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LUIZ HENRIQUE PORTO VILANI Considerações Gerais da Psicologia do Esporte Pediátrica: Uma Revisão da Influência do Contexto Psicológico Sobre Jovens Atletas Belo Horizonte Escola de Educação Física – UFMG 2001 LUIZ HENRIQUE PORTO VILANI Considerações Gerais da Psicologia do Esporte Pediátrica: Uma Revisão da Influência do Contexto Psicológico Sobre Jovens Atletas (Monografia apresentada ao curso de Especialização em Treinamento Esportivo da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Treinamento Esportivo.) Orientador: Prof. Dr. Dietmar Martin Samulski Belo Horizonte Escola de Educação Física – UFMG 2001 Este trabalho foi desenvolvido com apoio do Laboratório de Psicologia do Esporte (LAPES) do Centro de Excelência Esportiva (CENESP) da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais, sob orientação do Prof. Dr. Dietmar Martin Samulski, durante o Curso de Especialização em Treinamento Esportivo. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, pela confiança e apoio constante em minha carreira acadêmica e profissional. Ao meu irmão, e colegas da Secretaria Municipal de Esportes – SMES-PBH, pelas constantes discussões e críticas que contribuem para um processo contínuo de aprendizagem. Ao meu orientador Prof. Dr. Dietmar Martin Samulski, cujo exemplo, questionamentos e disposição, desde a graduação, quando tive a oportunidade de trabalhar ao seu lado como monitor da disciplina Psicologia do Esporte, constitui um grande incentivador de meus estudos na área. Ao amigo Prof. Ms. Fernando Vitor Lima, cuja atuação profissional como técnico em minha infância e adolescência, e os diálogos atuais como colega, inspiraram grandes reflexões para o presente trabalho. Nossas conversas informais, pode hoje se formalizar como uma co-orientação indireta deste. Ao Prof. Dr. Pablo Juan Greco, exemplo de profissional, cuja orientação na graduação, ainda refletem grandes inspirações nesta mesma linha de pesquisa. Simples ações e exemplos pedagógicos, facilitam até hoje a resolução de complexas situações práticas. Aos amigos do Tênis de Mesa, cujos laços sinceros de amizade constitui um constante incentivo na busca da evolução e otimização das relações do meio esportivo em geral. Monografia apresentada e aprovada em 02 de maio de 2001, pela banca examinadora constituída pelos professores: __________________________________ Prof. Dr. Leszek Antoni Szmuchrowski __________________________________ Prof. Dr. Hans-Joachim Karl Menzel __________________________________ Prof. Dr. Rodolfo Novellino Benda RESUMO O processo de iniciação e treinamento de crianças e adolescentes é um aspecto extremamente importante na formação de atletas de alto nível. Entretanto, muitas vezes, este contexto não é constituído pelos melhores e mais adequados meios. Alguns aspectos como o alto nível de exigência, aplicação de métodos inadequados, dentre outros fatores que influem diretamente no Treinamento Esportivo voltado para jovens atletas, geram uma situação muito delicada com relação à segurança que pretendemos estabelecer para atingir um trabalho bem orientado. Sob o ponto de vista da Psicologia do Esporte, os diversos constructos relativos à área possuem abordagens diferenciadas quando se trata de crianças e adolescentes. Assim, a avaliação e compreensão do contexto do jovem no esporte constituiu a base fundamental do presente estudo, visto que as características do meio, interferem diretamente nos aspectos psicológicos do processo da prática esportiva. Assim, buscamos levantar e analisar na literatura o contexto do esporte para crianças e adolescentes, partindo desde as bases legais, até os preceitos psicológicos adequados ao processo de treinamento com crianças e adolescentes. Neste sentido, integramos algumas considerações de outras áreas, ressaltando a importância de uma abordagem multidisciplinar. O número de jovens que buscam a prática de uma determinada modalidade esportiva, vem aumentando intensamente nas últimas décadas. Entretanto, as considerações gerais da Psicologia do Esporte Pediátrica, ainda não refletem uma forte área de pesquisa. Ainda que diversos estudiosos da área ressaltam a importância da análise e comparações dos distintos constructos psicológicos, bem como suas inter-relações, o número de pesquisas não é considerado satisfatório para a dimensão que este segmento do esporte vem tomando. Embora muitas vezes ainda não se configure de forma sistemática frente a preparação do jovem atleta, o treinamento psicológico é fundamental para a adequação da criança e do adolescente frente ao processo de experiência esportiva. Ao identificarmos as influências psicológicas neste contexto de treinamento, buscamos a ampliação de uma base teórica adequada às características próprias da psicologia do esporte pediátrica, procurando estabelecer uma referência básica, bem como despertar o interesse para estudos mais específicos futuramente. Ao identificar as sensíveis diferenças entre jovens e adultos, que devem ser observadas em programas de esportes. Abordamos a necessidade de adaptar e adequar o meio esportivo sob as bases psicológicas, para uma prática que permita à criança e ao adolescente, o amplo desenvolvimento de suas potencialidades. Ressaltamos ainda que mesmo frente as diversas pesquisas realizadas nesta área, há uma grande necessidade de mais estudos que possam estabelecer maior confiabilidade às necessidades e peculiaridades do processo de participação esportiva de crianças e adolescentes. SUMÁRIO RESUMO------------------------------------------------------------------------------------- 09 1. INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------- 11 1.1. JUSTIFICATIVA---------------------------------------------------------------- 14 1.2. OBJETIVOS--------------------------------------------------------------------- 14 1.3. DELIMITAÇÕES--------------------------------------------------------------- 14 1.4. METODOLOGIA--------------------------------------------------------------- 15 2. NATUREZA E FINALIDADES DO ESPORTE PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES----------------------------------------------------------- --------- 16 2.1. ORIENTAÇÕES GERAIS DO ESPORTE----------------------------- 16 2.2. ASPECTOS LEGAIS-------------------------------------------------------- 17 2.3. O CONTEXTO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ESPORTE 19 2.4. A NATUREZA DO ESPORTE--------------------------------------------- 24 2.4.1. O MODELO SOCIAL DO ESPORTE-------------------------------- 25 2.4.2. O MODELO COMPETITIVO DO ESPORTE---------------------- 25 2.4.3. UM MODELO ALTERNATIVO PARA CRIANÇAS -------------- 25 2.5. A CRIANÇA E A COMPETIÇÃO ESPORTIVA------------------------ 27 2.6. OS VALORES DO ESPORTE PARA CRIANÇAS-------------------- 28 2.6.1. VALORES DE REALIZAÇÃO------------------------------------------ 30 2.6.2. VALORES SOCIAIS------------------------------------------------------ 30 2.6.3. VALORES DE COMPETÊNCIA--------------------------------------- 30 2.6.4. VALORES MORAIS------------------------------------------------------ 30 2.7. CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------- 33 3. PRINCIPAIS INTER-RELAÇÕES DO ESPORTE PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES---------------------------------------------------------------------- 35 3.1. A RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS (ATLETAS)------------------- 38 3.1.1. PAIS DESINTERESSADOS-------------------------------------------- 41 3.1.2.PAIS MAL INFORMADOS----------------------------------------------- 41 3.1.3. PAIS EXCITADOS--------------------------------------------------------- 41 3.1.4. PAIS FANÁTICOS--------------------------------------------------------- 42 3.1.5. RECOMENDAÇÕES------------------------------------------------------ 42 3.2. A RELAÇÃO ENTRE A CRIANÇA E O TREINADOR----------------- 44 3.2.1. RECOMENDAÇÕES---------------------------------------------------- 46 3.3. A RELAÇÃO ENTRE OS PAIS E TREINADORES------------------ 48 3.3.1. RECOMENDAÇÕES---------------------------------------------------- 49 4. A INICIAÇÃO E A ESPECIALIZAÇÃO ESPORTIVA PRECOCE-------- 51 5. O DESENVOLVIMENTO DO TALENTO ESPORTIVO---------------------- 56 5.1. ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DO TALENTO-------------- 58 5.1.1. ANOS INICIAIS DE APRENDIZAGEM------------------------------ 58 5.1.2. ANOS INTERMÉDIOS DE APRENDIZAGEM--------------------- 59 5.1.3. ANOS FINAIS DE APRENDIZAGEM-------------------------------- 59 6. OVERTRAINIG, BURNOUT e DROPOUT EM JOVENS ESPORTISTAS 62 7. ENTENDENDO OS ASPECTOS GERAIS DA PSICOLOGIA DO ESPORTE PEDIÁTRICA----------------------------------------------------------------------------- 66 7.1. A AÇÃO HUMANA COMO OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA DO ESPORTE------------------------------------------------------------------------ 68 7.2. O TREINAMENTO PSICOLÓGICO PARA CRIANÇAS-------------- 71 7.3. ATENÇÃO E CONCENTRAÇÃO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES 75 7.4. MOTIVAÇÃO PARA O ESPORTE----------------------------------------- 80 7.4.1. DETERMINANTES INTERNOS---------------------------------------- 85 7.4.2. DETERMINANTES EXTERNOS--------------------------------------- 88 7.4.3. ATIVAÇÃO------------------------------------------------------------------- 90 7.4.4. ASPECTOS ESPECÍFICOS DA MOTIVAÇÃO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES---------------------------------------------------------- 92 7.5. EMOÇÕES E O JOVEM NO ESPORTE --------------------------------- 94 7.6. ESTRESSE COMPETITIVO------------------------------------------------- 98 7.7. A PERSONALIDADE DA CRIANÇA--------------------------------------- 103 8. CONCLUSÕES-------------------------------------------------------------------------- 108 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS----------------------------------------------- 111 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1- Circulo de influências----------------------------------------------------- -------- 35 FIGURA 2 - Representação de THOMAS (1992) para o modelo de Bronfenbrenner----------------------------------------------------------------------------- 38 FIGURA 3 - Triângulo esportivo------------------------------------------------------- 38 FIGURA 4 - Crianças e jovens no esporte competitivo-------------------------- 39 FIGURA 5 - O contínuo do envolvimento dos pais------------------------------- 41 FIGURA 6- Modelo multifatorial da especialização esportiva precoce proposto por KREBS (1987)------------------------------------------------------------------------------ 55 FIGURA 7- Modelo de Bloom, do desenvolvimento do talento---------------- 60 FIGURA 8- Determinantes subjetivos e objetivos da ação---------------------- 69 FIGURA 9- As três fases da regulação da ação----------------------------------- 71 FIGURA 10: Modelo das diferentes formas do treinamento psicológico no esporte -------------------------------------------------------------------------------------------------- 73 FIGURA 11- Determinantes da motivação------------------------------------------- 84 FIGURA 12- Determinantes da motivação atual para o rendimento----------- 84 FIGURA 13- Fatores causais do êxito e do fracasso------------------------------ 88 FIGURA 14- Relação entre motivação, rendimento e dificuldade de uma tarefa 90 FIGURA 15-Ativação - Desempenho Princípio de DODSON-YERKES------ 91 FIGURA 16- Relação entre o nível de ativação e o rendimento---------------- 91 FIGURA 17 – Relação entre emoção e rendimento------------------------------- 97 FIGURA 18: Modelo do desenvolvimento do estresse psíquico--------------- 99 FIGURA 19 – Estresse como um produto tridimensional------------------------ 100 FIGURA 20- As 2 dimensões da personalidade reveladas através da análise fatorial-- -------------------------------------------------------------------------------------------------- 105 FIGURA: 21- Hereditariedade e meio: ambos influenciam a personalidade do indivíduo-------------------------------------------------------------------------------------- 107 LISTA DE TABELAS TABELA 1 Razões usualmente utilizadas por diferentes profissionais em relação aos benefícios das atividades físico-desportivas (incluídos os pais)--------- 22 TABELA 2 Classificação dos valores humanos de acordo com a dimensão e o foco--------------------------------------------------------------------------------------------- 29 TABELA 3 Observação dos valores do esporte (adaptado de ROKEACH, 1973) 33 TABELA 4 Carta de direitos para jovens atletas------------------------------------ 34 TABELA 5 - Tipos de riscos a que está exposta a criança quando da prática Intensiva de uma modalidade esportiva----------------------------------------------- 53 TABELA 6 - Breve descrição dos tipos mais importantes de treinamento---- 72 TABELA 7 - Diretrizes gerais para melhorar a capacidade de concentração- 79 TABELA 8 - Diretrizes para o treinamento da concentração---------------------- 79 TABELA 9 - Lista de necessidades de Murray---------------------------------------- 82 TABELA 10 - Diretrizes para a determinação de metas---------------------------- 86 TABELA 11 - Comparação entre o tipo vencedor e o perdedor------------------ 87 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - Efeito do estabelecimento da meta na performance. Os alunos encorajados a estabelecer seus próprios objetivos tiveram melhor performance do que aqueles aos quais foi dito apenas “faça o seu melhor”------------------------- 86 11 1. INTRODUÇÃO Dentre as diversas manifestações esportivas em todo o mundo, o processo de iniciação e treinamento de crianças e adolescentes sempre constitui um aspecto de grande relevância no que tange a adequação de princípios, valores, intensidade das cargas e seus respectivos controles, bem como as possíveis consequências do trabalho com esta faixa etária com vistas a um melhor aproveitamento no processo de desenvolvimento do sujeito. Independentemente do âmbito esportivo em que está direcionado, como por exemplo no esporte educacional ou de rendimento (profissional, semi-profissional ou amador), tal processo acarretará em profundas transformações seja de ordem funcional, social, psicológica, ou de qualquer outro aspecto, advindas das modificações e variações dos estímulos e meios aos quais as crianças e adolescentes transitam. De acordo com ZAKHAROV (1992:21), a preparação dos desportistas ”apresenta-se-nos sob a forma de uma enorme quantidade de fatos e acontecimentos separados”. A detecção de fatos repetidos e ligações entre os fenômenos observados, formam a condição básica para o acúmulo de experiências. “Estes dados se enriquecem com os conhecimentos acumulados em outros campos da ciência: fisiologia, medicina, bioquímica, psicologia, etc. ” que posteriormente passa a constituir uma escala de conhecimento generalizado que norteia o corpo teórico do Treinamento Esportivo. Analisando este contexto, podemos considerar que o treinamento de crianças e adolescentes constitui um processo multidisciplinar complexo e interdependente. Entretanto, a questão da maturidade interfere com grande intensidade no processo de planificação, aplicação e controle do treinamento. Segundo CLAPARÈDE (1937) in WEINECK (1989:31, 1991:246), “a criança não é um adulto em miniatura, e sua mentalidade não é somente quantitativa, mas também qualitativamente diferenteda dos adultos, de modo que uma criança não é somente menor, mas também diferente”. Logo, evidencia o cuidado e as necessidades de estudos que envolvem a planificação de um treinamento para crianças. Alguns aspectos como o alto nível de exigência, aplicação de métodos inadequados, dentre outros fatores que influem diretamente no Treinamento Esportivo voltado para crianças e adolescentes, geram uma situação muito delicada 12 com relação à segurança que pretendemos estabelecer para atingir um trabalho bem orientado. Conforme ROBERTS & TREASURE (1993:4), existem muitas razões para se concentrar na condução de estudos acerca da criança que está engajada no esporte de competição. Primeiramente, a organização esportiva para crianças têm expandido em muitos países e em muitas modalidades nas últimas décadas. Os autores citam que nos Estados Unidos, já estão organizando competições para crianças com 3 anos de idade, ou seja, um contexto não muito diferente de nosso país, onde já podemos observar algumas entidades esportivas que atendem categorias envolvendo crianças em faixas etárias também muito baixas. BRUSTAD (1993:696) reforça estas considerações ao citar algumas pesquisas que ressaltam a idade de iniciação no esporte de competição: 3 anos de idade nos Estados Unidos (Martens, 1986); 4 anos na Austrália (Robertson, 1986); e 6 anos de idade no Brasil (Ferreira, 1986) e no Canadá (Valeriote & Hansen, 1986). Assim, os estudos nas diversas áreas do treinamento esportivo voltam a destacar um papel fundamental. COX et al. (1993:23) ao tratar sobre o futuro da pesquisa em Psicologia do Esporte, ressalta que enquanto o desempenho for uma área excitante e importante de investigação, é certo que a pesquisa na área do esporte para jovens continuará sendo enfatizada. O autor destaca entretanto, uma grande preocupação com relação a profissionais não qualificados para o trabalho com crianças e adolescentes. Ocorrem abusos por falta de conhecimento e procedimentos adequados, além da insegurança no desenvolvimento de programas desportivos para jovens. Consequentemente é necessário documentar através de pesquisas os efeitos dos vários programas desportivos para crianças e adolescentes (COX et al., 1993:23). Neste sentido, há uma necessidade emergente de justificar sob os diversos aspectos envolvidos no treinamento esportivo, as intervenções adequadas a cada faixa etária de acordo com a essência das características do desenvolvimento da criança. As linhas de ação, conceitos filosóficos, políticos, sociais e conteúdos inerentes às diferentes fases de ensino-aprendizagem-treinamento que compõem o Sistema de Formação Esportiva (SFE), obedecem a uma sistemática previamente organizada, que de acordo com VILANI (1998) e VILANI, GRECO & LIMA (2001) com base em GRECO (1997) deve respeitar uma série de implicações como os níveis de desempenho que uma criança pode alcançar em cada uma das suas fases evolutivas, os aspectos como o “drop-out”, a seleção de talentos, a especialização 13 precoce, e a conseqüente necessidade de planificar um processo de iniciação esportiva de acordo com os interesses e necessidades de cada criança, baseando- se em princípios e métodos de treinamento esportivo adequados a cada faixa etária. Seguindo esta mesma linha, entendemos que o processo de preparação psicológica, enquanto conteúdo do SFE, poderia contribuir de forma mais sistemática nesta planificação, através do estabelecimento de intervenções adequadas à estrutura da criança. O que poderia constituir um mecanismo facilitador devido ao controle dos atributos psicológicos envolvidos no processo. VILANI, GRECO & LIMA (2001) adaptando o modelo de Greco (1997) fundamenta uma proposta de iniciação esportiva com base em um critério multidisciplinar, onde o aspecto metodológico é estabelecido conforme a estrutura global do desenvolvimento humano. O autor considera que independente da modalidade, “o processo de iniciação esportiva deveria antes de tudo preservar as características, possibilidades de desenvolvimento, necessidades e interesses da criança, ou seja, deveria basear-se em estudos de desenvolvimento humano, sejam eles em qualquer um de seus domínios determinantes (cognitivo, afetivo-social, motor, emocional, moral, maturativo, etc.)”