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Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) Autor: Leonardo Ribas Tavares Aula 17 17 de Abril de 2020 Sumário 1. Teoria Geral dos Recursos .............................................................................................................................. 3 1.1 Conceito e características gerais .............................................................................................................. 3 1.2 Fundamentos ............................................................................................................................................ 5 1.3 Natureza jurídica ...................................................................................................................................... 7 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................... 8 2. Princípios ........................................................................................................................................................ 9 2.1 Duplo grau de jurisdição .......................................................................................................................... 9 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 12 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 14 2.2 Unirrecorribilidade ................................................................................................................................. 15 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 17 2.3 Taxatividade ........................................................................................................................................... 18 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 19 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 19 2.4 Fungibilidade recursal ............................................................................................................................ 20 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 22 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 22 2.5 Convolação ............................................................................................................................................. 22 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 23 2.6 Disponibilidade ....................................................................................................................................... 23 2.7 Voluntariedade ....................................................................................................................................... 25 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 29 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 29 2.8 Vedação à ‘reformatio in pejus’ ............................................................................................................. 30 2.8.1 ‘Reformatio in pejus’ indireta ................................................................................................................................ 35 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 44 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 47 2.8.2 ‘Reformatio in mellius’ .......................................................................................................................................... 47 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 49 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 50 2.9 Dialeticidade ........................................................................................................................................... 50 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 52 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 52 2.10 Colegialidade ........................................................................................................................................ 53 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 53 3. Fases procedimentais dos recursos ............................................................................................................. 55 3.1 Juízo de admissibilidade ......................................................................................................................... 55 3.2 Juízo de mérito ....................................................................................................................................... 56 4. Pressupostos recursais ................................................................................................................................. 57 4.1 Pressupostos objetivos ou extrínsecos ................................................................................................... 58 4.1.1 Cabimento ............................................................................................................................................................. 58 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 59 4.1.2 Regularidade formal .............................................................................................................................................. 61 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 63 4.1.3 Tempestividade ..................................................................................................................................................... 64 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 68 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 70 4.1.4 Ausência de fatos impeditivos ou extintivos .........................................................................................................71 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 76 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 77 Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 4.2 Pressupostos subjetivos ou intrínsecos .................................................................................................. 78 4.2.1 Legitimidade .......................................................................................................................................................... 78 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 81 4.2.2 Interesse recursal .................................................................................................................................................. 83 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 86 5. Efeitos dos recursos ..................................................................................................................................... 87 5.1 Efeito obstativo ...................................................................................................................................... 88 5.2 Efeito devolutivo ..................................................................................................................................... 88 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 90 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 91 5.3 Efeito suspensivo .................................................................................................................................... 92 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 93 5.4 Efeito regressivo, iterativo ou diferido ................................................................................................... 94 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 95 5.5 Efeito extensivo ou expansivo ................................................................................................................ 96 Doutrina Complementar ................................................................................................................................................. 97 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................... 98 5.6 Efeito translativo .................................................................................................................................... 99 Doutrina Complementar ............................................................................................................................................... 100 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................. 100 5.7 Efeito substitutivo ................................................................................................................................ 100 Doutrina Complementar ............................................................................................................................................... 