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Narratologia

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FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA 
LITERATURA 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Phelipe de Lima Cerdeira 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Esta aula será muito importante por já assinalar uma etapa distinta de 
nosso estudo, na qual a sua participação e reflexão serão ainda mais 
necessárias. Desde o início, nos esforçamos em demonstrar que cada um dos 
temas apresentados aqui tem o compromisso de expandir o que foi – muito 
provavelmente – abordado em sala de aula no contexto de sua formação no 
ensino médio, ainda que de maneira mais ampla ou não necessariamente 
sistematizada. 
A grande diferença é que, agora, na graduação e, principalmente, 
pensando nas demandas exigidas para um aluno de Letras, é preciso que 
tenhamos paciência para tirar todas as dúvidas e pensar a literatura para além 
de uma disciplina obrigatória. Juntos, seguimos com a apresentação dos 
principais conceitos, categorias, elementos e problemáticas que irão 
acompanhá-los ao longo dos estudos literários. É fundamental, pois, que você 
aproveite todas as considerações trabalhadas aqui não apenas como uma 
introdução, mas também como um conteúdo que pode ser acessado 
permanentemente, sempre que for necessário retomar alguma ideia-chave para 
as demais disciplinas. 
Pois bem, com base na apresentação de diferentes teóricos e críticos 
literários, foi possível entender que o que determina a ideia da literatura não é 
apenas a forma como um texto se estrutura e manipula a linguagem, dando 
ênfase para um conjunto de fatores externos, tal como o contexto histórico e 
cultural de uma determinada comunidade. Ainda que a literatura congregue em 
sua origem uma relação com o ato de escrever e com a consagração de certo 
tipo de manifestação artística, foi possível aprender o quanto critérios de seleção 
acabam determinando o que é e o que não é literatura. Assim, se no início do 
século XX parecia ser suficiente investigar um texto literário com base em seus 
elementos estruturais – aquilo que os teóricos do estruturalismo russo 
chamariam de literariedade ou literaturidade –, hoje, a proposição está muito 
distante de atender às expectativas dos estudiosos da literatura. 
Ao dar ênfase a uma compreensão da literatura como manifestação 
discursiva múltipla, abrimos novas frentes para pensar e encarar os nossos 
estudos. Ao vencer o que poderíamos chamar de problemática zero – a difícil 
tarefa de determinar o que é a literatura –, passamos a pensar nas diferentes 
 
 
3 
naturezas e formas em que o texto literário pode se manifestar. Ao retomar 
discussões presentes na Poética de Aristóteles, descobrimos que épica, lírica e 
drama se fundamentam como os gêneros literários clássicos. Ainda que o 
reconhecimento de cada um desses gêneros garanta uma abordagem mais 
didática e de identificação, reservamos espaço para demonstrar como a 
perspectiva do pós-modernismo tem assumido papel preponderante para que as 
fronteiras entre os gêneros sejam relativizadas, justamente por conta de projetos 
literários cada vez mais híbridos. 
Após retomar tudo o que discutimos até aqui, cabe-nos um exercício para 
identificar algumas das características que modulam dois dos grandes gêneros 
literários: a narrativa e a lírica. Para tanto, iniciaremos o nosso raciocínio 
buscando um reconhecimento dos gêneros literários baseados em suas 
características mais epidérmicas ou salientes. Ganhará destaque, por isso, a 
própria relação entre o texto e o papel, pensando na manifestação tanto da 
narrativa quanto da poesia em suas expressões impressas. Após tal estágio, 
esta aula dará destaque para os elementos que consagram a narratologia, 
grande área dos estudos literários dedicada à observação dos principais 
elementos que arquitetam uma narrativa (narrador, personagem, enredo, tempo 
e espaço). 
Como sempre, a fim de que seja possível facilitar a sua leitura e a 
retomada de algum conteúdo, a disciplina segue a proposta de divisão em 
seções, as quais são apresentadas a seguir: 
1. Contextualizando; 
2. A ideia da mancha no papel; 
3. Narratologia: a importância de Genette; 
4. O narrador e o jogo narrativo; 
5. Tempo, espaço, enredo e personagens. 
É importante reforçar que, ao falar de literatura, espera-se que a leitura 
seja sempre uma ação presente e necessária. Conto com a sua participação 
para que possamos estabelecer um diálogo profícuo até o final desta aula, 
(re)descobrindo um mundo chamado literatura. 
 
