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1 Felipe Antônio Dal'Agnol SUPORTE NUTRICIONAL "Desnutrição pode ser definida como um estado de deficiência energética, de proteínas e de micronutrientes, que altera não só a estrutura tecidual, mas também a função de órgãos e sistemas." I - ADAPTAÇÕES METABÓLICAS 1 - Consequências da desnutrição em cirurgia Desnutrição acomete cerca de 50% dos pacientes hospitalizados, contribuindo para o aumento de sua morbimortalidade. Mecanismos: anorexia, elevação de mediadores da inflamação, obstrução mecânica do TGI ou perda de superfície absortiva. Pode favorecer a ocorrência de complicações em pacientes cirúrgicos: cicatrização anormal, deiscência de FO, deiscência de anastomoses e maior probabilidade de infecção. Além disso, o desgaste muscular - como resultado da proteólise da resposta ao trauma - pode dificultar o desmame da VM (complicações da VM prolongada se desenvolvem mais facilmente). 2 - Adaptações fisiológicas ao jejum Semelhantes às modificações que acontecem no trauma, mas atenuadas. Diminuição da insulina; Aumento do GH, do glucagon, de catecolaminas e de cortisol; Glicogênio hepático (até 65 g/kg) é a primeira reserva a ser utilizada. Pode esgotar em até 48 horas; Lipólise e proteólise pelos hormônio acima para gliconeogênese hepática - SNC, hemácias, leucócitos e medula adrenal têm apenas glicose como fonte energética; Os ácidos graxos (um dos substratos da lipólise) não são utilizados para gliconeogênese, porém são usados como fonte de energia por alguns tecidos; Com a persistência do jejum, do aumento do glucagon e redução da insulina, os AGL começam a se dirigir ao fígado, onde viram corpos cetônicos, 3-hidroxibutirato e acetato pela β-oxidação. Após uma semana de jejum, o cérebro passa a utilizar, também, corpos cetônicos como fonte de energia; Essa cetogênese, apenas de ter seus benefícios, pode levar à cetoacidose; Uma ingesta de 400 kcal (2.000 ml de soro glicosado a 5%), apesar de estar abaixo do ideal, já é o suficiente para impedir a cetogênese. Jejum está associado à esteatose hepática: com o aumento da lipólise, e sua persistência, há a chegada de muitos AGL aos hepatócitos, mas como está-se em estado de déficit nutricional, logicamente há a deficiência de proteínas carregadoras. Logo, não uma via de saída dessa gordura do fígado, gerando a esteatose. OBS: duas situações levam à Síndrome do Intestino Curto: ressecção de mais de 70% do delgado e de 2/3 do ileodistal com válvula ileocecal envolvida. 2 Felipe Antônio Dal'Agnol 3 - Sepse e Inflamação Hipermetabolismo com aumento de até 50% da taxa metabólica basal. Os aminoácidos provenientes da proteólise incessante, além de irem à gliconeogênese hepática, também são utilizados pelo fígado para síntese se proteínas de fase aguda, como a ceruloplasmina, o fibrinogênio, a PTN-C reativa etc. O alto nível dos hormônios contrainsulínicos e o aumento da resistência periférica à insulina fazem com que o processo de gliconeogênese não sofra redução, mesmo na ausência da oferta de nutrientes. Cuidar quando fornecer terapia nutricional para não causar hiperglicemia. 4 - Desnutrição no Câncer Pacientes oncológicos geralmente possuem perda ponderal e desnutrição. Uma das explicações é a redução da ingesta calórica, seja por hiporexia, por vômitos repetidos ou neoplasia obstrutivas. Em algumas neoplasias, a taxa metabólica está aumentada. II - VARIEDADES CLÍNICAS DE DESNUTRIÇÃO Marasmo: Estado de deprivação calórica, caracterizado por consumo de toda a reserva corporal de gordura do paciente; Indivíduo com aspecto de "consumido" - como na caquexia; Prega cutânea (perda de gordura) e circunferência do braço (perda proteica) diminuídas; A presença de perda muscular interóssea e em região temporal tem relação direta com catabolismo de proteínas em órgãos como coração, fígado e rins; Índice creatinina/altura reduzido e albumina diminuída (mas não menor que 2,8 g/dl); Função imune e capacidade de cicatrização se encontram normais. Kwashiorkor: É uma desnutrição proteicocalórica; Em doença aguda