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GESTÃO DA QUALIDADE Teoria e Casos Preencha a Marly Monteiro de Carvalho Edson Pacheco Paladini (coordenadores) COLEÇÃO CAMPUS ABEPRO Engenharia de Produção GESTÃO DA QUALIDADE Teoria e Casos Edson Pacheco Paladini Gregório Bouer José Joaquim do Amaral Ferreira Marly Monteiro de Carvalho Paulo Augusto Cauchick Miguel Robert Wayne Samohyl Roberto Gi l iol i Rotondaro 2ª edição revista e ampliada _________________________________________________________________________ G333 _________________________________________________________________________ o Copidesque: Revisão: Editoração Eletrônica: o o Nota: Às nossas famílias e aos nossos alunos, fontes de inspiração e motivação. Os Autores EQUIPE PRO/POLI/USP Marly Monteiro de Carvalho Gestão da Qualidade ELSEVIERVIII e de 2a Vice-Presidência. Foi vice-coordenadora de pesquisa da Escola Politécnica. Foi pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo de 1992 a 2000. Roberto Gilioli Rotondaro É professor da Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP desde 1996, com mestrado e doutorado (EPUSP) em Engenharia Metalúrgica. Chefia o grupo de Qualidade e Engenharia do Produto (QEP), e é o Coordenador da Comissão de Extensão do Departamento de Engenharia de Produção. É o responsável pelo MBA Gestão de Operações do programa de Extensão do Departamento de Engenharia de Produção que é operacionalizado pela Fundação Vanzolini. É membro do conselho curador da Fundação Vanzolini. Foi gerente geral da Qua- lidade e Gerente de Produto na iniciativa privada de 1980 a 1996. Gregório Bouer É professor da Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, com mes- trado e doutorado (EPUSP) em Engenharia de Produção. Membro do grupo de Qualidade e Engenharia do Produto (QEP). Foi vicepresidente e presidente da Fundação Vanzolini. É coordenador dos cursos de Capacitação em Gestão de Projetos da Fundação Vanzolini. É membro do conselho curador da Fundação Vanzolini. É diretor da TQS Engenharia Ltda. José Joaquim do Amaral Ferreira É professor da Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, com gradu- ação em Engenharia Mecânica (EPUSP), opção Produção, mestre em Engenharia de Produção (EPUSP) e Master of Science in Industrial Engineering, Stanford Uni- versity, USA, e doutor em Engenharia (EPUSP). É diretor de certificação da Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV) e lead as- sessor, pela International Register of Certificated Auditors, Inglaterra. EQUIPE UFSC Edson Pacheco Paladini (Coordenador) Professor Titular do Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas da Uni- versidade Federal de Santa Catarina. Os Autores IX Doutorado em Engenharia de Produção (UFSC, 1992), Mestrado em Engenharia de Sistemas (UFPb - Campina Grande - 1979), Especialização em Administração da Produção (UFPb, 1981) e Graduação em Matemática (UFSC, 1975). Atua nas áreas de Engenharia, Gestão e Avaliação da Qualidade. É autor de vários livros sobre temas inseridos em suas áreas de atuação e de artigos técnicos publicados em periódicos qualificados no país e no exterior. Integrou o Comitê de Avaliação dos Programas de Pós-graduação da CAPES na área das Engenharias III. Coordenador do Programa de Pós-graduação em Enge- nharia de Produção da UFSC (2002-2006). Robert Wayne Samohyl Professor titular do Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas da Uni- versidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Economia na área de Pesquisa Operacional pela Rice University (RU) com Pós-doutorado na Virginia Polytech- nic Institute and State University e na University of Illinois, ambos nos Estados Unidos. Coordenador do Núcleo de Normalização e Qualimetria da Universidade Federal de Santa Catarina, autor do livro Controle Estatístico de Qualidade da Editora Cam- pus/Elsevier, 2009. Paulo Augusto Cauchick Miguel Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desde 2010. Foi professor da Escola Politécnica da USP de 2004 a 2010 e atualmente atua como professor colaborador do Programa de Pós-graduação da Escola Politécnica da USP. Tem graduação em Engenharia de Produção Mecânica (UNIMEP), Mestra- do em Engenharia Mecânica (UNICAMP), ph.D. em Manufacturing Engineering pela Universidade de Birmingham, Inglaterra, e Pós-Doutorado pelo Baldrige Na- tional Quality Program no National Institute of Standards and Technology - NIST, EUA. De 1985 a 1990 atuou como engenheiro de processos na Freios Varga, em Limeira, e Bendix do Brasil, em Campinas. Também foi diretor-técnico (2000-2001) e diretor administrativo (2002-2003) do Instituto de Desdobramento da Função Qualidade e Gestão de Desenvolvimento de Produto, membro do Conselho Fiscal da ABEPRO – Associação Brasileira de Engenharia de Produção (2000-2001) e foi editor do Brazilian Journal of Ope- rations & Production Management da ABEPRO (2004-2008). Atua nos seguintes grupos de pesquisa: Qualidade e Engenharia do Produto do departamento de En- genharia de Produção da Escola Politécnica da USP, Grupo de Engenharia de Pro- dutos, Processos e Serviços e Núcleo de Garantia da Qualidade, ambos da UFSC. Prefácio à segunda edição Esta segunda edição traz significativas alterações com relação à edição anterior. As mais significativas incluem preciosas contribuições que atentos leitores têm repassado aos autores, sempre visando à melhoria do texto. Somos muito agradecidos a todos eles. Dentre as inovações introduzidas nesta nova edição, a primeira e mais evidente refere-se ao alinhamento de seu conteúdo às novas versões das normas da série ISO 9000, publicadas em 2008, e às alterações processadas recentemente no Prêmio Nacio- nal da Qualidade. Além disso, também por sugestão de nossos leitores, introduzimos dois novos ca- pítulos, que incorporam as ferramentas da qualidade e a Gestão da Qualidade integrada à sustentabilidade. As ferramentas da qualidade foram incluídas no Capítulo 12. Nele são discutidas as características gerais das ferramentas, sua inserção no processo da Gestão da Qualida- de e também sua lógica de operação. A partir de um modelo de classificação proposto, um conjunto de ferramentas notáveis é desc rito e analisado sob o ponto de vista prático de sua aplicação. As ferramentas aqui descritas incluem-se na análise das relações entre causas e efeitos; descrevem expressões simplificadas e representações da operação do processo; e estudam os mecanismos de organização, desenvolvimento e otimização de ações do processo. Também investem no envolvimento dos recursos humanos no pro- cesso produtivo. Já o Capítulo 13 traz a visão dos sistemas integrados de gestão. A meta, aqui, é mostrar como as empresas fundem o sistema de Gestão da Qualidade com outros sistemas gerenciais, sempre mantendo o foco na sustentabilidade. Em especial, integra-se a perspec- tiva ambiental, a da saúde e da segurança ocupacional (que as empresas têm denominado de SMS – saúde, meio ambiente e segurança), além da responsabilidade social. XII Finalmente, há varias alterações desenvolvidas ao longo dos demais capítulos, realizadas tanto com o intuito de atender pertinentes sugestões feitas, quanto de ampliar o público-alvo a que o livro pretende atender, além de atualizar e contextualizar o con- teúdo discutido. Marly Monteiro de Carvalho e Edson Pacheco Paladini Capítulo 1 Histórico da Gestão da Qualidade Marly Monteiro de Carvalho Sumário do capítulo 1.1. O histórico da Gestão da Qualidade; 1.2. As eras da qualidade; 1.3. Os Gurus da qualidade; 1.4. Os profissionais da GQ; 1.5. Estudo de caso; 1.6. Questões para análise; 1.7. Referências. Figura 1.1 – Modelo geral da Gestão da Qualidade. Neste capítulo introdutório, apresentamos os temas de Gestão da Qualidade abor- dados neste livro. A ideia é fornecer ao leitor uma visão histórica da trajetóriadesta área, apresentando os principais marcos teóricos neste campo. Além disso, discute-se o papel dos profissionais da área da qualidade nas organi- zações e as perspectivas futuras. ELSEVIER2 Gestão da Qualidade 1.1. O histórico da Gestão da Qualidade Para entendermos o conceito de Gestão da Qualidade, precisamos passear um pouco pela história, buscando interpretar esse conceito e sua evolução à luz do ambiente produtivo vigente na época. Se fizermos uma viagem no tempo e perguntarmos a um artesão o que significa qualidade e confrontarmos com trabalhadores de diversas épocas posteriores, recebere- mos respostas bastante diversas. O artesão era um especialista que tinha domínio completo de todo o ciclo de produção, desde a concepção do produto até o pós-venda. Nessa época, o cliente estava próximo do artesão, explicitando suas necessidades, as quais o artesão procurava aten- der, pois sabia que a comercialização de seus produtos dependia muito da reputação de qualidade, que, naquele tempo, era comunicada boca a boca pelos clientes satisfeitos. Nesse sentido, o artesão tinha em sua abordagem de qualidade alguns elementos bastante modernos, como o atendimento às necessidades do cliente, que veremos a se- guir neste capítulo. Por outro lado, conceitos importantes para a área de qualidade mo- derna, como o de confiabilidade, conformidade, metrologia, tolerância e especificação, ainda eram embrionários. Além disso, o foco do controle da qualidade era o produto, não o processo, feito via inspeção de todos os produtos pelo artesão. Esse paradigma ainda encontrava eco no final do século XIX, quando a maior montadora de automóveis, a Panhard e Levassor (P&L), montava seus veículos atenden- do às necessidades dos abastados clientes que a procuravam; não havia dois carros iguais. Um grupo de artesãos altamente qualificado era responsável pela fabricação de compo- nentes e peças específicos e, posteriormente, pela montagem do veículo e pelos testes, ou seja, um