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1 INTENSIVO TJPR DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL → CRIMES CONTRA A PESSOA ................................................................................................... 4 1. Crimes contra a vida ....................................................................................................................... 4 2. Crimes de lesões corporais ............................................................................................................ 25 3. Periclitação da vida e da saúde ...................................................................................................... 32 4. Rixa .............................................................................................................................................. 43 5. Crimes contra a honra ................................................................................................................... 46 6. Crimes contra a liberdade individual ............................................................................................. 55 7. Crimes contra a inviolabilidade do domicílio .................................................................................. 68 8. Crimes contra a inviolabilidade de correspondência....................................................................... 71 9. Crimes contra a inviolabilidade dos segredos ................................................................................. 74 → CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO ....................................................................................... 79 1. Furto ............................................................................................................................................ 79 2. Roubo e da extorsão ..................................................................................................................... 90 3. Usurpação .................................................................................................................................. 102 4. Dano .......................................................................................................................................... 105 5. Apropriação indébita .................................................................................................................. 108 6. Estelionato e outras fraudes........................................................................................................ 113 7. Receptação ................................................................................................................................. 124 8. Disposições gerais ....................................................................................................................... 130 → CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL ............................................................ 131 2 1. Crimes contra a propriedade intelectual ...................................................................................... 131 → CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ..................................................... 133 1. Crimes contra a organização do trabalho ..................................................................................... 133 → CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS ...................................................................................................................................................... 141 1. Crimes contra o sentimento religioso .......................................................................................... 141 2. Crimes contra o respeito aos mortos ........................................................................................... 142 → CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL ........................................................................ 144 1. Crimes contra a liberdade sexual ................................................................................................. 144 2. Crimes contra vulnerável ............................................................................................................ 148 3. Disposições gerais ....................................................................................................................... 155 4. Lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual ... 156 5. Ultraje público ao pudor ............................................................................................................. 160 6. Disposições gerais ....................................................................................................................... 162 → CRIMES CONTRA A FAMÍLIA ............................................................................................. 163 1. Crimes contra o casamento ......................................................................................................... 163 2. Crimes contra o estado de filiação ............................................................................................... 167 3. Crimes contra a assistência familiar ............................................................................................. 169 4. Crimes contra o pátrio poder, tutela curatela .............................................................................. 173 → CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA .............................................................. 176 1. Crimes de perigo comum ............................................................................................................ 176 2. Crimes contra a segurança dos meios de comunicação e transporte e outros serviços públicos ..... 184 3. Crimes contra a saúde pública ..................................................................................................... 190 → CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA ..................................................................................... 205 3 1. Crimes contra a paz pública ......................................................................................................... 205 → CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA ....................................................................................... 210 1. Moeda falsa................................................................................................................................ 210 2. Falsidade de títulos e outros papéis públicos ............................................................................... 213 3. Falsidade documental ................................................................................................................. 216 4. Outras falsidades ........................................................................................................................ 225 4. Fraudes em certames de interesse público .................................................................................. 228 → CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................ 229 1. Crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral ................................. 230 2. Crimes praticados por particular contra a administração em geral ............................................... 247 3. Crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira ................................ 261 4. Crimes contra a administração da justiça ..................................................................................... 263 5. Crimes contra as finanças públicas .............................................................................................. 282 4 Crimes contra a pessoa. → CRIMES CONTRA A PESSOA 1. Crimes contra a vida I. Homicídio (art. 121) O homicídio é o crime central dos crimes contra a vida. O homicídio admite, dentre outras, diversas modalidades: • Homicídio doloso simples • Homicídio doloso qualificado • Homicídiodoloso privilegiado • Homicídio culposo • Homicídio culposo majorado • Homicídio doloso majorado a) Homicídio simples O homicídio é a conduta de matar alguém. Poderá ser hediondo quando for praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente. → Sujeito ativo O sujeito ativo do homicídio simples pode ser qualquer pessoa, pois se trata de um crime comum. Euclides Custódio da Silveira trata do crime de homicídio praticado por irmãos xifópagos (siameses). O irmão “A” cometeu o homicídio e o irmão “B” não. Se o irmão fosse ao cárcere ficará o irmão “B” preso? A doutrina diz que se a separação dos irmãos for cirurgicamente possível, e houver o consentimento do inocente, haverá a separação e o outro vai ao cárcere. Mas se não for possível a separação, será possível impor a pena ao irmão “A”, ainda que seja condenado. Do contrário penalizaria o irmão “B”. → Sujeito passivo Qualquer pessoa poderá ser sujeito passivo. 