intercorrente (politrauma, sepse) ou doenças crônicas onde predomina uma resposta inflamatória exuberante; Edema, cabelos que se destacam facilmente, pele quebradiça, prejuízo à cicatrização e maior probabilidade de deiscência de feridas operatórias; Hipoalbuminemia (< 2,8 g/dl), queda da transferrina (< 150 mg/dl), linfocitopenia e diminuição da resposta a testes cutâneos. Estado Kwashiorkor-marasmático: quando paciente com marasmo é acometido por processo agudo (trauma, sepse, cirurgia). III - FUNDAMENTOS DA NUTRIÇÃO ARTIFICIAL 1 - Necessidades nutricionais Constituintes calóricos da dieta: gordura, proteínas e carboidratos; Constituintes não calóricos: água, vitaminas e oligominerais (micronutrientes). 3 Felipe Antônio Dal'Agnol Proteínas: adulto hígido necessita +/- 0,8 g/kg/dia. Já na presença de algum fator estressor em que há degradação proteica, as proteínas devem corresponder a 20% do valor calórico ofertado, o que se traduz em 1,5 a 2 g/kg/dia. Em vítimas de lesões extensas, esses valores podem chegar a 3 g/kg/dia. Cada grama de proteína fornece 4 kcal. Lipídeos: fonte de energia e de ácidos graxos. Auxilia no controle glicêmico (é fonte alternativa de energia). Os lipídeos (no suporte parenteral) não podem passar de 30-40% da oferta calórica não proteica. Monitorar valores plasmáticos de TG quando suporte parenteral, não passar de 300 mg/dl. Cada grama de lipídeo fornece 9 kcal. Carboidratos: 40-70% da oferta não proteica. Se glicose hidratada, cada grama fornece 3,4 kcal. Água: perdas normais (insensíveis 500-1000 ml/dia; fezes 50-100ml/dia; urina 1000 ml/dia). Para cada aumento de 1ºC, perde-se 200 ml. Hígidos: 1-1,5 ml para cada kcal de energia é o suficiente (35-40 ml/kg). 4 Felipe Antônio Dal'Agnol 2 - Avaliação nutricional História clínica Desnutrição é encontrada em maior frequência em: perda ponderal, anorexia, incapacidade de realizar atividades habituais e presença de condições que interferem na alimentação. Perda ponderal de 10-15% em seis meses, ou 5% em um mês e/ou necessidade jejum prolongado são fortes indícios da necessidade de terapia nutricional. Outros parâmetros: peso 20% abaixo do peso corpóreo ideal, IMC < 18,5 kg/m2, doença catabólica (queimadura, sepse e pancreatite) e previsão de reservas calóricas insuficientes. Sinais ao exame físico que sugerem carência nutricional: edema corporal (hipoproteinemia), perda de massa muscular e lipídica (consumo da gordura de Bichart e temporal), fraqueza muscular aos mínimos esforços e palidez. Análise da composição corporal Medicas antropométricas: espessura de prega cutânea menor que 3 mm indica exaustão das reservas de gordura. Perda ponderal na vigência de doença (aguda ou crônica) reflete perda de massa magra. Estudo da função muscular: pelo cálculo da força, frequência e recuperação muscular após estímulo elétrico, é possível avaliar disfunção proteicocalórica. Proteínas séricas (viscerais): cuidado ao avaliar albumina (há doenças que mudam seus níveis, tendo nada a ver com desnutrição // MV prolongada 18-20 dias, não sendo alterada se desnutrição recente). Pré-albumina tem MV de três dias, sendo muito útil se deficiência nutricional recente. Transferrina (MV de dez dias), proteína ligadora de retinol (MV de 12-24 horas). Função imunológica: indivíduos desnutridos desenvolvem linfocitopenia (< 1.000 linfócitos/mm3), podendo serem avaliados por testes cutâneos. Cálculo do Gasto Energético Basal O resultado obtido pode ser multiplicado por uma constante que varia de 1,1 (ausência de estresse fisiológico) até por 1,95 (grande queimado, p.ex.). A Calorimetria Indireta (CI) tem se mostrado o método mais confiável para GEB, podendo ser feito à beira do leito (até mesmo com paciente em VM).A CI consegue estimar o quanto de O2 está sendo consumido, ou seja, o quanto de energia nossas células então gerando. Essa medida, acrescida de 10-20% para estimar as flutuações metabólicas, reflete a GEB. 5 Felipe Antônio Dal'Agnol Avaliação do Catabolismo Proteico e do Balanço Energético O agrupamento amino não é utilizado na