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Essere nel Mondo Rua Borges de Medeiros, 76 Cep: 96810-034 - Santa Cruz do Sul Fones: (51) 3711.3958 e 9994. 7269 www.esserenelmondo.com.br Todos os direitos são reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou copiada por qualquer meio impresso ou eletrônico ou que venha a ser criado, sem o prévio e expresso consentimento da Editora. A utilização de parte dos textos publicados deverá cumprir com as regras de referências bibliográficas editadas pela ABNT. As ideias, conceitos e/ou comentários expressos na presente obra são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não cabendo qualquer responsabilidade à Editora. D631 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem [recurso eletrônico] / organizadores: Fabiana Marion Spengler, Theobaldo Spengler Neto – Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2015. 177 p. Texto eletrônico. Modo de acesso: World Wide Web. 1. Mediação. 2. Conciliação (Processo civil). 3. Negociação. 4. Jurisdição. 5. Arbitragem e sentença. 6. Resolução de disputa (Direito). I. Spengler, Fabiana Marion. II. Spengler Neto, Theobaldo. CDD-Dir: 341.4625 Prefixo Editorial: 67722 Número ISBN: 978-85-67722-23-8 Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406 Revisão ortográfica: Carmen Rohr Capa: Gabriel Gassen Diagramação: Marcel Ali e Helena Schuck Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates CONSELHO EDITORIAL COMITÊ EDITORIAL Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha Profª. Drª. Angela Condello – Direito - Roma Tre/Itália Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil Prof. Dr. Doglas César Lucas – Direito – UNIJUI/Brasil Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa – Direito – UNIFOR/UFC/Brasil Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil Prof.ª Drª. Jane Lúcia Berwanger – Direito – UNISC/Brasil Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México Profª. Drª. Virgínia Appleyard – Biomedicina – University of Dundee/ Escócia Profª. Drª. Virgínia Elizabeta Etges – Geografia – UNISC/Brasil Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler – Direito – UNISC e UNIJUI/Brasil Prof. Me. Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil SUMÁRIO PREFÁCIO......................................................................................................................... 6 A CONCILIAÇÃO COMO ALTERNATIVA À JURISDIÇÃO ESTATAL NA BUSCA POR UMA JUSTIÇA EFETIVA E CÉLERE................................................................... 9 Caroline Pessano Husek Silva, Fabiana Marion Spengler & Ismael Saenger Durante O FÓRUM MÚLTIPLAS PORTAS E OS POSSÍVEIS CAMINHOS PARA SOLUCIONAR OS CONFLITOS................................................................................................................ 27 Helena Pacheco Wrasse & Guilherme Dornelles A TRANSDISCIPLINARIDADE NA MEDIAÇÃO COMO FORMA DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS FAMILIARES............................................................................................ 46 Francisco Ribeiro Lopes & Lilian Thais Konzen MEDIAÇÃO ENQUANTO NOVA POSSIBILIDADE FRENTE À PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS.......................................................................................... 62 Marieli Trevisan & Theobaldo Splengler Neto A COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO COMO FORMA DE POLÍTICA PÚBLICA DE INCLUSÃO SOCIAL.......................................................... 78 Charlise P. Colet Gimenez & Roberta Marcantônio MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA ESFERA DO PODER PÚBLICO: UMA EQUAÇÃO (IM)POSSÍVEL?................................................................................................................ 95 Josiane Caleffi Estivalet MEDIAÇÃO SOCIOAMBIENTAL: APONTAMENTOS PARA UM FUTURO POSSÍVEL.......................................................................................................................... 112 Cássio Alberto Arend, Dianifer Moraes dos Santos & Luana Elisa Funck A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA TRANSFORMADORA DA SOCIEDADE............................................................................................................... 131 Rodrigo Nunes Kops, Evelyn Caroline Jora & Ana Paula Zitzke A MEDIAÇÃO COMO PROPOSTA DE PACIFICAÇÃO DOS CONFLITOS ESCOLARES..................................................................................................................... 149 Daiana Queli Knod & Vanessa Gomes Ferreira 6 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem PREFÁCIO Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, há vinte e seis anos – recém- -completados −, vimos presenciando, em nosso país, um verdadeiro “boom” contencioso, com o vertiginoso aumento do volume de litígios submetidos ao Poder Judiciário. A redemocratiza- ção, aliada a nossa tradição de “civil law”, marcada pela cultura de judicialização dos confli- tos, foi o fermento para o significativo crescimento do número de ações judiciais nas últimas décadas. No entanto, até aqui, a ciência processual pátria não havia conseguido apresentar res- postas eficazes para conciliar seus compromissos com a garantia do acesso à justiça, de um lado, – que exige solucionar todos os litígios que eclodirem em nossa sociedade, independen- temente de suas proporções numéricas −, e a duração razoável e a efetividade, de outro lado. A sociedade brasileira, durante essas duas décadas e meia, recrudesceu as suas exigên- cias por Justiça, passando a ansiar que a ciência processual cumpra com os seus compromissos, a fim de que os litígios sejam solucionados, a um só tempo, com celeridade e efetividade. Portanto, foi-nos confiado equacionar a delicada situação em que o número de litígios se agiganta e, ao mesmo tempo, a sociedade nos cobra que a sua solução seja rápida e efetiva. Nesse contexto, emergem os meios alternativos de solução dos conflitos. O Poder Judiciário encontra-se assoberbado, não logrando pôr fim ao grande volume de processos judiciais. O Conselho Nacional de Justiça acabou de divulgar que, atualmente, tramitam no Brasil 78 milhões de processos, sendo que, até 2020, estima-se que 114 milhões de ações estarão aguardando julgamento em nosso país. Por mais que sejam estabelecidas metas a serem cumpridas pelos órgãos jurisdicionais e estes se esforcem vigorosamente em seu cumpri- mento, reconhece-se, hoje, a impossibilidadede se prestar a jurisdição de forma justa, efetiva e em tempo razoável a toda essa gama de litígios. A busca por meios adequados de solucionar controvérsias que dispensem a intervenção do Estado-Juiz passou a contar com o apoio do próprio Poder Judiciário, que encampou campa- nhas e mutirões de Conciliação e, mais recentemente, vem fomentando a Mediação. Embora o movimento em prol dos meios alternativos de solução de conflitos tenha se robustecido em virtude do clamor por soluções mais rápidas e que desonerassem o Judiciário brasileiro, a sua importância vai muito além. Em muitos casos, a solução adjudicativa (prestação jurisdicional estatal) não se mostra o meio mais adequado, seja porque impõe às partes uma decisão que não foi por elas direta- mente cunhada, seja porque exaspera as posições antagônicas, ao fixar as figuras de vencedor e vencido, dentre outros fatores. Não se trata, pois, apenas de recorrer aos meios alternativos de solução de conflitos 7Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem como forma de contornar o assoberbamento do Poder Judiciário brasileiro. Tais mecanismos, em verdade, têm o valioso potencial de, se bem aplicados, oferecer respostas céleres, efetivas e que contam com a participação direta dos interessados, contribuindo para a preservação das relações entre eles. Trata-se, portanto, de meios de solução de conflitos que logram equilibrar a difícil e atávica tensão entre celeridade e efetividade/justiça. Passados vinte e seis anos, e com a nossa democracia mais amadurecida, a sociedade brasileira tem condições de se valer de mecanismos de solução de conflitos que pressuponham o protagonismo dos próprios interessados, como é o caso da conciliação e da mediação, suplan- tando o modelo tradicional de solução adjudicativa estatal. A disseminação, em nossa cultura, da utilização dos meios alternativos de solução dos conflitos, especialmente da conciliação e da mediação, passa, necessariamente, pela produção acadêmica nacional. Iniciativas como a da presente obra, em que pesquisadores brasileiros se empenham em trazer à baila questões atuais sobre os meios alternativos de solução de conflitos, são de capital importância para mostrar aos profissionais do Direito toda a gama de possibilidades de utiliza- ção de tais mecanismos e traçar veredas seguras pelas quais se possa caminhar daqui em diante. Somente a partir da multiplicação de experiências frutuosas com a conciliação e a me- diação que o jurisdicionado brasileiro logrará se desapegar de nossa tradição beligerante e tor- nar-se um entusiasta das soluções consensuais. A presente obra coletiva, coordenada pelos Professores Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto, reúne trabalhos que analisam questões extremamente atuais e das mais variadas temáticas relacionadas à mediação e à conciliação. Oferecem estudos, com fun- damentação teórica consistente e coerente, a questões desafiadoras