantes e o resultado era que os estudantes decoravam os sistemas e suas refutações antes da prova de avaliação e esqueciam-se de tudo logo após a avaliação. Nietzsche, portanto, desconsidera o sistema educacional de sua época, que tem como intenção formar “homens teóricos”, pois separam o pensamento da vida. O professor Nietzsche, não incitava em seus alunos o simples acúmulo de conteúdos, ao invés disso, propunha um desenvolvimento do senso crítico e da atividade criadora de cada indivíduo. Nenhuma matéria escolar deve ser ensinada de forma mecânica, forçando o aluno a decorar fórmulas e conceitos. O êxito da educação deve ir além dos resultados obtidos nas provas e testes, aos quais o estudante se submete. No entanto, temos que lembrar que a culpa pelos problemas da educação não se devem somente ao modo de Felini de Souza 50 ensinar do professor. No filme The Wall, o professor “desconta” em seus alunos a opressão que ele sofre de sua esposa. A esposa do professor, no filme, é uma representação do sistema que leva o professor a ter que cumprir ordens, como a de limitar a liberdade de criação do seu aluno levando ele a decorar fórmulas e conceitos. Sem contar a falta de estrutura para a educação que algumas escolas sofrem e a falta de incentivos aos professores no desempenho das suas funções como educadores, algo que também é representado pela figura da esposa do professor de Pink. As professoras e professores já estão sendo formados para atender as demandas do sistema educacional vigente que busca o vestibular e o mercado de trabalho como finalidade. De um modo geral, os docentes não são instigados a refletir sobre suas práticas e sobre o que os obriga a se submeterem a tais práticas de ensino. Sendo assim, também podem ser considerados como vítimas dessas problemáticas da educação. A função comum atual da escola é o vestibular, visando também o mercado de trabalho, bons salários e boas vagas de emprego. No entanto, tendo a utilidade da escola com esses fins é possível notar como as capacidades individuais dos alunos são deixadas em segundo plano. Todos são colocados da mesma forma aos mesmos conteúdos, deixando de levar em consideração dificuldades ou facilidades pessoais perante algumas temáticas ensinadas na escola. Esse tipo de postura da escola, que tem como “produto final” o indivíduo que será útil ao mercado de trabalho é comentado por Nietzsche. A sabedoria que tem como função a produção sem a reflexão é uma sabedoria vaga. [...] Mas essa sabedoria está podre e cada fruta tem seu verme. Acreditem em mim; quando quisermos que os homens trabalhem e se tornem úteis na oficina da ciência, antes de terem atingido a maturidade, arruinamos a The Wall 51 ciência no mais breve prazo, assim como arruinamos os escravos empregados muito cedo nessa oficina. Lamento que sejamos obrigados a nos servirmos da gíria dos proprietários de escravos e dos empregadores para descrever condições de vida que deveriam ser imaginadas depuradas de todo utilitarismo e ao abrigo das necessidades da existência. Mas involuntariamente expressões como “oficina”, “mercado de trabalho”, “oferta e demanda”, “exploração” [...] saem da boca quando queremos descrever a mais jovem geração de sábios. A honesta mediocridade se torna sempre mais medíocre; a ciência, do ponto de vista econômico, sempre mais utilitária (NIETZSCHE, 2008, p. 86 - 87). Os cursos pré-vestibular focalizam
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