gliconeogênese, sendo excretado na urina sob forma de ureia (Nitrogênio Ureico Urinário - NUU). Logo, quanto maior o NUU, maior está sendo o catabolismo tecidual. O NUU é obtido multiplicando-se a ureia urinária por 0,47. Valores acima de 15 indicam catabolismo intenso. A taxa catabólica de proteína (TCP) indica o quanto de proteína está sendo perdido diariamente, e, com isso, as necessidades a serem repostas adicionalmente. A quantidade de PTN excretada é obtida pela multiplicação do NUU por 6,25 (cada 6,25g de PTN contém 1g de nitrogênio). TCP (g/dia) = NUU (g) + 4 x 6,25 Pode-se usar o Balanço nitrogenado (BN), que nada mais é que a diferença do N ingerido do eliminado. BN = N ingerido - N perdido (urina 90%, fezes 5%, tegumento 5%) BN = PTN ingerida/6,25 - NUU - 2 (perdas por fezes e pele) - 2 (perdas não ureicas) IV - ABORDAGEM À NUTRIÇÃO ARTIFICIAL Condições que sugerem início do suporte nutricional: 1. História pregressa: desnutrição grave, doença crônica etc; 2. Perda de peso involuntária > 10-15% em 6 meses; 3. Perda de peso involuntária > 5% em 1 mês; 4. Previsão de perda sanguínea > 500 ml durante cirurgia; 5. Peso 20% menor que o peso corpóreo ideal (IBW) ou IMC < 18,5 kg/m2; 6. Alterações na curva pediátrica de crescimento e desenvolvimento (< percentil 5); 7. Albumina sérica < 3,0 g/dl ou transferrina < 200 mg/dl, na ausência de estado inflamatório, disfunção hepática ou renal; 8. Previsão de que o paciente não será capaz de atender aos requisitos calóricos basais no período de 7 a 10 dias do perioperatório; 9. TGI não funcionante; 10. Doenças hipercatabólicas (queimaduras ou trauma, sepse e pancreatite). O TGI abriga 50% de todo tecido linfóide e é responsável por 80% das imunoglobulinas produzidas; logo, o ideal é que se administre pelo menos 20% das necessidades calóricas via enteral para evitar a atrofia dos enterócitos. 1 - Dieta enteral Sempre que possível, utilizá-la: é melhor que a parenteral. Deve ser iniciada em 24-48 horas da admissão. Mantém a função imunológica intestinal, a atividade neuronal e promove a síntese e liberação de hormônios gastrointestinais, como o fator de crescimento epidérmico (aumenta o trofismo dos enterócitos). Quando a administração é feita no duodeno, utilizar soluções hipo ou iso-solúveis: o duodeno não tolera soluções hiper-solúveis (não tem os mecanismo gástricos de "proteção"). 6 Felipe Antônio Dal'Agnol Alimentação hiperosmolar está relacionada a todas as complicações da nutrição enteral: diarreia, desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos, hiperglicemia, necrose intestinal e perfuração. Instabilidade hemodinâmica: não dar enteral - hipoperfusão esplâncnica interfere na absorção de nutrientes. Necessidades diárias gerais: 30-35 kcal/kg/dia. Nos doentes críticos, 80-100 kcal de nitrogênio é o suficiente. A distribuição calórica (Valor Calórico Total - VCT) é determinada da seguinte forma: PTN (10- 15%), CHO (50-60%) e lipídeos (25-35%). Tipos de fórmulas quanto a sua composição nutricional: Completas (PTN, CHO, gorduras, oligominerais, vitaminas, fibras); Incompletas/dietas modulares (em módulos, podem conter apenas um nutriente, como a PTN). Tipos de forma quanto à complexidade dos macronutrientes: Fórmulas poliméricas (proteína intacta - caseína, soro do leite ou soja; carboidratos - dissacarí- deos, oligossacarídeos ou polissacarídeos; lipídeos - AG poli-insaturados de cadeia média e longa). É uma fórmula isotônica; Fórmulas oligoméricas (proteína hidrolisada, osmolaridade mais elevada); Fórmulas monoméricas/elementares (aminoácidos, hiperosmolares, absorção facilitada); Fórmulas especiais (preparadas de acordo com a patologia de base). Imunonutrição Glutamina: aminoácido mais abundante do organismo. Fonte energética para enterócitos, colonócitos e linfócitos. Deficiência associada a atrofia da mucosa intestinal e translocação bacteriana. Bastante debate sobre usar ou não em pacientes graves. Arginina: aminoácido que estimula a função dos linfócitos T, auxilia no processo de cicatrização de feridas e é um importante secretagogo