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F u n d a m e n to s e M e to d o lo g ia d o E n s in o d e C iê n c ia s Francisco Carlos Pierin Mendes 1Capa_Metod_Ens_Ciencias.indd 1 14/12/2010 15:23:12 02 1 PROVA - 14/12/2010 APROVAÇÃO: NÃO ( ) SIM ( ) ____________ Fu nd am en to s e M et od ol og ia d o En si no d e Ci ên ci as Fr an ci sc o Ca rlo s Pi er in M en de s Capítulo 1 Capítulo Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências Curitiba 2010 Francisco Carlos Pierin Mendes FAEL Diretor Executivo Maurício Emerson Nunes Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Vívian de Camargo Bastos Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Ana Cristina Gipiela Pienta Secretária Acadêmica Dirlei Werle Fávaro EDITORA FAEL Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado Coordenador Editorial William Marlos da Costa Edição Jaqueline Nascimento Revisão Lisiane Marcele dos Santos Thaisa Socher Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin Diagramação e Ilustração Ana Lúcia Ehler Rodrigues Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Siderly Almeida CRB9/1022 Mendes, Francisco Carlos Pierin M538f Fundamentos e metodologia do ensino de ciências / Francisco Carlos Pierin Mendes. – Curitiba: Editora Fael, 2010 75 p.: il. ISBN 85-64224-08-7 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Ciências (Ensino Fundamental). 2. Professores – Formação. I. Título. CDD 372.35 1ª Reimpressão, 2011 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade à vida, a seus desa- fios, são saberes necessários à práti- ca educativa. Viver a abertura respei- tosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento, tomar a própria prática de abertura ao outro como objeto da reflexão crítica deve- ria fazer parte da aventura docente. Paulo Freire A tarefa de falar da obra do professor Francisco exige testemunhar a caminhada do profissional em diferentes espaços e tempos, sua traje- tória de formação no âmbito da escola à qual ele está vinculado, assu- mindo a própria prática docente como objeto referência. Educação é processo que ocorre ao longo da vida, e é fenômeno, pela transformação que opera nas dimensões biológica, psíquica, social e cultural. Portanto, educação é vida, e viver é desenvolver-se, é crescer, reorganizar-se e reconstruir-se continuamente, é transformação da vida. Essa produção intelectual tem subjacente toda uma fundamentação necessária ao desenvolvimento de uma consciência de que o mundo da escola é o mundo do professor, e de que ele tem que repensá-lo, assu- mindo a responsabilidade de sua elaboração e reconstrução. Nesse trabalho, o autor revela sua preocupação em tecer conhe- cimento e educação, aprofundando a reflexão sobre os conteúdos da educação científica e da prática pedagógica voltada para uma realidade dialética e histórica, acreditando que educação é ato de aprender. O livro didático produzido trata da metodologia do ensino de Ciên- cias, voltado à formação inicial do educador para atuar nos anos iniciais apresentação apresentação do Ensino Fundamental, em uma concepção socioconstrutivista de co- nhecimento e linguagem dialógica. Ensinado a questionar e a aprender a ter prontidão para ouvir, o docente orienta o discente a compreender que o ensino deve ter como ponto de partida as formas da própria vida, as experiências, participação e a criatividade do sujeito. Sinto-me incorporada a esse trabalho, vivendo a sala de aula no ensino das ciências da natureza, tendo contribuído para que a prática cotidiana seja tecida e retecida por outros educadores, constituindo uma unidade real, construção coletiva e dependência recíproca de um ao ou- tro, na voz narrada e discutida deste amado discípulo. Sonia Maria Chaves Haracemiv* * Sonia Maria Chaves Haracemiv é doutora em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordena o Curso de Pedagogia EaD – Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental – da Universidade Federal do Paraná. apresentação apresentação Prefácio....................................................................................... 7 1 O que é Ciência? Por que ensinar? ............................................ 9 2 Conhecimento cotidiano e científico nas Ciências Naturais ............................................................... 15 3 Parâmetros Curriculares, Educação Infantil e as Ciências Naturais .............................................................. 25 4 Abordagem temática no ensino de Ciências Naturais ................................................................ 35 5 Atividades práticas no ensino de Ciências Naturais ............... 45 6 Livro didático e avaliação do ensino-aprendizagem de Ciências ...................................... 55 7 Currículo de Ciências: algumas considerações ....................... 63 Referências............................................................................... 71 sumário sumário prefácio 7 A disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências oferece ao acadêmico do curso de Pedagogia uma oportuni- dade de reflexão, essencial para a compreensão do mundo moderno, acerca da prática pedagógica da disciplina de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil. A Ciência será discutida com a apresentação de diferentes defini- ções para que se possa diversificá-la com relação às Ciências Naturais, verificando a necessidade de estudá-la enquanto produção humana, sujeita a influências culturais, econômicas e sociais. Para tanto, será necessário discutir o conhecimento cotidiano ou de senso comum e o conhecimento científico, com suas especificidades. Serão estudados os Parâmetros Curriculares Nacionais, seus blocos temáticos, temas transversais e demais orientações. Este do- cumento tem como finalidade contribuir para a reflexão da prática pedagógica das Ciências Naturais. Também se abordará a importância do ensino da disciplina na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por meio da qual as crianças poderão aprender reconstruindo o conhecimento em um processo ativo, com brincadeiras, jogos, entre outras atividades. Serão apresentados neste material nova abordagem e encaminha- mento para os conteúdos no ensino de Ciências, mediante problema- tização inicial, seguida da organização do conteúdo e, finalmente, da aplicação do conhecimento. As atividades práticas também serão relevantes, pois aproximam o conhecimento científico do cotidiano do aluno, favorecendo a aprendizagem. prefácio 8 Nos próximos capítulos, se encontrará o tema: o livro didático no processo de aprendizagem, sua construção histórica e trajetória desde o conservadorismo até o conhecimento de ciência e tecnologia. A avaliação será atividade essencial do processo de ensino-aprendi- zagem, com seus princípios e diferentes critérios propostos. Como último conteúdo desta disciplina, será apresentada a questão do currículo nas Ciências Naturais, suas inovações e tendências recen- tes, esperando que sejam compreendidos e aplicados os conhecimentos adquiridos na disciplina. Espera-se que, ao final da disciplina, após a reflexão de todos os assuntos abordados, seja compreendida a importância do trabalho com as Ciências Naturais, melhorando a prática pedagógica docente com o implemento de novas atividades no trabalho com os alunos. O autor.* * Francisco Carlos PierinMendes é mestre em Educação pela Universidade Federal do Para- ná (UFPR). Atua na rede pública de ensino e é professor do curso de Pedagogia da Faculdade Educacional da Lapa (FAEL) nas modalidades presencial e a distância. prefácio prefácio 9 O estudo e o ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil são relevantes para a compreensão de que a Ciência faz parte da vida cotidiana e interfere diretamente na sociedade. Aliado a isso, existe o avanço da tecnologia, que modifica hábitos, atitudes e valores, determinando ao professor da disciplina a necessi- dade de se manter constantemente em alerta, reforçando posturas e atitudes que permitam uma atuação consciente. Definir Ciência, procurar, por meio da percepção de diferentes autores, apresentá-la como uma construção histórica que sofre dife- rentes influências em um mundo globalizado, no qual as informa- ções circulam com uma velocidade espetacular, é o ponto de partida deste trabalho. A busca por respostas às diferentes indagações se apresenta como parte do processo de construção da sociedade, muitos caminhos leva- ram a soluções, embora algumas distantes da Ciência, tornando im- prescindível o retorno à experimentação, ao método, superando, dessa forma, a visão obscura, pautada em preceitos das crenças divinas. Por que estudar (ensinar) Ciências Naturais? Melhor, se arrepare: pois, num chão, e com igual formato de ramos e folhas, não dá a mandioca mansa, que se come comum, e a mandioca-brava, que mata? João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas O que é Ciência? Por que ensinar? 