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Fig. 13-4 Hematopoiese normal, aspirado de medula óssea de cão. Coloração de Wright. ESE, estágio eritroide precoce; ESM, estágio mieloide precoce; LSE, estágio eritroide avançado; LSM, estágio mieloide avançado. (Cortesia de Dr. M.M. Fry, College of Veterinary Medicine, University of Tennessee.) Regulação da hematopoiese O controle da hematopoiese é complexo, apresentando muitas redundâncias, mecanismos de feedback e vias que tangenciam outros processos fisiológicos e patológicos. Muitas citocinas influenciam células de diferentes linhagens e estágios de diferenciação. O objetivo desta seção não é explicar as vias regulatórias em detalhes; mas, em vez disso, fornecer ampla visão geral e, assim, uma base para o entendimento dos mecanismos das doenças que envolvem o sistema hematopoiético. Eritropoiese Eritropoiese — de erythros (vermelho, em grego) — se refere à produção de glóbulos vermelhos do sangue, ou eritrócitos, cuja principal função é a troca gasosa (oxigênio [O2] e dióxido de carbono [CO2]). O regulador dominante da eritropoiese é uma glicoproteína, convenientemente denominada eritropoetina (Epo). A Epo atua sobre as células progenitoras eritroides nos estágios mais iniciais juntamente com outras citocinas, incluindo interleucinas (IL-3, IL-4 e IL-9), fator estimulante de colônia granulocítica-monocítica (GM-CSF) e fator de crescimento semelhante à insulina. A Epo é sintetizada principalmente nos rins e exerce seus efeitos promovendo a proliferação e inibindo a apoptose dos precursores eritroides em desenvolvimento que expressam receptores para Epo. A hipóxia é o estímulo para aumentar a produção de Epo. Devido ao fato de os eritrócitos sintetizarem hemoglobina, da qual o ferro é um componente essencial, a eritropoiese necessita de disponibilidade adequada de ferro. Existem sistemas fisiológicos para conservar e reciclar o ferro, como será discutido adiante. O precursor eritroide em estágio mais precoce identificável por meio de microscopia de luz é o rubriblasto, que sofre divisões no processo de maturação para produzir uma progênie de 8-32 células. Os precursores eritroides no estágio tardio, conhecidos como metarrubrícitos, expulsam seus núcleos e tornam-se reticulócitos, que são células no estágio de maturação imediatamente anterior ao eritrócito maduro. Os reticulócitos iniciam sua maturação na medula óssea e a terminam na circulação sanguínea periférica e no baço (os equinos são uma exceção, pois não liberam reticulócitos na circulação, mesmo em situações de demanda aumentada). O tempo de transformação de rubriblasto até eritrócito maduro é de aproximadamente 1 1836 semana. Diferentemente dos eritrócitos maduros, que não possuem organelas, os reticulócitos ainda mantêm ribossomos e mitocôndrias, principalmente para dar suporte à finalização da síntese da hemoglobina. Essas organelas remanescentes conferem um tom aproximadamente azul-púrpura aos reticulócitos (policromasia) observados em esfregaços sanguíneos corados pelas técnicas de rotina e, quando corados com corante como o novo azul de metileno, precipitam agregados azul- escuros e irregulares (Fig. 13-5). Os gatos também têm uma forma mais imatura de reticulócito na circulação, o reticulócito pontilhado, que apresenta um padrão de coloração mais fino quando corado com o novo azul de metileno, mas não aparece azul-púrpura (policromatofílico) quando se realizam colorações de rotina em esfregaços sanguíneos (seção Anemia). Fig. 13-5 Reticulocitose, esfregaços sanguíneos de cão. A, Reticulócitos (setas) aparecem policromatofílicos em esfregaços corados pelas colorações de rotina. Coloração de Wright. B, Reticulócitos. Precipitação de RNA na forma de agregados é corada de azul (setas) pelo novo azul de metileno. (Cortesia de Dr. M.M. Fry, College of Veterinary Medicine, University of Tennessee.) Os eritrócitos maduros circulam por longo tempo quando comparados com outras células sanguíneas. A média de vida dos eritrócitos varia entre as espécies: aproximadamente 150 dias em equinos e bovinos, 100 dias em cães e 70 dias em gatos. Eritrócitos, portanto, têm de ser células altamente resilientes, capazes de suportar contínuas tensões mecânicas e bioquímicas. Na maioria dos mamíferos, os eritrócitos têm forma de disco bicôncavo, algumas vezes denominado discócito. Espécies nas quais o discócito não ocorre incluem caprinos (eritrócitos irregulares e achatados), camelídeos (eritrócitos ovais) e alguns cervídeos (eritrócitos em forma de foice). Algumas raças de cães (Akita e Shiba) possuem eritrócitos menores do que outras; os eritrócitos nessas raças também apresentam alta concentração de potássio, diferentemente dos eritrócitos de outros cães. Uma das propriedades-chave dos eritrócitos é sua deformabilidade; essas células 1837 alteram sua forma enquanto se movem pela microvasculatura. Essa deformabilidade decorre da interação entre a membrana plasmática, o citoesqueleto e o conteúdo intracelular. Os eritrócitos maduros de mamíferos não apresentam núcleo e organelas, sendo incapazes de realizar transcrição, tradução e metabolismo oxidativo. Entretanto, os eritrócitos requerem energia para a realização de várias funções, incluindo a manutenção da forma e deformabilidade, o transporte ativo e a prevenção de danos oxidativos. Essa energia necessária é gerada inteiramente através da glicólise (também conhecida como via Embden-Meyerhof). As vias bioquímicas antioxidantes em eritrócitos são discutidas com mais detalhes na seção Mecanismos de Defesa. A concentração de eritrócitos circulantes tipicamente decresce no período pós- natal e mantém-se abaixo dos níveis observados em animais adultos durante o período de rápido crescimento corporal. A idade na qual o número de eritrócitos começa a aumentar e a idade na qual os níveis observados em animais adultos são alcançados variam entre as espécies. Em cães, os valores adultos são comumente alcançados entre 4-6 meses de idade; em equinos, isso acontece aproximadamente com 1 ano de idade. Na maioria das espécies, os eritrócitos são maiores ao nascimento e seu volume médio diminui à medida que os eritrócitos fetais são substituídos. Granulopoiese e monocitopoiese (mielopoiese) Os granulócitos (neutrófilos, eosinófilos e basófilos) e os monócitos têm funções imunológicas essenciais, incluindo fagocitose e atividade microbicida (neutrófilos e macrófagos derivados de monócitos), atividade parasiticida e participação em reações alérgicas (eosinófilos e basófilos), processamento e apresentação de antígenos e produção de citocinas (macrófagos). Mediadores inflamatórios, como ILs e fator de necrose tumoral α (TNF-α), estimulam fibroblastos, macrófagos e células endoteliais a produzirem citocinas, como o fator estimulante de colônia granulocítica (G-CSF) e o GM-CSF, que aumentam a granulopoiese e a monocitopoiese. As células granulocíticas e monocíticas são, às vezes, chamadas coletivamente de células mieloides. (OBSERVAÇÃO: Essa terminologia pode causar confusão porque “mieloide” também tem outros significados. Em sentido mais geral, refere-se à medula óssea. No contexto da hematologia, o termo “mieloide” é algumas vezes utilizado para se referir a qualquer célula hematopoiética de origem não linfoide, uma distinção reiterada na classificação das leucemias, como será discutido mais tarde neste capítulo. Em neuroanatomia, os prefixos “mielo-” ou “miel-” podem se referir à medula espinhal ou mielina.) O precursor granulocítico ou monocítico mais precoce que pode ser identificado pela avaliação de rotina por meio de microscopia 1838 de luz é o mieloblasto, que sofre divisões para produzir uma progênie de 16-32 células. O tempo de transformação de mieloblasto até neutrófilo maduro é de aproximadamente 5 dias. Além disso, uma reserva de neutrófilos completamente maduros é mantida na medula óssea. O tamanho do chamado compartimento de reserva depende da espécie animal (as diferenças entre as espécies e a significância clínica de armazenamento são discutidas com mais detalhes adiante).A concentração de granulócitos mensurada no sangue depende da velocidade de produção e liberação da medula óssea, e da proporção de células livremente circulantes dentro da vasculatura versus aquelas transitoriamente aderidas à superfície endotelial (marginadas) e da velocidade de migração desde a vasculatura até os tecidos. Os neutrófilos normalmente são os tipos predominantes de leucócitos no sangue da maioria das espécies domésticas. Eles permanecem na circulação apenas por um curto período de tempo (menor que 12 horas). Trombopoiese Trombopoiese — que tem como origem a palavra thrombos (coágulo, em grego) — refere-se à produção de plaquetas, que têm um papel central na hemostasia primária e também participam nos processos de coagulação e inflamação. A trombopoietina (Tpo), sintetizada principalmente no fígado, é o regulador dominante da trombopoiese. Diferentemente da Epo, que é regulada para haver maior produção pela hipóxia, a Tpo é produzida a uma taxa relativamente constante (constitutivamente). Assim, o mecanismo de regulação da produção é diferente. As plaquetas e seus precursores expressam o receptor da Tpo, que se liga à Tpo na circulação. Quando a massa plaquetária é diminuída, menos Tpo está ligada aos receptores plaquetários e a concentração aumentada de Tpo livre no plasma estimula a trombopoiese. A trombopoiese difere fundamentalmente de outras formas de hematopoiese. As plaquetas (às vezes chamadas de trombócitos) são células anucleadas formadas não por divisão maturacional, mas pela eliminação de fragmentos citoplasmáticos ligados à membrana oriundos de células precursoras chamadas megacariócitos. (OBSERVAÇÃO: Aves e répteis produzem trombócitos da mesma forma que outras células sanguíneas, e seus trombócitos e eritrócitos são nucleados.) Como o nome sugere, megacariócitos são células muito grandes, muito maiores do que quaisquer outras células hematopoiéticas (Fig. 13-6). Os megacariócitos surgem das células progenitoras