. Neste sentido, endossamos as preocupações de VILANI (1998) e VILANI, GRECO & LIMA (2001), que apresenta, dentre outras, acusações como as do Professor Doutor A. Delmas, citadas por RUIZ PÉREZ (1987:125) com relação à manipulação do treinamento de crianças e jovens em idades de crescimento, tendo como finalidades, conquistas de medalhas internacionais, o que pode colocar em risco a integridade das mesmas. Sob o ponto de vista da psicologia do esporte, os diversos constructos relativos à área possuem abordagens diferenciadas quando se trata de crianças e adolescentes. A avaliação e compreensão do contexto do esporte para crianças e adolescentes, constitui-se uma das bases fundamentais do presente estudo, visto que as características do meio, interferem diretamente nos aspectos psicológicos do processo da prática esportiva. Assim, buscaremos levantar e analisar na literatura o contexto do esporte para crianças e adolescentes, partindo desde as bases legais, até os preceitos psicológicos adequados ao processo de treinamento com crianças e adolescentes. Neste sentido, integraremos algumas considerações de outras áreas, ressaltando a importância de uma abordagem multidisciplinar. 14 1.1. JUSTIFICATIVA O número de jovens que buscam a prática de uma determinada modalidade esportiva, vem aumentando intensamente nas últimas décadas. Entretanto, as considerações gerais da Psicologia do Esporte Pediátrica, ainda não refletem uma forte área de pesquisa. Ainda que diversos estudiosos da área ressaltam a importância da análise e comparações dos distintos constructos psicológicos, bem como suas inter-relações, o número de pesquisas não é considerado satisfatório para a dimensão que este segmento do esporte vem tomando. Logo, o presente estudo justifica-se pela grande necessidade de uma maior compreensão, planificação, orientação e controle dos aspectos gerais da psicologia do esporte aplicada à criança e ao adolescente. Com base no levantamento e na análise de questões relevantes da Psicologia do Esporte Pediátrica, esperamos contribuir através de uma estruturação didática, para a compreensão dos aspectos inerentes à esta área, bem como motivar e incentivar pesquisas específicas sobre o contexto psicológico do jovem atleta e suas relações. Buscando a adequação de um ambiente psicológico que permita uma otimizaçao do processo de experiência da criança e do adolescente no esporte. 1.2. OBJETIVOS ♦ Analisar a influência do contexto esportivo nos aspectos psicológicos das crianças e adolescentes; ♦ Analisar alguns constructos básicos da Psicologia do Esporte aplicados às peculiaridades de jovens atletas; ♦ Incentivar e motivar um maior número de pesquisa acerca da Psicologia do Esporte Pediátrica. 1.3. DELIMITAÇÕES ♦ Este estudo restringe-se a análise geral da influência do contexto psicológico do esporte para jovens atletas, à partir de sua natureza, valores, inter-relações, processos de iniciação, desenvolvimento, abandono e abusos. 15 ♦ Sob os aspectos gerais da Psicologia do Esporte Pediátrica, restringimos a análise dos constructos mais polêmicos observados na literatura, partindo da ação humana, processo de treinamento psicológico, atenção, concentração, motivação, emoção, estresse competitivo e a personalidade da criança. 1.4. METODOLOGIA Foi realizado um estudo analítico e descritivo através de uma extensa revisão de literatura sobre os aspectos gerais da Psicologia do Esporte Pediátrica. 16 2. NATUREZA E FINALIDADES DO ESPORTE PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES2.1. ORIENTAÇÕES GERAIS DO ESPORTE O Esporte enquanto fenômeno socio-cultural constitui uma grande gama de atividades que compõem um conjunto diverso de valores, objetivos e meios de expressão. De acordo com GALL (2000) o panorama do esporte moderno têm despertado interesses cada vez mais intensos sobre a prática desportiva. Inicialmente, o “boom” do corpo, a chamada explosão das mais distintas manifestações da cultura física exaltada pelos diferentes meios de comunicação, passa a estabelecer uma maior consciência da relação corpo e saúde; o corpo e o esporte iniciam um processo que nos permite identificar pessoas e grupos sociais, ou seja, o culto aos padrões de beleza, expressões corporais, etc. apresentam-se sob diferentes perfis que se transformam em uma velocidade relativamente alta. As novas concepções e valores do esporte não apresentam modificações estruturais relevantes em suas áreas de aplicação (saúde, recreação, educação, reabilitação, alto rendimento, etc.) entretanto, intensificam sua importância e traz novas áreas como a indústria do esporte que passa a refletir um amplo consumo seja em revistas, jornais, televisões, equipamentos e acessórios, através da moda. Além de expandir as ações do turismo esportivo. Enfim, embora a essência do esporte continue intacta, a nova ordem desportiva passa a exigir outros padrões e propósitos que adaptem à nova ordem social, como por exemplo, adaptações nas regras dos esportes, buscando a evolução da plasticidade dos jogos, de forma a garantir e maximizar uma lógica de consumo. O principal reflexo deste contexto que aumentou significativamente o consumo do esporte, seja diretamente através do envolvimento de pessoas em programas de esportes e atividades físicas, ou indiretamente na audiência de eventos e mesmo o consumo de equipamentos e acessórios, foi a transformação do esporte em uma das principais indústrias do final do século e com emergente potencial para o início do 3º milênio. Analisando este novo panorama do esporte, há que se observar alguns aspectos de grande relevância para o processo de Treinamento Esportivo. GALL (2000) apresenta uma ampla extensão de ofertas para o esporte, como novas 17 disciplinas competitivas, esportes alternativos, na natureza, radicais, assim como esportes elitistas, prestigiosos, de alta tecnologia, etc. A cultura esportiva passa a ser tão ressaltada na mídia, que alguns valores do esporte passam a 2º plano. O esporte começa a abarcar com maior intensidade os diversos segmentos como homens, mulheres, crianças, adolescentes, meia idade, 3ª idade, enfermos, portadores de deficiência, etc. Entretanto, a velocidade com que a demanda para estes grupos cresce, lamentavelmente não consegue ser acompanhada pela ciência. A qualificação do profissional para lidar com estes grupos, consequentemente fica limitada, gerando a necessidade de aperfeiçoamento constante e a fundamentação necessária para trabalhar com um mercado tão amplo e diverso. O esporte além de todos os aspectos já apresentados de forma resumida, ainda passa a constituir a idealização profissional de muitas crianças e jovens, bem como emergir uma necessidade de formação para suprir as necessidades de um rendimento plástico e eficiente para o meio do espetáculo, ou esporte de alto nível. Neste sentido, muitas vezes observa-se condutas inadequadas na formação de novos atletas. Níveis de cobrança e exigência incompatíveis com o estágio de maturação, cargas muito altas de treinamento, especialização precoce, dentre outros aspectos que para atender a ânsia seletiva de grandes atletas acabam “queimando” outros que poderiam ser até melhores. Neste capítulo, pretendemos discutir a essência do esporte para crianças e adolescentes, a importância, os cuidados no processo de sua iniciação, dentre outras considerações. 2.2. ASPECTOS LEGAIS Para descrevermos a importância do esporte, é essencial entendermos e interpretarmos a legislação esportiva de nosso país. De acordo com (BRASIL, 1998), a Lei nº 9615 de 24 de março de 1998, alterada em alguns dispositivos pela lei 9981 de 14 de Julho de 2000, expressa o esporte nos seguintes termos. “Art 3º O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a 18 hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações. Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva; II - de modo não-profissional, compreendendo o desporto: a) semiprofissional, expresso em contrato próprio e específico de estágio, com atletas entre quatorze e dezoito anos de idade e pela existência de incentivos materiais que não caracterizem remuneração derivada de contrato de trabalho; b) amador, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de qualquer forma de remuneração ou de incentivos materiais para atletas de qualquer idade.” A respeito deste ítem II –a e b do parágrafo único do art 3º desta lei, achamos interessante refletir as considerações de CRATTY (1984:144), onde o autor define que um dos grande problemas das Ciências do Esporte é justamente “definir qual a idade e os níveis técnicos que caracterizam a criança como atleta”. Esta questão, acaba nos indicando uma certa dúvida quanto ao texto da lei, ou seja, o que significa ser atleta?, por exemplo, será que praticar uma determinada modalidade 2 vezes por semana aos 5 anos de idade, caracteriza um atleta?, como sugere a categorização amadora do esporte. Não vamos nos ater a tentativas de respostas para estas questões, mas refletir sobre as diferenças que existem em relação ao esporte semi- profissional, e amador, e até que ponto a organização do esporte amador orienta-se para o esporte semi-profissional e profissional. Chamamos a atenção aqui para as 19 considerações seguintes deste capítulo que nos indica uma grande necessidade legal de estabelecermos critérios específicos para a criança no esporte. 