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DIFICULDADES E DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM AULA 2 Profª Simone Silva 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, vamos apresentar a você a dislexia, um dos transtornos de aprendizagem mais comumente encontrado nas escolas. Conforme definição estabelecida pelo Coordinated Campaign for Learning Disabilities (CCLD), trata- se de uma “desordem neurobiológica na qual o cérebro do indivíduo trabalha ou estrutura-se de forma diferenciada” (Sousa, 2011, p. 25). Criado em 1965, o CCLD é uma coalização internacional que envolve todos os países e é composta por especialistas de variadas áreas relacionadas à aprendizagem, bem como pessoas portadoras de algum ou alguns desses distúrbios, além de seus familiares. Esse grupo discute processos de melhoria para o diagnóstico e o acompanhamento do paciente ou aluno com distúrbios ou transtornos de aprendizagem, além de produzir materiais descritivos a respeito de cada transtorno. Vamos compreender de forma mais aprofundada a definição de dislexia e os termos relacionados a ela, bem como suas características e as causas de seu surgimento. Por fim, identificaremos como é possível intervir para neutralizar os prejuízos que essas alterações neurobiológicas provocam na capacidade de compreensão e de entendimento do ser humano. TEMA 1 – DISLEXIA Dislexia não é uma doença e não exige o consumo de inúmeros remédios ou internamento. No entanto, de acordo com estudos científicos desenvolvidos e aplicados até o momento, essas características diferentes de funcionamento do cérebro não são reversíveis, ou seja, não há cirurgias, treinamentos ou tratamentos capazes de modificar essa forma de compreensão do ser humano. O que existe para esses casos são maneiras diferenciadas de atendimento que promovam a aprendizagem e a compreensão de conceitos e conteúdos, considerando suas características neurológicas peculiares. A dislexia é uma disfunção ocasionada na região perisilviana esquerda do cérebro, que é responsável por funções ligadas ao processamento fonológico; ou seja, gera dificuldades nas áreas da leitura e escrita. A Associação Americana de Psiquiatria, em seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 2014, p. 67), definiu dislexia como: 3 “termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e dificuldades de ortografia”. Essa limitação no processo de codificação ou decodificação das palavras leva o indivíduo a trocar letras e sons, pois ele apresenta grande dificuldade na identificação de símbolos gráficos, fator que vai interferir fortemente e comprometer o processo de alfabetização. Já Catts e Kahmi (1999) entendem que a dislexia é uma espécie de distúrbio que afeta o desenvolvimento da linguagem. Trata-se de um déficit no processamento fonológico da informação que dificulta a decodificação das letras e dos sons, bem como a correta correspondência entre eles. Os autores acrescentam ainda que as limitações na decodificação constituem obstáculos para a compreensão de textos. A dificuldade para corresponder sons e letras, por sua vez, também fruto das limitações de codificação, vai gerar prejuízos no desenvolvimento da escrita e da leitura (Catts; Kahmi, 1999). Em resumo, as dificuldades de compreensão de textos são, na verdade, limitações para reconhecer as palavras e a combinação das letras. A pessoa com dislexia pode conseguir ler perfeitamente o termo janela em um primeiro momento e, apenas meia hora depois, se for apresentada à mesma palavra, não reconhecê-la ou confundi-la com outra qualquer. Essa confusão também ocorre em relação às letras. Outra situação comum é a associação do tamanho da palavra com o objeto: para o disléxico, uma palavra de grafia longa como formiga não pode referenciar um inseto tão pequeno, e muitas vezes eles atribuem o termo formiga a elefante, por exemplo, pela aproximação do tamanho (palavra extensa = objeto grande). Essa alteração no cérebro surge muito cedo (existem discussões sobre ser uma condição hereditária ou que se desenvolve durante a gestação) e sujeita a pessoa portadora a conviver com isso por toda a vida. Por isso mesmo, é fundamental a ajuda da comunidade em que esse indivíduo está inserido para garantir a sua aprendizagem; além disso, ele próprio desenvolve mecanismos a fim de superar as barreiras estabelecidas pela forma diferente como seu cérebro funciona. 