1 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 10 Vivencia-se cotidianamente diferentes situações em que fica evi- dente a presença do conhecimento científico e tecnológico na vida do homem, o que pode ser constatado em diferentes locais do planeta, mediante a presença de grandes indústrias com tecnologia de ponta, de pessoas utilizando telefones celulares, computadores, da comunicação via satélite, entre tantos outros exemplos. Dessa forma, é possível dizer que hoje e no futuro, as ciências e os resultados de suas aplicações tecnológicas farão parte do dia a dia, inter- ferindo no ambiente, na sociedade, com aspectos positivos e negativos. O desenvolvimento da Ciência interfere e altera o modo de vi- ver, pensar e agir. Os avanços, cujos reflexos são percebidos direta- mente no contexto escolar, e o lugar que ocupam na vida e cultura atual, são incontestáveis. Por sua vez, o cidadão comum, geralmente com pouca escolarida- de, embora fazendo uso e convivendo com “produtos” da tecnologia e da ciência, pouco utiliza tais avanços, por falta de acesso ou desin- teresse, não tendo oportunidade de refletir sobre eles, colocando-se, muitas vezes, como mero espectador em um mundo globalizado, re- pleto de informação. A formação básica em Ciências poderá contribuir para essa refle- xão, pois se constitui como instrumento de fundamental importância para a compreensão da sociedade, por meio da garantia do acesso ao conhecimento científico disponível. Dessa forma, este trabalho não pode ser desenvolvido em uma perspectiva de simples transmissão, “deve sim garantir uma abordagem crítica, caracterizando o empreendimento científico como uma ativi- dade humana, não neutra, financiada e com vinculações econômicas e políticas” (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1992, p. 46). É importante lembrar que, como se trata de um processo com história e evolução não linear, produzido coletivamente, a Ciência ne- cessita ser desmistificada a todo instante, função atribuída ao profes- sor da disciplina, que irá trabalhar os diferentes conteúdos científicos na escola, tornando real o conhecimento, como, por exemplo, o caso da mandioca, citado por Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas (1967, p. 11-12), a seguir: Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 11 Agora, o senhor já viu uma estranhez? A mandioca-doce pode de repente virar azangada- motivos não sei [...] vai em amargando, de tanto em tanto, de si mes- ma toma peçonhas. E, ora veja: a outra a mandioca-brava, também é que às vezes pode ficar mansa, a esmo e de comer sem nenhum mal. O que é Ciência? Essa é uma pergunta sobre a qual muitos já devem ter dedi- cado alguns minutos de reflexão, buscando respostas. Existem inú- meras dúvidas, mesmo quanto à possibilidade de respondê-la. Alguns autores concebem Ciên- cia de forma bastante restritiva, outros, por sua vez, a definem de modo mais amplo. É possível afirmar que a Ciên cia é uma das maiores ativi- dades humanas, é a contempla- ção e compreensão de inúmeros fenômenos naturais. Entre as muitas definições encontradas, apresentam-se algumas que servirão como suporte para análise e reflexão, fornecendo os elementos necessá- rios para o enfrentamento deste tema. O Dicionário Aurélio (1986), referência na língua portuguesa, as- sim define a Ciência: Ciência (do lat. Scientia) Conhecimento. Saber que se adquire pela leitura e meditação; instrução, erudição, sabedoria. Con- junto organizado de conhecimentos relativos a um determi- nado objeto, especialmente obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio. Soma de conhe- cimentos práticos que servem a um determinado fim. A soma dos conhecimentos humanos considerados em conjunto. Pro- cesso pelo qual o homem se relaciona com a natureza visando à dominação dela em seu próprio benefício. Atualmente este processo se configura na determinação segundo um método Rubem Alves (2006), quando indagado sobre o que é científico, responde de forma simpli- ficada, sem elementos complexos da filosofia, utilizando apenas ricas metáforas: “É aquilo que caiu nas redes reconhecidas pela confra- ria dos cientistas. Cientistas são aqueles que pescam no grande rio”. O autor afirma, ainda, que “a Ciência é um jogo. Um jogo com suas regras preciosas. Como o xadrez. No jogo de xadrez não se admite o uso de regras do jogo de damas” (p. 113). É recomendada a leitura do livro Entre a ciência e a sapiência – o dile- ma da educação, do referido autor; ela contri- buirá para o entendimento sobre a Ciência. Saiba mais Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 12 e na expressão em linguagem matemática de leis em que se podem ordenar os fenômenos naturais, do que resulta a possi- bilidade de, com rigor, classificá-los e controlá-los. Freire-Maia, de forma simplificada, destituída de preocupações epistemológicas, como costuma afirmar, assim define Ciência: é um conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis, mo- delos, etc., visando ao conhecimento de uma parcela da reali- dade, em contínua ampliação e renovação, que resulta de apli- cação deliberada de uma metodologia especial (metodologia científica) (2000, p. 24). Em uma de suas obras, Mayr (2005, p. 27) contribui para a discus- são com algumas definições: Ciência é o esforço humano para alcançar um entendimento melhor do mundo por observação, comparação, experimen- tação, análise, síntese e conceitualização. [...] é um corpo de fatos (conhecimento) e os conceitos que permitem explicar esses fatos. Fazendo uma análise das definições, pode-se dizer que um dos principais objetivos da Ciência não é descobrir verdades absolutas, mas sim fornecer conhecimentos que possibilitem, muitas vezes provisoria- mente, a interação com o mundo, com previsões confiáveis sobre even- tos futuros, criando mecanismos de controle sobre os quais o homem possa intervir. Dessa forma, de acordo com os PCN, sobre Ciências Naturais: São traços gerais das Ciências buscar compreender a nature- za, gerar representações de mundo – como se entende o uni- verso, o espaço, o tempo, a matéria, o ser humano, a vida – descobrir e explicarnovos fenômenos naturais, organizar e sintetizar o conhecimento em teorias, trabalhadas e deba- tidas pela comunidade científica, que também se preocupa com a difusão social do conhecimento produzido (BRASIL, 2000b, p. 26). Ela sistematiza, sintetiza, conceitua e pode fornecer modelos, teo- rias, descrições de fatos, fenômenos que explicam diferentes situações vivenciadas. “A Ciência é muito boa – dentro de seus preciosos limites. Quando transformada na única linguagem para se conhecer o mundo, entretanto, ela pode produzir dogmatismo, cegueira e, eventualmente, emburrecimento” (ALVES, 2006, p. 115). Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 13 Ciências: a disciplina que pode dar respostas ao homem Desde o início do processo de desenvolvimento social, quando o homem passa a conviver em sociedade, a busca por explicações acerca do universo e seus fenômenos naturais, é uma constante na tentativa de melhor se adaptar à vida na Terra. A descoberta do fogo, a roda, os elementos da química, os melhoramentos genéticos, clonagem, via- gens espaciais e diferentes domínios da tecnologia se apresentam como resultado de perguntas que o homem fez diante da realidade. Nessa busca, as respostas podem ser encontradas por meio de vários caminhos, por vezes distantes da Ciência. Cita-se, como exemplo, a representação da Terra, que há centenas de anos não passava de uma superfície plana, com o céu acima, representando o paraíso, e o inferno abaixo, representando a região das trevas, explicação esta baseada na crença e obediência a divindades. Também fenômenos, como as chuvas, os trovões e a passagem de cometas, muitas ve- zes eram associados a essas divin- dades, podendo ser um sinal de castigo. Os povos interpretavam seus fenômenos de acordo com suas crenças, difundindo diferen- tes hipóteses sobre a criação do mundo e compreendendo a rea- lidade conforme o estágio cultural em que se encontravam. Posteriormente, com o Renascimento, movimento do final da Idade Média que valorizava a Ciência, as Artes, entre outras formas de manifes- tação cultural, e, principalmente, com trabalhos de Galileu Galilei, Nico- lau Copérnico, Giordano Bruno, entre outros, desenvolveu-se o sistema heliocêntrico, rompendo o paradigma anterior ao colocar o sol como centro do Universo, superando, assim, a visão obscura, fundamentada na Rodolpho Caniato, no livro Consciência na educação (1989, p. 35), faz uma reflexão bas- tante significativa com o texto Atos de fé em nome da Ciência, no qual conta a história de Joãozinho da Maré, um aluno que questiona persistentemente a professora, com pergun- tas embasadas em observações simples. Ela, por sua vez, procura cumprir a risca o pro- grama oficial de estudos, não valorizando as experiên cias do garoto, o seu conhecimento cotidiano, obtido nas ruas de uma comunidade carente com uma riqueza muito grande de detalhes, relacionados à Ciência. Este é um material muito rico de estudos. O texto também está disponível na internet, no site: <http://www.ucs.br/ccha/deps/cbvalent/ teorias014/restrito/joaozinho.html> Saiba mais Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 14 crença divina, e valorizando a explicação científica, na qual medições e cálculos matemáticos são incorporados ao cotidiano da Ciência. O pensamento científico, o método, a experimentação são fatos recentes, considerando a história de evolução humana. Porém, median- te este pensamento, será possível encontrar um caminho comum, em que diferentes povos e culturas apliquem seus conhecimentos, tentando compreender aquilo que os cerca. Síntese Neste capítulo, foi possível perceber que a Ciência e suas aplicações tecnológicas fazem parte da vida cotidiana, estão presentes no trabalho, nas escolas, nas residências, interferindo diretamente na sociedade e no ambiente, embora muitas vezes o cidadão comum, com poucos recur- sos, não tenha acesso a esses avanços. O professor deve superar a perspectiva de simples transmissão do conhecimento, procurando, dessa forma, garantir uma abordagem crí- tica, tratando o conhecimento científico como uma atividade humana, historicamente construída, vinculada a diferentes interesses. Foram recordadas diferentes definições atribuídas à Ciência, além de reflexão sobre a possibilidade de estabelecê-las. É reforçada a defi- nição de Freire-Maia (2000, p. 24), que, destituída de preocupações epistemológicas, como já mencionado, afirma de forma clara e objetiva que Ciência é “um conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis, modelos, etc., visando ao conhecimento de uma parcela da realidade, em contínua ampliação e renovação, que resulta na aplicação da meto- dologia científica”. Observou-se, também, que, por meio da Ciência, o homem busca explicações para o Universo, para os diferentes fenômenos físicos, quími- cos e biológicos, em uma tentativa de melhor se adaptar à vida na Terra. 