5 A pena é aumentada de 1/3 se o crime é cometido contra: • Menor de 14 anos • Maior de 60 anos → Conduta A conta é tirar a vida de alguém. Quando começa a vida extrauterina? Começa com o parto, quando se inicia o trabalho do parto. Isso se dá com o início das contrações expulsivas. No caso de uma gravidez de cujo nascimento se dá por cesariana, isto ocorrerá com o início da operação, com a incisão. → Voluntariedade O homicídio doloso pode ser direto ou eventual. Sendo o agente portador do vírus HIV e tendo a intenção de ter relações sexuais com a sua esposa para transmitir esse vírus a ela, segundo Rogério Sanches, haveria a prática do crime de tentativa de homicídio. Caso use preservativo, e o preservativo rasgue culposamente, talvez estivesse diante de uma lesão corporal culposa. Para Samer, discordando de Sanches, neste caso o fato seria atípico. Cabe ressaltar que, segundo o STJ, o indivíduo que tenha a intenção de transmitir vírus HIV ao parceiro pratica o delito de lesão corporal de natureza gravíssima, tendo em vista se tratar de enfermidade incurável. → Consumação e tentativa O crime de homicídio simples se consuma com a morte. O crime é material. O crime de homicídio é plurissubsistente, podendo ocorrer de diversos atos. Basta pensar o homicídio praticado por meio de facadas, eis que a conduta estaria fracionada. A tentativa é plenamente possível. b) Homicídio privilegiado O homicídio privilegiado é o homicídio com uma causa de diminuição de pena de 1/6 a 1/3. O art. 121, §1º, traz 3 hipóteses em que o homicídio é privilegiado: 6 • Relevante valor social: se dá quando o interesse é de toda a coletividade. Ex.: matar o traidor da pátria, ou matar o estuprador de diversas crianças no bairro. • Relevante valor moral: ocorre quando há um interesse individual, havendo um sentimento de misericórdia ou compaixão. Ex.: homicídio eutanásico. • Homicídio emocional: o sujeito ativo reage logo após injusta provocação de vítima, sob o domínio de violenta emoção. São requisitos: o Domínio de violenta emoção o Reação imediata o Injusta provocação da vítima Os Tribunais entendem que o privilégio se faz presente enquanto estiver presente o domínio de violenta emoção. Não há tempo definido. → Comunicabilidade do §1º Esse privilégio do §1º do art. 121, que trata do homicídio privilegiado, não muda a natureza do crime, não muda o intervalo do crime, sendo apenas uma causa de diminuição da pena. Não interfere na qualidade do crime. No caso de concurso de pessoas, dada a natureza pessoal de minorante, não haverá comunicação ao coautor. Só há alteração da quantidade da pena, mas não na qualidade da pena. → Natureza jurídica do privilégio O sujeito, tendo preenchido todos os requisitos para obter o homicídio privilegiado, passará a ter o direito público subjetivo à diminuição de pena. c) Homicídio qualificado O homicídio qualificado é crime hediondo. A pena varia de 12 a 30 anos, muito maior do que a do homicídio simples que varia de 6 a 20 anos. → Mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe A diferença de paga para promessa de recompensa: • Paga: o pagamento vem antes. • Promessa de recompensa: o pagamento vem depois. O crime praticado por motivo torpe é aquele praticado por motivo vil, repugnante, abjeto. 7 O clássico exemplo é o homicídio mercenário, em que o sujeito comete em razão de paga ou promessa de recompensa. Neste caso, há um crime de concurso necessário, por haver necessariamente o mandante e o executor. O STJ, recentemente (2016), entendeu que o reconhecimento da qualificadora da "paga ou promessa de recompensa" em relação ao executor do crime de homicídio mercenário não qualifica automaticamente o delito em relação ao mandante, nada obstante este possa incidir no referido dispositivo caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja torpe (Inf. 575, STJ). Em outras palavras, o STJ decidiu que: i) A “paga ou a promessa de recompensa” é uma circunstância acidental do delito de homicídio, de caráter pessoal e, portanto, incomunicável automaticamente aos coautores do homicídio; ii) No entanto, não há proibição de que esta circunstância se comunique entre o mandante e o executor do crime, caso o motivo que levou o mandante a encomendar a morte tenha sido torpe, desprezível ou repugnante; iii) Em outras palavras, o mandante poderá responder pelo inciso I do § 2º do art. 121 do CP, desde que a sua motivação, ou seja, o que o levou a encomendar a morte da vítima seja algo torpe . Ex: encomendou a morte para ficar com a herança da vítima; iv) Por outro lado, o mandante, mesmo tendo encomendado a morte, não responderá pela qualificadora caso fique demonstrado que sua motivação não era torpe. Ex: homem que contrata pistoleiro para matar o estuprador de sua filha. Neste caso, o executor responderá por homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I) e o mandante por homicídio simples, podendo até mesmo ser beneficiado com o privilégio do § 1º. Há ainda uma discussão sobre a necessidade de a recompensa ter natureza econômica ou não. O entendimento prevalente é no sentido de que essa recompensa deve ter natureza econômica. A vingança, para o STJ, poderá ou não constituir motivo torpe, a depender das peculiaridades do caso concreto. Este também é o entendimento do STF. São exemplo de motivação do homicídio que poderá ser considerado torpe: • Preconceito • Canibalismo • Vampirismo • Motivação econômica 8 • Intenção de ocupar o cargo da vítima • Matar por prazer • Preso que mata outro porque integra facção criminosa adversária → Motivo fútil O homicídio poderá ser qualificado pelo motivo fútil, o qual se caracteriza pela desproporcionalidade entre a resposta e a provocação. O motivo do crime é absolutamente desproporcional. Cuidado para não confundir a insuficiência com a ausência de motivo. O homicídio sem motivo aparente é homicídio simples, e não qualificado pelo motivo fútil. É exemplo de motivo fútil é o homicídio praticado por conta de uma dívida de 5 reais. INFO/STJ 583 “Não há incompatibilidade na coexistência da qualificadora do motivo fútil com o dolo eventual em caso de homicídio causado após pequeno desentendimento entre agressor e agredido. Precedentes do STJ e STF.” . REsp 1601276/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017) A doutrina ainda afirma que não é possível a concomitância entre motivo torpe e fútil no crime de homicídio Segundo STJ (2016), não incide a qualificadora de motivo fútil, na hipótese de homicídio supostamente praticado por agente que disputava "racha", quando o veículo por ele conduzido, por conta de choque com outro automóvel também participante do "racha", tenha atingido o veículo da vítima, terceiro estranho à disputa automobilística. Não há aqui motivo fútil, banal, insignificante,diante de um acidente cuja causa foi um comportamento imprudente do agente, comportamento este que não foi resposta à ação ou omissão da vítima. Na verdade, não há nenhum motivo. → Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum Há um rol de circunstâncias que têm natureza objetiva, pois se relacionam ao meio empregado. Há uma interpretação analógica. Insidioso é o meio dissimulado, enquanto o cruel é o emprego desnecessário para obter o seu resultado. tel:1601276 9 No caso do emprego de veneno, por se tratar de uma substância biológica ou química, que seja capaz de perturbar ou destruir as funções vitais do organismo humano. Magalhães Noronha diz que toda substância pode ser veneno, como é o caso do diabético que ingere alto teor de açúcar, assim como a pessoa que ingere substância que cause alergia. Só haverá essa qualificadora por veneno (venefício) se a pessoa desconhecer que está ingerindo veneno. Sanches ressalta que, do contrário, será a qualificadora por meio cruel, pois traz um sofrimento desnecessário. Pode-se falar em crime impossível por absoluta ineficácia do meio quando for feita prova de que a substância não poderia, nem mesmo em altíssimas doses, provocar a morte de um ser humano. Se o veneno tinha potencial para matar, mas foi insuficiente para provocar a morte, há mera ineficácia relativa, respondendo o agente pelo homicídio qualificado tentado. No caso do emprego de tortura, é preciso diferenciar que, somente haverá a qualificadora do homicídio, se a intenção do agente, ao torturar a vítima, era alcançar o resultado morte. Se o agente queria apenas torturar e a morte resulta de conduta culposa, haverá o crime de tortura qualificado pelo resultado (art. 1º, §3º, da Lei 9.455/97). → À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido Perceba que o Código Penal vai se valer da interpretação analógica. Trata-se de uma qualificadora quanto ao modo de execução. Também se trata de uma circunstância objetiva. Lembre-se que premeditação não é qualificadora do crime de homicídio, podendo ser cometido por meio de traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, mas não qualifica, por si só, o crime. Segundo o STJ, essa qualificadora de homicídio praticado por meio de traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido é incompatível com o dolo eventual. → Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime Aqui há uma conexão entre o crime de homicídio e outros delitos. Essa conexão poderá ser: • Conexão teleológica: quando se dá para assegurar um crime futuro. • Conexão consequência: quando se dá para assegurar um crime passado. 