e sofrem endomitose para se tornarem poliploides (usualmente 8N- 32N). À medida que essas células se tornam maduras, os megacariócitos aumentam de tamanho e seu citoplasma torna-se mais abundante. Eles alteram o seu padrão de coloração (em aspirados corados pelo Wright) de intensamente basofílico para 1839 eosinofílico, e seus núcleos mudam de redondos para altamente lobulados. Os megacariócitos estendem os processos citoplasmáticos para dentro dos lúmens dos sinusoides venosos da medula óssea, onde as plaquetas são eliminadas na circulação. O tempo de vida das plaquetas na circulação é de aproximadamente 6 dias nos cães. Fig. 13-6 Megacariócito, aspirado de medula óssea de cão. Observe o grande tamanho da célula, o núcleo lobulado e o citoplasma abundante e granular. Coloração de Wright. (Cortesia de Dr. M.M. Fry, College of Veterinary Medicine, University of Tennessee.) As plaquetas normalmente circulam em estado quiescente, como discos achatados. A ativação das plaquetas é disparada por agonistas solúveis, como a trombina, ou por agonistas insolúveis, como o colágeno. As plaquetas expressam receptores de superfície para fibrinogênio, fator de von Willebrand (vWF), colágeno e outros ligantes. Outras características-chave das plaquetas incluem uma rede de invaginações da membrana conhecida como sistema canicular aberto (não presente nos bovinos), que facilita a expansão da área de superfície e a liberação do conteúdo dos grânulos em resposta à ativação; retículo endoplasmático especializado, conhecido como sistema tubular denso, que age como reservatório de cálcio; e os componentes citoesqueléticos envolvidos na mudança de forma, liberação do conteúdo dos grânulos, interações com receptores e retração de coágulo. Quando ativadas, as plaquetas mudam para formas mais esféricas com pseudópodes e participam de diversos processos que ocorrem nos locais onde há dano vascular: • Aderência ao colágeno subendotelial exposto • Secreção de conteúdo bioativo de grânulos (incluindo cálcio, adenosina difosfato [ADP], fibrinogênio, vWF, histamina, serotonina e outros) • Agregação com outras plaquetas 1840 • Ao final, fusão com outras plaquetas para formar um tampão plaquetário Fosfolipídios (especialmente fosfatidilserina) expressos na superfície das plaquetas ativadas também auxiliam a localizar a coagulação (formação de um coágulo de fibrina insolúvel) em focos de dano vascular. Linfopoiese Linfopoiese refere-se à produção de novos linfócitos. Os linfócitos T e os linfócitos B são as principais células efetoras da imunidade mediada por células e da imunidade humoral, respectivamente. A linfopoiese é discutida com mais detalhes no Capítulo 5, mas uma breve introdução geral é fornecida nesta seção. Os linfócitos T originam-se na medula óssea e migram para o timo, onde sofrem os processos de diferenciação, seleção e maturação antes de migrarem para o tecido linfoide periférico como células efetoras. O desenvolvimento dos linfócitos B ocorre em duas fases: primeiro, em uma fase independente de antígeno na medula óssea e nas placas de Peyer no íleo (local de desenvolvimento dos linfócitos B nos ruminantes); e, depois, em uma fase dependente de antígeno nos tecidos linfoides periféricos (como baço, linfonodos e tecido linfoide associado à mucosa [MALT]). O tráfego de linfócitos ocorre sob orientação de quimiocinas (citocinas quimioatrativas). Uma vez que os linfócitos tenham migrado para o tecido linfoide periférico, essas células podem sofrer expansão clonal em resposta a estímulos antigênicos. Diferentemente de outras células hematopoiéticas, que circulam somente em vasos sanguíneos, os linfócitos transitam tanto nos vasos sanguíneos quanto nos vasos linfáticos, continuamente recirculando entre os dois sistemas. Em muitas espécies, a maior parte dos linfócitos na circulação sanguínea são linfócitos T. Notoriamente, os bovinos têm, em geral, quantidades maiores de linfócitos do que neutrófilos na circulação. No entanto, trabalhos recentes sugerem que vacas holandesas no meio da lactação podem fugir a essa regra, provavelmente por causa de mudanças na genética e na pecuária. Hemostasia (coagulação e função plaquetária) A hemostasia — que tem como origem as palavras haima (sangue, em grego) e stasis (parado, em grego) — refere-se à parada do sangramento. Os principais componentes responsáveis pela hemostasia são as plaquetas, os vasos sanguíneos e o sistema de coagulação. Hemorragias podem surgir caso qualquer um desses componentes esteja alterado. Embora os fatores da coagulação sejam sintetizados principalmente no fígado, são incluídos neste capítulo em razão da sua ligação inseparável com o sistema hematopoiético. 1841 A hemostasia envolve processos coordenados: a formação de um tampão plaquetário no local do dano vascular (hemostasia primária), o desenvolvimento de uma rede insolúvel de fibrina entrecruzada que produz um coágulo estável (hemostasia secundária), e retração e degradação enzimática do coágulo (hemostasia terciária). Os principais componentes desses processos são resumidos no Capítulo 2 e nas Figuras 2-12 a 2.17. Resenha, histórico e sinais clínicos são importantes na avaliação de qualquer paciente com suspeita de tendência a sangramento, porém os testes laboratoriais são necessários para, definitivamente, identificar os defeitos hemostáticos específicos. Os exames de rotina para a avaliação da hemostasia estão resumidos no Apêndice Web 13-1 no site VetConsult em www.elsevier.com.br/vetconsult. Vasos Sanguíneos Os vasos sanguíneos apresentam numerosas funções na hemostasia. As células endoteliais produzem e metabolizam muitas moléculas envolvidas na promoção e regulação da hemostasia (Fig. 2-16). Por exemplo, produzem moléculas pró- trombóticas, como vWF e tromboxano A2; moléculas antitrombóticas, como prostaciclina (PGI2), trombomodulina e óxido nítrico; e moléculas fibrinolíticas, como o ativador tecidual do plasminogênio. Quando um vaso sanguíneo é danificado, ocorre rápida e transitória vasoconstrição neuromecânica como resposta.O colágeno subjacente ao endotélio danificado fornece um suporte estrutural para a aderência plaquetária e a formação do coágulo, e também age como fundamental ativador bioquímico de plaquetas e da via intrínseca do sistema de coagulação (ver a próxima seção). Sistema de Coagulação O processo de estancar a hemorragia de um vaso sanguíneo danificado basicamente depende da formação de um coágulo estável de fibrina. Esse processo depende, por sua vez, de várias proteínas plasmáticas, ou fatores de coagulação, que normalmente circulam em estado inativo como proenzimas. Esses fatores de coagulação, juntamente com outras moléculas, incluindo proteínas não enzimáticas, cálcio e fosfolipídios plaquetários, são conhecidos coletivamente como sistema de coagulação. A ativação do sistema de coagulação inicia uma série de reações enzimáticas interligadas, que resulta na produção de trombina. A trombina converte a proteína solúvel do plasma, o fibrinogênio, em fibrina; por sua vez, as moléculas de fibrina são submetidas enzimaticamente a ligações cruzadas para formar um coágulo insolúvel. Para facilitar o entendimento e a interpretação dos resultados dos testes, considera-se o sistema de coagulação, convencionalmente, como constituído por três 1842 http://www.elsevier.com.br/vetconsult vias inter-relacionadas. Essas vias – a intrínseca, a extrínseca e a comum – são resumidas na Figura 2-13. As vias anticoagulante e fibrinolítica fornecem “verificações e balanços” críticos. Essas vias são iniciadas simultaneamente com a ativação do sistema de coagulação. As vias procoagulantes e anticoagulantes são reguladas em múltiplos níveis e, normalmente, mantêm-se em equilíbrio que evita estados hipercoaguláveis ou hipocoaguláveis. Alguns reguladores-chave da hemostasia estão listados no Quadro Web 13-1 no site VetConsult em www.elsevier.com.br/vetconsult. Os mecanismos contrarregulatórios são críticos para a prevenção de coagulação inapropriada ou excessiva e para a final dissolução do coágulo (fibrinólise) após sua formação. A fibrinólise resulta da ação da plasmina sobre a fibrina ( Figs. 2-14, 2-16 e 2-17). O plasminogênio, uma proenzima inativa, é convertido em plasmina por várias moléculas, incluindo o ativador tecidual do plasminogênio, o fator XII e a trombina. Observa-se que algumas dessas moléculas (p. ex., o fator XII e a trombina) apresentam ambos os efeitos pró-coagulante e anticoagulante. Há também reguladores da fibrinólise, incluindo inibidores de plasminogênio e plasmina. A fibrinólise resulta nos produtos de degradação da fibrina (PDFs). O dímero D é um tipo específico de PDF que resulta da degradação da ligação cruzada da fibrina insolúvel. Os produtos fibrinolíticos (PDFs e dímero D) no sangue são frequentemente mensurados para detectar coagulação inadequada e são também de importância clínica, pois podem prejudicar a hemostasia pela inibição da polimerização da fibrina e da função das plaquetas. Plaquetas Os princípios básicos da função plaquetária foram descritos na seção anterior, Trombopoiese. As plaquetas normalmente circulam em estado quiescente, como discos achatados. A ativação das plaquetas é disparada por agonistas solúveis, como a trombina, ou por agonistas insolúveis, como o colágeno. As plaquetas expressam receptores de superfície para o fibrinogênio, o vWF, o colágeno e outros ligantes. Outras características-chave das plaquetas incluem uma rede de invaginações da membrana conhecida como sistema canicular aberto (não presente nos bovinos), que facilita a expansão da área de superfície e a liberação dos grânulos em resposta à ativação; o retículo endoplasmático especializado, conhecido como sistema tubular denso, que age como reservatório de cálcio; e os componentes citoesqueléticos, que medeiam a mudança da forma, a liberação dos grânulos, as interações com receptores e a retração do coágulo. Quando ativadas, as plaquetas mudam para formas mais esféricas com pseudópodes e participam de diversos processos que ocorrem