2.3. O CONTEXTO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ESPORTE Dentre as inúmeras consequências sócio-culturais do “boom” do esporte, destacam-se o crescente número de crianças envolvidas em programas de iniciação esportiva. Centenas de milhões de jovens no mundo inteiro estão envolvidos em alguma forma de organização esportiva de competição (CRATTY, 1984; GOULD, 1987 in BECKER JR, 2000 e BECKER JR & TELÖKEN 2000; BRUSTAD,1993). Segundo NETO (2000:44), tal população de crianças e jovens “são atraídas a estas atividades pelos heróis esportivos criados pela mídia, ou pela influência direta dos pais, passando posteriormente a sofrer um radical processo de seleção, treinamento ou exclusão”. A este respeito, HANLON (1994) destaca o contexto norte americano que observa um recorde no numero de crianças que praticam esportes, complementando que podemos ver crianças de diversos níveis de condicionamento, habilidades e estaturas, bem como diferentes raças e experiências culturais participando de atividades físicas em camposimprovisados, ginásios, parques, etc. com apenas uma meta universalmente comum: O desejo de se divertir. Conforme LEE (1993:91), o entendimento do desenvolvimento psicossocial da criança através do esporte é importante por algumas razões. Primeiramente, provem a base para compreensão de como as crianças provavelmente reagem em diferentes situações. Em segundo lugar, ajuda-nos a entender as demandas psicossociais que os estímulos do ambiente esportivo podem exercer sobre os participantes, adultos e crianças, e os poderosos efeitos psicológicos destes. Uma terceira, refere-se a ajudar ao técnico a tornar-se mais atento nos processos de seu comportamento frente as crianças que ele treina. De acordo com BECKER JR & TELÖKEN (2000:15) e BECKER JR (2000: 131) estes grupos de crianças e adolescentes “representam uma das forças mais poderosas e importantes da atividade humana”, entretanto, os autores nos chama a atenção para uma importante questão: “Que influências traz à criança a participação em atividades físicas?”. O esporte voltado para crianças e adolescentes reflete todo o contexto apresentado anteriormente, mas sob o ponto de vista científico despertam estudos 20 que apontam tanto o lado dos benefícios, quanto dos prejuízos que o esporte competitivo pode induzir à criança. Conforme ROBERTS & TREASURE (1993:3) em geral, acredita-se que a participação de crianças em jogos esportivos constituem importantes estímulos de socialização, uma vez que, através das regras e valores do esporte, bem como do contato com outras crianças, o sujeito é conduzido a desenvolver habilidades de convívio social. Para tanto, o esporte passa a ser considerado como um modelo antecipatório da sociedade, onde a criança aprende importantes lições sociais que deverão beneficiá-la futuramente em sua vida diária. Com relação a este aspecto, LEE (1993:92) destaca dois elementos do desenvolvimento psicossocial a serem considerados. O primeiro descreve a compreensão da criança sobre ela mesma, sendo o auto conceito e a auto estima, os mais importantes para o auto crescimento. O segundo, denota como as crianças aprendem a responder apropriadamente às demandas de outros, a lidar com situações sociais complexas, a tornar-se independente e ao mesmo tempo saber cooperar de forma eficaz. NETO (2000:45) faz uma alusão a dois estudos franceses, o primeiro de (Danse e Lambert, em Durand, 1988), revela que para os pais, a prática esportiva é uma necessidade, sendo que “95% dos pais está a favor da prática esportiva de seus filhos e 86% pensa que estas atividades são tão importantes quanto as intelectuais”. O segundo, de (Mandel e Hennequet, em Durand, 1988) destaca o posicionamento da classe médica, “99% dos pediatras franceses considera positiva a prática esportiva infantil, reduzindo no entanto esta aceitação para 74% quanto a iniciação se dá antes dos 7 anos de idade”. De acordo com ROBERTS & TREASURE (1993:4) o envolvimento no esporte pode influenciar por meio de valiosas lições e contribuir para um desenvolvimento positivo da personalidade da criança. Entretanto, há que se entender melhor os aspectos negativos que podem ser causados pela competição esportiva para o desenvolvimento psicossocial da criança. Segundo CRATTY (1984:145), o jovem atleta é submetido a algumas forças psicológicas que o modificam internamente, assim, crianças que enfrentam precocimente “situações nas quais seu sucesso ou fracasso é muito visível aos outros fora de sua família imediata, situações que, pela primeira vez, podem lhes dar o sentimento do próprio valor outorgado pela sociedade”, pode acarretar em confrontações internas que raramente são esquecidas quando atingirem a idade adulta. 21 Outro aspecto importante, é que ao mesmo tempo em que observamos o incentivo para a prática esportiva, há um confronto com a influência do desenvolvimento tecnológico que reduz bastante a atividade motora humana. Mesmo frente ao “boom” do corpo, nos deparamos com uma série de fatores que incentivam indiretamente ao ócio. De acordo com WEINECK (1989:31), o movimento é uma necessidade da criança guiado de forma espontânea, e permitindo um desenvolvimento psicofísico harmonioso, complementando ainda que os estímulos de movimento da criança têm sido “consideravelmente reduzidos pela educação e pela escola (posição sentada obrigatória)”. VILANI (1998:84) ressalta que esta redução de movimentos não advém somente da escola mais também da “nova ordem socio-cultural onde as principais brincadeiras se destacam pelos jogos eletrônicos e brinquedos movidos por energia elétrica, que acabam restringindo a atividade motora em geral na criança, uma vez que com um mínimo de movimento humano, estas novas atividades transformam-se em verdadeiras “fantasias” de aventuras e movimentos emocionantes que a criança vivencia em frente a uma televisão, computador, controle remoto, etc.” Assim, apreciamos em WEINECK (1989:31) que “o treinamento corporal deve ser incentivado sobretudo na infância e adolescência, quando for administrado em conformidade com a idade e com o nível de desenvolvimento”. Analisando mais atenciosamente os benefícios que o esporte pode trazer, encontraremos distintas posições relativas às especificidades de cada área. Assim, apresentaremos a seguir, uma tabela que revela as diferentes razões usualmente utilizadas por diferentes profissionais e pais sobre os benefícios do esporte (atividades físicas). 22 TABELA 1 Razões Usualmente Utilizadas por Diferentes Profissionais em Relação aos Benefícios das Atividades Físico-Desportivas (Incluídos os Pais) Pais - Uma necessidade psicofísica - Novas amizades - Ambiente sadio - Afasta de atividades inadequadas Médicos - Melhora a saúde de forma geral - Combate a “degeneração hipocinética” - Como prevenção nas doenças cardiovasculares Nutricionistas - Coadjuvante no tratamento da obesidade - Manutenção do peso adequado Fisioterapeutas - Importante elemento reabilitador nas doenças do aparelho locomotor Psicólogos - Elemento preventivo e terapêutico na ansiedade, no estresse e na depressão - Produz efeitos sobre a cognição, a afetividade e agressividade Professores de Educação Física - Aprendizado esportivo - Desenvolvimento de habilidades motoras - Desenvolvimento da capacidade física ou condição biológica FONTE: NETO, 2000. p. 48 É importante destacarmos no entanto, que os benefícios do esporte ocorrem de forma integral, ou seja, interagindo ao mesmo tempo em todos os aspectos, sendo a divisão por áreas, uma forma didática de apresentação, ou mesmo para aprofundamento nas especificidades voltadas para o método científico nas pesquisas. Com relação aos aspectos negativos, vários pontos são identificados por diversos autores, entretanto, não são os estímulos propriamente ditos do esporte que causam os prejuízos ao sujeito, e sim a forma como este é conduzido por profissionais mal orientados e não qualificados para trabalhar com crianças e adolescentes. Assim, destacaremos a seguir algumas considerações sobre os perigos e riscos do esporte, bem como entraremos em maiores detalhes em alguns itens do nosso estudo, sobre aspectos com alta contestação na literatura, como: a competição esportiva para crianças, o fenômeno do “drop-out” e “burnout” e a especialização esportiva precoce. Os perigos e riscos do esporte foram destacados por HAHN (1988:65), que traz como principal causa, a cobrança do rendimento precoce como forma de 23 formação de atletas para o alto rendimento. Este contexto reflete a falta de informações detalhadas a respeito de um treinamento objetivo e adaptado à criança, ou seja, conclui-se através de analogia partindo da estrutura do treinamento de um adulto, a forma do treinamento da criança. As conclusões erróneas mais frequentes são: A criança é um adulto em miniatura,logo basta estabelecer uma redução linear e quantitativa do treinamento (tempo, intensidade, volume); Para conseguir um rendimento excepcional já na idade de criança, treina-se relativamente muito. Desta forma, manifesta uma sobreproporcionalidade de rendimento; Este maior rendimento é interpretado como qualidade esportiva, não considerando que na maioria dos casos