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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE FARMÁCIA PRINCÍPIOS DE FÍSICO-QUÍMICA PARA AS CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS – FAR0031 Coordenador: Prof. Dr. MARCO V. M. NAVARRO Monitora responsável: GRAZIELA CORREA INTERAÇÕES INTERMOLECULARES ~ 1 ~ I- INTRODUÇÃO: RELEMBRANDO CONCEITOS DE QUÍMICA GERAL 1) ÁTOMO É a unidade básica da matéria, e é formado por um núcleo e uma eletrosfera. No núcleo encontra-se virtualmente toda a massa do átomo e sua carga positiva. Na eletrosfera estão os elétrons que são os responsáveis pela carga negativa do átomo e pelas propriedades químicas, pois através delas os átomos se ligam para formar novas espécies. 2) ORBITAL ELETRÔNICO E NUVEM ELETRÔNICA: A localização dos elétrons na eletrosfera é probabilística, ou seja, os elétrons terão maior probabilidade de ter um maior tempo de residência numa determinada região da eletrosfera. Os orbitais eletrônicos são as regiões há maior probabilidade de um elétron ser encontrado. As nuvens eletrônicas resultam das interposições e sobreposições dos orbitais eletrônicos. Tudo do ponto de vista químico (reações químicas, forças de interação molecular) acontecerá na nuvem eletrônica! Fenômenos nucleares são outra história. 3) LIGAÇÕES QUÍMICAS: São ligações que ocorrem entre átomos para formação de uma molécula/espécie química. Dois átomos se combinam quimicamente através de uma ligação química de tal modo que a espécie química formada seja estável eletronicamente, ou seja, que cada átomo precisa tenha oito elétrons na sua camada de valência. Há três tipos de ligações químicas: Ligações metálicas, ligações iônicas e ligações covalentes. a) LIGAÇÃO METÁLICA: Ocorre entre metais (metais alcalinos, metais alcalino-terrosos, metais de transição) formando as chamadas ligas metálicas. ~ 2 ~ Figura 1. Representação molecular do sódio metálico. As ligações nas ligas metálicas têm uma característica diferencial dos demais tipos de ligações que é a movimentação dos elétrons. Isso explica o fato de que os materiais metálicos em estado sólido serem ótimos condutores elétricos; além disso, os metais e ligas metálicas são ótimos condutores e térmicos, além de possuírem alto ponto de fusão e ebulição, ductilidade, maleabilidade e brilho. b) LIGAÇÃO IÔNICA: Ocorre entre metais e elementos muito eletronegativos. Numa ligação iônica os metais tendem a perder elétrons, transformando-se em cátions, os ametais tendem a ganhar elétrons, transformando-se em ânions. Os compostos iônicos são duros e quebradiços, possuem alto ponto de ebulição e conduzem corrente elétrica quando estão no estado líquido ou em solução aquosa. Figura 2. Ligação iônica entre o sódio (Na+) e o cloro (Cl-) na qual o Na+ doa um elétron para o Cl-. c) LIGAÇÃO METÁLICA: Numa ligação covalente ocorre apenas o compartilhamento de pares de elétrons, não há doação nem acepção de elétrons. É recorrente em elementos simples (Cl2, H2, O2) e em cadeias carbônicas. As ligações covalentes podem ser polares e apolares e o que determina se a ligação é polar ou apolar é a diferença de eletronegatividade entre os átomos envolvidos na ligação. ~ 3 ~ Figura 3. Duas moléculas realizando ligação covalente. A primeira (Cl2) é um composto simples apolar, e a segunda (HCl), uma molécula polar. 4) ELETRONEGATIVIDADE A eletronegatividade é uma propriedade periódica que representa a tendência de um átomo reter elétron em sua eletrosfera e depende do tamanho do átomo, do tamanho da sua nuvem eletrônica e, principalmente, do efeito do seu núcleo sobre os elétrons dos orbitais mais externos. Noutras palavras, quando o núcleo atrai muito esses elétrons, esse átomo apresenta uma forte tendência de “querer ficar” com esse elétron: uma eletronegatividade alta. A eletronegatividade é uma propriedade relativa e o seu referencial arbitrário (padrão) é o átomo de hidrogênio, cuja eletronegatividade é 2,2 eV (elétron-volt). A eletronegatividade dos demais átomos é aferida em comparação ao hidrogênio: átomos que apresentarem energia maior que a do hidrogênio são considerado mais eletronegativos; os que apresentam energia menor, são considerados eletropositivos. 