nos locais de dano vascular: 1843 http://www.elsevier.com.br/vetconsult • Aderência ao colágeno subendotelial exposto • Secreção de conteúdo bioativo de grânulos (incluindo cálcio, adenosina difosfato [ADP], fibrinogênio, vWF, histamina, serotonina e outros) • Agregação com outras plaquetas • Ao final, fusão com outras plaquetas (processo conhecido como metamorfose viscosa) para formar um tampão plaquetário Fosfolipídios (p. ex., fosfatidilserina) expressos na superfície das plaquetas ativadas também ajudam a localizar a coagulação em focos de dano vascular. Portas de entrada As células ou micro-organismos invasores têm acesso à medula óssea ou à circulação sanguínea por via hematogênica ou por trauma. O trauma pode ser tão óbvio como uma ferida aberta ou sutil como a picada de um inseto. As portas de entrada para a medula óssea estão resumidas no Quadro 13-1. Quadro 13-1 Portas de Entrada na Medula Óssea Medula óssea Via hematogênica Penetração direta (trauma) Mecanismos de defesa A medula óssea é envolta por uma carapaça protetora de osso cortical, e o fornecimento de sangue para a medula dá acesso a defesas sistêmicas humorais e celulares. Certamente, os próprios leucócitos atuam como parte essencial da inflamação e função imunológica, conforme discutido brevemente na seção Granulopoiese e Monocitopoiese, e com mais detalhes nos Capítulos 3 e 5. As etapas bioquímicas na via glicolítica, ou ligadas a ela, geram moléculas antioxidantes que capacitam os eritrócitos a resistirem aos insultos oxidativos durante seus muitos dias em circulação. Somada à produção de energia na forma de adenosina trifosfato (ATP), a glicólise gera nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzida (NADH), que ajuda a converter a forma oxidada e não funcional da hemoglobina, conhecida como metaemoglobina, de volta ao seu estado reduzido ativo. Outra via metabólica antioxidante do eritrócito, o desvio da hexose monofosfato ou 1844 desvio da pentose, gera fosfato de nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzida (NADPH), que ajuda a manter a glutationa no estado reduzido. Respostas à agressão Os principais mecanismos de lesão da medula óssea e das células sanguíneas são mostrados no Quadro 13-2 e serão discutidos em detalhes aqui. Quadro 13-2 Mecanismos de Doença na Medula Óssea e Células Sanguíneas Medula óssea Hipoplasia Hiperplasia Displasia Aplasia Neoplasia Mieloptise (fibrose, neoplasia metastática) Necrose Inflamação Células sanguíneas Destruição aumentada Hemorragia (especialmente eritrócitos) Consumo (plaquetas) Neoplasia Distribuição alterada Função anormal Medula óssea As respostas da medula óssea às agressões incluem padrões anormais de proliferação de células hematopoiéticas normais, proliferações de células hematopoiéticas anormais (neoplásicas ou não neoplásicas), substituição do tecido hematopoiético normal por células anormais ou tecido fibroso, necrose e inflamação. Cada uma delas é discutida mais adiante; a relação entre hematopoiese alterada e as concentrações de células sanguíneas na circulação é discutida em mais detalhes na próxima seção, Células Sanguíneas. A nomenclatura clássica para descrever os diferentes tipos de proliferação celular anormal aplica-se também ao sistema hematopoiético, com algumas exceções e 1845 modificações. Hiperplasia, um aumento no número de células, pode ser obviamente uma resposta adequada a estímulos (p. ex., hiperplasia eritroide em resposta à hipóxia ou hiperplasia granulocítica em resposta a estímulos inflamatórios). Em outras situações, a hiperplasia é um fenômeno secundário para o qual um estímulo específico pode não estar claro — por exemplo, várias condições (inflamação, neoplasia, deficiência de ferro, asplenia e outras) estão associadas à trombocitose reativa, na qual uma concentração aumentada de plaquetas circulantes reflete hiperplasia megacariocítica. Às vezes, a hiperplasia é idiopática. Por exemplo, a hiperplasia esplênica nodular, que frequentemente inclui componentes hematopoiéticos, é muitas vezesum achado incidental. A hipertrofia, um aumento no tamanho da célula, não é uma descrição convencional para células hematopoiéticas ou para a medula óssea como órgão. Células hematopoiéticas anormalmente grandes são consideradas evidência de displasia ou formação celular alterada (alterações na forma ou organização das células são também consideradas evidência de displasia). A displasia de células hematopoiéticas, indicando hematopoiese alterada, pode ser primária (idiopática) ou secundária a inúmeras condições, incluindo infecção, nutrição inadequada e intoxicação. Infelizmente, a terminologia pode, algumas vezes, gerar confusão. Por exemplo, síndromes mielodisplásicas são distúrbios hematopoiéticos clonais de células-tronco que são de fato neoplásicas (seção Neoplasia Hematopoiética). O aumento de volume do baço é comumente referido como esplenomegalia e pode refletir outros processos que não a hiperplasia ou a hipertrofia celular (p. ex., congestão). Da mesma forma, o aumento de volume dos linfonodos é tipicamente referido como linfadenopatia ou linfadenomegalia e pode refletir hiperplasia linfoide ou outros processos (p. ex., neoplasia, inflamação ou edema). A substituição de tecido hematopoiético na medula óssea por tecido anormal, geralmente por tecido fibroso ou células malignas, é conhecida como mieloptise. O termo metaplasia, usado para descrever a substituição de células que formam normalmente um tecido por outras também bem diferenciadas, raramente é usado para descrever tecidos hematopoiéticos em medicina veterinária, apesar de, em humanos, os nomes metaplasia mieloide e hematopoiese extramedular serem algumas vezes utilizados como sinônimos. Da mesma forma, o termo atrofia, que significa uma redução no tamanho de uma célula, tecido, órgão ou parte dele, raramente é utilizado para descrever alterações na medula óssea. Em vez disso, um decréscimo no tecido hematopoiético da medula óssea é tipicamente referido como hipoplasia, conforme discutido mais adiante na seção sobre citopenias. A ausência de tecido hematopoiético de determinada linhagem celular é tipicamente referida como aplasia ou, se afeta todas as linhagens, anemia aplásica, denominação equivocada (mais 1846 adequado seria pancitopenia aplásica). A exceção é a “atrofia serosa da gordura”, uma condição associada à desnutrição, na qual a gordura é catabolizada e as células reticulares da medula óssea produzem uma substância fundamental mucoide (consulte a Figura Web 13-1 no site VetConsult em www.elsevier.com.br/vetconsult). Entretanto, nem as células hematopoiéticas nem a gordura estão necessariamente ausentes da medula óssea nessa condição, e outros nomes, como transformação gelatinosa, têm sido sugeridos para descrevê-la. A neoplasia da medula óssea ou de órgãos linfoides pode ser primária ou secundária (metastática). Neoplasmas podem originar-se de qualquer linhagem hematopoiética. Tipos específicos de neoplasmas hematopoiéticos (leucemias, linfomas e outros) serão descritos mais adiante neste capítulo. A fibrose (mielofibrose) e a necrose da medula óssea estão associadas com muitas condições comuns subjacentes e, muitas vezes, ocorrem em conjunto e são descritas mais extensivamente em cães. Condições conhecidas ou suspeitas de causar mielofibrose e necrose incluem sepse, câncer (especialmente tumores malignos hematopoiéticos), toxicidade por drogas e doenças imunomediadas (especialmente anemia hemolítica imunomediada não regenerativa [IMHA]). A inflamação da medula óssea pode assumir diferentes formas. Inflamação granulomatosa em resposta à infecção por fungos (p. ex., histoplasmose) ou micobacteriose pode ser evidente histologicamente ou como hiperplasia dos macrófagos em preparações citológicas a partir de aspirados. Os organismos fagocitados no interior dos macrófagos são detectáveis com qualquer dos dois tipos de exame. Cães e gatos com IMHA não regenerativa muitas vezes têm inflamação da medula óssea, além de fibrose e necrose. A inflamação é evidente como deposição de fibrina, edema e infiltrados neutrofílicos multifocais; citopenias imunomediadas também estão associadas com hiperplasia linfocitária e/ou plasmocitária da medula óssea. Células sanguíneas As respostas das células sanguíneas circulantes à agressão incluem diminuição da sobrevida (destruição, consumo ou perda), distribuição alterada e estrutura ou função (ou ambas) alteradas. Essas respostas não são mutuamente excludentes — por exemplo, a estrutura dos eritrócitos alterados pode levar à diminuição da sobrevida. Muitas vezes, mas nem sempre, essas respostas resultam em diminuição das concentrações de células sanguíneas circulantes. Concentrações Anormais de Células Sanguíneas Citopenia — que tem como origem as palavras kytos (vaso oco, em grego) e penia 1847 http://www.elsevier.com.br/vetconsult (pobreza, em grego) — refere-se a uma diminuição nas células sanguíneas circulantes, daí aos termos neutropenia, trombocitopenia, linfopenia e assim por diante. Os mecanismos básicos causadores de citopenias incluem produção diminuída (hipoplasia), destruição aumentada, perda sanguínea, consumo e distribuições anatômicas alteradas (p. ex., deslocamento entre os compartimentos marginais e circulantes no sangue ou entre o baço e a circulação sanguínea periférica). A maioria desses mecanismos pode causar citopenia em mais de uma linhagem, e alguns processos afetam várias linhagens simultaneamente. Diminuição prolongada da produção de todas as três principais linhagens hematopoiéticas da medula óssea resulta em pancitopenia (anemia, neutropenia e trombocitopenia). A pancitopenia pode ocorrer devido à mieloptise, em que o tecido normal da medula óssea é substituído por células ou tecidos anormais (como no caso da obliteração por células malignas ou tecido fibroso) ou devido a uma anormalidade das próprias células hematopoiéticas. A destruição das células-tronco hematopoiéticas, ou células progenitoras, causa uma condição conhecida como anemia aplásica ou pancitopenia