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Jogos e Brincadeiras Musicais Unidade 1 - Jogos e brincadeiras musicais: conceitos! Professora: Mariana Barbosa Ament Realização: Secretaria Geral de Educação a Distância da Universidade Federal de São Carlos 1. Introdução. Caro(a) aluno(a)! Nesta unidade, falaremos sobre jogos e brincadeiras musicais. Espera-se que, com ele, você tenha aportes teóricos para o estudo no tema e que possa embasar sua prática de maneira satisfatória. Trataremos do conceito de brincadeira para compreender como a música, enquanto subárea das artes, pode contribuir para a prática1 de jogos e brincadeiras no ensino. Em segunda instância, serão apresentados alguns jogos e brincadeiras musicais que você, enquanto educador, poderá praticar com seus alunos(as), contribuindo para a apropriação da cultura de modo que, no coletivo, vá se modificando e criando novas formas de brincar. 2. Conceito na prática: brincadeira é coisa séria! Quando pensamos em jogos e brincadeiras, imediatamente, imaginamos crianças, adultos, ou nós mesmos brincando, não é mesmo? Isso ocorre porque brincar é uma ação. Enquanto ação é constituída de movimento2 que pode se transformar e transcender uma brincadeira dada. Ou seja, a intenção é que, aquela brincadeira que você lê nos livros didáticos ou em outros materiais, se transforme em prática, porque na verdade ela é prática e se transformou em leitura. Nós, professores, estamos muito acostumados em descrever o que vemos, teorizar o que aprendemos. Porém estamos tratando, neste curso, de um universo que advém da prática, do contato humano, do coletivo. Para Maluf (2003), o brincar é e sempre será uma atividade prazerosa e de direito acessível a qualquer ser humano, independentemente de sua faixa etária e classe social. Na brincadeira lidamos com o real por meio da expressão, dos desejos e do conflito. É nesse sentido que é uma ação livre e espontânea! Lembra quando você chamava o vizinho para brincar sem nem ao menos combinar horário e tipo de brincadeira? Era só começar que tudo fluía. Porém, nessa liberdade, o aprendizado se instala nem sempre de maneira prazerosa. Brincar é conflitante, desafiador e expositivo. Vigotsky (2006) problematiza dizendo que, no brincar, a criança lida com o conflito de disputa, “ganhar” e “perder”, de aceitar regras impostas, de desafiar-se a cumpri-las ou alcançar metas e ainda expõe suas individualidades e fragilidades. 1 A prática não é, de modo algum, ação isolada da teoria. Superamos há tempos essa dicotomia: as duas se completam e são ações, práxis (termo utilizado por Paulo Freire) de modo que agir e refletir são práticas nas quais, da teoria, chegamos à prática e nossa prática gera nova teoria (FREIRE, 1987, p. 38). 2 Movimento aqui é entendido como algo intencional, que faz parte do desenvolvimento do ser. “A ação é idêntica ao movimento para Piaget, mas movimentos que podem ser miniaturizados, internalizados e, acima de tudo, que são intencionais. Os movimentos podem ser miniaturizados em micromovimentos, como nos movimentos dos olhos, ou internalizados, como na representação” (VONÈCHE; STOLTZ, 2007, p. 19). Essa ação ainda é livre de modo que, para se desenvolver, o ser humano necessita do conflito, desafio e exposição. A liberdade do brincar é responsável pelo desenvolvimento físico, moral e cognitivo, pois, de acordo com Kishimoto (1999), há progresso e expansão dos músculos, da mente e da coordenação motora, trazendo saúde e bem-estar a todos que praticam. Projetamos a importância da brincadeira, do lúdico de maneira essencial à criança porque seu ser está ainda em grande potencial de desenvolvimento, e a prática e a ação de brincar satisfazem essa necessidade. Para Garcia e Marques (2001), a infância é a idade das brincadeiras! Partindo então do conceito de ação, que promove o desenvolvimento do ser, pode ser considerada atividade intrínseca ao humano. Enquanto seres humanos, somos sociais, ou seja, vivemos em comunidade. É em comunidade que fazemos “cultura”! Por isso, devemos tratar a brincadeira com compromisso. Segundo Brougère (2004), o jogo também é uma forma de socialização que prepara a criança para ocupar um lugar na sociedade adulta. Toda socialização pressupõe a apropriação da cultura, de uma cultura compartilhada por toda sociedade ou parte dela. A brincadeira aparece como atividade que permite à criança a apropriação dos códigos culturais e seu papel na socialização foi muitas vezes destacado (BROUGÈRE, 2004, p. 40). A música faz parte de nossa cultura, e, consequentemente, jogos