como a aplicação de solu- ções consensuais a controvérsias tributárias, a utilização da mediação em litígios que envolvam o Poder Público, em conflitos escolares e questões socioambientais, e, inclusive, como uma alternativa à prisão do devedor de alimentos. Trata-se de uma obra de grande relevo teórico e prático, que trata, corajosamente, de temas de grande repercussão e que podem ampliar significativamente o espectro de aplicação da conciliação e da mediação em nosso país. Merece todos os aplausos a iniciativa dos Professores Fabiana Marion Spengler e Theo- baldo Spengler Neto, muito bem executada por todos os seus colaboradores, por ter o grande mérito de procurar trazer respostas embasadas aos novos e variados desafios surgidos com a aplicação da conciliação e da mediação no Brasil. Trata-se de um projeto que congrega gra- duandos, Mestres e Doutores, sendo resultado dos estudos e debates realizados durante os tra- balhos do grupo de pesquisa “Políticas Públicas no tratamento dos conflitos”, da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Iniciativas como esta são as responsáveis por traçar caminhos seguros que todos nós 8 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem possamos trilhar rumo à desejável valorização dos meios alternativos de solução de conflitos em nosso país e à inauguração de uma nova cultura pacifista e de consenso entre nós. Parabenizo os coordenadores do projeto, Professores Fabiana Marion Spengler e Theo- baldo Spengler Neto, e os autores Caroline Pessano Husek Silva, Ismael Saenger Durante, Helena Pacheco Wrasse, Guilherme Dornelles, Francisco Ribeiro Lopes, Lilian Thais Konzen, Marieli Trevisan, Charlise P. Colet Gimenez, Roberta Marcantônio, Josiane Caleffi Estivalet, Cássio Alberto Arend, Dianifer Moraes dos Santos, Luana Elisa Funck, Rodrigo Nunes Kops, Evelyn Caroline Jora, Ana Paula Zitzke, Daiana Queli Knod e Vanessa Gomes Ferreira, pelo belo trabalho realizado, ao tempo em que recomendo vivamente a sua leitura. Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2014. Flávia Pereira Hill Mestre e Doutora em Direito Processual pela UERJ. Professora Adjunta de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Redatora-Chefe da Revista Ele- trônica de Direito Processual – REDP. Tabeliã. 9Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem A CONCILIAÇÃO COMO ALTERNATIVA À JURISDIÇÃO ESTATAL NA BUSCA POR UMA JUSTIÇA EFETIVA E CÉLERE1 Caroline Pessano Husek Silva Estudante de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, RS, Brasil. Atualmente no oitavo semestre. Bolsista FAPERGS vinculada ao projeto de pesquisa intitulado “Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e media- ção: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos”, integrante do Grupo de Pesquisa: “Políticas Públicas no Tratamento de Conflitos”, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, coordenado pela Professo ra Pós-Doutora Fabiana Marion Spengler e vice-liderado pelo Professor Mestre Theobaldo Spengler Neto. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4618305809219082. Endereço eletrônico: carolinehusek@hotmail.com. Fabiana Marion Spengler Pós-doutora em Direito, Doutora em Direito pelo programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – RS, mestre em Desenvolvimento Regional, com concentração na área Polí- tico Institucional da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC – RS, Brasil, docente dos cursos de Graduação e Pós-Graduação lato e stricto sensu da última instituição, Líder do Grupo de pesquisa “Políticas Públicas no Trata- mento dos Conflitos” certificado ao CNPQ, advogada. Endereço eletrônico: fabiana@unisc.br. Ismael Saenger Durante Estudante de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, RS, Brasil. Atualmente no sexto semestre. Bolsista CNPq vinculada ao projeto de pesquisa intitulado “Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos”, integrante do Grupo de Pesquisa: “Políticas Públicas no Tratamento de Conflitos”, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec- nológico – CNPq, coordenado pela Professo ra Pós-Doutora Fabiana Marion Spengler e vice-liderado pelo Pro- fessor Mestre Theobaldo Spengler Neto. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv. do?id=K4619338A6. Endereço eletrônico: ismaeldurante@hotmail.com INTRODUÇÃO Dentre os três poderes, o judiciário2 é o que vem sendo o maior alvo de preocupação em meio a teóricos e juristas. Por muito tempo se confiou aos tribunais e aos juízes todas as mazelas que emergiram da sociedade, passada e contemporânea. 1 O presente texto foi produzido mediante pesquisa junto ao projeto: “Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos”,financiado pelos recursos do Edital FAPERGS nº 02/2011 – Programa Pesquisador Gaúcho (PqG), edição 2011 e pelos recursos do Edital CNPq/CAPES nº 07/2011, processo nº 400969/2011-4. 2 O que se preconiza atualmente é que o Estado não é o único – e, algumas vezes, sequer o mais adequado – ente vocacionado para esta função, que pode muito bem ser exercida por particulares, algumas vezes com resultados mais proveitosos do que aqueles obtidos no âmbito judiciário”. (ARRUDA ALVIM NETO, 2011, p. 197). 10 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Afinal, o Poder Judiciário foi concebido para tal função, tendo em vista que a Consti- tuição Federal de 1988 estabelece preceitos fundamentais de acesso à justiça e de a mesma ser célere e efetiva para dirimir os problemas a ele direcionados. Entretanto, evidente está que o Judiciário encontra-se sobrecarregado e, deste modo, caminha a passos lentos para dissolução dos litígios que lhe são submetidos diariamente, isto decorre do grande aumento do número de conflitos que se apresentam atualmente, oriundos de uma cultura na qual não há espaço para o diálogo entre os litigantes. Assim, os métodos alternativos à jurisdição, tais como a conciliação, fazem-se neces- sários para auxiliar o Poder Judiciário nesta árdua tarefa de solucionar as lides, tendo em vista que objetivam atingir uma solução pacífica e voluntária do litígio que proporcione um acordo equitativo para as partes envolvidas. Logo, estes métodos são dotados de grande celeridade, dinamicidade e evitam que mais demandas cheguem à jurisdição estatal. Mas é interessante lembrar que cabe ao jurisdicionado, a sociedade, fazer uma mudança de conceitos que acarretem em uma mudança social generalizada. É preciso que o cidadão veja em si a capacidade e a maturidade de resolver seus conflitos com base no diálogo e de um enten- dimento mútuo entre as partes. É preciso entender que o Juiz não é um super-herói onipresente, pelo contrário. O entendimento deve partir da consciência de que seu problema apenas será mais um entre milhares e a celeridade, que não existiria no sistema atual, pode ser alcançada por outros meios. Deste modo, abordar-se-á neste trabalho a conciliação como método eficaz para dirimir os mais variados tipos de litígios. Assim, o presente artigo possui como escopo primordial con- ceituar conciliação e apresentar esta alternativa como meio adequado para diminuir a demanda do Poder Judiciário. Além disso, objetiva apresentar números, referentes à Semana Nacional da Conciliação realizada no Brasil, que confirmem a eficácia da conciliação como método alterna- tivo à jurisdição estatal. Para que se alcance uma apropriada compreensão acerca do assunto será exposto um texto de forma breve para que se atinja este objetivo. Assim, inicialmente, a crise atual da jurisdição estatal no Brasil será abordada para que se comprovem os motivos pelos quais é necessária a utilização da conciliação como meio propício no tratamento dos conflitos. Logo em seguida, será oferecido um breve conceito acerca do método aqui trabalhado. Por fim, a conciliação será apresentada, através dos Números da Semana Nacional da Conciliação, como instrumento apropriado para solucionar os mais diversos tipos de divergências. Para tornar plausível a elaboração do presente artigo utilizou-se o método estrutura- lista, o qual partiu da análise de um fenômeno concreto: a conciliação, elevando-se para um nível abstrato de discussão acerca dos elementos constitutivos e aplicáveis ao objeto em tela, retornando ao final, novamente, para o mundo concreto e a aplicabilidade da conciliação como 11Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem forma de solucionar os conflitos. A técnica de pesquisa empregada foi a bibliográfica, tendo em vista que para a elaboração deste trabalho foram utilizados artigos, sites e livros dos quais foram abstraídos conceitos e definições imprescindíveis. 