101 Jurisprudência pertinente............................................................................................................................................. 101 6. Classificação dos recursos .......................................................................................................................... 101 6.1 Quanto ao objeto ................................................................................................................................. 101 6.2 Quanto à obrigatoriedade ................................................................................................................... 102 6.3 Quanto à fundamentação .................................................................................................................... 103 6.4 Quanto à extensão ou âmbito de devolutividade ................................................................................ 103 6.5 Quanto ao grau hierárquico ................................................................................................................. 104 7. Referências bibliográficas .......................................................................................................................... 104 8. Questões .................................................................................................................................................... 108 8.1 Questões com comentários .................................................................................................................. 108 8.2 Questões sem comentários .................................................................................................................. 129 8.3 Gabarito ............................................................................................................................................... 135 9. Resumo ....................................................................................................................................................... 136 9.1 Teoria geral dos recursos ..................................................................................................................... 136 9.2 Princípios .............................................................................................................................................. 137 9.3 Pressupostos recursais ......................................................................................................................... 138 9.4 Efeitos dos recursos .............................................................................................................................. 140 9.5 Classificação dos recursos .................................................................................................................... 141 Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 1. TEORIA GERAL DOS RECURSOS 1.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS GERAIS Estabelecer conceitos nos mais variados institutos jurídicos nunca é tarefa simples; principalmente porque se corre o risco de trazer definição que não seja completa o suficiente. De qualquer modo, um dos conceitos que achamos mais apropriados e conhecidos vem da renomada obra de professores da USP, “Recursos no Processo Penal”: meio voluntário de impugnação de decisão, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão (Grinover, et al., 2005). Em linhas gerais, considerando o extenso rol de espécies que o compõem, pode-se conceituar recurso como “um meio processual de impugnação, voluntário ou obrigatório1, utilizado antes da preclusão, apto a propiciar um resultado mais vantajoso na mesma relaçãojurídica processual, decorrente de reforma, invalidação, esclarecimento ou confirmação” (Gonçalves, et al., 2017). A etimologia da palavra “recurso” decorre do latim re currere, cujo significado representa a ideia de retrocesso, volta, isto é, tornar ao curso, voltar ao caminho percorrido. Nesse sentido, processualmente falando, quando se recorre de uma decisão, o que se busca é o retorno ao ponto gerador do conflito, para que seja reavaliado e o órgão reexaminador se pronuncie, dando novo curso à questão (Bonfim, 2013). Aliás, no que se refere à definição com base na etimologia, ninguém melhor que DE PLÁCIDO E SILVA, inclusive ponderando sobre os dois sentidos do vocábulo (amplo e restrito): Do latim recursos, possui o vocábulo, na terminologia jurídica, um sentido amplo e um sentido estrito. Em sentido amplo, recurso é todo remédio, ação ou medida ou todo socorro, indicados por lei, para que se proteja ou se defenda o direito ameaçado ou violentado. É a proteção legal assegurada para garantia e integridade dos direitos. Desse modo, ação judicial e recurso, 1 Muita gente defende que todo recurso tem de ser voluntário; se não for, não se trata de recurso. Falaremos mais sobre isso. Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 remédios jurídicos que são contra as turbações ou as violações às relações de direito, trazem sentido equivalente. As ações, as medidas preventivas e acauteladoras, as exceções, a contestação integram-se no sentido do vocábulo, indicando-se recursos ou remédios judiciais. [...] em sentido restrito, naquele em que é tido na linguagem forense, recurso corresponde a provocatio dos romanos: é a provocação a novo exame dos autos para emenda ou modificação da primeira sentença, segundo bem define João Monteiro. Nesta razão, o recurso mostra-se o ato pelo qual se encaminha ao próprio juiz, a outro juiz ou ao tribunal o conhecimento da questão já decidida, para novo exame, e alteração ou anulação da decisão já tomada. Sem fugir, pois, ao sentido genérico de remédio jurídico (remedium juris), é propriamente o meio pelo qual a parte, prejudicada por uma decisão judiciária, se dirige à autoridade que a prolatou ou à autoridade superior, a fim de obter uma reforma ou anulação da decisão, que reputa ofensiva a seus direitos (Silva, 2005). “Assim, sempre que o interessado puder insistir no reexame da decisão, seja por um órgão superior ou pelo próprio órgão que prolatou a decisão, haverá recurso no sentido estrito da palavra. Pois, em um sentido amplo, recurso é todo meio de defesa” (Rangel, 2018). Desse conceito é possível extrair-se algumas características básicas atinentes aos recursos no processo penal. RENATO BRASILEIRO elenca quatro aspectos: voluntariedade, previsão legal, anterioridade à preclusão ou coisa julgada e não instituição de nova relação jurídica. Vejamos cada uma: ➢ voluntariedade: recorrer é um ato voluntário da parte; é dizer, cabe a ela ponderar acerca da necessidade/oportunidade de assim proceder. Recorre somente se assim o desejar. Não há, pois, qualquer obrigação imposta às partes em recorrer de determinado pronunciamento judicial. O art. 574, caput do CPP deixa isso evidente: Art. 574. Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz: I - da sentença que conceder habeas corpus; II - da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411. Quando da análise dos princípios mais adiante, algumas considerações serão feitas em relação às figuras excepcionais descritas nesses incisos; ➢ previsão legal: a existência e cabimento do recurso devem estar previstos expressamente em lei. “Portanto, se a lei não prevê recurso contra determinada decisão, significa dizer que tal decisão é R EC U R SO sentido amplo 'remédio' ou proteção legal qualquer que seja sentido estrito meio específico de impugnação de decisão Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 irrecorrível, o que, no entanto, não impede que a parte volte a questionar a matéria em preliminar de futura e eventual apelação, por meio de habeas corpus ou mandado de segurança” (Lima, 2017); ➢ anterioridade à preclusão ou coisa julgada: preclusa a decisão judicial, não mais caberá recurso contra ela; o recurso necessariamente antecede o trânsito em julgado; ➢ mesma relação jurídica processual de que se originou a decisão recorrida: o recurso é interposto, desenvolvido e apreciado dentro da mesma relação jurídica processual; não é criada outra relação apenas para este fim. “Nessa acepção, a ação de impugnação, seja qual for (v.g., habeas corpus e revisão criminal), não pode ser tida como recurso, embora também configure meio para impugnar uma decisão” (Bonfim, 2013). 