processo semelhante à fabricação de um protótipo atualmente. Naquele tempo, era comum ocorrer o susto dimensional1, em que o tamanho de um veículo diferia bas- tante de outro produzido sob o mesmo projeto, devido à necessidade de ajuste nas peças feitas separadamente por diferentes artesãos, sem a utilização adequada dos conceitos de qualidade mencionados anteriormente. Nessa época, o carro era um produto para poucos, como ter um avião ou um helicóptero hoje, e, embora alguns fabricantes ainda produzissem carros dessa forma até a Primeira Guerra Mundial e alguns até hoje, como o Rolls Royce, esse paradigma de produção foi abandonado por essa indústria. Veio então a Revolução Industrial, que trouxe nova ordem produtiva, em que a customização foi substituída pela padronização e a produção em larga escala. A invenção de máquinas projetadas para obter grande volume de produção e uma nova forma de organização do trabalho permitiram alcançar a produção em massa. A produção em massa encontrou na linha de montagem seu modelo ideal. O trabalho foi fragmentado e, portanto, os trabalhadores tinham domínio apenas de uma 1 Para saber mais sobre a história do automóvel leia o livro Máquina que mudou o mundo, de Womack et al. (1993). pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar 3Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade pequena fração do trabalho, que era repetida várias vezes ao longo da jornada de traba- lho. O modelo de administração taylorista, ou Administração Científica, também retirou do trabalhador as etapas de concepção e de planejamento. Nessa época surgiu a função do inspetor, responsável pela qualidade dos produtos. As necessidades dos clientes não eram direcionadoras da concepção do produto. Da linha de montagem da Ford, no período de 1908 a 1927, saía apenas um modelo, o Ford T – ou como conhecido: Ford Bigode – e em uma única cor, a preta. Todavia, isso não foi empecilho para que esse produto se tornasse o carro do século, chegando a 15 milhões de unidades vendidas. Pela primeira vez, o carro se tornará um produto acessível à classe trabalhadora, mudando o conceito dessa indústria, que investiu em capacidade, para atender à demanda, que, então, era maior que a oferta. Por outro lado, essa também foi uma época de grande evolução do conceito de controle da qualidade, e Ford também teve papel importante nessa disciplina. Imaginem o quão difícil era encaixar as peças na linha de montagem, sem que os conceitos de es- pecificação, tolerância e conformidade estivessem desenvolvidos. Vocês se lembram do susto dimensional? Para viabilizar sua linha de montagem, Ford investiu muito na intercambialidade das peças e na facilidade de ajustes, adotando um sistema padronizado de medida para todas as peças. Como o modelo de linha de montagem se difundiu não só na indústria automobilística, mas também em outros setores industriais, tornou-se importante inves- tir no desenvolvimento de áreas como a metrologia, sistema de medidas e especificações, para garantir a intercambialidade das peças. Embora nessa época o foco do controle da qualidade ainda fosse a inspeção, já se encontravam elementos importantes do que viria a ser o conceito de qualidade que priorizava uma abordagem voltada à produção e à conformidade. Contudo, nesse período, deixaram de ser priorizados alguns aspectos importantes da Gestão da Qualidade moderna, como o conhecimento das necessidades do cliente e a participação do trabalhador, que eram bastante enfatizados no período artesanal. Foi um pouco depois, em 1924, que o conceito de controle da qualidade deu um novo salto, quando Walter A. Shewhart criou os gráficos de controle (ver Capítulo 9), ao fundir conceitos de estatística à realidade produtiva da empresa de telefonia Bell Telephone Laboratories. Shewhart também propôs o ciclo PDCA (plan-do-check -act), que direcionaria as atividades de análise e solução de problema. Na década de 1930, o controle da qualidade evoluiu bastante, com o desenvolvi- mento do sistema de medidas, das ferramentas de controle estatístico do processo e do surgimento de normas específicas para essa área. Surgiram técnicas de amostragem, o que permitiu a introdução da inspeção por amostragem, que reduziu as inspeções a 100% (antes, geravam elevados custos indiretos). As normas britânicas e americanas de controle estatístico da qualidade são também desse período, British Standard BS 600 e American War Standarts Z1.1 – Z1.3, respectivamente. pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar ELSEVIER4 Gestão da Qualidade Foi também nessa época que os experimentos de Elton Mayo e a Escola das Rela- ções Humanas começaram a questionar a alienação no trabalho e a importância da parti- cipação do trabalhador. Esse trabalho pioneiro, aliado aos estudos de Maslow, McGregor e Herzberg, nas décadas seguintes, sobre motivação humana, teve grande influência nos programas de qualidade no período pós-guerra, em especial na composição do modelo japonês. No período da Segunda Guerra Mundial, as conquistas do controle estatístico da qualidade se difundiram, mas foi no período pós-guerra que novos elementos surgiram na Gestão da Qualidade. Nos Estados Unidos, a área de qualidade se consolidou. Em 1945, surgiu a pri- meira associação de profissionais da área de qualidade – a Society of Quality Enginers. Posteriormente, foi fundada em 1946 a American Society for Quality Control (ASQC), atualmente American Society for Quality (ASQ), com a participação de importantes nomes da área de qualidade, como Joseph M. Juran, que é membro fundador. Pouco depois, em 1950, também seria criada a associação japonesa de cientistas e engenheiros, aJUSE (Japan Union of Scientists and Engineers), com papel importante na área de qualidade. Foi na década de 1950 que as primeiras associações da área de qualidade e seu im- pacto nos custos foram tecidas e foi proposta a primeira abordagem sistêmica. Em 1951, Juran lançou a publicação Plannning and Practices in Quality Control, que apresentava um modelo que envolvia planejamento e apuração dos custos da qualidade (ver Capítulo 10). Já Armand Feigenbaum foi o primeiro a tratar a qualidade de forma sistêmica nas organizações, formulando o sistema de Controle da Qualidade Total (TQC – Total Quality Control), que influenciaria fortemente o modelo proposto pela International Organization for Standardization (ISO), a série ISO 9000. No final dessa década, em 1957, Philip B. Crosby lançou os elementos que criaram o programa Zero Defeito, que foi muito popular na época, tanto em programas militares como em empresas. Enquanto isso, no outro lado do mundo, o Japão lutava pela reconstrução no perí- odo pós-guerra. Nesse período, dois importantes teóricos da área da qualidade estiveram no Japão, W. Edwards Deming e Juran. Esses teóricos influenciaram a criação do modelo japonês, mas também foram influenciados por esse mesmo modelo. Deming, que exer- ceu forte influência na criação do modelo japonês, tinha forte orientação estatística e foco no controle da qualidade, mas em sua estada no Japão incorporou aspectos relacionados à participação dos trabalhadores e da alta gerência como fundamentais para a boa Gestão da Qualidade, conforme veremos mais à frente neste capítulo. Foi criado em 1951, em homenagem a Deming, o Prêmio Deming, que seria atribuído à empresa que mais se destacasse na área da qualidade em cada ano. Só no final da década de 1980 surgiu um prêmio similar nos Estados Unidos, o Prêmio Malcom Baldrige (1987), e posteriormente, na Europa, o Prêmio Europeu da Qualidade (1991), e também no Brasil, Prêmio Nacio- nal da Qualidade – PNQ (1992) (ver Capítulo 3). pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar 5Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade O modelo japonês, Company Wide Quality Control – CWQC, que foi traduzido no Brasil como Controle da Qualidade por toda a Empresa ou Controle da Qualidade Amplo Empresarial, traria vários elementos novos à Gestão da Qualidade, que seriam associados àqueles já presentes no modelo ocidental (TQC). Vários teóricos orientais tiveram também forte influência nesse novo modelo. Taiichi Ohno, um dos grandes idealizadores do modelo Toyota de produção, que ficaria conhecido como produção enxuta ou lean production, influenciou a qualidade, sobretudo pela aversão ao desper- dício (ou muda, termo em japonês). Em sua luta contra o desperdício, um dos alvos foi a eliminação da inspeção e, para tal, precisou devolver aos trabalhadores a responsabi- lidade pela qualidade do que produziam, para que pudessem interromper a produção assim que uma não conformidade ocorresse no sistema, intervindo em tempo real e evitando a produção de peças defeituosas. Além disso, Ohno reservava um horário pe- riodicamente para que os trabalhadores, em equipes, discutissem melhorias no proces- so. O conceito de melhoria contínua era fundamental no modelo japonês, ou melhor, na busca da perfeição (kaizen), conforme advogada por Maasaki Imai. Outro elemento importante no modelo japonês era o sistema de parcerias e alianças com fornecedores. A seleção e o desenvolvimento dos fornecedores já eram um fator crítico para o sucesso das empresas japonesas, em que as redes de fornecimento, conhecidas como keiretsu, apresentavam padrões de colaboração e parceria muito diferenciados, com o conceito de qualidade assegurada. Shigeo Shingo também colaborou para eliminação de desper- dícios da qualidade com a proposição de dispositivos à prova de erros (ou poka yoke, termo em japonês), bem como desperdício de tempos de preparação, com seu modelo de troca rápida de ferramenta (SMED). Kaoru Ishikawa teve também importante pa- pel no modelo japonês, contribuindo na formulação do CWCQ e na difusão das sete ferramentas da qualidade, que viriam a