trata-se de um rendimento de uma criança treinada frente a uma menos treinada ou não treinada; O treinamento enfoca um processo monodimensional de preferência, não cabendo outros objetivos como o trabalho do comportamento lúdico por exemplo; Têm que haver uma especialização precoce para concentrar a energia no domínio de poucos elementos motores, mas específicos; Por tanto, têm que formar as capacidades físicas da mesma forma, A introdução das crianças nas competições, devem objetivar os mesmos princípios dos adultos, de forma a minimizar a ruptura na passagem de uma categoria para outra. As consequências deste tipo de trabalho foram evidenciadas por COTTA (1979) in HAHN (1988:67) na citação de patologias no campo médico-ortopédico observada em diversas modalidades que buscam o alto rendimento de crianças. Em geral, o esporte fomenta na criança e no adolescente a maturidade, o crescimento e o desenvolvimento. E perigoso, é somente o esporte de alto rendimento específico na idade infantil. (COTTA, 1979 in HAHN 1988:67). A este respeito, NETO (2000:46) cita que “é quase unânime o acordo no momento de recomendar a prática esportiva na infância, ainda que muitos entendem que pode provocar problemas quando esta prática se inicia cedo ou está totalmente voltada para a competição”. Voltando-se especificamente ao aspecto psicológico, SAMULSKI (1995:88) com base em KAMINSKI & RUOFF (1979) resume as vantagens e desvantagens do esporte para crianças da seguinte forma: 24 “Vantagens: - No esporte de alto nível desenvolve-se a motivação pelo rendimento. Alcançar um bom resultado através da determinação, concentração, vontade, ambição e auto-determinação; - Segundo opinião dos pais, professores e treinadores, as vantagens do esporte de alto rendimento consistem no desenvolvimento das disposições positivas da personalidade. Sobretudo no âmbito social: desenvolvimento da autonomia, auto-confiança, orgulho, prazer, coleguismo, sinceridade, pontualidade, comportamento disciplinar, responsabilidade, capacidade de comunicação. Desvantagens: - Uma desvantagem na opinião dos pais e crianças relaciona-se com a organização das atividades diárias (pouco tempo para outras atividades, altas- exigências, estresse emocional); - A dedicação total ao esporte de alto nível impede o desenvolvimento de atividades nas áreas escolares, recreativas e sociais. Esportistas jovens tem pouco contato social com seus companheiros fora da escola; - Do ponto de vista dos pais, o esporte de alto nível pode criar problemas psico- somáticos, como por exemplo: estresse, nervosismo, sobrecarga, lesões, fadiga mental, frustração e desmotivação; - A dedicação exagerada do atleta no esporte de alto nível pode afetar negativamente o desenvolvimento da personalidade das crianças, como por exemplo: auto-valorização exagerada, fixação a motivação do rendimento, medo do fracasso, estresse psíquico, instabilidade emocional e isolamento social.” Com relação aos prejuízos psicológicos, como alguns fatores emocionais, o estresse, a ansiedade, dentre outros, abordaremos em uma sessão específica sobre diversas considerações da Psicologia do Esporte que descritas adiante. 2.4. A NATUREZA DO ESPORTE O esporte pode ser vivenciado através de diversas perspectivas. Segundo GILROY (1993:18), o esporte possui diferentes significados para as pessoas, exemplificando que, para um atleta profissional significa trabalho; para um amador 25 pode ser o gosto pelo trabalho e muita competitividade; para qualquer outra pessoa poderá ser um bom caminho para conhecer pessoas. Analisando estes significados, podemos identificar que a natureza dos esportes destaca dois modelos básicos dominantes. Um predominantemente competitivo, sendo que a autora destaca a palavra “predominantemente” pois em todas as formas de esportes a competição constitui um elemento básico, embora com outras conotações. Em geral, para algumas pessoas a competição é a essência do esporte, e para outras, o social é o elemento crucial. O segundo portanto sugere que a participação social é mais importante do que os aspectos competitivos. Para entendermos melhor estes modelos, destacaremos a seguir um resumo da classificação de GILROY (1993:19), sobre o modelo social de esporte, e o modelo competitivo de esporte. 2.4.1. O MODELO SOCIAL DO ESPORTE Centralizado nas razões sociais, possui como características, ser agradável e ter pouca pressão ligada a ele, constitui um bom caminho para conhecer pessoas, e faz com que os participantes em geral se sintam bem. O elemento competitivo, entretanto também se faz presente, mas apenas com importância secundária. O caráter de não ter a obrigação de treinamentos duros e a vitória possui pouco valor, mais de satisfação pessoal do que de obrigação, destaca um propósito de jogar por jogar. 2.4.2. O MODELO COMPETITIVO DO ESPORTE O modelo competitivo embora também reflita aspectos sociais de grande relevância, concentra-se mais numa organização altamente estruturada e numa linha de ação ultra competitiva, portanto a diferença entre os modelos é caracterizada pela forma de organização e regras sociais observadas em cada um. Este modelo apresenta uma alta premiação e largas quantias de dinheiro que envolvem e podem ser almejadas por grandes atletas profissionais. O treinamento intensivo que os atletas de ponta são submetidos são altamente estressantes. 2.4.3. UM MODELO ALTERNATIVO PARA CRIANÇAS Seguir modelos voltados para adultos no esporte infantil, constitui um grande problema, de acordo com GILROY (1993:24), primeiramente, as crianças não estão amadurecidas o bastante (fisicamente, socialmente ou mentalmente) para enfrentar 26 a tensão que está associada ao modelo competitivo. Segundamente, são os adultos que organizam freqüentemente o esporte para crianças, tentando realizar as próprias ambições esportivas de quando eram jovens; assim, o esporte para crianças passa a constituir um trabalho muito sério. Este contexto foi descrito por investigadores tanto na Inglaterra, quanto na América do Norte como sendo uma das razões que levam as crianças a optar por sair do esporte à procura de algo que é mais agradável. O problema então passa a ser tentar estabelecer um modelo que equilibre o contexto social e competitivo do esporte. Se destacamos um caráter extremamente social, as crianças podem ficar frustradas pela falta de desafio. Se estabelecermos um caráter altamente competitivo a taxa de drop-out, ansiedade e descontentamento pode ser mais alta. Com respeito a este problema, foram desenvolvidas adaptações de esportes, alterando as estruturas, mas tentando reter a natureza básica do jogo, como modificações de equipamentos, da área de jogo e das regras, buscando emparelhar o desenvolvimento físico e mental das crianças. Jogo esportivos como rugby e tênis conduziram este movimento, através do desenvolvimento do mini-rugby e o mini- tênis (short tennis), hoje já podemos observar também o mini voleibol e o mini basquetebol, dentre outras modalidades adaptadas. Entretanto, muitas vezes, estas modalidades ainda reproduzem o modelo competitivo sob o aspecto psicológico, ou seja, cria-se uma nova modalidade de competição, onde há menos carga física, uma maior exigência talvez de participação do jogo em diferentes posições sob o ponto de vista de desenvolver uma habilidade geral ao invés de se especializar precocemente em uma única posição, mas a base psicológica permanecea mesma. Cobra-se a vitória a qualquer custo, gerando os mesmos problemas da carga psicológica dos jogos formais, longe de criar um ambiente mais saudável para crianças. Logo, a adaptação dos esportes não garantem a resposta a nossos problemas; é necessário uma maior sensibilidade para as experiências das crianças no esporte. Destacaremos a seguir algumas considerações sobre as bases fundamentais do esporte para crianças e adolescentes. Entendermos mais acerca da competição esportiva, dos valores do esporte, das relações sociais entre os “atores” do esporte (pais, crianças e treinadores), é essencial para refletirmos um modelo alternativo para o esporte para crianças. 27 2.5. A CRIANÇA E A COMPETIÇÃO ESPORTIVA O ambiente de competição no esporte tem sido amplamente discutido sob acusações de produzirem efeitos de ordem negativa para o desenvolvimento da criança. De fato, como afirma CRATTY (1983:144), “raramente o impacto da luta competitiva nos jovens participantes é neutro, seja em seus corpos ou em suas personalidades”. Entretanto, a literatura acerca da competição para jovens sustenta que o desejo de comparar habilidades com outros, é um dos primeiros fatores que atraem a criança para o esporte (Passer, 1988; Roberts, 1980; Scanlan, 1988) in BRUSTAD (1993:696). Conforme BECKER JR & TELÖKEN (2000:18), “a competição é uma comparação social do resultado de uma criança com outra ou contra padrões de rendimento”, o mesmo para grupos de crianças, logo, podemos observar que a competição acaba sendo um componente natural nas relações da sociedade. Reduzindo a competição somente para o esporte de alto nível, podemos observar que não há limites para os conflitos internos que a competição pode gerar nas crianças. “Elas são submetidas à uma autêntica «peneira», que vai eliminando a grande maioria para conseguir-se um grupo de qualidade”, este contexto foge às ações naturais, devido aos interesses e intervenções de adultos no processo. As crianças fazem comparações visando a aquisição de maiores informações a respeito de seu nível de capacidade. Logo, elas possuem maiores parâmetros contra adversários do que sozinhas. “Por isso, a