4 TEMA 2 – DEFINIÇÃO A dislexia também é conhecida como distúrbios de aprendizagem e distúrbios específicos da linguagem escrita. Coelho ([s.d.], p. 2) explica que “etimologicamente, dislexia deriva dos conceitos ‘dis’ (desvio) + ‘lexia’ (leitura, reconhecimento das palavras)”. Segundo Giacheti (2002), os problemas de aprendizagem estão relacionados com o desenvolvimento da linguagem, principalmente daqueles aspectos fundamentais para a aquisição da expressão e da compreensão da linguagem falada e do processamento de informações. A criança que apresenta dislexia, portanto, não desenvolve a linguagem como as demais; nesses casos, esta fica comprometida e é diferente. Além disso, a confusão das letras e das palavras dificulta a retenção da informação, exigindo dos pais ou do professor a repetição extenuante dela, correndo sempre o risco de a criança não se lembrar da regra ou do conceito. Vale lembrar que outra característica marcante da dislexia é o esquecimento recorrente de informações, seja dos conceitos enunciados em sala de aula, seja das regras e combinados estabelecidos no ambiente familiar. A criança também esquece com facilidade os eventos recentes ou parte das informações referentes a estes. Uma vez confirmado que o transtorno de aprendizagem da criança é a dislexia, o tratamento demanda a participação de um psicólogo, mas também de um fonoaudiólogo, já que se trata de um problema relacionado ao desenvolvimento da linguagem. O tratamento não promoverá a cura, ou seja, não tornará a criança livre dessa condição; no entanto, é possível amenizar os prejuízos e controlar os efeitos dela em seus processos de aprendizagem, até mesmo quando chegar à fase adulta. Em escolas mais bem estruturadas, por exemplo, o atendimento individualizado, com leituras específicas e a utilização de ditados, constitui uma estratégia com ótimos resultados para promover e/ou aferir o aprendizado da criança. O importante é orientar os pais a procurarem ajuda rapidamente e recomendar-lhes que recorram às estruturas do Poder Público, seja no posto de saúde, seja na Secretaria de Educação, a fim de utilizar todas as ferramentas disponíveis para atendimento e amparo do aluno com dislexia. 5 Quem é portador de dislexia enfrenta dificuldades maiores que aquelas consideradas comuns, mas pode conviver perfeitamente em sociedade e desenvolver a plenitude de atividades de uma pessoa cujo funcionamento neurológico é considerado comum, obtendo êxito nos estudos e também na caminhada profissional. TEMA 3 – CAUSAS Apesar de existir um consenso sobre o fato de a dislexia alterar o funcionamento do cérebro e não ser uma doença, ainda se discutem os fatores que levam a essa condição. Para alguns autores, há uma dimensão genética, ou seja, é hereditária, e a pessoa já nasce com ela. Outros estudiosos do assunto acreditam que quedas ou acidentes na infância, que atingiram a cabeça e provocaram traumatismo craniano, por exemplo, ou problemas durante o parto podem ser o ponto de partida dessa alteração. De qualquer maneira, as investigações só conseguem determinar o tipo de transtorno presente nas interações cerebrais da criança, e não a sua origem. Como já explicado, a dislexia não é uma doença nem apresenta qualquer risco de contágio. A convivência compessoa disléxica não gera qualquer prejuízo ou possibilidade de desenvolvimento do transtorno em quem está à sua volta. Ter essas informações é importante para evitar situações de bullying e discriminação dentro do ambiente escolar por parte dos amigos e até mesmo dos professores, quando estes não entendem ou não conhecem a real condição do aluno. Sobre a dislexia, Oliveira (2017) lembra que “certamente, tal dificuldade atinge as habilidades neurológicas da criança, desfavorecendo o desempenho fonológico da leitura, da escrita e da soletração”. Ou seja, essa alteração atinge várias áreas por toda a vida do indivíduo. Por todos esses motivos, a identificação da presença da dislexia na criança precisa acontecer o mais rápido possível; desse modo, ela consegue entender rapidamente que possui dificuldades de aprendizagem e fica facilmente atrasada no aprendizado em relação aos seus pares. Se logo cedo entende que a maneira como processa as informações não é inferior, mas apenas diferente, ela tem condições de desenvolver estratégias para se adaptar ao ambiente escolar e melhorar seu aprendizado, além de se preparar para o enfrentamento dos demais desafios que cada etapa da vida apresenta. 