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ESTRUTURAS CURRICULARES – INTER E TRANSDISCIPLINARIDADE Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autora: Patrícia Cesário Pereira Offial CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Bárbara Pricila Franz Profa. Kelly Luana Molinari Corrêa Prof. Norberto Siegel Diagramação e Capa: PROFTEC Autora: Patrícia Cesário Pereira Offial Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 5 CAPÍTULO 1 CurríCulo ESColar: HiStória, ParadigmaS E tEoriaS ................... 7 CAPÍTULO 2 PolítiCaS PúbliCaS dE CurríCulo, modEloS E a ProPoSta CurriCular dE Santa Catarina .................................................. 21 CAPÍTULO 3 o PaPEl do ProfESSor no ProCESSo dE organização CurriCular E uma artiCulaCao CurriCular difErEnCiada ........... 35 APRESENTAÇÃO Caro (a) pós-graduando (a): Esta disciplina propõe um estudo acerca das estruturas curriculares no contexto da inter e transdisciplinaridade, apresentando contribuições das teorias do currículo, as novas concepções e os impactos na sua forma de organização. Discute a Proposta Curricular de Santa Catarina e seus alinhamentos com as políticas públicas no processo educativo. Compõe-se por três capítulos fundamentados nos estudos de Sacristán (2000), Libâneo (2009), Santa Catarina (2014), Moraes (2010), entre contribuições de pesquisas sobre o tema em discussão. No primeiro capítulo, trataremos do Currículo Escolar: história, teorias e paradigmas pontuando trajetórias e concepções, para melhor compreensão da atual conjuntura da educação. A palavra paradigma origina-se da língua grega, “paradeigma”, que quer dizer modelo padrão. Podemos entender como modelos, representações e interpretações de visões de mundo. No segundo capítulo, abordaremos as políticas públicas de currículo e a Proposta Curricular de Santa Catarina. As políticas públicas são demandas governamentais que propõem um conjunto de programas, metas, decisões e ações com o intuito de melhorar a sociedade, seja a nível nacional, estadual ou municipal. Uma Proposta Curricular é uma ação de políticas públicas que visa atender às realidades e às especificidades locais. Apresentaremos, no terceiro capítulo, o papel do professor no processo de organização curricular, com indagações e reflexões sobre o currículo. É preciso considerar que a concepção interdisciplinar e transdisciplinar de currículo mencionados no tema diferem-se pela forma de relação com as múltiplas disciplinas. A ideia de interdisciplinaridade parte da integração dos diferentes conteúdos compartilhados nas diferentes disciplinas. Já a transdisciplinaridade, como já diz o nome, transcende esse conceito. Apesar do termo ainda estar em discussão, muitos autores defendem a ideia da transdisciplinaridade como a interação global das várias ciências. Boa Leitura! A autora. . 6 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade CAPÍTULO 1 CurríCulo ESColar: HiStória, ParadigmaS E tEoriaS A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Xx 3 Xx 8 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade 9 CurríCulo EsColar: História, Paradigmas E tEorias Capítulo 1 ContExtualização A totalidade é o ponto vital de qualquer paradigma que surge a partir dessas idéias. Se há movimento de energia, total e ininterrupto, todos os fenômenos não podem ser separados uns dos outros e, portanto, não existe a fragmentação e a separatividade que o modelo mecanicista pregava. É o pensamento do homem que fragmenta a sua realidade. (MORAES, 2010, p. 10) A ideia de totalidade surgiu após a descoberta de Einstein, em 1905, quando, por meio de experimentos, constatou que massa é energia e que ambas não necessariamente apresentam distinção. Anterior a essa descoberta, o modelo de ciência estava sustentado na visão de Decartes e Newton. “O pensamento cartesiano, exposto no Discurso do método, afirmava que era preciso decompor uma questão em outras mais fáceis até chegar a um grau de simplicidade suficiente para que a resposta ficasse evidente” (MORAES, 2010, p.37). Mas foi Newton que revolucionou o modelo de ciência que se estendeu até o século XX, ao desenvolver uma formulação matemática da concepção mecanicista da natureza. Se antes o paradigma de ciência estava pautado na visão de mundo cartesiana e na mecânica newtoniana, sustentado em um modelo de ruptura, fragmentação e estagnação, atualmente o modelo científico reconhece a ideia de movimento, totalidade e constante transformação. Mas qual a ligação entre o paradigma científico, a educação e o currículo? Para abranger esse estudo, faremos uma revisão do currículo na história, em seguida traremos uma discussão sobre os paradigmas educacionais e concepção de currículo, bem como as teorias curriculares. o ContExto HiStóriCo do CurríCulo Estudiosos acreditam que as mudanças econômicas, sociais, culturais, políticas e educacionais, provêm das transformações técnico-científicas, que por sua vez, surgem a partir das necessidades postas pela evolução humana. Cada época apresenta fatos e contextos significativos e representativos de uma determinada sociedade. Nesse sentido, Libâneo (2009) apresenta, para melhor compreensão do currículo e sua inserção no tempo, uma tríade revolucionária - uma espécie de resumo dos fatos e características das revoluções científicas, em três marcantes épocas, baseada na revolução tecnológica: a energia termonuclear, a microbiologia e a microeletrônica. Essa tríade, segundo o autor, elucida a compreensão do desenvolvimento da 10 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade humanidade. Vejamos o quadro com um breve resumo da revolução científica e tecnológica na modernidade: Quadro 1- Revoluções Científicas e tecnológicas da modernidade (do século XVII ao início do século XX) 1ª REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (segunda metade do século XVII) 2ª REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (segunda metade do século XIX) 3ª REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (segunda metade do século XX) - Nasce na Inglaterra, vinculada ao processo de industrialização, subs- tituindo a produção artesanal fabril. - Caracteriza-se pela evolução da tecnologia aplicada à produção de mercadorias, pela utilização do ferro como matéria-prima, pela invenção do tear e pela substituição da força humana pela energia e máquina a vapor, criando condições objetivas de passagem de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial. - Impõe o controle de tempo, a disci- plina, a fiscalização e a concentração dos trabalhadores no processo de produção. - Amplia a divisão do trabalho e faz surgir o trabalho assalariado e o proletariado. - Aumenta a concentração do capital e seu domínio sobre o trabalho; o trabalho subordina-se, formal e concretamente, ao capital. - Demanda qualificação simples (trabalho simples), o que leva o traba- lhador a perder o saber mais global sobre o trabalho. - Caracteriza-se pelo surgimento do aço, da energia elétrica, do petróleo e da indústria química e pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação. - Fornece as condições objetivas para um sistema de produção em massa e para a ampliação do trabalho assalariado. - Aumenta a organização e a gerencia do trabalho no processo de produção, por meio da administração científica do trabalho (proposta por Taylor e Ford): racionalização do trabalho para aumento da produção, elimina- ção dos desperdícios, controle dos tempos e movimentos dos trabalhado- res na linha de montagem.- Ocasiona a fragmentação, a hie- rarquização, a individualização e a especialização de tarefas (linha de montagem). - Intensifica ainda mais a divisão técnica do trabalho, ao mesmo tem- po em que promove sua padronização e desqualificação. - Faz surgir as escolas industriais e profissionalizantes (escolas técni- cas), bem como o operário padrão. - Tem por base, sobretudo, a microele- trônica, a cibernética, a tenotrônica, a microbilogia, a biotecnologia, a enge- nharia genética, as novas formas de energia, a robótica, a informática, a química fina, a produção de sintéticos, as fibras óticas, os chips. - Acelera e aperfeiçoa os meios de transporte e as comunicações (revolução informacional). - Aumenta a velocidade e a descon- tinuidade do processo tecnológico, da escala de produção, da organiza- ção do processo produtivo, da centra- lização do capital, da organização do processo de trabalho e da qualificação dos trabalhadores. - Transforma a ciência e a tecnologia em matérias-primas por excelência. - Organiza a produção de forma automática, autocontrolável e autoajustável, mediante processos informatizados, robotizados por meio de sistema eletrônico. - Torna a gestão e a organização do trabalho mais flexíveis e integradas globalmente. Fonte: Adaptado de Libâneo (2009, p.61). 