 
 
 
4 
TEMA 1 – CONTEXTUALIZANDO 
Ao tomarmos o pressuposto, enfim, de que a literatura vai além de uma 
elaboração específica da língua como código, passa a ser possível avançar em 
nosso raciocínio. A proposta é começar a esmiuçar certas condicionantes da 
literatura, sendo possível estudar as diferentes manifestações do plano literário 
baseando-se em seus gêneros. Como já sabemos, a figura de Aristóteles é uma 
referência para os estudos literários, justamente pelo fato de o pensador grego 
sistematizar na Poética algumas das características do que chamamos como 
gêneros clássicos. Na referida obra, Aristóteles dedica atenção especial para 
diferenciar os discursos de natureza histórica (diretamente ligados à imagem de 
Heródoto) e os demais de natureza poética (personificados pelo caso de 
Homero, por exemplo). Passa a ganhar relevância na perspectiva aristotélica, 
assim, a ideia da representação daquilo que é narrado, da imitação da realidade, 
ou, como preferimos pensar na literatura, do conceito da mimese. 
A mimese é certamente um conceito-chave para quem estuda a literatura, 
não apenas por permitir pensar os limites e fronteiras entre os discursos, mas 
também por ajudar a determinar certas nuanças entre os gêneros literários. 
Dentre tantas contribuições seminais para os estudos literários, é fundamental 
que você, aluno, tenha em seu horizonte de perspectiva e de leitura futura um 
trabalho seminal que parte da ideia da mimese de Aristóteles: trata-se da obra 
Mímesis: a representação da realidade ocidental (1971), de autoria do filólogo 
alemão Erich Auerbach. Neste momento, por questões didáticas, não 
dedicaremos um maior aprofundamento dessa obra, justamente pelo fato de 
entender que algumas das discussões presentes nesse texto exigem um 
caminho anterior que será desenvolvido em outras disciplinas, como é o caso de 
Teoria da Literatura. Por ora, vale a rápida alusão para que seja entendida a 
dimensão da contribuição de Aristóteles e como a ideia de representação da 
realidade permeia os estudos para se pensar o discurso literário. 
O que nos é caro, neste momento, sem dúvida, é como a forma escolhida 
para representar ou imitar certa realidade acabou definindo a natureza dos 
gêneros literários. Na Poética, pontualmente no capítulo V, Aristóteles 
exemplificará as diferenças entre epopeia (forma particular do gênero narrativo) 
e tragédia (forma, por sua vez, ligada ao drama): 
 
 
 