ser amplamente utilizadas pelos Círculos de Controles de Qualidade (CCQs), como ficaram conhecidos os grupos de melhoria, e atualmente ainda em uso em diversas organizações. Neste período foram estruturados conjuntos de ferramentas de qualidade largamente utilizadas pelas empresas até hoje, que serão apresentados no Capítulo 12. O sucesso do modelo japonês, que na década de 1970 já mencionava a aferição dos defeitos em partes por milhão, enquanto no Ocidente as métricas ainda eram cal- culadas em porcentagens, provocou forte interesse nas organizações pelos programas de qualidade. Nas décadas seguintes, os modelos TOC e CWQC foram implementados com entusiasmo pelas empresas e se difundiram rapidamente. Em 1987, em meio à expansão da globalização, surgiu o modelo normativo da ISO (International Organization for Standardization) para a área de Gestão da Qualidade, a série 9000, Sistemas de Garantia da Qualidade. Embora, em algumas situações, essa norma, que é de caráter voluntário, pudesse ter sido utilizada como barreira técnica às exportações, de maneira geral ela facilitou a relação de clientes e fornecedores ao longo da cadeia produtiva dispersa geograficamente. O processo de seleção de fornecedores, pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar ELSEVIER6 Gestão da Qualidade utilizando essa norma como critério qualificador, eliminou os enormes contingentes de auditores que as empresas mantinham, passando a utilizar as certificações e as auditorias de terceira parte, credenciadas para esse fim. A ISO 9000 difundiu-se rapidamente, tor- nando-se um requisito de ingresso em muitas cadeias produtivas, em especial a automo- bilística, que não tardou a criar diretrizes adicionais, como a QS 9000, que convergiram para uma especificação técnica ISO TS 16949, em 1999, para todo o setor (ver Capítulo 5). Em 2000, foi feita a terceira revisão da série, ISO 9000:2000 que trouxe novos ele- mentos, passando a adotar uma visão de Gestão da Qualidade e não mais de garantia, introduzindo elementos da gestão por processos, gestão por diretrizes e foco no cliente (ver Capítulos 6 e 7). Vale ainda destacar a norma de Gestão Ambiental ISO 14000, pu- blicada em 1996, que tem forte relacionamento com a série ISO 9000. Assim, chegamos a alguns elementos da Gestão da Qualidade moderna, que para- doxalmente recupera alguns atributos da época artesanal, como a busca da proximidade às demandas do cliente e maior customização, embora agora uma customização em mas- sa, ou seja, também com escala. No final da década de 1960, Mizuno e Akao colabora- ram para resgatar a proximidade com o cliente, propondo o método Desdobramento da Função Qualidade, QFD (Quality Function Deployment). Também Genichi Taguchi focou nas atividades de projeto, como fundamentais para a satisfação do cliente e para criação de uma qualidade robusta (robust quality). Esse resgate da importância dos clientes e a percepção da qualidade como um critério competitivo, passível de fornecer vantagem competitiva, trouxe alguns teóricos da área de estratégia e administração para a área da qualidade, como Garvin, que em seus trabalhos discutiu o impacto estratégico da qualidade. Também Akao tratou da importância do alinhamento estratégico da área de qualidade com as estratégias do ne- gócio, o que chamou de desdobramento das diretrizes (Hoshin Kanri ou strategic policy deployment) (ver Capítulo 6). O programa mais recente de Gestão da Qualidade surgiu no final da década de 1980, na Motorola, chamado Seis Sigma. Contudo, essa ferramenta só se popularizou no final do século passado e iníciodo século XXI. Esse programa apresenta várias características dos modelos anteriores, como o pensamento estatístico típico da época de maior ênfase no controle da qualidade e na análise e solução de problemas. No Seis Sigma existe uma preocupação com o uso sistemático das ferramentas estatísticas, seguindo um ciclo batizado de DMAIC (define-measure-analyse-improve-control), sigla que representa as etapas de definir, medir, analisar, melhorar e controlar, o que tam- bém remete ao ciclo PDCA. É importante ressaltar, contudo, que esse método vai além do pensamento estatístico, pois promove um alinhamento estratégico da qualidade, desdobrada em projetos prioritários. Além disso, existe forte ênfase na relação custo- -benefício desses projetos, cujos ganhos, em algumas empresas, somam cifras expres- sivas (ver Capítulos 4 e 10). pontofrio Destacar pontofrio Destacar 7Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade Outra tendência que desponta é a gestão integrada dos sistemas de qualidade e das normas de sustentabilidade, através da gestão integrada. Esse conjunto integrado de normas é composto das normas ISO 9000 e ISO 14000, já mencionadas e das nor- mas ISO 26000 de responsabilidade social e da OHSAS 18000 de saúde e segurança ocupacional. Os Sistemas Integrados de Gestão (SIG) integram, portanto, a perspectiva ambiental, a da saúde e da segurança ocupacional (que as empresas têm denominado de SMS – saúde, meio ambiente e segurança), além da responsabilidade social à Gestão da Qualidade (ver Capítulo 13). Essa breve revisão histórica busca traçar uma trajetória da evolução da qualidade ao longo do último século, lembrando que vários elementos de todos esses anos estão presentes no dia a dia das empresas. Ver Figura 1.2. Figura 1.2 – Ondas da Gestão da Qualidade. 1.2. As eras da qualidade Alguns autores fazem marcações temporais entre as principais tendências, embora a intersecção e a complementaridade entre os modelos predominantes em cada época sejam grandes. Uma das classificações temporais mais adotadas é a proposta por David Garvin, que classifica a evolução da qualidade em quatro eras, quais sejam: Inspeção; Controle Estatístico da Qualidade; Garantia da Qualidade e Gestão da Qualidade. As principais carac- terísticas dessas quatro eras estão descritas na Tabela 1.1. pontofrio Destacar ELSEVIER8 Gestão da Qualidade Tabela 1.1: Eras da qualidade Características Básicas Interesse principal Visão da Qualidade Ênfase Métodos Papel dos da qualidade Quem é o responsável pela qualidade Inspeção Controle Estatístico do Processo Garantia da Qualidade Gestão Total da Qualidade Fonte: Adaptado de Garvin, 1992. 1.2.1. Algumas definições de qualidade Qualidade é um termo que utilizamos cotidianamente, mas, se perguntarmos a diversas pessoas o significado deste termo, dificilmente chegaremos a um consenso. Garvin (1987), após pesquisar várias definições de qualidade coletadas no am- biente corporativo e na literatura, classificou cinco abordagens distintas da qualidade, quais sejam: transcendental; baseada no produto; baseada no usuário; baseada na produ- ção; baseada no valor. Cada uma dessas abordagens apresenta aspectos diferentes deste complexo conceito – Qualidade. A Tabela 1.2 sintetiza a definição da qualidade, sob o prisma de cada uma dessas abordagens. pontofrio Destacar pontofrio Destacar pontofrio Destacar 9Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade Tabela 1.2: Abordagens da qualidade Abordagem Frase excelência inata “A Corolários Ponto Fraco Fonte: Elaborada apartir do texto de Garvin (1987). 1.3. Os gurus da qualidade Foram muitos os teóricos que ajudaram a construir a área de qualidade, conforme foi apresentado no histórico desta disciplina, mas alguns tiveram um papel especial e me- receram a denominação Gurus da Qualidade. O que eles têm em comum é que fizeram parte da história, tanto pela contribuição teórica como pela intervenção em empresas. A Figura 1.2 apresenta o painel dos Gurus da Qualidade mais citados na literatura acadêmica e profissional: Walter A. Shewhart, W. Edwards Deming, Joseph M. Juran, Armand Feigenbaum, Philip B. Crosby, Kaoru Ishikawa e Genichi Taguchi. Neste tópico apresentaremos as principais ideias e contribuições desses teóricos. pontofrio Destacar ELSEVIER10 Gestão da Qualidade 1.3.1. Walter A. Shewhart Walter A. Shewhart nasceu nos Estados Unidos em 1891 e formou-se em enge- nharia, com doutorado em física pela Universidade da Califórnia, em Berkeley. Apesar de ter lecionado em algumas universidades ao longo de sua vida, foi como engenheiro no ambiente empresarial, primeiro na Western Electric (1918 a 1924) e de- pois na Bell Telephone Laboratories, onde se aposentou, que sua contribuição à área da qualidade foi desenvolvida. Shewhart, que ficou conhecido como o pai do controle estatístico da qualidade, desenvolveu uma das ferramentas mais utilizadas no controle da qualidade até hoje – os gráficos de controle. Mas, afinal, o que tinha de revolucionário nessa ferramenta? Shewhart fundiu conceitos de estatística em um método gráfico de fácil utilização no chão-de-fábrica e os aplicou à realidade produtiva da empresa em que trabalhava, a Bell Telephone Laboratories, em memorando datado de 16 de maio de 1924. A ferramenta proposta analisava os resultados das inspeções, que até aquele momento eram utilizadas apenas para a segregação dos produtos com defeito, por meio de gráficos de controle, que permitiam facilmente distinguir entre as causas de variação comuns ao processo e aquelas causas especiais, que deveriam ser investigadas. Com a análise desses resulta- dos à luz dos conceitos estatísticos era possível sair de uma postura reativa e entender e prever o comportamento do processo, o que permitiria uma ação proativa, evitando novas ocorrências. A facilidade de utilização do gráfico foi um dos aspectos que ajudou na sua difusão, pois era uma ferramenta visual, que podia ser preenchida no ambiente de trabalho, com os parâmetros estatísticos do processo já sintetizadas, conforme será apresentado no Capítulo 9. A Figura 1.3 apresenta um modelo de gráfico de controle. 11Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade Shewhart também propôs o ciclo PDCA (plan-do-check-act), que direcionaria a análise e solução de problema, percorrendo o ciclo de planejar, fazer, checar o resulta- do e depois agir, ou seja, implementar a melhoria, com enfoque de melhoria contínua (ver Capítulo 6). Estes conceitos depois foram lapidados e difundidos em conjunto por Shewhart e um discípulo, W. Edwards Deming. Seus livros Economic Control of Quality of Manufactured Product, publicado em 1931, e Statistical Method from the Viewpoint of Quality Control, em 1939, expõem os prin- cípios do controle estatístico da qualidade. Segundo uma de suas definições de qualidade: “A qualidade é subjetiva e objetiva.” 1.3.2. W. Edwards Deming William Edwards Deming nasceu nos Estados Unidos em 1900 e formou-se em engenharia elétrica, com doutorado em matemática e física pela Universidade de Yale. Deming era um pesquisador de muitas habilidades, e o que poucos sabem é que esse Guru da Qualidade também estudou música e tocava vários instrumentos, além de compor. Por sua longevidade (morreu em 1993, aos 93 anos), Deming percorreu várias eras da qualidade, tendo sido discípulo de Shewhart, com quem compartilhou o interesse pelas ferramentas estatísticas aplicadas ao controle do processo e pelo mé- todo de análise e solução de problemas por meio do ciclo PDCA. Contudo, foi como especialista enviado pelas Forças Aliadas no período de reconstrução do Japão, no pós-guerra (1947 e 1950), para ensinar técnicas de amostragem estatística, que De- ming formulou suas principais contribuições. Foi consultor da JUSE em 1950, 1951, 1952, 1955, 1960, 1965. A convivência com os japoneses durou quaseduas décadas, período em que as empresas japonesas fizeram uma verdadeira revolução, em termos de qualidade. Em agradecimento ao papel desempenhado, era tratado como pai do controle de qualidade no Japão e seu nome tornou-se o Prêmio Japonês da Qualidade – Deming Prize. Nesse período, Deming fundiu sua visão de estatístico, de ênfase nos dados, com a vivência nas empresas japonesas, em que a participação dos trabalhadores e da alta administração estava no dia a dia da busca pela qualidade e por sua melhoria de forma contínua, o que chamavam de kaizen. Deming percebeu que o ciclo PDCA trazia o con- ceito de melhoria contínua (kaizen) e o sistematizava de forma adequada. São muitas as contribuições de Deming para a área da qualidade, conforme vere- mos ao longo deste livro, mas seus 14 pontos têm sido diretrizes enfatizadas na Gestão da Qualidade em empresas de todo o mundo (veja Quadro 1.1). Sua atualidade é impres- sionante, dado que foi escrito há décadas. Nesses 14 pontos, Deming buscou sintetizar sua experiência no Japão, como preleção para a mudança organizacional necessária, com ênfase na liderança e na participação de todos na organização. ELSEVIER12 Gestão da Qualidade Quadro 1.1 – Os 14 pontos de Deming 1. Crie constância de propósitos em torno da melhoria de produtos e serviços, bus- cando tornar-se competitivo, manter-se no negócio e gerar empregos. 2. Adote uma nova filosofia. Estamos em uma nova era econômica. Gerentes oci- dentais precisam assumir o desafio, aprender suas responsabilidades e liderar o processo de mudança. 3. Acabe com a dependência da inspeção como forma de atingir a qualidade. Elimi- ne a necessidade de inspeção em massa, construindo a qualidade do produto em primeiro lugar. 4. Elimine a prática de priorizar negócios com base no preço. Pense em mini mizar o custo total. Caminhe no sentido de um único fornecedor para cada item e esta- beleça um relacionamento de longo prazo, baseado na lealdade e na confiança. 5. Melhore constantemente o sistema de produção e de serviços, aprimorando a qualidade e a produtividade, e assim sempre diminuindo os custos. 6. Estabeleça o treinamento no trabalho (on the job). 7. Estabeleça a liderança (veja ponto 12). O objetivo da supervisão deve ser ajudar trabalhadores e máquinas a fazer o trabalho melhor. 8. Elimine o medo, assim todos podem trabalhar efetivamente para a organi zação. 9. Quebre as barreiras entre os departamentos. Pessoal de pesquisa, projeto, vendas e produção devem trabalhar juntos, como uma equipe. 10. Elimine os slogans, exortações e metas para a força de trabalho, tais como defeito zero (zero defects) e novos níveis de produtividade. Tais exortações apenas criam um ambiente de adversidade, pois as causas da baixa qualidade e produtividade pertencem ao sistema, indo além do poder da força de trabalho. Elimine as quotas de trabalho no chão-de-fábrica. Substitua por liderança. Elimine gerenciamentos por objetivos. Elimine por números e metas numéri- cas. Substitua por liderança. 11. Remova barreiras que impedem os trabalhadores de sentirem orgulho de seu trabalho. 12. Remova barreiras que impedem os gerentes e engenheiros de sentirem orgulho de seu trabalho. Isso significa abolir os índices anuais ou de mérito por objetivos. 13. Institua um vigoroso programa de educação e automelhoria 14. Envolva todos da organização na tarefa de alcançar a transformação. A transfor- mação é tarefa de todos. Fonte: Adaptado de Deming (1990). Segundo uma de suas definições de qualidade: “Qualidade é a satisfação das ne- cessidades do cliente em primeiro lugar.” 1.3.3. Joseph M. Juran Joseph M. Juran nasceu na Romênia, em 1904. Já nos Estados Unidos, graduou -se em engenharia e direito. Assim como Shewhart, iniciou sua carreira no departamento de estatística da Western Eletric. 13Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade À semelhança de Deming, participou de várias eras da qualidade, por sua lon- gevidade, e também atuou no Japão no pós-guerra; por sua atuação, alcançou projeção mundial. Da experiência com empresas japonesas, ressaltava o grande envolvimento da alta administração e dos funcionários em vários aspectos da Gestão da Qualidade. Além dis- so, o sistema de puxar a produção demandava forte noção de cliente-fornecedor, não só ao longo da cadeia produtiva, mas também da noção de cliente interno, conceito que trabalhou em várias obras. Juran, em seus vários livros, Plannning and Practices in Quality Control (1951), Ma- nagerial Breakthrough (1964), Quality Planning and Analysis (1970), entre outros, ajudou a alçar a qualidade do âmbito operacional para o estratégico. Foi o primeiro a propor uma abordagem dos custos da qualidade, classificando-os em três categorias: falhas (externas e internas), prevenção e avaliação (ver Capítulo 10). Além disso, propôs a trilogia da qualidade: planejamento, controle e melhoria. O planejamen- to da qualidade estabelece os objetivos de desempenho e o plano de ações para atingi-los. O controle da qualidade consiste em avaliar o desempenho operacional, comparar com os ob- jetivos e atuar no processo, quando os resultados se desviarem do desejado. Finalmente, a melhoria da qualidade busca aperfeiçoar o patamar de desempenho atual para novos níveis, tornando a empresa mais competitiva. A Figura 1.4 ilustra a trilogia de Juran. Figura 1.4 – Trilogia da qualidade. Fonte: Adaptado de Juran, 1970. Algumas definições de qualidade deste autor são: “Qualidade é uma barreira de proteção à vida” e “Qualidade é adequação ao uso.” ELSEVIER14 Gestão da Qualidade 1.3.4. Armand Feigenbaum Armand Feigenbaum nasceu nos Estados Unidos, em 1922 e formou-se em enge- nharia, com doutorado em ciências, pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Feigenbaum tornou-se conhecido por ser o primeiro a tratar a qualidade de for- ma sistêmica nas organizações, formulando o sistema de Controle Total da Qualidade (TQC), em 1951, em seu livro de Total Quality Control. O Quadro 1.2 apresenta os prin- cipais aspectos do TQC. Quadro 1.2 – TQC segundo Feigenbaum “Um sistema eficaz para integração dos esforços dos diversos grupos em uma organização, no desenvolvimento da qualidade, na manutenção e na melhoria da qua- lidade.” (FEIGENBAUM, 1951) Para que esse sistema seja efetivo, é preciso observar todo o ciclo produtivo, que começa e termina no cliente (ver Figura 1.5), para obter produtos e serviços mais econômicos, mas que levem em conta a satisfação total do cliente. Destaca-se, contudo, que esse sistema consiste em uma estrutura e procedimentos, gerenciais e técnicos, de- vidamente documentados, que serviram de guia referencial para garantir a satisfação dos clientes, mas com custos da qualidade adequados. (FEIGENBAUM, 1987). Figura 1.5 – Ciclo produtivo. Segundo uma de suas definições: “Qualidade é a composição total das carac- terísticas de marketing, projeto, produção e manutenção dos bens e serviços, através dos quais os produtos atenderão às expectativas do cliente.” 15Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade 1.3.5. Philip B. Crosby Crosby nasceu nos Estados Unidos, em 1926, e formou-se em engenharia. Sua carreira foi menos acadêmica que a dos demais gurus, com atuação profissional primeiro em empresas e depois, em 1979, como consultor, montando a Philip Crosby Associates. Em 1957, Crosby lançou o programa Zero Defeito, que foi muito popular na época, tanto em programas militares, em 1961, na construção de mísseis, como em empresas. Esse programa aproveitava as noções de custos da qualidade propostas por Juran, mas tinha forte apelo gerencial e motivacional, com ênfase no fazer certo na primeira. Porém, houve também muita crítica ao programa, que alguns trataram como apenas um conjunto de slogans de propaganda. Crosby publicou vários livros, entre os quais destacam-se Quality is Free (1979) e Quality Is Still Free (1996). Também como Deming, divulgava14 pontos prioritários para a qualidade, conforme Quadro 1.3. Quadro 1.3 – Os 14 pontos de Crosby 1. Obter o compromisso da alta gestão com a qualidade. 2. Instalar equipes de aperfeiçoamento da qualidade em todos os setores. 