11 CurríCulo EsColar: História, Paradigmas E tEorias Capítulo 1 A partir dessas sínteses, é possível identificar as mudanças ocorridas em cada período. Percebeu como entramos em um modelo mais integrado, flexível e globalizado? A ideia vital para o novo paradigma científico é a totalidade. É o que defende a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) ao mencionar no texto a valorização do ser multidimensional e integrado (física, cognitiva, social e emocional). E é essa concepção que queremos apresentar como chave para discutirmos a estrutura curricular. Conforme Moraes (2010, p.63): Esses aspectos têm implicações importantes nas questões curriculares e obviamente em todo o processo educacional. Um currículo desenvolvido a partir do reconhecimento do princípio da auto-organização e da interação sujeito- objeto é diferente de um currículo planejado sob o enfoque instrucional que vê o ensino como determinante da aprendizagem e o indivíduo como um espectador passivo sujeito às forças externas. (Grifos nossos) Segundo a autora, criamos raízes em um modelo que não mais responde às demandas de uma sociedade que evoluiu. Percebem-se as transformações ocorridas na sociedade, mas a realidade da educação ainda apresenta resultados preocupantes. O que ocorre é a insistência nos modelos obsoletos, nos currículos prontos e definitivos e nos paradigmas ultrapassados. o Paradigma CurriCular Moraes (2010) nos instiga a refletir que, apesar do novo paradigma educacional, da concepção do todo integrado, do conhecimento em rede, da aprendizagem centrada no sujeito, os antigos problemas educacionais persistem. [...] o enfoque do conhecimento como rede surgiu baseado na teoria de Bootstrapde Geoffrey Chew desenvolvida há trinta anos. Segundo essa teoria, a natureza não pode ser reduzida a entidades fundamentais como blocos de construção básicos, mas tem de ser entendida inteiramente pela autoconsistência. (CAPPRA, 1994 apud MORAES, 2010, p.77). O motivo, segundo pesquisa da autora, refere-se ao desencontro entre teoria e prática, ou seja, a inovação dos projetos e ações que vem para mudar essa tradição arcaica de educação, infelizmente, está atrelada a uma prática descontextualizada da realidade do aluno. Para compreender melhor esse raciocínio, leia a seguir o recorte do texto de Moraes (2010, p. 57 - 63) do livro O Paradigma Educacional Emergente: 12 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade Novos programas e projetos foram criados e recriados, e os velhos problemas continuavam em constantes «listas de espera». Soluções fragmentadas, dissociadas da realidade e desintegradas, presentes na maioria dos programas e projetos de governo, mudavam detalhes do exterior sem, contudo, provocar mudança interna e revolucionária nas condições de aprendizagem dos alunos, no sentido de gerar uma força renovadora que colocasse em prática novas ideias, novos ideais e novas práticas de ensino. As ações implementadas não provocavam mudanças importantes no processo de ensino-aprendizagem, não levavam em consideração como é que a criança aprende, como constrói o conhecimento. E, dessa forma, os projetos desenvolvidos colaboravam para o prevalecimento das atuais taxas de analfabetismo, evasão, repetência, baixa qualidade do ensino e tantas outras mazelas da educação brasileira. O fato de integrar imagens, textos, sons, animação e mesmo a interligação de informações em sequências não-lineares, como as atualmente utilizadas na multimídia e hipermídia, não nos dá a garantia de boa qualidade pedagógica e de uma nova abordagem educacional. Programas visualmente agradáveis, bonitos e até criativos, podem continuar representando o paradigma instrucionista, ao colocar no recurso tecnológico uma série de informações a ser repassada ao aluno. E assim, continuávamos preservando e expandindo a velha forma com que fomos educados, sem refletir sobre o significado de uma nova prática pedagógica utilizando esses novos instrumentos. O velho modelo da ciência positivista vem influenciando a Educação há mais de 300 anos e decorre de uma associação de várias correntes de pensamento da cultura ocidental, dentre elas, a Revolução Científica, o Iluminismo e a Revolução Industrial, que estiveram presentes a partir dos séculos XVII, XVIII e XIX. As ideias iniciais que muito influenciaram a Era Moderna foram formuladas nos séculos XVI, XVII e XVIII. A visão de totalidade e o pensamento sistêmico aplicado em educação, impõem-nos a tarefa de substituir compartimentação por integração, desarticulação por articulação, descontinuidade por continuidade, tanto na parte teórica quanto na práxis da educação. Em termos de macroplanejamento, esse pensamento evita a concepção 13 CurríCulo EsColar: História, Paradigmas E tEorias Capítulo 1 de uma política fragmentada, desarticulada, descontínua e compartimentada. Pressupõe novos estilos de diagnósticos, procedimentos metodológicos adequados e que permitam apreender o real, em suas múltiplas dimensões, em toda a sua complexidade, para que se possa identificar necessidades concretas, capazes de subsidiarem a construção de uma política educacional congruente com a realidade. Diante dessa problemática, necessitamos de uma escola que atenda às demandas de uma sociedade tecnológica, evolutiva e holística, que fuja da concepção estagnada, cujo padrão reflete a imobilidade na forma de organizar a escola. A realidade contemporânea rompe o currículo departamentalizado, de domínio exclusivo de alguns professores e a privatização do saber. Na Escola tradicional os professores se sentem donos de uma área do conhecimento (...). No processo aberto de ensino-aprendizagem, prevalece o interacionismo entre professor-aluno e outros agentes da educação, como os pais, a direção da escola e as pessoas que vivem na comunidade ou no mundo do trabalho. (SANTA CATARINA 2005, p. 5) Para tanto, a Proposta Curricular de Santa Catarina absorve a ideia da aprendizagem coletiva, de uma escola que permite um trabalho dos saberes integrados. Mas por que ainda estamos tão amarrados às disciplinas? Por que é tão difícil que essa integração das áreas se torne a prática do professor em sala de aula? Para aferirmos esse entendimento é necessário revisitar as teorias do currículo. tEoriaS do CurríCulo: ConCEitoS E rEflExõES Antes de adentrarmos nas teorias do currículo, vamos entender seu conceito por meio de alguns autores. Afinal o que é currículo? Para Grundy (1987, apud SACRISTÁN, 2000), currículo não pode ser compreendido como um conceito, mas como uma construção cultural.Limitá-lo a um conceito é negar as experiências pelas quais é verdadeiramente constituído. Nesse sentido, o currículo envolve as práticas em sala de aula, os contextos, políticas administrativas, econômicas, etc. 14 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade Mas também é imbuído de teoria, crenças, valores. Para Roldão (1996 apud Sacristán2000, p.26), currículo deve ser compreendido como “realidade socialmente construída, que caracteriza a escola como instituição em cada época”. Para Young (1980,apud Sacristán 2000),o currículo é o veículo pelo qual o conhecimento é difundido na sociedade. Poderia trazer aqui inúmeras definições de currículo, afinal uma prática tão complexa, justifica os diferentes entendimentos e concepções. Escolhemos a abordagem de Sacristán (2000), que organizou, a partir de seus estudos, uma seleção de definições, acepções e perspectivas sobre o currículo. Podemos analisar o currículo a partir de cinco esferas muito bem diferenciadas, como veremos a seguir: Quadro 2 - Análise do currículo ANÁLISE DO CURRÍCULO O ponto de vista sobre sua função social como ponte entre a sociedade e a escola. Projeto ou plano educativo, pretenso ou real, composto de diferentes aspectos, experiências, conteúdos, etc. Fala-se do currículo como expressão formal e material desse projeto que deve se apresentar, sob determinado formato, seus conteúdos, suas orien- tações e suas sequências para abordá-las, etc. Referem-se ao currículo os que o entendem como um campo prático. Entendê-lo assim supõe a possibilidade de: 1) analisar os processos instrutivos e a realidade da prática a partir de uma perspectiva que lhes dota de conteúdo; 2) estudá-lo como território de