5 
7. Quanto à epopeia, por seu estilo corre a par com a tragédia na 
imitação dos assuntos sérios, mas sem empregar um só metro simples 
ou forma negativa. Nisto a epopeia difere da tragédia. 
8. E também nas dimensões. A tragédia empenha-se, na medida do 
possível, em não exceder o tempo de uma revolução solar, ou pouco 
mais. A epopeia não é tão limitada em sua duração; e esta é outra 
diferença. (Aristóteles, 2001, p. 8, grifos nossos) 
Na leitura do excerto anterior, é possível vislumbrar que Aristóteles arrola 
questões pragmáticas que diferenciam os dois gêneros, tais como o uso 
específico de um metro (alusão a um tipo de notação rítmica das palavras) e da 
própria extensão do que é representado. Ainda que saibamos que, na 
contemporaneidade, a teoria literária guarda reserva para esse tipo de 
simplificação, é bem verdade que a lógica aristotélica acaba sendo utilizada por 
muitos de nós – leitores e estudiosos – para uma aproximação e identificação 
inicial de determinado textoliterário. Parece-lhe impossível que isso ocorra em 
nossa prática leitora até hoje? Seria um exagero dizer que a forma, a estrutura 
de determinado texto verbal acaba suscitando nos interlocutores diversas 
hipóteses iniciais? Certamente não. Diante de uma formação minimamente 
semelhante ao longo dos anos na educação básica, acabamos por nos 
acostumar a classificar certo texto segundo o gênero dramático, narrativo ou 
lírico logo de partida, apenas pela maneira que o enunciado é apresentado. 
TEMA 2 – A IDEIA DA MANCHA NO PAPEL 
Sem nos preocuparmos inicialmente com uma leitura crítica, ao abrirmos 
um livro em uma biblioteca ao acaso e não buscarmos demais informações 
anteriores – pistas presentes no título, a classificação da editora localizada na 
ficha catalográfica, os comentários do prefácio ou mesmo as notas presentes na 
orelha da obra –, é possível que tenhamos uma opinião inicial sobre o gênero 
literário ao qual pertence a obra avaliada. Sem contar com a formação 
especializada em um curso de Letras, é possível dizer que muitos seriam 
capazes de determinar ou, no mínimo, se arriscariam a dizer se a obra avaliada 
é um exemplo de narrativa, um poema ou um drama. Já se permitiu pensar por 
que isso acontece? A resposta está ligada, geralmente, à nossa relação de 
consumo com a linguagem editorial. Trata-se de uma reação imediata a um 
determinado padrão com que o texto verbal nos é apresentado desde a nossa 
formação leitora. 
 
 
6 
Como leitores, estamos familiarizados com determinadas lógicas 
associadas aos gêneros literários. Seja pelo número das páginas, seja pela 
apresentação do texto verbal em blocos formados por frases curtas, seja pelo 
uso de diálogos com o uso de travessões, seja pela presença de capítulos, ao 
folhearmos um livro, acabamos por lançar diferentes palpites sobre a sua 
natureza literária. Trata-se, como é possível inferir, de uma herança daquela 
perspectiva aristotélica plasmada na obra Poética, comentada anteriormente. 
Mesmo sem querer ou não estando preocupados em criar significados para um 
enunciado, nossa primeira impressão para diagnosticar o gênero literário de um 
texto se baseará em uma impressão visual. 
Para criar uma hipótese para descobrir se um texto corresponde ao 
gênero narrativo, lírico ou dramático, acabamos por nos fiar na primeira 
impressão decodificada pelos nossos olhos. Como leitores, sempre nos servirá 
de atalho (nem sempre confiável) a chamada mancha no papel, isto é, a forma 
como um texto verbal aparece diagramada nas páginas do livro, criando os 
blocos de palavras e frases. O termo “mancha no papel” vem justamente da ideia 
de uma folha em branco que passa a ser “manchada” pela presença das 
palavras. Sem mesmo ler o que está escrito, nossos olhos acionam uma primeira 
interpretação baseando-se nessa mancha no papel, contando, é claro, com um 
padrão e com o método de comparação. Quer um exemplo? Visualize, pois, a 
imagem a seguir (Figura 1) como se estivesse abrindo um livro neste momento, 
sem se preocupar em ler exatamente o que está escrito, procurando fazer um 
diagnóstico de leitura apenas pela mancha no papel: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
Figura 1 – Reprodução de uma página do poemário Las otras (Antología mínima 
del silencio) 
 