1.2 FUNDAMENTOS Vários são os ‘fundamentos’ de existência dos recursos. A começar pela Constituição Federal, o art. 5º, inciso LV assim estabelece: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Os recursos também podem ser tidos como decorrência do duplo grau de jurisdição, princípio previsto implicitamente na Constituição Federal. “O duplo grau, em última análise, objetiva assegurar a efetiva prestação jurisdicional, traduzindo-se como um pressuposto necessário à justa composição da lide. Afinal, é evidente que uma segunda análise do contexto fático-jurídico que conduziu à decisão recorrida minimiza os riscos de uma eventual injustiça” (Avena, 2017). Não se ignora que há decisões irrecorríveis, por exemplo, a denegação da suspensão do processo em razão de questão prejudicial (art. 93, § 2.º, do CPP), a admissão ou inadmissão do assistente de acusação (art. 273 do CPP), a improcedência das exceções de incompetência, litispendência, coisa julgada e ilegitimidade de parte (contrario sensu ao art. 581, III, do CPP) e, mais recentemente, o reconhecimento da inexistência de repercussão geral no recurso extraordinário (art. 326 do Regimento Interno do STF). Isto, porém, ocorre apenas como exceção no ordenamento pátrio, e, mesmo assim, não impede, em alguns casos, em razão do grave ônus causado à parte pela decisão judicial, a dedução de ações como o habeas corpus e o mandado de segurança como forma de insurgência (Avena, 2017). A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), no art. 8º (que trata das garantias judiciais) concebe o direito de recorrer: Art. 8º (Garantias Judiciais) 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 A tudo isso se soma a previsão estrutural que se estabelece para o Poder Judiciário na Constituição Federal, dividindo-o em órgão hierarquizado, com possibilidade de revisão de decisões em instâncias e tribunais sobrepostos. De regra, a interposição de um recurso pressupõe a duplicidade de instâncias, ou seja, uma inferior (que prolatou a decisão) e outra superior (revisora da decisão impugnada). A primeira é chamada de juízo a quo e, a segunda, de juízo ad quem (Rangel, 2018). A possibilidade de erro ou, melhor dizendo, a falibilidade humana é o principal argumento para justificar a existência do recurso, na visão do MARQUÊS DE SÃO VICENTE retratadapor PAULO RANGEL. Os juízes, pessoas humanas que são, não estão longe de cometer erros. São falíveis como toda e qualquer pessoa normal. Assim, sabendo-se de que uma decisão poderá acarretar graves prejuízos a qualquer uma das partes e, ainda, tornar-se imutável, estabelece-se a possibilidade de se reexaminar uma decisão. De regra, o recurso, como dissemos, é levado ao conhecimento de uma instância superior que, verificando o erro cometido, poderá reformar a decisão impugnada. Pois, diante do princípio da legalidade, nenhum ato estatal pode fugir de controle. Assim, torna-se o recurso uma necessidade psicológica de levar a decisão à apreciação de pessoas mais experientes e de maior conhecimento jurídico, não significando dizer que estas também não possam errar. Podem, porém com uma margem de erro menor, pois, quanto mais pessoas puderem ter acesso à decisão para reexaminá-la, melhor para a sociedade, que se sente mais segura, mais protegida e livre do arbítrio de uma só pessoa. Trata-se da adoção do princípio da certeza jurídica. Imagine, em nossa vida pessoal, fazermos uma consulta ao médico e nos submetermos a determinados exames e, ao recebermos o resultado, descobrirmos que estamos contaminados por determinada doença incurável! Com certeza, não vamos acreditar e, diante da possibilidade de erro, vamos fazer outro exame com outro médico, pois vários são os casos de pacientes que recebem exames trocados em um hospital ou clínica. Assim é nosso comportamento diante da decisão judicial. Há um total inconformismo (Rangel, 2018). MADEIRA destaca que a irresignação é da natureza humana; diante desse pressuposto, basicamente dois mecanismos de impugnação de decisão judiciais foram criados: os recursos e as ações autônomas. “A diferença básica entre ambos os mecanismos está na formação de nova relação jurídico processual ou não. Enquanto os recursos não dão origem a nova relação jurídico processual, as ações autônomas impugnativas sim”. A irresignação é da natureza humana. Não se conformar com determinada decisão é natural da alma humana. Bem por isso foram desenvolvidos mecanismos para a impugnação das decisões. Há, basicamente, dois mecanismos de impugnação das decisões judiciais, os recursos e as ações autônomas impugnativas. m ec an is m o s d e im p u gn aç ão m ec an is m o s d e im p u gn aç ão recursosrecursos ações autônomasações autônomas Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 Os recursos são meios voluntários de impugnação das decisões, utilizados antes da preclusão e na mesma relação jurídica, aptos a propiciar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão. Já as ações autônomas de impugnação, que também funcionam como meio para impugnação de decisões judiciais, dão origem a uma nova relação jurídica, com processo e procedimento próprio. Podem ser utilizadas antes da formação da coisa julgada, como os recursos, mas também podem ser utilizadas após o trânsito em julgado, o que ocorre, por exemplo, na revisão criminal (Dezem, 2018). “Os recursos se distinguem das ações autônomas de impugnação que, segundo os critérios do direito posto, servem à impugnação de decisões judiciais, mas dão causa a um novo processo, com procedimento e relação jurídica processual próprios” (Gomes Filho, et al., 2018). 1.3 NATUREZA JURÍDICA São três as correntes doutrinárias que se prestam a definir a natureza jurídica dos recursos: ➢ recurso como desdobramento do direito de ação ou de defesa: sendo um desdobramento, o recurso representa a continuação da relação jurídica processual (dentro do mesmo processo) em razão do inconformismo de uma das partes quanto ao teor do provimento jurisdicional obtido. Segundo a doutrina, é a visão majoritária, embora seja alvo de críticas. As críticas a essa posição são as mais amplas, ao argumento de que ela incorre em mais de um desvio de perspectiva: o primeiro seria o de confundir o direito de obter tutela jurisdicional com o exercício da ação penal, que, por sua vez, não seria assimilado pelo conceito de direito subjetivo. Isso porque a ação penal em si não seria um direito, mas simplesmente um agir, não obstante exista o direito subjacente de obtenção de pronunciamento judicial válido; o segundo desvio de perspectiva é que esse “desdobramento do direito de ação” não é bem ajustado quando o recurso é manejado pelo acusado que restou vencido na ação penal condenatória, ainda que se utilize do artifício de que ele, ao prolongar a “reação” à ação penal, está a prosseguir com o seu “direito” de ação com sinal negativo. Sem embargo, a trajetória do recurso perpetua no tempo e no espaço o direito que foi deflagrado com a apresentação da inicial acusatória ou, de outro lado, manifesta o exercício defensivo, em segundo grau de jurisdição, através da resistência oposta pelo sucumbente contra o conteúdo da decisão guerreada (Távora, 2017). Adepto dessa visão, juntamente a outros renomados juristas como Ada Pellegrini Grinover e José Frederico Marques, PAULO RANGEL assevera: Entendemos que a natureza jurídica do recurso é ser ele um novo procedimento dentro da mesma relação jurídica processual, porém, agora, em fase recursal. Não há novo processo, pois não confundimos este com procedimento. Há, sim, um prolongamento da instância, com o Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 exercício ao duplo grau de jurisdição. Trata-se do mesmo processo, porém com um novo procedimento. O inesquecível Florêncio de Abreu, na obra citada acima, dizia: O direito ao recurso não é um direito autônomo, mas um desdobramento, uma continuação do direito exercido ou exercitável na ação já posta em movimento no juízo penal (Rangel, 2018). ➢ recurso como nova ação dentro do processo: segundo essa visão, o recurso não representaria um desdobramento da relação jurídica já instaurada, mas uma nova ação no mesmo processo. “Assim, para os que defendem esta corrente, as pretensões são diversas: na ação, o direito com base num fato; no recurso, com fundamento numa sentença que se ataca” (Rangel, 2018). Por outro lado, TÁVORA pontua: “No entanto, afirmar que se trata de ação um ato processual que se interpõe em ação já em curso, encobre a essência do recurso em si, que é o desdobramento de relação preexistente, e não a deflagração de uma nova ação” (Távora, 2017). ➢ recurso como meio destinado a obter reforma de uma decisão: essa corrente adota uma visão ampla de recurso. Para ela, qualquer meio eficaz para buscar a reforma de uma decisão constituiria um recurso. Uma revisão criminal ou mesmo um hábeas corpus