intersecção de práticas diversas que não se referem apenas aos processos de tipo pedagógico, interações e comunica- ções educativas; 3) sustentar o discurso sobre a interação entre a teoria e a prática em educação. Referem-se a ele os que exercem um tipo de atividade discursiva acadêmi- ca e pesquisadora sobre todos os temas. Fonte: Adaptado de Sacristán (2000, p.14). Diante dessa análise sobre currículo, podemos considerar alguns pontos relevantes ao concebê-lo: a função social da escola, as demandas da sociedade, o público, a diversidade cultural, da comunidade escolar e seu 15 CurríCulo EsColar: História, Paradigmas E tEorias Capítulo 1 momento histórico. Nesse sentido, o currículo possibilita que os saberes e experiências sejam base para a construção de novos conhecimentos. Para entendermos esse raciocínio, veremos o que dizem as teorias do currículo, destacando algumas indagações de Moraes (2010, p.135), como: • Que teorias são mais adequadas ao pensamento científico atual e a uma prática mais congruente com o modelo teórico e as teorias adotadas? • Quais as novas pautas educacionais sinalizadoras de mudanças significativas? Para responder a tais questionamentos, adentraremos, inicialmente, nas diferentes teorias e concepções do currículo. Atente agora para o que nos diz Varela (2013, p.20-25) no livro O currículo e o desenvolvimento curricular: concepções, práxis e tendências, em que o autor apresenta as diferentes correntes de um currículo tradicional: A Teoria Tradicional do Currículo A emergência do currículo como campo de estudos ocorre nos Estados Unidos da América no contexto da institucionalização da educação de massas, com o contributo decisivo de J. F. Bobbit, que publica, em 1918, o livro The Curriculum, considerado como o marco referencial no estabelecimento do currículo como campo especializado de estudos (Silva, 2000). Nessa obra, Bobbit (1918) propunha uma concepção de currículo em uma lógica de eficiência, a cargo de especialistas incumbidos de fazer o levantamento das habilidades a serem desenvolvidas pela escola, bem como a elaboração dos instrumentos de medição ou avaliação dessas mesmas habilidades. À escola, funcionando à semelhança de uma empresa comercial ou industrial, incumbe, segundo essa abordagem, garantir que as finalidades da educação traduzam as exigências profissionais da vida adulta. 1.1 O currículo clássico Caracterizando-se pela natureza abstrata do conhecimento escolar, o currículo clássico, segundo Silva (2005, pp. 26, 27) “só pôde sobreviver no contexto de uma escolarização secundária de acesso restrito à classe dominante”, privilegiando 16 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade a racionalidade acadêmica, ou seja, a ênfase nos conteúdos considerados essencialistas e perenes. Tal visão, de acordo com Goodson (2001), valoriza o conhecimento acadêmico abstrato ou descontextualizado, destinado às escolas de elite, em detrimento do conhecimento prático, contextualizado e relacionado com processos ativos, salientando que o currículo das escolas de elite é pensado para proteger os jovens do contato coma cultura popular, pelo que essa fica excluída dos currículos das escolas. 1.2 A visão tecnocrática A visão tecnocrática do currículo, que tem Bobbit e Tyler como expoentes máximos, encara o currículo como uma questão técnica, neutral e não ideológica. Na prática, a visão tecnocrática consiste na elaboração de uma relação de matérias, por disciplinas, ou seja, de um plano de instrução, com a organização do conhecimento em uma sequência lógica, em que se atribui a cada uma das unidades ou matrizes de conhecimento o respectivo tempo de docência e se definem os objetivos de aprendizagem pretendidos, os quais devem expressar-se em termos de comportamentos específicos, exigidos pelo sistema tecnológico de produção e pelas exigências profissionais da vida adulta, como referimos acima. Essa corrente se desenvolve e prolifera “a partir da diferenciação nítida entre currículo e instrução”, sendo o currículo “o desenho estruturado dos resultados pretendidos, definidos em comportamentos específicos” (Gimeno & Perez, 1985, p. 192), cabendo ao professor a tarefa de executá-lo através da atividade de instrução. 1.3 A visão progressista Ainda no quadro da concepção tradicional, o currículo, encarado antes como plano de estudos, evolui no sentido da sua consideração como a totalidade de experiências vivenciadas pelo aluno sob a orientação do professor, que procuraria ter em conta e valorizar os interesses do discente. A teoria progressista do currículo, que atacava o currículo clássico, devido ao seu distanciamento dos interesses e das experiências das crianças e dos jovens, atribui à escola a responsabilidade de compensação dos problemas da sociedade mais ampla e, assim, o enfoque do currículo vai se desloca r do conteúdo para a forma, isto é, vai se centrar na organização das atividades, com base nas experiências, diferenças individuais e interesses da criança. 17 CurríCulo EsColar: História, Paradigmas E tEorias Capítulo 1 Todas essas visões ou perspectivas da teoria tradicional têm como denominador comum uma visão redentora do currículo (Moreira & Silva, 1995), em que a escola está ao serviço da ordem sócio- econômica e política dominante, cabendo-lhe, por isso, ainda que com respostas diferenciadas na forma, corresponder às exigências da sociedade e do mundo do trabalho, com base nos princípios de ordem, racionalidade e eficiência. Desse modo, as questões centrais do currículo prendem-se aos processos de seleção e organização dos conteúdos e das atividades de aprendizagem, mediante uma planificação rigorosa, baseada em teorias científicas do processo de ensino-aprendizagem, ora numa visão empresarial (Tyler) ora numa visão psicologizante (Dewey). Vejam que as três visões partem da perspectiva tradicional do currículo, em que, segundo Varela (2013), coloca a escola a serviço de uma ordem socioeconômica e política dominante. Um currículo não pode atender apenas a uma classe ou fazer qualquer tipo de distinção, deve ser pensado como uma construção social e cultural. É para isso queservem as teorias curriculares para analisar as complexidades e os fenômenos de uma sociedade, aproximando- se o máximo possível da realidade de uma comunidade. Ainda sobre as teorias do currículo, Sacristán (2000, p. 37) afirma que elas desenvolvem muitas funções pois: São modelos que selecionam temas e perspectivas; costumam influir nos formatos que o currículo adota antes de ser consumido e interpretado pelos professores, tendo assim um valor formativo profissional para eles; determinam o sentido da profissionalidade do professorado ao ressaltar certas funções; finalmente, oferecem uma cobertura de racionalidade às práticas escolares. Nesse contexto, as teorias do currículo fazem o papel de mediadores entre a ideia/pensamento e a ação/atitude. Portanto, há um conjunto de fatores que constroem um currículo, sendo que ele atenderá a uma determinada comunidade, em um contexto de uma época específica. É por isso que o currículo não é algo pronto, muito menos limitado a um padrão. Precisamos, dentro da grande complexidade que compõe um currículo, possibilitar seu movimento de construção para não corrermos o risco de acorrentarmos algo que tem o propósito de libertar. Para elucidar o debate, observe, na figura a seguir, o conjunto de saberes do currículo escolar: 18 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade Figura 1 - Conjunto de saberes do currículo escolar Fonte: Com base em SANTA CATARINA (2005). Como você percebeu, a construção da estrutura curricular apresenta diversos contextos que devem ser considerados e que implicam em diferentes saberes. No entanto, até a chegada à escola, o currículo passa por muitas construções e análises antes das tomadas de decisões. Mas quem são os agentes construtores? Vamos compreender a outra parte dessa estrutura no próximo capítulo, ao tratarmos de políticas públicas alinhadas com a Proposta Curricular de Santa Catarina. 19 CurríCulo EsColar: História, Paradigmas E tEorias Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Sobre as teorias de currículo tradicionais discutidas por Varella (2013), apresente as principais características de cada uma delas e quais ainda são possíveis de encontrar na ação pedagógica nas nossas unidades escolares. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 20 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade CAPÍTULO 2 PolítiCaS PúbliCaS dE CurríCulo, modEloS E a ProPoSta CurriCular dE Santa Catarina A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Xx 3 Xx 22 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade 23 PolítiCas PúbliCas dE CurríCulo, modElos E a ProPosta CurriCular dE santa Catarina Capítulo 2 ContExtualização Um currículo em ação é flexível, respeita a capacidade do indivíduo de planejar, executar, criar e recriar conhecimento, ou seja, sua ação concreta. (...) Está sempre em processo, em diálogo transformador, baseado nas peculiaridades das situações locais. (MORAES, 2010, p. 148) Tratar de currículo sem discutir políticas públicas é dissociá-lo do contexto ao qual está veiculado. Como já vimos anteriormente, o currículo envolve questões culturais, sociais e históricas. Compreendê-lo diferentemente dessas características é romper com sua essência pautada na totalidade e na integração, como sugere Moraes (2010). PolítiCaS PúbliCaS dE CurríCulo: EntrE a PrátiCa E a tEoria A política sobre o currículo deve expressar a realidade prática da educação de forma dialógica com todos os atores dessa construção: sociedade, educadores, pesquisadores, enfim, deve ouvir e permitir que essas vozes também sejam levadas em consideração nas tomadas de decisões. Mas, afinal, a quantas mãos se faz um currículo? Como ele chega até o aluno? Falamos no capítulo anterior do conceito do currículo, das teorias, dos paradigmas, porque tudo isso está intrinsecamente presente no currículo. Vamos agora entender o currículo pelo viés das políticas públicas. O currículo escolar no Brasil é definido pelo governo central. A política curricular rege as decisões gerais, passando por uma ordenação jurídica e administrativa. Assim, “O tipo de racionalidade dominante na prática escolar está condicionada pela política e mecanismos administrativos que intervêm na modelação do currículo dentro do sistema escolar”. (SACRISTÁN, 2009, p. 108) Veremos agora um recorte de algumas pesquisas que discutem as políticas públicas do currículo aqui no Brasil. 24 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade EDUCAÇÃO E CURRÍCULO: AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS NOS ANOS 90 (Maria de Lourdes Lôpo Ramos) Atualmente, assistimos a uma insistente notoriedade dada pela mídia aos temas concernentes à Educação, e, nesse movimento, os destaques têm sido a necessidade de mudanças curriculares, a redefinição do papel dos professores e de sua própria formação. A esse respeito, basta observarmos a ampliação da produção acadêmica e literária em torno desses temas. A educação, portanto, é o campo estratégico para a elaboração de sujeitos sociais específicos, pois o que está em jogo é a elaboração de significados do social, do humano, do econômico, do político, do cultural, do educativo. Nessa perspectiva, o indivíduo passa a ser visto como aquele que, ao longo da vida, deve aprender a aprender, cabendo às políticas educacionais pensar a educação sobre quatro pilares fundamentais para o seu sucesso, quais sejam: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser. Entretanto, a busca de alternativas para a crise educacional brasileira sempre foi a luta empreendida pelos profissionais de educação e por outras instâncias da sociedade durante toda a década de 80 e início dos anos 90, como se constata nas inúmeras reuniões, encontros, simpósios, realizados naquele período. Neste sentido, o currículo é um terreno de conflitos, em que estão conjugadas formas de saber, de o quê saber, de como saber, porque saber e para que saber. Nele não estão disciplinados somente os conteúdos, as metodologias, os sistemas de avaliação, os objetivos, mas e, sobretudo, formas particulares de subordinação e sujeição dos corpos através de práticas disciplinares, para torná- los dóceis e obedientes. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (FOUCAULT, 1991, p 127). O modelo de educação neoliberal presente nas políticas públicas educacionais hoje não é uma das frentes a ser alcançada pelo projeto capitalista de sociedade, mas é ele próprio a frente 25 PolítiCas PúbliCas dE CurríCulo, modElos E a ProPosta CurriCular dE santa Catarina Capítulo 2para o qual convergem os esforços de reconstrução radical de todos os aspectos da sociedade. Nos PCN’s, a figura do professor ganha importância singular, pois é ele quem irá operacionalizá-los no cotidiano da sala de aula e sobre quem recai uma gama de responsabilidades, que, inexoravelmente, perpassam pelo sucesso e/ou insucesso da educação escolar nos rumos do desenvolvimento do país, para uma sociedade economicamente moderna e socialmente democrática. Fonte: Disponível em: <http://eduep.uepb.edu.br/alpharrabios/v2-n1/ pdf/EDUCACAO_E_CURRICULO.pdf>. Acesso em: 2 maio 2015. Podemos concluir que há décadas se discutem melhorias para educação, principalmente na esfera das políticas públicas. Conforme parte da pesquisa acima apresentada, o cenário se repete ano após ano e os problemas retornam. Mas é preciso considerar que as discussões sobre educação e as políticas educacionais avançaram muito desde a promulgação da LDB 9394/96 e todos os documentos subjacentes à Lei, entre eles os PCN’s. As mudanças propostas na legislação vão se concretizar no espaço escolar, onde existem diferentes concepções, histórias e construções sociais e que também geram conflitos. O cenário se repete, pois mudar a prática educativa depende da mudança de cada um dos que fazem parte da comunidade escolar. Contexto sócio-político e econômico estão conectados diretamente com as políticas públicas e vice versa, Uma das maneiras pelas quais o pensamento do novo paradigma entra em cena na política pública educacional é pelo reconhecimento da interconectividade dos problemas que não podem ser compreendidos isoladamente. Ela exige uma visão sistêmica e holística da realidade e nos impõe a tarefa de substituir compartimentação por integração, desarticulação por articulação, descontinuidade por continuidade, tanto na parte teórica quanto na práxis da educação. (MORAES, 2010, p.85) Nesse aspecto, a qualidade da educação passa por políticas públicas que se concretizam no espaço escolar, na mudança de concepções dos profissionais da educação e na busca da concretização da função social da escola. 26 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade Veremos agora outro texto com algumas considerações de Paro (2011): O CURRÍCULO DO ENSINO FUNDAMENTAL COMO TEMA DE POLÍTICA PÚBLICA: A CULTURA COMO CONTEÚDO CENTRAL (Vitor Henrique Paro) Em termos de políticas públicas, a relevância do debate a respeito do currículo da escola fundamental parece óbvia, já que toda política educacional só ganha sentido se estiver referida àquilo que deve ser seu propósito por excelência, ou seja, o provimento, aos educandos, de um conteúdo cultural que lhes proporcione formar-se como cidadãos. No entanto, esse debate parece não ter conseguido ainda a força social e política suficiente para questionar radicalmente a estrutura curricular de nossas escolas, de modo a buscar medidas que visem a superá-la. O currículo da escola fundamental tem permanecido com a mesma configuração há muitas décadas, mantendo sua forma verbalista e restringindo seu conteúdo às disciplinas tradicionais, adstritas a conhecimentos e informações. A sociedade mudou, novos direitos políticos, civis e sociais foram alcançados ou entraram na pauta de reivindicações, mas a concepção de currículo e daquilo que é necessário para a formação humano-histórica dos cidadãos continua a mesma. Apesar disso, especialmente nos últimos anos, tanto as políticas públicas quanto boa parte da academia parecem dar pouca atenção à importância do currículo para a efetiva qualidade do ensino, preferindo pautar suas iniciativas e análises quase exclusivamente nos resultados das avaliações em massa, que privilegiam a aferição de conhecimentos “adquiridos”, sem grande atenção para a cultura em seu sentido pleno. E esse, parece- me, é mais um fator que reforça a relevância de se problematizar a atual estrutura curricular da escola fundamental, em razão dos subsídios que esse questionamento pode oferecer para uma melhor adequação da própria maneira como o Estado procura avaliar a qualidade do ensino. Independentemente do real poder das avaliações externas para aferir a aquisição de conhecimentos, será que seus resultados podem servir de parâmetros para indicar até que ponto o Estado está atendendo ao direito das pessoas à cultura, visto que essa, em seu sentido pleno, não é contemplada em tais medições? 