Fonte: Bolaños, 2004, p. 28. 
Se você seguiu o desafio e não se preocupou em ler o que estava contido 
na página, pautando-se apenas na mancha no papel, é bem possível que tenha 
construído uma ideia de que se trata de um livro de um gênero literário 
específico, certo? Por conta da mancha, da forma como as palavras estão 
dispostas na folha, pela quantidade de caracteres, pelo alinhamento das frases, 
é também provável que o seu repertório leitor tenha suscitado a ideia de versos, 
correto? Se sim, quase imediatamente o seu palpite se encaminhou no sentido 
de que a mancha no papel representa um poema e, por conseguinte, o livro 
poderia ser catalogado juntamente com os demais de poesia, que fazem parte 
do gênero lírico. O mais interessante é que o exercício da mancha no papel 
permite que criemos hipóteses de leitura, ainda que o código linguístico não seja 
entendido. Em uma análise preliminar, portanto, independe se o texto está em 
português, em nossa língua materna, ou em castelhano, inglês ou até russo. A 
mancha no papel será “escaneada” pelo nosso olhar curioso e gerará uma 
 
 
8 
primeira decodificação. Curiosamente, a mancha no papel da Figura 1 se 
transformou em segundos em um exemplo de poema. 
Agora, será que o mesmo acontecerá se você abrir uma obra 
desconhecida e vislumbrar a Figura 2, apresentada na página a seguir? 
Figura 2 – Reprodução de uma página do romance O cortiço 
 
Fonte: Azevedo, 1973, p. 103. 
Ao escanear a mancha no papel, lhe parece que a obra se trata de mais 
uma antologia de poemas, de um livro ligado ao gênero lírico? Como leitor, muito 
provavelmente, ao se basear apenas na construção visual, uma das primeiras 
hipóteses a serem refutadas é que se trata de um poema, justamente porque 
temos certo padrão para identificar o lírico (que não será respeitado por diversas 
escolas literárias e por projetos como os de Oswald de Andrade, por exemplo). 
Sendo assim, pautando-se apenas com a informação padrão, a de maior 
 
 
9 
recorrência, é bem provável que a sua hipótese será a de que se trata de um 
texto do gênero narrativo, que se trata de um fragmento de um romance ou de 
um conto, por exemplo. Pois bem, a sua intuição acionada com base na 
observação da mancha no papel estava correta, já que a imagem é uma 
reprodução de uma página do romance O cortiço, de Aluísio de Azevedo, 
publicado no final do século XIX, em 1890. 
A proposta de avaliar a mancha no papel é uma provocação, um exercício 
que muitos leitores já fazem ao se deparar com um livro novo, ainda que não 
tenham essa ação de maneira sistematizada. Agora, como investigadores da 
área de Letras, cabe-nos expandir essa primeira impressão, usando tal 
estratégia, inclusive, como elemento para uma análise mais criteriosa e crítica. 
Muito além de servir como uma ferramenta para categorizar um texto como 
exemplo do gênero narrativo, lírico ou dramático, descobriremos que a mancha 
no papel também pode ser o resultado de uma decisão para criar tensão ou 
mesmo para gerar efeitos de sentido no texto. No caso do gênero lírico, por 
exemplo, discutiremos posteriormente como a disposição da mancha no papel 
servirá com um recurso para pensar na concretude das palavras e na 
multiplicação de significados. Por ora, mesmo que com reservas, parece que a 
mancha no papel nunca mais será avaliada despretensiosamente. 
TEMA 3 – NARRATOLOGIA: ELEMENTOS NARRATIVOS 
 Depois de destacar a ideia da mancha no papel, esta aula tem como 
proposta abrir um capítulo especial para pensar em um dos gêneros literários: o 
gênero narrativo. A proposta de dar dimensão para esse gênero é o fato de que, 
como leitores, acabamos por ter grande parte do nosso contato diário com 
diferentes formas fixas narrativas, seja por conta da leitura de um romance, do 
acompanhamento de um conto, pela leitura de uma crônica compartilhada no 
Facebook por alguém que faz parte da nossa rede de contatos ou mesmo por 
um trecho de um ensaio lido na época do ensino médio. 
 Se, na época de Aristóteles, o gênero narrativo já era foco de interesse 
(sendo, muitas vezes, personificado pela épica), no nosso tempo, a sua 
dimensão parece ter sido ainda mais multiplicada. São diferentes as formas 
possíveis para a construção de uma narrativa, apresentando desde elaborações 
mais complexas e abertas, como é o caso do romance, passando por resoluções 
como a novela, o conto, o miniconto, o ensaio, a crônica, dentre outros. De 
 