1 CRISE DA JURISDIÇÃO ESTATAL Infelizmente, nos últimos anos, instaurou-se uma cultura alarmante na comunidade bra- sileira sobre a necessidade de que todos os problemas que surgem no convívio social devem ser discutidos em uma sala de audiência. O cidadão esqueceu sua própria autonomia, entregando-a a um sistema que não consegue lidar de imediato com miudezas. Evidente que o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal prevê o chamado princípio da inafastabilidade do Poder Judi- ciário. A questão a ser levantada é justamente o quão ineficaz tal princípio se encontra quando o mesmo vem sofrendo certo abuso daqueles que visa proteger. Quando se vai mais a fundo e se busca um início para o problema, talvez o mesmo se encontre justamente no surgimento e consagração de novos princípios e normas de direitos e garantias que definiram limites em uma esfera mais particular. Essas garantias nascem do dese- jo da população recém-saída de um sistema de governo, que se utilizava da Constituição para satisfazer suas próprias necessidades. O cidadão precisava se sentir amparado pela lei e pelo Estado novamente, mas isso, infelizmente, tornou-se um comodismo. Cabem aqui algumas considerações de Lucas: a consagração de novos direitos e de novos atores fez com que o conflito social se transmutasse da zona política para a seara judicial, campo legítimo para responder as demandas sociais que, agora em diante, também passam a ser questões jurídicas. Instala-se assim uma realidade paradoxal, caracterizada, ao mesmo tempo, pela con- sagração formal de direitos sociais, provocadora de uma explosão de litigiosidade e pela incapacidade da estrutura judiciária em responder a essa mesma explosão, que por problemas de natureza organizacional, quer por problemas advindos da crise teó- rica do modelo liberal de Jurisdição (2005, p. 174). O legislador transformou problemas da vida cotidiana em problemas jurídicos, mas cabe à própria sociedade transmutar essa “deficiência”. Só porque tal garantia (trata-se aqui de ga- rantias normativas que invadem a esfera privada) é encoberta pela lei, necessariamente precisa- -se fazer uso da mesma para resolver um provável surgimento de litígio? 1.1. Uma Justiça Mecânica E se o conflito surgir (e vai) será que pode ser sanado em um órgão cuja mecanicidade impera em contraponto da razão e emoção que são intrínsecos ao problema social que emergiu? 12 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Continua Lucas: [...] do mesmo modo, o judiciário foi estruturado para operar por meio de uma lógica racional-legal que nega a complexidade, que valoriza exageradamente as formalida- des e os procedimentos decisórios de tempo diferido e que mascara a substancialidade dos conflitos sociais e econômicos pela adoção de fórmulas e conceitos reducionistas afinados com uma cultura de conservação do projeto liberal – individualista (2005, p. 178). O sistema atual de jurisdição torna-a fria e cada vez mais distante do jurisdicionado que pretendia ver seus problemas (e novamente, problemas de cunho mais emocional e afetivo) se- rem tratados de forma diferente. O Poder Judiciário e seus representantes existem para validar e interpretar uma norma já existente. Uma norma que nasce de um rito automatizado, sendo assim, como sua aplicação poderia se sobressair de forma diferente? Vale ressaltar mais uma observação de Lucas (2005, p. 179) “o Poder Judiciário molda- do pelo Estado moderno estabelece um conjunto de procedimentos decisórios de base racional- -formal que negam a política e os conteúdos valorativos das demandas sociais”. Ou seja, para o judiciário pouco importa (em razão de sua quantidade massiva de casos) as razões de y ter um desentendimento com x. Ambos farão parte de mais uma das milhares de equações engavetadas nos cartórios judiciais. 1.2 Os problemas da Jurisdição Segundo uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2009,em seu relatório Justiça em Números, há cerca de 8.193 processos por magistrado, é como se cada um deles, para dar conta da demanda, tivesse que analisar 40 processos por dia. Este celebríssimo sistema estatal de justiça é lento e ineficaz para lidar com a quantidade massiva de casos e mais casos que se arquivam em seus gabinetes. Esses casos que surgem aos montes, devido ao fenômeno já mencionado, chocam-se contra a grande muralha burocrática criada pela justiça, e lá se estagnam. Esmiuçando um pouco mais o problema que se vem enfrentando, Spengler (2012, p. 20) delimita a crise do judiciário brasileiro em dois momentos: uma crise de identidade e uma quanto à eficácia. Como o problema de identidade, o judiciário (não só este, mas o Estado como um todo) vem notando que seu espaço, como o grande mediador de conflitos, está sendo reduzido por ou- tros centros3 de poder que se mostram mais aptos a resolver problemas da sociedade moderna. Continua ainda Spengler: 3 Surgimentos de ONGs, parcerias econômicas, movimentos sindicais e demais associações trabalhistas conseguem tratar o litígio (que tem como protagonistas estes mesmos centros e seus associados) de uma forma mais direta e com uma visão muito mais aguçada acerca dos reais interesses de ambos os lados. 13Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem não se pode perder de vista, também, que o aparato judicial para tratar os conflitos atuais serve-se de instrumentos e códigos muitas vezes ultrapassados, ainda que for- malmente em vigor, com acanhado alcance e eficácia reduzida. Tal eficácia e alcance muitas vezes atingem somente os conflitos interindividuais, não extrapolando o do- mínio privado das partes, encontrando dificuldades quando instado a tratar de direitos coletivos ou difusos (2012, p.20). Já na crise de eficiência, o judiciário se vê incapacitado de lidar de forma legítima e razoável com a complexa malha de litígios que emanam da sociedade contemporânea. É uma regra de oferta e demanda (por parte da jurisdição) cada vez mais desbalanceada e frágil. Dito isso, exis- te ainda, entre os cidadãos mais marginalizados, uma total descrença da justiça uma vez que estes desconhecem por completo seus símbolos, ritos e sua linguagem complexa, ora, isso sem falar da demora de um processo que se estende por anos, desnorteando ainda mais o cidadão leigo quanto aos seus reais direitos. Desdobrando-se ainda dentro da crise de eficácia, Spengler leciona mais alguns proble- mas. Primeiramente, quanto à estrutura, “traduzida pelas dificuldades quanto à infraestrutura de instalações, de pessoal, de equipamentos e de custos.” (SPENGLER, 2012, p. 21). Um segundo momento é a chamada crise objetiva; já vista anteriormente, este segmento trata da linguagem extremamente formal usada no rito do processo, o grande problema a ser apontado é que muitas vezes a jurisdição atual põe o rito acima da resolução eficaz do próprio problema. Segue-se então com a crise subjetiva ou tecnológica que encara os problemas dos ope- radores de direito tradicionais, com seus pensamentos já engessados e a dificuldade de se adap- tarem ao dinamismo social presente. Pode-se olhar para a origem desse problema desde as grades curriculares das universidades com um modelo de aprendizado “mecânico e acrítico” desenvolvendo uma cultura focada apenas na leitura de manuais4. O conflito é uma engrenagem importante da máquina judiciária, ao analisar e ao tentar buscar uma resolução para ele é que o direito se locomove, evoluindo e expandido seus con- ceitos e ideias, claro que sempre acompanhando o contexto histórico/social da sociedade que lançará tais conflitos. Já se podem sentir algumas mudanças. O próprio direito moderno que anseia uma cele- ridade processual definitiva buscou e já encontrou formas de resolver litígios que por vezes não cabem na estrutura judiciária de imediato, neste cenário, encontra-se a conciliação, analisada a seguir, como exemplo de via célere e alternativa à jurisdição estatal. 2 CONCILIAÇÃO Conforme o artigo 5ª, XXXV, da Constituição Federal de 1988 “a lei não excluirá da 4 Faculdades de Direito, em boa hora, estão incluindo em seus currículos disciplinas sobre os meios alternativos de solução de conflitos, o que significa o início da mudança da maneira de se fazer justiça e se resgatar a paz social. Não há como o profissional do Direito ser agente de mudança nesse sentido, se teve uma formação baseada única e exclusivamente na cultura do litígio. E o advogado que solucionar conflitos que cheguem ao seu conhecimento através do acordo, além de estar dando solução mais rápida, pacífica e menos onerosa, estará sendo beneficiado, pois receberá seus honorários com mais rapidez e menos trabalho. (SILVA, 2008, p. 29). 14 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988) assim, todos os cidadãos podem acionar o Poder Judiciário para reivindicar os direitos quando estes forem le- sados ou simplesmente ameaçados. Entretanto, como já mencionado, a jurisdição estatal encontra-se sobrecarregada, em decorrência do grande número de demandas que lhe são submetidas cotidianamente, desta for- ma, não consegue resolver de maneira célere e eficaz as pretensões dos cidadãos, fazendo surgir no seio da sociedade um grande sentimento de injustiça. Neste cenário surge a conciliação como um método mais apropriado para aqueles que desejam que seus litígios sejam solucionados com maior rapidez e baixo custo operacional, por exemplo. Pode-se, em síntese, afirmar que a conciliação é um meio através do qual um terceiro apresenta sugestões e opiniões relativas ao conflito, cabendo às partes aceitarem-nas ou não (SPENGLER; OLIVEIRA, 2013). Segundo Calmon (2008, p. 142): entende-se como conciliação a atividade desenvol vida para incentivar, facilitar e au- xiliar a essas mesmas partes a se autocomporem, adotando, porém, metodo logia que permite a apresentação por parte do concilia dor, preferindo-se, ainda, utilizar este vocábulo exclusi vamente quando está atividade é praticada diretamen te pelo juiz ou por pessoa que faça parte da estrutura judiciária especificamente destinada a este fim. Assim, a conciliação apresenta-se como método alternativo à jurisdição estatal e seu principal escopo é a realização de um acordo, buscando, desta forma, que não haja