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Ficha D.doc 1 Planejamento Urbano Ficha D Pioneirismo na Prática Urbanística na Viragem do Século: A Cidade Industrial Durante a primeira metade do século XIX, o pintor francês Gustave Courbet inicia o interesse pictórico pelas cenas rurais quotidianas do campo italiano e francês. Até essa altura, a pintura havia mantido um cariz eminentemente académico; o seu ensino dava-se dentro de casa, com pintura de modelo vivo que encenava temas da antiguidade clássica, temas religiosos, representação épica dos heróis nacionais, ou simplesmente retratos de cidadãos ilustres. A viragem do século XVIII para XIX assistira a um clima particularmente conservador nas artes, com o patrocínio napoleónico da tendência neoclássica, que se estendia à arquitectura das grandes obras da cidade. Com Courbet, a prática quotidiana da pintura, debruçando-se sobre temática «profana» algo chocante para a época, vai inaugurar uma série de inovações na área das artes que em poucas décadas modificarão radicalmente o ambiente da criação artística. Do carácter representativo secular da pintura, vão os pintores desenvolver estilos mais líricos e peculiares de olhar o mundo. Não só os objectos retratados se alargam a campos antes interditos, como a técnica pictórica envereda por itinerários novos: a luz e a sombra, o ambiente, o estado de espírito vão manifestar-se em manchas, pontos, traços, por vezes recorrendo a espátulas, pingos, e os próprios dedos, a colagem e o desdobramento de figuras, sucessivamente através do Impressionismo, Cubismo, o Expressionismo, Surrealismo, etc. Qualidades essenciais dos objectos, tais como o plano, o volume, a textura e a luz que despertaram o interesse de pintores e escultores, vão introduzir-se também na prática arquitectónica. Neste contexto, assume papel preponderante o austríaco Adolf Loos, cujos projectos agitam o ambiente Ficha D.doc 2 burguês da cidade de Viena. Proclamando a virtude da arquitectura despojada de ornamento, escreve o celebrado “Ornamento e Delito”, que rejeita o uso de ornamentação dos edifícios, em favor de uma arte de linhas e volumes puros. Naturalmente que a intensidade da vida urbana do século XIX, dando lugar ao aparecimento de metrópoles numa escala nunca vista, acelera as inovações Técnicas e intelectuais. A fotografia e o filme vão dar um golpe mais na cultura representativa da pintura, e as inovações na tecnologia industrial e construtiva vão dar ao arquitecto no início do século XX as ferramentas que irão permitir-lhe criar edifícios sem precedentes. Tradicionalmente, a construção de imóveis havia resultado de itinerários técnicos mais ou menos fixos, que não permitiam grandes variações na apresentação da arquitectura: paredes resistentes em alvenaria, e vigas em madeira não permitiam por norma ultrapassar vãos acima das medidas que as peças de madeira esquadriada permitiam. Do mesmo modo a capacidade “de carga” das alvenarias inviabilizavam a construção em altura, acima de um certo número de pisos. Com a segunda metade do século XIX, no entanto, duas inovações no campo da indústria da construção vão alterar definitivamente a arquitectura e a imagem da cidade: o processo Bessemer (de Sir Henry Bessemer) de produção de aço de alta qualidade a baixos custos, que irá produzir em larga escala e exportar da sua fábrica em Sheffield por toda a Europa. O aço vai permitir a realização de estruturas vastas em altura e área, com vãos livres propícios à criação de pavilhões industriais, edifícios de exposições, Ficha D.doc 3 gares de caminhos-de-ferro, arranha-céus, etc. A invenção do concreto armado provoca uma revolução nas técnicas construtivas ainda mais abrangente que aquela da construção em aço. A associação dessas duas inovações universaliza- se e praticamente extingue os processos construtivos pré-industriais. Assim, fará todo o sentido, mesmo de um ponto de vista intelectual, que a actividade de projectar edifícios aliando o gosto estético por formas puras da época às novas tecnologias da construção, conduza a formas novas na cidade. Nos Estados Unidos, Louis Sullivan desenvolverá um estilo artístico depurado no projecto de volumosas torres de escritórios, comércio e habitação, que conhecemos sob a designação de «arranha-céus», recorrendo à tecnologia do aço perfilado, soldado, rebitado ou aparafusado em elegantes conjuntos mecanicistas que apelam à pré-fabricação e montagem «in situ» - um sistema construtivo particularmente ajustado à realidade americana, que granjeou para este arquitecto a fama de «inventor» do “arranha-céus”. Nas grandes cidades dos Estados Unidos, o ambiente Liberal próprio da Economia da nação permite que se ergam blocos imensos sobre parcelas exíguas de terreno, nas quais invariavelmente não irá sobrar qualquer superfície livre de construção, pelo que a existência de estaleiros de obra se revela impraticável. Por outro lado, o