 
10 
maneira geral, o gênero narrativo acabou ganhando a figura de destaque dentro 
os gêneros literários, sobretudo após o impacto causado pela elaboração dostipos móveis fundidos, invenção do alemão Johannes Gutenberg no ano de 
1455. A partir do final do século XV, então, a maneira de se difundir e se publicar 
um texto se transforma exponencialmente, permitindo, dentro do contexto da 
época, um maior acesso aos textos literários. Ao longo dos séculos XVI e XVII, 
sem dúvida alguma, o número de leitores passa a se elevar, ainda que fosse 
limitado a pequenos estratos sociais e campos intelectuais. Será no século XVII, 
inclusive, que a literatura ocidental testemunhará a publicação de uma obra 
narrativa que mudará o rumo de se pensar a literatura, dando ênfase para o 
diálogo concreto entre as obras. Alude-se, aqui, ao romance Dom Quixote, de 
Miguel de Cervantes, com a sua primeira parte publicada em 1605 e a segunda 
em 1614. 
 Perceba que a obra cervantina tem relação direta com uma forma fixa do 
gênero narrativo: o romance. Será exatamente tal modalidade narrativa que será 
eleita como uma espécie de porta-voz do leitor moderno, principalmente de uma 
camada social chamada de burguesia. Diante de um afã para registrar uma nova 
história, diferente daquela heroica e aristocrática, a perspectiva burguesa 
acabou fazendo do gênero narrativo e, pontualmente, do romance, a voz de um 
novo tempo. A preocupação é cada vez maior para aquilo que se entende como 
realismo, uma marca fundamental para diferir os interesses da narrativa 
moderna do que até então era trabalhado na narrativa clássica. 
No ensaio A ascensão do romance (publicado em1957), o teórico Ian Watt 
(2010), ainda que estivesse pensando sobre a forma fixa do romance, ajudará a 
entendermos as diferenças entre as narrativas moderna e clássica. 
uma característica do romance que é análoga ao atual significado 
filosófico do “realismo”: o gênero surgiu na era moderna, cuja 
orientação intelectual geral se afastou decisivamente de sua herança 
clássica e medieval rejeitando – ou pelo menos tentando rejeitar – os 
universais. 
Certamente o moderno realismo parte do princípio de que o indivíduo 
pode descobrir a verdade através dos sentidos: tem suas origens em 
Descartes e Locke e foi formulado por Thomas Reid em meados do 
século XVIII. (Watt, 2010, p. 12) 
Ao dar ênfase à individualidade, a narrativa girará o seu eixo não para o 
herói, um semideus como Aquiles, mas para a perspectiva do homem comum, 
do João da Silva, de um certo Tom Jones, como foi o caso do romance Tom 
Jones (1749), do escritor inglês Henry Fielding. Watt dedicará atenção especial 
 
