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Ativismo judicial (VT de Direito Constitucional III)

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UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA
DISCIPLINA: DIREITO CONSTITUCIONAL III
VT SOBRE ATIVISMO JUDICIAL (OU JUDICIALIZAÇÃO)
DATA: 05/06/20
Ativismo judicial:
 “Os juízes não têm ideia de qual é a vontade do povo. Nós trabalhamos em palácios de mármore”, Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte Americana.
 “O problema mais difícil do mundo, bem enunciado, um dia será resolvido, mas se o problema for mal enunciado, jamais será solucionado”, Mário Henrique Simonsen, economista.
Introdução:
Ativismo judicial é um termo técnico usado para designar a prática proativa e expansiva do Poder Judiciário ao interferir em decisões que se referem a outros poderes.
Assunto polêmico e atual por natureza. Muita coisa deve ser dita acerca do ativismo judicial para que os operadores do direito tenham conhecimento do que não é ou do que é bom sobre esse assunto.
Como já dito acima, o ativismo judicial é um termo técnico, ou seja: é uma técnica do Poder Judiciário.
Não obstante ter, hoje, uma imagem pejorativa, o ativismo judicial recebeu este nome por causa de uma atuação expansiva e proativa do Poder Judiciário.
A intenção desse trabalho aqui é falar sobre esse tema e trazer à luz vários aspectos relativos ao ativismo judicial. 
Desenvolvimento:
Pequeno aspecto histórico do ativismo judicial
Inicialmente, saberemos um pouco sobre a história do ativismo judicial.
Há uma divergência sobre como se iniciou o termo ativismo judicial. Porém, prevalece o entendimento de que o termo fora criado pelo jornalista dos Estados Unidos de nome Arthur M. Schlesinger Jr., no ano de 1947, em uma matéria jornalística para a revista “Fortune”. No artigo, o jornalista foi designado para construir o perfil ideológico e político dos nove membros que constituíam a Suprema Corte norte-americana, que nessa época enfrentava um momento de tensão política com o governo Franklin Delano Roosevelt, cujo tema consubstanciava-se em aprovar um plano econômico e político com o nome de new deal.
O plano político envolvia várias medidas legislativas marcadas pelo traço da inconstitucionalidade. Tinha o principal escopo de resgatar o desenvolvimento econômico da nação americana, que entrou em declínio depois do ocorrido pela grande depressão da década de 1930. O artigo tinha o título de “The Supreme Court: 1947”, de Schlesinger Jr.
Naquele contexto, o termo ativismo judicial não tinha muito a ver com o conceito de hoje. O artigo escrito por Arthur Schlesinger falou da postura adotada por alguns juízes da Suprema Corte, que mediante um comportamento de jurisdição defensiva (judicial restraint), proveniente de um pensamento eminentemente positivista, esquivavam-se de enfrentar casos essenciais e relevantes à sociedade.
Vamos ficar por aqui nesse contexto histórico, pelo motivo de não ser tão relevante para este trabalho que ora escrevemos, tampouco para a definição contemporânea desse termo.
Após esse curto momento histórico, para entender o que é ativismo judicial, há que se ter na cabeça o conceito do que é judicialização, já que é muito comum confundi-los.
O que é judicialização?
A judicialização é um fenômeno atual, proveniente da quantidade de procuras que têm sido levadas ao judiciário a fim de que seja dada uma sentença de mérito, resolvendo o caso concreto.
Trata-se de um aumento de demandas que buscam o judiciário para resolver questões que, primordialmente, deveriam ser resolvidas no âmbito dos outros poderes (legislativo e executivo).
O fenômeno da judicialização se deu a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, já que a Carta Magna vigente redemocratizou o país e passou a dar acesso para que o Poder Judiciário intervisse em muitas demandas.
Em síntese, judicialização quer dizer que uma parte do Poder Político está sendo transferida das instâncias políticas tradicionais para o Poder Judiciário. Significa dizer que a última palavra sobre questões morais, sociais ou econômicas de largo alcance, estão tendo a sua instância final de decisão diante do Poder Judiciário.
A judicialização, no Brasil, é um fato proveniente de um certo arranjo institucional. Esse dito arranjo criou uma constitucionalização abrangente, unida a um modelo de controle de constitucionalidade que faz com que todos os juízes de direito sejam juízes constitucionais e também permite que caibam as ações diretas proponíveis diretamente perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, devemos sempre ter em mente que nós, brasileiros, temos uma Constituição analítica, que trata de tudo: finanças, saúde, educação, previdência, família, crimes, idosos. Enfim, qualquer assunto é passível de chegar ao Supremo.
Qual a relação entre ativismo judicial e judicialização?
O ativismo judicial é uma consequência da judicialização – mas não somente dela. 
O excesso de demandas de cunho político levadas ao judiciário é que faz com que os juízes atuem de maneira expansiva, ultrapassando o limite da lei, tornando-se um juiz legislador.
Num Estado Democrático de Direito, é superimportante o equilíbrio entre os Poderes, de modo que nenhum se sobreponha em relação ao outro.