3. Mensurar a qualidade na organização por meio de indicadores de qualidade, que devem indicar as necessidades de melhoria. 4. Levantar os custos da não qualidade. 5. Disseminar nos funcionários a importância da qualidade nos produtos ou servi- ços. 6. Implantar o sistema de ação corretiva. 7. Planejar o programa zero defeito. 8. Treinar os inspetores e demais responsáveis. 9. Instaurar o dia do zero defeito. 10. Estabelecer os objetivos a serem alcançados. 11. Eliminar as causas dos erros. 12. Reconhecer publicamente os que atingem os objetivos e não realizar a premiação financeira. 13. Instalar os círculos de qualidade para monitorar o processo. 14. Realizar repetidamente os itens listados anteriormente. Fonte: Adaptado de Crosby (1979). Segundo uma de suas definições: “Qualidade é conformidade às especificações.” ELSEVIER16 Gestão da Qualidade 1.3.6. Kaoru Ishikawa Kaoru Ishikawa nasceu no Japão, em 1915, graduou-se em química aplicada pela Universidade de Tóquio, doutorando-se só vários anos depois, em 1960. Foi professor e consultor de empresas. Ishikawa teve também importante papel no modelo japonês, contribuindo na for- mulação do Controle da Qualidade por toda a Empresa (Company Wide Quality Control – CWQC), que apresentava alguns elementos distintos ao TQC, conforme já discutido anteriormente neste capítulo. Ishikawa foi também importante na difusão de ferramentas e técnicas de análise e solução de problemas e gerenciamento da rotina (ver Capítulo 8); em especial as sete ferramentas da qualidade, que viriam a ser amplamente utilizadas pelos Círculos de Controles de Qualidade (CCQs), como ficaram conhecidos os grupos de melhoria, e atualmente ainda em uso em diversas organizações. As sete ferramentas da qualidade são: análise de Pareto; diagrama de causa-efeito (ou espinha de peixe, ou ainda diagrama de Ishikawa); histograma; folhas de controle; diagramas de escada; gráficos de controle e fluxos de controle. Segundo uma de suas definições de qualidade: “Qualidade é satisfazer radical- mente ao cliente, para ser agressivamente competitivo.” O Quadro 1.4 apresenta a utilização deste tipo de ferramenta na análise e solução de problemas. Quadro 1.4 – Qualidade em ação. Desvendando os atrasos dos fornecedores O gerente de produção estava preocupado com os atrasos na linha e resolveu estudar as principais causas relatadas pelos supervisores. Com base nos apontamentos de atraso, foi elaborado o diagrama de Pareto, para encontrar as principais causas. O diagrama de Pareto é um gráfico de frequências acumuladas em ordem decrescente, que ajuda a priorizar as causas de defeitos, con- forme ilustra a Figura 1.6. O Pareto feito pelo gerente apontou para “falta de material” como a principal razão para atrasos na linha de produção, com 44% das ocorrências, seguida por pro- blemas com a mão de obra, com 30%. Com base nesse diagrama, decidiu-se investigar em mais detalhes a principal causa de atrasos, que era falta de material. 17Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade Quadro 1.4 – Qualidade em ação. Desvendando os atrasos dos fornecedores (cont.) Figura 1.6 – Causas de atraso na obra. Nota: O gerente resolveu utilizar novamente o diagrama de Pareto, mas desta vez em seu formato estratificado por categoria. Para isso, ele resolveu analisar se a falta de material ocorria em função de atraso no prazo de entrega de determinado fornecedor, ou seja, se os fornecedores tinham confiabilidade de entrega diferente. Para isso, fo- ram tabulados os atrasos na entrega classificados por tipo de fornecedor. Os resultados obtidos estão na Figura 1.7. Figura 1.7 – Atrasos na entrega de material por fornecedor. Nota ELSEVIER18 Gestão da Qualidade Quadro 1.4 – Qualidade em ação. Desvendando os atrasos dos fornecedores (cont.) Com base na Figura 1.7, pode-se verificar que apenas a loja A tem uma con- fiabilidade de entrega aceitável, da ordem de 80%. A loja B deve ser descadastrada imediatamente, pois entrega o material atrasado sistematicamente, em cerca de 80% das vezes. Finalmente, a loja C, que atrasa em mais de 50% das vezes, também pode ser descadastrada, ou devem ser tomadas providências imediatas para a melhoria da confiabilidade de entrega. O engenheiro responsável ficou de tomar providências para melhorar a confiabilidade de entrega das lojas A e C e descadastrar a loja B. 1.3.7. Genichi Taguchi Genichi Taguchi nasceu no Japão, em 1924, e formou-se em engenharia e estatís- tica, doutorando-se em 1962. Taguchi, diferente dos outros gurus, focou as atividades de projeto e não de pro- dução, área que batizou de controle de qualidade off-line, para diferenciar das técnicas on-line de controle estatístico do processo. Ele julgava que a única forma de satisfazer o cliente era criar produto de qualidade robusta (robust quality). Taguchi propôs técnicas de projeto de experimento (DoE – design of experiment) e a função perda da qualidade, conforme ilustra a Figura 1.8. No conceito da função perda da qualidade, Taguchi argumenta que, conforme a característica de qualidade se afasta do valor nominal (valor-alvo), aumenta a “perda para a sociedade”, mesmo que eventualmente esteja dentro dos limites de especificação, ou seja, a redução das perdas não está diretamente relacionada com a conformidade às especificações, mas com a redução da variabilidade em torno do valor-alvo. Figura 1.8 – Função perda da qualidade (adaptado de Taguchi, 1990). Segundo uma de suas definições de qualidade: “Qualidade é a diminuição das perdas geradas por um produto, desde a produção até seu uso pelos clientes.” 19Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade 1.4. Os profissionais da GQ O papel dos profissionais da área de qualidade se encontra bastante modificado em relação aos seus primórdios, quando inspetores e supervisores compunham depar- tamentos massivos de qualidade, que eram responsáveis por inspecionar e controlar a qualidade de todos os produtos da empresa. Atualmente, ainda persiste a necessidade da existência de uma estrutura para a qualidade. Entretanto, essa estrutura é responsável pelo gerenciamento e pela opera ção do sistema de qualidade, seus procedimentos, documentos e métodos, que incluem pa- drões para os produtos, política da qualidade e procedimentos padrão de operação (ver Capítulo 5). Isso implica também uma estrutura eficiente para a elaboração de testes e ensaios para a análise da qualidade dos produtos. Além disso, uma estrutura para a auditoria interna de sistemas da qualidade, que visa a garantir e melhorar os sistemas implementados e elaborar relatórios de qualidade para a gerência das funções mais im- portantes do processo. Também implica prover capacitação e treinamento em métodos e ferramentas de planejamento e controle da qualidade para outras áreas (HOERL, 1998). Mas, afinal, qual é a diferença entre a antiga abordagem e a atual? A principal diferença consiste no fato de que cada departamento, seja ele de pro- dução ou de operação, passa a ser responsável pelo controle e pela qualidade dos produ- tos fabricados, bem como dos produtos desenvolvidos. Nesse contexto, o departamento de qualidade é responsável por prover a habilidade e os procedimentos necessários para que o sistema funcione como um todo, ou seja, a qualidade passa a ter uma abordagem que vai além do conhecimento trivial. Por outro lado, cresce a importância do domínio de ferramentas e técnicas da área de qualidade por todos na organização, pois se incentiva que o controle da qualidade, bem como a análise e solução de problemas, fique a cargo dos donos do processo, ou seja, do próprio departamento, que precisa estar capacitado para tal tarefa. Comas novas abordagens da qualidade, como o programa Seis Sigma, que são fortemente direcionadas para a apuração dos ganhos de projetos de melhoria, surge a necessidade de maior integração entre a área de qualidade e os demais departamentos da empresa, para que os ganhos advindos do programa possam ser apurados com maior precisão. Como consequência, em lugar de especialistas, há a necessidade de profissio- nais da qualidade com uma visão mais geral da empresa, que entendam dos processos, para permitir tal integração dentro da empresa. 1.5. Estudo de caso Para o Grupo Gerdau, um dos maiores do setor de siderurgia, qualidade é um valor da organização. ELSEVIER20 Gestão da Qualidade Sua política da qualidade é “satisfazer as necessidades dos nossos clientes, prati- cando qualidade em tudo o que fazemos e melhorando continuamente nossos proces- sos”. Esta política é desdobrada nos seguintes objetivos específicos: Fornecer produtos e serviços adequados ao uso dos nossos clientes, através de procedimentos que apliquem, com objetividade, os conceitos e as prá- ticas da Qualidade Total. Buscar padrões de produtividade e eficiência que nos permitam assegurar a solidez e a prosperidade do nosso negócio. Criar condições para que as pessoas, no exercício de suas funções, se reali- zem como profissionais e indivíduos. Manter consistente Política de Atendimento às exigências de preservação do meio ambiente. A implementação de programas de qualidade no grupo tem um longo histórico, que teve início em 1980, até a consagração em 2002, com o recebimento do Prêmio Nacional da Qualidade – PNQ, na categoria grandes empresas, pela Gerdau Aços Finos Piratini. Os principais marcos da implementação da Gestão da Qualidade no grupo são descritos na Tabela 1.3. Tabela 1.3: Histórico da qualidade no Grupo Gerdau – – – – – 21Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade – – – – ELSEVIER22 Gestão da Qualidade – – – Fonte: Disponível em: http://www.gerdau.com.br/port/agerdau/qu_politica.asp (consultado em 5/2005). Atualizado em: http://www.gerdau.com.br/sobre-gerdau/sistema-de-gestao-premios-e-certificacoes.aspx (consultado em jan./2011). 