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autor RODRIGO DIAZ DE VIVAR Y SOLER 1ª edição SESES rio de janeiro 2018 CULTURA DAS MÍDIAS Conselho editorial roberto paes e gisele lima Autor do original rodrigo diaz de vivar y soler Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção gisele lima, paula r. de a. machado e aline karina rabello Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação bfs media Revisão linguística bfs media Revisão de conteúdo vitor lopes resende Imagem de capa esb professional | shutterstock.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2018. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) V85c Vivar y Soler, Rodrigo Diaz de Cultura das mídias / Rodrigo Diaz de Vivar y Soler. Rio de Janeiro : SESES, 2018. 104 p: il. isbn: 978-85-5548-543-5. 1. Culturas. 2. Mídias. 3. Sociedade. 4. História. 5. Comunicação I. SESES. II. Estácio. cdd 302.23 Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063 Sumário Prefácio 7 1. A cultura midiática na era hipermoderna 7 O universo contemporâneo da mídia convive com o individual paradoxal 8 Espaço para as reflexões sobre as tecnologias midiáticas e a revolução do virtual 15 2. Cultura impressa: novas formas de produção 25 Da sociedade industrial para a sociedade da informação 26 Mcluhan: a visão, o som e a fúria das transformações midiáticas 31 Mundo da linguagem e o advento da hipermídia 37 3. Da soberania do livro à era da imagem: o livro sempre será um livro 43 Misturas entre mídias e linguagens 44 A Internet e suas relações com as mídias de massa 49 Mídia on-line e mídia off-line 55 4. A cultura do entretenimento 61 Narrativas digitais 63 Metassistemas de entretenimento: web e televisão. 67 Diversidade cultural dos games - jogos como produto cultural 73 Produção de sentido social da marca: o poder e a fragilidade 76 5. Cultura da convergência 83 Novo paradigma para entender a transformação midiática - metassistemas de informação 84 Ágora Digital, informação e Transpolítica: novas formas de participação e inte- ração do sujeito contemporâneo. 89 Redes e comunidades virtuais 93 5 Prefácio Prezados(as) alunos(as), O conceito de cultura é de fundamental importância para pensarmos o nascimento da mídia desde sua invenção por Gutenberg no século XVI até seus desdobramentos mais recentes na sociedade da informação do século XXI. O que queremos afirmar é que não podemos pensar a correlação entre mídia e sociedade sem sema problematizadas as diferentes formas de culturas pelas quais distintos sentidos e significados estão articulados na história. Este livro é resultado dessa incursão sobre o papel da cultura na constituição dos sujeitos a partir dos múltiplos espaços de veiculação pela mídia de distintas imagens, sons e palavras voltadas para a tessitura das práticas sociais. O primeiro capitulo desse livro é dedicado a compreender o papel da cultura midiática na hipermodernidade. Nesse sentido, realizaremos uma incursão sobre os principais traços presentes no movimento paradoxal do universo contemporâneo das mídias. O segundo capítulo procura pensar os desdobramentos da cultura impressa a partir da emergência de novas formas de produção midiáticas no mundo atual. Desse modo, investigaremos como se dá a passagem da cultura impressa para uma cultura da imagem e sua consequente correlação entre os diferentes jogos de linguagem presentes no universo da hipermídia. O terceiro capítulo é dedicado a compreender os elementos constitutivos da cultura digital a partir do advento da internet como o grande veículo de comunicação presente no mundo contemporâneo. O quarto capítulo apresenta sua análise sobre o papel da cultura do entreteni- mento a partir da correlação entre os metassistemas de entretenimento e a produção social das marcas a partir tanto da sua potencialidade quanto da sua fragilidade. O quinto e último capítulo se ocupa em apresentar os principais aspectos da cultura da convergência a partir da composição de um novo paradigma voltada para a compreensão de uma forma de se produzir política a partir do conceito de ágora digital presente no ativismo crescente do mundo virtual, bem como a articulação das redes e comunidades virtuais como estratégias cada vez mais frequentes do cybermar- keting enquanto elemento fundamental das produções de sentidos e significados. Bons estudos! A cultura midiática na era hipermoderna 1 capítulo 1 • 8 A cultura midiática na era hipermoderna O primeiro capítulo desse livro irá apresentar a você, leitor, os elementos presentes para uma leitura sobre a cultura midiática na era hipermoderna. Ao término deste capítulo, você deverá ter sido capaz de distinguir os principais elementos teóricos e práticos para uma leitura sobre a nossa contemporaneidade. Nesse sentido, apresentaremos, num primeiro momento os desdobramentos do universo contemporâneo a partir do movimento paradoxal das mídias passando pelos momentos que vão desde o surgimento da cultura de massa até o aparecimento do fenômeno digital e tecnológico do qual fazemos parte. Já o segundo momento será dedicado a compreender os sentidos e os significados em torno do papel das tecnologias midiáticas e a revolução do virtual. OBJETIVOS • Apresentar uma leitura sobre o papel da cultura das mídias na sociedade hipermoderna; • Definir os conceitos de revolução tecnológica e digital; • Apontar os desdobramentos da mídia na contemporaneidade a partir de seu movimento paradoxal. O universo contemporâneo da mídia convive com o individual paradoxal É noite nos Estados Unidos da América. O país ainda enfrenta graves consequências da quebra da bolsa de valores anos antes e os grandes inimigos públicos da sociedade são Alphonse Gabriel Al Capone e John Herbert Dillinger. Todos sintonizam as grandes estações de rádio para acompanhar, tanto os desdobramentos da crise econômica, quanto os noticiários policiais. As ruas ardem em chamas pelas mãos de gangsteres e a violência parece possuir um estatuto consolidado no cotidiano estadunidense. Entretanto, em 30 de outubro de 1938, não serão esses assuntos que farão parte do set de notícias da rádio CBS1. Interrompendo sua programação de forma 1 Columbia Broadcasting System - CBS – é uma rede de sistemas de comunicação que surgiu nos Estados Unidos no ano de 1927. Ela é popularmente conhecida entre o público como eye network – rede do olho – e suas primeiras transmissões ocorreram na cidade de Los Angeles ainda na época de ouro do rádio, passando depois a operar dentro do sistema televisivo. Hoje, a CBS possui em sua programação cerca de 90 horas de programas dedicados as notícias, ao entretenimento e demais atrações voltadas para um amplo público das mais diversas classes sociais. capítulo 1 • 9 extraordinária, Orson Welles comunicava que os Estados Unidos estavam sendo invadidos por marcianos. Figura 1.1 – Orson Welles interpreta Guerra dos Mundos no estúdio da CBS. Disponível em: <http://ligaoradio.com.br/liga-o-radio-04-a-guerra-dos-mundos/>. A dramatização transmitida às vésperas do Halloween imediatamente ganhou os contornos de um pânico generalizado entre as pessoas. Tudo fora programado milimetricamente. Haviam reportagens externas, entrevistas com testemunhas, opiniões de peritos e demais autoridades, efeitos sonoros e a emoção contagiante de repórteres e comentaristas. Tudo foidemasiadamente real nessa intervenção jornalística e o mundo conheceu pela primeira vez o papel exuberante da mídia na nossa modernidade, qual seja o de veicular notícias, de modo a levar as pessoas à mais absoluta apreensão em torno dos seus veículos. O impacto dos veículos de comunicação em massa ocupa desde esse acontecimento, um papel central dentro dos contextos sociais e políticos do mundo da nossa modernidade. Desde a invenção da imprensa, passando pelas hegemonias do rádio e da televisão até o advento do mundo virtual o grande capítulo 1 • 10 problema colocado pelos veículos de comunicação em massa sempre foi: em que medida as informações presentes na cultura das massas oportuniza a verdade? Figura 1.2 – O jornal estadunidense Daily News repercute os desdobramentos da transmissão da CBS. Disponível em: <http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2011/10/ adaptacao-de-guerra-dos-mundos-no-equador-teve-ao-menos-6-mortos.html>. Uma das correntes de pensamento que mais desenvolveu estudos sobre as mídias na nossa sociedade foram os pensadores ligados à Escola de Frankfurt. Seguindo as trilhas abertas pelos filósofos da suspeita do século XIX como Nietzsche, Freud e, principalmente Marx, os intelectuais ligados à Escola de Frankfurt estudaram profundamente os desdobramentos sociais e políticos da nossa época compreendendo esse momento a partir de uma profunda reflexão sobre o papel da crítica visando superar os limites do positivismo. capítulo 1 • 11 ESCOLA DE FRANKFURT - FRANKFURTER SCHULE É uma escola alemã dedicada a pensar os elementos das ciências humanas e sociais, a partir da criação, nas primeiras décadas do século XX, do Instituto de Pesquisa Social. Os teóricos da Escola de Frankfurt defendem a tese de que é necessário estabelecer uma problematização da nossa sociedade tomando como objetos de estudos as artes e a indústria do entretenimento. Um dos textos mais importantes desse modelo de pensamento é o livro Dialética do Esclarecimento, escrito por Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985). Neles, os autores propõem a necessidade de tomarmos as grandes produções culturais da modernidade como elementos de uma investigação estética em