15 No capítulo anterior, foram abordadas várias definições de Ciên cia, entre elas, a de Freire-Maia (2000, p. 24), que, de forma clara e concisa, define Ciência como um conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis, modelos, etc., visando ao conhecimento de uma parcela da realidade, em contínua ampliação e renovação, que resulta de aplicação delibe- rada de uma metodologia especial (metodologia científica). Agora, faz-se necessário diferenciar conhecimento cotidiano, ou de senso comum, e conhecimento científico. O primeiro contribui para que o aluno supere os desafios do dia a dia, baseado na experiência, e o segundo, que Marconi e Lakatos (2003) definem como racional, lógico, confiável e objetivo, pode ser, em determinadas situações, com- provado por meio de experimentos. Será abordado o ensino de Ciências no Brasil, país com pouca tradição científica, no qual o ensino da disciplina tem início tardia- mente. A valorização efetiva ocorreu somente a partir da década de 50 do século passado, com o início do processo de industrialização do país. Diferentes ideologias e correntes influenciam, em determinados momentos, o seu ensino, valorizando o método científico, as aborda- gens construtivistas, as preocupações sociais. A seguir, um enfoque histórico e social, que determina o que a Ciência deverá apreender em suas relações com a tecnologia e com questões sociais e ambientais. O conhecimento científico e o conhecimento cotidiano: uma diferenciação necessária O homem cria intelectualmente representações significativas da sua existência, interpreta o mundo e a si, atribuindo significações aos Conhecimento cotidiano e científico nas Ciências Naturais 2 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 16 diferentes fenômenos, o que se denomina conhecimento. Na lingua- gem acadêmica, recebe a definição de conhecimento de senso comum ou de conhecimento científico. O conhecimento de senso comum surge da necessidade de resolver problemas diários, não é programado ou planejado, mas elaborado e organizado de forma espontânea e intuitiva. Pode-se dizer que é ingê- nuo, funcionando em condições específicas, nas quais as práticas são inspiradas nos indivíduos mais velhos, e resulta em benefício imediato (BIZZO, 2007). Apresenta pouca objetividade, visto que está muito ligado ao afetivo, ao emocional. As interpretações do senso comum são predeterminadas por interesses e crenças. A incapacidade de se submeter à crítica faz com que esse conheci- mento se torne subjetivo e inseguro, palavras com diferentes sentidos, linguagem vaga, geram a impossibilidade de crítica, e, sem crítica, as crenças são aceitas por longos períodos, tendendo a ser dogmáticas, sem limite de validade. Nas palavras de Köche (2000, p. 25), o senso comum “é ametódico, é vivencial, utilitarista, pelo fato dedarem certo, transfor- mam-se em convicções e são passadas de uma geração para outra”. Para exemplificar, é possível citar a questão da mandioca-brava, mencionada no capítulo anterior, da obra de Guimarães Rosa, que mos- tra a necessidade de se aprender Ciência. Supõe-se que muitas pessoas tenham morrido após ingerir a mandioca crua, para, somente depois de algum tempo, descobrirem que, submetendo a mandioca-brava a um processamento, ou melhor, torrando a sua farinha, é possível eliminar a sua toxidade, o que ocorre por meio do calor. Dessa forma, [...] os cientistas puderam comprovar que as mandiocas nativas são plantas rústicas, que não são atacadas por quase nenhuma praga ou inseto, porque estão naturalmente protegidas pela ação de venenos poderosíssimos, do grupo dos cianogênicos. Além disso, os métodos inventados pelos índios para processar a mandioca, como ralá-la, expo-la ao sol e torrá-la, são sufi- cientes para destruir as substâncias venenosas nela presentes (BIZZO, 2007, p. 20). Nardi (2002), assim como Bizzo (2007), sugere substituir a ter- minologia “senso comum” por “conhecimento cotidiano”. Para esses autores, ao se evitar a primeira expressão, procura-se sedimentar a Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 17 concepção de conhecimento que emana de diferentes fontes. O indi- víduo geralmente tem acesso fácil a esse conhecimento e não deixará de tê-lo ao ingressar na escola. Porém, essa instituição de ensino tem o dever e a obrigação constitucional de proporcionar acesso a outras formas de conhecimento, como o científico, cultural e artístico. O conhecimento científico tem origem na necessidade do homem em desvendar o mundo, compreendê-lo, explicá-lo e dominá-lo, enten- der a cadeia de relações, descobrir princípios explicativos e sustentados, que poderão proporcionar a compreensão do tipo de relação que se estabelece entre fatos, coisas e fenômenos (KÖCHE, 1997). Para construir uma resposta para essas questões acerca do conheci- mento científico, Köche (2000) propõe dois ideais: o ideal de raciona- lidade e o de objetividade de mundo. O ideal de racionalidade atinge uma sistematização coerente do conhecimento, presente em todas as leis e teorias. Coerência lógica é um dos mecanismos que fornecem um dos padrões de aceitação ou rejeição de uma teoria pela comunidade científica, sendo conside- rada padrão de verdade sintática, ou seja, isenta de contradição ló- gica e de ambiguidade. O ideal de objetividade, fiel ao mundo real, pretende que as teorias sejam verdadeiras, evidentes e interpessoais. Fundamenta-se em dois fatores: possibilidade de teste e possibilidade de avaliação intersubjetiva. A intersubjetividade cria a possibilidade de a comunidade científica ajuizar consensualmente investigação, resultados e métodos, chegando à verdade pragmática, que ocorre parcialmente, recebendo, também, a definição de “quase verdade” (SANTOS, 2004). O conhecimento científico apresenta uma linguagem específica e de enunciados predeterminados. A significação é definida à luz de teo- rias, com conceitos que possuem um único significado e são, segundo Köche (1997), convencionalmente construídos e aceitos pela comuni- dade científica. Apesar dos testes, o conhecimento científico não pode ter esta- bilidade ou dogmatismo em suas teorias. Ao contrário, é vulnerável a erros, assumindo caráter hipotético, de aceitação provisória, suscetível a reformulação ou substituição. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 18 O conhecimento científico, para ser aceito, deve seguir o método, e, ainda, dentro de uma ideia bastante linear, colocar o fazer científico como fazer separado da vida do homem, como atividade mecânica. De acordo com Köche (1997), método científico significa produzir conhe- cimento científico de maneira crítica. Tal conhecimento consiste na sugestão de hipóteses organizadas e fundamentadas na sua coerência teórica, que corresponde à verdade sintática, e na possibilidade de pas- sarem por um teste de teor empírico, crítico e rigoroso (equivalente à verdade semântica), avaliado pela comunidade científica. Reconhe- cendo a natureza hipotética do conhecimento científico, é necessário submetê-lo constantemente a uma revisão crítica, tanto na consistência lógica como na validade de métodos e técnicas. Para Bachelard (1996), a Ciência deve romper com o conhecimen- to imediato, construindo, por meio de racionalizações, novo conheci- mento. Ela está ligada ao racionalismo, que reconhece uma atividade dialética que impõe uma extensão constante dos métodos. Especificidades do conhecimento cotidiano e científico É importante, também, discutir algumas especificidades do co- nhecimento científico e do conhecimento cotidiano, apresentadas por Bizzo (2007), nos quais o contraste poderá ser percebido em cinco ca- racterísticas principais: contradições, terminologia, independência de contexto, independência conceitual e socialização. O conhecimento científico se relaciona conflituosamente com as contradições. Na existência de diferentes hipóteses, o objetivo é que uma supere as outras. O conhecimento cotidiano, por sua vez, é per- missivo, admite a validade de várias fontes de informação, como a reli- gião, a cultura e, ainda, a Ciência. Com relação à terminologia, os detentores do conhecimento cien- tífico têm orgulho da nomenclatura utilizada, com seus códigos, da maneira diferenciada de compactar informações, para que não se mo- difiquem com o tempo ou sofram influências. O saber cotidiano é mais flexível, admitindo variações regionais, como, por exemplo, o uso das denominações “mandioca”, “macaxeira” e “aipim”, para fazer referência a uma mesma espécie de vegetal. Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 19 Pensando na independência de contexto, o conhecimento coti- diano está fortemente apegado àqueles nos quais é produzido. O cien- tífico, por sua vez, busca afirmações generalizáveis, que possam ser aplicadas em diferentes situações, e tem clara preferência pelo abstrato e pelo simbólico. Tratando da interdependência conceitual, percebe-se no conheci- mento científico uma relação entre as partes, enquanto que no cotidia- no, não se utiliza um saber como base em outro, o que funciona em um contexto pode não ser aplicado em outro. Para Bizzo (2007), outro elemento importante na diferenciação entre o conhecimento cotidiano e o científico, é que o primeiro é so- cializado precocemente na vida de todos, podendo acontecer em mo- mentos de discussão com relação ao uso de roupas quentes e frias, por exemplo. O segundo, por outro lado, é apresentado tardiamente aos jovens, principalmente na vida escolar. Ainda com relação ao exemplo anterior, pode se pensar, neste caso, na diferença entre calor e tempera- tura, como forma de energia e medida da quantidade de calor. Dessa forma, faz-se necessária uma nova prática, que perceba a presença do conhecimento cotidiano como elemento presente na vida do indivíduo, mas que não esqueça a importância do trabalho e apre- sentação do conhecimento científico, como forma de entendimento das diferentes relações que ocorrem na natureza. Para se desenvolver uma prática pedagógica que leve à integração dos conceitos científicos e à valorização do pluralismo metodológico, superando, assim, práticas anteriormente usadas, centradas em um único método e baseadas em práticas de laboratório (KRASILCHIK, 1987), é importante conhecer um pouco da história do ensino de Ciên - cias no Brasil. O ensino de ciências no Brasil A efetiva valorização do ensino de Ciências no Brasil inicia-se nos anos 50 do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, com o desen- volvimento tecnológico e a constituição de uma mentalidade pragmá- tica e tecnológica, inter-relacionada e favorecida pelatese que defendia a importância da formação científica da população. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 20 O lançamento do Sputinik, em 4 de outubro de 1957, pela URSS, modificou profundamente o ensino de Ciências, principalmente no ocidente e especificamente naqueles países com dependência econômi- ca e político-cultural em relação aos Estados Unidos. No Brasil, poucas ações foram percebidas. O ensino de Ciências Naturais no Brasil, principalmente no Ensi- no Fundamental, é recente e foi praticado ao longo das últimas décadas de acordo com diferentes teorias e práticas, baseadas, principalmente, na transmissão de informações, usando como ferramenta principal o livro didático. Até a promulgação da LDB da Educação, de 1961, as ciências na- turais eram ministradas apenas nas duas últimas séries do antigo curso ginasial. Essa Lei estende a obrigatoriedade às demais séries. Porém, apenas a partir de 1971, com a Lei n. 5.692, as Ciências passaram a ter caráter obrigatório nas oito séries do Ensino Fundamental. Nesse período, o cenário es- colar era dominado pelo ensino tradicional, com alguns esforços de renovação e inovação. Essa ten- dência determinava como função do professor a transmissão dos conhecimentos acumulados pela humanidade, possuindo como recurso a aula expositiva, cabendo aos alunos a reprodução das infor- mações. Dessa forma, criou-se um ambiente escolar neutro, no qual a verdade científica era inquestio- nável. A qualidade científica era definida pela quantidade de con- teúdos trabalhados, apresentando como principal recurso de avalia- ção e estudo, o questionário. As propostas para renovação do ensino de Ciências Naturais Leis n. 4.024/61 e n. 5.692/71: breves considerações Lei n. 4.024/61 foi o primeiro documento so- bre diretrizes e bases da educação nacional. O Art. 104 previa o seguinte: será permitida a organização de cursos ou escolas experimentais, com currículos, métodos e períodos escolares próprios, dependendo o seu funcionamento, para fins de validade legal, da autorização do Conselho Estadual de Educação, quando se tratar de cursos primários e médios, e do Conselho Federal de Educação, quando se tratar de cursos superiores ou de estabelecimen- tos de ensino primário e médio sob a jurisdição do governo federal (BRASIL, 1961). Com esta lei, quebrou-se a rígida organização do ensino secundário brasileiro, permitin- do novas experiências. As classes ou escolas experimentais perdem o caráter radical que tiveram em seu início. Foi alterado, também, o quadro geral da educação, gerando flexi- bilidade curricular e liberdade de métodos e procedimentos de avaliação. Saiba mais Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 21 orientavam-se, então, pe la neces- sidade do currículo de respon- der ao avanço do conhecimento científico e pelas influências de diferentes demandas pedagógicas. O eixo da questão pedagógica deslocou-se dos aspectos perma- nentemente lógicos para aspec- tos psicológicos, valorizando-se a participação ativa dos estudantes. As atividades práticas passa- ram a representar importantes ele- mentos de compreensão ativa dos conceitos, mesmo que com muita dificuldade de implementação, na difícil realidade das escolas, nas quais laboratórios de Ciências são raramente encontrados. A necessidade e a preocupação em desenvolver atividades prá- ticas começaram a ter presença marcante nos projetos de ensino e nos cursos de formação de professores. Diferentes materiais didáticos foram produzidos dentro dessa tendência, que extrapolava a sala de aula e tinha como um de seus objetivos levar a Ciência à população, por meio da produção de kits de laboratório, que eram vendidos em livrarias e papelarias. O objetivo fundamental do ensino de Ciências Naturais passou a ser o fornecimento de condições para o aluno vivenciar o que se de- nominava método científico, ou seja, a partir dessas observações eram levantadas hipóteses, testadas, refutadas e abandonadas, quando fosse o caso, para se trabalhar de forma a redescobrir os conhecimentos. O método da redescoberta, com sua ênfase no método cien- tífico, acompanhou durante muito tempo os objetivos do en- sino de Ciências Naturais, levando alguns professores a, inad- vertidamente, identificarem a metodologia científica como metodologia do ensino de Ciências Naturais, perdendo-se a oportunidade de trabalhar com os estudantes, com maior am- plitude e variedade (BRASIL, 1998, p. 20). Com o golpe militar de 1964, a LDB precisou ser refeita, o que ocorreu por meio da Lei n. 5.540/68. É possível afirmar que a Lei n. 5.692/71 foi o documento que reconheceu a integração completa do ensino profissionalizante ao siste- ma regular de ensino, estabelecendo a plena equivalência entre os cursos profissionalizantes e o propedêutico, para fins de prosseguimento nos estudos. Entre as mudanças mais marcantes, estão o rompimento com a tradição de não vincular o Ensino Médio ao mundo do trabalho, tornan- do obrigatória a aquisição de uma profissão pelo estudante, e a ampliação da obrigato- riedade do ensino de quatro para oito anos, o que originou o Ensino Fundamental, ainda restrito a alunos entre 7 e 14 anos de idade. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 22 Essa proposta não atingiu a maioria das escolas e foi apontada, por muitos, como responsável pela disseminação da ideia de que somen- te com laboratórios seria possível alguma modificação no ensino de Ciências Naturais. A proposta colocou muitos materiais, considerados avançados, à disposição dos professores. Novos métodos foram intro- duzidos, e a escola foi organizada de acordo com faixas etárias. Nos anos 80 do século passado, discussões acerca das relações entre educação e sociedade uniram-se às tendências progressistas, as quais, no Brasil, resultaram em correntes importantes, influenciando o ensino de Ciências Naturais. Surgiu, nesse momento, a tendência chamada Ciência, Tecnologia e Sociedade, na qual foram ressaltados conteúdos socialmente relevantes, por meio da discussão coletiva de temas signi- ficativamente importantes. Ainda nessa década, o ensino de Ciências Naturais aproximou-se das ciências sociais, reforçando a concepção da Ciência como construção humana. O processo de construção do conhecimento científico pelo estu- dante passa a ser tema de discussão, comprovando que os estudantes possuem ideias muitas vezes elaboradas sobre diferentes fenômenos na- turais, científicos e tecnológicos. Atualmente, diversas propostas afirmam que os valores humanos não são indiferentes ao aprendizado científico, e a Ciência deve ser as- similada nas suas relações com a tecnologia e, ainda, com as questões sociais e ambientais. Muitas propostas têm sido inovadoras com relação aos conteúdos e métodos. No entanto, é preciso reconhecer que poucas alcançam a grande parte das salas de aula, ainda submetidas às velhas práticas. O papel fundamental do ensino de Ciências, na atualidade, é con- tribuir sensivelmente para a aproximação do aluno com a natureza e com as questões do cotidiano. Como prática fundamental para a apren- dizagem da disciplina, é necessário associar seus conteúdos com ques- tões referentes ao modo de vida atual, para que o aluno, hoje e também futuramente, possa exercer sua cidadania na plenitude, sendo capaz de decidir os rumos da sociedade com autonomia e responsabilidade. O trabalho com Ciências deve dar ao aluno a possibilidade de ex- perimentar, ver, tocar, cheirar e provar. Para tanto, faz-se necessária a Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 23 criação de outros espaços de aprendizagem, nos quais ele terá a oportu- nidade de aperfeiçoar oaprendizado da sala de aula, compreendendo as inter-relações entre as diferentes áreas do conhecimento científico. Síntese Neste capítulo foram abordadas as especificidades que diferenciam o