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as características do espiritismo brasileiro e sua relação conflituosa com o catolicismo

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UCAM – UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
ROSÂNGELA DE OLIVEIRA MARTINS
AS CARACTERÍSTICAS DO “ESPIRITISMO BRASILEIRO” E SUA RELAÇÃO CONFLITUOSA COM O CATOLICISMO
VITÓRIA DE SANTO ANTÃO – PE
2019
UCAM – UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
ROSÂNGELA DE OLIVEIRA MARTINS
AS CARACTERÍSTICAS DO “ESPIRITISMO BRASILEIRO” E SUA RELAÇÃO CONFLITUOSA COM O CATOLICISMO
Artigo Científico Apresentado à Universidade Candido Mendes - UCAM, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Teologia.
VITÓRIA DE SANTO ANTÃO – PE
2019
AS CARACTERÍSTICAS DO “ESPIRITISMO BRASILEIRO” E SUA RELAÇÃO CONFLITUOSA COM O CATOLICISMO
Rosângela de Oliveira Martins[footnoteRef:1] [1: Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo pela FACHA-Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso e Pós-graduanda em Teologia pela UCAM-Universidade Cândido Mendes] 
RESUMO
A preocupação básica deste estudo é fazer uma abordagem das relações espiritismo/catolicismo, durante o processo de formação do espiritismo moldado à brasileira, enfatizado em seu aspecto religioso, no Brasil. Salienta-se que a nova doutrina despertou por um lado a ira da Igreja Católica e, por outro, a simpatia e aceitação de parte dos fiéis católicos. Para colocar estas questões em discussão, realizou-se uma pesquisa bibliográfica entre as obras de KARDEC (1857-1869) e as de outros autores, que colaboraram para compor os argumentos deste trabalho. Através das análises destas relações em paralelo às propostas espíritas, este artigo tem como objetivo chegar ao entendimento das características multifacetadas da doutrina espírita, capazes de guiar a sua expansão e de se fazer abraçar pelos fiéis cristãos. 
Palavras-chave: Catolicismo. Católicos. Espíritas. Espiritismo. Igreja Católica. Religião.
Introdução
O presente trabalho tem como tema o destaque das características assumidas pelo “espiritismo brasileiro” para a compreensão de como ele se relaciona com o catolicismo; uma relação que tem gerado conflitos com a instituição católica e dúvidas entre os fiéis cristãos.
Nesta perspectiva, constroem-se questões que norteiam este trabalho:
· O que de fato é o espiritismo: ciência, filosofia cristã, religião?
· Pode um fiel ser católico e espírita ao mesmo tempo?
No meio destes questionamentos e diante desta relação conturbada, estão o católico e o espírita que, muitas vezes, pela falta de um estudo mais aprofundado, acabam por omitir suas verdadeiras crenças ou mesclá-las de acordo com a sua própria lógica criada a partir de um senso comum. Por isso, a necessidade de respostas e de esclarecimentos, que contribuam para que católicos e espíritas possam assumir posicionamentos de forma consciente e embasada, demonstra e justifica a importância deste artigo.
Para se chegar à formação do “espiritismo brasileiro”, inicialmente, reportar-se às origens do espiritismo na França, para se apurar a essência dessa doutrina decodificada por Allan Kardec. A partir das obras do próprio Kardec, escritas entre 1857 e 1869, e de outros autores, é estabelecida uma discussão sobre as características natas e as assumidas pelo espiritismo no Brasil. Depois, com a contribuição de Arribas (2009-2011), segue-se por um breve resumo histórico contextualizado da caminhada do espiritismo no Brasil.
Enquanto os estudos de Brandão (1988) revelam a existência de um “catolicismo popular”, Stoll (2004) auxilia quanto a observação das influências católicas no espiritismo.