torno de uma crítica em relação à razão instrumental. Quanto a esse conceito de razão instrumental Adorno e Horkheimer (1985) entendem a estruturação de um modelo de alienação presente nas grandes sociedades industriais que acaba compelindo o sujeito a um profundo estado de afasia em relação a um posicionamento crítico sobre o seu mundo e sua realidade. Figura 1.3 – Adorno e Horkheimer. Filósofos pertencentes à Escola de Frankfurt e criadores do conceito de dialética do esclarecimento. Disponível em: <http://colunastortas. com.br/2014/05/07/a-dialetica-do-esclarecimento-adorno-e-horkheimer-uma-resenha/>. Nesse sentido, toda atividade de entretenimento acaba por repelir a função da crítica nos processos de constituição do sujeito e luta contra os processos de alienação. Para Adorno e Horkheimer (1985, p. 02) capítulo 1 • 12 Ao tomar consciência da sua própria culpa, o pensamento vê-se por isso privado não só do uso afirmativo da linguagem conceptual científica e quotidiana, mas igualmente da linguagem da oposição. Não há mais nenhuma expressão que não tenda a concordar com as direções dominantes do pensamento, e o que a linguagem desgastada não faz espontaneamente é suprido com precisão pelos mecanismos sociais. Aos censores, que as fábricas de filmes mantêm voluntariamente por medo de acarretar no final um aumento dos custos, correspondem instâncias análogas em todas as áreas. O processo a que se submete um texto literário, se não na previsão automática do seu produtor, pelo menos pelo corpo de leitores, editores, redatores e ghost-writers dentro e fora do escritório da editora, é muito mais minucioso que qualquer censura. Essa constatação implica na possibilidade de compreendermos a razão instrumental como uma espécie de alegoria da condição de miserabilidade existencial vivenciada pelos sujeitos no contexto de uma cultura capitalista. Desse modo, podemos compreender como o movimento contemporâneo da mídia apresenta-se a partir de uma condição paradoxal cuja arte do entretenimento é transformada em uma composição permanente de formas de exceção totalitárias. Por conta desse aspecto, é que dentro do paradigma frankfurtiano debater mídia é necessariamente debater política. Isso significa que o consumismo midiático dentro das sociedades capitalistas corresponde ao que Walter Benjamin (1975) chamava de dialética da imobilidade. Nesse sentido, passa-se a existir dentro dos processos midiáticos o estatuto de uma subjetividade duramente marcada pela repetição. A repetição corresponde ao mundo moderno. Dias de luta e de paz convivem lado a lado com a assustadora rotina presente nos mais variados modos e padrões de consumo. Uma notícia fabricada por grande veículo de comunicação é reproduzida à exaustão até que seja considerada como uma verdade. A propaganda torna-se carro chefe dos agenciamentos políticos disfarçada do slogan da arte pela arte. Nunca é demais lembrar que uma das frases mais emblemáticas a respeito da mídia no século XX foi proferida pelo ministro da propaganda do III Reich, Joseph Goebbels: De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se tornando uma verdade. Não por acaso que, dentro da Alemanha nazista, um dos instrumentos mais instigantes e reveladores do poder da mídia foi o cinema. Os filmes produzidos nessa época tinham forte apelo ao culto personalista da imagem de Adolf Hitler. Cada detalhe, cada enquadramento, cada imagem deveria capturar o sentimento de pertença do povo alemão à figura do führer, o líder espiritual que conduziria a Alemanha à vitória final. capítulo 1 • 13 Um exemplo precioso disso que falamos é o documentário O Triunfo da Vontade dirigido pela cineasta Leni Riefenstahl2. Nessa película, podemos acompanhar a convenção anual do partido nazista em 1934 e o que torna ainda mais perturbador a sua fantasmagoria é que os adeptos do nacional-socialismo adoram seu líder, cantam músicas clássicas, jogam e cozinham. Enfim, uma atmosfera absolutamente cotidiana dando a impressão de que um grande percurso civilizatório estaria a caminho da Europa pelas mãos da guerra. Conforme podemos observar, a cultura de massa se tornou um instrumento de forte sensibilização popular ao apelo da propaganda nazista. De 1933 a 1945 o órgão responsável pela difusão da ideologia nazista, o Ministério da Propaganda foi responsável pela construção de uma série de apoios a toda manifestação cultural que pudesse produzir um sentido apelativo ao sistema político e a doutrina de seguridade social criada por Adolf Hitler. As produções culturais dentro do nazismo operaram como um forte instrumento de segregação racial, sobretudo em relação aos judeus e outros povos considerados uma ameaça ao racionalismo nazista. Figura 1.4 – Cartaz original do filme O Triunfo da Vontade, dirigido por Leni Riefenstahl. Esse filme representou a personificação dos ideais do nazismo expressando suas ideologias e convicções. Disponível em: <https://www.globalsecurity.org/military/world/europe/de.> 2 Há uma versão desse documentário disponível gratuitamente no youtube através do link: <https://www.youtube. com/watch?v=eOLQOCzXGrU> capítulo 1 • 14 Desse modo, O Triunfo da Vontade pode ser caracterizado como o ensaio para a dança da morte. Nesse sentido, há que se mencionar como, ao longo de todo o século XX a estetização da política apresenta-se como um recurso para os desdobramentos das formas totalitárias de regimes fascistas. Em um ensaio consagrado ao papel da estetização da arte pelo fascismo europeu, Walter Benjamin (1985, p. 15) aponta que: A arte contemporânea será tanto mais eficazquanto mais se orientar em função da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos colocar em seu centro a obra original. É óbvio, à luz dessas reflexões, por que a arte dramática é de todas a que enfrenta a crise mais manifesta. Pois nada contrasta mais radicalmente com a obra de arte sujeita ao processo de reprodução técnica, e por ele engendrada, a exemplo do cinema, que a obra teatral, caracterizada pela atuação sempre nova e originária do ator. Isso é confirmado por qualquer exame sério da questão. Desde muito, os observadores especializados reconheceram que "os maiores efeitos são alcançados quando os atores representam o menos possível". Em oposição às práticas de estetização da arte pelas mãos do fascismo Benjamin (1985) a oportuniza pensarmos a politização da arte como uma ferramenta importante para a superação da crise proveniente da razão instrumental. Neste sentido, seria correto afirmarmos que a crítica em relação ao papel da mídia na nossa sociedade corresponde à transformação da relação entre arte e tecnologia a partir da utilização da experiência do pensamento. Em oposição à tese de que as massas existem para ser manipuladas, Benjamin (1995) coloca como tarefa de nosso tempo presente à suspensão do juízo sobre a mídia no sentido de pensarmos os possíveis desdobramentos em relação a ruptura com os modos de alienação. Na opinião de Kang (2012) a representação sobre o papel das grandes tecnologias sobre as democracias é central dentro do debate político de hoje. As redes sociais, os dispositivos móveis, as novas tecnologias parecem inaugurar uma possibilidade concreta de percebermos como são ilustradas toda uma performatividade midiática cujas ressonâncias podem estar inscritas num processo de problematização da nossa sociedade. Isso significa que não podemos discutir os problemas de cultura, sem que elaboremos uma analítica compreensiva sobre o papel das mídias na sua relação obstinada com a verdade. capítulo 1 • 15 Empreender uma problematização da mídia significa, portanto, tentar ultra- passar a barreira das comercializações fúteis daquilo tudo que se apresenta como supérfluo pela mídia. Desdobrada nessa atitude encontramos a possibilidade de compreendermos os novos sentidos e significados para uma leitura da cultura de massa na nossa sociedade. De acordo com as palavras de Retondar (2008, p. 139) Se as origens da sociedade de consumo estão localizadas no período de consolidação da própria modernidade na Europa ocidental dos séculos XVIII e XIX, é patente sua radicalização no contexto das sociedades contemporâneas, servindo agora como referência para construções intelectuais fortes como, por exemplo, a ideia de uma cultura de consumo que, segundo algumas abordagens, constituir-se-ia como uma das chaves explicativas da própria dinâmica cultural na modernidade tardia. A hipervelocidade e a emergência da técnica como elementos alegóricos das culturas contemporâneas acabam por lançar luz aos modos pelos quais os desdobramentos midiáticos corroboram para uma leitura crítica da nossa sociedade. Nesse sentido, há que se mencionar as correlações entre consumo propagandístico no sentido de ultrapassarmos os sentimentos de anestesia vivenciados pelos sujeitos no mundo contemporâneo. Esse é o desafio, portanto, compreender a mídia como elemento categórico, mas ao mesmo tempo deslocado de formas totalitárias e fascistas de existência. Cultura como sinônimo de potência e não de totalização. Espaço para as reflexões sobre as tecnologias midiáticas e a revolução do virtual No ano de 1998, um dos grandes nomes da nossa música popular, Gilberto Gil, no seu CD intitulado Quanta, apresentava uma síntese da nossa realidade a partir da música Pela Internet cuja letra é reproduzida a seguir. Pela Internet Criar meu web site Fazer minha home-page Com quantos gigabytes capítulo 1 • 16 Se faz uma jangada Um barco que veleje Que veleje nesse infomar Que aproveite a vazante da