1.6. Questões para análise 1. Leia atentamente o Estudo de Caso do Grupo Gerdau e responda: a. Quais foram as diferentes eras da qualidade visitadas pela Gerdau ao longo do período descrito? b. Quais são as principais características do modelo de gestão da qualidade atual na Gerdau? 2. Quais são as principais características das eras da qualidade? Escolha uma organiza- ção que você conhece bem e classifique em qual das eras ela melhor se caracteriza. 3. Quais os aspectos da qualidade enfatizados por todos os Gurus da Qualidade? 4. Em que aspectos os Gurus da Qualidade divergem? 5. O que é TQC? Faça uma busca na Internet e identifique empresas que adotam este modelo. 6. O que diferencia o CWQC do TQC? 7. O que é ISO 9000? Cite nomes de empresas certificadas. 8. O que é um Sistema Integrado de Gestão? Quais normas ele gere? 23Capítulo 1 | Histórico da Gestão da Qualidade 1.7. Referências CARVALHO, M M. “Medindo o Sigma do Processo”. In: ROTONDARO, Roberto G. (Org.). Seis Sigma: estratégia gerencial para melhoria de processos, produtos e serviços. São Paulo: Atlas, 2002, p. 164-176. __________. “Qualidade em Projeto”. In: AMATO NETO, João, (Org.). Manufatura classe mundial: conceitos, estratégias e aplicações. São Paulo: Atlas, 2001, p. 131 -145. __________. “Selecionando Projetos Seis Sigma”. In: ROTONDARO, Roberto G. (Org.). Seis Sigma: estratégia gerencial para melhoria de processos, produtos e serviços. São Paulo: Atlas, 2002, p. 49-79. CROSBY, Philip. B. Qualidade, falando sério. São Paulo: McGraw-Hill, 1990. DEMING, William Edward. Qualidade: a revolução da administração. Rio de Janeiro: Mar- ques-Saraiva, 1990. FEIGENBAUM, A.V. Total Quality Control. Nova York: McGraw-Hill, 1954. GARVIN, David A. Managing quality: the strategic and competitive edge. EUA, Nova York: Har- vard Business School, 1988. HOERL, R.W. “Six Sigma and the Future of Quality Profession”. Quality Progress, p. 3.5 42, jun. 1998. ISHIKAWA, K. Controle de qualidade total à maneira japonesa. 6. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997. __________. What is Total Quality Control? The Japanese Way. Englewood Cliffs: Prentice- -Hall, 1985. JURAN, J. M.; GRYNA, Frank M. Controle da qualidade-handbook. 4. ed. São Paulo: Makron Books & McGraw-Hill, 1992, v. III. KONDO, Y. H. K. “A Participative Way of Quality Management in Japan”. The TQM Magazine, v. 10, no 6, p. 425-431, 1998. MASLOW, Abraham H. Maslow no Gerenciamento. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2000. McGREGOR, Douglas. O lado humano da empresa. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. OZAWA, M. Total Quality Control and Management – The Japanese Approach. Tóquio: JUSE Press, 1988. SENGE, Peter. A quinta disciplina-arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. 15. ed. São Paulo: Best Seller, 1990. SHIBA, S.; GRAHAN, A.; WALDEN, D. TQM: Quatro Revoluções na Gestão da Qualidade. São Paulo: Bookman, 1997. SHINGO, Shigeo. O sistema Toyota de produção: do ponto de vista da engenharia de produção. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. WOMACK, J. P; JONES,D.; ROSS, D. A Máquina que Mudou o Mundo. Rio de Janeiro: Cam- pus/Elsevier, 1993. Capítulo 2 Perspectiva Estratégica da Qualidade Edson Pacheco Paladini Sumário do capítulo 2.1. O que significa perspectiva estratégica da qualidade?; 2.2. A qualidade como fa- tor de liderança estratégica; 2.3. A visão estratégica da qualidade; 2.4. A componente operacional no conceito da qualidade; 2.5. Ações de controle; 2.6. Gerenciamento baseado em controle; 2.7. Desenvolvimento de ferramentas de melhoria do processo produtivo; 2.8. Gerenciamento operacional; 2.9. A gestão tática da qualidade; 2.10. Métodos quantitativos e modelos estatísticos; 2.11. Gestão da qualidade com base em indicadores; 2.12. Envolvimento das pessoas no esforço pela qualidade; 2.13. A transição para a dimensão estratégica da qualidade; 2.14. A concepção estratégica da qualidade; 2.15. O impacto do conceito estratégico da qualidade para as pessoas; 2.16. Algumas questões práticas; 2.17. Referências. Os conceitos da qualidade mudaram consideravelmente ao longo do tempo. De sim- ples operações em processos de manufatura, direcionadas para produzir pequenas melhorias localizadas, a qualidade passou a ser considerada um dos elementos fundamentais da gestão das organizações, tornando-se fator crítico para a sobrevivência de organizações produtivas, pela consolidação de bens tangíveis, serviços e processos nos mercados; e de pessoas, pelos seus diferenciais de atuação. Esta nova perspectiva do conceito e da função básica da qualidade de- corre, diretamente, da crescente concorrência que envolve os ambientes em que atuam pessoas e organizações. Como se percebe, a perspectiva estratégica da qualidade não apenas cria uma visão ampla da questão, mas, principalmente, atribui a ela um papel de extrema relevância no processo gerencial das organizações. ELSEVIER26 Gestão da Qualidade 2.1. O que significa perspectiva estratégica da qualidade? Inicialmente, uma análise individual dos termos que compõem a expressão “pers- pectiva estratégica da qualidade”. 2.1.1. Estratégico Em sua visão mais simples, as ações estratégicas são aquelas que têm impacto direto na sobrevivência das organizações. Em regra, estas ações requerem uma “visão estratégica”, ou seja, são definidas a partir da análise de cenários amplos, que vão além da organização em si mesma, mas contemplam toda a área externa em que ela atua, que podem envolver fornecedores, clientes, mercados, concorrentes como também podem considerar aspectos relacionados a carências eventuais de matérias-primas, substituição de tecnologias, avanços sociais, preocupações ambientais etc. Dessa forma, considera-se que a visão estratégica sempre comportaduas dimensões básicas: (1) a dimensão espa- cial, que inclui a organização como um todo e o ambiente onde ela está inserida e (2) a dimensão temporal, em que são analisadas variáveis que vão se alterando ao longo do tempo, como o progresso tecnológico e o gosto ou os desejos de um grupo de consumi- dores, por exemplo. Essas características fazem com que decisões estratégicas tendam a considerar análises abrangentes e de longo prazo. Tanto pela natureza das variáveis que são reque- ridas para a tomada da decisão como, principalmente, pelo impacto que determinam na organização como um todo, tem-se, como regra geral, que essas decisões são tomadas pela alta administração. Isso, contudo, não exclui os níveis gerenciais táticos e operacio- nais de adotarem posturas estratégicas, até porque suas ações podem constituir-se em diferencial estratégico para a organização. Um exemplo simples: um pequeno avanço tecnológico desenvolvido no âmbito do processo produtivo pode determinar um ganho de produtividade acentuado que, por sua vez, pode ter influência direta no custo de produção. Redução de custos pode implicar redução de preços, o que, por sua vez, pode determinar um elemento de forte atratividade de um produto, diferenciando-o de forma significativa de seus concorrentes. Essa é a razão pela qual incentiva-se que todos na or- ganização – independentemente do nível hierárquico a que estejam integrados – venham a adotar posturas estratégicas. Essas posturas criam o comportamento estratégico da organização e requerem, por sua vez, que sejam criados modelos de formação estratégica para as pessoas. Como se percebe, assim, a perspectiva estratégica das organizações pres- supõe a perspectiva estratégica das pessoas. Decisões estratégicas são reunidas em um modelo de planejamento bem conheci- do – o planejamento estratégico. Este, por sua vez, integra a gestão estratégica, que pode ser desdobrada em processos gerenciais específicos, como a gestão estratégica de custos ou a gestão estratégica da qualidade. 27Capítulo 2 | Perspectiva Estratégica da Qualidade 2.1.2. Perspectiva O termo “perspectiva” vem do latim (grafado da mesma forma) e significa uma forma de representação (por exemplo: representar, em um determinado plano, objetos no modo como eles se apresentam a quem os vê). A perspectiva leva em consideração a posição de cada objeto no conjunto analisado, bem como distâncias que separam os objetos entre si. Por tratar-se de uma visão de conjunto, a perspectiva mostra os objetos como vistos de longe, de cima, ou seja, no seu contexto como um todo. Podem ser con- siderados sinônimos de perspectiva vocábulos como panorama, aparência, horizonte ou espaço. Em uma visão temporal, pode-se entender a expressão “em perspectiva” como algo esperado no futuro (imediato ou não). 2.1.3. Perspectiva estratégica da qualidade A expressão “perspectiva estratégica da qualidade”, assim, mostra um contexto bem definido. De fato, trata-se da colocação da qualidade em um contexto amplo, em ge- ral de longo prazo, em que a qualidade não é vista de forma isolada, mas inserida em um modelo em que se consideram os aspectos essenciais da sobrevivência da organização e de como a qualidade os afeta e é por eles influenciada. Ao mesmo tempo, essa expres- são chama a atenção para a visão de longo prazo, em que se analisam tanto os reflexos que uma gestão que prioriza a qualidade costuma trazer, como se definem as ações que podem garantir posições consolidadas da organização no mercado. Esta preocupação sempre existiu e, observe-se, tornou-se mais crucial em momentos de crise econômica, como a que o mundo atravessou entre 2008 e 2010 (KOLESAR, 2009). Juntando as duas coisas – “perspectiva” e “estratégica” – observa-se, assim, que há várias interpretações possíveis para a expressão “perspectiva estratégica da qualida- de”. Ela significa, por exemplo: Considerar a qualidade como fator de sobrevivência para as organizações. Elevar a qualidade à categoria de diferencial competitivo das organizações – seja em termos de produtos, serviços, métodos de trabalho, processo produtivo etc. Tomar decisões acerca da qualidade, tendo em vista um cenário amplo de im- plicações, insumos e resultados. Adotar uma visão de futuro sobre a questão, considerando cenários prováveis para a organização, para o mercado e para a sociedade como um todo. Como se percebe, esse conceito amplia bastante o que tradicionalmente se enten- dia como qualidade. Além disso, aumenta sua importância e a responsabilidade pelas tomadas de decisão que dizem respeito às formas de planejar e desenvolver sua imple- mentação conceitual e prática nas organizações. ELSEVIER28 Gestão da Qualidade 2.2. A qualidade como fator de liderança estratégica A mesma análise termo a termo, utilizada anteriormente, vai servir de suporte para que se entenda, exatamente, o que significa a qualidade vista com um fator de lideran- ça estratégica das organizações. 