6 Atualmente, já existem manifestações virtuais de pessoas com dislexia que dividem suas experiências de vida por meio de canais de vídeo e blogs. Isso gera referências e também um ambiente virtual de troca de incentivos, dicas e, principalmente, informação e aceitação. TEMA 4 – CARACTERIZAÇÃO Alunos com dislexia podem apresentar algumas ou muitas das características a seguir, que foram compiladas das explicações de vários autores a respeito do referido transtorno (Nielsen, 1999; Torres; Fernandez, 2001; Cruz, 2009). A respeito da expressão oral, em vários casos esse aluno: • tem dificuldade para selecionar as palavras adequadas para se comunicar, tanto na fala quanto na escrita (muitas vezes essa situação fica mascarada pela timidez da criança, que, para evitar a comunicação, foge da socialização); • geralmente, apresenta pobreza de vocabulário; • elabora frases curtas e simples e articula ideias com muita dificuldade. Na leitura e na escrita, a suspeita da presença da dislexia deve acontecer quando o aluno: • faz uma soletração defeituosa; geralmente lê palavra por palavra, ou silaba por sílaba, ou ainda reconhece as letras de forma isolada, sem conseguir identificar a palavra escrita; • normalmente, murmura ou movimenta os lábios durante a leitura silenciosa; • com frequência, perde a linha de leitura; • apresenta problemas de compreensão semântica, ou seja, apresenta dificuldade na interpretação de textos; • Ainda revela grande dificuldade no nível de consciência fonológica, ou seja, não consegue compreender que tanto as palavras faladas quanto as escritas são constituídas por fonemas; • confunde, inverte ou ainda substitui letras, sílabas ou palavras; 7 • na escrita espontânea (composições ou redações), apresenta complicações severas para compor o texto e organizar as ideias dentro dele. Além dessas situações, quem tem dislexia: • pode apresentar dificuldade para guardar nomes de pessoas, palavras, objetos e também sequências de fatos ou situações do passado; • não consegue se orientar no espaço e apresenta muita dificuldade para diferenciar direita e esquerda, além da incapacidade de mover-se com base em mapas; • também terá dificuldade de aprendizagem em outras disciplinas de estudo por conta de questões relacionadas a informações temporais (história) ou de coordenadas (geografia) e relações espaciais (geometria); • possui dificuldade na aprendizagem de uma segunda língua; • sente-se triste, é bastante inseguro e apresenta baixa autoestima. Normalmente, a pessoa com dislexia não possui problemas neurológicos, cognitivos, sensoriais, emocionais e educacionais primários que justifiquem as dificuldades por ela apresentadas. Trata-se de crianças com grau de leitura inferior ao esperado para o nível de escolaridade em que se encontra; muitas vezes, por ser conscientes dessa situação, elas se recusam a realizar atividades ligadas à leitura e até mesmo à escrita, pois estas revelam seus erros ou falhas. TEMA 5 – INTERVENÇÃO O tratamento para a pessoa com dislexia não segue um padrão. O atendimento precisa ser desenvolvido de forma personalizada, considerando as características e particularidades da criança e as alterações que apresenta. Algumas medidas, no entanto, são bastante benéficas em todas as situações: • Sempre que a criança errar, é prudente corrigi-la imediatamente e explicar o que errou e como evitá-lo, pois ela esquece rapidamente a situação, e a correção tardia não fará efeito; • Nunca obrigar a criança a ler em voz alta diante de colegas e familiares; afinal, por conta das dificuldades, se sentirá pressionada em uma situação