Além disso, na área da aplicação do direito, é interessante que ele fique longe da política, para que não sofra ingerências.
Para que entendamos melhor: a separação entre Direito e Política têm sido considerada essencial no Estado Constitucional Democrático, pois na política vigoram a soberania popular e o governo da maioria e no direito o que vigora é a supremacia da lei e o respeito aos direitos fundamentais. Logo, a política é o universo da maioria, e o direito é o poder da razão pública.
O direito e a política interagem mutuamente. Apear disso, o direito deve ter uma forte pretensão de autonomia em relação à política. No mundo das realidades, essa autonomia é relativa, e é necessário dividir essa relação em dois momentos: o da criação do direito e o da aplicação do direito. 
Criação do direito
Na hora de criação do direito, não há como colocá-lo de lado (separá-lo) da política, pois o direito é o produto do processo constituinte e do processo legislativo. Nas democracias, isso significa que o direito é o produto da vontade das maiorias.
Na parte que se refere à sua criação, o direito é um dos principais produtos da política, sendo que a criação dele é um dos objetivos através dos quais as batalhas políticas são guerreadas. Falando ainda sobre as democracias, o direito legitima o exercício do poder político, e procura limitar o exercício desse poder.
Aplicação do direito
Já no que se refere à aplicação, a separação entre direito e política é desejável e necessária, a fim de que subsistam as bases da democracia de um determinado Estado.
Existem dois grandes institutos que fazem a divisão do direito e da política.
O primeiro é a independência do Poder Judiciário: essa independência é obrigatória para que a política não tenha influência decisiva na aplicação e interpretação do Direito. 
Por esse motivo, o Poder Judiciário tem uma porção de garantias institucionais (autonomia financeira, administrativa e capacidade de auto-organização). Ademais, os juízes têm garantias funcionais como a inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos. Tais garantias resguardam o Judiciário da não ingerência política, de modo que este seja independente dos outros poderes.
O segundo instituto é o da vinculação dos juízes ao direito posto e aos valores e categorias da dogmática jurídica de uma maneira em geral.
Juízes não inventam e também não criam o direito. As decisões jurídicas sempre necessitam ser reconduzidas a alguma norma. Dizendo de outra forma, o juiz não pode abrir mão do direito para julgar o caso concreto.
Sei que essa parte é muito teórica, mas é importante para que não se tenha mais aquela visão que fora erroneamente espalhada na mídia de que o ativismo judicial, numa definição bem simplista, é a interferência do judiciário na política. Como somos operadores do direito, não podemos limitar nossoconhecimento àquilo que é tido como senso comum.
Interação entre direito e política
Em todo mundo democrático, parte dos poderes políticos é destinada a agentes públicos que não são eleitos.
Vamos explicar como acontece isso. O Poder Judiciário atua com um poder de interpretar e aplicar o direito e quando o juiz decide assuntos que têm associação com os interesses privados das pessoas, essa atuação não tem o costume de suscitar grandes controvérsias. No entanto, esse mesmo judiciário, quando declara a inconstitucionalidade de uma lei, determina que um governo estadual ou o SUS, por exemplo, financie o tratamento de um indivíduo lá no exterior (fora de nosso país) ou ordena que o andamento de determinada obra pública seja parada por questões ambientais, aí então aparecem os questionamentos. Isso acontece pelo motivo de haver uma sobreposição da vontade do judiciário na vontade política dos outros dois poderes, daqueles representantes que ganharam a eleição pelo voto do povo.
Assim, existe uma interação entre judiciário e política, na proporção em que o judiciário fabrica decisões que ocasionam interferência na atuação do Legislativo e do Executivo.
Aprofundamento em ativismo judicial
Assim que acabou a 2ª Guerra Mundial, o mundo notou que um judiciário forte e independente era necessário para que se preservasse e promovesse os direitos fundamentais. Junto com isso, também se observou um aumentativo e progressivo descrédito e desilusão com a política majoritária.
Apesar disso, o Poder Legislativo não tem a capacidade de produzir consensos e, por conseguinte, normatização diante de temas que têm controvérsia na sociedade. E aí então é função do Poder Judiciário resolver essas situações problemáticas. Os problemas vão surgindo ao longo da vida e o judiciário precisa solucioná-los, independentemente de haver, ou não, as normas.
O juiz não tem o direito de alegar a lacuna no ordenamento jurídico a fim de não solucionar uma questão: ele precisa definir essas matérias mesmo que o legislativo não tenha atuado. Dessa forma é que surge o ativismo judicial, que nada mais é do que a atuação expansiva do judiciário.
Dentro de uma eventual demanda na qual o Poder Legislativo tenha trabalhado escolhendo políticas, editando leis e tendo decisões, o judiciário, numa regra geral, tem que ser deferente para com essa decisão. Afinal, decisões políticas, dentro de uma democracia, são tomadas, ou pelo menos deveriam ser, por quem tem voto e o judiciário não tem voto.