2.2.1. Qualidade No seu sentido primeiro, qualidade é uma relação da organização com o mercado. Neste contexto, a qualidade é definida como uma relação de consumo. Muitos autores contestam essa acepção do termo qualidade. De fato, sob a aborda- gem abrangente que o gênio de Taguchi desenvolveu, a qualidade é definida a partir das relações das organizações com a sociedade. É claro que esta definição (“qualidade é a mini- mização das perdas impostas à sociedade”) não tem sua consistência baseada apenas no seu lado, digamos assim, mais romântico, talvez utópico, ou mesmo idealista. Dessa sociedade de hoje saem nossos consumidores de amanhã. E mais: esses consumidores andam tendo ideias novas, andam falando de coisas que não se ouviam antigamente. Falam em respeito ao meio ambiente, em ações sociais da organização, em “clientes maravilhados”. Parece que hoje a qualidade assumiu, plenamente, um enfoque que David Garvin fixou 20 anos atrás: a visão transcendental, ou seja, a qualidade não está apenas no pro- cesso produtivo, no método de trabalho, no produto em si ou no serviço prestado; vai além de tudo isso. Ainda não se sabe ao certo se essa generalização conceitual é causa ou consequên- cia da revolução pela qualidade que assolou o planeta, principalmente a partir do final dos anos 1980. Mas se sabe, com certeza, que esta reviravolta de conceitos, posturas, exigências e expectativas tem tudo a ver com um fenômeno que se propaga furiosamente: o crescente e avassalador aumento da concorrência. 2.2.2. Fator Fator é uma palavrinha simples. Vem do latim, factore, e significa, em geral, aque- le que faz alguma coisa, o agente do processo de fabricação ou de produção de alguma coisa. Outra acepção do termo é aquela que envolve o conceito de cada um dos termos de um produto a efetuar. Assim, fator parece ser uma palavra que define partes, meios, componentes, integrantes. Talvez o significado de fator que mais tem a ver com a frase “a qualidade como fator de liderança estratégica” seja o que associa fator ao que concorre para um resultado. Ou seja: o fator é alguma coisa a qual recorremos para obter um produto, um resultado, uma consequência, um efeito, uma decorrência, uma implicação, ou até mesmo, uma simples sequela. Ou seja: o fator é alguma coisa que “nos conduz a algum lugar”. pontofrio Destacar 29Capítulo 2 | Perspectiva Estratégica da Qualidade 2.2.3. Liderança Liderança já é um termo complexo. Como regra geral, significa o conjunto de características de uma pessoa ou de uma organização que se diz líder, ou que tem ca- pacidade de liderar. Liderar, aqui, parece ser o mesmo que governar, dirigir, chefiar ou conduzir. De fato, no mais das vezes, o líder é o chefe, o dirigente ou o guia de qualquer tipo de ação, de qualquer empresa ou, de uma forma mais ampla, o que conduz as pessoas em busca de um ideal. Mas líder também é o que fala por todos, isto é, o representante deum grupo, de uma sociedade, de um conjunto de pessoas que possui a mesma opinião em relação a algum assunto. No futebol, o líder é reverenciado – afinal, é o clube que ocupa a primeira posição em qualquer tipo de competição desportiva e que, por isso, merece mais destaque do que os outros. No mercado, o líder é o produto de consumo ou o serviço prestado que mais vende em sua faixa própria de atuação; é o serviço mais procurado; é a marca mais respeitada. É, enfim, o referencial de toda uma classe de bens tangíveis ou intangíveis. A liderança deve sempre oferecer um direcionamento. De fato, a liderança dá o exemplo. Ela gera coragem e destemor nas pessoas para que busquem novos e mais ele- vados padrões de desempenho. A liderança define caminhos a seguir e rumos a tomar. Estabelece objetivos. Determina prioridades. E, é claro, viabiliza as ações, alocando os recursos indispensáveis para tanto. Pessoas que são realmente líderes alteram a cultura das organizações Isso quer dizer: criam novos valores; geram nova visão; incentivam novos com- portamentos. Geram oportunidades para que as pessoas evoluam, inovem, arrisquem- -se. Por isso, diz-se que os líderes são, antes de tudo, agentes de mudanças. Em pri- meiro lugar, nas pessoas; depois, nas organizações. Os líderes têm uma característica de ação interessante diante das crises: eles identificam os problemas e as dificuldades. Como todo mundo. Mas eles investem na busca de soluções com extremo empenho. Como quase todo mundo. E efetivamente eles encontram estas soluções. Como pouca gente. E mobilizam, motivam e compro- metem as pessoas para produzirem resultados que eliminam os problemas. Como quase ninguém. O conceito de liderança, assim como o de qualidade, mudou muito nos últimos tempos. Na década de 1920, falava-se em líderes de modo formal, identificando-se os líderes burocráticos. Sua característica de liderança estava calcada em seu patri- mônio (pessoal ou material) e em aspectos específicos de sua personalidade – como o carisma, por exemplo. Nos anos 30, a liderança caminhou junto com a motivação e considerava-se líder aquele que conseguia motivar seus subordinados. ELSEVIER30 Gestão da Qualidade Na década de 1940, em função até da guerra, enfatizou-se muito a ideia de que o líder era aquele que conduzia as pessoas, levando-os a atingir os resultados que ele – o líder – desejava que fossem atingidos. A década de 1950 enfatiza as estratégias comportamentais, fazendo com que a liderança seja confundida um pouco com indu- ção de novos comportamentos. A década de 1960, quando se cristaliza o conceito de gestão como forma de controle, torna o líder uma pessoa que consegue avaliar conti- nuamente a ação dos seus subordinados e redirecioná-las. Na década seguinte, surge o conceito de liderança como uma atividade de gestão que, com o uso de recursos como envolvimento, motivação e comunicação, direciona a ação das pessoas de forma tal que as leva a atingir determinados resultados. Atualmente, a liderança está associada com cultura organizacional. Daí o conceito atual, que envolve alterações de hábitos, crenças e valores. 2.2.4. Estratégico Por fim, pode-se rever o que se disse sobre “estratégico”. Estratégico significa um elemento que tem impacto na sobrevivência da organização. A visão estratégica, portan- to, é a visão do futuro da organização, de como ela estará operando no futuro. Planejamento estratégico é a forma de planejamento que visa a garantir meios e fins para que a empresa cresça constantemente. Ação estratégica é uma ação que implica a evolução da organização. E assim vai. O modelo estratégico mais conhecido é o planejamento estratégico. Trata-se de um modelo de planejamento utilizado pelas organizações para envolver todos os seus recursos, de modo global, com ações de curto, médio e longo prazos. Em geral, ações específicas são definidas como sendo estratégias. As estratégias são métodos para implantar mecanismos destinados a produzirem resultados especí- ficos ou gerais em qualquer atividade, processo, serviço ou produto da organização. Por envolver os elementos básicos de um sistema, a implantação de uma determinada estratégia pode introduzir uma estrutura sistêmica na organização ou em partes bem definidas dela. Assim, é comum mencionar o “sistema just-in-time” para referir-se à estrutura que suporta as ações básicas da estratégia just-in-time. É importante obser- var que se utiliza o termo “sistema” exatamente porque a estrutura em questão é um sistema. A noção de estratégia é mais ampla do que a noção de ferramenta, embora, às vezes, os termos sejam, equivocadamente, trocados. A estratégia envolve a utilização de várias ferramentas e tende a produzir resultados mais amplos. Além disso, dificil- mente uma ferramenta gera uma estrutura própria de suporte – o que ocorre com as estratégias. 31Capítulo 2 | Perspectiva Estratégica da Qualidade O comportamento estratégico das organizações costuma ser revelado pela preocupação básica que ela tenha com questões fundamentais. As mais comuns são: Por que a organização existe? O que caracteriza sua ação na sociedade? Como ela desenvolve seu processo produtivo? Onde a organização pretende chegar? As ações estratégicas das organizações procuram trabalhar quatro elementos bá- sicos, sendo dois internos e dois externos à organização. No primeiro caso, inserem-se dois tipos de características de cada organização: seus pontos fortes e seus pontos fra- cos. No segundo, consideram-se as oportunidades que a organização pode aproveitar no contexto onde ela se insere e as ameaças que podem comprometer suas ações no futuro. Em função destes aspectos, considera-se fundamental manter uma constante ava- liação – e até mais do que isso – estabelecer um permanente monitoramento das ações da concorrência. 