Destaca-se também a posição da Igreja Católica, através de Andrade (2012), que apresenta o legado de Frei Boaventura (1919-2009), um dos maiores defensores do catolicismo no Brasil; a colaboração de Becceneri e outros (2017), que expõem o perfil sociodemográfico dos espíritas no país; e, auxiliados pelos trabalhos de Lewgoy (2008-2011), constata-se a abrangência do “espiritismo brasileiro”. 
Para a realização deste artigo, utiliza-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise de materiais já publicados na literatura e de artigos científicos divulgados no meio eletrônico. Dessa forma, com as contribuições de todos os autores aqui citados, através da abordagem desse processo de sobrevivência e de propagação do espiritismo no Brasil e no exterior, conclui-se com a apuração das características singulares e próprias do espiritismo, capazes de responder às questões aqui inicialmente propostas.
Desenvolvimento
Após vários estudos das manifestações de espíritos ocorridas em meados do século XIX, da França o Professor Hippolyte Léon Denizard Rivail apresenta o espiritismo ao mundo. Passando a adotar o nome de Allan Kardec, publica vários livros, resultados de suas pesquisas, estudos e descobertas, explicando detalhadamente o que vem a ser a nova doutrina. Em 1857, em O Livro dos Espíritos, reúne seus fundamentos teóricos: “Diremos, pois, que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível.” (KARDEC, 2017, p.13)
Em 1861, o Livro dos Médiuns trata a então enunciada doutrina como uma ciência experimental, mostrando que a prática espírita, no que concerne às sessões espíritas, deve ter finalidades de estudos e captação dos ensinamentos dos espíritos. 
Em 1864, com o Evangelho Segundo o Espiritismo, ao tomar passagens dos Evangelhos do Novo Testamento, Kardec mostra a palavra de Jesus Cristo, presente em cada frase. É uma obra de força ética e moral; um livro com instruções morais passadas pelos espíritos, que reforçam os ensinamentos de Jesus descritos pelos apóstolos.
Em seu livro de 1859, O que é o Espiritismo, ele fornece uma definição sucinta dessa nova doutrina:
O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, ele compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações.” (...) “O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e da destinação dos Espíritos, e das suas relações com o mundo corporal. (KARDEC, 2009, p.8)
Em 1858, funda a Revista Espírita – Jornal de Assuntos Psicológicos, essencial para mostrar a seriedade e a lógica do espiritismo. Tendo circulado até 1869, nela Kardec se defende dos ataques e críticas, relata experiências com os espíritos e esclarece os leitores através desse contato mais constante. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 ele explica que o espiritismo não é religião:
Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Em razão de não haver senão uma palavra para exprimir duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. (...)” “(...) não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral. (KARDEC, 1868, p.491)
Para Kardec, o espiritismo poderia ser chamado de religião apenas no sentido filosófico. Ou seja, no sentido de ligação moral que une as pessoas numa comunhão de ideias e sentimentos, com fraternidade, solidariedade e benevolência mútuas. Seria como a religião da amizade ou a religião da família. Considerando que tem como fim a transformação moral do homem e toma os ensinamentos de Jesus Cristo para a sua aplicação no dia a dia, revive o Cristianismo na sua verdadeira expressão de amor e caridade. Assim, é uma doutrina filosófica cristã. Porém, no significado usual da palavra, o espiritismo não é uma religião. (KARDEC, 1868)
Kardec resume a crença espírita de forma objetiva e explica que o sentido de religião do espiritismo é de laço, de comunhão:
Crer num Deus Todo-Poderoso, soberanamente justo e bom; crer na alma e em sua imortalidade; na preexistência da alma como única justificação do presente; na pluralidade das existênciascomo meio de expiação, de reparação e de adiantamento intelectual e moral; na perfectibilidade dos seres mais imperfeitos; na felicidade crescente com a perfeição; na equitativa remuneração do bem e do mal, segundo o princípio: a cada um segundo as suas obras; na igualdade da justiça para todos, sem exceções, favores nem privilégios para nenhuma criatura; na duração da expiação limitada à imperfeição; no livre-arbítrio do homem, que lhe deixa sempre a escolha entre o bem e o mal; crer na continuidade das relações entre o mundo visível e o mundo invisível; na solidariedade que religa todos os seres passados, presentes e futuros, encarnados e desencarnados; considerar a vida terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterno; aceitar corajosamente as provações, em vista de um futuro mais invejável que o presente; praticar a caridade em pensamentos, em palavras e obras na mais larga acepção do termo; esforçar-se cada dia para ser melhor que na véspera, extirpando toda imperfeição de sua alma; submeter todas as crenças ao controle do livre-exame e da razão, e nada aceitar pela fé cega; respeitar todas as crenças sinceras, por mais irracionais que nos pareçam, e não violentar a consciência de ninguém; ver, enfim, nas descobertas da Ciência a revelação das leis da Natureza, que são as leis de Deus: eis o Credo, a religião do Espiritismo, religião que pode conciliar-se com todos os cultos, isto é, com todas as maneiras de adorar a Deus. É o laço que deve unir todos os espíritas numa santa comunhão de pensamentos, esperando que ligue todos os homens sob a bandeira da fraternidade universal. (KARDEC, 1868, p.494 e 495)
Pelo que foi esclarecido pelo próprio Kardec, o espiritismo, enquanto ciência, é compatível com toda religião cristã. Enquanto doutrina filosófica, aprofunda o estudo das leis morais e revela Jesus como o mais perfeito modelo oferecido por Deus para ser seguido pela humanidade. 
Kardec tenta mostrar que o espiritismo é o elo que veio para unir a ciência e a religião. Ele coloca a explicação racional e científica do espiritismo no livro A Gênese, de 1868. Através das suas experiências e pelas verdades reveladas pelos espíritos, os mistérios e milagres da religião, não aceitos pela ciência como tais, passam a ter a explicação científica. Segundo ele, com os princípios do Espiritismo como a imortalidade da alma, a crença na reencarnação, a comunicabilidade com os espíritos e as leis de evolução e de causa e efeito, tudo se torna compreendido. (KARDEC, 1976) 
Léon Denis, ao continuar os estudos sobre o espiritismo após Kardec, sintetiza:
 (...) será a crença universal das almas, a que reina em todas as sociedades adiantadas do espaço e mediante a qual cessará o antagonismo que separa a crença da religião. Porque, com ela, a ciência tornarse-á religiosa, e a religião se há-de tornar científica. (DENIS, 1994, p. 14)
Durante o final do século XX, o espiritismo, que foi um movimento universal, se retraiu até mesmo na França. Lá passaram a limitar-se a poucos grupos com ênfase mais científica. (LEWGOY, 2008)
No Brasil, o desenvolvimento do espiritismo deu à doutrina um caráter parcialmente distinto do espiritismo original, que, como já exposto, tinha um aspecto mais filosófico e científico. Por causa de todo um processo histórico-cultural-social imposto, o espiritismo viu-se praticamente obrigado a seguir pela via religiosa para conseguir sobreviver e se difundir. Foram ataques por todos os lados: a sua característica curativa com passes e a recomendação de medicamentos homeopáticos provocaram as associações médicas; o código penal brasileiro de 1890 previa punições a práticas espíritas; e a Igreja Católica julgava tais ensinamentos e práticas como heresias. (ARRIBAS, 2011)
Para unificar e proteger os grupos espíritas das perseguições, em 1884 foi criada a FEB – FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Na época, existiam grupos espíritas que enfatizavam cada um dos aspectos da doutrina: o científico, o filosófico e o religioso. Este último ganhou mais força na FEB e colaborou para o direcionamento do espiritismo nos moldes de religiosidade. (ARRIBAS, 2011)
Analisando o contexto brasileiro a partir da sua descoberta no século XVI, observa-se que o país passou por uma colonização basicamente católica e permaneceu como país católico até a instauração de um Estado republicano laico, em 1889. Outras influências incontestáveis são as africanas e indígenas, presentes em todas as áreas. Com a chegada dos imigrantes, após o fim da escravidão, também vieram para o país outras religiões. Essas misturas de culturas e de crenças deram à população um caráter religioso e místico. Todos estes fatos levaram à produção de um campo fértil no Brasil, favorável à instalação de uma diversidade de religiões. Assim, o sincretismo religioso e cultural tornou o brasileiro condescendente, a ponto de aceitar as crenças de uma religião mesmo seguindo outra. (ARRIBAS, 2011).