poderiam ser compreendidos como recursos (por essa maneira de pensar). Apesar destas três posições, prevalece a que vê nos recursos manifestação do direito de ação (ou de defesa) exercido dentro do próprio processo. Além de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, também seguem esta posição José Frederico Marques, Giovanni Leone e Aury Lopes Jr. Na doutrina estrangeira esta também é a posição prevalente. Assim, por exemplo, na doutrina espanhola esta é a posição de José María Rifá Soler, Manuel Richard González e Iñaki Riaño Bruno (Dezem, 2018). Doutrina Complementar FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018). “Recurso é a providência legal imposta ao juiz ou concedida à parte interessada, consistente em um meio de se obter nova apreciação da decisão ou situação processual, com o fim de corrigi-la, modificá-la ou confirmá-la. Trata-se do meio pelo qual se obtém o reexame de uma decisão. [...] Em consonância com esta origem etimológica, podemos afirmar que: assim como o processo indica movimento para a frente, o recurso denota movimentopara trás. O juiz, para decidir, acompanha pari passu o andamento da causa desde o seu início até sua conclusão, examinando, do começo para o fim, todos os atos e termos do processo. Quando a parte vencida não se conforma com a decisão, pede à instância superior um novo exame da causa, e esse pedido constitui o recurso, assim denominado porque o julgador a que se recorre como que deve retroceder no exame do processo, voltando para trás a fim de fazer um novo estudo do processo e proferir uma nova decisão”. ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO REIS et al. (Direito processual penal esquematizado, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017). “Em razão do grande número de recursos existentes na legislação nacional, torna-se tarefa árdua estabelecer um conceito capaz de abranger todas as nuances dessa pluralidade de instrumentos jurídicos. Dentre os vários conceitos existentes, o que nos parece mais adequado é o seguinte: o recurso é um meio processual de impugnação, voluntário ou obrigatório, utilizado antes da preclusão, apto a propiciar um resultado mais vantajoso na mesma relação jurídica processual, decorrente de reforma, invalidação, esclarecimento ou confirmação. A finalidade dos recursos é o reexame de uma decisão por órgão jurisdicional superior ou, em alguns casos, pelo mesmo órgão que a prolatou, em face da argumentação trazida à baila pelo recorrente”. Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 NORBERTO AVENA (Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017). “Conforme ensina E. Magalhães Noronha, por recurso compreende-se “a providência legal imposta ao juiz ou concedida à parte interessada, objetivando nova apreciação da decisão ou situação processual, com o objetivo de Corrigi-la, modi-ficá-la ou confirmá-la”. Nada mais é, enfim, do que o reexame de uma decisão”. AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018). “A partir do momento em que se estabelece o processo como um sistema heterônomo de reparto, com um terceiro imparcial como poderes decisórios, supraordenado às partes e, portanto, ocupando uma posição fundante da estrutura dialética (actum trium personarum – Búlgaro), nasce, como consequência lógica, a necessidade de permitir-se o reexame daquela decisão. [...]o conceito de recurso vincula-se à ideia de ser um meio processual através do qual a parte que sofreu o gravame solicita a modificação, no todo ou em parte, ou a anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado, no mesmo processo em que ela foi proferida. Excepcionalmente, o recurso pode não ser um ato de parte, senão do ofendido, que venha ao processo como assistente não habilitado, exclusivamente para recorrer. O que não se pode admitir é tratar como recurso – em sentido próprio – os chamados reexames necessários (no nosso sistema, ainda denominados recurso de ofício), previstos no art. 574 do CPP”. RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017). “Tecnicamente, recurso é o meio ou instrumento jurídico de impugnação formal das decisões judiciais. Trata-se de faculdade conferida à parte, com o objetivo de permitir que, atendidos os requisitos legais, seja determinada decisão submetida, total ou parcialmente, à reapreciação de outro órgão judicial de hierarquia superior. Em determinados tipos de recursos, o próprio órgão prolator da decisão será instado a reexaminá-la, quando então poderá, ele mesmo, mantê-la ou modificá-la. A possibilidade de interpor recurso surge com a prolação da decisão impugnável e configura desdobramento jurídico, lógico e natural do direito de ação; do direito de postular em juízo com o objetivo de obter a satisfação de um direito lesado ou ameaçado de lesão”. FERNANDO CAPEZ (Curso de processo penal, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018). “Os recursos estão fundamentados na necessidade psicológica do vencido, na falibilidade humana e no combate ao arbítrio. João Monteiro anota que “todo recurso para juiz superior (provocatio dos romanos) corresponde e satisfaz a uma tendência irresistível da natureza humana; é a expressão legal do instinto que leva todo homem a não se sujeitar, sem reação, ao conceito ou sentença do primeiro censor ou juiz”. Observa também Tourinho Filho que, “sabendo os Juízes que suas decisões poderão ser reexaminadas, procurarão eles ser mais diligentes, mais estudiosos, procurando fugir do erro e da má-fé. Somente tal circunstância seria suficiente para se justificar o recurso. Não houvesse a possibilidade do reexame, os Juízes, muitas e muitas vezes, se descuidariam, decidiriam sem maior meticulosidade, pois estariam seguros de que seu erro, sua displicência, sua má-fé não seriam objeto de censura pelos órgãos superiores”. – Base constitucional: a existência dos recursos tem sua base jurídica no próprio Texto Constitucional, quando este organiza o Poder Judiciário em graus diferentes de jurisdição (Título IV – “Da Organização dos Poderes” –, Capítulo III – “Do Poder Judiciário” –, arts. 92, 93, III, e 125, § 3º), bem como quando estabelece atribuição primordialmente recursal para os tribunais (arts. 102, II e III, 105, II e III, e 108, II). Portanto, se os tribunais se destinam a julgar recursos, e se existem instâncias superiores revisoras de decisões, a Constituição pressupõe claramente a existência dos recursos”. 2. PRINCÍPIOS 2.1 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO O duplo grau de jurisdição costuma ser visto como uma decorrência do devido processo legal, disposto no art. 5º, LV da Constituição Federal: Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Trata-se da possibilidade/garantia da parte de ver rediscutida a matéria fática e de direito por órgão do Poder Judiciário hierarquicamente superior àquele que proferiu o pronunciamento jurisdicional vergastado. A par da ponderação dos valores da justiça e da segurança jurídica, a doutrina tende a buscar argumentos que fundamentem a existência de um sistema recursal. São, assim, citados como “fundamentos dos recursos”: a) a própria natureza falível do ser humano, e do juiz enquanto tal, não estando isento de equívocos; b) a necessidade psicológica do homem de ver reapreciada uma decisão desfavorável. Em qualquer ramo da atividade humana, a pessoa é vulnerável às dúvidas, sobretudo quando se trata do desenvolvimento dos atos judiciais, restando necessário o reexame da questão, através do recurso, para suprir as desconfianças naturais do indivíduo; c) certa coação psicológica sobre o juiz de grau inferior, que o levaria a “julgar melhor”, sabedor da possibilidade de sua decisão ser reexaminada por um órgão superior. Esse fator faz com que o julgador seja mais diligente na hora de proferir sua decisão, levando-o a se afastar do erro e do arbítrio, bem como o impulsionando à pesquisa e constante aperfeiçoamento para evitar a censura do órgão jurisdicional superior; d) a possibilidade de a causa ser julgada por um órgão colegiado, formado por juízes de maior experiência e saber jurídico. Embora esse fundamento não represente a certeza de melhor prestação jurisdicional, não é menos verdade que a vivência alcançada pelos anos oferece uma confortável garantia ao recorrente de que a decisão pronunciada na instância superior se adequará aos verdadeiros ditames da justiça; e) razões históricas (Bonfim, 2013). O princípio do duplo grau de jurisdição não é previsto expressamente na Carta Magna, fato esse que enseja dissenso doutrinário a respeito de seu fundamento