5) POLARIZABILIDADE É uma propriedade da matéria que determina a resposta dinâmica de um sistema ligado a campos elétricos externos e fornece informações sobre a estrutura interna de uma molécula ou espécie química. A polarizabilidade está associada à capacidade de distorção da nuvem eletrônica de uma espécie química por um campo elétrico externo, ou seja, a capacidade de formar dipolos instantâneos, permanentes ou não. Quanto maior o tamanho da nuvem eletrônica (raio atômico), ou seja, quanto maior o número de elétrons, mais polarizável será a espécie. Quanto mais polarizável for a espécie, mais facilmente são formados os dipolos induzidos, ou seja, o aumento na polarizabilidade aumenta o caráter polar da espécie. 6) DIPOLO Quando átomos com diferença considerável de eletronegatividade estão covalentemente ligados, o átomo mais eletronegativo atrai a nuvem eletrônica provocando um acúmulo de elétrons em uma extremidade da molécula, ~ 4 ~ denominado de polo; assim ocorre uma deformação permanente na nuvem eletrônica, fazendo com que a molécula apresente dipolo (um polo positivo e outro polo negativo). Uma molécula com mais de dois átomos apresenta momento dipolo elétrico, expresso por μ. Se este for nulo (μ=0), a molécula será apolar; se não for nulo (μ≠0), será polar. Figura 4. Momento de dipolo elétrico. Utiliza-se o modelo da Repulsão dos Pares de Elétrons da Camada de Valência para determinar a geometria e o valor qualitativo do momento de dipolo elétrico de uma molécula. O dipolo ocorrerá somente entre átomos (dois ou mais) unidos por ligação covalente, estes átomos devem apresentar uma diferença de eletronegatividade considerável, para que isto ocorra. Quando o dipolo é permanente, são ditas moléculas POLARES, por exemplo: a molécula de água é tri-atômica (H2O), os elétrons dos Hidrogênios poderiam estar “passeando” em qualquer ponto entre estes três átomos, todavia como o Oxigênio é mais eletronegativo que o Hidrogênio, logo o tempo de permanência destes elétrons será maior na nuvem eletrônica do oxigênio, gerando uma distorção de carga. A água não é uma molécula iônica, mas é uma molécula polar, isto quer dizer que esta apresenta claramente um polo positivo nas nuvens eletrônicas dos Hidrogênios e um polo negativo nas nuvens eletrônicas do Oxigênio, ou seja, ela apresenta dipolo permanente. 7) POLARIDADE É uma propriedade que se refere à molécula apresentar ou não um dipolo permanente. Quando uma molécula apresenta um dipolo permanente, como a água e o etanol, trata-se de molécula polar; quando a molécula não apresenta dipolo permanente, como os hidrocarbonetos, é uma molécula apolar. A polaridade de uma molécula não depende apenas da diferença de eletronegatividade entre os átomos envolvidos, mas também do número de átomos ligados a este, bem como a geometria da molécula. As propriedades polares, particularmente a solubilidade/miscibilidade em água, não necessariamente refletem a presença de um grupo polar na molécula. ~ 5 ~ Os ácidos carboxílicos apresentam um grupo bastante polar R-COOH, sendo a carboxila o grupo polar e R = nCHx. Até quatro carbonos esses compostos são miscíveis em água; entretanto o ácido pentanóico (valérico) tem uma solubilidade de aproximadamente 5% m/V1 e são insolúveis a partir do ácido hexanóico (capróico), o primeiro dos ácidos graxos. Fragmentos contendo apenas C e H são apolares devido à pequena diferença de eletronegatividade entre o carbono e o hidrogênio (respectivamente 2,6 e 2,2), portanto o aumento de fragmentos –CH- num composto carbônico diminuisua polaridade global. Os ácidos graxos (esse nome está associado às gorduras) são apolares porque a região apolar da molécula sobrepuja a região polar, dificultando a formação de interações de hidrogênio e interações dipolo-íon entre a água e o grupo –COOH ou –𝐶𝑂𝑂− e diminuindo a entropia no sistema. 