Segundo Arribas (2011), outro fato significativo que apontou o caminho que o espiritismo poderia seguir, a fim de fugir das perseguições do Estado e da polícia, foi a aprovação da nova Constituição de 1891. Desde então, o país tornou-se laico, permitindo a liberdade de cultos religiosos. Sendo religião, o espiritismo passaria a sobreviver de forma legal.
Segundo Stoll (2004), em função da grande produção de literatura espírita, o espiritismo vai se inserindo na sociedade brasileira, em especial na classe média. Além dos livros de Kardec, Chico Xavier foi o maior responsável pela divulgação da doutrina em nosso país. 
Arribas (2009) lembra que as primeiras produções literárias brasileiras definiam o Espiritismo como uma atualização dos dogmas católicos e não como uma nova religião. Porém, a crença na reencarnação e as manifestações dos espíritos é que começaram a atrair simpatizantes à doutrina e isso passou a inquietar e provocar a Igreja Católica. (ARRIBAS, 2009)
No Brasil a comunidade católica tem uma inclinação a aceitar modalidades próprias religiosas. No país existe o católico praticante que conhece e procura seguir os dogmas da religião e o católico não praticante. Portanto, esse jeito de ser católico à sua maneira lhes permite a agregação de certos valores de outras religiões, como por exemplo a crença na reencarnação. É uma grande massa de indivíduos auto declarados católicos, mas que se limitam aos sacramentos e serviços da Igreja; que têm a visão popular de exaltar santos como divindades, ao invés de segui-los apenas como exemplo de vida. (BRANDÃO, 1988)
Entre os anos de 1940 e 1950, Chico Xavier consolidou-se como “homem santo”, sendo a figura de maior expressão espírita no país. Sua história de vida se assemelha a dos santos: as qualidades morais e práticas de caridade que produzem um modelo de exemplo; a renúncia ao casamento, ao sexo e a bens materiais parece inspirada no modelo monástico de virtudes católicas. Foi um católico fervoroso e tinha como um dos espíritos guia um sacerdote religioso, Emmanuel. Assim, se por um lado católicos simpatizavam com alguns dos conceitos espíritas, por outro, a imagem de Chico Xavier acabou gerando um sincretismo com a tradição católica. (STOLL, 2004)
Este contestado sincretismo com os valores católicos foi incorporado pela FEB. Com a trajetória de Chico, a FEB ganhou força e o transformou em seu símbolo. Um símbolo revestido de grande influência católica. (LEWGOY, 2011)
Até a década de 1950, mesmo reprimidas pela Igreja Católica, certas crendices e manifestações eram tratadas no campo do folclore. Porém, o clero viu a necessidade de se posicionar de forma mais firme e de alertar os católicos quanto a essas práticas tidas como não católicas. Assim, em 1952 é criada a CNBB - Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, e com ela, o Secretariado Nacional da Defesa da Fé e Moral, que deu início à Campanha de Esclarecimento aos Católicos. Com o mote de condenar todas as manifestações anticatólicas, Frei Boaventura de Kloppenburg tornou-se o responsável por esclarecer e coibir os movimentos espiritualistas,que foram o maior alvo desses ataques. Para ser combatido, precisava ser estudado e compreendido, o que resultou na publicação de dezenas de artigos, cadernos e livros, todos de sua autoria, condenando as práticas espíritas. (ANDRADE 2012)