bulício dos «down-town» americanos não se compadece com a interrupção da circulação de pessoas e veículos nas suas artérias. Assim, a realização de estruturas esqueléticas em perfis metálicos revela-se oportuna, dinamizando a sua produção industrial em grande escala, recorrendo aos abundantes recursos dessa matéria-prima na América do Norte. Ainda que adjectivando pontualmente os edifícios que projecta, com discretos adornos vegetalistas em baixo-relevo, Louis Sullivan configura assim uma Arquitectura onde a estrutura metálica e as superfícies envidraçadas de associam de um modo singularmente elegante e clara, onde podemos ler de maneira instantânea a «verdade» construtiva do edifício. No escritório de Adler&Sullivan, irá fazer tirocínio um jovem projectista de talento que em poucos anos ganhará prestígio regional na região metropolitana de Chicago e projecção internacional como o mais famoso arquitecto americano: Ficha D.doc 4 Frank Lloyd Wright. Se Sullivan desenvolve as suas obras mais notáveis em programas e contextos essencialmente urbanos, já o seu colaborador (nascido Frank Lincoln Wright) irá notabilizar-se especialmente em projectos de arquitectura uni-familiar, celebrizadas sob a designação de «prairie-houses»: as casas da pradaria. Em Wright, o aço e o arranha-céus são menos usuais, dando lugar ao concreto armado e às tipologias uni-familiares – mas um aspecto une os dois arquitectos: um desempenho expedito, tipicamente americano e pragmático. Embora Louis Sullivan tenha editado em seu tempo escritos de natureza simultâneamente teórica e auto-biográfica, como The Autobiography of an Idea, sendo-lhe mesmo atribuída uma das frases mais carismáticas da arquitectura «moderna» - form follows function –, a construção de um sistema teórico não lhe ocupa grande tempo ou atenção. Do mesmo modo, o «corpo» teórico da obra de Frank Lloyd Wright parece carecer de uma estrutura sistémica de fundo, intuindo-se somente num conjunto avulso de frases grandiloquentes e “máximas” dispersas. Por outro lado, o seu legado para as urbes do futuro consiste num estudo intitulado «broad-acre city», que traduz ele mesmo uma postura um tanto ou quanto romântica, onde se poderá ler uma atitude nostálgica relativamente ao campo. A «cidade» de Wright é dispersa, de baixa densidade – uma proposta consumidora de “muitos acres”… Utópicamente, desenha mesmo helicópteros e veículos terrestres «futuristas», para percorrer uma urbe demasiado difusa para ser percorrida a pé. Na esteira de outros americanos míticos como o poeta Walt Whitman, Frank Lloyd Wright sonha uma nação idealizada, a que chama Usonia - nome mítico- literário que por vezes se atribui à nação americana, terra prometida de amplos espaços e oportunidades. Os Precursores Europeus Na Europa, a resposta às novas circunstâncias e possibilidades da indústria e da sociedade surgem de modos diversificadosno campo das Artes, Ficha D.doc 5 ensaiando- se abordagens múltiplas na Arquitectura, desde a Art-Nouveau geometrizante à Art-Déco de inspiração vegetalista, até às soluções neo- plasticistas holandesas, construtivistas russas e futuristas italianas – passando ainda pelo labor teórico de figuras primordiais como o austríaco Adolf Loos. Possuindo todas elas alguma sustentação teórica, terão não obstante uma reduzida repercussão efectiva no panorama da construção europeia, oferecendo sobretudo oportunidades de tratamento formal do objecto arquitectónico e dos materiais de construção disponíveis, sem chegar a constituir modelos autónomos de intervenção no tecido urbano. Assim, no Velho Continente pontificam na viragem do século XIX para o século XX algumas figuras maiores da Arquitectura e Urbanismo, que irão abrir o caminho para a “revolução” do Movimento Moderno. Sobressaem o belga Auguste Perret, que realiza o primeiro edifício de habitação plurifamiliar na Europa (à esquerda), integralmente estruturado em pórticos de concreto armado, que é construído na Rue Franklin, em Paris. No seu «atelier», onde serão colocadas à prova diversas possibilidades técnicas e formais da Arquitectura e do Urbanismo, estagia o suiço Charles-Edouard Jeanneret, que em breve será conhecido pelo cognome Le Corbusier – com o qual mais tarde entrará em querelas em torno de temas arquitectónicas. Explorador ávido da tecnologia construtiva contemporânea, do seu concreto armado, Perret diz ser «ainda mais belo que a pedra», numa busca de encontrar os modos mais dignos de corresponder formalmente às possibilidades que lhe são oferecidos pela moderna indústria. A distinção com que o faz vale-lhe uma celebridade que vê coroada com a encomenda em 1945 do Estado francês, para o projecto de reconstrução de Le Havre, cidade portuária que a 2ª guerra mundial havia arrasado. A reedificação, da autoria de Perret, é hoje caso de estudo da Urbanística mundial, e património da UNESCO.
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