1 Forma de exprimir a concentração percentual na proporção de massa de soluto por volume de solvente. ~ 6 ~ II- INTERAÇÕES INTERMOLECULARES As Interações Intermoleculares, também chamadas de Forças Intermoleculares, são diferentes forças de interação entre moléculas dentro de um sistema, provocada pela aproximação entre essas moléculas. Quando duas moléculas estão suficientemente próximas, a carga positiva do núcleo de uma atrai a carga negativa da eletrosfera da outra até uma distância mínima, quando começa o efeito repulsivo núcleo-núcleo. O tipo de interação gerada vai depender da natureza das espécies envolvidas. Figura 5. Gráfico representativo da força de atração em função da entre distância entre duas espécies monoatômicas. A força de atração aumenta na medida em que as duas partículas se aproximam até um valor máximo. Em seguida o efeito das forças repulsivas entre as camadas eletrônicas mais externas é sentido e essa repulsão aumenta exponencialmente quanto maior a aproximação entre as partículas. No valor F=0 as forças entram em equilíbrio e o valor R0 resultante corresponde ao raio da interação entre as duas espécies Esta interação faz surgir uma força entre as moléculas, sendo resultante das atrações eletrostáticas entre as mesmas que compõe uma substância/composto. As forças variam de intensidade, o que depende do tipo de molécula e do seu grau de polaridade e de polarizabilidade. São interações mais fracas que as ligações covalentes, porém importantes e fortes o suficiente para gerir certas propriedades das substâncias, tais como: estado físico de agregação, tensão superficial, viscosidade, solubilização, capilaridade etc., além de serem as responsáveis pelas interações entre fármaco e receptor ou entre fármaco e uma proteína de transporte. Essa interação e reconhecimento fármaco-receptor, normalmente ocorre através de uma combinação dessas forças intermoleculares e a somatória delas é responsável por gerar uma resposta fisiológica específica ao fármaco. ~ 7 ~ Figura 6. Diferença energética entre força intermolecular e ligação química (força intramolecular). O físico holandês, Diderik Van der Waals, trabalhando na resolução do comportamento de gases, propôs a existência de forças de atração intermolecular responsáveis pelo comportamento da matéria nesses estados de agregação. Essas forças receberam o termo genérico de Forças de Van der Waals em sua homenagem; são elas: Dipolo-Dipolo; Ligações de Hidrogênio; Dipolo- Dipolo induzido. Incluem-se também as Forças de Dispersão de London, em homenagem a Fritz London, e ainda as atrações eletrostáticas (interações íon- íon), interações Dipolo-íon e um caso particular deinterações hidrofóbicas, o Empilhamento π. 1- FORÇAS DE VAN DE WAALS a) FORÇAS DIPOLO PERMANENTE–DIPOLO PERMANENTE OU DIPOLO–DIPOLO: Quando dois átomos de eletronegatividades significativamente diferentes estão covalentemente ligados, o tempo de permanência dos elétrons compartilhados tende a ser maio no átomo mais eletronegativo. Como consequência ocorre uma deformação na nuvem eletrônica mais externa, representada como um momento de carga permanente, negativo sobre o átomo eletronegativo e positivo sobre o átomo eletropositivo, representado por 𝛿−𝑒 𝛿+, respectivamente (Figura 7). #ficaadica: essa última informação é de extrema valia e de suma importância para entendermos a Relação Estrutura x Atividade lá em QF (Química Farmacêutica). Dica da Tia Grazi. Se liguem! #ficaadica: os termos Interação de Hidrogênio, Ligação de Hidrogênio e Ponte de Hidrogênio, são equivalentes. ~ 8 ~ Figura 7. Representação da distribuição irregular de seus elétrons na molécula de água (H2O), com maior densidade eletrônica residindo sobre o átomo de oxigênio. Quando próximas umas das outras, as moléculas se atraem mutuamente através das cargas parciais de sinais contrários localizadas em cada molécula, ou seja, elas interagem de forma que o polo negativo de uma liga-se ao polo positivo da outra (Figuras 7 e 8). Figura 8. Interação dipolo-dipolo no diclorometano evidenciando a atração entre polos com momentos de carga opostos, de acordo com a diferença de densidade nas nuvens eletrônicas mais altas (vermelho) e mais baixas (azul). b) DIPOLO INDUZIDO–DIPOLO INDUZIDO (FORÇAS DE LONDON): As forças dipolo induzido-dipolo induzido também são denominadas de forças de London ou forças de dispersão de London. Esse tipo de interação é a que ocorre entre moléculas apolares neutras, que apresentam momento dipolo elétrico nulo (μ=0), ou seja, não apresentam polos e seus elétrons estão distribuídos uniformemente em sua eletrosfera (Figura 10). Figura 10. Distribuição uniforme dos elétrons em uma molécula apolar. Embora essa espécie seja eletricamente neutra, o deslocamento contínuo de seus elétrons mais externos faz com que o surgimento contínuo de pequenos momentos de carga seja o evento mais provável. Nesse caso a molécula apresentará momentos de carga discretos com duração de frações infinitesimais de tempo. Quando