2.2.5. A qualidade como fator de liderança estratégica Analisando os termos em conjunto, tem-se, agora, uma visão clara do que signifi- ca “a qualidade como fator de liderança estratégica”. A ideia é que a qualidade, na forma como está sendo aqui definida, será o fator, na forma como está sendo aqui definido, de liderança, na forma como está sendo aqui definida, estratégica, na forma como está sendo aqui definida. Em resumo: a correta definição de uma forma de relacionamento da organização com o mercado e, mais em geral, com a sociedade (qualidade) é um mecanismo que conduz a um dado resultado (fator), qual seja, uma postura inovadora (liderança) que garantirá a sobrevivência da organização (ação estratégica). Transformar organizações em líderes em suas áreas de atuação nem sempre é tare- fa fácil. De fato, pode-se observar que há três tipos de organizações: Que nasceram para liderar e lideram. Que nasceram para liderar. Que nasceram. O que diferencia a primeira da segunda é o fator tempo. O que diferencia as duas primeiras da terceira é o fator concepção da organização. A qualidade é uma forma de conceber a atuação da organização no mercado e, por extensão, na sociedade. Esta forma de concepção pode ser o diferencial básico que não apenas garante a sobrevivência, mas a evolução da própria organização. ELSEVIER32 Gestão da Qualidade 2.3. A visão estratégica da qualidade A estruturação da visão estratégica da qualidade começa com algumas questões básicas. Como se constrói um conceito consistente para a qualidade? Como se constrói qualquer conceito consistente: transformando-o em um valor. Ou seja: fazendo com que as pessoas passem a acreditar que, efetivamente, a qualidade é fundamental para a sobrevivência da organização e delas próprias. Não se deseja, assim, uma simples mudança de posturas ou comportamentos, mas, sim, uma alteração na forma de pensar e crer. Criar uma nova forma de agir, portanto, seria simples consequência. No Brasil, o que significa qualidade? O termo tem mudado seguidamente de sentido. Ainda persiste a ideiade que a qualidade é o esforço para minimizar defeitos. Como também permanece a visão de que a qualidade está restrita às melhorias localizadas. Ou até mesmo a uma maior qualificação das pessoas. Mas hoje muita gente já vê a qualidade como um diferencial. Ou até mesmo como um item básico de manutenção da empresa viva. Principalmente nestes tempos de concorrência acirrada. Ao lado dessas questões mais amplas, surgem algumas outras questões práticas que contribuem de forma decisiva na construção do conceito prático da qualidade. Qual o desafio que a qualidade pretende enfrentar e vencer? Em termos simples e objetivos, estabelecer um diferencial competitivo. Ou seja: garantir um lugar ao sol para a organização, diferenciando-a das demais. Dito de outro modo: fixar raízes à frente dos concorrentes. Qual a contribuição que a qualidade pretende oferecer? Existem contribuições operacionais que não podem ser desprezadas: redução de defeitos, redução de custos, redução de retrabalho, aumento da produtividade, por exemplo. Existem, também, contribuições táticas relevantes: pessoas mais preparadas para tomar decisões gerenciais críticas para o funcionamento da em- presa, por exemplo. Mas as contribuições mais relevantes são as de natureza es- tratégica: garantir não apenas a sobrevivência da organização, mas seu contínuo crescimento (evolução). Pode-se dizer que os resultados práticos da gestão da qualidade em nível opera- cional motivaram o desenvolvimento dos conceitos táticos da qualidade, cujos benefícios permitiram que se criasse a visão estratégica da qualidade. Há quem diga que a gestão operacional da qualidade é a visão “histórica” da qualidade nas empresas brasileiras. De fato, é possível que hoje a maioria das organizações veja a qualidade sob uma óptica mais ampla e relevante. Mas há, ainda, empresas brasileiras que restringem as ações e os resul- tados da qualidade ao plano operacional, buscando apenas reduzir custos de operação 33Capítulo 2 | Perspectiva Estratégica da Qualidade de equipamentos, avaliar fornecedores com base em planos de amostragem à porta da fábrica, minimizar defeitos no processo produtivo, eliminar condições de trabalho que possam induzir ao erro ou ao desperdício etc. Não se imagina que essas empresas estejam vendo a qualidade apenas com essa ótica, mas, sim, que estejam em estágios iniciais da concepção da qualidade. E que, em algum momento, começarão sua evolução em direção a novas visões. Na verdade, essa alteração gradual de visão foi a forma como a coisa toda começou. 2.3.1. A qualidade começou na indústria E por quê? Parece haver uma razão básica inicial: a indústria possui processos pro- dutivos bem estruturados e perfeitamente organizados – ao contrário, por exemplo, de empresas comerciais. Esse arranjo cria condições de que sejam implantadas técnicas de melhoria de forma mais simples, já que causas e efeitos são facilmente identificáveis. Além disso, os resultados são mais visíveis – e, por isso mesmo, mais estimulantes e motivadores. Há, contudo, outra razão mais relevante: as empresas industriais foram as que primeiro sentiram o peso da concorrência. Esta carga foi mais sentida nas empresas que se aventuraram em atividades de exportação, passando a competir com empresas locais em seus próprios países. Quem está na estrada há mais tempo deve lembrar que, no começo dos anos 80, os textos dos projetos de pesquisa e desenvolvimento (sobretudo aqueles financiados por agências oficiais de fomento) sempre começavam da mesma forma: ressaltavam a importância de priorizar o mercado externo, o desenvolvimento de produtos para a ex- portação, como forma de atrair a entrada de moedas fortes que, para um país em desen- volvimento como o Brasil, tinham importância fundamental. Durante um bom tempo, criou-se a impressão de que a qualidade era restrita às linhas de produção destinadas a esses produtos para exportação. E por que tanta ênfase no desenvolvimento de melhorias em linhas de exportação? Porque os produtos dela decorrentes entrariam em um mercado mais competitivo que o mercado interno. Hoje, esta diferenciação não faz mais sentido. O mercado interno também se transformou em um ambiente de grande concorrência. É até pecado falar em ênfase na qualidade exclusiva da exportação. Continua-se incentivando a exportação como sempre se fez e, no fundo, pela mesma razão de décadas atrás. Ocorre, contudo, que a concor- rência interna criou a necessidade de que os produtos destinados ao consumo no Brasil sejam diferenciados dos concorrentes (inexistentes ou pouco expressivos até algum tem- po atrás). Esta, assim, parece ser a razão principal: a qualidade começou na indústria porque foi esse setor da economia nacional que primeiro sentiu os efeitos da concorrência. pontofrio Destacar pontofrio Destacar ELSEVIER34 Gestão da Qualidade 2.3.2. A qualidade migrou, depois, para as organizações de serviços E por quê? Produzir qualidade em ambientes produtivos um tanto confusos como organizações comerciais, hospitais, hotéis ou empresas transportadoras sempre foi um desafio considerável. Houve mesmo quem dissesse que isto não seria possível. Afinal, como organizar o processo produtivo de um restaurante, se não se sabe que prato pode pedir o próximo cliente que entrar? E no serviço público? Como cons- truir um conceito de qualidade para governos e serviços públicos em geral? Como avaliar a qualidade destes serviços? Em um primeiro momento, as dificuldades na condução de um processo gerencial bem estruturado em organizações de serviços fizeram com que a gestão dessas empresas fosse feita de forma personalista, com base em intuição e talento pessoal de empresários e de geren- tes. De fato, até hoje se considera que a influência da ação das pessoas no desenvolvimento (e no gerenciamento) de serviços é muito maior do que nas organizações industriais. Outro fator a considerar neste ambiente é a histórica falta de uma “barreira de en- trada”. O nível de investimento mínimo para criar uma organização industrial sempre foi considerado um entrave à entrada de novos competidores na área. Não se podia dizer o mesmo até recentemente para o setor de serviços, visto que sempre se teve a ideia de que qualquer pessoa poderia, da noite para o dia, abrir um restaurante – o que não ocorreria com um fabricante de geladeiras. Essas noções que hoje são vistas como equivocadas talvez não o fossem no pas- sado. Assim, elas criaram alguns mitos no processo de prestação de serviços, como, por exemplo: O serviço não requer tecnologia. O serviço dispensa aporte de capital. O serviço pode ser desenvolvido sob forma de uma ação de pequena escala. A prestação de serviços dispensa estudo, análise e pesquisa. Serviços não produzem empregos, riqueza ou renda. Toda avaliação em serviços é subjetiva. Todas essas suposições caíram por terra, abatidas pelo mesmo argumento: con- corrência. De fato, em qualquer lugar no país, na cidade onde existia só um mísero hotelzinho, hoje existem dez; em um bairro onde há dez anos havia uma única farmácia, hoje existem dez; na avenida onde havia um único restaurante até bem pouco tempo, hoje existem dez. E com um detalhe importante: não se trata de alguns hotéis a mais; são hotéis com serviços diversificados (um deles opera também como apart-hotel; o outro possui serviços mais simples e diárias mais baratas; já há outro, ainda, que dispõe de pontos de Internet e laptops em todos os apartamentos etc.). O que parece ser uma far- mácia a mais, na verdade, é um minimercado... Os restaurantes também diversificaram: há um de fast-food; outro de comida vegetariana; outro que serve comida tailandesa, e assim por diante. Ou seja, concorrência. 35Capítulo 2 | Perspectiva Estratégica da Qualidade Assim, as organizações prestadoras de serviços se viram diante do mesmo dilema das empresas industriais. E não tiveram opção:
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