existencial. Para TÁVORA, “por tal razão, a afirmação desse princípio é de ser compreendida como de cunho histórico,tradição de uma política legislativa que encontra sua raiz nos ideais da Revolução Francesa e que se espraiaram na cultura forense brasileira” (Távora, 2017). Por outro enfoque, o autor reconhece: Parte da doutrina, contudo, entende que o duplo grau de jurisdição é princípio constitucional implícito, levando em consideração o sistema como um todo, a partir de sua previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 1992. Nesse sentido, Grinover, Scarance e Gomes Filho – embora reconhecendo que o princípio do duplo grau, previsto explicitamente na Constituição do Império (art. 158, da Carta de 1824), não vem mais expresso na Constituição vigente –, sustentam que se cuida “de regra imanente na Lei Maior, que, como as anteriores, prevê não apenas a dualidade de graus de jurisdição, mas até um sistema de pluralidade deles”. Desse modo, concluem os autores, é possível afirmar “que a garantia do duplo grau, embora só implicitamente assegurada pela Constituição brasileira, é Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 princípio constitucional autônomo, decorrente da própria Lei Maior, que estrutura os órgãos da chamada jurisdição superior” (Távora, 2017). Nesse mesmo sentido pondera BRASILEIRO, que complementa: Para além do fato de ser o recurso um aspecto, elemento, ou modalidade do próprio direito de ação e de defesa, parte considerável da doutrina entende que a palavra “recursos” inserida no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal foi utilizada pelo constituinte originário em seu sentido técnico-jurídico. Ademais, a própria previsão constitucional que estabelece que os tribunais são dotados de competência originária e em grau de recurso seria uma demonstração evidente da constitucionalidade do duplo grau de jurisdição. De todo modo, mesmo que não se empreste dignidade constitucional ao duplo grau de jurisdição, certo é que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos o assegura de maneira expressa em seu art. 8º, § 2º, ‘h’, segundo o qual toda pessoa acusada de delito tem direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. É bem verdade que o duplo grau de jurisdição também está previsto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 9º, § 5º). Ocorre que, diferentemente da restrição aí concebida (‘em conformidade com a lei’), o Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, § 2º, ‘h’) garante o mesmo direito de forma ampla e irrestrita. Logo, por força do princípio pro homine, segundo o qual, em matéria de direitos humanos, deve sempre prevalecer a norma mais favorável, é a Convenção Americana que deve ter incidência, por se tratar de norma mais benéfica (Lima, 2017). Imperioso registrar que, não obstante haja essa previsão em convenções internacionais, o princípio do duplo grau de jurisdição possui limitações ou exceções. Um claro exemplo de mitigação desse princípio diz respeito aos processos julgados em sede de foro por prerrogativa de função, como já foi decidido pelo STF no RHC 79.785/RJ, cuja leitura (do julgado), aliás, é de todo oportuna. Tal conclusão não ressoa incongruente, na medida em que, se a prerrogativa de função tem o condão de qualificar o julgamento daquelas pessoas que ocupam cargos públicos relevantes (julgadas que são por magistrados com maior conhecimento técnico e experiência, em composição colegiada mais ampla), não haveria sentido exigir-se duplo grau de jurisdição, cuja essência, além da possibilidade de revisão da decisão proferida por órgão jurisdicional distinto, é exatamente a mesma que subjaz ao foro especial, qual seja, o exame do caso por magistrados de hierarquia funcional superior, em tese mais qualificados e experientes (Lima, 2017). Sobre o ponto, AURY LOPES JUNIOR complementa: Há, nesses casos, um completo esvaziamento da garantia do duplo grau de jurisdição em benefício da prerrogativa funcional e do julgamento originário por um órgão colegiado. Mas isso é constitucional? Prevalece o entendimento de que a Constituição não consagra expressamente o duplo grau de jurisdição, mas sim os casos em que haverá julgamento originário pelos tribunais, podendo haver, portanto, uma restrição à garantia que decorre da CADH (cujo caráter Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 “supralegal” a coloca abaixo da Constituição). Ademais, ainda que o duplo grau fosse consagrado no texto constitucional, poderia haver a supressão ou limitação pelo próprio sistema constitucional. FERREIRA MENDES explica que o próprio modelo jurisdicional positivado na Constituição afasta a possibilidade de aplicação geral do princípio do duplo grau de jurisdição. Prossegue o autor, esclarecendo que “se a Constituição consagra a competência originária de determinado órgão judicial e não define o cabimento de recurso ordinário, não se pode cogitar de um direito ao duplo grau de jurisdição, seja por força de lei, seja por força do disposto em tratados e convenções internacionais”. Importante esclarecer, na lição acima, que quando o autor se refere ao não cabimento de recurso ordinário, está fazendo alusão à categoria doutrinária de recurso ordinário, ou seja, àqueles meios de impugnação que têm por objeto provocar um novo exame (total ou parcial) do caso penal, alcançando tanto as matérias de direito como também fáticas. Logo, quando o imputado é julgado originariamente por um tribunal, eventual recurso será “extraordinário”, na medida em que os tribunais superiores somente podem entrar no exame da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão inferior, ou seja, um juízo limitado ao aspecto jurídico da decisão impugnada (Júnior, 2018). De todo modo, é certo que, recentemente, o foro por prerrogativa de função foi fortemente limitado pelo Supremo Tribunal Federal2, mas ainda subsiste e evidencia uma clara limitação ao princípio em voga. Na lição de MADEIRA, o “duplo grau de jurisdição acaba por contrapor dois outros princípios: o princípio da justiça e o princípio da certeza jurídica”. De acordo com o princípio da justiça, quanto mais se examinar uma decisão, mais próximos estaremos da distribuição da justiça. Assim, haveria estímulo a um contínuo aprimoramento da decisão, pela sua revisão constante. Já quanto ao princípio da certeza jurídica, impõe-se a brevidade do processo, a exigir que a decisão seja proferida sem procrastinações inúteis. Contudo é de se observar que não necessariamente haverá maior justiça pela maior quantidade de reanálises da decisão e não necessariamente quanto mais rápido durar o feito mais justa será a decisão. Deve-se buscar equilíbrio entre tais princípios, visando-se sempre a melhor decisão sem prolongar demasiadamente o andamento processual (Dezem, 2018). Doutrina Complementar AURY LOPES JR. (Direito processual penal, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018) “O princípio do duplo grau de jurisdição traz, na sua essência, o direito fundamental de o prejudicado pela decisão poder submeter o caso penal a outro órgão jurisdicional, hierarquicamente superior na estrutura da administração da justiça. Além de garantir a revisão da decisão de primeiro grau, também compreende a proibição de que o tribunal ad quem conheça além daquilo que foi discutido em primeiro grau, ou seja, é um impedimento 2 Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o foro por prerrogativa de função conferido aos deputados federais e senadores se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas. Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 à supressão de instância.