duas moléculas com essas características estão próximas, a ~ 9 ~ assimetria de carga de uma provocará uma perturbação eletrônica na molécula vizinha e esse dipolo transitório é suficiente para atração entre essas moléculas. Figura 11. A interação de moléculas apolares ocorre pela formação de dipolos induzidos. Quando uma molécula apolar se aproxima de outra molécula apolar (1), ocorrerá a formação de um dipolo instantâneo na primeira devido à repulsão eletrônica, causando a indução de um dipolo na segunda (2), resultando na força de interação entre as duas (3). As Dispersões de London são as mais fracas entre todas as interações intermoleculares. A magnitude da atração entre moléculas por dipolo induzido é diretamente proporcional a sua polarizabilidade e inversamente proporcional à distância entre os dois polos induzidos de cargas opostas. A polarizabilidade de um átomo depende do seu volume atômico. No grupo dos halogênios, o volume atômico cresce no sentido F < Cl < Br < I. Por ter o menor volume atômico os elétrons do Flúor são menos polarizáveis e o F2 é gasoso em temperatura ambiente e seu ponto de ebulição -188°C. Por outro lado o I2 por ter um grande volume atômico, seus elétrons são mais polarizáveis, portanto as forças de London intermoleculares no I2 são muito mais fortes, que é sólido à temperatura ambiente e seu ponto de ebulição é 184,6°C (Tabelas 2 e 3). Tabela 2. Ponto de ebulição de halogênios, onde P.E. é o ponto de ebulição e C. Lig. é o comprimento de ligação). ~ 10 ~ Tabela 3. Variação nos pontos de fusão de compostos de halogênio em função do volume molecular. A geometria da molécula influencia diretamente a capacidade de interação entre as mesmas e, consequentemente, a força das interações de London, que é proporcional à área de contato entre as moléculas. As ramificações em alcanos prejudicam as interações de forças de London e acabam alterando as propriedades físicas de seus isômeros: - n-pentano é um líquido muito volátil (PE: 36°C, PF: -130°C) - isopentano é um líquido ainda mais volátil (PE: 28°C, PF: -160°C) - neopentano é um gás (PE: 10°C, PF: -18°C) O n-pentano apresenta geometria linear, o que permite uma melhor interação entre as moléculas devido a maior superfície de contato. e consequentemente, a formação do dipolo induzido mais intenso que nos. Já o neopentano apresenta uma geometria tetraédrica, o quedificulta as interações por ter uma menor superfície de contato disponível (Figuras 12 e 13). Figura 12. Fórmula estrutural e pontos de ebulição de três isômeros do pentano. NOTA: Cresce o tamanho → Cresce a massa molecular → Cresce a polarizabilidade → Cresce a magnitude da Força de Dispersão de London NOTA 4: Lembre-se de que, quanto maiores forem as forças de interação entre as moléculas de uma substância, maior será a energia necessária para separá-las e, consequentemente, maior será a energia necessária para que ocorra mudança de estado físico (fusão, ebulição ou sublimação). ~ 11 ~ Figura 13. Estrutura tridimensional do n-pentano e do neopentano. c) LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO As ligações de hidrogênio são um caso particular de interações do tipo dipolo- dipolo, onde o átomo de hidrogênio de uma molécula é atraído por um átomo de N (nitrogênio), O (oxigênio) ou F (flúor). São interações intermoleculares de alta intensidade, cerca de cinco vezes mais intensas que uma interação dipolo-dipolo comum. Esse comportamento deve-se a dois fatores: 1- A eletronegatividade e ao tamanho dos átomos envolvidos, que favorece a formação de cargas parciais altamente concentradas; 2- Ao grande momento de dipolo elétrico formado nessas ligações. O exemplo mais representativo das ligações de hidrogênio é o da molécula de água (Figura 14). No estado líquido, uma molécula de água forma ligações de hidrogênio aleatórias com as moléculas vizinhas, condizentes com a entropia nesse estado de agregação. Contudo, no estado sólido, cada molécula de água forma quatro ligações de hidrogênio com as moléculas mais próximas, em uma estrutura tetraédrica, que possibilitará a formação de um retículo cristalino (Figura 15). #ficaadica: quais são os elementos mais eletronegativos da “tabelita”? Os “FON”, flúor, oxigênio e nitrogênio. ~ 12 ~ Figura 14. Representação das ligações de hidrogênio entre moléculas de água. Figura 15. Representação