criança prefere competir com outras do mesmo nível de aptidão, para testar o seu valor”. (BECKER JR & TELÖKEN 2000:19) Segundo BECKER JR & TELÖKEN (2000:20) nas competições entre crianças deve-se sempre procurar emparelhar os níveis, “vencer um adversário demasiadamente fraco não aumenta a auto-estima do vencedor, o perdedor fica humilhado e sua auto-estima é reduzida”. Caso isto não ocorra, a possibilidade de causar uma situação de estresse, é extremamente alta, podendo prejudicar a criança na estruturação de sua personalidade. VILANI (1998:56) salienta a competição como fruto do objetivo de alcançar um melhor resultado, podendo interagir de forma positiva dentro das partes de um grupo, entretanto entre estas partes ela pode ocorrer de forma negativa. A competição pode ser consciente, como na disputa de uma partida de tênis, ou 28 inconsciente, como por exemplo entre um aluno e o professor diante da prova final. Pode ainda ocorrer internamente (a pessoa contra ela mesma), de forma individual, entre grupos, ou de uma pessoa contra um grupo. Em um sentido construtivo, o esforço humano é salientado na competição. Entretanto, devemos ressaltar que este processo pode ocorrer de forma destrutiva, no caso de um competidor inseguro sucumbir diante de um pequeno obstáculo devido a uma forte carga emocional que age sobre este organismo desprotegido, neste caso, pode ocorrer cicatrizes irreversíveis, principalmente quando estamos lidando com crianças. A competição pode ainda levar a uma promoção enganosa, e em alguns casos tornar o ser humano agressivo na busca da “vitória a qualquer custo”, consequentemente, ferir o código de ética para alcançar os objetivos de qualquer forma. (MUSSEN 1975; 1970;TANI et al. 1988:129). Assim, a competição é um processo social onde há uma grande dificuldade de formular um juízo, por um lado ela exerce um papel importante na formação do ser humano, mas por outro, pode causar experiências extremamente prejudiciais neste processo de formação. Sendo assim, concordamos e endossamos o ponto de vista de TANI et al. (1988:131), a competição “não pode ser eliminada nem indevidamente ressaltada, mas sim orientada para promover um melhor relacionamento humano”. 2.6. OS VALORES DO ESPORTE PARA CRIANÇAS LEE (1993:28) apresenta o trabalho do psicólogo americano Milton Rokeach (1973), que durante muitos anos dedicou seus estudos à organização social das pessoas, suas crenças, e os valores que acham mais importantes na vida. A este respeito, buscaremos descrever a influência destes sobre o treinamento com crianças. De acordo com LEE (1993:28), os valores e crenças compreendem tudo aquilo que acreditamos ser importante em nossa vida; eles expressam o que é preferível entre os objetivos de nossa luta diária e nossas ações. Os valores podem ser também tudo pelo qual esforçamos para nos realizarmos (valores terminais) ou mesmo, os caminhos aos quais somos conduzidos (valores instrumentais). PARRY (1985) apud LEE (1993:29) estende a descrição dos valores para a área da Educação Física, e diz que o esporte é uma arena de testes de valores. Sendo que 29 os estímulos advindos da vitória e da derrota causam conflitos entre os valores do sucesso e os valores sociais da responsabilidade moral. Quanto a natureza dos valores, podemos observar algumas características que podem clarear nossa compreensão. Segundo LEE (1993:29), primeiramente um valor é uma forma de crença, algo que existe em nossa mente antes mesmo de um objetivo global que possamos almejar. Assim, bem como outras crenças, devemos sempre observar três aspectos básicos: a) o que conhecemos e acreditamos ser verdadeiros; b) como nos sentimos sobre isto, bem ou mal; e c) como nos portamos frente as consequências geradas. Por exemplo, se um treinador acredita que a aprendizagem de novas habilidades contribui para o auto conhecimento por parte de seu aluno, então isto deverá significar algum aspecto positivo para ele, logo será enfatizado no processo de treinamento, constituindo um de seus valores de trabalho. (LEE, 1993:29) Segundamente, os valores parecem ser melhor suportados, quando acreditamos que algo é mais valorizado e perseguido. Em terceiro lugar, eles são dotados de um conceito de operar conscientemente através de diferentes situações. Assim, esperamos que as pessoas sustentem os mesmos valores no esporte como em qualquer outro caminho da vida, ou seja, os sistemas não mudam em diferentes cenários. (LEE, 1993:29) Devido ao sistema de valores poder ser idealizado através da combinação dos valores terminais e instrumentais, bem como através de uma classificação pessoal ou interpessoal, LEE (1993:30) classifica os valores em uma simples estrutura (Tabela 2). Apresentaremos a seguir a classificação de LEE (1993:30) sobre a natureza dos valores: TABELA 2 Classificação dos Valores Humanos de Acordo com a Dimensão e o Foco. DIMENSÃO DOS VALORES FOCO Terminal Instrumental Intrapessoal Interpessoal Realização Social Competência Moral FONTE: LEE, 1993. p. 30 30 2.6.1. VALORES DE REALIZAÇÃO Os valores de realização denotam a ideia dos objetivos que temos para nós mesmos, e não estão interessados com o bem estar de outras pessoas ou da sociedade. Portanto, podemos pensar em termos de realização, no aumento do reconhecimento social ou do respeito próprio. Desta forma, empenhando para vencer um evento particularmente importante ou adquirindo um determinado nível de rendimento no esporte, representa a manifestação de valores comportamentais associados com a realização. 2.6.2. VALORES SOCIAIS São objetivos que temos para a sociedade como um todo, ou a pequenaparte disto, com as quais estamos idealizando, como o clube ou o time por exemplo. Eles incluirão objetos semelhantes, como a providência de justiça, liberdade e equacionamento de oportunidades. 2.6.3. VALORES DE COMPETÊNCIA Representam a extensão para o que consideramos ser importante para mostrar como nos comportamos com respeito a demonstração de nossas habilidades. Em termos de esportes, poderia ser representado pelo estabelecimento de grandes objetivos, referindo se ao habilidoso. Caso ocorra uma falha na tentativa de alcançar os resultados padrões esperados, pode causar um sentimento de desapontamento ou vergonha. O técnico que enfatiza os valores de competência concentrando sobre a manutenção de alto níveis de performance a todo momento, poderá contribuir para uma experiência do sentimento de ansiedade entre jovens atletas. 2.6.4. VALORES MORAIS São valores interpessoais e instrumentais. Isto é, estão direcionados sobre como comportamos em situações que envolvem outras pessoas. Incluem aspectos semelhante a honestidade, a aceitação e o ato de perdoar. No campo esportivo, os valores morais formam a base do que chamamos de espírito esportivo. 31 No meio do esporte, podemos observar diferentes valores em cada área de aplicação, como por exemplo, formar campeões, onde os principais valores são de ordem de realização e de competência, já um técnico que enfatiza o caráter da prática para a manutenção da criança no meio esportivo, como forma de fomentar o prazer para a prática sadia do esporte, ou mesmo através da utilização do esporte como meio educacional, estará concentrado em valores sociais e morais. Entretanto, em qualquer meio esportivo, todas estas classificações de valores estão presentes, assim, no próprio alto rendimento, podemos perceber valores morais, sociais, e logicamente, os de realização e de competência. Entretanto, há uma questão de caráter pessoal do grupo de pessoas que trabalham com os atletas, ou seja, os valores do treinador ou grupo (comissão técnica), refletem diretamente nos atletas, e da mesma forma que observamos técnicos que buscam incentivar a honestidade, o jogo limpo, e a integração com os colegas da outra equipe, existem também aqueles que incentivam a violência, o desprezo pelo adversário dentre outros aspectos. Logo, a constituição dos valores advém desde a infância, assim o que se prega hoje enquanto valor é reflexo de todo um contexto ao qual fomos envolvidos em nossa formação pessoal, é a aplicação de nossa consciência mediante nossa concepção do que o esporte representa. É um aspecto de filtragem de milhares de estímulos e da confrontação de tudo aquilo que experimentamos na vida enquanto valor, que agora julgamos e sentenciamos como mais adequados para nossa vida. O trabalho com crianças e adolescentes, torna-se portanto, um meio delicado, onde devemos estabelecer valores que buscamos e entendemos que são fundamentais para a vida cotidiana de um cidadão, ou seja, para a formação humana, entretanto isto como já destacado, possui um caráter pessoal. Entretanto, o esporte por si só apresenta valores básicos e que são fundamentais para a carreira esportiva de qualquer pessoa, seja como um futuro atleta de elite, seja como um futuro sujeito ativo que busca manter uma atividade sadia por meio da prática esportiva, como recreação e lazer em parques, praças e clubes. A este respeito, HANLON (1994) apresenta alguns valores sob a forma de explicar para os pais de atletas, o que o esporte deveria representar para seu filho. Assim, o autor apresenta uma lista de valores que enfatiza que através do esporte a criança pode: Adquirir o gosto por um estilo de vida ativo; Desenvolver uma auto-imagem positiva através do domínio de habilidades esportivas; 32 Aprender a trabalhar em equipe; Aprender habilidades sociais ao lidar com outras crianças e adultos; Aprender a administrar o sucesso e o fracasso; Praticar o bom espírito esportivo, e Aprender a respeitar os outros. Os valores do esporte podem demonstrar ainda diferenças quando analisados sob a ótica do gênero, e do tipo de modalidade (individual ou coletiva), além de estabelecer diferenças entre os objetivos das crianças, dos pais e dos treinadores. Entendemos, que o trabalho com crianças exige uma reflexão maior sobre os valores que envolvem o processo, assim, LEE (1993:32) apresenta em uma tabela, um pequeno questionário sobre os valores observados no esporte, que pode nos auxiliar a explorar nosso sistema de valores, bem como o sistema de valores de nossos atletas e seus pais, otimizando assim, um processo adequado de trabalho com estes jovens. O processo de interpretação consiste em estabelecermos uma ordem de importância em duas coluna (a) e (b), sendo que a (a) representa a importância dos valores para nossa vida em geral, e a (b), a importância dos valores para o esporte. Identifique quais os valores que você considera como interpessoal e intrapessoal em cada lista. Depois, pergunte a você mesmo, as três questões abaixo: 1) Você apresenta uma consistência no esporte e na vida geral? 