e brincadeiras musicais também! No caso da música, ela se faz como objeto da brincadeira, ou seja, o brinquedo. Kishimoto (1999) trata de quatro possibilidades para os brinquedos: Brinquedo Educativo, Brincadeiras tradicionais infantis, Brincadeiras de faz de conta e Brincadeiras de construção. Neste curso, trataremos do brinquedo educativo (também podemos chamá-lo de jogo educativo), pois ele é o que objetiva uma ação pedagógica. Considerando essa ação, há duas funções possíveis: a função lúdica – cuja intenção pedagógica é a de propiciar diversão, e a função educativa – cuja intenção pedagógica é a de complementar a formação de conhecimentos. Qual sua intenção de ação pedagógica com o brincar? Acredito que há momentos nos quais a brincadeira assume uma função lúdica, importante para despertar sentimentos de bem-estar, alegria, amorosidade e diversão nos alunos – fator importante para disposição para o aprendizado, abertura ao saber, ao outro e desenvolvimento enquanto cidadãos nas relações interpessoais. A brincadeira livre é um tipo de função lúdica importante também para despertar a criação, o senso coletivo, a pró-atividade. Perceba que, por mais que a intenção seja lúdica, o fim é pedagógico, pois você está considerando o aprendizado integral do(a) aluno(a) como parte do projeto educativo. Porém, nada mais prazeroso do que unir o útil ao agradável! Planejar brincadeiras que auxiliem no aprendizado de conhecimento acerca de conteúdos pré-estabelecidos é eficaz, mas para isso, você precisa dominar os conteúdos que deseja abordar e as brincadeiras. É nesse sentido que a música, enquanto subárea de conhecimento em artes será nosso objeto/brinquedo no cunho pedagógico e poderemos utilizá-la tanto com função lúdica, quanto educativa em jogos e brincadeiras. 3. A música nos jogos e brincadeiras no Brasil: possibilidades e desafios! As manifestações de nosso cancioneiro popular nos trazem elementos e possibilidades muito ricas para trabalhar jogos e brincadeiras musicais. São eles: Cantigas de Roda As cantigas de roda são cantigas que advêm da cultura popular, oral, da cultura do movimento. Elas são simbolizadas por meio da roda, do olhar e do canto. O movimento para a criança pequena significa muito mais do que mexer partes do corpo ou deslocar-se no espaço. A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos das mímicas faciais e interagem utilizando fortemente o apoio do corpo (BRASIL, 1998, p. 18). Uma cantiga de roda bem conhecida é “Meu limão, meu limoeiro”. Quadro 1: Exemplo de Cantiga de Roda. “Meu limão, meu limoeiro, Meu pé de jacarandá, Uma vez, tindolelê, Outra vez, tindolalá”. Fonte: CATRAQUINHA LIVRE, s/d., s/p. Parlendas De acordo com Ferreira (2001, p. 516), parlenda significa tagarelar, lengalenga – em Portugal. Elas são de origem espanhola e têm por maior característica a rima. Em versos e andamento rápido, são declamadas (não cantadas) em versos de cinco ou seis sílabas geralmente acompanhadas de jogos de mãos. Quem não conhece a seguinte parlenda? Quadro 2: Exemplo de Parlenda. “Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão. Menininha quando dorme põe a mão no coração”. Fonte: OLIVEIRA,s/d., s/p. Acalantos (afro-brasileiros) São cantos, geralmente repletos de repetições onomatopeicas, com objetivo de embalar as crianças no colo materno. No Brasil, comumente vemos traduções e tradições de cantos com letras ameaçadoras, porém a justificativa para tal é a de que essas composições fortalecem a função protetora da mãe de proteger a criança contra todo o medo e todo mal. Suas letras também carregam personagens de diversidade cultural, pois, na época colonial, em que os filhos eram cuidados por negras e índias, as mesmas cantavam e embalavam as crianças, atribuindo aos acalantos sua identidade cultural, daí a diversidade que temos hoje. Quem não conhece Boi da Cara Preta? Quadro 3: Exemplo de Acalanto. “Boi, boi, boi boi da cara preta pega este menino que tem medo de careta Não, não, não não coitadinho ele está chorando mas é tão bonitinho ”. Fonte: GUERRA, 2010, s/p. A suavidade melódica também é característica dos acalantos para simbolizar o acolhimento, docilidade e carinho maternos. Folguedos Vem de folia, festa. Nosso povo brasileiro adora uma festa, não é mesmo?! Os folguedos, de origem religiosa, são conhecidos principalmente por seus brincantes que integram as diferentes linguagens artísticas nas quais mulheres, homens, jovens, crianças, velhos, enfim, todos participam brincando muito. […] de uma interação entre o fazer musical com outras