10 Atente-se que se o homicídio foi praticado para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de uma contravenção penal, não haverá essa qualificadora, mas poderá haver outra, como o motivo torpe ou fútil. → Feminicídio Feminicídio é a morte da mulher por conta da sua condição de pertencer ao sexo feminino. São duas as hipóteses em que haverá razões de condição de sexo feminino, quando houver: • Violência doméstica e familiar • Menosprezo ou discriminação à condição de mulher Matar mulher, por si só, não é feminicídio. O autor poderá ser homem ou poderá ser mulher. O conceito de violência doméstica e familiar está no art. 5º da Lei Maria da Penha, sendo qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: • No âmbito da unidade doméstica: compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; • No âmbito da família: compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; • Em qualquer relação íntima de afeto: na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Como se vê, o feminicídio fundado em violência doméstica é uma norma penal em branco imprópria heterovitelina. É possível figurar como vítima de feminicídio o transexual? Transexual é aquele que sofre uma dicotomia, possuindo um sexo na cabeça e outro sexo no corpo. O sexo físico é distinto do psicológico. Para tanto, há duas correntes: 1ªC: Como geneticamente não é mulher, não poderá sofrer feminicídio. 11 2ªC: É plenamente possível, pois se o transexual mudar o sexo de forma irreversível, passa a ter uma outra realidade morfológica, tanto é que a jurisprudência considera possível a troca de nome . Portanto, poderia ser vítima de feminicídio, já que para todos os efeitos ela é mulher. Majoritária. A qualificadora do feminicídio se dá quando o homicídio se dá por conta das razões de sexo feminino. Ou seja, o transexual deverá ser morto por ser mulher. Se for morto por ser transexual, há dúvidas se caberia o feminicídio. Sanches sustenta que essa qualificadora é de ordem subjetiva. Cabe ressaltar que o TJDFT entendeu que essa qualificadora seria de natureza objetiva!?!?!?! Dessa forma, não caberia o homicídio qualificado privilegiado, e seria possível poderia coexistir com o motivo fútil e torpe. → Contra autoridade ou agente de segurança pública (homicídio funcional) O inciso VII diz que o homicídio será qualificado quando cometido contra: • Autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública; • Quando estiverem no exercício da função ou em decorrência dela; • Ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3º grau, em razão dessa condição. A proteção do Código atinge também o cônjuge, companheiro ou parente até 3º grau. O art. 142 da CF trata das Forças Armadas. No caso do art. 144, há o tratamento das polícias em geral, incluindo o corpo de bombeiros militares. O homicídio praticado contra guarda municipal ou metropolitana, em razão da sua função, é qualificado? Sanches entende que sim. O §8º do art. 144 descreve a guarda municipal como uma das autoridades. E se o homicídio é praticado contra agentes de segurança viária, tal como os agentes do DETRAN? Sanches entende que sim. Isso porque o art. 144, §10º, da CF, diz que a segurança viária compreende a fiscalização de trânsito. Ora, se está no art. 144 está abrangido pela qualificadora. Vale lembrar que essa qualificadora tem natureza subjetiva e é incompatível com o privilégio, já que a sua motivação é em razão da função. Não há homicídio qualificado-privilegiado neste caso. 12 → Pluralidade de circunstâncias qualificadoras Fernando Capez diz que é inapropriado falar em homicídio duplamente ou triplamente qualificado. Isso porque só basta uma circunstância para qualificar o homicídio. Neste caso, as demais circunstâncias seriam valoradas de outra forma: 1ªC: Seriam valoradas como circunstâncias judiciais. 2ªC: Seriam valoradas como agravantes. Caso não haja previsão como agravante, será valorada como circunstância judicial. → Homicídio qualificado-privilegiado É pacífico a possibilidade de homicídio qualificado-privilegiado, desde que a qualificadora tenha natureza objetiva. Ex.: matou valendo-se de um meio cruel, mas a motivação foi logo após a injusta provocação da vítima, sob o domínio de violenta emoção. Neste caso, o crime seria hediondo ou não? 1ªC: o homicídio qualificado-privilegiado não é hediondo. 2ªC: o homicídio qualificado-privilegiado permanece sendo qualificado, sendo hediondo. O STJ já se manifestou que o homicídio qualificado-privilegiado não é hediondo. d) Homicídio doloso majorado O §4º do art. 121 aumenta apena do homicídio de 1/3, quando o crime é praticado contra: • Menor de 14 anos • Maior de 60 anos É indispensável que o autor tenha o conhecimento dessa condição. e) Milícia privada ou grupo de extermínio A pena do homicídio será aumentada de 1/3 quando é praticado por milícia privada, sob pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. A lei não conceitua esses institutos, sendo trazido pela doutrina: 13 • Grupo de extermínio: são pessoas que se reúnem, formando matadores, “justiceiros”, que vão atuar na ausência do poder público, a fim de matar as pessoas consideradas marginais ou perigosas. É reflexo do chamado direito penal subterrâneo, como explica Zaffaroni, que ocorre quando as milícias são efetuadas pelos próprios agentes estatais. Caso fossem efetuada por particulares, não seria o direito penal subterrâneo. • Milícia armada: é um grupo de pessoas, civil ou não, tendo a finalidade de devolver a segurança da população mais carente que perdeu a paz. Quantas pessoas devem integrar um grupo de extermínio ou milícia privada? A lei não diz, surgindo duas correntes: 1ªC: deve ser aplicada a exigência da associação criminosa, exigindo que 3 ou mais pessoas venham a se unir, com base no art. 288 do CP. 2ªC: Para saber se há milícia ou grupo de extermínio, é necessário o mínimo de 4 pessoas, levando em conta o conceito de organização criminosa (Lei 12.850/13). f) Majorante do feminicídio O §7º do art. 121 traz uma causa de aumento de pena de 1/3 até a metade ao feminicídio, quando ocorrer certas circunstâncias. Além do feminicídio ser uma qualificadora do crime de homicídio, há a presença de causas de aumento de pena aplicáveis ao feminicídio, sendo elas: • Se o feminicídio ocorrer durante a gestação ou até 3 meses após o parto. • Se o feminicídio ocorrer contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência. • Se o feminicídio ocorrer na presença de descendente ou de ascendente da vítima. No caso do inciso I, o agente responderá pelo feminicídio qualificado e majorado de 1/3 até a metade e, em concurso formal impróprio ou em concurso material, pelo aborto, desde que saiba que a vítima seja gestante. Veja, que se a vítima for menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência, o aumento não será apenas de 1/3, como nos demais casos, e sim de 1/3 até a metade. No caso do inciso III, Sanches entende que a expressão “na presença de” está abrangida pela transmissão por meio de vídeo. Ou seja, está dispensada a presença física, bastando que consiga ver. Trata- se de uma interpretação extensiva conferida à majorante. 14 g) Homicídio culposo No homicídio culposo, o agente, por negligência, imprudência ou imperícia, dá causa ao resultado morte, pois, podendo evitar o resultado não o fez, visto que não atuou diligentemente. O resultado derivou de uma conduta voluntária, mas gerou um resultado previsto, mas não aceito, ou não era previsto, mas previsível. Se fosse aceito, haveria dolo eventual. h) Homicídio culposo majorado O homicídio culposo poderá ser majorado. Essa causa de aumento será de 1/3, desde que o homicídio culposo: • Resulte de inobservância de regra técnica ou profissão, arte ou ofício Não se confunde com a imperícia, eis que neste caso, o indivíduo não tem aptidão para realizar o ato. No caso da inobservância de regra técnica ou profissão, arte ou ofício, o sujeito tem aptidão para o exercício de arte, profissão ou ofício, mas atua com descaso, com displicência. Flávio Monteiro de Barros diz que se o cirurgião cardíaco mata a vítima porque, no momento da cirurgia, não presta atenção em algum ponto, ele cometeu o homicídio culposo, tendo em vista que inobservou técnica. Por outro lado, se um médico, recém formado, ousa realizar uma cirurgia cardíaca, ele foi imperito, pois ele não teria aptidão para o exercício daquela cirurgia. Como se vê, não há bis in idem. • Se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima Aqui há uma omissão de socorro, pois o agente deixa de prestar socorro à vítima quando podia e não havia risco pessoal. Nesse caso, a pena será aumentada de 1/3. Segundo o STJ, no homicídio culposo, a morte instantânea da vítima não afasta a causa de aumento de pena de 1/3, a não ser que o óbito seja evidente, isto é, perceptível por qualquer pessoa. • Não procura diminuir as consequências de seu ato Isto está ligado à falta de socorro. • Foge para evitar prisão em flagrante Essa situação não passa sem a crítica da doutrina. Dessa forma, quando cometer um crime culposo, e o agente fugir, haverá o aumento de 1/3 da pena. i) Perdão judicial 15 O perdão judicial é um instituto em que o juiz percebe que houve um fato típico, ilícito, culpável, mas a pena torna-se desnecessária, por conta da perda do interesse estatal em punir. Trata-se do princípio da bagatela imprópria. O perdão judicial é uma causa extintiva da punibilidade, havendo um desvalor da conduta e o desvalor do resultado. Ex.: filho do agente morre por sufocamento, por conta do esquecimento do filho dentro do carro. O perdão judicial, diferentemente do perdão do ofendido, não precisa ser aceito pelo infrator para produzir seus efeitos. Qual é a natureza jurídica da sentença do perdão judicial? A sentença que concede o perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório (Súmula n° 18 do STJ). Vale ressaltar que o STJ diz que, para aplicar o perdão judicial, é preciso uma dessas situações: • Vítima tenha relação de parentesco com o agente do crime • Vítima tenha relação de afeto com o agente do crime • Agente do crime tenha sofrido sequelas físicas Isso é dito, pois o STJ não admite sequelas morais para justificar o perdão judicial. Ex.: agente matou um ciclista desconhecido, mas desde então o autor do crime realiza tratamento psiquiátrico por conta do trauma. j) Ação penal A ação penal nos crimes de homicídio é pública incondicionada. k) Princípio da especialidade No caso de a vítima do homicídio for Presidente da República, Presidente do Senado, Presidente da Câmara ou Presidente do STF, e o agente tiver motivação ou objetivos políticos, o crime será aquele descrito no art. 29 da Lei de Segurança Nacional, pois atinge os poderes da República. II. Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122) Segundo o art. 122 do CP, é crime a conduta de induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar- lhe auxílio para que o faça. 16 A pena é de reclusão, de 2 a 6 anos, se o suicídio se consuma. Ou a pena será de reclusão, de 1 a 3 anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Segundo o parágrafo único, a pena é duplicada: • se o crime é praticado por motivo egoístico • se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência a) Sujeito do crime O crime é comum. Veja que o suicídio não é crime (ou sua tentativa), mas a conduta do terceiro que auxilia outra pessoa a se matar (material ou moralmente) é crime. Sabendo que o suicídio é a eliminação direta e voluntária da própria vida, o delito exige que a pessoa tenha capacidade de discernimento. Portanto, apenas quem tem essa capacidade de discernimento poderá ser sujeito passivo do crime. Se não houver capacidade de discernimento, o agente que supostamente induziu ou instigou o suicídio terá cometido o crime de homicídio. Exige-se ainda que essa conduta seja dirigida a uma pessoa determinada ou a várias pessoas determinadas. Isso porque o induzimento genérico não é apto a ensejar o crime de induzimento ao suicídio. Dessa forma, uma obra literária que promova o suicídio não é capaz de incriminar o autor do livro. a) Conduta São 3 as formas de realizar o crime: • Induzimento: o agente faz nascer a ideia de suicídio na cabeça da vítima. É de cunho moral. • Instigação:aqui, o agente reforça a ideia do suicídio que já se encontrava na cabeça da vítima. Também é de cunho moral. • Auxílio: é uma prestação material, como fornecer a faca, arma ou corda para praticar o suicídio à vítima. É possível que o agente induza, instigue e auxilie a vítima a se suicidar. Por se tratar de um crime de tipo misto alternativo, de conduta múltipla ou de conteúdo variado, se praticado no mesmo contexto fático, haverá a prática de crime único do art. 122. Essa multiplicidade da conduta poderá ter reflexo na dosimetria da pena. 17 A maior parte da doutrina entende que o auxílio moral e material somente poderá ser praticado de forma comissiva. Dessa forma, não falar nada não significa que o agente induziu ao suicídio. A ideia, porém, é de que a conduta omissiva pode ser considerada como induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, quando o autor tinha o dever jurídico de evitar o resultado do suicídio. Dessa forma, o agente poderia sim praticar o crime de conduta omissiva. Qual crime comete o agente que, depois de ter induzido, instigado ou mesmo auxiliado alguém a se suicidar, tenha, no momento culminante do ato, interferido na sua execução, causando a morte daquele que tentava se suicidar? A doutrina questiona, este indivíduo responderia pelo induzimento ao suicídio e por homicídio, ou por crime único de homicídio? Segundo a doutrina, responderia o agente apenas pelo crime de homicídio. Responderia também por homicídio o agente que, após auxiliar, vê a vítima, após a prática do ato, pedindo a ajuda do agente, mas o sujeito dolosamente impede uma intervenção salvadora. O CP é expresso no art. 146, §3º, II, dizendo que não há constrangimento ilegal a conduta para impedir o suicídio. b) Voluntariedade Esse crime somente é punível a título de dolo, e não se admite o crime culposo. Alguns entendem que é possível a prática do crime mediante dolo eventual. Imagine o pai que coloca a filha, jovem grávida, para fora de casa, sabendo que a filha é descontrolada e havia ameaçado se matar, não se importando com o resultado (não é pacífico na Doutrina). c) Consumação e tentativa O crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio se consuma no momento em que a vítima morre, ou no momento em que a vítima sofre lesões de natureza grave. Isto é uma condição objetiva de punibilidade, não admitindo o crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio de forma tentada. d) Majorantes da pena Vale lembrar que a pena é duplicada quando: • Crime cometido por motivo egoístico • Crime é cometido contra menor 18 • Crime é cometido contra quem tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência Atente-se que, ainda que seja menor, é necessário que seja dotada de algum grau de discernimento. Do contrário, não haveria induzimento ao suicídio, e sim homicídio. e) Duelo americano, roleta russa e pacto de morte (ambicídio) No duelo americano, duas pessoas, diante de duas armas, e apenas uma delas está carregada. Elas combinam de tirar a sorte para escolher a arma e logo após dar um tiro na sua própria cabeça. A pessoa que sobreviver responderá pelo crime do art. 122. Na roleta russa é a mesma coisa, pois as pessoas colocam uma munição na arma e vão atirando até que chega o momento em que o projétil é disparado na própria cabeça da vítima. Aqui, os sobreviventes responderão pelo crime do art. 122. No ambicídio, ou pacto de morte, as duas pessoas combinam de tirar a própria vida conjuntamente. Caso não dê certo e um deles sobreviva, responderá por induzimento ao suicídio. Cabe ressaltar que neste último caso, é possível que o sobrevivente responda por homicídio. Sanches exemplifica o caso em que há um casal de namorados, que combinam de se matar, situação em que eles se fecham numa sala com gás. No caso, o namorado abriu a torneira de gás. Supondo que o namorado sobreviva, ele não responderá pelo induzimento ao suicídio, e sim por homicídio. Mas se a namorada sobreviveu, ela responderá pelo induzimento, pois quem abriu a torneira de gás foi o namorado. Atente-se que, no caso acima, se os dois sobreviverem, o namorado responderá por tentativa de homicídio, e a namorada não responderá por crime algum, salvo se o namorado sofrer uma lesão corporal de natureza grave, situação em que a namorada responderá pelo induzimento ao suicídio. f) Ação penal A ação penal do crime é pública incondicionada. III. Infanticídio Segundo o art. 123 do CP, é crime de infanticídio a conduta de matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. A pena é de detenção de 2 a 6 anos. a) Sujeito ativo 19 O sujeito ativo do crime ser a genitora, visto que é indispensável que seja mulher que está sob a influência do estado puerperal. Trata-se de crime próprio. Por ser crime próprio, e não crime de mão própria, admite-se coautoria e participação. Ou seja, a condição de ser crime próprio é elementar, e portanto se comunica com coautor que não estava em estado puerperal. b) Sujeito passivo Somente poderá ser sujeito passivo o sujeito nascente ou recém-nascido. c) Conduta O CP fala em matar, durante o parte ou logo após. Essa é a circunstância de tempo, sendo submetido a um juízo de valor pelo magistrado, a fim de se considerar o que seja logo após o parto. A doutrina entende que o “logo após” compreende todo o período do estado puerperal. A depender do grau de desequilíbrio fisiopsíquico oriundo do parto, pode a gestante ser considerada portadora de doença ou perturbação da saúde mental, aplicando-se as disposições do art. 26, caput ou parágrafo único, do CP, caso tenha ela retirado total ou parcialmente a sua capacidade de entendimento ou de autodeterminação. d) Voluntariedade O delito é punido a título de dolo, direto ou eventual. Não se admite o infanticídio a título de culpa, pois ausente a previsão legal. Caso a mãe dê causa negligentemente ou imprudentemente à morte do filho, sob o estado puerperal, a doutrina majoritária entende que ela cometeu o crime de homicídio culposo (Cezar Roberto Bitencourt). Damásio diz que seria fato atípico. E se a mãe, por equívoco, acaba por matar filho de outra pessoa (confunde com seu próprio filho)? Nesse caso, responde normalmente por infanticídio, como se tivesse praticado o delito efetivamente contra seu filho, por se tratar de erro sobre a pessoa (nos termos do art. 20, §3º do CP). e) Consumação e tentativa O crime se consuma com a morte da criança e a tentativa é plenamente possível. f) Ação penal 20 A ação é pública incondicionada. IV. Aborto Aborto é a interrupção da gravidez, com a destruição do produto da sua concepção (Mirabete). Para a doutrina majoritária brasileira, o termo inicial do aborto é o começo da gravidez, ou seja, a partir do momento em que a gestação tem início sendo considerado como tal o momento da nidação, ou seja, momento em que o óvulo fecundado é implantado no útero da mulher. No entanto, existe uma intensa e polêmica discussão sobre quando se inicia a vida e qual é o status jurídico do embrião durante a fase inicial da gestação. Dentre outras, há duas posições principais e antagônicas em relação a isso: 1ªC: Sustentam que existe vida desde a concepção (nidação), desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células. 