de, p. ex., glucagon, prolactina e GH. Resultados contraditórios. Opções de administração Sonda nasogástrica: melhor para prevenir complicações pós-operatórias, como a gastroparesia. Leito a 35º para evitar broncoaspiração. Infusão de, no máximo, 50 ml/hora. Sonda nasoenteral: a mais utilizada. Extremidade distal pode estar tanto no duodeno, quanto no jejuno. Sonda de Dobbhoff: menor calibre e maior conforto. Pode ir além do piloro com auxílio da EDA. Gastrostomia: indicada para pacientes que necessitarão nutrição enteral prolongada (> 4 semanas), podendo ser via cirúrgica como por via endoscópica percutânea. Contraindicações à percutânea: Absolutas: impossibilidade de acesso endoscópico, coagulopatia grave, obstrução gástrica distal, sobrevida menor que 4 semanas, impossibilidade de aproximação do estômago e parede abdominal; Relativas: impossibilidade de transiluminação através da parede abdominal, varizes gástricas e câncer gástrico difuso. Jejunostomia: opção à nutrição prolongada. Pacientes com retardo no esvaziamento gástrico, refluxo frequente e episódios de aspiração devem receber jejunostomia e não gastrostomia. Pode ser cirúrgica ou via percutânea. 7 Felipe Antônio Dal'Agnol OBS: sondas em posição jejunal (inclusive jejunostomia) devem receber nutrição contínua e lenta, uma vez que o jejuno não suporta grandes volumes. 2 - Nutrição Parenteral Recomendada para pacientes que o TGI não é funcionante ou em que o TGI precise de repouso, com jejum previsto por pelo menos sete dias. Se via entérica parcialmente funcionante, complementar com NP. Instabilidade hemodinâmica é contraindicação. Se Qtx ou Rtx não receber NP pelo elevado risco de infecção e trombose do cateter. A base do cálculo se faz pela proteína e complementa-se com o restante dos componentes. Feita em veia central (subclávia, jugular interna ou axilar [pediatria]). Ponta do cateter na VCS. Devido às diversas complicações e elevado custo, as indicações são bastante pontuais: 1. Vômitos ou diarreias intratáveis; 2. Íleo paralítico prolongado; 3. Fístulas digestivas de alto débito; 4. Obstrução ou suboclusão do TGI; 5. Fases iniciais de adaptação de síndrome do intestino curto. Principais complicações da NP: 1. Sepse por cateter (fungos são os principais causadores - 4-5 vezes mais frequentes; bactérias como Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase negativo e Gram negativos); 2. Complicações metabólicas (hiperglicemia e hiperosmolaridade plasmática - excesso de dextrose ou estresse metabólico; hipoglicemia - administração excessiva de insulina ou interrupção brusca da NP; hipomagnesemia, hipopotassemia, hipofosfatemia, hipocalcemia e hipertrigliceridemia); 3. Outras: trombose da veia central com o cateter, pneumotórax, lesões vasculares, lesão de plexo braquial, lesão de ducto torácico, dor crônica, embolia gasosa, lesão atrial e hidropneumotórax; 4. Se por muito tempo, aumento da gama-GT e fosfatase alcalina. Distensão da vesícula biliar é encontrada em paciente com NP exclusiva. V - SÍNDROME DE REALIMENTAÇÃO Caracterizada por alterações aguda em líquidos e eletrólitos, como consequência da administração de forma rápida e excessiva em pacientes com desnutrição grave e prolongada (marasmo). Pode ser fatal. Um paciente intensamente desnutrido apresenta baixos níveis de insulina e baixa atividade de bombas de membrana; sendo assim, seus níveis intracelular de fósforo epotássio se encontram reduzidos, embora os níveis séricos possam estar normais. Logo, a volta da alimentação pode gerar hipofosfatemia e hipocalemia. Complicações decorrentes dessas duas alterações eletrolíticas. A prevenção consiste na administração mais cautelosa de nutrientes, é comum a oferta inicial de 50% do que é planejado para o peso atual do paciente. Muitos recomendam início da dieta contendo 20 kcal/kg, com aumentos do valor calórico total em 100 a 200 kcal por dia. Monitorização constante dos eletrólitos, suplementação de tiamina e uso de compostos contendo fosfato são medicas aconselháveis.
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