infomaré Que leve um oriki do meu velho orixá Ao porto de um disquete de um micro em Taipé Um barco que veleje nesse infomar Que aproveite a vazante da infomaré Que leve meu e-mail até Calcutá Depois de um hot-link Num site de Helsinque Para abastecer Eu quero entrar na rede Promover um debate Juntar via Internet Um grupo de tietes de Connecticut De Connecticut acessar O chefe da milícia de Milão Um hacker mafioso acaba de soltar Um vírus pra atacar programas no Japão Eu quero entrar na rede pra contactar Os lares do Nepal, os bares do Gabão Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar Autor: Gilberto Gil Para além da capacidade criativa de Gilberto Gil, a letra dessa música retrata o aspecto proveniente da revolução cultural presente na nossa sociedade ao perceber o mundo digital como um amplo mar de informações permitindo ao usuário acessar uma infinidade de informações diluindo, a partir do mundo virtual, as próprias categorias de tempo e de espaço. Bem vindos à revolução do virtual. A passagem da década de 70 para a de 80 sinalizou a passagem de uma sociedade tipicamente industrial para uma sociedade tecnológica. Microprocessadores, fluxos de redes e milhares de cabos de fibra óp- tica compõem o cotidiano de nossas vidas. Quais os desdobramentos de uma era digital sobre as tecnologias midiáticas? capítulo 1 • 17 Figura 1.5 – O cantor e compositor baiano Gilberto Gil que, através da música Pela Internet retrata poeticamente todas as transformações vivenciadas pela sociedade durante a passagem do século XX para o XXI. Disponível em: <http://moozyca.com/artigo/40-anos-de-refaze.> Em primeiro lugar, devemos ter em mente que a passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade tecnológica não se deu de forma abrupta. Existe um longo percurso que envolve alguns acontecimentos específicos para a nossa sociedade, dentre os quais podemos destacar: o fim da proletarização na Inglaterra, a Guerra do Vietnã e o colapso da antiga União Soviética. Esses episódios denotam o delicado momento de transformação de uma sociedade composta por um paradigma ainda incrustrado na Revolução Industrial para os elementos de uma sociedade informatizada em que a hipervelocidade compõe o fenômeno da experiência contemporânea. O modelo de confinamento prescrito pelas grandes fábricas, prisões, orfanatos, hospitais e escolas entra em colapso com esse novo paradigma. Não estamos mais diante da poesia satânica descrita por Willian Blake ao se referir às grandes fábricas espalhadas por toda Inglaterra. Agora o modelo de controle é muito mais pulverizado, sutil, em que assistimos a produção de um modelo de crise permanente entre as instituições. É o que Gilles Deleuze (1992, p. 250) afirma ao apontar que: Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um “interior” em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional etc. Os ministros competentes não param de anunciar reformas supostamente necessárias. Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. capítulo 1 • 18 Essa fala é crucial para que compreendamos os reais motivos da ascensão da era da informação tecnológica sobre a era industrial, no sentido de precisar os elementos nos quais a repressão presente no movimento unilateral das ferramentas disciplinares é, paulatinamente substituída por uma constante atividade de gestão da vida cada vez mais atrativa e sedutora. A mão firme do carrasco é substituídapela interatividade do sujeito que se vê interpelado a emitir sua opinião de modo permanente frente a mídia. A relação fetichista das novas mídias digitais vem colocando essa sociedade em novo momento, que passa pela construção de modos de subjetividades cada vez mais programados, dentro de uma lógica voltada para o controle contínuo dos afetos, sentimentos e emoções. Nada mais sensato para o contexto de uma realidade biopolítica do que uma mídia que convoca o sujeito a expressar sua performatividade dentro do virtual. Nesse contexto, há que se mencionar a produção de uma prática de governamentalidade focada na possibilidade do sujeito vir a driblar a crise colocando-se como emissor dos modos convencionais e digitais dos conteúdos informativos. A esse respeito, o filósofo francês Gilles Deleuze (1992) argumenta que a produção dos veículos comunicacionais é pensada a partir de uma linguagem binária relativa ao duplo movimento entre massa-indivíduo. Nesse sentido, é correto afirmar que os elementos midiáticos produzidos pela biopolítica tornam à figura do indivíduo, uma imagem espectral em que este se torna dividual, isto é, seus afetos, seus desejos suas vontades são transformadas em amostras, dados estatísticos, pesquisas de opiniões e números de likes. LIKE Like designa a atitude dos usuários do Facebook quanto à avaliação de postagens feitas por outros usuários. Em geral, um like corresponde à possibilidade de motivar os sujeitos a promover debates, compartilhar ideias, promover estratégias de marketing e outras tantas estratégias. Em um levantamento recente o facebook constatou que: 42% dos usuários ativos concordam que os profissionais das empresas podem levar em consideração um like como certeza de que o usuário é mesmo fã da marca. 93% deles utilizam o recurso ao menos uma vez por mês; 74% curtem postagens de amigos; 52% clicam em like em outros sites, como blogs ou portais de notícias; 44% curtem algo que alguma empresa postou; 45% curtem uma empresa ou marca no Facebook. Disponível em: <http://www.i9socialmedia.com/o-significado-do-%E2%80 %9Clike%E2%80%9D-no-facebook/.> capítulo 1 • 19 Recentemente a maior provedora global de filmes do mundo via streaming – a NETFLIX – disponibilizou aos seus assinantes uma série pertinente para esboçarmos uma leitura sobre o papel das mídias tecnológicas na nossa contemporaneidade. NETFLIX A NETFLIX foi criada no ano de 1997 nos Estados Unidos como uma empresa responsável pela entrega de DVD’s por correspondência. No ano de 2007 ela começou a operar no Canadá como um serviço de streaming. Esse tipo de serviço prestado caracteriza-se pela hospedagem em seus provedores de um amplo acervo de filmes, séries, shows e documentários. Dando prosseguimento a sua expansão, a NETFLIX passa, a partir do ano de 2010, a produzir seus próprios conteúdos originais. Black Mirror é instigante não somente por fugir dos habituais roteiros programados das séries televisivas – uma vez que não há uma sequência aparente entre as histórias, nem estão em jogo as clássicas figuras do protagonista e do antagonista - mas por compor uma apresentação distópica não do futuro, mas sim do tempo presente. Figura 1.6 – Cartaz de divulgação da série Black Mirror, série criada pelo Channel 4 que trata de apresentar os aspectos distópicos da nossa sociedade contemporânea. Disponível em: <http://www.imdb.com/title/tt2085059/.> capítulo 1 • 20 Em especial gostaríamos de chamar a atenção de você, leitor, para dois episódios da série. O primeiro deles chama-se Nosedive – Queda Livre – em que a heroína habita um mundo muito próximo do nosso no qual as pessoas recebem avaliações constantes pelas suas atitudes. Essas avaliações variam a partir de um ranking estipulado no qual as pessoas com média mais alta são valorizadas, enquanto que as pessoas com média mais baixa são descartadas. Enquanto a heroína possui uma classificação que gira em torno de 4,8 pontos sua vida parece se encaminhar muito bem. Entretanto, uma série de acontecimentos como o cancelamento de um voo, a briga com seu namorado, uma parada para abastecimento em posto de gasolina, acabam por jogar o score da personagem para um nível muito baixo até ser presa por invadir o casamento da amiga na tentativa de melhorar sua pontuação. Na prisão em frente a outro indivíduo que teve sua licença para avaliação cassada, ela enfim descobre que agora é livre para falar o que quiser sem ter medo de ser avaliada. O segundo episódio intitulado Playtest relata a história de certo personagem que decide ir embora da casa dos pais e viajar pelo mundo. Entretanto, ao se relacionar com uma mulher em Londres ele tem o seu cartão de crédito roubado e não pode mais comprar a passagem de volta para sua casa. Recebe então a chance de procurar um emprego através do aplicativo chamado Oddjobs e chega até uma empresa de videogames que estaria desenvolvendo uma nova tecnologia de gráficos 3D. Inicialmente é introduzido no cérebro do personagem um chip programado para interagir com os seus fluxos neuronais de uma realidade virtual ampliada. O primeiro desafio seria o de acertar marmotas que apareciam numa espécie de tabuleiro virtual de xadrez colocado à frente do nosso herói. Entretanto, à medida que o tempo passa os desafios parecem ficar cada vez mais obscuros, pois o chip parece interagir com todo o fluxo do seu subconsciente. Ao término de uma experiência dramática, o personagem retorna a sala e lhe é comunicado que se passaram apenas 15 segundos. Mas, na realidade o herói havia morrido e sua última palavra fora: mamãe! Como se pode observar, esses dois episódios refletem a problemática trazida por Black Mirror como uma alegoria do nosso tempo presente. A série reflete uma série de questões voltadas para o contexto da biopolítica e da sua relação com as mídias digitais. capítulo 1 • 21 Nada mais enfático do que problematizar se o fato de que os desdobramentos midiáticos representam a produção de modos de subjetivações voltados para uma realidade cada vez híbrida entre o real e o virtual. Desse modo, é correto afirmar que as reflexões sobre o papel das mídias digitais na nossa contemporaneidade exigem à minúcia de uma crítica refletida no sentido de pensar os desdobramentos dos modos de subjetivação presentes nesses múltiplos espaços. O impacto produzido pelas produções digitais de um mundo altamente globalizado acaba por transformar o fenômeno da sociedade de massa do início do século XX, para uma sociedade da informação nessas primeiras décadas do século XXI. Conforme se pode observar, o papel da tecnologia da informação passa a ser de fundamental importância para a consolidação de um novo paradigma cultural: a presença de uma cultura cada vez mais híbrida e em processo constante de atualização. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman costuma compreender a sociedade da informação como uma época histórica em que todas as dinâmicas das práticas socais são fortemente influenciadas por uma liquidez permanente. © FO R U M LI TF ES T | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.7 – O sociólogo polonês Zygmunt Bauman criador do conceito de modernidade líquida, uma tese que defende o processo cada vez mais fluido nas relações entre os sujeitos, à sociedade e o Capital no mundo contemporâneo. capítulo 1 • 22 No livro, Modernidade Líquida, Bauman (1990) as relações líquidas presentes no atual momento histórico retrata a produção de novos sentidos para um consumismo cada vez mais acentuado dentro das relações humanas. Embora seja muito precoce estabelecermos qualquer tipo de prognóstico sobre o futuro da sociedade de informação, sabe-se que ela denota um sentido cada vez mais importante para as nossas vidas. Entretanto, é necessário destacarmos comoa integração entre o mundo virtual e real dependem também de um amplo esforço no sentido de favorecer a relação cada vez maior entre todas as pessoas, compondo a integração aos processos digitais presentes nos nosso mundo contemporâneo. ATIVIDADES 01. Aponte os principais desdobramentos da revolução industrial, para a revolução da informação na segunda metade do século XX. 02. O que seria uma mídia tecnológica? 03. Como se dá a passagem de um indivíduo disciplinarizado pelos modos de produção fabris, pelos modos de subjetivação produzidos no contexto de uma biopolítica? 04. Quais os principais desafios colocados pelas mídias digitais no contexto da contemporaneidade? 05. Qual o papel da interatividade dentro das mídias digitais? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1985. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1990. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica arte e política: ensaios sobre literatura e historia da cultura. São Paulo (SP): Brasiliense, 1985. DELEUZE, Gilles. Post-Scriptum Sobre As Sociedades De Controle. In: DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: 34. capítulo 1 • 23 KANG, Jaeho. A mídia e a crise da democracia: repensando a política estética. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo , n. 93, p. 61-79, July 2012 . Available from <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002012000200006&lng=en&nrm=iso>. access on 03 Aug. 2017. RETONDAR, Anderson Moebus. A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como "contexto social" de produção de subjetividades. Soc. estado. Brasília, v. 23, n. 1, p. 137-160, Apr. 2008 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 69922008000100006&lng=en&nrm=iso>. access on 03 Aug. 2017. capítulo 1 • 24 Cultura impressa: novas formas de produção 2 capítulo 2 • 26 Cultura impressa: novas formas de produção Esse capítulo apresentará para você dois traços fundamentais da relação entre a cultura impressa e as novas formas de produção registradas na passagem da sociedade industrial para a sociedade da informação. A primeira delas corresponde às contribuições de Marshall McLuhan, primeiro intelectual a desenvolver um olhar apurado sobre os sentidos críticos das formas de revolução digital produzidas na nossa sociedade a partir da Segunda Guerra Mundial, principalmente pela criação do que conhecemos hoje por leis da mídia. Já a segunda é dedicada a explorar os papéis da hipermídia e do hipertexto no mundo das linguagens. Nesse caso, ambos os textos procuram apresentar uma correlação entre a cultura das mídias e as constantes transformações pelas quais nossa sociedade contemporânea vem passando. OBJETIVOS • Apresentar as contribuições de Marshall McLuhan para o diagnóstico das transformações midiáticas no contexto da nossa contemporaneidade; • Apresentar o conceito de lei das mídias; • Desenvolver o conceito de hipermídia; • Estabelecer as correlações entre a hipermídia e o hipertexto; • Apresentar a hipermídia como um problema ligado a cultura e a formação da linguagem no mundo contemporâneo. Da sociedade industrial para a sociedade da informação O século XVIII foi um período de intensas transformações para a nossa sociedade ocidental. Num curto espaço de tempo, distintos acontecimentos foram responsáveis por influenciar os aspectos culturais, econômicos e sociais do mundo ocidental. Conhecido pelos historiadores como Século das Luzes, essa época trouxe à tona uma série de mudanças na relação entre sujeito e sociedade, sobretudo a partir de três acontecimentos específicos. capítulo 2 • 27 Enquanto que nos Estados Unidos ocorria a Independência e a França passava por uma intensa transformação cultural, que culminou com o aparecimento da Revolução Francesa e a Independência Estadunidense e seus valores voltados para a Igualdade, Fraternidade e Liberdade, o Reino Unido, por sua vez difundira o que mais tarde veio a ser conhecido por Revolução Industrial. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.1 – A liberdade nas barricadas. Quadro de Ferdinand Delacroix que representa os ideais defendidos na sociedade do século XVIII. Mas, o que foi a Revolução Industrial e quais as suas consequências para a cultura das mídias? Em primeiro lugar, podemos afirmar que a Revolução Industrial caracteriza-se por uma série de transformações econômicas voltadas, sobretudo ao mundo do trabalho. É através da Revolução industrial que o trabalho passa e se configurar como uma ética intrínseca ao desenvolvimento da sociedade como um todo. A passagem de um sistema manufaturado para um sistema industrializado oportunizou o desenvolvimento da relação entre sujeito e máquina como não fora visto em nenhum outro momento da história da humanidade. capítulo 2 • 28 A manufatura caracterizava-se como um sistema de produção anterior ao capitalismo por meio do qual as atividades eram exercidas substancialmente por meio do trabalho artesanal. Entretanto, a Revolução Industrial não influenciou apenas os aspectos econômicos da sociedade ocidental. Ela também oportunizou uma significativa transformação cultural dentro dos padrões de vida presentes nas práticas sociais dos sujeitos. Desse modo, um indivíduo que até então pertencia a um sistema altamente hierarquizado como o da sociedade feudal é rapidamente transformado em trabalhador assalariado indo morar nas grandes cidades para trabalhar nas fábricas. Somente a título de exemplificação a cidade de Londres atingira o assombroso número de 1.000.000 de habitantes em razão do êxodo vivenciado por imigrantes provenientes de várias partes do mundo em busca de uma melhoria da qualidade de vida. O que é interessante de analisarmos é que as transformações vivenciadas pelo sujeito durante a Revolução Industrial devem ser observadas como um intenso processo de dramáticos deslocamentos a partir da interação no fluxo presente entre os sujeitos e as máquinas. Em outras palavras, o que se pretende afirmar é que com a Revolução Industrial o problema da relação entre homem e máquina foi intensificado sempre a partir de um inquietante questionamento: até que ponto uma máquina pode substituir um homem? Não por acaso que um dos maiores medos que assombra os trabalhadores dos países em processo de industrialização é sempre a renovação tecnológica, pois nunca se sabe quais serão as suas consequências. Na Inglaterra, por volta de 1811 surgiu um movimento social fortemente influenciado pelos ideais messiânicos, chamado ludismo. O ludismo defendia a tese de que se os operários não se organizassem exigindo a destruição das máquinas, elas logo substituiriam os homens já que não havia qualquer preocupação, por parte dos donos das fábricas com o destino e à sobrevivência dos trabalhadores. O ludismo seria, portanto, uma ilustração do modo pelo qual uma das maiores preocupações do sujeito a partir da Revolução Industrial passa a ser o de questionar os avanços tecnológicos. capítulo 2 • 29 © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.2 – Trabalhadores contra as máquinas. Reprodução de um jornal inglês de 1871. O modelo vigente da sociedade industrial dura até a primeira metade do século XX, quando o mundo ocidental passa a se organizar a partir de uma diferente orientação geopolítica e econômica. O término da Segunda Guerra Mundial e o consequente início da Guerra Fria, isto é, a polarização de forças entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética levou o mundo a sensíveis transformações quanto aos seus aspectos sociais e econômicos. Entre essas transformações,a tecnologia, em especial, passa a adquirir um sentido específico dentro do panorama social. Se o problema visto pela sociedade industrial era a substituição do homem pela máquina, com a era da informação a questão passa a ser de se pensar os rumos e possibilidades da tecnologia através, tanto para a preservação quanto para o extermínio da espécie humana. É