2ªC: Sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência (o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação) não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno. Porém, existe um dado científico que é inquestionável: durante os 3 primeiros, meses o córtex cerebral (que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade) ainda não foi formado nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno. Assim, não há qualquer possibilidade de o embrião subsistirfora do útero materno nesta fase de sua formação. Ou seja: ele dependerá integralmente do corpo da mãe. Com base nessas premissas científicas, diversos países do mundo adotam como critério que a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, desde que feita no primeiro trimestre da gestação. É o caso da Alemanha, Bélgica, França e Uruguai. Recentemente (2016), inclusive a 1ª Turma do STF decidiu que a interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação provocada pela própria gestante (art. 124) ou com o seu consentimento (art. 126) não é crime. Para o STF, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 124 a 126 do Código Penal para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. Segundo os Ministros, a criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. (Inf. 849). 21 Segundo o STJ, iniciado o trabalho de parto, não há crime de aborto, mas sim homicídio ou infanticídio, conforme o caso. Para configurar o crime de homicídio ou infanticídio, não é necessário que o nascituro tenha respirado, notadamente quando, iniciado o parto, existem outros elementos para demonstrar a vida do ser nascente, por exemplo, os batimentos cardíacos. a) Aborto provocado pela gestante ou com consentimento da gestante Há aqui uma exceção à teoria monista, pois quem pratica o aborto com o consentimento da gestante pratica o crime do art. 126 e a gestante que consentiu com o aborto pratica o crime do art. 124. Segundo o art. 124, provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque. Pena de detenção, de 1 a 3 anos. Veja, se a pena mínima não é superior a 1 ano, caberá suspensão condicional do processo, conforme art. 89 da Lei 9.099/95. → Sujeitos do crime Poderá ser sujeito ativo do crime apenas a gestante. Para Cezar Roberto Bitencourt o crime é de mão própria, motivo pelo qual somente admitiria participação, mas não coautoria. Rogério Sanches, majoritário, entende que se trata de crime próprio, razão pela qual se admite coautoria. Portanto, se a gestante e o namorado decidem realizar em conjunto as manobras abortivas, haveria a possibilidade de coautoria. Ocorre que Samer discorda de Rogério Sanches, eis que, com relação ao coautor a lei prevê um tipo penal distinto, motivo pelo qual o namorado deveria responder pelo art. 126 e a gestante pelo art. 124. Por tudo isso, Samer se filia ao Cezar Roberto, afirmando se tratar de crime de mão própria. Vale ressaltar que se, for adotada a teoria do domínio do fato, a distinção entre crime próprio e crime de mão própria fica enfraquecida, visto que, de acordo com essa teoria, nem sempre se resume naquele que executa o verbo nuclear. O sujeito passivo do aborto é o produto da concepção, ou seja, o óvulo, feto ou embrião. Se a mulher estiver grávida de trigêmeos, qual o crime cometeu? Neste caso, a mulher cometeu 3 crimes de aborto em concurso formal, pois atinge 3 vítimas (fetos). → Voluntariedade 22 O crime de aborto só é punível a título de dolo. → Consumação O crime é material, motivo pelo qual se consuma no momento em que o feto é morto, ou seja, no momento em que há a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. → Ação penal A ação penal é pública incondicionada. b) Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante Segundo o art. 125, é crime a conduta de provocar aborto, sem o consentimento da gestante. A pena será de reclusão, de 3 a 10 anos. Esta infração é de maior potencial ofensivo. → Sujeitos do crime O sujeito ativo é qualquer pessoa, mas há uma dupla subjetividade passiva, eis que são vítimas a genitora e o feto. → Voluntariedade O crime aqui é praticado de forma dolosa. Atente-se que se o sujeito matar uma mulher que está grávida, sabendo dessa condição, responderá pelo crime de homicídio em concurso formal com o crime de aborto, seja com dolo direto ou dolo eventual. → Ação penal A ação penal é pública incondicionada. c) Aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante Segundo o art. 126, provocar aborto com o consentimento da gestante gera a pena de reclusão, de 1 a 4 anos. Veja, esse crime também admite a suspensão condicional do processo. Portanto, se o casal de namorados combinam de fazer o abortamento, e preenchendo os requisitos do art. 89, não serão condenados por nada. 23 O parágrafo único afirma que se aplica a pena do aborto sem o consentimento da gestante (de 3 a 10 anos), se: • A gestante não é maior de 14 anos • A gestante é alienada ou débil mental • O consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência Há aqui um dissenso presumido pela lei. → Sujeitos do crime O crime poderá ser praticado por qualquer pessoa (crime comum). O sujeito passivo é o feto apenas, e não a gestante. → Ação penal A ação penal é pública incondicionada. d) Aborto majorado pelo resultado Segundo o art. 127, as penas cominadas ao aborto provocado por terceiro com consentimento da gestante e o crime de aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante: • São aumentadas de 1/3: se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; • São duplicadas: se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Tratam-se de crimes preterdolosos. Ou seja, essa causa de aumento de 1/3 ou duplicação das penas não se aplica ao aborto provocado pela gestante ou pelo crime de consentimento para que lho provoquem. Para que incida a majorante do art. 127, não é indispensável que o aborto ocorra. Em outras palavras, se a vítima sofrer lesão corporal de natureza grave ou mesmo a morrer, mas o feto se salvar, haverá a incidência da majorante, pois o artigo diz que haverá o acréscimo quando as lesões ou a morte constituírem consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo (ou seja, ainda que o aborto não ocorra). Neste caso, o sujeito responderá pela majorante, ainda que não caiba a resposta pelo crime de aborto consumado. Como se vê, é possível que haja uma tentativa de aborto, majorado pela pena duplicada pelo resultado morte da gestante. 24 Caberia tentativa de crime preterdoloso? Em regra, não. Mas Frederico Marques afirma que é possível. Apesar de o crime preterdoloso não admitir a tentativa, a tentativa será possível quando a parte frustrada recai sobre a conduta dolosa. O que não é possível é punir alguém por não ter conseguido matar a vítima, motivo pelo qual não caberia a tentativa, eis que o agente não queria matar. Mas se a frustração recai sobre a parte dolosa da conduta, qual seja, o aborto, é possível a tentativa, de forma que é possível a tentativa de aborto qualificado pelo resultado morte. Por outro lado, não é possível o aborto consumado com a tentativa culposa do homicídio. A figura da tentativa deverá recair sobre o aborto. e) Aborto legal Segundo o art. 128, não se pune o aborto praticado por médico: • se não há outro meio de salvar a vida da gestante; • se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Na verdade, trata-se de uma excludente de ilicitude, apesar de mencionar que “não se pune”. O dispositivo prevê duas situações distintas: • Aborto necessário (ou terapêutico): visa salvar a vida da gestante. • Aborto sentimental (humanitário ou ético): é resultante de estupro. → Aborto necessário (ou terapêutico) Há aqui 3 condições para ser considerado legal e preencher a excludente da ilicitude: • Aborto seja praticado por médico • Haja perigo de morte da gestante • Impossibilidade do uso de outro meio para salvar a vida da gestante Preenchidos esses requisitos, não se exige nem mesmo a autorizaçãoda gestante e nem a autorização judicial. → Aborto sentimental (humanitário ou ético) No aborto sentimental, também há necessidade de preencher 3 requisitos: • Aborto ser praticado por médico 25 • Gravidez resultar de estupro • Consentimento da gestante, ou, caso seja incapaz, haja autorização do representante legal Aqui também não há necessidade de autorização judicial. → Aborto de feto anencefálico Feto anencéfalo é um embrião, feto ou recém-nascido que não possui uma parte do seu sistema nervoso central, não possuindo os hemisférios cerebrais. Veja, aqui não há possibilidade de vida extrauterina. Há uma certeza de morte do feto. Segundo o STF, houve uma derrotabilidade da norma, fazendo uma interpretação conforme, para que compreender que o aborto é crime, salvo nas hipóteses de aborto necessário, humanitário e do feto anencéfalo. Ou seja, a norma do crime de aborto é constitucional, mas ela é derrotada para o aborto de feto anencéfalo. Houve uma homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, da legalidade, liberdade de decisão sobre o próprio corpo e autonomia da vontade. → Aborto de feto no primeiro trimestre O STF decidiu, por meio da 1ª Turma, que o aborto cometido até o 3º mês não é crime, visto que não haveria sistema nervoso central. Se a lei diz que a vida termina quando há o fim das atividades cerebrais, já que os órgãos podem ser doados, é preciso fazer uma leitura a contrario sensu, de modo a entender que a vida não começa quando não houver a formação desse sistema. Portanto, como não há vida até o 3º mês de gravidez, é possível o aborto sem ser crime neste caso. Dos crimes contra a pessoa: Das lesões corporais. Periclitação da vida e da saúde. 