[...]O fundamento do sistema recursal gira em torno de dois argumentos: falibilidade humana e inconformidade do prejudicado (até porque consciente da falibilidade do julgador). A possibilidade de revisão das decisões surge, explica ZANOIDE DE MORAES, numa primeira aproximação, como forma de se melhorarem os provimentos jurisdicionais através de nova apreciação do problema inicialmente discutido. Logo, o fundamento dos recursos passa, sintetiza HINOJOSA SEGOVIA, pelo reconhecimento da falibilidade humana, pois se considera que os juízes podem errar ao aplicar ou interpretar a lei – processual ou material –, sendo conveniente (se não imprescindível) que as partes tenham a possibilidade de solicitar, no próprio processo, que a decisão proferida seja modificada, ou pelo mesmo órgão jurisdicional que a elaborou, ou por um órgão superior, colegiado e mais experiente, como garantia de uma melhor ponderação das questões. Outro argumento importante é o da “ampliação da visibilidade” sobre o processo. Os recursos permitem uma visibilidade compartilhada, uma multiplicidade de olhares ao julgar, como bem destaca POZZEBON. Essa ampliação de visibilidade também contribui para uma ampliação da legitimidade e reforça a confiabilidade das decisões. E, principalmente, a existência dos recursos obedece a razões não de política legislativa, senão de índole constitucional, na medida em que representam desdobramentos do devido processo e do direito de defesa”. RENATO MARCÃO (Curso de processo penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017). “O exercício da ampla defesa traz consigo a possibilidade de recorrer a órgãos de superior instância judiciária visando nova apreciação da matéria decidida, tal como se extrai da Constituição Federal vigente e está disciplinado no regramento inferior. Muito embora atenda à necessidade de satisfação da parte perdedora, naturalmente irresignada, o duplo grau de jurisdição não se presta à eternização de demandas judiciais, de modo a violar, inclusive, os princípios da duração razoável do processo e da segurança jurídica, de fundamental importância na estabilização do sistema judiciário e na pacificação social. Nada obstante o inconformismo da alma e do espírito – destino cruel de tantos infelizes – possa não ser superado em tempo algum, o duplo grau sofre limitações jurídicas, na medida em que o sistema recursal não permite a infinita reapreciação do meritum causae. Haverá um momento em que, embora cabível algum tipo de recurso, o mérito do processo não poderá ser rediscutido, conforme veremos ao analisar as espécies recursais, um pouco mais adiante. Há ainda limitação jurídica ao duplo grau de jurisdição imposta pela existência de foro privilegiado por prerrogativa de função. É o que ocorre, por exemplo, na situação em que um membro do Congresso Nacional é julgado e condenado por crime praticado no exercício do mandato, tendo em vista a competência originária do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I) e a impossibilidade de recurso ordinário a outro órgão superior dotado de competência jurisdicional na estrutura judiciária brasileira, porquanto inexistente. O fundamento político do duplo grau de jurisdição está no fato de que, no Estado de Direito, todo e qualquer ato estatal se encontra subordinado a controle jurisdicional, e não poderia ser de modo diverso em relação às decisões proferidas por determinado órgão judiciário, mesmo que em sede de controle interna corporis”. NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016). “A doutrina processual aduz, quase que de maneira unânime, que os recursos têm por fundamentos “a necessidade psicológica do vencido, a falibilidade humana do julgador e as razões históricas do próprio direito”, salientando que “a existência dos recursos tem sua base jurídica no próprio texto constitucional, quando este organiza o Poder Judiciário em duplo grau de jurisdição com a atribuição primordialmente recursal dos tribunais”. Na senda racionalista e iluminista, o “princípio do duplo grau dá maior certeza à aplicação do direito, com a proteção ou restauração do direito porventura violado e é por isso que se encontra assente nas legislações”. Uma correção de rumo se faz preciso: o duplo grau de jurisdição não é princípio sufragado na Constituição de 1988. Há processos penais onde esse duplo grau inexiste, tais como aqueles de competência originária do Supremo Tribunal Federal. A garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/1988) e a enunciação que preconiza que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV, CF/1998), não induzem a existência do princípio do duplo grau de jurisdição a nível constitucional. Por tal razão, a afirmação desse princípio é de ser compreendida como de cunho histórico, tradição de uma política legislativa que encontra sua raiz nos ideais da Revolução Francesa e que se espraiaram na cultura forense brasileira. É o reconhecimento de que a revolução francesa efetivamente estabeleceu que uma decisão só transita em julgado quando possível o seu exame em dois juízos sucessivos. Como no Brasil temos a possibilidade de julgamento de recurso extraordinário pelo STF, bem como a apreciação de embargos infringentes de alguns julgados, pode-se entender pela multiplicidade ou pluralidade de graus de jurisdição, não apenas duplicidade. Parte da doutrina, contudo, entende que Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 o duplo grau de jurisdição é princípio constitucional implícito, levando em consideração o sistema como um todo, a partir de sua previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 1992. Nesse sentido, Grinover, Scarance e Gomes Filho – embora reconhecendo que o princípio do duplo grau, previsto explicitamente na Constituição do Império (art. 158, da Carta de 1824), não vem mais expresso na Constituição vigente”. Jurisprudência pertinente [...] O acesso à instância recursal superior consubstancia direito que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias fundamentais. V - Ainda que não se empreste dignidade constitucional ao duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, cuja ratificação pelo Brasil deu-se em 1992, data posterior à promulgação Código de Processo Penal. VI - A incorporação posterior ao ordenamento brasileiro de regra prevista em tratado internacional tem o condão de modificar a legislação ordinária que lhe é anterior. VII - Ordem concedida. (HC 88420, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 17/04/2007, DJe-032 DIVULG 06-06-2007 PUBLIC 08-06-2007 DJ 08-06-2007 PP-00037 EMENT VOL-02279-03 PP-00429 LEXSTF v. 29, n. 345, 2007, p. 466-474) [...] I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual,efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de "toda pessoa acusada de delito", durante o processo, "de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior". 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. 1. Quando a questão - no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional - é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional - que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional - não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional. 2. Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em consequência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). 3. Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimento - majoritário em recente decisão do STF (ADInMC 1.480) - que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. 4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir. III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho - que não estão em causa - e da Justiça Militar - na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais -, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores - o STJ e o TSE - estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar. 3 .À falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada. (RHC 79785, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2000, DJ 22-11-2002 PP-00076 EMENT VOL-02092-02 PP-00280 RTJ VOL-00183-03 PP-01010) Superior Tribunal de Justiça [...] A jurisprudência dos tribunais superiores não reconhece incidência do direito ao duplo grau de jurisdição em julgamentos proferidos em ações penais de competência originária dos Tribunais. Tal compreensão não ressoa incongruente, na medida em que, se a prerrogativa de função tem o condão de qualificar o julgamento daquelas pessoas que ocupam cargos públicos relevantes (julgadas que são por magistrados com maior conhecimento técnico e experiência, em composição colegiada mais ampla), não haveria sentido exigir-se duplo grau de jurisdição, cuja essência, além da possibilidade de revisão da decisão proferida por órgão jurisdicional distinto, é exatamente a mesma que subjaz ao foro especial, qual seja, o exame do caso por magistrados de hierarquia funcional superior, em tese mais qualificados e experientes. Assim, como diz um velho brocardo jurídico, "aquele que usufrui do bônus, deve arcar com o ônus". Precedentes. [...] (EDcl no REsp 1484415/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/03/2016, DJe 14/04/2016) 2.2 UNIRRECORRIBILIDADE Também denominado de princípio da singularidade ou unicidade, traduz a ideia de que para cada específica decisão cabe apenas um recurso, não sendo admissível a interposição de dois (ou mais) recursos da mesma parte da decisão. Regra geral, para cada decisão (recorrível) admite-se a interposição de um único recurso. Para a doutrina, esse princípio é evidenciado pelo art. 593, § 4º do CPP, ao dispor sobre a não possibilidade de manejo do recurso em sentido estrito quando cabível apelação: § 4º Quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra. Exemplo claro deste princípio se dá na hipótese prevista no art. 593, § 4.