dentro de tal atmosfera que o filósofo alemão Martin Heidegger, um dos maiores estudiosos sobre o papel da tecnologia no nosso mundo escrevera ainda nos primeiros anos do século XX essas preciosas palavras: capítulo 2 • 30 Quando a tecnologia e o dinheiro tiverem conquistado o mundo; quando qualquer acontecimento em qualquer lugar e a qualquer tempo se tiver tornado acessível com rapidez; quando se puder assistir em tempo real a um atentado no ocidente e a um concerto sinfônico no oriente; quando tempo significar apenas rapidez on-line; quando o tempo como história, houver desaparecido da existência de todos os povos, quando um esportista ou artista de mercado valer como grande homem de um povo; quando as cifras em milhões significarem triunfo, – então, justamente então — reviverão como fantasma as perguntas: para quê? Para onde? E agora? A decadência dos povos já terá ido tão longe, que quase não terão mais força de espírito para ver e avaliar a decadência simplesmente como… Decadência. Essa constatação nada tem a ver com pessimismo cultural, nem tampouco, com otimismo… O obscurecimento do mundo, a destruição da terra, a massificação do homem, a suspeita odiosa contra tudo que é criador e livre, já atingiu tais dimensões, que categorias tão pueris, como pessimismo e otimismo, já haverão de ter se tornado ridículas. (HEIDEGGER, 1990, P. 150). Observando atentamente o significado dessas palavras, podemos observar como o pensamento heideggeriano é de fundamental importância para sintetizar a passagem da experiência industrial para a experiência tecnológica. Figura 2.3 – O filósofo alemão Martin Heidegger dedicou grande parte de seus livros a explorar a relação entre o domínio da técnica e a questão do ser. Disponível em: <https:// www.ebiografia.com/martin_heidegger/> Nesse sentido, é correto afirmar que a era da informação passa a configurar um modelo de sociedade cada vez mais acentuada a partir dos seguintes pressupostos: em primeiro lugar, o aprendizado torna-se uma tarefa cada vez mais contínua e imprescindível. capítulo 2 • 31 Em segundo lugar, passa a existir uma maior articulação entre os domínios da teoria e da prática. Diferentemente da sociedade industrial, na sociedade da informação os sujeitos são levados a buscarem a estruturação de um conhecimento cada vez mais tecnológico e não puramente teórico. Finalmente, o poder já não se encontra localizado em nenhuma instância, mas é concebido como uma circularidade. Estamos diante do que o filósofo francês Michel Foucault (2004) chamou de microfísica do poder. Isto é, pequenas relações cotidianas nas quais o poder é exercido não mais a partir de uma instância repressiva, mas sim de vigilância e de controle. Entram em cena nesse novo cenário, os elementos de uma sociedade cada vez mais fluída em relação aos procedimentos tecnológicos da informação. Ou seja, a informação deixa de operar num sentido único com um conteúdo cada vez mais interativo através de novos dispositivos. Esses processos passam a se configurar a partir de uma nova dinâmica cada vez mais intensificada pela produção de novas ferramentas que, a partir da popularização dos computadores no final da década de 70, iniciam a maior interação entre homem e máquina desdobrada na efetivação do processo de encontro entre o mundo virtual e o mundo real. Mcluhan: a visão, o som e a fúria das transformações midiáticas Gostaríamos de iniciar as reflexões desse segundo capítulo apresentando um trecho da de Parabolicamará, canção produzida por Gilberto Gil no início dos anos 90 Parabolicamará Antes mundo era pequeno Porque Terra era grande Hoje mundo é muito grande Porque Terra é pequena Do tamanho da antena Parabolicamará Ê volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará Antes longe era distante capítulo 2 • 32 Perto só quando dava Quando muito ali defronte E o horizonte acabava (...) Ê volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará De jangada leva uma eternidade De saveiro leva uma encarnação De avião o tempo de uma saudade (...) A começar pelo nome dessa canção, tão singular, composta por Gil em 1992 através da junção de dois elementos na criação de um neologismo. A parabólica, como instrumento eminentemente contemporâneo e a expressão camará, comumente emanado nas rodas de capoeira para designar o companheirismo nessa prática cultural praticada pelos escravos. Tradição e modernidade estão juntas em um processo de galvanização próprio às sociedades globais do final do século XX. Na realidade, a parabolicamará corresponde ao entrecruzamento da tecnologia como elemento constitutivo dessa sociedade tecnológica, pois nas palavras do próprio Gilberto Gil, sua intenção era: Eu queria fazer uma canção falando dos contrastes entre o rural e o urbano, o artesanal e o industrial, usando um linguajar simples, típico de comunidades rudimentares, e uma cadência de roda de capoeira. Aí, compondo os primeiros versos, quando me ocorreu a palavra “antena” - seguida de “parabólica” -para rimar com “pequena”, eu pensei em “camará” [palavra usada comumente nas cantigas de capoeira como vocativo] para completar a linha e a estrofe. Como “parabólica camará” dava um cacófato, eu cortei uma sílaba “ca” e fiz a junção das palavras, criando o vocábulo “parabolicamará”. Uma verdadeira invenção concretista; uma concreção perfeita em som, sentido e imagem. Nela, como um símbolo, vinham-me reveladas todas as interações de mundos que eu queria fazer. Aí se tornou irrecusável prosseguir e, mais, fazer daquilo um emblema do conceito, não só da canção, mas de todo o disco (Parabolicamará). (GIL, 2009). O intelectual canadense Marshall McLuhan foi decisivo para todo pensamento comunicacional da segunda metade do século XX. Em conjunto com seu filho, Eric McLuhan, desenvolveu o que no mundo da comunicação ficou conhecido como lei das mídias. capítulo 2 • 33 Esse conceito foi amplamente trabalhado no livro Laws of Media: The New Science obra em que Mcluhan (1977) desenvolve uma profunda análise empírica sobre os artefatos humanos presentes no contexto midiático da sociedade ocidental. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.4 – Marshall Mcluhan foi um dos principais teóricos da comunicação. Segundo ele, as transformações presentes no mundo virtual criariam a que ele mesmo chamou de aldeia global. Mcluhan (1977) considerava que os desdobramentos tecnológicos vivenciados pelo mundo pós-guerra estavam levando à humanidade um novo modelo paradigmático cujo emblema maior seria o advento da tecnologia como instrumentos inevitáveis para a nossa cultura. A ideia de Paradigma possui relação direta com os sistemas de pensamento. Um paradigma, nesse sentido é tudo aquilo que dá forma e conteúdo a uma expressão. Um paradigma apresenta-se sempre como um modelo a orientar determinado momento histórico. Desse modo, se durante a sociedade industrial o grande paradigma econômico estava relacionado aos grandes modelos das fábricas e das instituições, na sociedade de informação, os paradigmas são representados pelo advento dos aspectos virtuais. Desse modo, ele postulou que a sociedade passaria por quatro traços fundamentais de uma revolução tecnológica sem precedentes: o aperfeiçoamento, a reversão, a recuperação e a obsolescência conforme na ilustração a seguir. capítulo 2 • 34 © M A N O E LA M E Y E R | WIK IM E D IA .O R G Figura 2.5 – Tétrade proposta por Mcluhan. Basicamente, pode-se afirmar que o esquema proposto por Mcluhan entende que o movimento tecnológico ocasiona uma sensível transformação na experiência da subjetividade através de um movimento cíclico que envolve tanto o fazer das novas operações, quanto o restabelecimento de atividades já esquecidas. A importância de Mcluhan (1977) consiste no fato de que, para ele, a tecnologia não estaria a serviço da destruição do homem, mas teria se transformado num caminho sem volta dentro do percurso inaugurado pelas grandes sociedades de massa a partir da formulação de três questionamentos essenciais: a) O que a tecnologia procura aperfeiçoar? B) O que a tecnologia torna obsoleto? C) Qual o resgate empreendido pela tecnologia? Em relação, à primeira pergunta, o que a tecnologia procura aperfeiçoar? Mcluhan considerava que as ferramentas ocupavam um papel muito importante, ao ponto de ser a extensão do corpo humano. Cria-se, de acordo com sua teoria, uma sinapse, uma amálgama no qual as ferramentas fundem-se com as próprias estruturas celulares do ser humano através de uma retroalimentação em que o sujeito produz uma multiplicidade de sentidos e significados em que ele molda e, ao mesmo tempo, é moldado por essa ferramenta. Uma alegoria que representaria bem o papel dessa simbiose da ferramenta e o humano é apresentada pelo diretor Stanley Kubrick no filme 2001: uma odisseia no espaço. Nas cenas iniciais do filme acompanhamos a rotina de um grupo nômade de primatas em um tempo pré-histórico, antes mesmo do domínio sobre o fogo ou qualquer procedimento linguístico. capítulo 2 • 35 Nas primeiras cenas do filme, os parentes do homem são presas fáceis a todo tipo de predadores como leopardos e tigres. Até o momento que um dos primatas descobre a força de um osso utilizado como ferramenta de abatimento de outros animais. A partir desse momento o homem teria conseguido atingir um outro patamar dentro do seu processo civilizatório por conta da violência. O emblema prescrito por 2001: uma odisseia no espaço, é que o limiar entre a conquista do fogo pelas primeiras tribos primitivas até a conquista do espaço pelo