a continua- ção do litígio. Vale destacar que a conciliação pode ser utilizada em quase todos os casos: pensão alimentícia, divórcio, desapropria- ção, inventário, partilha, guarda de menores, acidentes de trânsito, dívidas em bancos e financeiras e problemas de condomínio, entre vários outros. (2014, www.cnj.jus.br). Entretanto, não existe possibilidade de utilizar a conciliação para os casos envolvendo crimes contra a vida (homicídios, por exemplo). E também nas situações previstas na Lei Maria da Penha. (Ex.: denúncia de agressões entre marido e mulher). (2014, www. cnj.jus.br). Percebe-se assim que a conciliação pode ser utilizada para se atingir um acordo para os mais variados tipos de conflitos, entretanto, este método é utilizado, geralmente, no tratamento de litígios em que “as partes não possuam uma relação contínua, deste modo, existe a possibili- dade de pôr um fim ao litígio ou até mesmo ao processo judicial de forma mais rápida e direta” (SPENGLER; SILVA, 2013, p. 135). Segundo Silva, 15Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem a conciliação é, também, uma forma de resolução de controvérsias na relação de inte- resses, administrada por um conciliador, a quem compete aproximá-las, controlar as negociações, aparar as arestas, sugerir e formular propostas, apontar vantagens e des- vantagens, objetivando sempre a composição do conflito pelas partes. (2008, p. 26). Pode-se notar que, na conciliação, existe a presença de um terceiro intermediário,de- signado como conciliador, a tarefa deste é de suma importância e a ele cabe intervir de forma ativa na solução do litígio, podendo, desta forma, apresentar os pontos positivos e negativos do possível acordo. Importante destacar que compete ao conciliador objetivar sempre que as partes alcancem uma solução que coloque um fim real ao seu imbróglio. Assim, percebe-se que neste método não cabe jamais qualquer imposição, ou seja, cabe aos conciliadores a tarefa de tão somente realizar sugestões e/ou propor algum acordo que en- cerre o litígio, entretanto, como já mencionado, são as partes que possuem o poder de aceitar ou não a possível solução dos seus conflitos. Vale destacar que a conciliação apresenta-se como um método alternativo capaz de so- lucionar tanto demandas jurídicas quanto extrajudiciais. Assim, quando já existe um processo, basta que um dos envolvidos no litígio demonstre a vontade de conciliar, isto é, a intenção de realizar um acordo. Em seguida, será marcada uma audiência e nesta as partes terão a oportu- nidade, juntamente com o conciliador, de alcançarem uma convenção que satisfaça a todos os envolvidos. (2014, www.cnj.jus.br). Entretanto, cabe também a chamada conciliação pré-processual que ocorre nos casos em que o conflito ainda não foi judicializado. Desta maneira, podem as partes atingir um resultado que coloque um fim real ao conflito em questão. (2014, www.cnj.jus.br). Através da conciliação, busca-se que a sociedade adquira uma cultura em que os cida- dãos entendam que o diálogo entre os litigantes é a melhor opção para que se chegue a uma solução satisfatória para todos os envolvidos, tendo em vista que além dos diversos aspectos positivos aqui demostrados, ocasiona também uma grande satisfação para as partes. Logo, pode-se perceber que a conciliação encaixa-se no papel de auxiliar do Poder Judiciário, fazendo com que os mais diversos tipos de conflitos, que poderiam demorar anos para serem solucionados pela via tradicional, sejam positivamente solucionados. Assim, sem dúvida, a conciliação está a cada dia se solidificando como método alternativo eficaz, rápido e satisfatório para solucionar litígios das mais diversas searas5. 5 A Conciliação resolve tudo em um único ato, sem necessidade de produção de provas. Também é barata porque as partes evitam gastos com documentos e deslocamentos aos fóruns. E é eficaz, porque as próprias partes chegam à solução dos seus conflitos, sem a imposição de um terceiro (juiz). É, ainda, pacífica, por se tratar de um ato espontâneo, voluntário e de comum acordo entre as partes. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a- a-z/acesso-a-justica/conciliacao. Acesso em: 04 jul. 2014. 16 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 2.1 Principais diferenças entre a conciliação e mediação Como já mencionado, o Judiciário encontra-se sobrecarregado, não conseguindo satis- fazer as pretensões dos cidadãos de maneira eficaz. Logo, a mediação e a conciliação, vistas como métodos alternativos, se fazem cada vez mais necessárias como trajeto alternativo ao Poder Judiciário. Estes meios devem servir para auxiliar a Jurisdição Estatal para que haja um adequado andamento das soluções dos conflitos. Entretanto, é indispensável diferenciar estes métodos alternativos6 para que se possa aplicá-los corretamente, sempre tendo em vista que estes se assemelham por se tratarem de meios em que as partes devem voluntariamente chegar a um acordo que venha a atender as necessidades de todos os litigantes. Tanto a mediação quanto a conciliação buscam a realização de um acordo de vontades, entretanto, diferenciam-se no caminho trilhado, para que seja alcançado este escopo. A mediação é um meio de solucionar conflitos, neste método existe a figura de um ter- ceiro, denominado mediador, o qual não está envolvido no litígio. A tarefa deste é tão somente facilitar o diálogo entre os litigantes e que assim estes possam estabelecer a melhor dissolução para seus problemas. Conforme o Conselho Nacional de Justiça: a Mediação pode ser mais demorada e até não terminar em acordo, como sempre acontece na Conciliação. Mas, mesmo assim, as partes têm considerado a Mediação bastante positiva, pois, ao final dos debates, os envolvidos estão mais conscientes e fortalecidos. (2014, www.cnj.jus.br). Assim, percebe-se que o principal objetivo da mediação não é chegar a um acordo, mas sim restabelecer o diálogo entre as partes e satisfazer os interesses e necessidades daqueles que estão envolvidos no conflito. Logo, a mediação, geralmente, pode ser mais demorada, se comparada à conciliação, e até mesmo não terminar em acordo. Entretanto, mesmo que não se chegue a uma convenção final, as partes saíram ganhando de algum modo. Na mediação, os litigantes devem chegar a uma avença sem que haja a interferência do mediador7, assim estes devem chegar a um acordo voluntariamente e sozinhos. Percebe-se assim que a função deste terceiro é, como já visto, reestabelecer o diálogo entre as partes, não devendo, portanto, conduzir algum acordo, julgar ou aconselhar as partes, pois, deste modo, a mediação seria confundida com a conciliação. 6 A conciliação é conhecida e utilizada em todo o País e, a partir da “Semana da Concilia ção”, ganhou novo impulso e mais adeptos. Diferencia-se, pois, a mediação da conciliação pelo fato de que na segunda o tratamento dos conflitos é superficial, encontrando-se um resultado, muitas vezes parcialmente satisfatório. Já na primeira, existindo acordo, este apresenta total satisfação dos media dos. (SPENGLER, 2014, p. 42). 7 Neste sentido, conforme Spengler, “isso se dá porque a mediação é uma arte na qual o mediador não pode se preocupar em intervir no conflito, oferecendo às partes liberdade para tratá-lo” (2014, p. 54). 17Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Observa-se assim que a tarefa do mediador é de suma importância, pois a ele cabe a difícil missão de manter o equilíbrio entre as partes, detentoras da capacidade decisória. Tendo em vista as semelhanças existentes entre a mediação e a conciliação, estes dois institutos são frequentemente confundidos. Assim, é fundamental a diferenciação destes con- ceitos. Expõe Spengler que a diferença fundamental entre conciliação e mediação reside no conteúdo de cada institu to. Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar o processo judicial ou para nele pôr um pon- to final, se por ventura ele já existe. Na conciliação, o conciliador sugere, interfere, aconselha, e na mediação, o mediador facilita a comunica ção sem induzir as partes ao acordo. Na conciliação, resolve-se o conflito exposto pelas partes sem analisá-lo com profundidade. (2014, p. 104). Em síntese, pode-se afirmar que “na conciliação, o conciliador sugere, interfere, acon- selha, e na mediação, o mediador facilita a comunicação sem induzir as partes ao acordo” (SPENGLER, 2010, p. 36). Logo, pode-se compreender que o terceiro envolvido na concilia- ção, denominado conciliador, poderá intervir de forma ativa no acordo, diferentemente do que acontece na mediação. Desta forma, na conciliação também existe a figura de um terceiro, contudo, este poderá apresentar os pontos positivos e negativos da possível avença, tendo sempre como objetivo a solução do conflito. Conforme Cahali, a conciliação é mais adequada à solução de conflitos objetivos, nos quais as partes não tiveram convivência ou vín- culo pessoal anterior, cujo encerramento se pretende. O conflito é circunstancial, sem perspectiva de gerar ou restabelecer uma relação continuada envolvendo as partes. Exemplos usuais de situações em que a conciliação é recomendada são: acidentes de trânsito e responsabilidade civil em geral; divergências comerciais entre consumido e fornecedor do produto, entre clientes e prestadora de serviços, etc. (2011,p. 37). Importante destacar que a mediação possui como escopo principal reconstituir o diálo- go entre os litigantes, sem esquecer que existe entre estes uma relação anterior ao embate que precisa ser mantida e conservada. Por outro lado, na conciliação, via de regra, não há qualquer relacionamento próximo e contínuo, podendo, assim, buscar um fim imediato à divergência8. 