2. Crimes de lesões corporais I. Crime de lesão corporal (art. 129) Segundo o art. 129, ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. A pena é de detenção, de 3 meses a 1 ano. Veja, a pena máxima não ultrapassa 2 anos, ou seja, é uma infração de menor potencial ofensivo, cabendo transação. 26 A lesão corporal poderá ser: • Leve • Culposa • Grave • Gravíssima • Seguida de morte A lesão corporal leve e lesão corporal culposa são infrações de menor potencial ofensivo, cabendo transação penal e suspensão condicional do processo. Já a lesão corporal de natureza grave admite a suspensão condicional do processo. a) Sujeitos do crime Qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo do crime, sendo um crime comum, assim como sujeito passivo. Crime bicomum. b) Voluntariedade O crime de lesão corporal poderá ser cometido na forma dolosa e na forma culposa, sendo possível o cometimento também na forma preterdolosa. II. Lesão corporal de natureza grave Segundo o art. 129, §1º, são lesões corporais de natureza grave, ensejando pena de 1 a 5 anos, caso resulte: • Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias; Envolve mais do que o trabalho, sendo qualquer atividade corporal costumeira. O art. 168, §2º, do CPP afirma que a gravidade da lesão será comprovada por um laudo médico complementar após o trigésimo dia a contar da data da lesão. Caso não haja laudo complementar, poderá ser comprovado por testemunhas. • Perigo de vida; O perigo é de morte, devendo ser uma probabilidade séria, motivo pelo qual deve ser atestado, e não presumido. A lesão corporal é grave se aquela lesão colocou em risco a vida do sujeito. É necessário que a conduta seja culposa, pois, do contrário, seria uma tentativa de homicídio. • Debilidade permanente de membro, sentido ou função; 27 A debilidade é a diminuição ou enfraquecimento da capacidade funcional da vítima, no tocante a membro, sentido ou função. Ex.: perda do movimento de um dos braços; perda do baço, pois haverá outro órgão que fará a sua função; perda de um olho, pois se trata de órgão duplo. Segundo o STJ, a lesão corporal que provoca na vítima a perda de 2 dentes tem natureza grave, e não gravíssima. • Aceleração de parto; Veja, aqui há um parto prematuro. Se provocar o aborto, não é lesão corporal de natureza grave, e sim de natureza gravíssima. Para incidir essa qualificadora, é necessário que o agente saiba da gravidez da vítima. III. Lesão corporal de natureza gravíssima A lesão corporal poderá ser de natureza gravíssima, com pena de reclusão de 2 a 8 anos, desde que resulte: • Incapacidade permanente para o trabalho; Neste caso, a vítima não poderá mais trabalhar. Segundo o entendimento que predomina na doutrina e na jurisprudência, essa incapacidade deverá ser para qualquer espécie de trabalho. Caso trabalhe em outra função, não caberia essa qualificadora. • Enfermidade incurável; A doutrina considera incurável a enfermidade que não há cura provável ou tratamento certo pela medicina, ou se demandar tratamento experimental, etc. Guilherme Nucci diz que, uma vez condenado o indivíduo por uma lesão gravíssima, e vindo o ofendido a ser curado da enfermidade que era incurável, por conta do desenvolvimento da medicina, a qualificadora se mantém. É valorado a impossibilidade de cura no momento da condenação. Samer diverge, entendendo que, conforme o STJ, a aferição da possibilidade de cura ou não da enfermidade deverá ser analisado com base no momento da consumação do crime, e não no momento da condenação. Segundo o STJ, o indivíduo que tenha a intenção de transmitir vírus HIV ao parceiro pratica o delito de lesão corporal de natureza gravíssima, tendo em vista se tratar de enfermidade incurável. • Perda ou inutilização do membro, sentido ou função; 28 Aqui a pessoa perde a função por inteiro. É o caso da pessoa que ficou cega dos dois olhos. Da mesma forma, a perda de um braço ou uma perna também poderá gerar a lesão corporal gravíssima. Diante de órgãos duplos, a lesão deverá atingir os dois membros. Sanches afirma que também será considerada gravíssima a lesão que causa impotência generandi ou a coeundi. • Deformidade permanente; A deformidade permanente é o dano estético, capaz de constranger a vítima, assim como quem a vê. Segundo o STJ, a qualificadora “deformidade permanente” do crime de lesão corporal não é afastada por posterior cirurgia estética reparadora que elimine ou minimize a deformidade na vítima. Isso porque, o fato criminoso é valorado no momento de sua consumação, não o afetando providências posteriores, notadamente quando não usuais (pelo risco ou pelo custo, como cirurgia plástica ou de tratamentos prolongados, dolorosos ou geradores do risco de vida) e promovidas a critério exclusivo da vítima (Inf. 562). • Aborto; Trata-se de um crime preterdoloso, pois o sujeito causa o aborto na mulher grávida por conta da lesão, acreditando que essa lesão não levaria ao aborto. O indivíduo deverá saber que a mulher estava grávida e o seu dolo deve ser voltado à lesão, sem intenção de causar o aborto. Caso houvesse dolo no aborto, o indivíduo responderá pelo crime de aborto. IV. Lesão corporal seguida de morte A lesão corporal seguida de morte é conhecida também como homicídio preterdoloso. Segundo o §3º, a pena será de reclusão, de 4 a 12 anos, se da lesão corporal resultar morte e as circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo. O agente quer ofender a integridade da vítima, mas também causa a morte da vítima, culposamente. É crime preterdoloso ou preterintencional. Há uma conduta dolosa, ligada à ofensa à integridade física da vítima, e um resultado morte culposo, havendo nexo entre as condutas. Como o homicídio é preterdoloso, vale lembrar a regra de que o crime preterdoloso não se admite a tentativa. 29 Segundo o STJ, o crime de lesão corporal seguida de morte é compatível com a agravante de delito cometido à traição ou emboscada. V. Lesão corporal dolosa privilegiada O §4º do art. 129 diz que, se o agente comete o crime impelido por motivo derelevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 a 1/3. Portanto, haverá lesão corporal dolosa privilegiada quando o agente atua com: • Relevante valor social • Relevante valor moral • Injusta provocação da vítima, sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. VI. Lesão corporal dolosa ou preterdolosa majorada Segundo o §7º do art. 129, a lesão corporal poderá ser dolosa ou preterdolosa e majorada. Aumenta-se a pena de 1/3, quando: • O crime for praticado contra menor de 14 anos • O crime for praticado contra maior de 60 anos • O crime for praticado por milícia privada, sob pretexto de prestação de serviço de segurança • O crime for praticado por grupo de extermínio VII. Substituição da pena A pena de detenção poderá ser substituída pela pena de multa, caso, não sendo graves as lesões, estejamos diante de uma das seguintes hipóteses: • Ocorrer qualquer das hipóteses da lesão dolosa privilegiada (§4º); ou • Ocorrer reciprocidade de lesões VIII. Lesão corporal culposa A lesão corporal culposa é a ofensa a integridade física de outrem por negligência, imprudência ou imperícia. O §6º afirma que no caso da lesão corporal culposa, a pena será de detenção, de 2 meses a 1 ano. 30 Neste caso, trata-se de uma infração de menor potencial ofensivo. Dessa forma, a intensidade da lesão é irrelevante para efeito de tipificação, podendo ter consequências na dosimetria da pena. Veja, a lesão não deixa de ser culposa, caso tenha gerado um resultado de natureza grave ou de natureza gravíssima. Ela é culposa ou é dolosa. Se for dolosa, interessa a intensidade da lesão. IX. Lesão corporal culposa majorada A lesão corporal culposa será majorada de 1/3, quando: • O crime resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício • O agente deixar de prestar imediato socorro à vítima • O agente não procura diminuir as consequências do seu ato • O agente foge para evitar prisão em flagrante A lesão foi culposa, mas em razão dessas peculiaridades, a pena será majorada. X. Perdão judicial Admite-se o perdão judicial no caso de lesão corporal culposa, nas mesmas circunstâncias em que se admite perdão judicial no crime de homicídio culposo. Portanto, como dito anteriormente, o STJ entende que, para aplicar o perdão judicial, é preciso uma dessas situações: • Vítima tenha relação de parentesco com o agente do crime • Vítima tenha relação de afeto com o agente do crime • Agente do crime tenha sofrido sequelas físicas O STJ não admite sequelas morais para justificar o perdão judicial. Ex.: agente causou lesões culposas a um ciclista desconhecido, mas desde então o autor do crime realiza tratamento psiquiátrico por conta do trauma. Se a lesão corporal for dolosa, não caberá perdão judicial! XI. Violência doméstica e familiar O art. 129, §9º, do CP não trata apenas da lesão contra a mulher. Trata-se de uma qualificadora, trazendo a pena de detenção de 3 meses a 3 anos, nos casos em que a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem 31 conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Ou seja, houve uma quebra da expectativa da segurança dentro do ambiente doméstico, de coabitação ou de hospitalidade, tornando a pena mais grave. Na