27 PolítiCas PúbliCas dE CurríCulo, modElos E a ProPosta CurriCular dE santa Catarina Capítulo 2 Tal discussão deve iniciar-se pela constatação de que o currículo é um dos aspectos que mostram mais enfaticamente como a escola tradicional tem privilegiado uma dimensão “conteudista” do ensino, que enxerga a instituição escolar como mera transmissora de conhecimentos e informações. Daí a relevância de se pensar em sua reformulação numa perspectiva mais ampla que contemple a formação integral do educando. Fonte: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 40362011000400003&script=sci_arttext>. Acesso em: 2 maio 2015. Se ponderarmos entre os dois textos, perceberemos a necessidade de uma reformulação de currículo voltado à formação integral do educando. Cremos ser válida a preocupação do governo em atingir metas quantitativas para educação no Brasil, mas a engenharia que constrói uma educação necessita de tijolos fortes, sustentados em alicerces sólidos, traduzindo, é a qualidade que deveria ser a prioridade, considerando, claro, a atual conjuntura da educação no país. Os números podem fazer efeito em nível de uma política mundial, afinal é o Banco Mundial quem financia a educação. E sem números não há financiamentos. Precisamos disso, sabemos. Mas, alcançar metas de ter todas as crianças na escola deve caminhar junto com a qualidade escolar, seja ela física ou pedagógica. Há escolas públicas que merecem o reconhecimento dessa qualidade, todavia,sob um olhar macro, consideramos que há muito ainda por se fazer. A Secretaria de Educação de Santa Catarina vem discutindo e trabalhando em propostas educacionais para provocar mudanças no currículo há muitos anos. Mas se as mudanças acontecem ou são perceptíveis, isso é o que é mais difícil. É claro que salários melhores, condições estruturais e físicas contribuiriam muito. Mas a conscientização disso pela comunidade escolar (profissionais da educação, gestores, professores, pais, alunos...) é que vai fazer a diferença, pois há toda uma desconstrução e desvalorização dos profissionais da educação. Rumo à qualidade de ensino, a Proposta Curricular de Santa Catarina promove em seus documentos a valorização e uma educação integradora, aberta para a diversidade, para o diálogo entre os saberes e reconhece que essa ação se faz a partir dos sujeitos envolvidos. Veremos o que diz a Proposta na sessão a seguir. 28 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade ProPoSta CurriCular dE Santa Catarina Os documentos dessa proposta se baseiam em autores que valorizam e discutem o sujeito histórico social. Refletem a ideia de um currículo voltado aos saberes integrados, centralizando a aprendizagem no sujeito e não só nos conteúdos. Os fatores histórico-culturais desempenham importante papel formador no indivíduo e estão presentes desde o seu nascimento. Sua teoria considera o indivíduo, a criança, com sua estrutura do sistema nervoso, sua personalidade individual, sua bagagem sociocultural, suas tendências cognitivas e os diferentes estilos de aprendizagem. (MORAES, 2010, p. 95) De acordo com a autora, os fatores histórico-sociais consideram o sujeito como parte integrante dessa biodiversidade, em que todos podem aprender com todos. Nessa perspectiva, a Proposta de Santa Catarina foi elaborada. Seus textos procuram não só discutir o currículo sob o ponto de vista dos autores, tendências e pesquisas, mas preocupa-se em trazer o que os alunos pensam a respeito da escola, dos professores,dos conteúdos, significando e valorizando a voz do educando. Veja abaixo um trecho desse documento, em entrevista com alunos: COMO VOCÊ IMAGINA UMA ESCOLA IDEAL? Com a palavra... os (as) jovens/alunos (as): “Uma Escola ideal é aquela que ensina bem, que tem um poder administrativo bom e professores com curso superior, que impõe regras e mostra como é a realidade lá fora.” (m/17 anos). “ ... é a que tem professores e alunos que não trazem problemas para a Escola, deve haver respeito. Deve ter uma biblioteca bem equipada, sala de informática com computadores modernos, quadra de esportes coberta.” (f/18 anos). “A Escola ideal precisa estar limpa e bem organizada, com alunos educados e professores competentes.” (m/18 anos). “... seria uma Escola onde não houvesse tanta proibição, onde os portões ficassem abertos e os alunos pudessem ficar mais livres.” (m/15 anos). Fonte: Santa Catarina (2005). 29 PolítiCas PúbliCas dE CurríCulo, modElos E a ProPosta CurriCular dE santa Catarina Capítulo 2 É certo que as palavras dos alunos demonstram as concepções de sua comunidade, sob ótica de sua herança cultural. Mas ouvi-los é respeitar o direito democrático, que consta na nossa Constituição. A construção dos documentos da Proposta Curricular foi tecida em dois períodos, o primeiro deles foi de 1988 a 1991, marcado fortemente pelo debate dos educadores sobre a elaboração de documentos publicados na forma de “caderno”, em 1991, com intuito de unir o currículo ao enfoque histórico-cultural. As discussões ocorridas no segundo momento (1996) repercutiram na publicação da segunda edição da Proposta, em 1998, constituída por três volumes que contemplavam as disciplinas curriculares, os temas multidisciplinares e as disciplinas de formação para o magistério. Nesse processo, a atual da Proposta Curricular guia-se por três grandes eixos: Figura 2 - Fio condutor das atualizações da Proposta Curricular de Santa Catarina Fonte: Adaptado de Santa Catarina (2014, p.20). À luz dos três eixos, surge o paradigma educacional emergente trazido por Moraes (2010), que enfatiza uma formação integradora dos sujeitos, em uma concepção multidimensional dos saberes; em vencer a fragmentação encontrada no paradigma centrado num modelo cartesiano pelo fluxo contínuo da organização curricular; e a diversidade como princípio formativo. De acordo com a Proposta Curricular de Santa Catarina (2014), a perspectiva da formação integral do cidadão valoriza o ser humano como sujeito que se constrói por meio do trabalho, modificando sua realidade, fazendo parte de seu contexto social político, econômico, cultural e socioambiental. É essa ideia que a Proposta Curricular traz para um “currículo integrado”. 30 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade Essa integração visa a superação do etapismo, pois reconhece que cada sujeito apresenta uma cultura à luz das bases histórico-culturais, mediadas pelas diferentes linguagens que os distingue, significativamente, em relação a outros tempos. O documento acentua a importância da diversidade de identidades e de saberes como condição para o avanço na Educação Básica. Destaca a diversidade como característica própria da espécie humana, com experiências de vida e personalidades diferenciadas. A diversidade está relacionada com as aspirações dos grupos humanos e das pessoas de viver em liberdade e no exercício de sua autodeterminação, como também à aspiração da vida em democracia e à necessidade de vivenciar coletivamente as realidades sociais que são múltiplas e de lutar pelo reconhecimento dos direitos humanos e a respeitá-los. (SANTA CATARINA, 2014, p.54). Nesse sentido, é importante que a forma de organização das redes de ensino veicule seus projetos em bases integradoras dos saberes, que conforme Santa Catarina (2014, p.27) seriam: 1. A desvinculação do etapismo no percurso formativo. 2. O diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento, as escolhas teórico- metodológicas, de conhecimentos e de experiências significativas. 3. A valorização da diversidade de identidades e de saberes. 4. A criação de ambientes que valorizem a autonomia intelectual e política dos sujeitos abarcados nos percursos formativos. 5. As interconexões entre os saberes. 6. A promoção de uma gestão democrática. Nessa perspectiva, a estruturação do trabalho pedagógico se pauta na aliança dos saberes e na promoção do conhecimento integrado. Veremos, a seguir, formas de organização do trabalho pedagógico, destacadas na Proposta Curricular de Santa Catarina. 