conhecimento científico do conhecimento cotidiano. É possível afir- mar que o conhecimento cotidiano não é planejado, surge da necessi- dade de resolver problemas diários. Ele é ingênuo e possui incapacidade de se submeter à crítica. O conhecimento científico, por sua vez, se origina da necessidade do homem em desvelar o mundo, compreendendo os diferentes fe- nômenos que o cercam. Tal conhecimento possui uma terminologia específica, com interdependência conceitual, sendo socializado após o ingresso no ambiente escolar. Na busca pelo desenvolvimento de uma prática pedagógica que leve à integração dos conceitos científicos e à valorização do pluralismo metodológico, recordou-se a história do ensino de Ciências no Bra- sil, cujo desenvolvimento ocorre de forma significativa após a segunda Grande Guerra, com a tese que defendia a importância da formação científica da população. Viu-se, também, que, nas últimas décadas, a prática da disciplina esteve fundamentada na transmissão de informa- ções, utilizando como ferramenta principal o livro didático. Observou-se, ainda, que, nos anos 80 do século passado, o estudo de Ciências Naturais aproximou-se das Ciências Sociais, por meio de tendências progressistas, enfatizando conteúdos socialmente relevantes. Atualmente, deve aproximar o aluno da realidade, contribuindo para a compreensão das inter-relações entre as diversas áreas do conhecimento e valorizando o conhecimento científico como construção humana. 25 Os Parâmetros Curriculares Nacionais se constituem em um documento de apoio às discussões na escola, para reflexão da práti- ca educativa. Pode-se dizer que é um referencial para o trabalho na escola, que procurou respeitar as diversidades e pluralidades culturais do Brasil. Os Parâmetros determinam como sendo papel das Ciências Naturais: “colaborar na compreensão do mundo e suas transformações, situando o homem como indivíduo participativo e parte integrante do Universo” (BRASIL, 1997, p. 15). Os conteúdos são apresentados em blocos temáticos. Para o Ensi- no Fundamental, são quatro os blocos propostos: ambiente, ser huma- no e saúde, recursos tecnológicos e Terra e Universo, além dos temas transversais, propostos para todas as áreas de conhecimento. O documento relata que em uma “sociedade em que se convive com a supervalorização do conhecimento científico e com a crescente inter- venção da tecnologia no dia a dia, não é possível pensar na formação de um cidadão à margem do saber científico” (BRASIL, 1997, p. 21). Neste capítulo, a Ciência será abordada como elemento funda- mental para compreensão do mundo e de suas transformações, justi- ficando que seu trabalho deverá ter início nos anos iniciais do Ensino Fundamental, aproveitando a curiosidade natural das crianças com fai- xa etária correspondente a esse período escolar. Ciências Naturais nos PCN: algumas considerações Pode-se afirmar que o processo de aprendizagem das crianças, cur- sando ou não a Educação Infantil, tem início muito antes da escolaridade Parâmetros Curriculares, Educação Infantil e as Ciências Naturais 3 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 26 obrigatória. Elas são curiosas, perguntam, querem explicações acerca o que veem e ouvem, sobre o funcionamento de equipamentos, de como se faz, de como funciona um determinado aparelho. São os famosos “porquês”. As respostas a essas diferentes perguntas podem ser encontradas na mídia, na internet, no ambiente doméstico, com a ajuda dos pais, determinando um repertório bastante diversificado de representações e explicações acerca da realidade. A sala de aula, por sua vez, deverá ser lugar para manifestação de tais representações, pois, “além de se consti- tuírem em importante fator no processo de aprendizagem, poderão ser ampliadas, transformadas e sistematizadas com a mediação do profes- sor” (BRASIL, 1997, p. 45). No primeiro e segundo ciclos são inúmeras as possi- bilidades de trabalho com os conteúdos de Ciên cias Natu- rais. Essa é a fase marcada pelo desenvolvimento da linguagem oral, descritiva e narrativa, podendo ser trabalhada a no- meação dos seres vivos, suas partes, a primeira aproximação da noção de ambiente, como resultado das interações entre seus componentes – seres vi- vos, solo, ar, água, luz e calor, o corpo humano, suas transfor- mações durante o crescimento e desenvolvimento, a Terra e o Universo, os recursos tec- nológicos, a transformação da natureza para a utilização dos recursos naturais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) apresentam os conteúdos de Ciências Naturais em blocos temáticos, organizados de forma a não serem tratados como A proposta de se trabalhar questões de rele- vância social na perspectiva transversal aponta para o compromisso desse tema compartilhado por professores de todas as áreas, uma vez que se faz necessário o enfrentamento dos desafios da sociedade, que se transforma de maneira muito rápida. Critérios adotados para eleição dos temas transversais: • urgência social; • abrangência nacional; • possibilidade de aprendizagem no Ensino Fundamental; • favorecimento da compreensão da realida- de e participação social. Temas transversais: • ética; • pluralidade cultural; • meio ambiente; • saúde; • orientação sexual; • trabalho e consumo. Saiba mais Capítulo 3 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 27 assuntos isolados, mas, sim, em uma perspectiva que possibilite o estabelecimento de relações entre tais conteúdos e diferentes sequências nos ciclos, valorizan- do aqueles que a comunidade, na qual se encontra a escola, jul- gue importante. São quatro os eixos temá- ticos propostos para o Ensino Fundamental: ambiente; ser hu- mano e saúde; recursos tecnológicos e Terra e Universo. Os três primeiros se desenvolvem ao longo de todo o Ensino Fundamental, enquanto que o eixo Terra e Universo é abordado apenas no terceiro ciclo (a partir da 5ª série, hoje 6º ano de acordo com o Ensino Fundamental de nove anos). O documento apresenta, em cada bloco, conceitos, procedimentos e atitudes centrais para compreensão do tema a ser trabalhado. Sugere conteúdos, indicando a possibilidade de articulá-los com os de diferen- tes blocos. No volume referente às Ciências, os PCN (1997, p. 27) fazem a seguinte consideração: para o ensino de Ciências Naturais é necessária a constru- ção de uma estrutura geral da área que favoreça a aprendi- zagem significativa do conhecimento historicamente acu- mulado e a formação de uma concepção de Ciência, suas relações com a Tecnologia e com a Sociedade. Portanto, é necessário considerar estruturas de conhecimento envolvi- das no processo de ensino e aprendizagem – do aluno, do professor, da Ciência. Quanto às estruturas de conhecimento envolvidas, o documento, no capítulo “Aprender e ensinar Ciências Naturais no Ensino Funda- mental”, apresenta alguns elementos que fundamentam a discussão em relação ao papel do professor e do aluno, como se pode perceber: Dizer que o aluno é o sujeito de sua aprendizagem significa afir- mar que é dele o movimento de ressignificar o mundo, isto é, de construir explicações norteadas pelo conhecimento científico. [...] Em Ciências Naturais, os temas transversais não devem ser abordados apenas em situações extraordinárias, para que tenham significado dentro do processo educacional devem ser tra- balhados em diferentes contextos, procurando aumentar a sua complexidade e articulação com os conteúdos, destacando a necessidade de dar sentido próprio aos conceitos científicostrabalhados nas escolas como forma de favo- recer a reflexão acerca de problemas presentes no dia a dia do educando. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 28 Ao professor cabe selecionar, organizar, problematizar con- teúdos de modo a promover um avanço no desenvolvimen- to intelectual do aluno, na sua construção como ser social (BRASIL, 1997, p. 27-28). Percebe-se uma orientação para trabalhar o conhecimento cien- tífico como uma apropriação, buscando ressignificar o mundo, isto é, construir explicações norteadas pela Ciência, desenvolvendo, assim, uma autonomia no pensar e agir, valorizando a formação de atitudes e valores humanos. É ressaltado, ainda, que a intervenção do professor se dará pela apresentação de ideias gerais, pelas quais o processo de investigação do objeto possa se estabelecer (BRASIL, 1997, p. 28). Um assunto novo para o aluno, por exemplo, deverá ser instigante, despertando, durante o processo de investigação de estudo, dúvidas, questiona- mentos, que determinem um confronto de ideias, gerando uma busca de novas informações. “[...] o ensino de Ciências não se resume à apresentação de defini- ções científicas, em geral, fora do alcance e compreensão dos alunos.” (BRASIL, 1997, p. 28). As definições são apenas o ponto de chegada dos alunos, no ensino de Ciências são importantes os procedimentos de investigação, a comunicação, o debate de fatos e ideias, comple- mentando com a busca do estabelecimento de relações entre fatos, fenômenos e ideias. Os conteúdos trabalhados nesta disciplina favorecem o desenvol- vimento de posturas e valores pertinentes às relações entre os seres hu- manos, o conhecimento e o ambiente, envolvendo aspectos da vida cultural, social e do sistema produtivo. Percebe-se no texto dos PCN que houve uma descaracterização da disciplina, na qual o quadro conceitual de referência e a questão histó- rica como campo de conhecimento ficaram em segundo plano. O ensino dos conteúdos sofreu interferência de projetos curriculares e extracurriculares, propostos por instituições, fundações, organizações não governamentais (ONGs) e em- presas que passaram a intervir na escola pública nesse perío - do histórico de orientação política neoliberal (PARANÁ, 2008, p. 56). Capítulo 3 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 29 Dessa forma, ocorreu uma supervalorização de temas deno- minados transversais, como meio ambiente, saúde, ética, relevando a um segundo plano os conheci- mentos científicos fundamentais. Analisando a prática avalia- tiva, os PCN apresentam uma concepção que busca considerar o desenvolvimento das capaci- dades dos alunos com relação à aprendizagem de conceitos, pro- cedimentos e atitudes, procuran- do detectar se eles já elaboraram conceitos e procedimentos, se es- tão em processo de aquisição, ou se continuam expressando apenas os conhecimentos prévios. No entanto, seria de funda- mental importância para prática avaliativa no ensino de Ciências, uma valorização dos “conheci- mentos alternativos do estudante, construídos no cotidiano, nas ati- vidades experimentais, ou a par- tir de diferentes estratégias que envolvem recursos pedagógicos e instrucionais diversos” (PARANÁ, 2008, p. 77). Isso determina a neces- sidade de uma reflexão e um novo planejamento das ações avaliativas, na busca de superar as velhas práticas excludentes e classificatórias. Ciências na Educação Infantil Não ensinar Ciências nas primeiras idades invocando uma suposta incapacidade intelectual das crianças é uma forma de discriminá-las como sujeitos sociais (FUMAGALI, apud WEISSMANN, 1998, p. 15). Conteúdos nos Parâmetros Curriculares Nacionais Os parâmetros curriculares nacionais classifi- cam os conteúdos em: conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. São várias as afir- mações dos documentos sobre os conteúdos: São procedimentos os modos de indagar, se- lecionar e elaborar o conhecimento. Implicam observar, comparar, registrar, analisar, sinteti- zar, interpretar e comunicar conhecimento. As atitudes em Ciências Naturais relacionam-se ao desenvolvimento de posturas e valores humanos, na relação entre o homem, o conhecimento e o meio ambiente (BRASIL, 2000b, p. 42). Quanto aos conteúdos procedimentais, os PCN, levantam um ponto importante: É preciso analisar os conteúdos referentes a pro- cedimentos não do ponto de vista de uma apren- dizagem mecânica, mas a partir do propósito fundamental da educação, que é fazer com que os alunos construam instrumentos para analisar, por si mesmos, os resultados que obtêm e os pro- cessos que colocam em ação para atingir as metas a que se propõem. [...] Ao ensinar procedimentos também se ensina um certo modo de pensar e produzir conhecimento (BRASIL, 2000b, p. 75). Para obter mais informações sobre os conteú- dos nos PCN, é possível consultar o documento no site do MEC: <http://portal.mec.gov.br/>. Saiba mais Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 30 Pode-se afirmar que esse é um argumento muito forte para justi- ficar a presença das ciências no Ensino Fundamental, com a função de transmitir conhecimento científico. A necessidade de aprender os con- ceitos científicos na infância é consenso entre muitos educadores. Para Harlen (1998, p. 188), as ideias infantis e as formas de pensamento a respeito do mundo se modificam e se transformam em função da quali- dade das experiências e problemas em que se vê envolvido o aluno e da possibilidade de uma reflexão crítica adequada. A criança “aprende” nos anos iniciais, refazendo, reconstruindo o conhecimento em um processo ativo, aprende brincando, motivada pela alegria e curiosidade em descobrir os segredos da vida, em uma procura constante de ampliação de seus conhecimentos sobre os fenô- menos que estão à sua volta. Encontra-se em uma faixa etária em que a curiosidade pode ser considerada como uma de suas principais características. Curio- sidade que, muitas vezes, é aba- fada na escola com atividades mecânicas e descontextualizadas, pela utilização de textos didáti- cos confusos, valorizando ex- tensas classificações e definições conceituais, tornando-se cansati- vos e nada prazerosos. Para a criança o mundo é dinâmico e vivo, “[...] cada vez que ensinamos, prematuramen- te, a uma criança, alguma coisa que poderia ter descoberto por si mesma, esta criança foi impedida de inventar e consequentemente de entender completamente” (PIAGET, 1975, p. 89). A criança precisa aprender experenciando a vida. É essa vivência que permite o conheci- mento e o domínio das relações que norteiam a vida científica. Na prática, sabe-se que constantemente é estabelecido um con- flito no ensino de Ciências. De um lado, a criança com um enorme Vázquez (apud FUMAGALLI, 1998, p. 16-17) afirma: As crianças exigem o conhecimento das Ciências Naturais porque vivem num mundo no qual ocorre uma enorme quantidade de fenômenos naturais para os quais a própria criança deseja encontrar uma explicação; um meio, no qual todos estamos cercados de uma infinidade de produtos da Ciência e da tecnologia que a própria criança usa diariamente e sobre os quais se faz inúmeras perguntas; um mundo no qual os meios de informação social a bombardeiam com notícias e conhecimentos, alguns dos quais não são realmente científicos, mas de qualquer forma contendo dados e problemas que amiúde a preocupam e angustiam. Saiba mais Capítulo 3 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 31 interesse em descobrir o mundo, os fenômenos físicos, os seres vivos e a si própria, de outro, em determinadas situações, um professor com dificuldades para encontrar uma metodologia adequada, que possibili- te a investigação. É de fundamental importânciapara a criança que o ensino de Ciências tenha como foco a sua participação no processo de aquisição do conhecimento, a partir de atividades desafiadoras. Os anos iniciais são essenciais para a preparação da criança para a vida em sociedade. É neste período evolutivo que ela constrói conceitos e aprende, de modo significativo, sobre o ambiente que a rodeia. Pode-se afirmar que é necessária uma metodologia de trabalho que não tenha como preocupação apenas a transmissão de informações, mas também a promoção de atividades que desenvolvam habilidades e com- petências, as quais possibilitem a observação e a comparação como um todo, de forma reveladora, em relação ao conhecimento vivenciado. Entre os argumentos apresentados por Bizzo (2007) para justifi- car o ensino de Ciências na Educação Infantil, ressalta-se que a dis- ciplina pode auxiliar as crianças na construção do pensamento lógico acerca dos fatos do dia a dia, e na resolução de problemas práticos, tais habilidades intelectuais possuirão grande valor no desenvolvi- mento de qualquer tipo de atividade, seja qual for o lugar onde essas crianças vivam. Outro elemento ressaltado pelo autor, diz respeito ao desenvolvi- mento dos conceitos, que dependente do desenvolvimento das habili- dades intelectuais, o “enfoque científico” será atingido quando à criança forem dadas melhores oportunidades de obter e processar informações. Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental Ensinar Ciências para crianças do Ensino Fundamental é um meio de fazê-las compreender o mundo. A disciplina as leva a pensar de ma- neira lógica e sistemática acerca dos acontecimentos do dia a dia e a so- lucionar problemas práticos, adaptando-se às mudanças de um mundo em constante processo de evolução científica e tecnológica. Referendando esta posição, é importante aproveitar o interesse do aluno e levar para a sala de aula a ideia de que ele faz ciência, ou seja, indaga, sem ter todas as respostas prontas, mostrando estar Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 32 intelectualmente disposto a procurar as respostas possíveis, não ne- cessariamente encontrando a solução para todos os problemas que o ensino de Ciências acarreta, mas tornando-se capaz de agir na busca de soluções que envolvam outros meios e indivíduos, e não somente a sala de aula e o professor (PETEROSSI, 2003). O ensino de Ciências pro- porciona à criança o desenvol- vimento da linguagem verbal, visto que ela se vê envolvida em discussões nas quais deverá argumentar e levantar hipóte- ses para chegar a determinadas conclusões (NASCIMENTO; BARBOSA-LIMA, 2006). Entende-se que o ensino de Ciências deve partir da observação dos fenômenos, desencadeando na criança motivação e interesse, para que ela possa descobrir e entender esse processo, cujo objetivo é o aprofun- damento científico. Para tanto, é importante que os conteúdos a serem desenvolvidos nas ciências, como nas demais áreas do conhecimento, sejam operacio- nalizados de forma inter-relacionada. Dessa forma, o interesse do edu- cando aumenta, levando-o à realização de experiências e investigações dos diferentes fenômenos. A metodologia aplicada deve levar a criança a pensar, a organizar e estruturar seu pensamento lógico, analisando o ambiente que a rodeia, de forma crítica e dinâmica. “Sem dúvida, uma manifestação espontânea da criança vale mais que todos os interrogató- rios” (PIAGET apud BECKER, 2003, p. 56). Bizzo (2009) cita uma reunião da Unesco, na qual especialistas de diferentes países discutiram a respeito da importância da inclusão de Ciência e Tecnologia no currículo da escola fundamental devido a vários motivos diferentes: as Ciências podem ajudar as crianças a pensar de maneira lógica sobre os fatos do cotidiano e a resolver problemas práticos; tais habilidades intelectuais serão valiosas para qualquer tipo de ativi- dade que venham a desenvolver em qualquer lugar que vivam; a Ciência e a Tecnologia podem ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas, uma