tridimensional das ligações de hidrogênio presentes na molécula de água no estado líquido (a) e no estado sólido (b). As forças intermoleculares de Van der Waals podem ser ordenadas, quanto a sua intensidade, da seguinte maneira: Ligação de hidrogênio > Dipolo-Dipolo > Forças de London 2) INTERAÇÕES ELETROSTÁTICAS: As interações eletrostáticas acontecem quando há uma carga envolvida. As interações do tipo Dipolo-íon ocorrem entre um íon e uma molécula polar. Interações iônicas ocorrem entre íons de cargas opostas. a) INTERAÇÕES ÍON–DIPOLO: Interações íon-dipolo ocorrem entre um íon e uma espécie neutra polarizada. A carga parcial de um dos polos de uma molécula polar atrai ou é atraída à carga oposta do íon, ou seja, um cátion vai interagir com a carga parcial negativa de uma molécula e um ânion interagirá com a carga parcial positiva de uma molécula. ~ 13 ~ As forças íon-dipolo dependem de três fatores: 1- A distância entre o íon e o dipolo: Quanto menor a distância entre o íon e o dipolo, mais forte será a atração. 2- A carga do íon: Quanto maior a carga do íon, mais forte será a atração. 3- A magnitude do dipolo: Quanto maior a magnitude do dipolo, mais forte será a atração. Essas interações são o que permitem que os sais sejam capazes de se solubilizar. Por exemplo, o cloreto de sódio (NaCl) se dissocia em água, produzindo íons Cl– e Na+. Como eles têm carga, atraem os polos da molécula de água, com carga oposta as suas. Observe a figura abaixo onde em (a), a polo positivo da molécula de água – os hidrogênios, representados em branco – são atraídas pela carga negativa o íon cloro (Cl–). Em (b), o polo negativo da molécula de água – o oxigênio, em representado vermelho – é atraída pela carga positiva do cátion (Na+). Esse é o processo de solvatação dos íons. Figura 16. Representação das interações Íon-Dipolo numa solução de NaCl. A espécie se encontra dissociada como ânion cloro e cátion sódio solvatados pela água. . b) INTERAÇÕES ÍON–ÍON: As ligações iônicas ocorrem pela atração eletromagnética entre íons de cargas opostas. (a) (b) #ficaadica: essas informações são extremamente necessárias para compreender vários fenômenos, como os que envolvem a solubilização de fármacos, entre inúmeros outros ~ 14 ~ Figura 17. Representação da interação iônica entre o ânion iodeto e o cátion sódio através de ligação iônica. ~ 15 ~ III- APLICAÇÕES AOS FÁRMACOS EM SISTEMAS BIOLÓGICOS 1) ESTRUTURA PROTEICA E O PRINCÍPIO DAS INTERAÇÕES FÁRMACO-RECEPTOR Uma proteína tem quatro tipos de estrutura: a primária corresponde à seqüência de aminoácidos (AA) numa proteína, resultante das ligações peptídicas (covalentes) entre esses aminoácidos; a secundária resulta usualmente das interações de hidrogênio que ocorrem entre diferentes resíduos de AA próximos à medida que a cadeia cresce, resultando em conformações como α-hélice e β-pregueada, por exemplo; a terciária resulta de interações entre aminoácidos mais distantes entre si em virtude dos dobramentos/empacotamentos na estrutura proteica e podem ser do tipo interações hidrofóbicas (forças de London e empilhamento π), interações de hidrogênio, interações iônicas e ligações covalentes dissulfeto; a estrutura quaternária resulta da oligomerizaçao de polipeptídeos, formando estruturas mais complexas (Figura 18). Figura 18. Organização esquemática de uma proteína, evidenciando a finalidade de cada uma de suas estruturas, primária, secundária, terciária e quaternária. Fonte: https://basicmedicalkey.com/drug-receptor-interactions-2/ Cada proteína apresenta diversos segmentos moleculares cujos resíduos de aminoácidos formam regiões hidrofílicas ou hidrofóbicas numa estrutura tridimensional. As regiões hidrofílicas são majoritárias e seus resíduos formam interações de hidrogênio, dipolo-dipolo, dipolo- íon e interações iônicas. As regiões hidrofóbicas resultam de substituintes apolares nos aminoácidos L- https://basicmedicalkey.com/drug-receptor-interactions-2/ ~ 16 ~ alanina (–CH3), L-valina (-C3H7), L-leucina (-C4H9), L-fenilalanina (ØCH2-) 2, L-prolina (-C4H8N), L-triptofano (-C9H8N), L-metionina (-C3H7S) e L-isoleucina (-C4H9). O ambiente químico de uma proteína é aquoso e o efeito repulsivo entre a água e os resíduos hidrofóbicos faz com que esses resíduos se agrupem em regiões entropicamente favoráveis. A estrutura tridimensional de uma proteína resulta, principalmente, de forças de interação que atuam intramolecularmente (estruturas secundária e terciária) e intermolecularmente (estrutura quaternária). Figura 19. Fatores que participam no enovelamento de uma proteína, incluindo as interações hidrofóbicas. 