verdade, a lesão corporal de natureza leve, cometida no âmbito das relações domésticas e familiares, será qualificada, e não necessariamente deverá ser cometida em face da mulher. Atente-se que, sendo lesão corporal de natureza grave ou de natureza gravíssima, e sendo cometido o crime contra uma das pessoas do §9º (vulneráveis), a pena será aumentada de 1/3 (§10 do art. 129). O fato de ter sido cometida a lesão corporal de natureza leve dentro do ambiente doméstico, a lesão será qualificada. Mas se está diante de uma de natureza grave ou gravíssima, há uma causa de aumento de pena, e não mais uma qualificadora, aumentando a pena de 1/3. XI. Violência doméstica e familiar contra pessoa portadora de deficiência Se a violência doméstica e familiar ocorrer contra pessoa portadora de deficiência, a pena será aumentada de 1/3. XII. Lesão corporal contra autoridade ou agente de segurança pública Segundo o §12º, se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3º grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços. A ideia é aumentar a pena da lesão corporal de 1/3 a 2/3. Esse aumento incide em qualquer uma das lesões corporais culposas (leve, grave, gravíssima ou seguida de morte), não incidindo na lesão corporal culposa. Atente-se é que a Lei 8.072/90 traz duas modalidades de lesão corporal, que é a gravíssima e a seguida de morte, desde que cometida contra essas autoridades de segurança pública. Portanto, são crimes hediondos: • Lesão corporal gravíssima funcional • Lesão corporal seguida de morte funcional XIII. Ação penal 32 A ação penal, em regra, é de ação penal pública incondicionada. Caso seja lesão corporal de natureza leve ou culposa, a ação será pública condicionada à representação da vítima. Em se tratando de violência doméstica e familiar contra homem, seguirá a regra da ação penal pública condicionada à representação. Caso a lesão corporal for cometida por violência doméstica e familiar contra a mulher, e sendo de natureza leve ou culposa, a ação penal será pública incondicionada. Isso porque o STF entendeu que não se aplica os ditames da Lei 9.099/95, motivo pelo qual seus dispositivos não incidem sobre essas condutas. Segundo a Súmula 542 do STJ, a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada. 3. Periclitação da vida e da saúde Aqui são tratados os crimes de perigo. Os crimes de perigo podem ser subdivididos em: • Crime de perigo concreto: é indispensável que se comprove a situação de perigo. • Crime de perigo abstrato: é desnecessário que se comprove a situação de perigo. I. Perigo de contágio venéreo Segundo o art. 130, é crime expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado. A pena desse crime é de detenção, de 3 meses a 1 ano, OU multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, cabendo transação penal e suspensão condicional do processo. Se o indivíduo sabe, é o dolo direto. Se o indivíduo deve saber, é porque é dolo eventual. Se é intenção do agente transmitir a moléstia, a pena é de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa (§1º). Aqui há uma qualificadora, deixando de ser de menor potencial ofensivo, passando a ser de médio potencial ofensivo, visto que se admite a suspensão condicional do processo. A ação penal é pública condicionada à representação. Isso porque se quer proteger a vítima, a fim de não expor esse risco que correu no processo penal. O bem jurídico tutelado é a incolumidade física e da saúde da vítima. 33 a) Sujeitos do crime Qualquer pessoa que esteja contaminada por uma moléstia venérea. O sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa que não tenha essa moléstia venérea. Supondo que a mulher saiba que o parceiro tenha a moléstia venérea e consinta que o agente pratique o ato sem o uso de preservativo. Neste caso, o crime ocorrerá da mesma forma, pois se trata de um bem indisponível. Atente-se que a AIDS não é considerada moléstia venérea, podendo ser uma tentativa de lesão corporal de natureza gravíssima, porse tratar de uma enfermidade incurável. Exemplo de moléstia venérea seria a sífilis. b) Voluntariedade Trata-se de um crime que se comete por conta do dolo, dolo de perigo, já que expõe alguém ao contágio de doença venérea. Esse dolo poderá ser direto ou eventual. Se o agente se relaciona com a intenção de transmitir a doença, o dolo não é mais de perigo, e sim dolo de dano, havendo o crime qualificado do §1º. O agente somente responderá pelo crime se não alcançar o intento danoso que tinha, pois se tiver alcançado, haverá outro crime, que é o de lesão corporal. Dessa forma, aplica-se o princípio da consunção. Se o agente quer efetivamente transmitir a doença e consegue contaminar a vítima, produzindo o resultado danoso à saúde do indivíduo que pretendia produzir, estaremos diante de uma lesão corporal, podendo ser de natureza grave, gravíssima ou até mesmo seguida de morte, já que se trata de crime preterdoloso. c) Consumação e tentativa Há um crime de perigo abstrato. Neste caso, não é preciso comprovar que a pessoa foi submetida a uma situação de risco, bastando que se comprove a prática do ato sexual, ainda que a vítima não tenha sido contaminada. Trata-se de crime formal. Há uma presunção de perigo, mas se ficar demonstrado que, por meio do ato sexual, a vítima não foi posta em perigo em momento algum, pois era impossível o seu contágio, não haverá o crime. Ex.: o agente usou preservativo. Neste caso, o sujeito não agiu com dolo direto e nem com dolo eventual. 34 Se for demonstrado que era impossível o contágio, não haverá o crime. Se houve o ato sexual e não houve nada que dissesse ser impossível o contágio, está configurado o crime, ainda que a doença não seja transmitida, pois se trata de crime formal. Atente-se que haverá crime impossível se a vítima já estava contaminada. Se a vítima já possui a moléstia, visto que o contágio seria impossível. Como é tratada a situação em que se pratica o ato de libidinagem e há o contágio da vítima? Supondo que o dolo fosse de perigo (art. 130), situação na qual o contágio efetivamente aconteceu. Para a maior parte da doutrina, o contágio seria o mero exaurimento do tipo penal, levando-se em consideração no momento da dosimetria da pena. Admite-se a tentativa? 1ªC: dizem que é impossível, pois somente é possível expor ou não a vítima a risco. 2ªC: Sanches entende que é possível, visto se tratar de crime plurissubsistente, motivo pelo qual admite o fracionamento dos atos, podendo interromper a execução, impedindo que o perigo ocorra por circunstâncias alheias à vontade do agente. Ex.: ato sexual tenha sido frustrado por conta da chegada do ex- namorado da vítima. d) Ação penal A ação penal é pública condicionada à representação II. Perigo de contágio de moléstia grave Aqui já não se fala mais em moléstia venérea. Segundo o art. 131, é crime a conduta de praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio. A pena é de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa. Cabível a suspensão condicional do processo. Veja, o tipo exige o especial fim de agir. É o elemento subjetivo do tipo (dolo específico). Observe que não é necessário que o ato se dê por meio sexual, podendo ser qualquer ato capaz de produzir o contágio. O bem jurídico é incolumidade física e da saúde. a) Sujeitos do crime 35 O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa que não tenha essa moléstia grave, pois, do contrário, haveria crime impossível. Moléstia grave é a febre amarela, tuberculose, poliomielite, etc. b) Voluntariedade O crime aqui é punido a título de dolo. Mas perceba que há um dolo direto de dano, querendo transmitir a doença, agindo com o especial fim de agir. Há um crime de perigo com dolo de dano. Este é o elemento especial fim de agir, também chamado de dolo específico. Não se admite o dolo eventual, por conta da exigência do dolo específico. c) Consumação e tentativa A consumação se dá com a prática do ato perigoso, ainda que não ocorra a transmissão da moléstia grave. Trata-se de crime formal. Os crimes em que há a tendência interna transcendente são crimes formais. Se o contágio ocorrer e resultar e lesão corporal leve, esta ficará absorvida pelo crime de perigo de contágio de moléstia grave. Por outro lado, se ocorrer uma lesão corporal de natureza grave, ou se resultar em morte, o sujeito responderá por lesão corporal de natureza grave ou pelo homicídio preterdoloso, eis que haverá a consunção. A tentativa é possível, se houver uma conduta plurissubsistente. d) Ação penal O art. 131 não fala de representação da vítima, motivo pelo qual a ação penal é pública incondicionada. III. Perigo para a vida ou saúde de outrem (art. 132) Trata-se de um crime de perigo. Segundo o art. 132, é crime a conduta de expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. A pena é de detenção, de 3 meses a 1 ano, se o fato não constitui crime mais grave. Trata-se de uma infração de menor potencial ofensivo e se trata de um caso de subsidiariedade expressa. 