 
11 
para o desenvolvimento do apetite romanesco na literatura, relembrando o fato 
de que 
[o] romance é a forma literária que reflete mais plenamente essa 
reorientação individualista e inovadora. As formas literárias anteriores 
refletiam a tendência geral de suas culturas a conformarem-se à prática 
tradicional do principal teste da verdade: os enredos da epopeia 
clássica e renascentista, por exemplo, baseavam-se na História ou na 
fábula e avaliavam-se os méritos do tratamento dado pelo autor 
segundo uma concepção de decoro derivada dos modelos aceitos no 
gênero. O primeiro grande desafio a esse tradicionalismo partiu do 
romance, cujo critério fundamental era a fidelidade à experiência 
individual – a qual é sempre única e, portanto, nova. Assim, o romance 
é o veículo literário lógico de uma cultura que, nos últimos séculos, 
conferiu um valor sem precedentes à originalidade, à novidade. (Watt, 
2010, p. 13) 
Explicada a razão da dimensão assumida pelo romance e a relevância do 
gênero romanesco quando comparado aos demais (lírico e dramático), na teoria 
literária, passará a ganhar destaque uma área específica apenas para pensar a 
narrativa. É assim que, na década de setenta do século XX, será consagrada a 
narratologia, sobretudo por conta do nome do estudioso Gérard Genette, numa 
obra seminal e que, sem dúvida alguma, o acompanhará em sua formação como 
aluno de Letras. Alude-se aqui à Discurso da narrativa: ensaio do método (1979), 
resultado de uma compilação das reflexões de Genette realizadas em um 
seminário na École Pratique des Hautes Études, na França. No início desta obra, 
Genette fará menção ao termo narratologia (Genette, 1979, p. 20), apresentando 
aos seus leitores o que seria a área que deveria abarcar os estudos sobre as 
narrativas. 
Ao tomar como exemplo alguns dos romances do francês Marcel Proust, 
Genette fará uma importante diferenciação entre as ideias de história, narrativa 
e narração. Para ele, a história é “o significado ou conteúdo narrativo” (Genette, 
1979, p. 25); a narrativa, por sua vez, seria o “significante, enunciado, discurso 
ou texto narrativo em si” (Genette, 1979, p. 25); finalmente, a narração seria o 
“acto narrativo produtor e, por extensão, o conjunto da situação real ou fictícia 
na qual toma lugar” (Genette, 1979, p. 25). Falando de outra forma, a história 
seria o que se conta, a narrativa o como e de que forma se conta e, por último, 
a narração o próprio ato de contar. 
Os estudos da narratologia passam a se interessar por cinco elementos 
principais, que seriam como uma espécie de pilares de toda e qualquer narrativa. 
Trata-se, pois, dos seguintes eixos: narrador, tempo, espaço, personagens e 
enredo. Vale lembrar que, para pensar nos elementos que constituem os estudos 
 
 
12 
da narratologia, Genette se baseia em contribuições realizadas anteriormente, 
como foi o caso de Todorov. Vejamos, a seguir, o primeiro elemento-chave para 
a narratologia: o narrador. 
TEMA 4 – O NARRADOR E O JOGO NARRATIVO 
De todos os elementos que compõem uma narrativa, segundo Genette, a 
instância do narrador se constitui como uma espécie de eixo fundamental, 
justamente por assumir a responsabilidade de apontar de que forma uma história 
será contada. Não à toa, o narrador é também aludido por alguns pesquisadores 
como foco narrativo ou perspectiva narrativa. É com base nos “olhos” do narrador 
que os leitores serão apresentados a uma história, baseada em uma versão ou 
perspectiva dos fatos (cada vez mais, como leitores e estudiosos da literatura, 
passamos a desconfiar do narrador e da impossibilidade de uma verdade 
absoluta ou totalidade de uma história). 
O pesquisador Luís Miguel Cardoso (2003, p. 57) relembra que “O 
narrador é considerado como o agente, integrado no texto, que é responsável 
pela narração dos acontecimentos do mundo ficcional, sendo, por este motivo, 
distinto do autor empírico e mesmo das personagens desse mundo ficcional, pela 
amplitude narrativa”. 
 Aprendemos, dessa forma, que o foco narrativo, a instância do narrador 
não é a mesma de quem escreve a narrativa. A diferença dada pela narratologia 
é fundamental, não apenas para que nos afastemos de uma leitura de corte 
puramente biográfico, mas, principalmente, para que possamos valorizar o 
potencial de arquitetura narrativa. Assim, passa a ser possível entender o porquê 
de as narrativas escolherem tipos de narradores diferentes para serem armadas. 
Há, pois, três tipos principais de narrador: 
1. Narrador autodiegético (quando o narrador é a personagem principal da 
narrativa); 
2. Narrador homodiegético (aquele que participa da ação como 
personagem); 
3. Narrador heterodiegético (voz que não participa diretamente da ação 
narrada e que, muitas vezes, parece assumir um grau de omnisciência, 
ou seja, de conhecimento total dos fatos). 
 