linguagens extra-musicais, utilizando a música não apenas como mera ilustração para a expressão de outra linguagem, mas integrando diferentes manifestações artísticas expressivas – teatro, música, dança e artes plásticas (TANAKA, 2001, p. 3). Como folguedos, as festas mais conhecidas são as de maracatu (o mais tradicional ocorre em Pernambuco, e em Recife há uma festa linda no período de carnaval), folia de reis (inicia nas datas natalinas e termina no dia 6 de janeiro, considerado “Dia de Reis”) e bumba-meu-boi (ocorre no Maranhão, Região Nordeste do Brasil e possui algumas variações, como Boi-Bumbá, no Amazonas e Pará, entre outros), mas há muitas outras! (REIS; DROZINA, 2010). Vimos nessas manifestações e suas definições diversas possibilidades. Porém, enquanto professores, precisamos considerar as seguintes perguntas: O que selecionar? Para que selecionar? Por que selecionar? São perguntas cuja resposta é sempre a mesma: “depende”. Depende de seus objetivos pedagógicos. O que devemos ter em mente e na prática é oferecer a maior gama de possibilidades de práticas musicais, incluindo o ouvir e o criar, para que nossos alunos possam ter condições de acesso e criticidade para vivenciar sua cultura, ou seja, precisamos auxiliar nossos alunos(as) no pertencimento de sua própria cultura. Natera (2011) diz que [...] os educadores responsáveis devam proporcionar à criança o contato com diferentes diversidades musicais para criar o hábito de ouvir, mas que também possibilite que ela brinque e experimente o prazer ou o desprazer; que desenvolva a percepção de elementos estruturais da obra musical; estimule-a a ter interesse em trazer e socializar suas brincadeiras musicais para o ambiente escolar provocando reflexões sobre o contexto histórico e sociocultural no qual a música está inserida (NATERA, 2011, p. 45). Nas próximas unidades, estudaremos especificamente as cirandas e cantigas de roda, como práticas brincantes potenciais para o estudo do movimento musical considerado em sua amplitude. Estudaremos, ainda, quais adequações e escolhas devemos fazer se tratando de jogos e brincadeiras musicais com variações de texto literário e rítmica. 4. Considerações finais. Considerando que agora já sabemos a amplitude do que vem a ser o “brincar”, na Unidade 2 focaremos em dois tipos de brincadeiras, utilizando o movimento como aspecto principal da expressão: as cirandas e as cantigas de roda. 5. Referências. BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular nacional da educação infantil. Brasília, DF: MEC, 1998. v. 2. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2014. BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2004. CATRAQUINHA LIVRE. 45 cantigas folclóricas para brincar de roda com as crianças. Disponível em: <https://catraquinha.catracalivre.com.br/geral/aprender/indicacao/45-cantigas-folcloricas-para-brincar- de-roda-com-as-criancas/>. Acesso em: abr. 2018. FERREIRA, A. B. H. Mini Dicionário. 4. ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. GARCIA, R. M.; MARQUES, L. A. Brincadeiras cantadas. Porto Alegre: Kuarupu, 2001. GUERRA, D. Corpo, som e movimento: acalantos afro-brasileiros. Revista África e Africanidades, Ano 2, n. 8, fev. 2010. Disponível em: <http://www.africaeafricanidades.com.br/documentos/Acalantos.pdf>. Acesso em: abr. 2018. KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999. MALUF, C. M. Brincar, prazer e aprendizado. Petrópolis: Vozes, 2003. NATERA, G. Brincadeira e Música. Revista Nupeart, Florianópolis, v. 9, 2011. Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/nupeart/article/viewFile/3528/2586>. Acesso em: ago. 2018. OLIVEIRA, D. 24 parlendas folclóricas. In: Mestre do Saber. Blog. Disponível em: <http://www.mestredosaber.com.br/24-parlendas-folcloricas/>. Acesso em: abr. 2018. REIS, I.; DROZINA, R. Folias e Folguedos do Brasil: Ciclo Junino. 1. ed. São Paulo: Paulinas Editora, 2010. TANAKA, H. Ensino e aprendizagem do cavalo-marinho infantil do bairro dos Novais (1999). In: Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical, 10., 2001, Uberlândia. Anais… Uberlândia: Abem, 2001. p. 10-15. VIGOTSKY, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: ______.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 10. ed. São Paulo: Ícone, 2006. p.103-117. VONÈCHE, J.; STOLTZ, T. Ação como solução ao problema mente e corpo na teoria de Piaget. Educar, Curitiba, n. 30, p. 17-43, 2007. Editora UFPR. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n30/a03n30.pdf>. 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