2) DISSOCIAÇÃO DE AMINOÁCIDOS E INTERAÇÕES ELETROSTÁTICAS A magnitude das forças eletrostáticas depende da constante dielétrica do meio e da distância entre os polos com suas cargas. A água, por exemplo, apresenta elevada constante dielétrica, que reduz as forças de atração e repulsão entre dois grupos carregados solvatados, favorecendo a dissociação de espécies dissociáveis. Normalmente, a interação iônica é precedida pela dessolvatação dos íons, processo que envolve perdas entálpicas, mas é favorecido pelo ganho entrópico resultante da geração de uma “rede” de interações entre as moléculas de água livre. Alguns aminoácidos apresentam um terceiro grupo ionizável, além da carboxila e da amina que são características da sua estrutura. Este terceiro grupo ionizável encontra-se ionizado em pH fisiológico, tornando o aminoácido básico ou ácido. Por exemplo: o sangue possui pH em torno de 7,4, sendo que a arginina e a lisina se apresentam como aminoácidos básicos possuindo carga positiva (dissociação de uma amina primaria), já o glutamato e aspartato, como aminoácidos ácidos possuindo carganegativa (dissociação da carboxila). 2 Ø representa um anel aromático. ~ 17 ~ Fármacos que apresentem grupos ionizados (positiva ou negativamente) podem interagir com aminoácidos presentes em proteínas de sítios receptores, que apresentam este terceiro grupo ionizado. Figura 18. Interações iônicas e o reconhecimento fármaco-receptor. REC representa um hipotético fragmento num receptor contendo um resíduo de AA dissociado (aspartato, por exemplo); LIGANTE é um fármaco hipotético contendo uma amina primaria protonada. 3) FORÇAS DE DISPERSÃO DE LONDON: Forças de dispersão de London são interações de fraca energia que resultam da aproximação entre moléculas apolares, resultado de uma flutuação local de densidade eletrônica. São de extrema importância para o processo de reconhecimento molecular do fármaco pelo sítio receptor (interação ligante3- receptor) uma vez que normalmente ocorrem inúmeras interações deste tipo que, somadas, acarretam contribuições energéticas significativas (Figura 19). As forças de London estão envolvidas nas interações hidrofóbicas entre um fármaco e cadeias ou subunidades apolares num receptor. Estas cadeias ou subunidades hidrofóbicas encontram-se circundadas pela água, uma região de baixa entropia. Quando as superfícies hidrofóbicas se aproximam do receptor, ocorre o colapso da estrutura organizada pela água, ou seja, dá-se o rompimento da camada solvatação, permitindo assim a interação entre ligante e receptor através devido ao ganho entrópico associado à desorganização do sistema. 3 O termo “ligante” pode se referir a um fármaco ou de qualquer outra molécula exógena ou mesmo endógena, que possuam afinidade e se liguem a um receptor. #ficaadica: gente isso é muito importante em bioquímica, enzimologia, QF etc. #ficaadica: isso aí de ligante-receptor é importante lá em farmacodinâmica, enzimologia e em bioquímica visto na formação do complexo enzima- substrato etc. ~ 18 ~ Figura 19. Interações hidrofóbicas pela polarização transiente de ligações carbono-hidrogênio (A) ou carbono-carbono (B). Um caso particular de interações hidrofóbicas é o empilhamento π, que ocorre entre as nuvens π dos anéis aromáticos e grupamentos apolares, incluindo outro anel aromático (Figura 20). Figura 20. Representação de interações hidrofóbicas por empilhamento π. 4) INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR – DISCUSSÃO DE CASO A ação farmacológica da maioria dos fármacos se dá através da interação entre esse fármaco e um receptor farmacológico. Receptores farmacológicos são estruturas presentes em alguma região de uma proteína. Quando um fármaco interage com um receptor específico, raramente ocorre por um único tipo de interação intermolecular devido à complexidade da proteína. Tais receptores frequentemente apresentam regiões hidrofílicas e hidrofóbicas que são capazes de interagir com os diversos grupos funcionais de uma molécula ligante, através das forças moleculares discutidas neste capítulo. Para exemplificar