 
13 
O último tipo de narrador, o narrador heterodiegético ou de terceira 
pessoa, acabou definindo muitas das narrativas do século XIX, assumindo 
aquele olhar quase de um Deus, capaz de narrar e de dizer o que se passa na 
cabeça de todas as personagens. Em uma entrevista cedida ao pesquisador 
João Adalberto Campato Júnior, o crítico português Carlos Reis propõe 
exatamente uma discussão a respeito da omnisciência do narrador: 
É verdade que associamos o termo omnisciência a propriedades 
divinas, de transcendente conhecimento das coisas e das pessoas.Mas em regime homo e autodiegético, essa omnisciência é por assim 
dizer (e mesmo que a expressão pareça estranha, neste contexto) 
relativizada à capacidade de conhecimento de uma personagem agora 
narrador, que sabe mais, muito mais, do que quando era simplesmente 
personagem. Trata-se de uma sabedoria experienciada e 
temporalmente sustentada - hoje sabemos mais do que ontem e no 
próximo ano mais do que neste e assim sucessivamente -, incutido a 
quem narra a sua própria vida, aventuras e desventuras uma sabedoria 
peculiar. Parece excessivo chamar omnisciência? Talvez. Então a 
questão é a de saber que termo substituiria este. (Reis, citado por 
Campato Júnior, 2004, p. 8) 
Afastando-nos um pouco do narrador heterodiegético e a modo de 
exemplificação de um narrador autodiegético, escolhemos apresentar a seguir 
um fragmento da narrativa Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960), 
obra da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus: 
17 de maio. 
Levantei nervosa. Com vontade de morrer. Já que os pobres estão mal 
colocados, para que viver? Será que os pobres de outro País sofrem 
igual aos pobres do Brasil? Eu estava descontente que até cheguei a 
brigar com o meu filho José Carlos sem motivo. 
... Chegou um caminhão aqui na favela. O motorista e o seu ajudante 
jogam umas latas. É linguiça enlatada. Penso: É assim que fazem 
esses comerciantes insaciáveis [sic]. Ficam esperando os preços subir 
na ganância de ganhar mais. E quando apodrece jogam fora para os 
corvos e os infelizes favelados. 
Não houve briga. Eu até estou achando isto aqui monótono [sic]. Vejo 
as crianças abrir as latas de linguiça e exclamar satisfeitas: 
- Hum! Tá gostosa! 
A Dona Alice deu-me uma para experimentar. Mas a lata está estufada. 
Já está podre. (Jesus, 2013, p. 33-34). 
TEMA 5 – TEMPO, ESPAÇO, ENREDO E PERSONAGENS 
Após examinarmos algumas das características do que chamamos como 
elemento-chave da narratologia, o narrador, resta-nos comentar brevemente a 
respeito dos demais elementos de uma narrativa. 
O tempo é apontado por Genette como mais um dos elementos 
constituintes da narrativa, estando ele relacionado não apenas à dimensão 
 