2) Como seus valores de vida afetam seu treinamento? 3) Quais são seu valores mais fortes em seu sistema? - Realização ou social? - Competência ou moral? Muitas vezes, encontraremos diferenças em nossos valores na vida e no esporte, geralmente, os valores do esporte são mais voltados para o pessoal, e na vida para o social. Entretanto, isto nos permite analisar nossa coerência com nossos objetivos concretos sobre nosso trabalho, e novamente faz com que possamos refletir sobre as diferenças entre o que entendemos sobre esporte e treinamento para adultos e para crianças e se estamos trabalhando de forma adequada ou não, ou seja, um simples teste, nos permite uma auto avaliação sobre a coerência de nosso trabalho. 33 TABELA 3 Observação dos Valores do Esporte (adaptado de ROKEACH, 1973) Valores Terminais Valores Instrumentais Realização Igualdade Liberdade Amizade Justiça Prazer Auto respeito Roconhecimento social (a) - - - - - - - - (b) - - - - - - - - Aceitação Ambição Capacidade Consideração Disciplina Perdão Honestidade Independência (a) - - - - - - - - (b) - - - - - - - - FONTE: LEE, 1993. p. 32. Assim, identificar não somente os valores, mas também os motivos que treinadores, atletas e pais possuem sobre a prática esportiva, pode representar a chave para a compreensão e a construção de um sistema adequado para o esporte voltado a crianças e adolescentes. A este respeito, explicaremos mais detalhadamente quando estivermos ressaltando o contexto dos constructos psicológicos aplicados à criança. 2.7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como pudemos constatar, o contexto do esporte para crianças e adolescentes envolvem um amplo e complicado contexto, onde identificamos diversas variáveis em um sentido multidisciplinar, que estabelece uma conotação complexa para nossa compreensão. Para conseguirmos delimitar com maior facilidade e nortearmos este extenso campo de atuação, entendemos que é fundamental estarmos baseados em alguns ponto concretos do trabalho com crianças e adolescentes. A este respeito, MARTENS (1981:7), HANLON (1994:17) e GALL (2000) apresentam uma carta de direitos para jovens atletas, que acabam constituindo uma referência básica para os profissionais que trabalham com esta faixa etária. 34 TABELA 4 Carta de Direitos para Jovens Atletas Direito a praticar esportes Direito a participar em níveis adaptados à maturação e às capacidades do jovem Direito a contar com uma liderança adulta qualificada Direito a jogar como uma criança e não como um adulto Direito a participar na liderança e decisões dos assuntos pertinentes ao seu esporte Direito a participarem ambientes seguros e saudáveis Direito a preparação adequada para a participação nos esportes Direito a oportunidades iguais para o sucesso Direito a ser tratada com dignidade Direito a ter alegria e diversão nos esportes FONTE: MARTENS, 1981.p.7; HANLON, 1993.p.17 e GALL, 2000. Sobre esta carta, endossamos a reflexão de NETO (2000:57) ao apresentar esta ideologia psicopedagógica, que, de uma forma geral e resumida, “toda criança tem o direito a não ser um campeão”. Assim sendo, temos que ressaltar novamente nossa legislação esportiva, BRASIL (1998), uma vez que, o Item I do Art 3º de nossa lei, já citado anteriormente, referenciando o desporto educacional, apresenta um texto adequado às considerações acima citadas, neste sentido, gostaríamos de voltar a questionar os demais ítens de nossa legislação, por que não as mesmas considerações para o jovem atleta de rendimento, ou será que o caráter do rendimento permite-nos a tratar a criança e o adolescente atleta fora dos direitos universais do atleta jovem? 35 3. PRINCIPAIS INTER-RELAÇÕES DO ESPORTE PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Segundo afirmações de BYRNE (1993:39), o contexto atual do esporte para crianças constitui-se uma área bastante controversa. Como já ressaltamos, várias pesquisas destacam aspectos positivos e negativos do esporte. Na realidade, não é a prática esportiva que determina os benefícios e prejuízos que envolvem a formação do sujeito, mas sim a natureza do esporte em que a criança está envolvida, onde há um círculo de influências (técnicos, professores, pais, árbitros, torcedores, clubes) que agem direta ou indiretamente estimulando a criança e definindo a natureza do esporte que ela pratica. De acordo com BRUSTAD (1993:709) a influência dos adultos no esporte é perversa. As ligas esportivas para jovens são organizadas por adultos, assim como a direção dos treinamentos e a própria competição, que por uma série de razões, passam a atender muito mais aos interesses destes, do que das próprias crianças e adolescentes, sendo os pais, os principais atores neste meio. O modelo do círculo de influências de BYRNE (1993:40) representa muito bem as diversas classes de pessoas que estão envolvidas nos mais variados ciclos do ambiente de desenvolvimento da criança no esporte. Espectadores Clubes Professores Treinadores Pais Crianças Árbitros FIGURA 1- Circulo de influências FONTE: BYRNE, 1993. p. 40 36 A respeito das inter-relações, observadas no círculo de influências, é importante reconhecermos o modelo da teoria ecológica de BRONFENBRENNER (1979) apud KREBS (1995:104), que “enfatiza o desenvolvimento humano como um conjunto de sistemas aninhados em que a pessoa em desenvolvimento é, ao mesmo tempo, capaz de ser influenciada por esses sistemas, como também determinar mudanças que neles ocorram” . O primeiro conjunto de pressupostos de sua teoria, refere-se aos elementos do ambiente. A partir da identificação destes elementos, é possível analisar os diferentes microssistemas referentes a eles, como também as forças que afetam o desenvolvimento humano (mesossistema, exossistema e macrossistema). KREBS (1995:30); (1995:104). A ecologia do desenvolvimento humano é definida por BRONFENBRENNER (1979:21) in KREBS (1995:41) como “o estudo científico da acomodação progressiva e mútua de um ser humano ativo, em ambientes imediatos nos quais a pessoa em desenvolvimento vive; como esse processo é afetado pelas relações entre ambientes, e pelos contextos maiores nos quais estes ambientes estão contidos”. O autor considera que o desenvolvimento humano, na perspectiva ecológica apresenta-se na forma de sistemas (microssistema, mesossistema, macrossistema, exossistema, cronossistema), que podem ser resumidos da seguinte forma: • Microssistema Para BRONFENBRENNER (1979:22) in KREBS (1995:42), “um microssistema é um padrão de atividades, papéis e relacionamentos interpessoais, experienciados pela pessoa em desenvolvimento em um determinado ambiente com características físicas e materiais particulares”. • Mesossistema “Compreende as inter-relações entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento participa ativamente (tais como, para uma criança, as relações no lar, na escola, na vizinhança; para um adulto, entre a família, trabalho, e meio social” BRONFENBRENNER (1979:25) in KREBS (1995:43). • Exossistema “Refere-se a um ou mais ambientes que não envolvem a pessoa em desenvolvimento como um ser participante ativo, mas nos quais ocorrem eventos que afetam, ou são afetados por, o que ocorre no ambiente que contém a pessoa em desenvolvimento”. BRONFENBRENNER (1979:25) in KREBS (1995:43). 37 • Macrossistema “Refere-se as consistências na forma e no conteúdo dos sistemas de ordem inferior (micro, meso e exo) que existem, ou poderiam existir, ao nível da cultura ou subcultura como um todo, ao longo do qual qualquer sistema de crenças ou ideologias sustenta tais consistências”. BRONFENBRENNER (1979:26) in KREBS (1995:24). • Cronossistema O cronossistema só aparece na obra de Bronfenbrenner à partir de 1986, sua formulação deveu-se à necessidade de diferenciar a pesquisa sob o ponto de vista ecológico, das tradicionais pesquisas longitudinais: “Para distinguir a investigação na abordagem ecológica dos estudos longitudinais mais tradicionais, que focalizam predominantemente o indivíduo, eu propus o termo cronossistema para designar um modelo de pesquisa em que torna possível examinar a influência sobre a pessoa em desenvolvimento das modificações ao longo do tempo, nos ambientes nos quais as pessoas estão vivendo”. BRONFENBRENNER (1986) in KREBS (1995:46). Segundo KREBS (1995:56), Urie Bronfenbrenner não utiliza representação gráfica para a explicação de seu modelo, entretanto, outros autores procuram simplificar sua teoria através de representações que facilitam a compreensão da mesma. Desta forma podemos apresentar a representação de THOMAS (1992), visto a viabilidade para adentrarmos no modelo esportivo. Este modelo representa as relações de alguns sistemas sociais que interferem no processo de desenvolvimento de uma criança ou adolescente. Todos estes aspectos acabam influenciando direta ou indiretamente o sujeito em desenvolvimento, em qualquer que seja seu meio ambiente sócio cultural. Assim, quando estamos lidando com o modelo esportivo, logicamente estes aspectos estarão influenciando todo o contexto de progressão da criança no esporte. Entretanto, há que se considerar os aspectos imediatamente mais importantes para tentarmos intervir nos agentes “chave” da participação da criança no esporte. Conforme BYRNE (1993:41) dentre todos os aspectos do círculo de influências da criança no esporte, os pais, e os técnicos são os mais importantes e acabam criando o chamado “triângulo esportivo”, relacionando a tríade treinador-criança-pais, constituindo pares de inter-relações fundamentais, inevitáveis e decisivos na constituição de uma ambiente adequado para a formação esportiva da criança. 