aplásica, que é discutida em mais detalhes na seção de doenças específicas. O padrão de desenvolvimento das citopenias é parcialmente dependente da cinética normal das células sanguíneas. O tempo de vida das diferentes células sanguíneas circulantes varia marcadamente (neutrófilos: horas; plaquetas: dias; eritrócitos: meses). Assim, neutropenia grave tipicamente desenvolve-se dentro de 1 semana após o término da granulopoiese e após a depleção do compartimento de armazenamento de neutrófilos da medula óssea, ao passo que trombocitopenia grave tipicamente se desenvolve na 2a semana após a parada de trombopoiese. A anemia desenvolve-se muito mais vagarosamente após a parada da eritropoiese, dependendo, em parte, de quão rapidamente a medula se recupera da agressão e também da variação do tempo de vida dos eritrócitos nas diferentes espécies de animais. O aumento na concentração de muitas células sanguíneas é indicado pelo sufixo - ose (eritrocitose, linfocitose, monocitose e trombocitose). Aumento no número de granulócitos é indicado pelo sufixo -filia (neutrofilia, eosinofilia e basofilia). Os mecanismos básicos causadores do aumento da concentração das células sanguíneas variam consideravelmente de acordo com o tipo de célula e serão discutidos em mais detalhes adiante. As neoplasias podem resultar em número aumentado ou diminuído de células sanguíneas. Em muitos tipos de neoplasmas hematopoiéticos, especialmente leucemias, há números prontamente detectáveis de células neoplásicas no sangue. Tipos específicos de neoplasmas hematopoiéticos serão discutidos adiante neste capítulo. Concentrações elevadas de células sanguíneas podem também ocorrer secundariamente a muitas formas de neoplasia (i.e., como síndrome paraneoplásica), 1848 incluindo neoplasmas não hematopoiéticos, devido à produção de citocinas estimulatórias pelo tumor. Os laboratórios veterinários tipicamente fornecem valores hematológicos de referência que são específicos a cada espécie, fundamentados em populações de referênciade animais adultos clinicamente normais. Entretanto, é importante notar que valores normais podem variar não somente entre espécies, mas em função de outros fatores, como idade, raça, localização geográfica e diferenças metodológicas entre os laboratórios. Os mecanismos de doenças que causam citopenias e concentrações anormalmente aumentadas de determinados tipos de células sanguíneas são abordados com mais detalhes na seção seguinte. Anemia Anemia refere-se à massa de eritrócitos ou à concentração de hemoglobina abaixo do normal. A anemia causa sinais clínicos relacionados à diminuição da capacidade de carregar oxigênio (palidez das membranas mucosas, letargia, fraqueza e intolerância a exercícios) e pode também resultar em anormalidades detectáveis devido à hipóxia tecidual (p. ex., atividade aumentada das enzimas hepáticas como resultado do dano induzido pela hipóxia aos hepatócitos). A anemia também pode causar diminuição da viscosidade do sangue e, em casos acentuados, frequentemente causa murmúrios cardíacos como resultado da diminuição do fluxo de sangue laminar. Classificar a anemia como regenerativa ou não regenerativa é clinicamente útil, pois fornece informações acerca do mecanismo da doença (Tabela 13-1). A marca registrada de anemias regenerativas, exceto em equinos, é a reticulocitose (número aumentado de reticulócitos [eritrócitos imaturos] circulantes), que fica evidente pela policromasia em esfregaço sanguíneo corado por técnicas de rotina. Em ruminantes, a reticulocitose é frequentemente acompanhada de pontilhado basofílico (Fig. 13-7). Tabela 13-1 Classificação da Anemia 1849 Fig. 13-7 Pontilhado basofílico e policromasia, esfregaço sanguíneo de bovino. Os eritrócitos desse bovino com anemia regenerativa incluem várias células com pontilhados basofílicos (seta) e duas células policromatofílicas (reticulócitos) (pontas de seta). Coloração de Wright. (Cortesia de Dr. M.M. Fry, College of Veterinary Medicine, University of Tennessee.) A reticulocitose indica eritropoiese aumentada na medula óssea (Fig. 13-8) e liberação, para a circulação sanguínea, de eritrócitos antes de estarem completamente maduros (estágios mais precoces na linha de produção). A reticulocitose é uma resposta apropriada à anemia. Forte resposta regenerativa pode produzir aumento no volume corpuscular médio (VCM) e diminuição na concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) no hemograma, pois os reticulócitos são maiores e apresentam concentração de hemoglobina mais baixa que os eritrócitos maduros. O equino é uma exceção nesse esquema de classificação, pois essa espécie não libera reticulócitos na circulação, nem mesmo quando sua medula está 1850 produzindo número aumentado de eritrócitos. Equinos com resposta regenerativa podem apresentar aumento no VCM e na amplitude de distribuição eritroide (um índice de variação no tamanho da célula). No entanto, a determinação definitiva de regeneração em equinos requer exame da medula óssea, pelo qual a evidência de regeneração é a hiperplasia eritroide, ou hemogramas seriados, nos quais a evidência de regeneração é o aumento do número de eritrócitos com o passar do tempo. Os reticulócitos pontilhados em gatos são evidentes quando o sangue é corado com o novo azul de metileno, mas essas células não são interpretadas como reticulócitos no hemograma porque apresentam a mesma aparência de eritrócitos maduros no exame de esfregaços sanguíneos. Fig. 13-8 Medula óssea hematopoieticamente ativa, fêmur, bezerro. Observe que a medula óssea tem consistência uniforme e é vermelha ou vermelho-escura. Essa resposta é característica de medula óssea hematopoieticamente ativa. (Cortesia de Dr. Ramos, Universitat Autónoma de Barcelona; e de Noah’s Arkive, College of Veterinary Medicine, The University of Georgia.) Outro dado que pode acompanhar a regeneração, juntamente com a reticulocitose, é a presença de células eritroides nucleadas (normoblastos). Entretanto, a presença de normoblastos circulantes (normoblastemia) não é, por si só, evidência definitiva de regeneração e de fato pode significar diseritropoiese (p. 1851 ex., devido à intoxicação por chumbo ou lesão da medula óssea) ou disfunção esplênica. Quando os normoblastos estão presentes como parte da resposta regenerativa à anemia, o número relativo dessas células deve ser menor que o número dos reticulócitos. Lembre que o estímulo para aumentar a eritropoiese é a secreção aumentada da Epo em resposta à hipoxemia. Apesar de a ação da Epo sobre a eritropoiese ser rápida, a evidência de resposta regenerativa não é imediatamente aparente em uma amostra de sangue. Um dos principais efeitos da Epo é expandir o compartimento eritroide em estágio inicial, o que demanda certo tempo para essas células se diferenciarem até o ponto em que serão liberadas na circulação. No caso de perda aguda de sangue, por exemplo, normalmente são necessários 3-4 dias até que a reticulocitose seja evidente no hemograma, e vários dias até o pico da resposta regenerativa. Um período de tempo similar também é necessário em casos de hemólise aguda. O termo pré-regenerativo é algumas vezes utilizado para descrever a anemia com resposta regenerativa que está em formação, mas não ainda aparente no hemograma. Confirmar uma resposta regenerativa em tais casos requer evidência de hiperplasia eritroide na medula óssea ou a emergência de reticulocitose nos dias subsequentes. Anemia regenerativa ocorre devido à hemorragia ou hemólise. Alguns acreditam ser útil lembrar os “dois H” (hemorragia e hemólise). No caso de hemorragia, eritrócitos e outros componentes do sangue escapam dos vasos. A hemorragia pode ser aguda ou crônica, interna ou externa. As causas de hemorragia incluem trauma, hemostasia anormal, certas formas de parasitismo, ulceração e neoplasias. Portanto, anemias regenerativas geralmente ocorrem não devido a um problema eritropoiético, mas por um processo que afeta eritrócitos que já foram liberados na circulação sanguínea. Entretanto, é importante observar que hemorragia crônica causa depleção dos estoques de ferro do corpo, levando a uma anemia por deficiência de ferro, que pode tanto ser regenerativa quanto não regenerativa. Uma resposta regenerativa pode ocorrer quando a deficiência estiver resolvida ou temporariamente compensada (p. ex., quando a hemorragia cessa ou quando o paciente subitamente tem acesso a um aumento dietético ou parenteral de ferro). Anemias não regenerativas, e especificamente a anemia por deficiência de ferro, serão discutidas com mais detalhes adiante neste capítulo. A hemólise pode ser intravascular, se os eritrócitos liberarem o seu conteúdo, principalmente hemoglobina, diretamente na corrente sanguínea, ou extravascular, se os macrófagos fagocitarem os eritrócitos e pouca ou nenhuma hemoglobina for liberada na corrente sanguínea. As duas formas (principalmente a hemólise extravascular) ocorrem como parte da homeostase e envolvem vias para conservar o 1852 ferro e outros componentes reutilizáveis na hematopoiese. Entretanto, algumas doenças estão associadas a maior destruição de eritrócitos por um ou ambos os mecanismos. Nas próximas seções, serão discutidos com mais detalhes mecanismos básicos de hemólise intravascular e extravascular em situações normais e patológicas. O turnover normal dos eritrócitos ocorre, principalmente, pela hemólise extravascular, na qual eritrócitos senescentes são fagocitados pelos macrófagos no baço e, em menor grau, em outros órgãos, como o fígado (células de Kupffer) e a medula óssea. O controle exato não está bem determinado, mas fatores que comumente têm alguma participação incluem: • Exposição dos componentes de membrana que normalmente estão escondidos no folheto interno da membrana celular, principalmente fosfatidilserina (esse mecanismo também é importante na apoptose de outros tipos de células). • Deformabilidade diminuída. • Ligação de IgG e/ou complemento. • Dano oxidativo. Os macrófagos digerem os eritrócitos em componentes reutilizáveis, comoferro