8 Longe de pretender apresentar distinções definitivas entre formas autocompositivas de solução de conflitos, é importante trazer algumas reflexões distintivas entre conciliação e mediação, a partir dos vínculos e relações entre as partes. A conciliação, em um dos prismas do processo civil brasileiro, é opção mais adequada para resolver si- tuações circunstanciais, como uma indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único vínculo é o objeto do incidente), e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes, que não mais vão manter qualquer outro relacionamento; já a mediação afigura-se recomendável para as situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de amizade, de vizinhança, decorrentes de relações comerciais, trabalhistas, entre outros. Como a mediação procura preservar as relações, o processo mediacional bem como conduzido permite a 18 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Vale ressaltar que os acordos alcançados através da conciliação ou da mediação possuem validade jurídica. Assim, caso uma das partes não venha a cumprir o que foi convencionado através da utilização destes métodos, a parte prejudicada poderá recorrer à Jurisdição Estatal. Logo, é fácil perceber a eficácia da conciliação, assim, o Estado, através do Conselho Nacional de Justiça, lançou a campanha denominada “Semana Nacional da Conciliação” para que este método seja amplamente difundido na cultura jurídica brasileira e se possa pôr em prática a sua real celeridade. 3 EFICÁCIA DA UTILIZAÇÃO DA CONCILIAÇÃO ATRAVÉS DE RESULTADOS PRÁTICOS OBTIDOS NA SEMANA NACIONAL DA CONCILIAÇÃO NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS Em decorrência da atual deficiência em que se encontra o Poder Judiciário, consequên- cia do acúmulo de demandas, cada vez mais a sociedade clama por meios de dirimir os conflitos de maneira mais célere e eficaz. Assim, o Concelho Nacional de Justiça (CNJ) criou a “Semana da Conciliação”. Essa iniciativa acontece anualmente como resultado das ações do CNJ e dos tribunais que visam com este instituto incrementar a cultura do diálogo no país. (2014, www.cnj.jus.br). Conforme o CNJ, a Semana Nacional da Conciliação trata-se de campanha de mobilização, realizada anualmente, que envolve todos os tribunais brasileiros, os quais selecionam os processos que tenham possibilidade de acordo e intimam as partes envolvidas para solucionarem o conflito. A medida faz parte da meta de reduzir o grande estoque de processos na justiça brasileira. (2014, www.cnj.jus.br). Para que um processo integre a Semana Nacional da Conciliação é necessário que os tribunais participantes o selecionem, vale destacar que somente serão escolhidos aqueles casos em que existam chances de se obter um acordo9. Entretanto, todos aqueles cidadãos que tenham desejo de ter seu litigio incluído na campanha podem procurar com antecedência o tribunal em que seu processo tramita. (2014, www.cnj.jus.br). manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante e depois da discussão da causa. (BACELLAR, 2011, p. 35-36). 9 As conciliações pretendidas durante a Semana são chamadas de processuais, ou seja, quando o caso já está na Justiça. No entanto, há outra forma de conciliação: a pré-processual ou informal, que ocorre antes do processo ser instaurado e o próprio interessado busca a solução do conflito com o auxílio de conciliadores e/ou juízes. (CNJ. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao. Acesso em: 10 jul. 2014). 19Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. A Semana da Conciliação utilizando-se de frases de impacto, tais como: “Quem concilia sempre sai ganhando” e “Conciliar é Legal”, conseguiu se fortalecer e, felizmente, hoje está difundida em todo país. Sua duração difere a cada ano. No ano de 2011, a campanha durou 5 dias, já em 2012, a duração foi de 8 dias, a maior dos últimos anos. Vale destacar que inicialmente, em 2006, a campanha chamava-se “Dia Nacional da Conciliação”, tendo em vista que ocorria somente em um único dia. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. A Semana da Conciliação conta com uma força de trabalho que envolve magistrados, juízes leigos, conciliadores e entre outros colaboradores10. O ano de 2012 foi o que contou com 10 A Semana da Conciliação envolve um número grande de magistrados e colaboradores, o que mui tas vezes significa 20 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem a maior força de trabalho, sendo este número expressamente superior aos outros anos. Pode-se perceber que este valor elevado traz impacto no número de pessoas atendidas por participante, como se pode observar: Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. gastos consideráveis e um acúmulo de processos a serem movimentados e julgados nos dias que antecedem a tal semana (organização e preparação), nos dias de sua realização (em função das audiências) e posteriormente (no momento de tabular e informar dados). O ideal seria que a conciliação fosse proposta e realizada por profissionais autônomos, preparados especialmente para o cargo e, tal como a previsão para os mediadores, remunerados para tanto. Essa alternativa evitaria o desvio da função de serventuários e especialmente magistrados, cuja principal incumbência é julgar. (SPENGLER, 2014, p. 37). 21Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem O maior número de pessoas atendidas na Semana da Conciliação foi constatado no ano de 2011, mas este índice se mantém com baixas quedas na comparação entre os anos de 2011 e 2013. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. A cada ano o número de acordos efetivados vem crescendo. Assim, conforme o gráfico abaixo, observa-se que no ano de 2013 este número foi significativo: Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. A Justiça Federal é a que conta com a maior porcentagem de acordos efetivados, haven- 22 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem do inclusive um aumento significativo a cada ano. Por outro lado, a Justiça do Trabalho é a que possui a menor porcentagem. Essa diferença talvez ocorra pelo tipo de litígio que tramita em cada Justiça, tendo em vista que na Justiça Comum são menores os impedimentos legais para que se realize a conciliação: Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. Importante também destacar o comparativo entre o número de audiências marcadas e realizadas11 no decorrer destes últimos três anos, observando que houve um aumento no número destas, se comparado ao decréscimo do número daquelas: 11 Conforme Spengler, as audiências marcadas e não realizadas são “um entrave, uma vez que cada audiência marcada e não realizada significa um possível acordo não feito em outro processo que não teve oportuni dade de passar pela conciliação”. (2014, p. 38). 23Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. Em uma análise geral, os resultados alcançados pela Semana da Conciliação são positi- vos e a cada ano vêm sendo obtidosporcentagens maiores. Assim, com os dados apresentados, percebe-se que esta campanha lançada pelo CNJ vem, ano após ano, fortalecendo-se e sendo difundida no país, auxiliando assim, para que os meios alternativos à jurisdição ganhem força na cultura, esta que, muitas vezes, influencia para que o diálogo perca lugar para o conflito. CONCLUSÃO O Estado Brasileiro, através do Poder Judiciário, enfrenta, atualmente, uma crise advin- da da sobrecarga de demandas que lhe são submetidas cotidianamente. Logo, este não consegue 24 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem solucionar de modo eficaz todas as pretensões, fazendo surgir um sentimento de injustiça nos cidadãos ao verem que seus anseios não estão sendo analisados como deveriam, tendo em vista que a gama de direitos assegurados na legislação não é efetivamente cumprida e garantida jus- tamente por aquele que possui como missão tal compromisso. A busca por soluções eficazes e céleres se tornou o escopo na sociedade atual, munida de intensa atividade social. Neste cenário, surge a conciliação como método alternativo ao tra- tamento de litígios. Quando se está diante de um conflito e se pretende solucioná-lo, via de regra, existem dois caminhos aptos a serem seguidos. O primeiro, e tradicional, será a busca pela jurisdição estatal, a qual irá julgar o embate, impondo, assim, uma decisão. Já na segunda via, encontra-se a autocomposição, isto é, um trajeto alternativo em que se aplicarão técnicas diversas para que os litígios sejam solucionados de forma célere e eficaz – como exemplo desta modalidade en- contram-se a conciliação e a mediação. A diferenciação entre mediação e conciliação é significante e de suma importância. Assim, pode-se apresentar a conciliação como um meio alternativo em que as partes buscam a solução do seu litígio com o auxílio de um terceiro imparcial, denominado conciliador, que deve auxiliar os litigantes a chegarem a um acordo satisfatório para todos. Este método é mais utilizado para relações não contínuas, nas quais se pode colocar um fim imediato ao embate. Já na mediação, as partes devem alcançar uma avença sem a interferência direta do ter- ceiro, denominado de mediador. Além disso, este método é mais empregado para relações con- tínuas, em que seja imprescindível manter e conservar o relacionamento das partes. Percebe-se assim que o mediador não possui um papel ativo quanto à constituição do acordo. O gradativo aumento do número de conflitos que se apresentam no cenário nacional tem acarretado o exaurimento do Poder Judiciário, fazendo com que a via tradicional de resolução de conflitos não mais acompanhe os anseios da sociedade contemporânea. Assim, neste panorama, a conciliação deve ser vista como aquele método que visa pro- porcionar uma prática alternativa à jurisdição estatal. Além disso, este meio vem ganhando cada vez mais um papel de destaque no que tange a solução de conflitos, pois atende às pretensões dos cidadãos ao solucionar seus embates de forma rápida, eficaz e com baixo custo, se confron- tado com o Poder Judiciário. Logo, a conciliação apresenta-se como uma via alternativa e eficaz, conforme os nú- meros apresentados na Semana Nacional da Conciliação, para dirimir os mais diferentes tipos de litígios e, desta forma, adapta-se impecavelmente na função de caminho auxiliar ao Poder Judiciário, tendo em vista que colabora para desafogar esta função imprescindível para o bom desenvolvimento da sociedade atual. 25Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem REFERÊNCIAS ARRUDA ALVIM NETO, Jose Manuel de. Manual de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Ed. RT. 2011. BACELLAR, Roberto Portugal. O Poder Judiciário e o paradigma da guerra na solução de conflitos. In: PELUSO, Antonio Cezar e RICHA, Morgana de Almeida (Coord). Conciliação e mediação: estruturação da Política Judiciária Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas- -de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao>. Acesso em: 05 mai. 2014. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas- -de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/semana-nacional-de-conciliacao>. Acesso em: 05 mai. 2014. LUCAS, D. B. A Crise Funcional do Estado e o cenário da Jurisdição desafiada. In: MORAIS, José Luis Bolzan de (Org). O estado e suas crises. Porto Alegre: livraria do advogado editora, 2005. SILVA, Antônio Hélio. Arbitragem, Mediação e Conciliação. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Mediação, arbitragem e conciliação. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, v. 7. p. 17-38. SPENGLER, F. M. Retalhos de Mediação. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2014. SPENGLER, F. M. ; SPENGLER NETO, Theobaldo . A busca pacificação através das téc- nicas de composição de conflito baseadas na negociação. Diritto & Diritti, v. 29865, p. 1-21, 2010. Disponível em: <http://www.diritto.it/docs/29865-a-busca-da-pacifica-o-atrav-s-das-t-c- nicas-de-composi-o-de-conflito-baseadas-na-negocia-o>. Acesso em: 09 jul. 2013. SPENGLER, Fabiana Marion. A mediação como alternativa à jurisdição no tratamento de conflitos. Revista da Ajuris, v. 35, p. 119-138, 2008. 26 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdição à mediação: por uma ou tra cultura no tratamen- to de conflitos. Ijuí: Unijuí, 2010. SPENGLER, Fabiana Marion.; WARTSCHOW, E. A crise da jurisdição e a cultura da paz: a mediação como meio democrático, autônomo e consensuado de tratar dos conflitos. Revista da Ajuris, v. 117, p. 131-142, 2010. SPENGLER, Fabiana Marion; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Mediação e Arbitragem: Al- ternativas à jurisdição. 3. ed. rev. e atual. com o Projeto de Lei do novo CPC brasileiro (PL 166/2010), Resolução 125/2010 do CNJ. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. SPENGLER, Fabiana Marion; OLIVEIRA, Luthyana Demarchi de. O Fórum Múltiplas Por- tas como política pública de acesso à justiça e à pacificação social. Curitiba: MULTIDEIA, 2013. SPENGLER, Fabiana Marion; SILVA, Caroline Pessano Husek. Mediação, Conciliação e Ar- bitragem como Métodos Alternativos na solução de conflitos para uma Justiça célere e eficaz. Revista Jovens Pesquisadores, v. 3, p. 124, 2013. 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Orientador: Fabiana Marion Spengler. 27Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem O FÓRUM MÚLTIPLAS PORTAS E OS POSSÍVEIS CAMINHOS PARA SOLUCIONAR OS CONFLITOS Helena Pacheco Wrasse Aluna do 10º semestre (graduanda) do curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, integrante do Grupo de Pesquisas: Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estra- tégias na resolução de conflitos. Guilherme Garibaldi Dornelles Aluno do 8º semestre do curso de Direito da Universidade de Santa Cruzdo Sul – UNISC, integrante do Grupo de Pesquisas: Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos. INTRODUÇÃO As relações sociais são marcadas por duas situações distintas: a harmônica e a conflitiva. Tem-se a primeira como a regra e a segunda como a exceção. A exceção acontece quando não se alcança o equilíbrio social e a igualdade. Dessa forma, busca-se a ordem e a estabilidade através da norma jurídica e do contrato social. E, quando não ocorre o cumprimento espontâneo de ambos, cabe ao Estado a tarefa de solucionar os conflitos sociais. O Estado (detentor do monopólio jurisdicional) designou o Poder Judiciário como sen- do a tradicional instituição para resolver controvérsias. No entanto, essa instituição se encontra em desequilíbrio decorrente das dificuldades e perturbações enfrentadas pelo Estado. Nesse contexto foi introduzido o Fórum Múltiplas Portas como meio eficaz de tratamen- to de conflitos. O Fórum consiste basicamente na análise da controvérsia e no encaminhamento dela para a alternativa (“porta”) considerada adequada para o tratamento daquela problemática. São apresentadas como “portas” as seguintes alternativas: a adjudicação, a arbitragem, a media- ção, a negociação, a conciliação, o julgamento privado, a análise neutra dos fatos através de um perito, o mini-trial, o ombudsman, summary jury trial e o med-arb ou arb-med. 1 CARACTERÍSTICAS E FUNCIONAMENTO Foi em uma Conferência realizada nos Estados Unidos, em 1976, através do trabalho do Professor Frank Sander da Universidade de Harvard que a sistematização do Fórum Múltiplas Portas ocorreu. O trabalho do Professor Sander se intitulava Varieties of Dispute Processing 28 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem (BARBOSA, 2003) e abordava a possibilidade de introduzir no Poder Judiciário americano “múltiplos mecanismos de resolução de conflitos por meio de métodos alternativos” (NUNES; SALES, 2010, p. 217). De uma forma básica, a estrutura do Fórum se dá da seguinte maneira: a partir do conhe- cimento do conflito é realizada uma análise do mesmo, tentando identificar qual a forma mais eficaz de tratá-lo. Uma vez feita a triagem, ele é encaminhado para uma das “portas”, ou seja, para o mecanismo que melhor lhe convier. A princípio, cabe ressaltar que não existe uma determinação exata quanto aos proce- dimentos adequados a serem usados em um fórum de múltiplas portas, apenas alguns cuja utilização é comum dentro do sistema. Portanto, outros métodos poderiam ser criados e utilizados com ligeiras adaptações (BARBOSA, 2003, p. 250). Trata-se de uma ideia aparentemente simples: encaminhar o conflito para a alternativa/ opção adequada para solucionar o problema. Contudo, é extremamente complexa a sua execu- ção, considerando que deve ser realizada a seleção dos casos. De acordo com Goldberg, Sander, Rogers e Cole (2007) existem quatro procedimentos “primários” de resolução de conflitos, são eles: a adjudicação, a arbitragem, a mediação e a negociação, por outro lado, ainda que não conste nessa classificação, mais um método ampla- mente difundido no Brasil e nos Estados Unidos é a conciliação (BARBOSA, 2003). Os autores também apresentam cinco modalidades denominadas “híbridas”, que resultam da combinação ou mescla dos sistemas primários, quais sejam: o julgamento privado, a análise neutra dos fatos através de um perito, o mini-trial, o ombudsman e o summary jury trial. Dentre os híbridos, também é defendido pelos autores o procedimento intitulado med-arb ou arb-med, resultado da combinação da mediação e da arbitragem. Mesmo havendo essa distinção entre primários e híbridos, é importante destacar que “não há hierarquia ou prevalência entre eles, nem entre eles e o poder Judiciário. A proposta é que se visualize a adequação ao caso concreto, ao conflito que por se caracterizar distinto re- quer mecanismos diversos de resolução” (NUNES; SALES, 2010, p. 218). Dessa forma, feita a devida triagem, o objetivo é encaminhar o conflito para a “porta” que lhe for a mais apropriada. No caso do conflito não se adequar a nenhuma, ele será encaminhado para o procedimento de adjudicação, qual seja, o Poder Judiciário. Não existe a necessidade de se ofertar todos os mecanismos mencionados para que o Fórum seja denominado Múltiplas Portas: pode acontecer de um Fórum disponibilizar somente a mediação e a arbitragem como alternativas ao Judiciário. Tem-se a possibilidade de um Fórum que disponha de métodos entendidos como mais eficazes em face da realidade social e da cul- tura da região ou país em que são aplicados ou difundidos. A ideia da criação do Fórum, apesar de nascida nos Estados Unidos, pode ser usada e adaptada em diversos países. 29Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem “O fórum de múltiplas portas é talvez o mecanismo de institucionalização sistemática dos métodos alternativos de resolução de disputas mais abrangente no âmbito do setor público” (BARBOSA, 2003, p. 248). A esse respeito, acredita-se que se houvesse a implementação do Sistema Múltiplas Portas no Brasil, este iria aprimorar a prestação jurisdicional, tornando-a mais ajustada à realidade das partes e contribuindo para a construção de soluções e tratamentos mais céleres e eficazes. Visto que se trata de um Sistema com um funcionamento diferenciado. A maior particularidade do Múltiplas Portas se dá em sua fase inicial, na qual os confli- tos são analisados e distribuídos para a “porta” na qual terão maior chance de êxito no seu trata- mento. Por exemplo, no caso de uma situação envolvendo familiares e relações continuadas, o encaminhamento será diverso daquele proferido em uma circunstância na qual configura como parte uma instituição bancária ou pessoas que nem se conheçam. Essa racionalização da solu- ção das controvérsias é o que faz a diferença, pois visa achar o procedimento mais compatível com o problema, conseguindo assim ampliar as vantagens e chances de êxito e, por conseguin- te, reduzir as desvantagens. Ainda nessa linha de raciocínio, é importante considerar que o número de métodos alternativos oferecidos pelas cortes varia muito, desde um ou dois além do jurídico-tradicional, até uma ampla gama de procedimentos. A utilização de poucos procedimentos permite concentrar energias e recursos em programas de de- senvolvimento desses processos para lograr alta qualidade nos métodos selecionados. [...]. A utilização de vários procedimentos permite uma maior adaptabilidade destes às necessidades particulares de cada controvérsia. Entretanto, cria o risco de criação de programas sem a qualidade necessária para contribuir para o desenvolvimento do Judiciário (BARBOSA, 2003, p. 256). Entende-se que é viável a ocorrência/oferecimento de mais métodos em um único Sis- tema, no entanto, deve-se ter mais cautela ao se lidar e administrar um Fórum Múltiplas Portas com essas características. Nesse sentido, cabe destacar, que os métodos alternativos de resolu- ção de controvérsias não são estanques e também, que não se trata de um rol taxativo. A difi- culdade e ao mesmo tempo a beleza desse Sistema é que é permitida a flexibilização no senso de apropriar o procedimento ao problema. Sendo assim, é muito trabalhosa a fase de triagem, devendo-se definir parâmetros e meios de identificar as causas do conflito, a fim de ser realizada a devida distribuição, além disso, muitas vezes, o verdadeiro problema, gerador da controvér- sia, encontra-se mascarado em meio a outros. Outrossim, por permitir que sejam feitas com- binações de procedimentos é que se diz não haver um rol taxativo. Seria o caso dos processos híbridos, que para melhor tratarem o verdadeiro problema, surgiram de ajustes realizados entre outros métodos preexistentes. Dependendo do tribunal em que o Sistema estiver estabelecido, o encaminhamento po- derá ser feito de diferentesmaneiras, como, por exemplo, a partir da análise dos tipos de con- trovérsias ou levando em consideração o valor atribuído a causa. Pode acontecer das próprias 30 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem partes quererem participar de um determinado mecanismo ou do juiz indicar um que achar ser apropriado ao caso. Ou ainda, da triagem ocorrer por meio de funcionários capacitados para tanto (BARBOSA, 2003). Nesse propósito, dentre as “portas” utilizadas, encontram-se aquelas fundamentadas nos princípios da autocomposição e aquelas baseadas na heterocomposição. Ter essa noção é essen- cial no momento de avaliar o caminho que será destinado ao conflito em questão. Basicamente, o que se tem na autocomposição é a tentativa das próprias partes de comporem uma solução para o problema. Já na heterocomposição existe a intervenção de um terceiro que auxilia na resolução da disputa. Também é interessante referir quanto à voluntariedade ou compulsoriedade de partici- pação nesses procedimentos. Alguns tribunais encaminham os casos para os métodos alternati- vos de forma obrigatória, sendo as pessoas compelidas a participar; outros o fazem de maneira voluntária, ou seja, consideram a opinião das partes quanto à oposição ou à anuência em fazer parte daquele procedimento. Há, ainda, aqueles que defendam uma conciliação dessas duas correntes, tendo-se um tribunal misto, que para em certos tipos de casos se tenha a obrigatorie- dade e para outros não. Nota-se que muitas são as variáveis a serem consideradas na hora de realizar o enca- minhamento do problema à saída considerada mais justa, além do que são diversas as formas de funcionamento e adaptações permitidas nos tribunais para que estes desenvolvam o Fórum Múltiplas Portas. Por isso, muito depende do tribunal e do lugar onde esse se encontra para se- rem estabelecidas as estratégias de administração do Fórum que ali se pretender situar. A partir do exposto, é possível compreender o que se objetiva com a aplicação e desen- volvimento de um Sistema como esse, cunhado na especialidade e na humanização das contro- vérsias. Através dele cria-se uma série de alternativas, que busca satisfazer os anseios das par- tes, tenta-se proporcionar àquele ambiente no qual a pessoa se sinta confortável para enfrentar/ lidar com o seu problema. Não se trata apenas de uma solução para desafogar o Judiciário, mas também, de um meio que possibilita o atendimento dos anseios sociais. Dessa forma, com a pretensão de explorar a aplicabilidade do Fórum Múltiplas Portas no cenário brasileiro é o item que segue. 2 AS “PORTAS” UTILIZADAS PARA O TRATAMENTO DOS CONFLITOS Agora, com uma ideia geral do que trata e de como funciona o Fórum Múltiplas Portas é pertinente fazer uma apresentação e conceituação das “portas” que compõem essa sistemática, a fim de que sejam compreendidas quanto ao seu procedimento e quanto à forma de conduta de cada um dos seus participantes, dando um enfoque àquelas mais conhecidas e difundidas no Sistema de Justiça Brasileiro, quais sejam: a negociação, a mediação, a conciliação, a arbitra- 31Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem gem e a adjudicação. 2.1 Negociação Dessa feita, começar-se-á com a negociação, que é a forma mais comum de tratamento de conflitos. Ela funciona diretamente entre os interessados, não havendo a intervenção de ter- ceiros. Sendo assim, “os envolvidos buscam a solução por eles mesmos, por meio da conversa” (NUNES; SALES, 2010, p. 218), classificando-se como um mecanismo autocompositivo, ba- seado na exposição daquilo que se pensa e se quer e na escuta dos interesses do outro, preten- dendo-se uma resolução. Segundo Goldberg, Sander, Rogers e Cole (2007), a negociação é essencialmente vo- luntária e havendo o consenso, confeccionar-se-á um contrato entre as partes, não existindo a figura de um terceiro facilitador; normalmente é informal e não há instrução, não está vincu- lada à apresentação de provas e evidências, o que se objetiva é o acordo mútuo. Negociação é comunicação com um propósito persuasivo: negocia-se sobre quase tudo, desde onde sair para jantar com os amigos, que filme assistir no cinema e assim por diante. Muitos dos casos que chegam aos escritórios de advocacia seriam facilmente resolvidos por meio da negociação entre as partes. Existem muitas técnicas que podem ser úteis na hora de negociar: fazer uma oferta ini- cial maior do que a que se deseja, quando for do seu interesse deixar que a outra pessoa faça a primeira proposta; esclarecer desde o início as suas principais demandas; fazer com que a outra pessoa se comprometa primeiro e, no caso do advogado, ele deve deixar claro para o seu cliente o que está sendo acordado; fazer com que o adversário se sinta bem com o que está sendo tra- tado, dentre outras. Na cultura do litígio,11objetiva-se ganhar1 sempre, o caso só é bom ou vantajoso para si se o outro perder. Esse tipo de comportamento deveria ser desincentivado na sociedade, visto que um bom acordo pode ser metade pra si, metade para o outro. Dentre as características da negociação, pode-se mencionar que se trata de um méto- do que objetiva a comunicação bilateral, valorizando assim, a importância do diálogo para se chegar ao acordo (flexibilidade) e, funcionando dessa forma ela possibilita a produção de resultados e benefícios prolongados/duradouros para os partícipes. Também é interessante, no momento em que se pretender uma negociação, estabelecer estratégias, como: “a) objetivos tangíveis; b) objetivos emocionais e simbólicos; c) resultados desejados; d) impactos esperados nos relacionamentos” (DANTE; ALMEIDA, 2006, p. 20). Nesse viés, tem-se o planejamento da negociação e, para tanto, é fundamental a observação de certos requisitos: a) separar as pes- soas do problema; b) concentrar-se nos interesses; c) buscar alternativas de ganhos mútuos; d) encontrar critérios objetivos (DANTE; ALMEIDA, 2006, p. 21, 22). 1 Cultura do litígio é a cultura do conflitar, do discutir, do brigar. É o contrário de consenso. 