38 Assim sendo, analisaremos a seguir, cada uma das interações desta tríade, chamando a atenção para uma leitura sempre à luz da perspectiva ecológica. FIGURA 2 - Representação de THOMAS (1992) para o modelo de Bronfenbrenner. FONTE: KREBS, 1995. P.55. FIGURA 3 - Triângulo Esportivo Treinadores Pais Crianças FONTE: BYRNE, 1993. P. 41 3.1. A RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS (ATLETAS) Analisando a inter-relação específica entre as crianças atletas e os pais, estaremos nos atendo para um dos pontos mais importantes para a formação dos jovens no esporte. CRATTY (1984:146) apresenta um modelo da criança e do jovem no esporte competitivo, destacando as diversas influências que os pais exercem 39 sobre as atitudes da criança, quepodem determinar o aumento de aptidões para o esporte. Estrutura física inerente à mãe Estrutura física inerente ao pai Estrutura física inerente à criança Propensão do progenitor para atividades físicas e esporte Grau de sucesso, aclamação recebida, aumento de auto estima (ou diminuição) no esporte, sentido pelos pais Atitudes dos pais sobre esporte e atividade física Propensão a participar no esporte e em atividades vigorosas. Fornecer oportunidades através de instalações e equipamentos Atitudes da criança e mudanças para aumentar as aptidões Característica dos pais FIGURA 4 - Crianças e Jovens no Esporte Competitivo FONTE: CRATTY 1984. p. 146 Como podemos observar no modelo acima, a estrutura, a cultura esportiva, as atitudes, dentre outros fatores característicos, apresentados pelos pais, são aspectos de grande influência na formação do filho atleta. Conforme MEDINA (2000) e GORDILLO (2000:120) , torna-se necessário então, elaborar programas de 40 trabalho para assessorar e colaborar com o treinador na intervenção adequada ao problema da relação infantil e juvenil com os pais, buscando a consecução dos objetivos de adequação no tratamento das crianças, bem como na adaptação das regras sociais que favorecem o desenvolvimento esportivo. Além do mais, a figura dos pais constitui a maior influência para o ingresso da criança no esporte, entretanto, como cita HANLON (1994:1) muitas vezes os pais projetam seus sonhos de 20-30 anos atrás em seus filhos, buscando suprir seus interesses próprios, ao invés de ajudar sua crianças a terem experiências alegres, seguras e de grande valor. É claro, que seja ou não o pai um desportista, ele sempre quer o melhor para seu filho. O problema, é esta conduta passar desapercebida ou seja, de forma inconsciente. Aspectos como estes, levam os pais a assumirem diferentes condutas, que poderão representar tanto aspectos positivos, como negativos. Segundo BECKER JR & TELÖKEN (2000:24) “analisando a conduta de pais de jovens esportistas, verifica-se que existem os que se dedicam a apoiar com sobriedade, outros que nunca estão presentes e ainda outros que só perturbam por sua conduta totalmente desequilibrada. A este respeito, BYRNE (1993:43) descreve a sugestão de HELLSTADT (1987) sobre o comportamento e envolvimento dos pais, que elabora de forma mais clara o conceito anterior, através da divisão de grupos em uma linha contínua, ordenada do sub envolvimento, passando para o envolvimento moderado até o envolvimento excessivo, ou super envolvimento. Descreveremos a seguir um resumo das características dos grupos extremos, visto que o comportamento moderado, está relacionado à zona de conforto, ou seja aos aspectos fundamentais do envolvimento dos pais, logo estas características serão ressaltadas em nossas recomendações. 41 Pais desinte- ressados Pais mal informados Zona de conforto Pais excitados Pais fanáticos Sub-envolvimento Envolvimento moderado Envolvimento excessivo ou Super envolvimento FIGURA 5 - O Contínuo do Envolvimento dos Pais FONTE: BYRNE, 1993 p. 43 3.1.1. PAIS DESINTERESSADOS São os pais que transferem a responsabilidade de cuidar de seus filhos para o treinador (esporte como “babá”). Eles inscrevem as crianças em programas esportivos, sem ao menos saber se o garoto gosta ou não daquela atividade. Estas crianças acabam sendo submetidas à situações de estresse, uma vez que são obrigados a praticar uma modalidade, não possuindo portanto, uma motivação intrínseca suficiente, que a leve a gostar e querer praticar esta atividade. 3.1.2. PAIS MAL INFORMADOS São aqueles que permitem a prática esportiva de seus filhos à partir de uma primeira conversa, mas depois não se envolvem no processo de treinamento e competições. Nestes casos, não parece haver desinteresse por parte dos pais, mas uma incompreensão sobre a importância do papel dos pais na formação esportiva de seu filho. 3.1.3. PAIS EXCITADOS Este grupo refere-se aos pais que tendem a estar sempre colaborando com o técnico. Frequentam aos treinamentos, se envolvem no processo de forma adequada. Entretanto, em jogos mais empolgantes, se excitam de forma exacerbada, dirigindo aos árbitros com frases ofensivas e acabam prejudicando todo o ambiente competitivo. Pais nesta categoria não são más pessoas, geralmente, não 42 percebem seu comportamento inadequado, e muito menos que estão constrangido seus filhos ou mesmo lhes dando um mal exemplo de conduta social e esportiva. 3.1.4. PAIS FANÁTICOS Sem sombra de dúvidas, são os mais problemáticos. Independentemente de suas experiências no esporte, bem ou mal sucedidos, eles criam um desejo comum, que seus filhos sejam os verdadeiros heróis no esporte. “Nunca estão satisfeitos com o desempenho e sempre têm sugestões para melhoria deste” (VIDIGAL & ALVARENGA, 2000). Acabam interferindo em todo processo de preparação, cobram muito de seus filhos a ponto de gerar grandes pressões e falta de prazer pela prática de esportes. Se exaltam facilmente com a conduta do árbitro e do próprio treinador de seu filho, criando um ambiente hostil e perturbado. 3.1.5. RECOMENDAÇÕES Com base na literatura apresentada por BECKER JR (2000), GORDILLO (2000) e HANLON (1994) apresentaremos algumas recomendações para que as inter-relações entre os pais e seus filhos atletas sejam mais adequadas no processo da formação esportiva da criança: • Oportunizar, favorecer e encorajar a participação de seus filhos em diferentes modalidades esportivas. Após estas experiências, permitir a escolha da própria criança sobre qual esporte, ou quais esportes ela irá praticar. É claro, que este tipo de conduta implica em grande esforço por parte dos pais, além de algumas renúncias da vida particular como tempo, atividades próprias, e em alguns casos financeiros. • Ajudar os filhos a decidirem quais os níveis de compromissos poderão assumir. Isto dependerá de múltiplos fatores, como as oportunidades que a cidade onde residem oferece, as experiências dos pais nos esportes, a situação econômica, o envolvimento com outras atividades fora do esporte, etc. • Estar certo de que os filhos estão praticando as atividades em um ambiente propício e saudável para seu desenvolvimento integral. Demanda para tanto, a compreensão da filosofia da instituição, e os consequentes valores ressaltados por esta. • Construir a auto estima da criança, através da compreensão dos aspectos inerentes ao sucesso e fracasso, orientando-as para motivação e melhora. 43 • Ajudar a criança a determinar objetivos reais de desempenho. • Aprender a controlar as próprias emoções e favorecer emoções positivas nos filhos. • Entender quais os interesses e necessidade das crianças no esporte, criando um ambiente favorável para que alcancem seus objetivos. • Estabelecer limites de participação das crianças nos esportes. Os pais devem determinar se as crianças estão aptas fisicamente e emocionalmente para participar e assegurar que as condições do jogo sejam seguras. • Certificar se o treinador é qualificado para orientar a criança no esporte. • Ajudar a criança a entender lições valiosas que o esporte pode proporcionar. • Ajudar a criança cumprir as responsabilidades com o time e o treinador. • Aceitar o papel do treinador. Compreender e comportar-se de acordo com estas recomendações é fundamental para a criação do ambiente adequado do esporte para crianças e adolescentes. HANLON (1994:30) reforça ainda estas recomendações com um “código de conduta dos pais de atletas”, relatando que os dez itens apresentados, não completam a lista do código, mas é uma forma de dar um bom suporte para o início da mudança de comportamento para adequação às demandas das
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