Como um dos maiores representantes do catolicismo no Brasil nos anos de 1950 e 1960, Frei Boaventura, citado por Andrade (2012), demonstrou grande fervor pela hegemonia da Igreja Católica. Disparou violentas críticas à ebulição religiosa da época, caracterizada pela ascensão de outras religiões, principalmente do espiritismo, que passou a ser visto e tratado como uma grande ameaça. Andrade (2012) destaca ainda que Frei Boaventura se enquadra na elite de teólogos que, como mostra a história da própria Igreja, estabeleceu as chaves interpretativas das escrituras sagradas e dos dogmas do catolicismo. Ele apontava a curiosidade e a propaganda da prática da caridade como meio de salvação como alguns dos mais eficazes artifícios utilizados pelos espíritas, para atrair os católicos. Frei Boaventura denominava os espíritas como verdadeiros hereges e proibia qualquer tipo de contato com o espiritismo. Chegou a enumerar 40 itens que são defendidos pelo catolicismo e negados pelo espiritismo, concluindo, então, que o espiritismo era a negação total da doutrina cristã. Frei Boaventura se apropria do discurso católico e o relaciona com a realidade social de cada momento. Teve relevante atuação e contribuição quanto à divulgação das diretrizes da Igreja Católica aqui no Brasil, inclusive das ideias do Concílio Vaticano Il (1962 a 1965). É quando a Igreja Católica procura estabelecer um diálogo com o mundo moderno, tornando a linguagem católica mais acessível, mais evangelizadora e até mais tolerante e ecumênica. Afinal, era necessário compreender o homem moderno para conseguir agir e mudar a sua postura considerada inapropriada pela Igreja Católica. Ainda hoje podemos ver seus trabalhos utilizados como referências para argumentação de vários religiosos em defesa da Igreja. (ANDRADE 2012)
Brandão (1988) explica essa postura do católico, falando sobre o catolicismo: “(...) tido como domínio do universo religioso brasileiro regido por uma única Igreja de uma só religião, com muita frequência é dividido – tanto por cientistas sociais quanto por agentes eclesiásticos – em um “catolicismo oficial” e um “catolicismo popular”.”
Os ensinamentos da Igreja precisariam satisfazer aos questionamentos do homem racional e inteligente. Assim, Léon Denis (1994) culpa a Igreja de Roma por não ter conseguido nortear a humanidade para longe do materialismo; por não ter se atido aos legítimos ensinamentos de Jesus, contidos no Cristianismo Primitivo, que o espiritismo veio para resgatar. Segundo ele, os concílios e os papas criaram dogmas que não condiziam com a verdadeira palavra do Cristo pregada pelos apóstolos, com o intuito de manter a supremacia religiosa da Igreja Católica Apostólica Romana.
Lewgoy (2008) complementa ao dizer que a reencarnação é importante presença nas crenças da população brasileira, que em sua maioria é católica.
O raciocínio lógico sobre a reencarnação traz respostas, consolo e esperança. Por isso encontrou abrigo no coração do cristão.
E foi essa crença na reencarnação para o progresso e a negação do dogma da trindade que causaram a ruptura com a ideia de cristianismo que se tinha, até então. “Os espíritas pensam-se simultaneamente como ruptura e renovação do cristianismo, quando situam a codificação de Kardec como “Terceira Revelação”.” (LEWGOY, 2011, p. 94)
Ninguém melhor do que o próprio Kardec (1859) para explicar a aceitação dessa mistura de valores e de crenças da religião católica com a revelação espírita:
Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não o de uma religião, e a prova disso é que conta, entre seus aderentes, homens de todas as crenças, e que nem por isso renunciaram às suas convicções: católicos fervorosos, que praticam todos os deveres de seu culto, protestantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e até budistas e bramanistas. Há de tudo, exceto materialistas e ateus, porque essas ideias são incompatíveis com as observações espíritas. O Espiritismo, pois, repousa sobre princípios gerais, independentes de toda questão dogmática. É verdade que tem consequências morais, como todas as ciências filosóficas. Essas consequências são no sentido do Cristianismo, porque, de todas as doutrinas do mundo, são as cristãs as mais aptas a compreendê-lo em sua verdadeira essência.