essa complexidade temos o exemplo do imatnib, um fármaco inibidor enzimático específico que age no receptor BCR-Abl da enzima tyrosine-kinase no sítio de ligação ao ATP na enzima (Figura 21). Esse fármaco é usado em diversos tipos de cânceres, incluindo leucemia. ~ 19 ~ Figura 21. Interação entre Imatnib e seu receptor específico: A) fita cinza: receptor da kinase; esferas azuis: análogo ao imatnib. B) diagrama das interações no receptor: linhas pontilhadas – interações de hidrogênio e dipolo-dipolo; halos vermelhos em fragmentos de AA – interações hidrofóbicas. C) fórmula estrutural do Imatnib. Fonte: https://basicmedicalkey.com/drug-receptor-interactions-2/ A maioria das interações é hidrofóbica. A interação no fragmento PHE- 382, por exemplo, é uma interação hidrofóbica por empilhamento π entre um anel aromático do ligante e o grupo fenil da fenilalanina. Por outro lado a hidroxila no fragmento THR-315 faz uma interação de hidrogênio com um fragmento NH no ligante. Em interações entre fármaco e receptor é importante observar que as interações iônicas têm uma força de alcance bem maior do que as hidrofóbicas e interações de de hidrogênio, portanto são muito importantes para iniciar a associação entre um fármaco e um receptor. . https://basicmedicalkey.com/drug-receptor-interactions-2/ ~ 20 ~ IV- ESTADOS DE AGREGAÇÃO DA MATÉRIA E FORÇAS INTERMOLECULARES A matéria pode ser encontrada em três estados de agregação, sólido, líquido e gasoso, sendo o sólido e o líquido os estados condensados, onde as partículas estão muito próximas e interagindo fortemente. As forças intermoleculares exercem um papel importante na definição dos estados condensados, bem como nas mudanças de estado físico, inclusive na liquefação de gases. No estado gasoso, as interações são praticamente inexistentes, as moléculas estão muito distanciadas (Figura 22) e não há polos, porém podem ocorrer interações de dispersão de London entre as moléculas, quando estas se aproximam, desde que o sistema seja resfriado e o gás comprimido. Figura 22. Representação molecular dos estados físicos sendo estes determinados pelo tipo de interação entre as moléculas das substâncias. No estado líquido as moléculas estão muito próximas e, portanto, as interações intermoleculares são fortes e essa força depende da natureza da interação. No estado líquido, as interações hidrofóbicas (forças de London, interações π) estão presentes em líquidos apolares (n-hexano, benzeno), e as interações de hidrogênio e dipolo-dipolo são características de solventes polares. As interações dipolo-íon (inclusive interações hidrogênio), bem como interações dipolo induzido-dipolo estão presentes nos mecanismos de dissolução/solvatação. Um sal, como NaCl, predominantemente se encontra na forma de Naaq + e Claq − e apenas num pequeno percentual NaClaq. Uma vez dissolvido, na fração dissociada o cátion Na+fica “encaixotado” por moléculas de água pela interação entre o dipolo negativo da água e a carga positiva do cátion; por outro lado o íon Cl−fica rodeado por moléculas de água devido a interações de hidrogênio entre o dipolo positivo da água e a carga negativa do ânion. Uma situação ilustrativa para interações dipolo induzido-dipolo em fase líquida é a dissolução do oxigênio gasoso em água, fundamental para a vida ~ 21 ~ aquática. O dipolo negativo na molécula de água provoca uma repulsão dos elétrons no O2, causando uma polarização momentânea (dipolo induzido) e passa a interagir com a água (dipolo permanente) se solubilizando nela (Figura 23). Visto que essas forças são fracas, a solubilidade desse gás em água é pequena, mas suficiente para manter o mundo tal como conhecemos. Até quando? Isso não sabemos. Figura 23. Representação da interação entre água e oxigênio por dispersão de London, onde (a) é a molécula apolar do O2, e (b) a formação do dipolo induzido na molécula apolar pelo polo negativo da molécula de água. No estado sólido as interações intermoleculares são geralmente muito fortes, pois as partículas estão muito próximas. No estado sólido a diferença de força entre os diversos tipos de forças de interação são bastante evidentes. Sólidos iônicos geralmente são cristalinos, têm ponto de fusão muito alto e sua pressão de vapor geralmente é baixa. Por outro lado, no I2 sólido as forças de London mantêm as moléculas coesas, mas a força