36 O parágrafo único diz que a pena é aumentada de 1/6 a 1/3 se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. A ideia é proteger os “boias frias”. O objeto jurídico é a vida e a saúde das pessoas. a) Sujeitos do crime Qualquer pessoa poderá praticar, sendo crime comum. O ofendido deve ser uma pessoa determinada. Se a infração coloca em risco um número indeterminado de pessoas, o sujeito ativo responde por crime de perigo comum (art. 250 e seguintes do CP). b) Voluntariedade O crime deve ser doloso. Admite-se o dolo direto, mas também admite o dolo eventual. O dolo é de perigo e não de dano. c) Consumação e tentativa A consumação se dá quando há o efetivo risco, ou seja, quando a pessoa é exposta a uma situação de risco a sua saúde ou a sua vida. Se da conduta perigosa sobrevier um dano à pessoa, deverá ser verificado se o dano é mais grave ou mais leve do que o crime em apreço. Sendo mais leve, o sujeito responde pelo crime de perigo para a vida ou saúde de outrem. Mas se o crime for mais grave, o indivíduo passará a responder pelo crime mais gravoso. A tentativa é admissível quando o crime for subsistente. d) Ação penal A ação penal é pública incondicionada. IV. Abandono de incapaz Segundo o art. 133, é crime a conduta de abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono. Não necessariamente o sujeito passivo será um menor, podendo ser um ébrio, alcoólatra doentio, etc. 37 A pena é de detenção, de 6 meses a 3 anos. É uma infração de médio potencial ofensivo, cabendo suspensão condicional do processo. O §1º diz que, se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave, a pena será de reclusão, de 1 a 5 anos. Ainda caberá suspensão condicional do processo. Todavia, resultando em morte o abandono de incapaz, a pena será de reclusão de 4 a 12 anos. Em qualquer uma dessas qualificadoras, haverá um crime preterdoloso, visto que o agente não tinha a intenção de causar a morte ou a lesão grave. O §3º diz que as penas serão aumentadas de 1/3: • Se o abandono ocorre em lugar ermo; • Se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. • Se a vítima é maior de 60 anos Observe que não está escrito o companheiro, motivo pelo qual não será considerado, sob pena de analogia in malam partem. a) Sujeitos do crime O sujeito ativo somente pode ser quem tenha a autoridade sobre o incapaz, ou que tenha sob seus cuidados ou vigilância. Trata-se de crime próprio. O sujeito passivo também somente pode ser quemestá sob a vigilância ou autoridade do sujeito ativo, motivo pelo qual também será próprio. b) Voluntariedade O crime exige um dolo de perigo, ou seja, o dolo de abandonar, colocando o incapaz numa situação de risco. O dolo de dano altera a natureza da infração penal, pois se o sujeito abandonar a criança para que ela morra, o dolo será de matar, estando diante de um homicídio. Não se admite o crime na forma culposa. c) Consumação e tentativa A consumação se dá no momento do abandono, colocando-a numa situação de risco concreto. É necessário então a demonstração de que a vítima foi submetida a uma situação de perigo. 38 Caso tenha sido praticado mediante ação, admite-se a tentativa. Mas caso praticado por meio de omissão, não se admite a tentativa. d) Ação penal A ação penal será pública incondicionada. V. Exposição ou abandono de recém-nascido Segundo o art. 134, é crime a conduta de expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria. A pena será de detenção, de 6 meses a 2 anos. Veja, há um especial fim de agir, pois o sujeito age para ocultar desonra própria. Trata-se de um crime de menor potencial ofensivo!!! Cabe transação penal. O espírito do tipo penal é de que, durante muito tempo, antes de nascer o filho, a mãe cogitou abortar a gravidez. Mas a ideia de abandonar é uma forma de desmotivar o aborto, pois a pena do crime é muito mais leve. Se do abandono do recém-nascido resulta lesão corporal de natureza grave, há uma pena de detenção, de 1 a 3 anos. Admite-se a suspensão condicional do processo. Mas se ocorre a morte, por conta do abandono, a pena será de detenção de 2 a 6 anos. Em qualquer um desses casos, o crime será preterdoloso, causando o resultado culposamente. O bem jurídico é proteger a incolumidade física e a saúde do recém-nascido. a) Sujeitos do crime Cezar Roberto Bitencourt diz que somente a mãe poderá ser o sujeito ativo do crime. No entanto, majoritariamente, entende-se que tanto a mãe quanto o pai poderá ser sujeito ativo do crime em apreço, pois ambos poderão abandonar o recém-nascido para ocultar desonra própria. Ex.: sujeito casado que abandona o recém-nascido para que não se descubra a gravidez gerada pela gravidez da amante. b) Conduta A conduta é a de expor ou abandonar o recém-nascido, colocando em risco concreto para ocultar uma desonra própria. 39 Portanto, é indispensável que haja uma honra a preservar. Se não há honra para preservar, não há que se invocar o art. 134 do CP. Por isso, doutrina dirá que a prostituta não poderia praticar este crime. c) Voluntariedade O crime é doloso, exigindo-se o elemento subjetivo do tipo, ou seja, com o fim de ocultar desonra própria. Se o marido da mulher que o traiu abandona o recém-nascido adulterino (filho resultante do adultério), ele não pratica o crime do art. 134, pois ele não age para ocultar desonra própria, mas age para ocultar desonra alheia. Ou seja, o indivíduo estaria cometendo o crime do art. 133, que é mais grave do que esse. VI. Omissão de socorro Segundo o art. 135, é crime deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública. A pena é de detenção, de 1 a 6 meses, ou multa. É uma infração de menor potencial ofensivo. Veja, neste crime, o agente poderia fazer, mas não o fez, ou deixar de solicitar socorro da autoridade pública. Esse é um dever imposto a todos, e não um dever jurídico específico. Portanto, qualquer um poderá cometer o crime de omissão de socorro. O parágrafo único diz que a pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave. A pena será triplicada, se resulta a morte. Ainda que tenha resultado morte, a infração continuará sendo de menor potencial ofensivo. a) Sujeitos do crime O sujeito ativo é qualquer pessoa, sendo um crime comum. Esse dever de assistência recai sobre todas as pessoas. Por isso a doutrina vai dizer que esse crime não admite coautoria. 40 Diante de uma situação em que várias pessoas podem ajudar alguém, mas elas omitem o socorro, cada uma pratica o crime de omissão de socorro. Mas se apenas uma pessoa ajudar a vítima, nenhuma das outras cometerá o crime, pois estaria desaparecida a obrigação. O sujeito passivo deverá ser: • Criança abandonada ou extraviada • Inválido ou ferido desamparado • O que se achar em grave e iminente perigo A criança, então, deverá ser pessoa com menos de 12 anos de idade incompletos. b) Conduta A conduta pode ocorrer de duas formas: • Deixar de atender determinada norma, sendo um crime omissivo • Deixar de solicitar socorro à autoridade pública, sendo um caso de assistência mediata Se o crime é omissivo próprio, não admitirá tentativa. c) Voluntariedade A omissão deverá ser dolosa, não admitindo a conduta culposa. d) Consumação A consumação se dá no momento da omissão. Trata-se de crime omissivo próprio. e) Majorante de pena O crime tem a sua pena aumentada de: • Metade: resultar lesão corporal de natureza grave. • Triplicada: resultar em morte. Em qualquer dos casos, a infração continuará sendo de menor potencial ofensivo. Se a morte do periclitante for inevitável, responderá o agente pela omissão do comportamento devido, apesar de este não ter a capacidade para evitar o resultado danoso? Não responderá, na medida em que a atuação do omitente não evitaria o resultado. Exige-se para a incidência da qualificadora que se prove no caso concreto que a conduta omitida seria capaz de impedir o 41 resultado mais gravoso. Ex.: se a morte da vítima se deu por lesões no cérebro, cuja assistência prestada jamais impediria a superveniência do evento letal, não há como atribuir esse resultado ao agente. VII. Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial Esse tipo penal surgiu para combater condutas abusiva em hospitais particulares. Segundo o art. 135-A, é crime a conduta de exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial. A pena é de detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa. A pena é aumentada até o dobro (2x) se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave. E será aumentada até o triplo (3x) se resulta a morte da vítima. a) Sujeitos do crime Somente poderá ser sujeito ativo do crime os administradores de hospitais particulares, funcionário de hospital particular. Isso porque hospital público não pode exigir garantia, pois, neste caso, poderia haver outro crime, como o de consunção. Guilherme Nucci entende que há um duplo requisito cumulativo no tipo, devendo haver uma prestação de garantia e o preenchimento de formulário. Mas prevalece o entendimento que tanto a exigência de um como a exigência do outro tipifica o crime. O tipo fala em situação emergencial. Com relação à situação de urgência, esta é uma situação menor imediatidade do que a emergência. Há o entendimento de que a situação de urgência está abrangida pelo tipo penal. Outra corrente entende que a situação emergencial não abrange a situação de urgência (Samer). b) Voluntariedade O crime é praticado de forma dolosa, tendo um elemento subjetivo específico, exigindo a garantia ou o preenchimento de formulário como condição para viabilizar o atendimento médico emergencial. c) Consumação e tentativa O crime se consuma com a exigência indevida, condicionando o atendimento emergencial à prestação de uma garantia ou à prestação de um formulário. É crime de perigo concreto, devendo provar a situação de perigo e que ela não foi atendida. 42 A tentativa será possível, desde que, antes que exija, alguém atenda sem ter sido
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