homem moderno corresponde à produção da forma de aperfeiçoamento da tecnologia. Justamente por conta desse aspecto é que a visão proposta por Mcluhan nos ajuda a perceber que a tecnologia pretende fazer o aperfeiçoamento da cultura humana a partir de distintos traços de desdobramentos. Figura 2.6 – Cartaz de divulgação do filme 2001: uma odisseia no espaço dirigido pelo renomado diretor Stanley Kubrick em 1968. Nesse filme, temos um belo exemplo de integração entre a tecnologia e o humano. Disponível em: <http://poseseneuroses.com.br/2001-uma-odi>. Essa constatação nos permite passar à segunda problematização elaborada por Mcluhan em relação ao que a tecnologia pretende tornar obsoleto. Conforme apontamos anteriormente, os traços fundamentais para o desenvolvimento de um capítulo 2 • 36 processo civilizatório estavam relacionados ao aparecimento das ferramentas como extensão da atividade corporal humana. Nesse sentido, uma tecnologia irá tornar obsoleta todas as ferramentas que não forem mais aproveitadas pela corporalidade humana. A obsolescência corresponde a um processo autorregulado da tecnologia. Já a terceira problematização estabelecida por Mcluhan corresponde ao resgate empreendido pelas tecnologias. Em determinados momentos de nossa história passam a existir uma retomada de sentidos e significados dentro do projeto tecnológico a partir da reabertura de novos processos. Essas constatações empreendidas por Mcluhan permitem-nos compreender como sua obra nos auxilia a pensar os desdobramentos das tecnologias e seus respectivos efeitos sobre os múltiplos meios de comunicação existentes. Por exemplo, em seu principal livro, Understing the Media: the extension of man, Mcluhan procura estabelecer uma correlação entre as primeiras formas de tecnologias criadas pelo homem, com as formas de tecnologias existentes no sentido de explorar as razões pelas quais os meios de comunicação produzem impactos em torno das práticas sociais e, como a partir da modernidade, esses impactos passaram a refletir a passagem de um mundo teleológico e unilateral para um mundo de som e fúria provenientes da era da informação. É nesse livro que podemos encontrar sua frase mais famosa sobre a nossa modernidade. Segundo Mcluhan (1977) “O meio é a mensagem”. Certamente um enunciado repleto de possibilidades interpretativas, mas sem sombra de dúvidas a mais importante remete ao seu diagnóstico em torno do fato de que toda tecnologia contribui para a formação de um ambiente radicalmente diferente do anterior. Desse modo, Mcluhan considera que um meio não é um agente passivo, mas sim um fator de interação pelos quais nossa sociedade articula seus possíveis desdobramentos pelas mãos da tecnologia. Um meio age, na medida que distribui suas características, a partir de seus efeitos sociais. Tomemos como exemplo disso que falamos, um aparelho tipicamente moderno, no caso o telefone. Por si só um telefone não é nada, mas o seu poder para o fortalecimento das comunicações entre as culturas que esse aparelho inventado no século XIX jamais deixou de se reinventar afetando diretamente o cotidiano das práticas sociais. Desde os primeiros aparelhos até os smartphones ou iphones produzem impactos sobre a produção de subjetividade. Essa leitura nos auxilia a compreender capítulo 2 • 37 como Mcluhan pensou a estruturação discursiva sobre os processos midiáticos na nossa sociedade a partir dos seguintes momentos: a) a civilização da oralidade. A civilização da imprensa e a civilização da eletricidade. A primeira corresponde à tradição empreendia por tribos nômades em que a palavra falada possuía um sentido muito precioso na transmissão do conhecimento. Já a segunda, se refere à perspectiva das primeiras manifestações da mídia impressa desde sua invenção por Gutemberg no século XV até os grandes jornais que circularam sobre as metrópoles nas primeiras décadas do século XX. Finalmente, a civilização da eletricidade é esta que vivemos. Momento de entrecruzamento das relações híbridas entre a tradição e a modernidade com a transformação do mundo em uma grande aldeia global. Os estudos produzidos por Mcluhan (1977) nos auxiliam a perceber o papel da tecnologia no sentido de contribuir para uma retomada da experiência coletiva da humanidade a partir da junção entre modernidade e tradição. Essa característica se refere à possibilidade de compreendermos os mais variados processos culturais nas transformações midiáticas de nossa época no sentido de problematizarmos sua relação e sua contribuição para a constituição de uma cultura híbrida dentro do mundo contemporâneo. Mundo da linguagem e o advento da hipermídia Linguagem e cultura são temas correlatos. Não existe como elaborar uma reflexão sobre um tema, sem que o outro não se faça presente. Entre os etnólogos uma ideia parece confluir para essa relação: qual seja a tese de que a linguagem produz ressonâncias sobre os artefatos culturais, da mesma maneira que esses artefatos influenciam nos desdobramentos linguísticos de cada época. A Etnologia se caracteriza pelo estudo das diferentes formas ou aspectos culturais existentes. Ela é um ramo da antropologia que procura analisar, sobretudo os aspectos linguísticos e de costumes de diferentes povos. Em linhas gerais, a etnologia se ocupa em descrever como as culturas constituem seus hábitos a partir de manifestações religiosas e demais práticas sociais. A emergência da linguagem se configura pelo fenômeno da hibridização através da oralidade, da escrita e dos signos imagéticos. Em uma sociedadeoralizada, os fundamentos da experiência da linguagem acontecem por meio da transmissão. Nesse modelo cultural se destaca a figura do narrador como elemento categórico capítulo 2 • 38 de representação da sabedoria. Em clássico ensaio dedicado a essa figura, Walter Benjamin afirmou que: A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão - no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma Artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o puro em si da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim, se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. Os narradores gostam de começar sua história com uma descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos que vão contar a seguir, a menos que prefiram atribuir essa história a uma experiência autobiográfica (BENJAMIN, Walter. 1985, p. 07). A partir do século XV, com a invenção da imprensa, a linguagem passa a se configurar a partir de uma lógica voltada para a crônica e organizada a partir de um metadiscurso, orientada pela perspectiva jornalística. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.7 – O filósofo alemão Walter Benjamin. Suas obras procuram pensar o papel dos aspectos culturais a partir de diferentes momentos e recortes históricos. Nesse sentido, é correto afirmarmos que a mídia impressa colaborou para a criação de uma transmissão linguística voltada para o caráter informativo dos fatos sem se ater ao sentido ontológico da experiência como no tempo dos narradores. capítulo 2 • 39 O advento das mídias digitais e seu consequente desdobramento em hipermídia no final do século XX corresponde a formação de uma nova configuração linguística cuja operatividade está diretamente relacionada ao advento da internet. A hipermídia contextualiza uma visão contemporânea sobre o papel do intertextual como elemento representativo das configurações das práticas sociais. Criado pelo intelectual estadunidense Ted Nelson, o conceito de hipermídia reflete na possibilidade de compreendermos como, a partir do surgimento da sociedade da informação, as tecnologias de mídias assumem uma forma não linear de transmissão de conteúdo. Uma hipermídia trabalha, portanto, sempre pela interatividade das informações que estão reunidas em diferentes dispositivos presentes no mundo real. Desse modo, é correto afirmarmos que a hipermídia trabalha com as condições de possibilidades para os processos associativos entre as diferentes formas de pensamentos que são compartilhados, lidos, transformados e reconfigurados independentemente da presença física de algum dispositivo eletrônico. Isso equivale a afirmar que os modos de subjetivação na contemporaneidade adquirem um sentido altamente tecnológico a partir da tessitura provocada pela web linguagem praticada por inúmeros indivíduos nos dias de hoje. Embora tenha sido criada décadas atrás, foi somente na década de 90 que esse modelo de discurso ganhou os contornos das práticas sociais. Na época, foram desenvolvidas algumas ferramentas que permitiram com que a internet acabasse impactando diretamente sobre os modos de vida e culturas das sociedades ocidentais. A hipermídia consistiu-se como a linguagem produzida a partir da internet a partir dos constantes fluxos de interatividades presentes em diversos dispositivos. Em suma, a hipermídia trabalha com a tese de que, quanto maior for a interatividade, mas profunda será a experiência do leitor. Essa tese está associada ao fato de que muitos programadores criam diversos roteiros responsáveis por prender a atenção do espectador no maior tempo possível diante de uma determinada atração, um produto ou um jogo. A hipermídia trabalha, portanto com a ideia de que se é possível estabelecer uma interatividade entre humano e máquina através do que se pode chamar de cartografia mental isto é, uma ferramenta capaz de propiciar a hibridização das matrizes da linguagem através da sua correlação aos modos de pensamento e também a arquitetura dos fluxos informacionais presentes