e aminoácidos, e em produto de degradação, a bilirrubina. A hemólise intravascular ocorre fisiologicamente apenas em níveis extremamente baixos. A hemoglobina é um tetrâmero que, quando liberado do eritrócito no sangue, divide-se em dímeros e liga- se a uma proteína plasmática denominada haptoglobina. O complexo hemoglobina- haptoglobina é captado por hepatócitos e macrófagos. Essa é a principal via para o processamento da hemoglobina livre. Entretanto, a hemoglobina livre pode ainda ser oxidada para formar metaemoglobina, que se dissocia para formar metaeme e globina. O metaeme liga-se a uma proteína plasmática denominada hemopexina, que é captada pelos hepatócitos e macrófagos de maneira similar à do complexo hemoglobina-haptoglobina. O heme livre na forma reduzida liga-se à albumina e então é captado no fígado para formar bilirrubina. Na anemia hemolítica, os eritrócitos são destruídos em taxa maior. A natureza do mecanismo, ou seja, intravascular, extravascular ou uma combinação de ambos, depende do processo específico da doença (doenças específicas serão discutidas adiante neste capítulo). Uma sequela clássica das anemias hemolíticas, em geral, é a hiperbilirrubinemia, que é um aumento da concentração de bilirrubina no plasma. A bilirrubina é um pigmento amarelo, o que explica por que a hiperbilirrubinemia, quando suficientemente grave, causa icterícia — o amarelamento macroscopicamente visível do soro sanguíneo ou tecido (Fig. 13-9). A icterícia de membrana mucosa, pele ou outro tecido é normalmente detectada quando a concentração de bilirrubina no 1853 plasma excede 2 mg/dL. A hemólise é causa de hiperbilirrubinemia pré- hepática, mas é importante notar que a hiperbilirrubinemia também pode ocorrer como resultado de condições hepáticas ou pós-hepáticas causando fluxo biliar comprometido (colestase). Fig. 13-9 Icterícia, anemia hemolítica imunomediada, tecido adiposo subcutâneo, esplenomegalia, baço, cão. A acentuada coloração amarela dos tecidos, mais evidenciada no tecido adiposo subcutâneo, resulta da alta concentração de bilirrubina da anemia hemolítica. (Cortesia de Dr. J.A. Ramos-Vara, College of Veterinary Medicine, Michigan State University; e de Noah’s Arkive, College of Veterinary Medicine, The University of Georgia.) Os achados laboratoriais e as observações clínicas podem indicar mecanismos específicos de hemólise. Em pacientes com anemia hemolítica extravascular, a destruição aumentada de eritrócitos pelos macrófagos esplênicos frequentemente resulta em esplenomegalia (Fig. 13-10). A esplenomegalia também pode ocorrer em razão de outras condições, como discutido em outro local deste capítulo. A hemólise intravascular é macroscopicamente evidente como hemoglobinemia (em que o plasma ou o soro encontra-se tingido de rosa) se a concentração extracelular de hemoglobina for maior que 50 mg/dL. A haptoglobina está saturada com hemoglobina dimérica a uma concentração de aproximadamente 150 mg/dL. Quando a haptoglobina estiver saturada, qualquer hemoglobina livre remanescente terá peso molecular suficientemente baixo para passar através do filtro renal glomerular e 1854 então pigmentar a urina (hemoglobinúria), dando coloração rósea ou vermelha à urina. Assim, a hemoglobina extracelular pode causar coloração macroscópica do plasma quando está ligada à haptoglobina antes de tornar-se visível macroscopicamente na urina. A meia-vida da haptoglobina é marcadamente diminuída quando ligada à hemoglobina, de modo que, quando grande quantidade do complexo hemoglobina-haptoglobina é formada, a concentração de haptoglobina no sangue diminui e a hemoglobina pode passar pelo glomérulo até mesmo em concentrações mais baixas. A hemoglobinúria é um fator contribuinte para a necrose tubular renal (nefrose hemoglobinúrica), que frequentemente ocorre em casos de hemólise intravascular aguda (Cap. 11). Lesão similar ocorre nos rins dos indivíduos com acentuado dano muscular e resultante mioglobinúria. Fig. 13-10 Esplenomegalia, anemia hemolítica fatal, Mycoplasma suis, suíno. O baço está extremamente aumentado de volume, carnoso e congesto. (Cortesia de College of Veterinary Medicine, University of Illinois.) A hemoglobinúria não pode ser macroscopicamente distinguida da hematúria (eritrócitos na urina) ou da mioglobinúria; tanto a hemoglobina quanto a mioglobina causam uma reação positiva para “sangue oculto” na fita-teste. A comparação das colorações da urina e do plasma pode ser informativa. Em contraste com a hemoglobina, a mioglobina causa alteração macroscópica da cor da urina antes que a cor do plasma se altere. Isso ocorre porque a mioglobina é um monômero de baixo peso molecular, livremente filtrado pelos glomérulos e não se liga a proteínas plasmáticas em grau significativo. A hematúria pode ser distinguida da hemoglobinúria por meio de exame microscópico do sedimento da urina (eritrócitos estão presentes nos casos de hematúria). Os dados obtidos no hemograma são frequentemente úteis para elucidar os mecanismos hemolíticos. A concentração total de hemoglobina é, convencionalmente, medida lisando todos os eritrócitos em uma concentração conhecida e determinando a concentração da hemoglobina em solução por meio de um espectrofotômetro. O valor para a hemoglobina corpuscular média (HCM) é calculado com base na concentração total de hemoglobina e na contagem de eritrócitos. O valor para a CHCM é calculado com base na HCM e no VCM. Dessa maneira, embora os eritrócitos não contenham concentração de hemoglobina além do normal, o excesso de hemoglobina extracelular pode causar aumento artificial da HCM e da CHCM calculadas. É importante lembrar que aumentos similares podem ocorrer 1855 artificialmente devido à interferência positiva com a medida espectrofotométrica da hemoglobina, como ocorre na lipemia. A hemólise extravascular também produz, frequentemente, alterações características no hemograma que podem refletir o mecanismo da doença. Por exemplo, a esferocitose e a autoaglutinação são marcas registradas de IMHA. Esferócitos formam-se quando os macrófagos (principalmente no baço) fagocitam parte da membrana plasmática do eritrócito ligada aos anticorpos (Fig. 13-11). A porção remanescente do eritrócito assume forma esférica, preservando, assim, o máximo de volume. Essa alteração na forma resulta em diminuição da deformabilidade das células. Os eritrócitos precisam ser extremamente flexíveis para atravessar a polpa vermelha esplênica e as paredes dos sinusoides (Fig. 13-12); os esferócitos, portanto, tendem a ser retidos no baço em íntima associação com os macrófagos, o que aumenta o risco de danos adicionais que podem terminar em destruição eritrocitária. Em cães, os esferócitos parecem menores do que o normal e apresentam coloração uniforme (Fig. 13-13, A), em contraste com os eritrócitos normais, que apresentam uma região de palidez conferida pela sua forma bicôncava. Essa diferença na coloração entre esferócitos e eritrócitos normais é difícil de discernir em várias outras espécies domésticas (como gatos, equinos e bovinos), cujos eritrócitos diferem daqueles do cão por serem menores, apresentarem biconcavidade menos pronunciada e, portanto, palidez central também menos pronunciada. A autoaglutinação ocorre devido à ligação cruzada de anticorpos ligados aos eritrócitos. Ela é evidente microscopicamente como um agrupamento de eritrócitos e, macroscopicamente, como sangue de consistência granular (Fig. 13-13, B). A autoaglutinação pode também resultar em falso aumento do VCM e diminuição do número de eritrócitos quando as células aglutinadas são erroneamente contadas como uma única célula por um analisador hematológico automatizado. Fig. 13-11 Representação esquemática dos mecanismos da esferocitose e hemólise extravascular (HE). A esferocitose hereditária ocorre em seres humanos (como mostrado aqui) devido às mutações que enfraquecem as conexões entre o citoesqueleto e as proteínas de membrana. Em casos de anemia 1856 hemolítica imunomediada, a causa mais frequentede esferocitose em animais, o mecanismo subjacente da doença é diferente — os esferócitos são formados quando porções da membrana dos eritrócitos ligadas a autoanticorpos são fagocitadas por macrófagos —, mas o resultado obtido (esferocitose e HE) é semelhante ao que é mostrado nessa figura. GP, glicoproteína. (De Kumar V, Abbas AK, Fausto N, et al: Robbins & Cotran pathologic basis of disease, ed. 8, Philadelphia, 2009, Saunders.) Fig. 13-12 Representação esquemática de um sinusoide esplênico. Um eritrócito está comprimido pelos cordões da polpa vermelha no lúmen do sinusoide. Observe o grau de deformabilidade necessário para os eritrócitos atravessarem a parede do sinusoide. (De Kumar V, Abbas AK, Fausto N: Robbins & Cotran pathologic basis of disease, ed. 7, Philadelphia, 2005, Saunders.) 