vez que são atividades socialmente Uma das alternativas de trabalho com as Ciên- cias Naturais é a pesquisa acerca da aprendiza- gem significativa. Sugere-se a leitura da obra Aprendizagem significativa – a teoria de David Ausubel (2006), de Marco Antonio Moreira e Elcie F. Salzano Masini. Saiba mais Capítulo 3 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 33 úteis; dado que o mundo caminha cada vez mais num sentido científico e tecnológico, é importante que os futuros cidadãos preparem-se para viver nele; as Ciências, como construção mental, podem promover o de- senvolvimento intelectual das crianças; as Ciências contribuem positivamente para o desenvolvimen- to de outras áreas, principalmente a língua e a matemática; para muitas crianças de muitos países, o ensino elementar é a única oportunidade real de escolaridade, sendo, portanto, a única forma de travar contato sistematizado com a Ciência; o ensino de Ciências na escola primária pode realmente ad- quirir um aspecto lúdico, envolvendo as crianças no estudo de problemas interessantes, de fenômenos que as rodeiam em seu cotidiano (UNESCO, 1983). A partir desses fortes argumentos, pode-se dizer que a Ciência, junto com novos elementos da tecnologia, deve estar presente no En- sino Fundamental. Dessa forma, o ensino de Ciências deixa de ser encarado como mera transmissão de conceitos científicos, para ser compreendido como processo de formação de conceitos cien- tíficos, possibilitando a superação das concepções alternativas dos estudantes e o enriquecimento de sua cultura científica (LOPES apud PARANÁ, 2008). Espera-se, assim, uma superação do que o estudante já possui de conhecimentos alternativos, rompendo com obstáculos conceituais e adqui- rindo maiores condições de estabelecer relações conceituais, interdisciplinares e contextuais, de saber utilizar uma lingua- gem que permita comunicar-se com o outro e que possa fazer da aprendizagem dos conceitos científicos algo significativo no seu cotidiano (PARANÁ, 2008, p. 61). Síntese Neste capítulo, foi possível relembrar os Parâmetros Curriculares Nacionais, documento elaborado em 1997 com o objetivo de formar um cidadão crítico, cuja inserção na sociedade exige um conhecimento científico e tecnológico que é cada vez mais valorizado. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 34 O documento apresenta os conteúdos de Ciências Naturais em blocos temáticos, organizados de forma a não serem tratados isolada- mente, e, sim, em uma perspectiva que permita o estabelecimento de relações entre os conteúdos e suas sequências nos ciclos. Os eixos te- máticos propostos são quatro: ambiente, ser humano e saúde, recursos tecnológicos e Terra e Universo (abordado apenas a partir do 3º ciclo). Apresenta os conteúdos desses eixos, dividos em conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Percebe-se a orientação para trabalhar o conhecimento científico como uma apropriação, buscando ressignificar o mundo, ou seja, construir explicações norteadas pela Ciência. Foi possível, ainda, conhecer um pouco mais sobre a importância do ensino de Ciências na Educação Infantil e nas séries iniciais do En- sino Fundamental, oportunizando ao aluno, condições de organizar e estruturar seu pensamento de forma a compreender os diferentes fenô- menos da natureza. 35 A discussão em torno de uma metodologia diferenciada tor- na-se imprescindível para a busca de uma melhoria no trabalho com Ciências Naturais. Autores como Demétrio Delizoicov, José A. P. Angotti e Maria M. Pernambuco, sugerem uma nova abordagem para os conteúdos da disciplina, visando a superar as concepções tradicio- nais, muito presentes nas salas de aula. Para que as aulas de Ciências não se resumam a elaborar cartazese colocá-los na parede, os autores citados sugerem uma abordagem que tem início com a problematização inicial, na qual se faz a introdução do conteúdo, valorizando a participação dos alunos, que relatam seu conhe- cimento e experiências em relação ao tema. Na sequência, o momento da organização do conhecimento, sistematizando e estudando o tema, vi- sando à sua compreensão, com a orientação dos professores. A etapa final diz respeito à aplicação do conhecimento, na qual o aluno deverá articu- lar o conhecimento científico com situações cotidianas e significativas. As brincadeiras, o lúdico, são importantes elementos no desen- volvimento da criança, a ludopedagogia, prática que leva a brincadeira para a sala de aula, contribui para a produção de uma sensação de pra- zer, facilitando o aprendizado. Essas brincadeiras, muitas vezes, podem ser realizadas na tela do computador, por meio de sites que possibilitam a realização de pequenas experiências e simulações. Abordagem temática A necessidade de uma nova abordagem e um encaminhamento di- ferenciado ao ensino de Ciências é fator de consenso entre educadores e pesquisadores preocupados com a disciplina. Abordagem temática no ensino de Ciências Naturais 4 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 36 Neste capítulo, antes de su- gerir como uma das alternativas para o trabalho com a disciplina uma abordagem metodológica que contempla três momentos – pro- blematização inicial, organização do conhecimento e aplicação do conhecimento –, é pertinente e produtivo recordar o texto “Aula de Ciências”, presente no livro O Ensi- no de Ciências no Primeiro Grau (FRACALANZA et al., 1987). Finaliza-se com a aplicação do conhecimento, visando ao desenvolvimento dos concei- tos científicos, fundamentais para a compreensão dos problemas levantados. Fracalanza (1987, p. 11) relata a chegada das crianças do recreio, suadas, muito agitadas, o que é comum acontecer após o intervalo nas escolas. Em meio a esse tumulto a professora pergunta: “quem trouxe o cartaz sobre os peixes?”; a sala, em coro de vozes, responde: “eu! eu! eu!”. Neste momento, a professora determina que alguns alunos mos- trem os cartazes e na sequência os coloquem na parede. As crianças, por sua vez, olham os cartazes, algumas querendo sa- ber de onde foram recortadas as figuras. A professora pede novamente cartazes sobre outros bichos (cobras, aves, etc.). Esses elementos, citados por Francalanza (1987), como o cartaz, parede, aluno, Ciências, animais, cola, papel, realmente contemplam diferentes encaminhamentos e abordagens que levam os alunos a de- senvolver uma maior compreensão em relação aos animais e suas dife- rentes relações no meio ambiente? São práticas que se acredita não encontrar mais nas escolas, porém é comum ouvir relatos de alunos e professores acerca de práticas pedagógi- cas, cuja abordagem distancia-se do que é significativo para o aluno. Buscando superar essa postura tradicional, que apresenta a Ciência como algo inerte, sem movimento, desvinculada do cotidiano dos alu- nos, as obras Metodologia do ensino de Ciências, de Demétrio Delizoicov e José A.P. Angotti (1992), e Ensino de Ciências: fundamentos e métodos, de Delizoicov, José A. P. Angotti e Maria M. Pernambuco (2002), apre- sentam uma nova abordagem para o ensino de Ciências, dividida em três momentos, que serão descritos a seguir. O texto “Aula de Ciências” está disponível no site <http://www.fae.unicamp.br/formar/producao/ pdf/EnsinoCiencias1oGrau.pdf>. É possível con- sultar, além do texto citado, todo o conteúdo do livro, que aborda diferentes problemas enfren- tados pelos professores de Ciências na década de 80 do século XX, muitos dos quais continuam gerando inquietações neste início de século. Saiba mais Capítulo 4 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 37 Problematização inicial No primeiro momento são apresentadas questões, situações para discussão com os alunos. Além da motivação para introdução do con- teúdo, sua função é fazer a ligação do conteúdo selecionado com situa- ções reais que os alunos conhecem e presenciam. Organiza-se a turma de forma que os alunos exponham o que pen- sam, estimulando-os a se manifestarem sobre o assunto. O professor vai conhecendo o que eles pensam sobre o tema selecionado. Evidencia-se a apreensão e compreensão das questões levantadas, prevalecendo, ini- cialmente, a opinião dos alunos. A função do professor nessa dinâmica é de coordenar as discussões, fomentando, questionando, levantando dúvidas, buscando, assim, levan- tar as contradições nas explicações, limitações e lacunas de conhecimento. O ponto culminante dessa problematização é fazer com que o aluno sinta a necessidade de aquisição de outros conheci- mentos que ainda não detém, ou seja, procura-se configurar a situação em discussão como um problema que precisa ser enfrentado (DELIZOICOV et al., 2002, p. 134). Além das questões sugeridas no início da atividade, o professor e os alunos poderão formular outras de interesse maior para o local onde vivem. Com o levantamento de conhecimentos dos alunos concluído, adentra-se ao segundo momento. Organização do conhecimento Este é um momento em que o conhecimento de Ciências Na- turais, necessário para a compreensão do tema e da problematização inicial, será sistematizado e estudado pelos alunos sob a orientação do professor. Novas fontes de informações devem ser consultadas: o auxílio de livros, vídeos, textos da internet, entre outros materiais disponíveis ao aluno, como o seu livro didático. A utilização de recursos diversificados, além de atrair o interesse das crianças, desperta nelas a curiosidade sobre como a ciência pode ser vista nas ações do dia a dia. Quanto mais situações práticas forem estimuladas, maior será a qualidade do ensino científico. Diferentes atividades serão empregadas