vexatória; 8 • Sempre manter a criança em mesa próxima à do professor e nunca no fundo da sala, pois ela não pode ser esquecida e precisa de atenção exclusiva em vários momentos da aula; • Reduzir os possíveis focos de distração também ajuda a criança no processo de aprendizagem. Entre estes, estão situações de barulho ou mesmo aquele colega que costuma distrair os amigos com brincadeiras e conversas; • Não são aconselháveis avaliações com questões longas e complicadas para a criança com dislexia. Por fim, é muito importante que toda a família, bem como a equipe pedagógica que mantém contato com essa criança, estejam informadas a respeito da real condição dela para que o trabalho conjunto seja profícuo e ela se sinta acolhida dentro do ambiente de aprendizagem (no caso, a escola) e tenha prazer no processo educacional e não apenas fique pressionada pela obrigação de aprender. NA PRÁTICA A criança com o transtorno de aprendizagem conhecido como dislexia depende da solidariedade e da dedicação da equipe pedagógica da escola onde está alocada para sofrer as menores consequências e aprender com mais facilidade tudo o que as outras crianças, com trabalho neural considerado comum, aprendem. Para isso, é fundamental a prática de intervenção pedagógica que busque minimizar os efeitos das diferentes dificuldades detectadas, com conquistas qualitativas e gradativas. Vale lembrar sempre que quando mais cedo forem o diagnóstico e as providências, maiores são as chances de desenvolvimento dessa criança. FINALIZANDO Chegamos ao final desta aula conhecendo um pouco melhor sobre a dislexia, um transtorno de aprendizagem que afeta a linguagem, tanto falada quanto escrita. Compreendemos que, apesar de as causas não serem confirmadas e a dislexia não ser considerada uma doença, o indivíduo nessa condição apresenta atividades neurais diferentes daquelas tidas como comuns, 9 e inseri-lo com sucesso no ambiente escolar como está estabelecido é um grande desafio tanto para a equipe pedagógica quanto para a família. Entendemos ainda que o tratamento e o atendimento para a pessoa disléxica não seguem um padrão, exatamente porque esse distúrbio se apresenta de maneiras e intensidades variadas. Apesar disso, a dedicação da família e dos professores e a agilidade na investigação são as chaves para promover um ambiente saudável de desenvolvimento para essa criança, evitando a rotulação e a timidez causadas pela falta de conhecimento e pela discriminação. 10 REFERÊNCIAS APA – American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. CATTS, H. W.; KAHMI, A. G. Language and reading disabilities. Boston: Allyn Bacon, 1999. COELHO, D. T. Dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia. Braga: CIEC, [s.d.]. Disponível em: <http://www.ciec- uminho.org/documentos/ebooks/2307/pdfs/8%20inf%c3%a2ncia%20e%20inclu s%c3%a3o/dislexia.pdf>.Acesso em: 09 nov. 2019. CRUZ, V. Dificuldades de aprendizagem específicas. Lisboa: Lidel – Edições Técnicas, 2009. GIACHETI, C. M. Diagnóstico e intervenção multiprofissional das crianças com dificuldades de aprendizagem. In: FUTURO EVENTOS (Org.). Livro do 6º Simpósio Nacional sobre Distúrbios de Aprendizagem. São Paulo, 2002. p. 37-44. NIELSEN, L. Necessidades educativas especiais na sala de aula: um guia para professores. Porto: Porto Editora, 1999. OLIVEIRA, R. M. A importância de analisar as dificuldades de aprendizagem no contexto escolar – dislexia, disgrafia, disortográfica, discalculia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, ano 2, v. 16, n. 1, p. 492-521, mar. 2017. Disponível em: <https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ educacao/dislexia-disgrafia- disortografica>. Acesso em: 25 nov. 2019. SOUSA, F. M. A. de A. Distúrbios e dificuldades de aprendizagem: uma perspectiva de interface entre saúde e educação. In: SAMPAIO, S.; FREITAS, I. (Org.). Transtornos de dificuldades de aprendizagem: entendendo melhor os alunos com necessidades educativas especiais. Rio de Janeiro: Walk Editora, 2011. Cap. 1. TORRES, R.; FERNÁNDEZ, P. Dislexia, disortografia e disgrafia. Amadora: McGraw-Hill, 2001.
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