1857 Fig. 13-13 Anemia hemolítica imunomediada, sangue de cão, cão. A, Esferocitose. São visíveis numerosos esferócitos (setas) e diversas células policromatofílicas, uma das quais (ponta de seta) contém um remanescente nuclear conhecido como corpúsculo de Howell- Jolly. Coloração de Wright. B, Autoaglutinação. Observe a aglutinação nitidamente visível. C, Esferocitose e aglutinação. Observe os esferócitos (setas) e a aglutinação microscópica dos eritrócitos em cão que recebeu transfusão de sangue. Essas anormalidades presumivelmente indicam destruição imunomediada dos eritrócitos do doador. Coloração de Wright. (A, cortesia de Dr. M.M. Fry, College of Veterinary Medicine, University of Tennessee. B e C, de Harvey JW: Atlas of veterinary hematology: blood and bone marrow of domestic animals, Philadelphia, 2001, Saunders.) Os danos oxidativos aos eritrócitos ocorrem quando vias antioxidantes normais que geram agentes redutores (como glutationa reduzida, NADH e NADPH) são comprometidas ou saturadas e podem resultar em anemia hemolítica, função anormal da hemoglobina ou ambas. A hemólise causada por danos oxidativos pode ser extravascular, intravascular ou uma combinação de ambas (formas predominantes de hemólise são discutidas adiante na seção de doenças específicas). A evidência de danos oxidativos nos eritrócitos pode ser aparente no exame de um esfregaço sanguíneo ou até mesmo em um exame físico geral. Os corpúsculos de Heinz são focos de globina desnaturada que interagem com a membrana do eritrócito. Essas estruturas são, em geral, discretamente evidentes por meio da avaliação de rotina do esfregaço sanguíneo corado com Wright, sendo visualizadas como inclusões pálidas e circulares ou na forma de protuberâncias arredondadas e rombas nas margens da 1858 célula, prontamente discerníveis por meio do esfregaço corado com o novo azul de metileno (Fig. 13-14). Os gatos são particularmente suscetíveis à formação dos corpúsculos de Heinz, e fisiologicamente podem apresentar baixo número de pequenos corpúsculos de Heinz. Não há unanimidade de opinião, mas alguns patologistas clínicos acreditam que a presença de corpúsculos de Heinz em até cerca de 10% de todos os eritrócitos está dentro de limites normais para gatos. Acredita-se que essa predisposição reflete a característica única do eritrócito felino, cuja hemoglobina apresenta mais grupamentos sulfidrila (locais preferenciais de dano oxidativo) do que os eritrócitos de outras espécies e pode ter, também, menor capacidade redutora intrínseca. É também possível que o baço do gato, que é não sinusoidal, não possua função eficiente para remover esses corpúsculos, como o baço sinusoidal do cão (estrutura e função esplênica são discutidas em mais detalhe adiante neste capítulo). Os excentrócitos, observados como eritrócitos nos quais um lado da célula apresenta palidez aumentada, são também outra manifestação de dano oxidativo. Os excentrócitos formam-se pela ligação cruzada das proteínas de membrana, com adesão de áreas opostas do folheto interno da membrana da célula e o deslocamento da maior parte da hemoglobina para o outro lado (Fig. 13-15). O dano oxidativo resulta da conversão da hemoglobina (ferro no estado Fe2+) para metaemoglobina (ferro no estado Fe3+), que é incapaz de se ligar ao oxigênio. A metaemoglobina é produzida normalmente em pequenas quantidades, mas é reduzida de volta a oxiemoglobina pela enzima citocromo-b5 redutase (também conhecida como metaemoglobina redutase). A metaemoglobinemia resulta da produção excessiva de metaemoglobina (devido ao dano oxidativo) ou do comprometimento das vias normais para manutenção de hemoglobina com ferro no estado Fe2+ (como na deficiência de citocromo-b5 redutase). Quando presente em concentração suficientemente alta (aproximadamente 10% da hemoglobina total), a metaemoglobina confere coloração chocolate característica ao sangue. Fig. 13-14 Corpúsculos de Heinz, esfregaços sanguíneos. 1859 A, Esfregaço sanguíneo de gato. Na coloração de rotina, os corpúsculos de Heinz são observados como inclusão pálida e circular intraeritrocítica que pode se projetar (setas) além da margem celular. Coloração de Wright. B, Esfregaço sanguíneo de cão. Na coloração supravital, os corpúsculos de Heinz são inclusões azuis (setas) e podem ser mais facilmente observados. Coloração de novo azul de metileno. (Cortesia de Dr. M.M. Fry, College of Veterinary Medicine, University of Tennessee.) Fig. 13-15 Anormalidades morfológicas comuns dos eritrócitos. A, O sangue de um cão com anemia microcítica hipocrômica por deficiência de ferro foi misturado com volume igual de sangue de um cão normal antes de o esfregaço sanguíneo ser preparado. As células hipocrômicas (pálidas) são os leptócitos mostrados em F, pois apresentam diâmetro semelhante às células normais, apesar de serem células microcíticas. Coloração de Wright-Giemsa. B, Equinócitos aparecem como eritrócitos com bordas indentadas; consequentemente, o termo antigo “crenação”, do latim “entalhado”, é utilizado para denominar essas células. Coloração de Wright- Giemsa. C, Três acantócitos com espículas irregularmente espaçadas e de tamanhos variados no sangue de um cão com hemangiossarcoma. Coloração de Wright-Giemsa. D, Um queratócito exibindo estrutura que parece ser uma “vesícula” rompida no sangue de um gato com lipidose hepática. Coloração de Wright-Giemsa. E, Esquistócito (esquerda), discócito (em cima) e equinócito (embaixo) no sangue de um cão com hemólise intravascular disseminada. Coloração de Wright-Giemsa. F, Dois eritrócitos hipocrômicos (leptócitos) com aumento do quociente membrana:volume são observados no sangue de um cão com anemia grave por deficiência de ferro. O leptócito de baixo está dobrado. Coloração de Wright-Giemsa. G, Três codócitos no sangue de um cão da raça Cairn terrier com anemia regenerativa e hemocromatose hepática secundária à deficiência de piruvato quinase. Esses eritrócitos exibem densidade central e são chamados muitas vezes de células-alvo. Coloração de Wright-Giemsa. H, Três excentrócitos e um discócito (esquerda) no sangue de um cão com dano oxidativo induzido pela administração de acetaminofeno. A célula em cima e ao centro é esférica com pequena ondulação de citoplasma e pode ser denominada picnócito. Coloração de Wright-Giemsa. (De Harvey JW: Atlas of veterinary hematology: blood and bone marrow of domestic animals, Philadelphia, 2001, 1860 Saunders.) As anemias não regenerativas são caracterizadas por falta de reticulocitose no hemograma; entretanto, a reticulocitose não ocorre em equinos, nem mesmo no contexto de regeneração. Na maior parte das vezes, isso é resultado da produção diminuída pela medula óssea (i.e., hipoplasia eritroide). Os eritrócitos circulam por longo tempo; por isso, anemias causadas por diminuição da produção tendem a se desenvolver lentamente. A forma mais comum de anemia não regenerativa é conhecida como anemia da inflamação ou anemia da doença crônica. Nessa forma de anemia, o número de eritrócitos diminui, mas, em geral, eles são normais em tamanho e concentração de hemoglobina (então denominada anemia normocítica normocrômica). É conhecido de longa data que pacientes com doença inflamatóriacrônica ou outra doença crônica tornam-se frequentemente anêmicos e que essa condição está associada ao aumento dos estoques de ferro na medula óssea. O sequestro de ferro pode ser uma adaptação evolucionária bacteriostática porque muitas bactérias requerem ferro como cofator para o crescimento. Nos últimos anos, as pesquisas têm começado a desvendar os mecanismos moleculares que envolvem a anemia da inflamação. A hepcidina, uma proteína de fase aguda sintetizada no fígado que foi primeiramente identificada como um peptídeo antimicrobiano, é um mediador-chave que age limitando a quantidade de ferro disponível. A expressão da hepcidina aumenta com inflamação, infecção ou sobrecarga de ferro e diminui com anemia ou hipóxia. A hepcidina exerce seus efeitos causando deficiência de ferro funcional. Ela se liga à molécula de efluxo de ferro na superfície celular, a ferroportina, e causa sua degradação, inibindo, assim, tanto a absorção de ferro dietético pelo epitélio intestinal como a exportação de ferro de macrófagos e hepatócitos para o plasma (Fig. 13-16). 1861 Fig. 13-16 Mecanismo de ação da hepcidina. Ligação da hepcidina com a ferroportina causa sua internalização e degradação, inibindo o efluxo de ferro no plasma. (Cortesia de Dr. J.F. Zachary, College of Veterinary Medicine, University of Illinois.) A anemia da inflamação envolve outros fatores além da disponibilidade diminuída de ferro. Citocinas inflamatórias tendem a inibir a eritropoiese por dano oxidativo aos eritrócitos e desencadeiam apoptose de células eritroides em desenvolvimento por diminuírem a produção de Epo e fator de células-tronco, e por diminuírem a manifestação de receptores de Epo. Além disso, a inflamação estéril experimentalmente induzida em gatos resultou em sobrevida diminuída do eritrócito, indicando que a anemia da inflamação provavelmente também resulta da destruição aumentada de eritrócitos. A verdadeira deficiência de ferro tem sido reconhecida há bastante tempo como causa de anemia. Em animais domésticos, a deficiência de ferro ocorre mais comumente pela perda crônica de sangue, que consequentemente ocasiona a perda de ferro na forma de hemoglobina e, menos frequentemente, pela deficiência alimentar. Apesar de a deficiência de ferro frequentemente resultar em anemia não regenerativa, isso nem sempre é assim, especialmente quando o ferro nutricional não é um fator limitante. Muitas condições subjacentes podem causar deficiência de ferro induzida por hemorragia, incluindo doença gastrointestinal (GI) primária ou secundária (p. ex., ancilóstomos, neoplasias, úlceras) e ectoparasitismo acentuado. O 1862 quadro hematológico clássico na deficiência de ferro é a anemia microcítica hipocrômica. A microcitose e a hipocromia são sinalizadas no hemograma, respectivamente, pelos valores de VCM e CHCM anormalmente baixos. A microcitose e a hipocromia podem ser discerníveis em uma avaliação do esfregaço sanguíneo como eritrócitos anormalmente pequenos ou corados palidamente devido à sua concentração de hemoglobina subnormal, respectivamente. Entretanto, o exame microscópico não é um método confiável de detecção, especialmente no caso de anormalidades leves. Acredita-se que a baixa concentração de hemoglobina contribua para a microcitose, pois um dos mecanismos de feedback que sinaliza as células eritroides a pararem de se dividir é quando se atinge certo limiar na concentração de hemoglobina. Concentrações de hemoglobina anormalmente baixas durante a eritropoiese resultam, assim, em mais divisões celulares e, consequentemente, em eritrócitos menores. A microcitose mais frequentemente se desenvolve antes da hipocromia. Outras causas de eritropoiese diminuída incluem: • Decréscimo da estimulação hormonal (p. ex., insuficiência renal crônica) • Desnutrição • Infecção das células eritropoiéticas • Danos tóxicos à medula óssea • Outras doenças envolvendo a medula óssea • Destruição imunomediada dos precursores eritroides • Condições hereditárias Os exemplos específicos de doenças causadoras de anemia não