31 PolítiCas PúbliCas dE CurríCulo, modElos E a ProPosta CurriCular dE santa Catarina Capítulo 2 A estruturação do trabalho pedagógico É preciso olhar a escola como um conjunto arquitetônico educativo e reconhecer espaços transformados em pedagógicos. Que seja o pátio, ou o refeitório, a sala de artes, o salão de exposições, ou bosques que amparem espaços de pesquisa ou contação de histórias, muros que se transformam em murais, etc. Uma educação integral não cabe dentro dos muros da escola. Em busca de espaço ou na perspectiva de partilhar a vida fora do espaço escolar, encontrar na vizinhança e arredores espaços que cumpram papéis pedagógicos tem sido uma solução possível. Nesse sentido, a proposta da educação integral é ampliar o repertório vivencial da vida escolar dos sujeitos, buscando relacionar os conceitos sistematizados às vivências na comunidade. Dentre as formas de organização, evidencia-se a predominância da seriação, ainda que experiências diferenciadas possam ser encontradas em meio aos diferentes sistemas. Apresentam-se, na sequência, as principais características, potencialidades e fragilidades inerentes a cada uma dessas formas. Formas de Organização A seriação se constitui em um processo de organização do ensino por ano/série, com cronologia marcada pelo ano escolar, compreendido como ano civil. Os conteúdos são selecionados obedecendo a uma lógica de organização do conhecimento produzido socialmente, agrupado por componentes curriculares e complexificado a cada ano/série. Nessa modalidade organizativa, a sala de aula é o espaço central da aprendizagem escolar e o ano/ série é o tempo privilegiado para organização das atividades. As críticas à seriação estão centradas na dificuldade do respeito aos tempos e ritmos de aprendizagem de cada sujeito do conhecimento, dando centralidade ao conteúdo escolar e à avaliação. A seriação, por outro lado, dá segurança ao professor que tem sua formação profissional assentada nessa perspectiva. Os ciclos de formação, por sua vez, são caracterizados pela organização em três grupos etários, considerando as características dos sujeitos do conhecimento em suas diferentes idades e situações socioculturais. O respeito aos conhecimentos 32 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade e ao desenvolvimento de cada sujeito e a forma como esses aprendem é um dos pontos nodais desse modo de organização. Cada ciclo consiste em períodos alargados de organização dos tempos e espaços de aprendizagem, possibilitando flexibilidade e articulação na relação com o desenvolvimento etário e cognitivo. Essa forma de organização demanda mudança nas concepções de conhecimento e de aprendizagem, fundamentadas no conhecimento da realidade e na prática social dos sujeitos e das comunidades onde vivem. Ela favorece ainda a reflexão sobre os processos educativos dos sujeitos, dos professores e da comunidade. Esse modo de organização suscita questionamentos quanto aos resultados da aprendizagem nos sujeitos, uma vez que muitos seriam promovidos sem alcançar os “conceitos essenciais”, desejados em razão da progressão automática. Outra forma é a Pedagogia da Alternância que se relaciona mais diretamente com as experiências desenvolvidas na Educação do Campo, Educação Escolar Quilombola e Indígena, Casa Familiar rural, entreoutras. É organizada em ‘momentos’ pedagógicos que interagem, os chamados de “Tempo Escola” e “Tempo Comunidade”, envolvendo cada sujeito num processo educativo uno, articulando a experiência propriamente dita à experiência de trabalho e vida no seio da comunidade da qual o sujeito é originário. Trata-se, de fato, de uma perspectiva de práxis, uma vez que busca trabalhar as vivências articuladas aos conhecimentos sistematizados. Tal forma de organização escolar requer do sujeito do conhecimento a capacidade de assumir-se como sujeito de sua própria formação de modo permanente. Ela depende de disponibilidade dos professores para o desenvolvimento de ações integrativas e planejamento constante para organização dos conhecimentos Fonte: Disponível em: <http://www.propostacurricular.sed.sc.gov.br/ site/Proposta_Curricular_final.pdf>. Acesso em: 2 maio 2015. No texto da Proposta Curricular de Santa Catarina, que respeita a legislação vigente e atende aos preceitos contidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais, é possível identificar as diferentes formas, ritmos e características das várias modalidades de educação escolar, em que o modelo tradicional, fechado e estanque precisa ser redimensionado para uma concepção inter e transdisciplinar. 33 PolítiCas PúbliCas dE CurríCulo, modElos E a ProPosta CurriCular dE santa Catarina Capítulo 2 Nessa perspectiva, iremos apresentar, no próximo capítulo, o exemplo de uma estrutura curricular e pedagógica diferenciada, que tem atraído atenção especial de diversos estudos pelos encaminhamentos e resultados significativos. Atividade de Estudos: 1) De que forma a Proposta Curricular de Santa Catarina está em consonância com o nova concepção educacional proposta por Moraes (2010)? ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ 34 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade CAPÍTULO 3 o PaPEl do ProfESSor no ProCESSo dE organização CurriCular E uma artiCulaCao CurriCular difErEnCiada A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Xx 3 Xx 36 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade 37 o PaPEl do ProfEssor no ProCEsso dE organização CurriCular E uma artiCulaCao CurriCular difErEnCiada Capítulo 3 ContExtualização Hoje, o foco da escola mudou. Sua missão é atender o aprendiz, o usuário, o estudante. Portanto a escola tem um usuário específico, com necessidades especiais, que aprende, representa e utiliza o conhecimento de forma diferente e que necessita ser efetivamente atendido. Essa compreensão se fundamenta na ciência cognitiva e da neurociência [...] (MORAES, 2010, p.137). Mas como seria um currículo que atende a todas essas qualificações? Veremos a seguir um modelo de currículo inspirado em uma concepção de totalidade defendida pelos autores discutidos, apresentado pela pesquisadora da Escola da Ponte, Patrícia Cesário Pereira Offial (2012). EStrutura CurriCular da ESCola da PontE E o PaPEl do ProfESSor na organização do CurríCulo A estrutura da Escola da Ponte, localizada em Portugal, está organizada de acordo com seus princípios, pautada em uma educação solidária, responsável e autônoma. Devido a isso, os alunos são responsáveis pelo seu próprio aprendizado. Diferentemente de um currículo tradicional, na Escola da Ponte, os conteúdos trabalhados são escolhidos pelos próprios alunos. “O importante é permitir que as crianças descubram por si mesmas o conhecimento de que mais necessitam” (MORAES, 2010, p.140). Os alunos são dispostos em grupos heterogêneos, não há lugares fixos, eles se organizam e trabalham em equipe, essa metodologia está presente no cotidiano escolar na Escola da Ponte. 38 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade Quadro 2 – Organização Educacional da Escola da Ponte Fonte: Offial (2012). Essa estrutura escolar demonstra uma organização diferenciada, a qual, segundo os documentos, vai além dos dispositivos pedagógicos e do desenvolvimento curricular, pois a veiculação desses instrumentos torna possível o trabalho em grupo heterogêneo, a cooperação, a autonomia e a vivência de uma cidadania responsável. A organização curricular dessa escola articula-se por meio de dimensões Lógico-Matemática, Naturalista, Linguística, Identitária, Artística, Pessoal e Social. O conceito de currículo é entendido numa dupla asserção, conforme a sua exterioridade ou interioridade relativamente a cada aluno: o currículo exterior ou objectivo é um perfil, um horizonte de realização, uma meta; o currículo interior ou subjectivo é um percurso (único) de desenvolvimento pessoal, um caminho, um trajecto. Só o currículo subjectivo (o conjunto de aquisições de cada aluno) está em condições de validar a pertinência do currículo objectivo. (ESCOLA DA PONTE, 2003). Diferentemente de um currículo tradicional, na Escola da Ponte, os conteúdos trabalhados são escolhidos pelos próprios alunos. Os critérios são selecionados pelos orientadores das dimensões, cada qual na sua área. Os conteúdos são fixados em murais para que os alunos visualizem e percebam o que precisam trabalhar. Dessa forma, os discentes são incentivados a pesquisar os conteúdos propostos por eles. Quem planeja é o aluno, e a pesquisa é um dos principais 39 o PaPEl do ProfEssor no ProCEsso dE organização CurriCular E uma artiCulaCao CurriCular difErEnCiada Capítulo 3 recursos para auxiliar os estudos: “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino [...] Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”. (FREIRE, 1996, p. 29). Contudo, para favorecer uma prática inovadora, Freire (2009) alerta que é necessário, os docentes reconhecerem que há ideologia presente na educação, e que não se pode ficar alheio diante de discursos alienantes de cunho intencional. O autor critica uma educação voltada para treinos técnicos científicos em vez da formação integral do educando. Freire (1996, 2005, 2009) almejou uma educação que contemplasse a formação humana do sujeito, com base na autonomia, criticidade e solidariedade do educando. Em seu livro Pedagogia do Oprimido, Freire (2009) aponta questões importantes, dentre outras, as de uma educação como prática da liberdade, com responsabilidade e autonomia. Pacheco (2010), o idealizador da Escola da Ponte, comungacom as ideias de Freire (2009), as quais caminham para uma educação que liberta, que torna o sujeito autor de sua própria história. Essa liberdade com responsabilidade é vivenciada pelos alunos da “Ponte”. Ao mesmo tempo em que sabem seu papel de aluno e o respeitam, também lutam pelos seus direitos e conquistas. Não se calam diante das injustiças, muito menos as sufocam, mas discutem em grupos e as levam em assembleias, promovendo o diálogo aberto e democrático. Tudo é discutido, é combinado, é conversado, pois a Escola da Ponte é movimento. A questão de como os alunos lidam com o tempo é uma das observações que merecem atenção. Nas escolas brasileiras, orientamo-nos muito pelos ponteiros do relógio: é hora de prova, hora de exercícios, hora de recuperação, hora de aprender, e todos os alunos devem cumprir esse mesmo tempo determinado pelos professores. Na escola da Ponte, quem determina o tempo de aprender, de avaliar, de pesquisar, de ler, é o próprio educando, é ele o gestor de seu saber. O relógio para eles serve para orientar e não para determinar uma atividade. Na “Ponte”, não há sinal que conduz para os intervalos, entradas ou saídas de alunos, mas há um grande relógio disponível no refeitório para que todos cumpram com o dever e a responsabilidade de se orientar pelas horas marcadas. Todos têm o direito de sair dos espaços de trabalho sem precisar avisar, pois sabem que devem cumprir seus deveres. Essa liberdade é trabalhada dia a dia com o aluno. “Na educação, a autonomia implica a metodologia do aprender a aprender, aprender a pensar [...]” (MORAES, 2010, p. 145). 40 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade O aluno dessa Escola é conduzido a compreender todo o projeto e discuti- lo por meio da reflexão sobre a ação. É esse o principal movimento da Ponte, o carro chefe que norteia todas as demais práticas. Mas, para isso, é necessário estar aberto ao diálogo. Conforme Freire (2009, p. 135), “[...] ensinar exige disponibilidade para o diálogo”[...]; o indivíduo que está aberto para todo seu entorno, como também para o próximo, demonstra nessa ação uma relação dialógica como inquietação e curiosidade, pois compreende que nada está perfeitamente acabado e a história é um eterno movimento. Estar disponível é estar sensível aos chamamentos que nos chegam, aos sinais mais diversos que nos apelam, ao canto do pássaro, à chuva que cai ou que se anuncia na nuvem escura, ao riso manso da inocência, à cara carrancuda da desaprovação, aos braços que se abrem para acolher ou ao corpo que se fecha na recusa. É na minha disponibilidade permanente à vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em minhas relações com o contrário de mim. (FREIRE, 2009, p. 134) Nesse processo, entende-se que a relação dialógica deve ser crítica, transformadora, pois é a partir do diálogo que se constroem, que se problematizam e que se encontram possíveis soluções. O que Paulo Freire e a Escola da Ponte criticam é um ambiente educacional que não oferece ao aluno a pesquisa, a autonomia e a liberdade de escolha. A desconexão entre currículo, prática pedagógica e contexto pode ser a vilã da aprendizagem, do conhecimento. O autor reconhece que ensinar passa muito longe de uma mera transmissão de conteúdo. Pelo contrário, segundo Freire (2009), ensinar exige consciência do inacabado; ensinar exige o reconhecimento do ser condicionado; ensinar exige respeito à autonomia do ser educando; ensinar exige bom senso; ensinar exige humildade, tolerância, alegria e esperança e, acima de tudo, ensinar é um ato de amor. De acordo com a concepção de Freire (2009), ensinar exige tanto do educador quanto do educando, é por isso que o processo de educar deve ser pautado na ação e na reflexão. Na comparação entre as ideias de Paulo Freire e os fundamentos que sustentam a Escola da Ponte, é possível verificar suas ressonâncias na prática cotidiana, começando pela organização dos alunos em grupos, pela valorização do diálogo e pela troca de experiência em um ambiente democrático de ação comunicativa e afetiva. Tudo se resolve, ou pelo menos tenta se resolver de forma democrática, entre alunos, professores e pais, pois todos são responsáveis pela própria escola. “Direitos e deveres”, “Assembleias”, “Comissão de Ajuda”, são exemplos de atividades realizadas na escola e que proporcionam um ambiente de diálogo e de democracia. 41 o PaPEl do ProfEssor no ProCEsso dE organização CurriCular E uma artiCulaCao CurriCular difErEnCiada Capítulo 3 Nessas atividades de diálogo, os alunos e professores discutem os problemas, ideias, sugestões e tentam trazer melhorias à escola. Os membros responsáveis pela assembleia organizam a pauta no decorrer da semana, buscando informações em cada núcleo. Assim, todos podem participar e interagir. Toda a assembleia é dirigida por alunos participantes. Os professores, assim como os educandos, precisam levantar as mãos para falar. Vivenciam, assim, a democracia. Segundo Freire (2005, p. 90): “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas palavras, no trabalho, na ação-reflexão”. O educador diz, ainda: “O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto na relação eu-tu”. Essa mediação que Paulo Freire cita e que Pacheco aplica em seu “círculo de estudos” é uma mediação aberta, crítica e ativa. Na questão do diálogo, Freire (2009) discute a sua relação com o amor. Aponta que só é possível uma relação de diálogo onde existe amor, pois quem não possui uma relação de amor com o mundo, com a vida e com os homens, consequentemente, não torna possível o diálogo. O filósofo defende, também, a importante relação do diálogo com a humildade, com o pensar crítico, com a fé nos homens. Conforme a ideia do autor, indaga-se: Como educar sem dialogar? Como interferir no mundo sem dialogar? “Só educadoras e educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de serem educados pelos educandos; só eles separam o ato de ensinar do de aprender, de tal modo que ensina quem se supõe sabendo e aprende quem é tido como quem nada sabe” (FREIRE, 2009, p. 27). Os ambientes escolares nem sempre contribuem para uma prática dialógica. O que existe, muitas vezes, é um monólogo que contribui somente para o engessamento do educando, levando-o à possível alienação e à ingenuidade. Segundo Freire, a base do diálogo é o amor, pois o amor é humildade, é compromisso, e nas palavras do autor: “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não é possível o diálogo” (FREIRE, 2005, p. 92). Nessa lógica, segundo o educador: “O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história” (FREIRE, 1996, p. 136). Uma escola que não promove o diálogo, consequentemente, estará estática, fechada ao seu entorno social e geográfico. Para que o educador tenha clareza dessa compreensão, é necessário que pense de forma coerente, segundo o autor, pensar certo: Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a consciência crítica de educando cuja “promoção” da ingenuidade não se faz automaticamente. (FREIRE, 1996, p. 29) 42 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade Segundo Freire, nenhuma formação docente verdadeira pode fazer- se longe do exercício da criticidade, que implica desde a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica. Um professor crítico “pensa certo”, dessa forma, ele compreende e respeita as etapas de avanços do aluno, assim como as suas próprias. Ainda, sem o reconhecimentodo valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou da adivinhação, não há prática docente verdadeira que não seja ela mesma um ensaio estético e ético, pois “ensinar exige estética e ética” (FREIRE, 2005, p. 32). Essa estética a que Freire se refere é a de um saber sensível, que conduz a uma formação mais humana. Esse saber sensível interferirá na forma como o professor conduz as atividades pedagógicas, pois sua postura frente ao ato de educar não se resume à transferência dos saberes científicos, com isso, o aluno será beneficiado. Considerando que a visão a respeito da maneira de ensinar e do que ensinar será influenciada pela formação