O Espiritismo não é, pois, uma religião. Se o fosse teria seu culto, seus templos, seus ministros. Sem dúvida cada um pode fazer uma religião de suas opiniões e interpretar à vontade as religiões conhecidas (...) e não impõe nenhum culto aos seus partidários, como a astronomia não impõe o culto dos astros, nem a pirotecnia o culto do fogo. (...) Eis por que, contrariando a maior parte das ciências filosóficas, um dos seus efeitos é reconduzir às ideias religiosas aqueles que se extraviaram num cepticismo exagerado. (KARDEC, 1859, p. 205 e 206).
Para Kardec (1859), é natural a existência do católico-espírita, assim como o é do católico-astrônomo, por exemplo.
Mas as explicações dos seguidores espíritas não convenciam à Igreja de Roma. Mesmo perdendo tantos adeptos para o protestantismo, que é a 2ª maior religião do país, conforme dados extraídos do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a Igreja Católica nunca atacou de forma tão enérgica o protestantismo como o fez com o espiritismo, considerado o maior adversário da Igreja Católica no Brasil. Em 1950, 93,5% da população era católica; em 2000, 73,7%; e em 2010, passou para 64,6%. Os que se declaram espíritas no ano 2000 eram 1,3%, passando para 2,02% em 2010, o que corresponde a mais de 3,8 milhões de brasileiros.
Embora o espiritismo não tenha sido codificado como religião, boa parte dos espíritas se entende como praticante de mais uma religião cristã. Porém, o espiritismo, enquanto ciência, evolui e se transforma.
Becceneri e outros (2017) esclarecem que: “Em linhas gerais, perdem terreno as organizações religiosas com maior rigidez institucional e com pouca flexibilidade dentro do mercado religioso.” É o caso da Igreja Católica. Eles ainda acrescentam que nos últimos 30 anos os seguidores espíritas apresentaram um maior ritmo de crescimentos que os católicos e que os protestantes. Segundo mostram em suas pesquisas, valendo-se de microdados dos censos de 1991, 2000 e 2010 do IBGE, os espíritas possuem um perfil mais envelhecido e com maior nível de instrução, além de serem mais elitizados.
Esse perfil do espírita favorece à divulgação da doutrina. Segundo Lewgoy (2011), a constituição de alianças entre médiuns poderosos, grandes palestrantes, médicos intelectuais e a busca de aliados no cenário acadêmico nacional e internacional, são estratégias para inserir o espiritismo em posições socialmente legítimas, dentro do cenário científico e gerar maior credibilidade. Na tentativa de unificação do modelo espírita brasileiro, a FEB, o Conselho Espírita Internacional e as Associações Médicas Espíritas, presentes em mais de 30 países, atuam de forma articulada. São eventos, congressos e palestras que mantêm o contato e o vínculo entre si, num compartilhamento constante de informações. Muitos médicos membros dessas associações espíritas encaram o espiritismo como uma ciência complementar à medicina acadêmica. Com a globalização e o desenvolvimento tecnológico, as religiões se valem, com mais eficiência e estrutura, de todos os recursos e mecanismos de comunicação e tecnologia para conseguir se propagar mais rapidamente. Assim, o espiritismo tem promovido valores de religiosidade composta de fraternidade, paz, amor, espiritualidade, saúde e concórdia universal, que, em sua maioria, atingem às camadas sociais mais esclarecidas. Cabe destacar também a relevância da estrutura editorial da FEB, o que facilita a divulgação da doutrina em âmbito nacional e internacional. (LEWGOY, 2011)
Atualmente, Divaldo Franco, comsuas palestras e conferências tem sido um grande missionário da doutrina no exterior. Suas produções literárias e as de Chico Xavier, tido como um santo popular não católico, já foram traduzidas em vários idiomas e circulam por diversos países. (LEWGOY, 2008)
Conclusão
O espiritismo explica-se que, enquanto ciência, continua a evoluir, mas as religiões, como partem de revelações de um messias (no caso do Cristianismo, Jesus), têm seus ensinamentos imutáveis através dos séculos. Por isso resgata o Cristianismo Primitivo, anterior às modificações trazidas pelos concílios, propaga a palavra de Jesus Cristo e crê que nele está contido o maior exemplo a ser seguido pela humanidade. O espiritismo enxerga que a Igreja Católica introduziu dogmas que são considerados questionáveis para os espíritas.