com a função de auxiliar no desenvolvimento dos conceitos científicos identificados como fundamentais Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 38 na compreensão dos problemas levantados. Trabalha-se com a resolução dos problemas tendo também como objetivo responder às questões levantadas. Aplicação do conhecimento Apresenta-se como a abordagem sistemática do conhecimento que vem sendo incorporado pelo aluno, que irá auxiliar, tanto na análise e interpretação das situações que determinam seu estudo quanto em outras situações que não estejam diretamente ligadas aos problemas ini- cialmente propostos, mas que contribuem na sua compreensão (DELI- ZOICOV; ANGOTTI, 1992). Pode-se dizer, literalmente, que é a aplicação do conhecimento adqui- rido em outras situações-problema enfrentadas pelo aluno. Com isso, evita- se a dicotomização entre Ciência de “quadro-negro” e Ciência para a vida. A meta pretendida com este momento é muito mais a de ca- pacitar os alunos ao emprego do conhecimento, no intuito de formá-los para que articulem, constante e rotineiramente, a conceituação científica com situações reais, que de simplesmen- te encontrar a solução (DELIZOICOV et al., 2002, p. 203). O objetivo é que, dinâmica e evolutivamente, o aluno perceba que o conhecimento, além de ser uma construção historicamente definida, está disponível para o uso de qualquer indivíduo e, para que isso ocorra, deve ser apreendido. A aplicação do conhecimento é o momento que visa a articular o conhecimento científico com situações cotidianas e significativas para o aluno, com uma proposta de melhor entendimento, alcançando, assim, o potencial explicativo e exploratório das diferentes teorias. Atividades lúdicas e jogos: uma alternativa para o ensino de Ciências Naturais O ato de brincar apresenta-se como elemento de grande importân- cia para o desenvolvimento da criança, pois, por meio dasbrincadeiras, ela pode experimentar diferentes sensações, participando, de forma ativa e prazerosa, de novas descobertas, criando, também, fatos que, inseridos no seu cotidiano, darão condições para que busque soluções para os diferentes problemas. Capítulo 4 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 39 A participação em uma brincadeira, por mais simples e sem in- tencionalidade que se apresente, constitui-se como um elemento de grande relevância para o desenvolvimento infantil, pois proporcionará à mente da criança condições para desenvolver conexões. Brincar é um direito básico para a formação saudável de qualquer cidadão, reconhe- cido pela Organização das Nações Unidas. A construção dos brinquedos – objetos para as brincadeiras – cons- titui-se em uma eficiente alternativa para a integração dos conceitos. Percepções acerca do meio ambiente, por exemplo, possibilidades de preservação, entre outros assuntos das ciências, podem ser exploradas dentro da ação educativa fundamentada nesta prática. Para Rego (1995), utilizando as palavras de Vygotsky, a criança brinca pela necessidade de agir em relação ao mundo mais amplo dos adultos e não apenas no universo de objetos que tem acesso, criando, assim, uma situação ilusória e imaginária como forma de satisfazer seus desejos não realizáveis. Essa é uma característica que define o brinquedo de um modo geral. Por meio das brincadeiras, que são um ato natural para as crianças, elas manifestam suas representações referentes ao mundo. Dessa forma, as instituições que trabalham com crianças devem oferecer espaços para que as brincadeiras sejam desenvolvidas, contemplando aspectos físi- cos, sociais, afetivos e cognitivos, os quais devem ser enriquecidos com diferentes oportunidades de aprendizagem. Além das brincadeiras, os jogos também se apresentam como uma nova alternativa para o desenvolvimento de metodologias diferenciadas no ensino de Ciências Naturais. Os jogos não devem exercitar apenas os músculos, mas principalmente a inteligência, criando condições para que a criança compreenda os diferentes fenômenos e ações que a cercam. Dewey, Piaget e Vygotsky, entre outros, escreveram muito sobre o poder do jogo. No jogo as crianças exercitam a imaginação e também exploram papéis de adultos nas experiências comuns do dia a dia, parti- cipando, assim, de diferentes descobertas, de forma ativa e prazerosa. Deve-se tomar cuidado para que o jogo não perca o seu direciona- mento no trabalho escolar, não se pode correr o risco de reduzi-lo a um simples divertimento. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 40 Na era da informática, outra questão a ser abordada diz respei- to a jogos e atividades realizadas no computador, ferramenta que a cada dia tem seu acesso disponibi- lizado a mais pessoas. Na tela do computador a crian- ça pode fazer simulações, desenvolver o seu raciocínio lógico, sua coorde- nação motora, além de compreen- der reais situações da vida cotidiana. Da teoria para a prática Essa proposta de atividade foi estruturada sobre os três momentos pedagógicos da abordagem temática, expostas no início deste capítulo. O exemplo a seguir pode contribuir para uma melhor compreensão da proposta. A atividade terá como tema a gripe suína ou gripe A (H1N1). O tema é atual, gera dúvidas e inquietações entre alunos e comunidade. A Atividade proposta para o 4º e 5º anos do Ensino Fundamental. 1º Momento: problematização inicial Apresentação do texto que levanta dados sobre a doença no Brasil. O professor relaciona os pontos para discussão: 1. O que é gripe suína? 2. Por que recebeu essa denominação? 3. Como é transmitida? 4. O que causa a doença? O professor organiza a turma de forma que os alunos exponham o que sabem sobre o assunto, fomentando a discussão. “[...] O ponto culminante é fazer com que o aluno sinta necessidade de aquisição de outros conhecimentos [...]” (DELIZOICOV et al., 2002, p. 134). Texto que apresenta os dados sobre a gripe H1N1 no Brasil: Alguns sites podem ser consultados para se ter ideias sobre diferentes atividades e jogos para o trabalho de Ciências Naturais com as crianças: <http://www.feiradeciencias.com.br> <http://www.eciencia.usp.br> <http://www.projetopresente.com.br> <http://www.abcmc.org.br> <http://www.cienciaemshow.com.br> Saiba mais Capítulo 4 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 41 Governo confirma 657 mortes por gripe suína e aponta recuo da do- ença no país Balanço divulgado nesta quarta-feira pelo Ministério da Saúde contabilizava 657 mortes por gripe suína – a gripe A (H1N1) – no país, entre 25 de abril e 29 de agosto. O número representa um acréscimo de 100 óbitos em referência ao levantamento da semana passada. Apesar do aumento no número de mortes, houve uma diminuição no número de pacientes com gripe suína que evoluíram para casos graves. Entre 23 de 29 de agosto, o Ministério da Saúde recebeu 151 notificações de casos graves da gripe A (H1N1), contra 639 casos registrados entre os dias 16 e 22 de agosto, e contra 1.165 registros entre os dias 9 e 15 do mês passado. “A análise epidemiológica dos dados permite concluir que a transmis- são do novo vírus A (H1N1) e os casos graves provocados por ele estão diminuindo no Brasil”, afirmou a pasta, em nota. Ao todo, foram confir- mados 6.592 casos graves da gripe suína no país até esta quarta. O Brasil tem a sexta maior taxa de mortalidade entre os 15 países com maior núme- ro de mortes, o que significa o percentual de óbitos em relação à população de cada país. De acordo com o balanço do Ministério da Saúde, São Paulo tem o maior número de óbitos no país, com 261 mortes. Na sequência vem o Pa- raná (186), Rio Grande do Sul (100), Rio (66), Santa Catarina (20), Minas (10), Paraíba (2), Mato Grosso do Sul (2), Distrito Federal (2), Rondônia (1), Acre (1), Amazonas (1), Pará (1), Rio Grande do Norte (1), Bahia (1), Pernambuco (1) e Espírito Santo (1). Mesmo quando são contabilizados, o número de mortos divulgado pelas secretarias e pelo ministério podem divergir. A diferença ocorre por- que os critérios considerados pelos órgãos não é o mesmo – algumas secre- tarias contabilizam apenas os moradores do Estado que morreram por gripe suína, outras contam todos os óbitos, independentemente de sua origem. A Secretaria de Saúde de São Paulo, por exemplo, confirmou nesta quarta-feira um total de 236 mortes no Estado até 30 de agosto, contra 261 divulgados pelo governo federal. Sintomas A gripe suína é uma doença respiratória causada pelo vírus in- fluenza A, chamado de H1N1. Ele é transmitido de pessoa para pessoa e tem sintomas semelhantes aos da gripe comum, com febre superior a Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências FAEL 42 38ºC, tosse, dor de cabeça intensa, dores musculares e nas articulações, irritação dos olhos e fluxo nasal. Para diagnosticar a infecção, uma amostra respiratória precisa ser coletada nos quatro ou cinco primeiros dias da doença, quando a pessoa infectada espalha o vírus, e examinada em laboratório. Os antigripais Tamiflu e Relenza, já utilizados contra a gripe avi- ária, são eficazes contra o vírus H1N1, segundo testes laboratoriais, e parecem ter dado resultado prático, de acordo com o CDC (Centros de Controle de Doenças dos Estados Unidos). ht tp :/ /s ite pm ce st at ic o. cu rit ib a. pr .g ov .b r/ se rv ic os /c om un ic ac ao /a rq ui vo _n ot ic ia s/ ca rt az _h 1n 1. pd f Texto adaptado de <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ ult95u618643.shtml>. Acesso em: 02 set. 2009. Capítulo 4 Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 43 2º Momento: organização do conhecimento
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