nas constelações de imagens retratadas pelo universo da hipermídia, pois segundo Larizzatti (2012, p. 7): capítulo 2 • 40 Quando o estético das tecnologias digitais está presente desde os primeiros momentos de uma investigação acadêmica, passos revolucionários se dão rumo à metodologia dos trabalhos científicos. Neste sentido, as obras digitais que surgem a partir de 2000 (TAB. 3) expressam esse caminho, com melhor definição taxionômica, grandes estruturas de bancos de textos e/ou imagens, vídeos e/ou áudios. No período em questão, os pesquisadores se revelam como programadores e criadores de ambientes interativos, com explicitação de competências interdisciplinares e multimidiáticas, a serem alcançadas de modo individual e coletivo. Ao elaborar a concepção de hipermídia, o sociólogo estadunidense Ted Nelson acabou por favorecer o crescimento, por parte das ciências humanas e sociais ao papel da tecnologia da informação e da presença da máquina computacional no contexto da sociedade contemporânea. A hipermídia se caracteriza como um componente de várias formas ou manifestações presentes no contexto computacional que produzem impactos sobre a realidade. Dentre as formas de linguagem produzidas pela hipermídia se encontra o hipertexto, compreendido como categoria na qual as informações podem ser capturadas, decodificadas pelo usuário de forma não linear. Nesse sentido, o hipertexto favorece a criação de uma nova experiência do pensamento no mundo contemporâneo. Nesse caso, há que se mencionar o papel da hipermídia como uma nova tecnologia que associa os impactos dos computadores sobre as relações humanas. O contexto de uma linguagem voltada para a hipermídia permite com que percebamos os elementos dessa verdadeira revolução tecnológica como uma atividade voltada para a reflexão de novos sentidos e significados sobre o papel da linguagem concebida agora como tecnologia de informação. Isso significa que o hipertexto produzido no interior da hipermídia constitui- se como um paradigma revolucionário que coloca em evidência o caráter não sequencial da linguagem e seus desdobramentos simbólicos através de uma programação altamente interativa. É desdobrando esse conjunto de possibilidades que encontramos a hipermídia como ferramenta voltada para a composição de um novo procedimento sobre a experiência do pensamento. Experiência do pensamento trabalhada a partir de uma orientação fenomenológica que compreende a tecnologia como um modo do sujeito estabelecer uma leitura sobre a sua condição ontológica. capítulo 2 • 41 Em especial o pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger ocupa um papel central dentro de uma possibilidade de uma linguagem voltada para a contextualização do mundo tecnológico. Em A Caminho da Linguagem Heidegger (1988) considera que o grande desafio do pensamento no século XX consistia em perceber os movimentos intrínsecos aos processos cada vez maiores de interação entre os homens e as máquinas. O sentido da técnica no universo da hipermídia constitui-se como o principal elemento de uma linguagem fluida. Um sentido absolutamente poético produzido pela sensibilidade de programações não lineares que profanam todo o sendo unilateral do discurso. No mundo contemporâneo, o hipertexto produzido pela hipermídia se configura como o grande emblema da lógica filosófica. Emblema já que ele produz uma cadeia de sentidos e significados que interpelam o sujeito a produzir modos de subjetivação voltados para o contexto da relação híbrida com a cultura das máquinas na perfeita articulação entre a ontologia e a tecnologia. ATIVIDADES 01. Caracterizeo que seria, segundo Marshall McLuhan, as leis das mídias. 02. Como Marshall McLuhan percebe a importância do conceito de meio? 03. O que é uma hipermídia? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN. Walter. O Narrador. São Paulo: Brasiliense, 1985. Disponível em: <http://www. transcriacoes.art.br/wp-content/uploads/2016/05/NC_-O-narrador-walter-benjamin-2.pdf>. Acesso em: 8 ago. de 2017. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2004. GIL, Gil. Parabolicamará. Gilberto Gil, 2009. Disponível em: <http://www.gilbertogil.com.br/sec_ disco_info.php?id=3. Acesso em: 8 ago. de 2017. 86&letra>. HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 1988. HEIDEGGER, Martin. Introdução à Metafísica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990. capítulo 2 • 42 LARIZZATTI, Dóris Sathler de Souza. Hipermídia: links históricos de um jogo. Revista Brasileira de História da Mídia (RBHM). - v.1, n.2, jul.2012 / dez.2012. MACLUHAN, Marshal. Understing the Media: the extension of man. New York: Penguin, 1977. Da soberania do livro à era da imagem: o livro sempre será um livro 3 capítulo 3 • 44 Da soberania do livro à era da imagem: o livro sempre será um livro Prezado leitor, neste capítulo iremos apresentar três desdobramentos essenciais dentro do contexto da cultura das mídias no nosso mundo contemporâneo. Em um primeiro momento, estabeleceremos as correlações e a hibridização entre as diferentes mídias e linguagens presentes na nossa sociedade através de um sensível diálogo entre o pensamento do sociólogo tunisiano Pierre Lévy e sua contextualização da atualização do mundo virtual. Já o segundo momento será dedicado a explorar uma análise entre a internet e as mídias de massa na nossa sociedade ocidental. Tomaremos como ilustração, o papel das mídias alternativas nos protestos ocorridos no Brasil em 2013 como elementos de uma performatividade política voltada para um questionamento dos modos habituais de transmitir informações e disseminação do conhecimento. Por fim, procuraremos estabelecer as similaridades entre as mídias on-line e off-line através da ilustração de duas das maiores mídias de nossa época, o Facebook e o Google. OBJETIVOS • Apresentar as correlações entre a hibridização das mídias e linguagens no contexto contemporâneo; • Explorar as emergências e proveniências das novas tecnologias e mídias presentes dentro do contexto da internet; • Analisar as correlações entre as mídias on-line e off-line e seu papel sobre a produção de subjetividades na sociedade ocidental. Misturas entre mídias e linguagens O escritor argentino Jorge Luís Borges, foi um dos maiores intelectuais do século XX. Suas obras se tornaram referências para uma leitura da nossa sociedade a partir de uma interessante relação entre o realismo e a ficção. capítulo 3 • 45 Através de uma escrita solta, Borges costuma escrever através de crônicas e contos os elementos categóricos que costumam oportunizar uma sensível poetização da vida através de objetos sempre presentes à nossa realidade. © W IK IM E D IA .O R G Figura 3.1 – O Escritor argentino Jorge Luis Borges. Em um dos seus contos mais famosos, intitulado A Biblioteca de Babel (BORGES, 1995), o escritor argentino nos apresenta uma realidade metafísica do mundo em que ele é constituído por uma biblioteca infinita que abrange uma multiplicidade de livros. O narrador – que na realidade é um dos muitos bibliotecários – explica ao leitor que, cada volume da biblioteca abriga muitas perspectivas e possibilidades de realidades. Nesse caso, enquanto alguns volumes não fazem o menor sentido, outros são meras repetições e outros, por fim, abrigam línguas há muito tempo desconhecidas da nossa realidade. O desafio, do leitor nessa imensa biblioteca de babel consiste em tentar decifrar as letras, elaborando algum ritual de interpretação textual que seria semelhante ao encontro com um deus. A intenção de Borges (1995) seria a de nos mostrar como, o mundo da literatura e a realidade estão em espécie de fusão. Se atentarmos para o fato de que esse conto foi originariamente publicado em 1944, podemos perceber como Borges (1995) já antecipava toda uma leitura sobre as sociedades de massas e a crescente propagação da cultura imagética dentro da era virtual. capítulo 3 • 46 Uma das maiores referências sobre o papel da virtualidade na constituição do sujeito, o sociólogo tunisiano Pierre Lévy aponta que a virtualização constitui-se como o elemento fundamental da nossa sociedade contemporânea. Para Lévy (2000), a virtualização constitui-se como umas das técnicas provenientes da comunicação nas sociedades ocidentais pela ótica dos sinais presentes na nossa cultura. Figura 3.2 – O sociólogo tunisiano Pierre Lévy. Disponível em: <https://onacionalnajornada. wordpress.com/2011/08/07/quem-tem-medo-da-tecnologia/.