dessas interações é bem menor mais, portanto além do ponto de fusão ser mais baixo, tem uma alta pressão de vapor, por isso sublima em temperatura e pressão normais (Figura 24). Figura 24. Sublimação do iodo. (a) (b) #ficaadica: importante na bioquímica para entender que o oxigênio além de ser transportando pela hemoglobina, pode também apresentar-se solubilizado no sangue, apesar de ser numa fração mínima. ~ 22 ~Outro exemplo de interações de dispersão de London em sólidos é o caso do “gelo seco” - dióxido de carbono (CO2), que também sublima facilmente, pois a energia necessária para romper suas interações é muito baixa, causando aquele efeito visual esfumaçado nos shows e festas (Figura 25). Figura 25. Sublimação do gás carbônico em estado sólido (gelo seco) ~ 23 ~ V- RESUMO DA ÓPERA: Tabela 3. Fatores e espécies envolvidas nas interações interiônicas e intermoleculares. Figura 26. Representação esquemática das diferentes moléculas e suas respectivas interações intermoleculares. Tipo de interação Fatores responsáveis Espécies que interagem Íon-íon Carga dos íons Íons Íon-dipolo Carga do íon, magnitude do dipolo Íons e moléculas polares Dipolo-dipolo Dipolo permanente Moléculas polares London Polarizabilidade e geometria molecular Todas as moléculas Dipolo induzido- dipolo Momento dipolar de uma molécula, polarizabilidade doutra molécula Moléculas polares e moléculas apolares Ligações de hidrogênio Momento dipolar, eletronegatividade Moléculas que contêm FON ~ 24 ~ Figura 27. Intensidade das interações intermoleculares e interiônicas. Figura 28. Mapa mental sobre as interações intermoleculares. ~ 25 ~ Figura 28. Esquema de relação entre forças intermoleculares e polaridade de substâncias. Beijos de luz, BONS ESTUDOS!!! Têm vontade de desvendar o mistério por trás do mosquito que pousa e permanece sobre a água sem afundar suas patinhas? Esperem o próximo texto que a tia Grazi e equipe vão preparar, espero que satisfaça as curiosidades de todos... ~ 26 ~ VI) REFERÊNCIAS ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de Química. 5 Ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. BRADY, J. E.; HUMISTON, G. E. Química Geral. 2 E. Rio de Janeiro: LTC. ALCANOS – O Mundo da Química. Disponível em: <https://www.omundodaquimica.com.br/academica/org1_alcanos>.Acessad o em: 18/06/2020. ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DOS FÁRMACOS – Química Medicinal/UFPR. Disponível em: <http://www.quimica.ufpr.br/nunesgg/QIM_graduacao/Fundamentos%20d e%20quimica%20medicianal.pdf>. Acessado em: 20/06/2020. DRUG-RECEPTOR INTERACTIONS. Disponível em https://basicmedicalkey.com/drug-receptor-interactions-2/. Acessado em 22/6/2020 FUNDAMENTOS DE BIOQUÍMICA – Instituto de Física de São Carlos/USP. Disponível em: <http://biologia.ifsc.usp.br/bio4/aula/aula01.pdf> Acessado em: 17/06/2020. INTERAÇÕES INTERMOLECULARES. Disponível em: <https://irp- cdn.multiscreensite.com/89a70595/files/uploaded/Liga%C3%A7%C3%B5es% 20intermoleculares_.pdf>. Acessado em: 19/06/2020. INTERAÇÕES INTERMOLECULARES – Química Fundamental. Disponível em: <https://www.ufjf.br/quimica/files/2015/06/aula-14-quimica- fundamental-2019-3-Intera%c3%a7%c3%b5es-Intermoleculares.pdf>. Acessado em: 18/06/2020. LIGAÇÕES QUÍMICAS – Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/quimica/ligacoes- quimicas.htm#:~:text=Existem%20tr%C3%AAs%20tipos%20de%20liga%C3%A 7%C3%B5es,camada%20de%20val%C3%AAncia%20oito%20el%C3%A9trons>. Acessado em: 17/06/2020. O QUE SÃO FORÇAS INTERMOLECULARES? – Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/quimica/o-que-sao-forcas- intermoleculares.htm#:~:text=For%C3%A7as%20intermoleculares%20s%C3%A 3o%20as%20formas,holand%C3%AAs%20Diderik%20Van%20der%20Waals> Acessado em: 17/06/2020. QUÍMICA DO MACRO AO MICRO – Fundação CECIERJ. Disponível em: <https://extensao.cecierj.edu.br/material_didatico/qui704/aula04.pdf> Acessado em: 17/06/2020. https://basicmedicalkey.com/drug-receptor-interactions-2/ ~ 27 ~ TIPOS DE INTERAÇÕES INTERMOLECULARES – Portal da Educação. Disponível em: <https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/farmacia/tipos- de-interacoes- intermoleculares/39802#:~:text=As%20for%C3%A7as%20eletrost%C3%A1ticas %20s%C3%A3o%20resultantes,da%20dist%C3%A2ncia%20entre%20as%20carg as.>. Acessado em: 19/06/2020.
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