º, do CPP: quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra. Assim, se dentro de uma sentença absolutória ou condenatória, o juiz proferir decisão da qual caiba recurso em sentido estrito, o recurso cabível será a apelação, ainda que somente desta parte da decisão se deseje recorrer. Há, entretanto, exceções: a) a primeira delas refere-se ao recurso extraordinário e recurso especial. Desde que cabíveis, um deverá ser interposto para a parte constitucional e outro para a parte infraconstitucional. Desta forma seria admissível neste caso dois recursos contra uma única decisão, qual seja, o acórdão. Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 b) Embargos infringentes para a parte não unânime e recursos extraordinários para a parte unânime da decisão recorrida. Comumente citada como tranquila exceção ao princípio da unirrecorribilidade, ocorreria quando a decisão do tribunal tem uma parte não unânime e uma parte unânime, sendo então cabível interpor simultaneamente os embargos infringentes contra a não unânime e o recurso extraordinário contra a parte unânime (parte constitucional). Porém, tal exceção é duvidosa, por força do art. 498 do CPC/1973, que prevê o sobrestamento do prazo para recurso extraordinário se forem interpostos embargos infringentes (Dezem, 2018). Os recursos especial (ao STJ) e extraordinário (ao STF) representam situação pontual dentro do princípio da singularidade, porquanto é admitida a interposição de ambos em face de uma mesma decisão, caso ela contrarie, concomitantemente, lei federal/tratado (art. 105, III, “a” da CF) e dispositivo da ConstituiçãoFederal (art. 102, III, “a” da CF), respectivamente. Para BONFIM, esse caso retrata verdadeira exceção ao princípio, juntamente à hipótese de desistência de um recurso para interposição de outro: Esse princípio, contudo, é excepcionado em duas circunstâncias: a) pela própria legislação. É exemplo em que há previsão da interposição concomitante de mais de um recurso: a interposição simultânea de recurso extraordinário e de recurso especial, caso o acórdão contrarie, a um só tempo, preceito constitucional e lei federal; b) pelo princípio da variabilidade dos recursos, que faculta à parte a desistência de um recurso para a interposição de outro (Bonfim, 2013). Não enxergando propriamente uma exceção, muitos defendem que a singularidade prega um único recurso para cada parte (ou capítulo) da decisão. Assim, na parte que viola a lei federal caberia o recurso especial; na parte que viola norma constitucional caberia o extraordinário. Parcela da doutrina afirma que não se trata de exceção à unirrecorribilidade na medida em que o recurso é cabível de capítulos distintos da sentença ou do acórdão. Neste sentido é a posição de Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho bem como de Badaró. Assim, no caso de recurso extraordinário e de recurso especial haverá dois recursos sobre partes distintas da decisão, de forma que não se falar em violação à unicidade para esta parcela da doutrina. É importante notar que não se fala em exceção quando mais de uma parte recorre da sentença. Assim, caso haja recurso tanto pela acusação quanto pela defesa não haverá exceção à unirrecorribilidade, pois esta se refere à mesma parte apresentando mais de um recurso contra uma mesma decisão (Dezem, 2018). Questão interessante seria a seguinte: o princípio da singularidade permite um único recurso para impugnar mais de uma decisão judicial❓ Permite. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que isso não é comum, mas não haveria qualquer impedimento legal a essa prática no ordenamento jurídico. Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INTERPOSIÇÃO DE UM ÚNICO RECURSO PARA ATACAR DUAS DECISÕES DISTINTAS. POSSIBILIDADE. [...] 2. O princípio da singularidade, também denominado da unicidade do recurso, ou unirrecorribilidade consagra a premissa de que, para cada decisão a ser atacada, há um único recurso próprio e adequado previsto no ordenamento jurídico. 3. O recorrente utilizou-se do recurso correto (respeito à forma) para impugnar as decisões interlocutórias, qual seja o agravo de instrumento. 4. O princípio da unirrecorribilidade não veda a interposição de um único recurso para impugnar mais de uma decisão. E não há, na legislação processual, qualquer impedimento a essa prática, não obstante seja incomum. 5. Recurso especial provido. (REsp 1112599/TO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 05/09/2012) Doutrina Complementar NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016). “(Também denominado de princípio da singularidade ou princípio da unicidade): cada espécie de decisão judicial, em regra, comporta um único recurso, sendo ônus da parte escolher o recurso adequado para que haja seu reexame. O princípio da unirrecorribilidade ou da singularidade recursal expressa que a parte não pode manejar mais de um recurso para vergastar a mesma decisão. A concomitância de recurso pode ser possível quando a sentença aprecie ao mesmo tempo questões distintas. Com efeito, excepcionalmente uma mesma decisão pode comportar mais de um recurso. É o que ocorre, por exemplo, com a possibilidade do manejo simultâneo do recurso especial ao STJ e do extraordinário ao STF, quando uma mesma decisão ofenda a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional. [...]A título de registro histórico, temos o exemplo da possibilidade que havia de interposição de protesto por novo júri (revogado pela Lei nº 11.689/2008) e de apelação para combater uma mesma sentença que condenasse o réu a mais de um crime, sendo apenado por um deles, isoladamente, a vinte anos ou mais de reclusão. No entanto, manejado o protesto por novo júri, a apelação que tivesse por objeto a porção abrangida pelo protesto restaria prejudicada, pelo que também aqui a exceção a unirrecorribilidade é aparente, eis que a concomitância recursal requer impugnações de capítulos diversos da mesma decisão”. VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012). “A unirrecorribilidade. A cada decisão corresponde um recurso. Atendendo o princípio, o art. 593, § 4º, exclui a possibilidade de interposição do recurso no sentido estrito se da decisão cabe apelação. Esta absorve aquele, porque nela a matéria será integralmente examinada. O fundamento, aliás, é a economia e a simplificação da forma. Assim, por exemplo, se o juiz, na sentença, cassa a fiança, a apelação abrangerá toda a matéria, a de mérito e a relativa à fiança. Se a cassação da fiança for decidida fora da sentença, o recurso cabível é o recurso no sentido estrito. Há exceções, porém, no caso de decisões complexas, com mais de um dispositivo, previstos expressamente em lei, porque a regra é a unirrecorribilidade. Os casos de recursos diferentes concomitantes são os seguintes: 1. apelação e protesto por novo júri se, na decisão do júri, um crime comporta o protesto, e outro não. A apelação aguardará a nova decisão decorrente do protesto; 2. o recurso ordinário constitucional, por parte da defesa, da decisão denegatória de habeas corpus, o recurso especial e o recurso extraordinário, por parte da acusação, se a denegação for parcial e houver fundamento nas hipóteses constitucionais; 3. o recurso de embargos infringentes, o especial e o extraordinário, se a decisão do tribunal, desfavorável ao réu, contiver parte não unânime e parte unânime que, em tese, possibilite os recursos aos Tribunais Superiores. Os embargos infringentes serão julgados em primeiro lugar, ficando os outros dois recursos aguardando essa decisão. Julgados os embargos, caberá outro recurso especial e outro extraordinário quanto à parte decidida nos embargos, se houver fundamento constitucional para isso”. EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012). “Como regra geral, a lei prevê um único recurso adequado para a impugnação de uma decisão, não permitindo à parte interpor mais de um recurso da mesma decisão. Nesse sentido, dispõe o art. 593, § 4º, do CPP que não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra, quando cabível a apelação. Assim, de sentença condenatória em que tenha sido negada a suspensão condicional da pena Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 caberá apenas a apelação, ainda que da decisão denegatória do sursis caiba recurso em sentido estrito (art. 581, XI, do CPP)”. 