> Isso significa que estamos vivendo, desde o final do século XIX, uma verdadeira revolução digital na nossa sociedade. Essa revolução propaga-se através do traço fundamental da virtualização, qual seja, a ideia de que a cibercultura configura-se como um elemento fundamental de um mundo articulado em rede. Como um grande hipertexto, a realidade não pode mais ser vista como uma única linguagem, mas sim através das múltiplas experiências em que sons, palavras e imagens parecem estar em constante processo de fusão. Desse modo, Lévy (2000) aponta que devemos analisar os aspectos de nossa contemporaneidade a partir de uma releitura sobre o papel da relação entre o conhecimento, a informação e a comunicação na nossa sociedade. Se antes da revolução digital essas informações eram analisadas de forma binária, agora elas devem estar todas interconectadas. A emergência da internet acabou por apresentar à sociedade uma transformação constante de todos os processos culturais em redes. Nesse sentido, o que Lévy (2000) argumenta é que ocorre nos dias de hoje uma inversão do mapa conceitual presente nas tecnologias de um mundo em constante expansão. capítulo 3 • 47 Isso seria o que Lévy (2000) chama de sociedade da informação em que processos como os presentes em um mundo cada vez mais globalizado favorece a proliferação de elementos cada vez mais velozes em sua distribuição e produção. Nesse sentido, não existe mais como operarmos uma cisão entre realidade e virtualidade, pois dentro de um contexto de hipermídia o que está em jogo é a própria atualização do virtual sem, contudo, chegar-se à concretização efetiva desse virtual. De modo contrário ao panorama estático, a virtualidade engloba a complexa e problemática capacidade para as constantes atualizações de linguagens cada vez mais criativas a invenção de formas e configurações dinâmicas de forças e finalidades. Na realidade, Lévy (2000) elabora uma problematização das oposições binárias para considerar o virtual como elemento de potencialidade. O virtual configura-se como um modelo em que os problemas são constantemente realocados através da integração na qual, a combinação de cada elemento linguístico configura-se como uma fenomenologia dos modos de percepção. Isso significa que a propagação de elementos categóricos das múltiplas linguagens hipermidiáticas se caracteriza pela junção de diferentes informações que acabam por compor uma imagem. Estamos falando de múltiplas linguagens compostas pela conexão entre sons, imagens, textos que acabam por constituir um panorama de atualização virtual cujas ressonâncias se inscrevem através das redes. Por conta desse aspecto é que qualquer espaço presente na rede mundial de computadores acessado fala sempre a linguagem da hipermídia. Desde blog’s, as redes sociais, passando por sites especializados, tudoconfigura-se a partir do acesso simultâneo e de modo não linear as várias possibilidades e conteúdos cada vez mais interativos. Criado pelo intelectual estadunidense Ted Nelson, o conceito de hipermídia reflete na possibilidade de compreendermos como, a partir do surgimento da sociedade da informação, as tecnologias de mídias assumem uma forma não linear de transmissão de conteúdo. Uma hipermídia trabalha, portanto, sempre pela interatividade das informações que estão reunidas em diferentes dispositivos presentes no mundo real. capítulo 3 • 48 Dentre todas as formas de linguagens presentes no contexto da virtualização destaca-se à presença do ciberespaço como elemento fundamental para as novas tecnologias presentes no contexto contemporâneo. Por ciberespaço compreende-se a relação do sujeito com todas as formas de tecnologias que ultrapassam a presença física, constituindo-se como elemento de comunicação e de relacionamento cuja ênfase recai sobre a imaginação. Entre as formas mais comuns de ciberespaço destacam-se à realidade virtual, na qual ocorre a interação entre os elementos categóricos presentes, através da interface entre um sujeito e um determinado sistema operacional e a realidade aumentada em que ocorre a integração entre as informações virtuais e as visualizações do mundo real. As alegorias do ciberespaço representam a configuração interconectada a todas as memórias dos computadores. Acessível em qualquer dispositivo, o ciberespaço acaba por tornar fluída a fronteira entre as informações através da sensível relativização das distâncias e novas formas de comunicação. Na opinião de Lévy (2000), o ciberespaço acarreta em um acelerado processo de desenvolvimento digital cujas mudanças são sentidas nas formas pelas quais a realidade e a virtualidade estão em constante processo de atualização. Um contexto muito interessante para descrevermos o papel do ciberespaço está diretamente relacionado ao conceito de cartografia. Na realidade, um ciberespaço configura-se como uma cartografia móvel da informação desdobrada no constante fluxo entre as redes. A infraestrutura necessária para a configuração do ciberespaço apresenta-se como uma realidade constante pela qual ocorrem as disseminações entre múltiplas formas de linguagem. Na opinião de Veloso (2008), o ciberespaço configura-se como a ágora do nosso tempo presente. Através da emergência das realizações humanas pelas quais a globalização e a constante atualização dos movimentos circulares das sociedades apresentam-se como fundamentais para uma leitura sobre o papel da liberdade e da ação humana. De acordo com essa perspectiva, não existe como pensarmos qualquer categoria ou processo de subjetivação sem levarmos em conta os processos que envolvem os movimentos paradoxais da nossa sociedade. capítulo 3 • 49 Nas palavras de Veloso (2008, p. 106): As condutas e relações sociais e humanas que se dão na circunscrição desses territórios emergentes, em particular do território virtual, convidam ao exame de seu significado e do caráter que assumem, bem como das variáveis com que estão imbricadas, para sua melhor compreensão e, por extensão, para que se possa tratar a sua ressituação no ciberespaço. Essa categoria, por sua vez, reclama exame mais detido, de forma a favorecer a compreensão das interações humanas em seu âmbito, sob múltiplas configurações. Conforme essas palavras apontam, o espaço de virtualização apresenta-se imbricado em várias temporalidades abrindo-se como elemento fundamental para uma hibridização entre distintas formas de linguagens. Nesse sentido, seria correto afirmar que o espaço virtual em constante processo de atualização acaba abrindo a possiblidade de compreendermos a linguagem como um mosaico atravessado pela rede mundial de computadores. A Internet e suas relações com as mídias de massa Deleuze e Guattari (2005, p. 11) entendem a produção das máquinas desejantes a partir da seguinte perspectiva: Isso funciona em toda parte: às vezes sem parar, outras vezes descontinuamente. Isso respira, isso aquece, isso come. Isso caga, isso fode. Mas que erro ter dito o isso. Há tão somente máquinas em toda parte, e sem qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com seus acoplamentos, suas conexões. Uma máquina-órgão é conectada a uma máquina-fonte: esta emite um fluxo que a outra corta. O seio é uma máquina que produz leite, e a boca, uma máquina acoplada a ela. A boca do anoréxico hesita entre uma máquina de comer, uma máquina anal, uma máquina de falar, uma máquina de respirar (crise de asma). É assim que todos somos “bricoleurs”; cada um com as suas pequenas máquinas. Uma máquina-órgão para uma máquina-energia, sempre fluxos e cortes. O presidente Schreber tem os raios do céu no cu. Ânus solar. E estejam certos de que isso funciona. O presidente Schreber sente algo, produz algo, e é capaz de fazer a teoria disso. Algo se produz: efeitos de máquina e não metáforas. Conforme essas palavras apontam, a contemporaneidade exige a minúcia de uma relação contínua entre a atualização do virtual e a constante propagação da internet como ferramenta de articulação entre as mídias e as massas. capítulo 3 • 50 Já que o espaçamento virtual encontra-se articulado entre as mais variadas formas de linguagens, é correto afirmarmos que, desde a década de 90 testemunhamos a crescente onda de radicalização pelas quais as massas procuram articular suas ações no espaço da internet. Falar em mídias e internet, portanto, significa falar em múltiplos devires e agenciamentos que oportunizam uma visão múltipla sobre aspectos políticos, sociais e econômicos. Tomemos como exemplo disso que falamos a onda de protestos que varreu o Brasil em junho de 2013. © JO S E C R U Z /A B R | W IK IM E D IA .O R G Figura 3.3 – Manifestantes Ocupando o Congresso Nacional em Junho de 2013. Figura 3.4 – Ativistas protestam contra o governo em São Paulo. As redes sociais tiveram um grande papel em junho de 2013. Disponível: <http://jornalggn.com.br/noticia/o-saldo- dos-protestos-de-junho-e-das-urnas-por-assis-ribeiro.> capítulo 3 • 51 Figura 3.5 – Entre as várias pautas dos manifestantes, uma das que mereceu maior destaque foi à reivindicação do passe livre. Disponível: <http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/06/ protestos-completam-um-ano-e-violencia-policial-se-repete.> A essa época, enquanto que a grande mídia televisiva se preparava para cobrir a 9ª Edição da Copa das Confederações, uma multidão tomou as ruas de São Paulo para demonstrar sua insatisfação com os rumos da política e da economia no Brasil. Essas manifestações caracterizavam-se por duas características: em primeiro lugar, elas não eram capitaneadas por nenhuma entidade representativa. Ou seja, não havia nenhum sindicato ou partido organizando esses atos. Em segundo lugar, quase toda sua organização aconteceu por conta da internet. Em grupos privados ou mesmo públicos, nas redes sociais a insatisfação era uma constante proliferação e um onda de desejo por mudança em relação à estrutura do nosso país. Logo, a tradicional mídia perguntava-se sobre os possíveis indicativos daquele intenso movimento. Sem saber precisar exatamente, os motivos nem muito menos as lideranças daquelas atividades, vários fatores foram atrelados a sua explicação: o aumento das passagens de ônibus, a alta taxação dos impostos pagos pela sociedade brasileira, a falta de um combate permanente à corrupção, enfim o descontentamento contra toda forma de autoridade e de representação democrática. Não obstante, o que motivou essa onda de manifestação não parece ser o essencial dessa proposta, mas sim a emergência de novas formas de comunicações existentes entre uma mídia alternativa que protagonizava uma cobertura
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