cultural, uma vez que a profissionalidade docente não é constituída apenas de conhecimentos científicos, pedagógicos. (NEITZEL; CARVALHO, 2010, p. 128) Para Neitzel e Carvalho (2010), ensinar exige estética e ética, pois se percebe a grande importância e a urgência de um saber sensível na profissão docente. Sensibilidade essa que, com o passar dos anos, foi sendo deixada de lado e que, hoje, pode-se reconhecer a falta que ela faz. Não há como separar a profissão docente de uma formação do sensível, pois é na relação estética entre aluno, professor e aprendizagem que se manifestam as competências e desenvolvem-se as habilidades. Para tanto é fundamental: Uma educação que reconheça o fundamento sensível de nossa existência e a ele dedique a devida atenção, propiciando o seu desenvolvimento, estará, por certo, tornando mais abrangente e sutil a atuação dos mecanismos lógicos e racionais de operação da consciência humana. (DUARTE JR., 2010, p. 171) Nessa fala, Duarte Jr. (2010) aponta para uma educação estética do sensível na formação do ser. Ele traz a necessidade de a educação lançar um olhar sobre esse saber que por tanto tempo foi menosprezado, graças à supervalorização do inteligível desde a modernidade. O ser humano precisa sair de seu estado de “anestesia” e despertar para uma consciência holística, repensar sobre seu papel no planeta; resgatar valores ofuscados por uma cegueira coletiva. Percebe-se que o modelo curricular da Escola da Ponte está alinhado com o paradigma educacional proposto por Moraes (2010), com fundamentos 43 o PaPEl do ProfEssor no ProCEsso dE organização CurriCular E uma artiCulaCao CurriCular difErEnCiada Capítulo 3 pautados na aprendizagem coletiva, em uma rede de conexões sem que todos aprendem com todos. A Proposta Curricular de Santa Catarina está pautada e embasada na legislação federal e em autores nacionais e internacionais que trabalham em uma perspectiva de respeito mútuo, com pluralismo de ideias e uma educação inter e transdisciplinar, a integração com a comunidade e a humildade de aprender sempre em conjunto com os outros. Fundamenta- se em princípios de solidariedade, ética, pluralidade cultural, autonomia e gestão democrática. “É esta a Escola aberta e integrada. Aberta, porque rompe os limites da sala de aula e dos muros da escola e se abre para enriquecer o processo de interação dos professores e alunos com as famílias, a comunidade e com os demais agentes sociais, em atividades de aprendizagem” (SANTA CATARINA, 2005, p. 6). A Proposta Curricular de Santa Catarina centra-se no pressuposto de que o direito à educação para todos deve ser garantido por meio da efetivação de políticas contra formas associadas de exclusão, em especial aquelas motivadas por preconceito e discriminação de natureza étnico-racial, de orientação sexual ou de identidade de gênero, bem como, qualquer outra decorrente de conteúdos ou condutas incompatíveis com a dignidade humana. Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero passa pelo reconhecimento desses sujeitos e pelo seu direito a estar na Educação Básica. A concepção da Educação Básica como direito vem acompanhada de duas outras dimensões, imprescindíveis para sua realização: a ideia de uma educação comum e a ideia do respeito à diferença. O conceito de comum se associa à noção de universal, [...] ao longo das últimas duas décadas, no Brasil, políticas públicas em educação vêm sendo firmadas com o intuito de reduzir as desigualdades no percurso educacional entre todos os segmentos sociais. Nos movimentos curriculares desencadeados nos últimos 25 anos em Santa Catarina, algumas dessas questões já apareciam. Mas, é após a abertura política e no processo legislativo decorrente da democratização, que a Educação Básica como um direito desponta ancorada no princípio do bem comum e no respeito à diversidade. 44 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade A diversidade como princípio formativo tem sido apresentada como atrelada à educação inclusiva e educação integral, e resulta no enfrentamento desses discursos dominantes homogeneizadores. Busca promover a discussão nos espaços escolares e passa a deflagrar sistemas de representação mais amplos e a compreender que a valorização da diferença não se dá por meio de um discurso harmonioso, inócuo, e pela aceitação de grupos considerados excluídos como uma atitude, apenas, de tolerância. O respeito e o reconhecimento são o objetivo A Educação para as Relações de Gênero, nos currículos escolares, só pode ser pensada no Brasil, a partir das décadas de 1970 e 1980, quando os estudos feministas sobre a mulher passaram a se utilizar da categoria “gênero”, inspirados no artigo de Joan Scott (SCOTT, 1995) Portanto, uma Educação para as Relações de Gênero, no âmbito da Educação Básica, reconhece esta categoria identitária como importante na vida das pessoas (sejam elas crianças, jovens, adultos e idosos). Falar em gênero é perceber como, para homens e mulheres, para meninos e meninas, a cultura, a sociedade e o atual tempo histórico constroem diferentes formas de “ser masculino” ou “ser feminino” (masculinidades e feminilidades) Outra atualização necessária é enfatizar o caráter da co- educação permanente, em toda a Educação Básica, em todas as áreas e em todos os componentes curriculares a fim de que a igualdade nas relações de gênero se torne uma realidade na Formação Integral de nossas crianças e jovens. A organização de atividades pedagógicas nas quais meninas e meninos participam juntos permitirá, com mais eficiência, a reflexão das vivências sexuais, dos processos socioculturais e políticos que nos constituem, bem como da contribuição de meninos e meninas, homens e mulheres na superação das violências, dos comportamentos de coerção, da manipulação afetiva, das vulnerabilidades que facilitam a gravidez adolescente e a infecção ao HIV, HPV, etc. Fonte: SANTA CATARINA, 2014, p. 61. Nesse sentido, cabe ressaltar que uma estrutura curricular que se volta para a necessidade do sujeito, em uma concepção integradora dos saberes, refletirá também em práticas mais significativas. Pense nisso! 45 o PaPEl do ProfEssor no ProCEsso dE organização CurriCular E uma artiCulaCao CurriCular difErEnCiada Capítulo 3 Atividade de Estudos: 1) A partir de seus estudos, fale sobre a relação existente entre a concepção curricular da Escola da Ponte e a Proposta Curricular de Santa Catarina? ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ConSidEraçõES finaiS Ao longo deste estudo, discutimos a influência dos paradigmas educacionais e das teorias do currículo para a construção de uma estrutura curricular. As novas concepções de educação sustentadas na Proposta Curricular de Santa Catarina, em consonância com as políticas públicas de currículo, valorizam uma educação dos saberes integrados, com respeito à diversidade no espaço escolar. 46 Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade Considerando o novo paradigma educacional discutido por diversos autores, a atualização da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina visa atender os desafios de uma sociedade diversa e plural, na perspectiva de formação integral, referenciada numa concepção multidimensional de sujeito. Diante disso, elencar ações que permitem uma prática mais humanizada, pode contribuir para um salto na qualidade do ensino. Seus estudos não encerram por aqui, pois as constantes mudanças que ocorrem na sociedade incitam sempre a necessidade de novos conhecimentos. Desejamos que a busca por novos saberes, conforme Moraes (2010) seja numa dança ininterrupta entre a teoria e prática, embaladas em diferentes ritmos de ideias, pensamentos e ações, entre o sentir, o pensar, o agir e o refletir, apresentando uma bela sinfonia, que é a educação. rEfErênCiaS DUARTE JR, João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. 5. ed. Curitiba: Criar, 2010. ESCOLA DA PONTE. Fazer a ponte: Projecto Educativo. Maio de 2003. Disponível em:<http://www.escoladaponte.com.pt/documen/concursos/ projecto.pdf>. Acesso em: 15 maio 2015. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 35. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. _____. Pedagogia do Oprimido. 48. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2005. _____. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 48.ed. São Paulo: Cortez, 2009. LIBÂNEO, José Carlos. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 7 ed. São Paulo: Cortez. 2009. MORAES, Maria. Cândida. 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