regenerativa por esses mecanismos serão discutidos mais adiante neste capítulo. É importante apontar que a anemia não regenerativa nem sempre é causada por decréscimo na eritropoiese. Por exemplo, a IMHA tem por característica ser fortemente regenerativa, mas há, também, formas não regenerativas de IMHA. Os achados de medula óssea em cães com IMHA não regenerativa grave variam de completa ausência de eritropoiese, conhecida como aplasia eritroide pura, até hiperplasia eritroide na maioria dos pacientes em um estudo. A última situação é um exemplo de hematopoiese não efetiva (nesse caso, eritropoiese não efetiva), em que as células são produzidas em taxa anormal ou aumentada, mas são destruídas, presumivelmente devido ao mecanismo imunomediado, antes que entrem na circulação sanguínea. Neutropenia 1863 Neutropenia refere-se à diminuição da concentração de neutrófilos circulantes. A neutropenia pode ser causada pela produção diminuída, distribuição alterada, demanda por neutrófilos em tecido inflamado que exceda a taxa de granulopoiese, destruição aumentada ou doença hereditária. Produção diminuída é evidente no exame da medula óssea como hipoplasia granulocítica. Normalmente, resulta de danos que afetam múltiplas linhagens de células hematopoiéticas, como dano químico, radiação, neoplasia, infecção e fibrose, mas pode ainda ser causada por um processo que, preferencialmente, tem como alvo a granulopoiese. A neutropenia imunomediada é rara, mas é uma condição reconhecida em animais domésticos. As alterações observadas na medula óssea variam de aplasia ou hipoplasia granulocítica até hiperplasia, dependendo de onde as células sob ataque imune estão em seus respectivos compartimentos de diferenciação. A neutropenia com nenhuma evidência de produção diminuída e na qual qualquer outra causa de neutropenia tenha sido excluída pode ser resultado de destruição dos neutrófilos antes que tenham deixado a medula óssea, condição conhecida como granulopoiese ineficaz. Como outras formas de hematopoiese ineficaz, essa condição frequentemente é presumida como imunomediada; em gatos, pode ocorrer como resultado da infecção de células hematopoiéticas pelo vírus da leucemia felina (FeLV). Em marcante contraste aos eritrócitos, os neutrófilos têm tempo de vida muito curto na circulação sanguínea. Uma vez liberado da medula óssea, o neutrófilo permanece na corrente sanguínea por horas antes de migrar para os tecidos. O destino dos neutrófilos após terem deixado a corrente sanguínea em condições normais (i.e., sem um contexto de inflamação) é pouco compreendido. Essas células migram para dentro dos tratos GI e respiratório, fígado e baço, podem ser eliminadas através das superfícies mucosas ou sofrer apoptose e ser fagocitadas por macrófagos. Quando a produção de neutrófilos cessa, uma reserva de neutrófilos maduros na medula óssea (discutido em mais detalhe adiante) pode ser adequada para manter normal o número de neutrófilos circulantes por poucos dias; entretanto, após o compartimento de armazenagem da medula óssea esgotar, a neutropenia rapidamente ocorre. Os neutrófilos dentro da vasculatura sanguínea estão em dois compartimentos: um compartimento circulante, que consiste em células fluindo livremente no sangue; e um compartimento marginal, consistindo naquelas células transitoriamente associadas à superfície endotelial (na realidade, os neutrófilos estão em constante deslocamento entre esses dois compartimentos, mas a proporção de células em qualquer compartimento normalmente permanece relativamente constante em qualquer espécie). Os neutrófilos circulantes fazem parte da amostra de sangue coletada durante a punção venosa de rotina e são, portanto, determinados pelo hemograma, 1864 enquanto os neutrófilos marginados não são. A pseudoneutropenia refere-se à situação na qual há aumento da proporção de neutrófilos no compartimento marginal. Isso pode ocorrer em função de fluxo de sangue diminuído ou em resposta a algum estímulo,como a endotoxemia, que aumenta a expressão das moléculas promotoras da interação entre os neutrófilos e as células endoteliais. A neutropenia também pode resultar de aumento na demanda por neutrófilos pelos tecidos. A rapidez com que essa situação se desenvolve não depende apenas da magnitude do estímulo inflamatório, mas também da reserva de neutrófilos pós- mitóticos na medula óssea. O tamanho dessa reserva ou compartimento de armazenagem depende da espécie. Em cães, esse compartimento contém o equivalente a 5 dias de produção normal de neutrófilos. Os bovinos representam o outro extremo, pois apresentam um compartimento de armazenagem pequeno e, assim, estão predispostos a tornarem-se neutropênicos mais facilmente que os cães. Equinos e gatos estão entre os dois extremos, mais perto de bovinos e cães, respectivamente. Conclui-se então que o significado clínico da neutropenia causada por desequilíbrio no suprimento e na demanda depende da espécie. Em cães, a neutropenia como resultado de inflamação é um dado alarmante, pois é uma evidência de demanda massiva do tecido por neutrófilos que exauriu o compartimento de armazenagem do paciente e está excedendo a taxa de granulopoiese na medula óssea, enquanto em bovinos a neutropenia é comumente notada em uma vasta lista de condições envolvendo inflamação aguda e não indica necessariamente demanda avassaladora. Eosinopenia/Basopenia Em muitos laboratórios, os valores de referência do hemograma para eosinófilos e basófilos são tão baixos quanto zero célula por microlitro de sangue, excluindo a possibilidade de detecção de eosinopenia ou basopenia. Quando detectável, a eosinopenia é frequentemente parte de um leucograma de estresse (mediado por glicocorticoide). Trombocitopenia O termo trombocitopenia refere-se à diminuição na concentração de plaquetas circulantes. Os mecanismos da trombocitopenia incluem diminuição da produção, aumento da destruição, aumento do consumo, alteração da distribuição e hemorragia. A diminuição da produção pode ocorrer devido a uma condição que afeta múltiplas linhagens de células hematopoiéticas, incluindo plaquetas, ou especificamente por trombopoiese deprimida. Em ambos os casos, a trombopoiese diminuída é evidente sob exame de uma amostra da medula óssea como hipoplasia megacariocítica. As 1865 causas gerais de hematopoiese diminuída descritas anteriormente nas seções sobre anemia e neutropenia também se aplicam à trombocitopenia. As doenças específicas causadoras da trombocitopenia são tratadas mais adiante neste capítulo. Trombocitopenia imunomediada é uma doença razoavelmente comum em cães e pode ocorrer também em outras espécies. O consumo aumentado de plaquetas é característica marcante de coagulação intravascular disseminada (CID), uma síndrome na qual a hipercoagulabilidade leva ao consumo aumentado tanto de plaquetas quanto de fatores de coagulação no plasma, com subsequente hipocoagulabilidade e suscetibilidade a sangramento. O baço, normalmente, contém uma proporção significativa da massa total de plaquetas (até um terço em algumas espécies), e anormalidades envolvendo o baço podem levar a uma alteração no número de plaquetas circulantes. Por exemplo, congestão esplênica pode resultar em trombocitopenia, e contração esplênica pode resultar em trombocitose. Hemorragia aguda pode resultar em trombocitopenia leve a moderada. Mecanismos potenciais de trombocitopenia causada por hemorragia incluem perda e consumo das plaquetas. Obviamente, a trombocitopenia pode ser causa de hemorragia. Na ausência de outros fatores complicadores, uma trombocitopenia grave (menos que 50.000 plaquetas/μL de sangue) é mais propensa a ser a causa do que o resultado do sangramento. Na avaliação de uma amostra de medula óssea, a hiperplasia megacariocítica é evidência de resposta trombopoiética regenerativa, e um aumento no valor do volume plaquetário médio (VPM) no hemograma frequentemente acompanha tal resposta. Linfopenia O termo linfopenia refere-se à diminuição da concentração de linfócitos na circulação sanguínea. É um dado comum no hemograma de animais doentes. Com frequência, o mecanismo preciso da linfopenia não está bem determinado. Presumivelmente, é mediada, ao menos em parte, pelo excesso de glicocorticoides endógenos. A linfopenia pode ser causada por vários mecanismos, incluindo distribuição alterada de linfócitos (tráfego aumentado de linfócitos para os tecidos linfoides e diminuição da saída de linfócitos desses tecidos), linfotoxicidade (dano direto aos linfócitos ou supressão da linfopoiese) de agentes terapêuticos ou infecciosos, perda de linfa rica em linfócitos ou distúrbios congênitos. O tráfego normal de linfócitos pode ser afetado em razão de uma alteração na arquitetura normal do tecido linfoide (p. ex., devido a neoplasia ou inflamação) ou em resposta a sinais de citocinas. O excesso de glicocorticoide pode causar linfopenia via redistribuição a partir do sangue para o tecido linfoide ou via efeitos linfotóxicos diretos. Tratamentos antineoplásicos (quimioterapia ou radioterapia) e medicamentos imunossupressores podem, também, ser linfotóxicos. Algumas imunodeficiências hereditárias (como imunodeficiência 1866 combinada grave ou aplasia tímica) podem causar linfopenia. Eritrocitose O aumento da massa de eritrócitos acima de valores normais (i.e., o oposto de anemia) é conhecido como eritrocitose. O termo policitemia é frequentemente usado como sinônimo de eritrocitose, mas tecnicamente, e para os propósitos deste capítulo, a policitemia refere-se a um tipo específico de leucemia chamada de eritrocitose primária ou policitemia vera. A eritrocitose relativa ocorre mais frequentemente devido à desidratação, quando uma proporção diminuída de água no sangue resulta em hemoconcentração. Situação similar pode ocorrer como resultado de contração esplênica mediada por epinefrina. A eritrocitose causada por contração esplênica ocorre em grau mais pronunciado em equinos e pode ocorrer em menor grau em outras espécies. Em ambos os casos, a massa eritrocitária total não está de fato aumentada, mas parece estar assim devido a outros fatores. A eritrocitose secundária refere-se a um verdadeiro aumento na massa de eritrócitos mediado pela Epo ou por uma resposta apropriada à hipoxemia (como pode ser observado em pacientes com doença cardiopulmonar e oxigenação gravemente prejudicada ou defeitos cardiovasculares causadores de desvio da direita para a esquerda), ou em casos raros de tumor que secrete a Epo (eritrocitose secundária inapropriada). A policitemia vera é diagnosticada com base no aumento marcante da massa de eritrócitos (o hematócrito em cães normalmente hidratados vai de 65% a >80%), ausência de hipoxemia, ausência de outros tumores e concentração normal ou diminuída de eritropoetina plasmática. A eritrocitose absoluta, tanto primária quanto secundária, causa aumento na viscosidade do sangue e resulta em fluxo sanguíneo prejudicado e distensão da microvasculatura. Os indivíduos afetados apresentam risco aumentado de hipóxia tecidual e trombose ou hemorragia. Sinais clínicos relacionados (síndrome de hiperviscosidade) podem incluir membranas mucosas eritematosas (Fig. 13-17) e tempo de preenchimento capilar prolongado, vasos escleróticos proeminentes, evidência de trombose ou hemorragia e sinais secundários (p. ex., neurológicos e cardiovasculares) relacionados a sistemas orgânicos específicos afetados. 