2.3 TAXATIVIDADE Os recursos devem estar expressamente previstos em lei. Dito de outra forma, não cabe às partes manifestarem seu inconformismo senão pelos meios expressamente admitidos. Isso é fundamental para a regularidade do procedimento e por segurança jurídica. Se não há recurso previsto não se exerce duplo grau; se existir, deverá a parte utilizar aquele que a lei aponta (princípio da correspondência). Exemplo: somente cabe recurso em sentido estrito das decisões previstas no art. 581 do CPP, ou seja, a lei possibilita às partes utilizar desse recurso somente naquelas hipóteses, taxativamente, previstas. Não podem as partes utilizar esse recurso para impugnar uma sentença condenatória (cf. art. 581 c/c 593, ambos do CPP) (Rangel,2017). A lei, portanto, deve prever a existência do instrumento de impugnação e especificar as hipóteses de seu cabimento. Não obstante, BONFIM registra: Esse princípio não impede a aplicação analógica nem a interpretação extensiva das normas processuais penais, como prevê o art. 3º do CPP. Assim, por exemplo, apesar de não haver previsão expressa, admite-se a interposição de recurso em sentido estrito da decisão que rejeita o pedido de aditamento da denúncia, embora essa hipótese não esteja incluída no rol do art. 581 do CPP (Bonfim, 2013). Por outro lado, “somente lei federal pode dispor sobre recursos. A lei estadual não pode criar, no âmbito dos juizados especiais, recursos não previstos na lei federal. Do mesmo modo os regimentos internos dos Tribunais também não podem criar recursos não previstos em lei federal, conforme já decidiu o STF”. Não deixa de ser curioso, contudo, que o próprio STF atenue esta regra como, por exemplo, quando admite a manutenção dos embargos infringentes previsto apenas no Regimento Interno do STF e em nenhuma outra lei. No julgamento da Ação Penal 470/MG [´Mensalão´] o STF teve que analisar se os embargos infringentes previstos no regimento interno do STF, mas não na Lei 8038/90 ainda teriam validade e concluiu, por maioria de votos, pela sua admissibilidade: “1. O art. 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que prevê o cabimento de embargos infringentes na hipótese, jamais foi revogado de modo expresso pela Lei 8.038/1990. Tampouco existe incompatibilidade, no particular, entre os dois diplomas normativos. 2. Embora se pudesse, em tese, cogitar da revogação do dispositivo – em razão de a Lei 8.038/1990 haver instituído normas sobre o processamento da ação penal originária –, este nunca foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, há mais de uma dezena de pronunciamentos do Tribunal – em decisões monocráticas e acórdãos, de Turma e do Plenário – no sentido de que o art. 333 se encontra em vigor, inclusive no que diz respeito à ação penal originária. Tais pronunciamentos correspondem à razão de decidir expressamente adotada pela Corte e não podem ser simplesmente desconsiderados, como se nunca tivessem existido. 3. Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 Ademais, Projeto de Lei enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional, em 1998, com o fim específico de suprimir os embargos infringentes, foi expressamente rejeitado pela Casa Legislativa. Vale dizer: não só o STF, mas também os Poderes Executivo e Legislativo manifestaram o entendimento de que os embargos infringentes não foram revogados pela Lei 8.038/1990. Em deliberação específica e realizada sem a pressão de um processo rumoroso, o Congresso Nacional tomou a decisão expressa de manter esse recurso na ordem jurídica. 4. Embora se possa cogitar da revogação dos embargos infringentes para o futuro, não seria juridicamente consistente a pretensão de fazê-lo na reta final de um processo relevante e emblemático como a Ação Penal 470. 5. Incidência dos princípios do Estado de Direito, da segurança jurídica, da legalidade e do devido processo legal, que impedem o Tribunal de ignorar dispositivo que sempre se considerou vigente a fim de abreviar o desfecho de processo penal determinado.” (STF, AP 470 AgR – vigésimo sexto/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 17.02.2014) (Dezem, 2018). Doutrina Complementar NESTOR TÁVORA (Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016). “Para que seja possível o manejo de um recurso, é preciso que o ordenamento jurídico o preveja expressamente: o rol não é exemplificativo, porém numerus clausus; no processo penal, não se admite recurso inominado ou recurso de improviso. A previsão legal é condição necessária para que a decisão seja recorrível, e para que o recurso exista. Como adverte Mougenot, o princípio da taxatividade recursal não é óbice à aplicação analógica nem à interpretação extensiva das normas processuais penais, na esteira do que dispõe o art. 3º, do Código. Daí ser admissível a interposição de recurso em sentido estrito contra decisão que rejeita o pedido de aditamento da denúncia, malgrado a hipótese não esteja incluída expressamente no rol do art. 581, CPP, mas é depreendida a partir do enunciado que prevê o manejo desse meio recursal contra a decisão que rejeita a denúncia. Também, com base em interpretação sistemática extensiva, é que se admite a interposição de embargos infringentes e/ou de nulidade pela defesa contra decisões não unânimes proferidas por órgão colegiado de tribunal em sede de agravo em execução. Para tanto, leva- se em conta que o agravo em execução (art. 197, LEP) foi instituído em substituição a várias hipóteses de interposição de recurso em sentido estrito (art. 581, CPP), razão pela qual são cabíveis os embargos infringentes e/ou de nulidade que, conforme o texto original do CPP, só poderiam ser opostos pela defesa contra decisões não unânimes prolatadas pelo tribunal quando de julgamento de apelação ou de recurso em sentido estrito (parágrafo único, do art. 609, CPP)”. EDILSON MOUGENOT BONFIM (Curso de processo penal, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012). “Os recursos devem estar expressamente previstos em lei, não se admitindo que a parte requeira a reforma de uma decisão sem que haja previsão legal do meio impugnatório. A taxatividade, assim, fica caracterizada pela previsão de lei que enumera os recursos e define suas hipóteses de cabimento”. Jurisprudência pertinente [...] O Código de Processo Penal brasileiro não prevê o instituto do recurso adesivo, não cabendo, ao intérprete, ampliar as modalidades recursais além daquelas previstas em lei, em respeito ao princípio da taxatividade. [...] (REsp 1595636/RN, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/05/2017, DJe 30/05/2017) Leonardo Ribas Tavares Aula 17 Direito Processual Penal p/ Magistratura Estadual 2020 (Curso Regular) www.estrategiaconcursos.com.br 8 2.4 FUNGIBILIDADE RECURSAL Imagine que, de determinada decisão judicial, o defensor do acusado tenha interposto o recurso “A”, quando, em verdade, deveria ter interposto o “B”. Segundo o princípio da fungibilidade, presentes determinados requisitos, o recurso incorreto poderá ser recebido e conhecido como se fosse o devido, evitando-se o prejuízo ao recorrente. A intenção é evitar que um excessivo rigorismo formal possa consolidar injustiças. Por vezes ganha outros nomes – princípio: do recurso indiferente, da permutabilidade dos recursos ou da conversibilidade dos recursos. Veja o que dispõe o art. 579 do Código de Processo Penal: Art. 579. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro. Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível. De antemão já se percebe o imprescindível para que se aplique a fungibilidade: a inexistência de má-fé. Significa dizer que o equívoco não pode ter sido praticado de maneira proposital ou deliberada. Todavia, é impraticável avaliar o ânimo subjetivo da parte recorrente. Dessa forma, para não fazer da parte inicial do art. 579 ‘letra morta’, a doutrina traz duas situações em que haveria presunção de má-fé: a) quando não for observado o prazo previsto em lei para o recurso adequado: caso a parte venha a interpor o recurso errado, porém o fazendo no prazo legal do recurso adequado, presume-se que agiu de boa-fé. Por outro lado, se, a título de exemplo, a parte sucumbente, diante da perda do prazo para eventual apelação – 5 (cinco) dias, nos termos do art. 593 do CPP –, interpor recurso extraordinário para tentar se beneficiar de seu prazo mais elástico – 15 (quinze) dias –, afigura-se inviável a aplicação do
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