O catolicismo e o espiritismo são cristãos, tendo em vista serem guiados pelos mesmos Evangelhos e pelo mesmo Cristo, pregando as mesmas mensagens de caridade e de amor ao próximo.
Pode-se observar que o espiritismo no Brasil foi levado a assumir moldes de religião, sem o ser, no sentido próprio da palavra, por uma questão de sobrevivência. Entretanto, observa-se que a sua essência científica e questionadora ainda se mantém, desde quando desvendou a existência dos espíritos, a comunicabilidade com os mortos e a reencarnação. Esses elementos, agregados ao caráter receptivo da religiosidade da população, construído ao longo dos anos desde a colonização do país, favoreceram o surgimento do católico-espírita. Mas o fato de questionar os dogmas católicos, através do puro cristianismo (cristianismo primitivo), como uma reinterpretação dos evangelhos, fez da doutrina espírita uma heresia aos olhos da Igreja de Roma.
Embora a condenação das práticas espíritas tenha sido tão enfática desde o início da nova doutrina, a partir do Concílio Vaticano II, a Igreja Católica tem se mostrado mais tolerante. Apesar de continuar condenando a vinculação do católico com o espírita, a Igreja procura entender o homem moderno para melhor orientá-lo. Entretanto, a rigidez do catolicismo não aceita o senso comum que leva o fiel cristão a buscar Deus, onde quer que ele esteja, mesmo que seja pelos ensinamentos de Jesus.
O espiritismo, sem se afastar de sua origem, mantém a sua fidelidade aos esclarecimentos de Kardec (1859): “O Espiritismo é, pois, o mais poderoso auxiliar da religião.” Então, apesar de figurar como religião no Brasil, consegue manter: a sua essência, enquanto doutrina filosófica; e o seu desenvolvimento, enquanto ciência. É através da sua face científica e filosófica que a vida espiritual vai sendo revelada juntamente com as suas mensagens de caridade, moralidade, amor e esperança. Esse caráter científico-filosófico permite ao espiritismo abraçar outras religiões, e ampliar os horizontes no campo religioso, colocando-se como opção de crença cristã, sem de fato admitir-se como religião. O que, à primeira vista, parece ser contraditório, apresenta-se como atributo para aumentar a sua capacidade de abrangência.
Dessa forma, com as contribuições de todos autores citados neste artigo, conclui-se, através da abordagem desse processo de sobrevivência e de evolução, que o espiritismo possui características singulares que o habilitam a vislumbrar cada vez mais a sua expansão no Brasil e no exterior.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Solange Ramos. Frei Boaventura Kloppenburg e a história da Igreja Católica no Brasil: aspectos de uma biografia. História Unisinos, vol. 16, n. 1, jan./abr. 2012. Disponível em: <http://revistas.unisinos.br/index.php/historia/search/authors/view?firstName=Solange&middleName=Ramos&lastName=Andrade&affiliation=Universidade%20Estadual%20de%20Maring%C3%A1&country=BR>Acesso em: 25 jul. 2019.
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