1867 Fig. 13-17 Eritrocitose absoluta, síndrome da hiperviscosidade, mucosas eritematosas, gato. O eritema das mucosas é um dos sinais associados à síndrome da hiperviscosidade. Nesse caso, a mucosa oral é mais vermelha (setas) que o normal devido à concentração anormalmente alta de eritrócitos e seus aglomerados no sangue. Síndrome da hiperviscosidade também pode ocorrer devido a aumento da concentração plasmática de imunoglobulinas. (Cortesia de Dr. C. Patrick Ryan, Veterinary Public Health, Los Angeles Departament of Health Sevices; e Noah’s Arkive, College of Veterinary Medicine, The Universityof Georgia.) Neutrofilia A neutrofilia ocorre em resposta a vários estímulos diferentes, que não são mutuamente excludentes. Os principais mecanismos de neutrofilia são mostrados na Figura 13-18. O entendimento dos achados do hemograma característicos dessas respostas é uma parte importante da medicina veterinária clínica. A inflamação pode resultar em neutropenia, como discutido anteriormente, ou neutrofilia, conforme discutido adiante. Entretanto, antes de passar para uma discussão sobre a neutrofilia inflamatória e o denominado desvio à esquerda, é importante relatar duas outras importantes causas de neutrofilia. 1868 Fig. 13-18 Ilustração esquemática dos mecanismos de leucocitose neutrofílica. Neutrófilos e seus precursores são distribuídos em cinco compartimentos: um compartimento precursor na medula óssea, que inclui células progenitoras e outras mais comprometidas, os precursores mitoticamente ativos; um compartimento de armazenamento na medula óssea, constituído por células mitoticamente inativas, que incluem neutrófilos maduros e neutrófilos levemente imaturos (bastonetes); um compartimento marginando o sangue periférico (compartimento marginal); um compartimento circulante no sangue periférico (compartimento circulante); e um compartimento tecidual. O tamanho relativo de cada compartimento é representado pelo tamanho do seu quadro correspondente. A contagem de neutrófilos no sangue periférico mensura apenas o compartimento circulante, que pode ser ampliado pelo aumento da liberação de células do compartimento de armazenamento de medula óssea, pela transferência das células do compartimento marginal para o compartimento circulante, pela diminuição do extravasamento para o tecido ou pela expansão do compartimento de células precursoras na medula óssea. (Modificada de Finch SC: Hematology, ed. 3, New York, 1983, McGraw-Hill.) O excesso de glicocorticoides, tanto pela produção endógena quanto pela administração exógena, resulta em um padrão hematológico conhecido como leucograma de estresse, caracterizado por neutrofilia com células maduras (i.e., concentração elevada de neutrófilos segmentados), linfopenia e, especialmente em cães, monocitose. A eosinopenia é outro achado do leucograma de estresse, embora na maioria das vezes seja difícil de avaliar, pois os valores de referência para eosinófilos são muito baixos (em alguns laboratórios, o limite inferior do valor de referência é zero). Os mecanismos que contribuem para neutrofilia mediada por glicocorticoides incluem os seguintes: • Liberação elevada de neutrófilos maduros do compartimento de armazenamento 1869 da medula óssea. • Marginação diminuída de neutrófilos dentro da vasculatura com aumento resultante no compartimento circulante. • Diminuição da migração de neutrófilos da corrente sanguínea para os tecidos. A magnitude da neutrofilia tende a depender da espécie, e os cães apresentam a resposta mais pronunciada (até 35.000 células/μL de sangue) e, em ordem decrescente de magnitude de resposta, gatos (30.000 células/μL de sangue), equinos (20.000 células/μL de sangue) e bovinos (15.000 células/μL de sangue). Com excesso de glicocorticoides por longos períodos, o número de neutrófilos tende a normalizar, enquanto a linfopenia persiste. A liberação de epinefrina resulta em um padrão diferente, conhecido como leucocitose fisiológica, caracterizado por neutrofilia madura (como na resposta aos glicocorticoides) e linfocitose (diferentemente da resposta aos glicocorticoides). Esse fenômeno é de curta duração (menos de 1 hora). A neutrofilia ocorre principalmente em razão de um desvio das células do compartimento marginal para o circulante. A leucocitose fisiológica é comum em gatos (especialmente quando são submetidos a estresse durante a coleta de sangue) e em equinos, menos comum em bovinos e incomum em cães. Obviamente, a neutrofilia pode também indicar inflamação, e a variação na duração e magnitude do estímulo inflamatório pode produzir diferentes padrões de neutrofilia. Um dado hematológico clássico em pacientes com demanda aumentada por neutrófilos é a presença de formas imaturas no sangue, conhecidas como “desvio à esquerda”. Nem todas as respostas inflamatórias têm desvio à esquerda, mas a presença de tal desvio quase sempre significa demanda ativa por neutrófilos no tecido. A magnitude do desvio à esquerda é estimada pelo número de células imaturas e pelo grau de imaturidade. A forma mais leve é caracterizada por número elevado de bastonetes, os quais são precursores imediatos dos neutrófilos segmentados normalmente encontrados na circulação. As formas mais graves envolvem precursores progressivamente imaturos. Um desvio à esquerda é considerado regenerativo se o número de neutrófilos imaturos na circulação diminuir à medida que se tornam progressivamente imaturos. A expressão desvio à esquerda degenerativo é algumas vezes usada para descrever casos em que o número de formas imaturas excede o número de neutrófilos segmentados. Da mesma forma que na neutrofilia mediada por glicocorticoides, a magnitude típica da neutrofilia causada por inflamação varia entre as espécies, e os cães apresentam a resposta mais pronunciada. Neutrofilia marcante pode também ocorrer em função de uma condição 1870 hereditária conhecida como deficiência de adesão leucocitária (LAD), na qual o leucócito não expressa uma molécula de aderência necessária para migração do sangue para o tecido. Essa condição é descrita com mais detalhes na seção de doenças específicas. Pode ser útil pensar na cinética dos neutrófilos em termos de um modelo produtor-consumidor no qual a medula óssea seja a fábrica, e os tecidos (para onde os neutrófilos eventualmente vão), os consumidores. O compartimento de armazenagem da medula óssea é o estoque da fábrica, e os neutrófilos no fluxo sanguíneo estão em entrega para o consumidor. Dentro dos vasos sanguíneos, os neutrófilos circulantes estão na autoestrada, e os neutrófilos marginais são temporariamente empurrados para fora da estrada. Fisiologicamente, há um fluxo contínuo de neutrófilos do produtor para o consumidor. Assim, o sistema está em homeostase e o número de neutrófilos permanece relativamente constante dentro de um nível normal. Entretanto, patologicamente, pode haver perturbação desse sistema em vários níveis. A granulopoiese diminuída é análoga à produção fabril abaixo do nível normal. A granulopoiese ineficaz é análoga aos bens de consumo produzidos em taxa normal a aumentada, mas eles são danificados durante a fabricação e nunca deixam a fábrica. O desvio à esquerda é análogo à demanda aumentada pelo consumidor, com a entrega pela fábrica de produtos inacabados. Casos de inflamação estabelecida e persistente são caracterizados por hiperplasia granulocítica na medula óssea e por neutrofilia madura, e são análogos a fábricas que têm tido tempo para se ajustarem à demanda elevada aumentando a produção de forma eficiente. Eosinofilia/Basofilia A eosinofilia e, menos comumente, a basofilia (que, quando presente, na maior parte das vezes ocorre simultaneamente com a eosinofilia) pode ocorrer em resposta ao parasitismo como parte de uma resposta alérgica, como anormalidade paraneoplásica (devido à produção de citocinas por células neoplásicas ou outras células inflamatórias reagindo à neoplasia), como resposta típica a uma doença infecciosa não parasitária ou em condições idiopáticas raras (p. ex., síndrome hipereosinofílica). Trombocitose Trombocitose, ou concentração de plaquetas no sangue acima dos valores de referência, é um achado inespecífico comum em medicina veterinária. Na imensa maioria dos casos, a trombocitose é reativa — uma resposta a outro processo patológico aparentemente não relacionado. Exemplos de condições associadas a essa trombocitose incluem doenças infecciosas e inflamatórias, deficiência de ferro, 1871 hemorragia, endocrinopatias e neoplasia. Os fatores que podem contribuir para trombocitose reativa incluem aumento na concentração de trombopoietina no plasma, citocinas
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