32 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Os autores Dante e Almeida (2006) trabalham os diferentes estilos de negociador, eles analisam as classificações elaboradas por Jung, Gottschalk e Lifo. Sendo assim, ponderam na classificação de Jung os seguintes estilos: restritivo (negociadores que formulam um acordo quando forçados para tanto, imaginam que as pessoas somente ajem em prol dos seus interes- ses, também visam à obtenção da vitória, que é a única solução considerada aceitável); ardiloso (objetivam sobreviver à negociação, bem como manter o status quo, a fim de chegar a qualquer resultado, acreditam que as pessoas não podem ser influenciadas por outras); amigável (trata-se de um negociador cooperativo, equipado com espírito esportivo que faz um exame amplo da situação que lhe é dada, além disso, visa à manutenção do relacionamento, mesmo que não se chegue a um acordo substancial) e confrontador (busca um acordo sólido, objetivando o melhor acordo global em conformidade com circunstâncias existentes). Ainda com relação aos estilos de negociador, as categorizações elaboradas por Gotts- chalk são: estilo duro (dominante, agressivo e voltado para o poder); estilo caloroso (apoiador, compreensivo e voltado para as pessoas); estilo dos números (analítico, conservador e orienta- do para as questões); estilo negociador (flexível, comprometido e orientado para os resultados). Sobre esse aspecto, Lifo faz a divisão entre o negociador “dá e apoia”, cuja principal caracte- rística é a receptividade; o negociador “toma e controla”, marcado como uma pessoa explora- dora; o negociador “mantém e conserva” (acumulador) e o “adapta e negocia”, que objetiva a formulação de trocas. Percebe-se que, apesar dos diferentes nomes para os estilos, eles estão correlacionados de alguma forma, poispossuem características em comum, por exemplo, na classificação dada por Jung, está o negociador restritivo, na de Gottschalk existe o estilo duro e, por fim, na divisão criada por Lifo, o estilo toma e controla, todos reúnem as mesmas qualidades preponderantes, qual seja: maior firmeza, controle, busca pelo poder na hora de negociar. A negociação é um instituto amplo, que pode ser definido de diversas maneiras, po- dendo também funcionar na forma assistida, todavia, quando isso ocorrer, esse instituto se confunde com o da mediação, visto que o terceiro que se apresenta não pode interferir na nego- ciação. Dessa feita, é imprescindível conhecer um pouco mais acerca da mediação e o que ela representa. 2.2 Mediação De grande validade em nosso Sistema, a mediação pode ser “definida como a interferên- cia – em uma negociação ou em um conflito – de um terceiro com poder de decisão limitado ou não autoritário” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 131). Esse terceiro irá ajudar as partes a che- garem de maneira voluntária em um acordo, como um meio de reestabelecer a comunicação. Trata-se de um método autocompositivo, uma vez que, o terceiro não interfere na decisão, esta é tomada pelos envolvidos. Vale ressaltar que a mediação visa atingir a satisfação dos interesses 33Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem e das necessidades dos que estão envolvidos na disputa. Um dos objetivos da mediação é criar um espaço informal e democrático, no qual, ocorre a tentativa de restaurar relacionamentos prolongados. Trata-se de uma instituição que se caracteriza por possuir maior rapidez e eficácia no tratamento dos conflitos, pois além de ser menos dispendiosa torna o processo mais célere e tende a resolver os litígios de forma mais rápida do que nos processos judiciais. Esse fator se deve em grande parcela à oralidade, porque é um espaço que propicia o debate dos problemas. Decorrente dessas características pode-se destacar a reaproximação dos participantes, bem como a preservação da relação entre as partes envolvidas. O uso da mediação proporciona o alcance ou a aproximação da tão desejada paz social. Dentre as principais características da mediação estão a privacidade, a economia finan- ceira e de tempo, a oralidade, a autonomia, o equilíbrio das relações entre as partes, a prevenção e o tratamento dos conflitos (MORAIS; SPENGLER, 2012). O papel do mediador é de extrema relevância, pois é ele que de forma neutra e imparcial tentará restabelecer a comunicação entre os envolvidos no conflito, ou seja, ele é quem procura aproximar os participantes, identificando os pontos que geram o litígio, para que se produza um acordo, deixando bem claro que o acordo é dos partícipes e não do mediador. Este não pode dar sugestões nem interferir no acordo. Segundo Moore (1998), existem três grandes classes de mediadores: a) mediadores de rede social; b) mediadores com autoridade; e c) mediadores independentes. O mediador de rede social é aquele que já possui relacionamento anterior e futuro esperado com as partes, é aquela pessoa que atua na sua comunidade, podendo ser um vizinho, uma autoridade religiosa ou um colega de trabalho; ele não é necessariamente imparcial, mas é considerado por ser justo e estar interessado em auxiliar os conflitantes. Em geral, ele continuará a se relacionar com as partes após a realização da mediação e pode fazer uso da sua função social para incentivar um acordo. Na classe dos mediadores com autoridade existe uma subdivisão, estando os mediadores subclassificados como benevolente, administrativo e com interesse investido. O benevolente pode ou não ter um relacionamento continuado com as partes, ele visa solucionar o problema de uma maneira satisfatória para todos os interessados. Via de regra, ele é imparcial no que tange à discussão central do conflito, possui autoridade para sugerir e interferir e lhe é possibilitado recurso para o acompanhamento do cumprimento do acordo. Já o administrativo desenvolve em conjunto com as partes uma solução para o problema e possui autoridade para propor o acordo. Por fim, o mediador com interesse investido busca a melhor satisfação dos seus interesses, po- dendo ser coercitivo. A terceira grande categoria defendida por Moore (1998) é a do mediador independente, que, por sua vez, é a classe aceita neste trabalho. Ela aborda o mediador como um ser neutro e imparcial, tanto com relação às partes, como em consideração aos resultados a serem objetiva- dos, serve aos desejos das partes, é um profissional que busca uma solução conjunta aceitável, voluntária (não coercitiva) e elaborada pelos partícipes. Assim, não possui autoridade para im- 34 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem por um acordo, bem como pode ou não estar envolvido com a sua monitoração, posteriormente ao momento da mediação. Sendo o mediador neutro diante dos fatos, existe maior possibilidade da mediação atin- gir o seu objetivo principal: “a responsabilização dos protagonistas, capazes de elaborar, eles mesmos, acordos duráveis” (SILVA, 2008, p. 25); pois a grande vantagem desse procedimento é a restauração do diálogo, da comunicação entre as partes. O mediador aproxima as partes, ele facilita o acordo. Nesse sentido, Vasconcelos (2008, p. 36) defende que na mediação os mediandos não atuam como adversários, mas como corresponsáveis pela solução da disputa, contando com a colaboração do mediador. Daí por que se dizer que a facilitação, a mediação e a conciliação são procedimentos não adversariais de solução de disputas, diferentemente dos processos adversariais, que são aqueles em que um terceiro decide quem está certo, a exemplo dos processos administrativos, judiciais ou arbitrais. Nesses termos, o que se busca não é a verdade real, mas sim, a verdade para que as par- tes satisfaçam as suas pretensões, não importando se os fatos se deram exatamente da maneira acordada. Objetiva-se o consenso e não descobrir um culpado pela origem do conflito. Nesses moldes, Spengler (2011, p. 215) destaca: importante apreciar a forma como a busca e o culto pela verdade diferencia o trata- mento dos litígios realizados por modelos heterocompositivos daqueles de caráter autocompositivo. Podemos trabalhar com a perspectiva de uma verdade consensual que se opõe à verdade processual, de uma responsabilidade que não desemboca em uma sanção, mas na possibilidade de escolha das partes, na ausência da figura do juiz, na presença do mediador – figura que guia as pessoas no tratamento do conflito sem, todavia, impor uma decisão. Com base nesses argumentos é possível deduzir o caráter democrático do procedimento mediativo, porque ele rompe, “dissolve os marcos de referência da certeza determinados pelo conjunto normativo” (SPENGLER, 2011, p. 215). A mediação acolhe o conflito, possibilitando um tratamento que resulte na evolução social, apostando em uma estratégia partilhada. Cahali (2011, p. 57), explica que pode soar estranho, até mesmo às partes, em um primeiro momento, submeter-se à mediação para, no final, consumido tempo e recursos, ainda ser necessário a solução adjudicada (por arbitragem ou processo judicial). Mas para os profissionais da área, e para aqueles que se submeteram ao procedimento, há o reconhecimento do efeito po- sitivo da mediação, na inter-relação e na forma como o conflito será a partir de então conduzido. O “tratamento” gera no mínimo a conscientização das posições, a redução do desgaste emocional, o arrefecimento da animosidade, e o respeito às divergências. Dessa forma, é possível notar que a mediação não visa unicamente à estruturação de um acordo, cria-se uma expectativa em torno daquilo que será melhor para as partes, justificando-a 35Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem como um processo de amadurecimento pessoal, que interfere diretamente na evolução da so-
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