 
14 
cronológica, ou seja, ao período temporal narrado, mas também à questão 
psicológica do tempo. Se pensarmos na arquitetura de uma narrativa, será 
possível perceber que nem sempre a escolha do foco narrativo será pautada 
pela observação linear do tempo, usando, para isso, recursos como analepse 
(flashbacks para contar fatos que ocorreram anteriormente ao material narrado) 
e prolepses (adiantamentos de ações que estão no futuro). Ao pensar sobre o 
tempo, Genette (1979, p. 33) pondera sobre como 
[e]studar a ordem temporal de uma narrativa é confrontar a ordem de 
disposição dos acontecimentos ou segmentos temporais no discurso 
narrativo com a ordem de sucessão desses mesmos acontecimentos 
ou segmentos temporais na história, na medida em que é indicada 
explicitamente pela própria narrativa ou pode ser inferida deste ou 
aquele indício indirecto. 
Com base nos estudos da narratologia, será possível destacar como o 
gênero narrativo fará a distinção entre o tempo da narrativa (matéria ficcional 
narrada) e o tempo da narração (como tal matéria é narrada). De acordo com o 
caso, os tempos da narrativa e da narração podem variar, ajudando a construir 
o tensionamento e a relação com o leitor. 
O espaço é outro elemento pertencente ao gênero narrativo. Nele, é 
possível vislumbrar onde é desenvolvida uma narrativa. Da mesma forma que 
ocorre com o tempo, o espaço pode assumir uma perspectiva física e 
psicológica. No primeiro caso, o espaço pode ser resumido em uma cidade, uma 
região ou até mesmo um lugar específico, como um bar, uma delegacia, um 
aeroporto ou uma sala de consulta de uma cartomante, por exemplo. Em outros 
casos, a narrativa pode fundamentar o espaço não a partir de demarcações 
físicas – paredes ou outros perímetros –, mas via a própria consciência de uma 
personagem. Casos como esse podem ser exemplificados por projetos 
narrativos que valorizam o fluxo de consciência de uma voz ficcional (casos 
emblemáticos são os romances de Clarice Lispector). 
O enredo, por sua vez, ganha atenção na narratologia por determinar o 
tema ou assunto de uma narrativa. Mais do que aludir à temática de uma 
narrativa, o enredo, de alguma forma, assume a função de organizar o foco 
narrativo. 
A instância das personagens é, finalmente, o último elemento selecionado 
pela narratologia como constituinte do gênero narrativo. As personagens são, 
pois, as vozes escolhidas para dar dimensão ao enredo e ao foco narrativo. O 
grande destaque é que essas podem ser planas ou redondas. Personagens 
 
 
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planas seriam aquelas que parecem não apresentar ambiguidades ou grandes 
contrastes, sendo elas avalizadas por uma perspectiva maniqueísta. Na prática, 
isso significa que as personagens são ou boas ou ruins. Do contrário, as 
personagens redondas demonstram a impossibilidade de um discurso dualista 
ou simplificado. Pensando na literatura brasileira, um exemplo irresistível seria a 
personagem Macunaíma, do romance homônimo de Mario de Andrade. 
NA PRÁTICA 
Após repassar as discussões deste encontro, responda: 
1. No Ocidente, o desenvolvimento da narrativa de forma geral está 
relacionado com quais transformações extratextuais? 
2. Segundo os estudos da narratologia, quais são os elementos que 
constituem a narrativa? Faça um resumo breve de cada elemento, 
buscando exemplos a partir de fragmentos literários escolhidos por você. 
FINALIZANDO 
Após dar dimensão às problematizações a respeito do conceito de 
literatura e do campo intelectual e literário que o legitima, a nossa disciplina abriu 
uma nova etapa para pensar o desenvolvimento dos gêneros literários. Foi dada 
atenção especial à diferenciação mais epidérmica entre dois gêneros literários: 
o narrativo e o lírico. Ao aludir ao que chamamos de mancha no papel, foi 
possível exemplificar como, de forma geral, muitos acabam diferenciando – em 
um primeiro nível de leitura – um romance de um poema. 
O nosso terceiro tema, no entanto, privilegiou as discussões a respeito do 
gênero narrativo. Para tanto, foi necessário contextualizar algumas das 
transformações extratextuais responsáveis pela consagração das narrativas 
desde o século XV até a contemporaneidade. Para os estudos literários, a 
década de 70 acaba se transformando em um período emblemático, sobretudo 
por conta do desenvolvimento da narratologia com base nas contribuições de 
Gérard Genette. Via narratologia, demos destaque aos seus elementos 
constituintes (narrador, enredo, tempo, espaço e personagens), reservando 
espaço para diferenciá-los de forma clara e objetiva. 
 
 
 
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