Chegada de demanda ao judiciário em que o legislativo não fez o seu papel ou quando estiver em jogo um direito fundamental
O juiz não pode se esquivar do julgamento, logo diante da demanda, ele tem o dever de julgar. Foi por esse motivo que houve, nos últimos anos, um monte de decisões que foram consideradas ativistas. As demandas entravam no judiciário e o legislativo não tinha trabalhado para projetar uma resposta para aquele caso concreto.
Exemplo de ativismo judicial
O reconhecimento das uniões homoafetivas é um bom exemplo. Tampouco a constituição e nem a lei previram as relações entre pessoas homoafetivas, porém essa era uma realidade. Pessoas do mesmo sexo viviam juntas durante várias décadas, faziam patrimônio, separavam-se e como ficavam as decisões perante os casos concretos? Por exemplo, como ficaria o direito à pensão e à partilha de bens?
Essas coisas levaram o STF a reconhecer a união homoafetiva, apesar de não haver previsão dento da lei. Foi um tipo de decisão ativista, valendo-se da mutação constitucional, para saciar um desejo da sociedade para o qual o legislativo se manteve parado, inerte.
Outros exemplos de ativismo judicial no Brasil:
· Criminalização de homofobia como racismo: por mais revoltante que possam ser os crimes de homofobia e racismo, essa decisão do Supremo é uma das que mais contém perigo para o equilíbrio dos Poderes e o Estado Constitucional Democrático. Isso porque só através de lei pode ser criado um crime. E, nesse caso específico, o Supremo criou um crime. Por mais louvável que tenha sido a intenção do Supremo, ela descortina um precedente perigoso em demasia e que pode ser usado de maneira desarrazoada em casos futuros semelhantes.
 
· Declaração de inconstitucionalidade da não permissão de progressão dos crimes hediondos: Não obstante o debate tido nas duas Casas Legislativas, entre os representantes eleitos pelo povo, que editaram, por lei, a proibição à progressão de regime nos casos de crimes hediondos, o STF, argumentando uma densa base principiológica, entendeu que essa vedação era contra a Constituição Federal atual. Nesse tópico, o STF passou por cima dos outros dois poderes (Legislativo e Executivo), impondo, assim, a sua vontade, mesmo perante um procedimento legislativo legítimo. 
· Aborto praticado até o 3º mês não é crime: numa outra decisão praticada por ativismo, o Supremo descriminalizou o aborto praticado até o 3º mês de gestação. Sem entrar em temas religiosos aqui, posto que não é oportuno, porém, diante do caso concreto, essa decisão põe contra a parede a segurança jurídica, já que ela é contra legem, já que o aborto é crime, e as exceções da lei legais já estão previstas dentro do Código Penal Brasileiro. 
Exemplos de decisões ativistas no mundo
Já foi dito aqui que o ativismo judicial é um fenômeno do mundo e, sendo assim, trouxe várias decisões ativistas proferidas pelas cortes supremas por esse mundo. Vejamos:
· Nos Estados Unidos, a Suprema Corte decidiu acerca do resultado das eleições do ano de 2000.
· No Canadá, a Suprema Corte decidiu se os Estados Unidos poderiam praticar ou não, testes com mísseis no território que pertence aos canadenses.
· A Suprema Corte de Israel decidiu sobre a construção de um muro separando a parte palestina.
Vantagens e desvantagens do ativismo judicial
A grande vantagem do ativismo judicial é que toda e qualquer demanda será decidida pelo judiciário, mesmo nos casos de inércia do Poder Legislativo. Ou seja, todos terão a tutela jurisdicional, mesmo que os políticos eleitos não consigam trabalhar de modo suficiente para atender aos anseios da sociedade, a qual está em constante evolução a cada dia.
O lado negativo é o desequilíbrio dos poderes e a imposição da coisa que se chama de ditadura do Poder Judiciário.
Da mesma maneira em que o judiciário deve decidir o mérito de questões não abrigadas por lei, ele também deve ser solícito perante as situações em que há uma lei que regulamente a questão em lide, devendo declarar inconstitucionalidade só quando esta realmente vier a ocorrer, e não se aproveitar de dogmas principiológicos para dar a sensação de razoabilidade em suas decisões.
O populismo do judiciário é tão ruim quanto qualquer outro, e por esse motivo toda e qualquer decisão ativista tem que ser cautelosa ao extremo.
Conclusão:
O ativismo judicial deve ser visto como é, de fato, ou seja, uma técnica aplicável nos casos de decisões judiciais.
A ótica desagradável que vem percorrendo esse importante assunto é por pecado de decisões muitas das vezes absurdas decretadas pelo Supremo, nas quais derrubam, e muito, aquilo que fora decidido pelos outros poderes.
O judiciário deve e pode julgar as demandas que chegam às suas portas dia após dia, porém isso não lhes dá o direito de causar um rebuliço enorme em nosso ordenamento jurídico em vigor.
Bibliografia:
a) https://www.aurum.com.br/blog/ativismo-judicial/;
b) https://www.dicio.com.br/;
c) https://www.migalhas.com.br/depeso/289426/ativismo-judicial-para-quem-e-por-que;
d) https://www.youtube.com/watch?v=RDnnLM7dGuk;
e) https://www.youtube.com/watch?v=NaTOQ4DOCQ0.

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