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http://www.futebolinterativo.com.br 2 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Copyright 2019 Futebol Interativo / Natal – RN © Coordenador Marcos Antonio Mattos dos Reis Autores Maickel Padilha Marcos Antonio Mattos dos Reis Designer Editorial e Interação José Antonio Bezerra Junior Capa Marcus Arboés Para sua melhor interação clique em nossa navegação. http://www.futebolinterativo.com.br http://www.futebolinterativo.com.br 3 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Sumário Introdução INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE Capítulo 1 DESENVOLVENDO ATLETAS DE FUTEBOL Capítulo 2 INICIAÇÃO ESPORTIVA X ESPECIALIZAÇÃO PRECOCE NO FUTEBOL Capítulo 3 COORDENAÇÃO TÉCNICA NO FUTEBOL DE BASE Capítulo 4 COORDENAÇÃO METODOLÓGICA NO FUTEBOL DE BASE Capítulo 5 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DO JOGADOR DE FUTEBOL Capítulo 6 COMO ENSINAR O FUTEBOL Capítulo 7 IDENTIFICANDO TALENTOS X PROCESSOS DE AVALIAÇÃO http://www.futebolinterativo.com.br 4 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE introdução http://www.futebolinterativo.com.br 5 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Este material didático tem como finalidade dar suporte para o curso online “Iniciação e Futebol de Base” debatendo assuntos sobre o processo de formação, identificação e seleção de jogadores de futebol, desde as fases iniciais da vida humana até as últimas categorias competitivas do futebol de base. Neste sentido, este material possui uma visão holística acerca do futebol de base, apresentando diversos conteúdos que permitam os alunos mergulharem em diferentes e ricas áreas da formação de jogadores de futebol. Ao abordar o futebol de base, pode- -se dividir em três estágios: iniciação esportiva (6-10 anos de idade), especializa- ção esportiva (11-15 anos de idade) e categorias de base (16-20 anos de idade). A iniciação esportiva consiste no primeiro contato do sujeito com qualquer prática esportiva. Já a especialização esportiva coloca o indivíduo em um contexto mais restrito do futebol, visando focar em habilidades motoras específicas da modali- dade. Obviamente, a utilização do futsal nesse processo ainda pode ser bastante utilizada, inclusive como transição da iniciação à especialização esportiva, tendo em vista que é um esporte que faz parte da família dos jogos jogados com os pés. Por fim, a categoria de base, que é a fase coloca os jogadores em contato com o alto rendimento, a partir de diversos cuidados, como o aumento da quantidade diária de prática, por exemplo. Essa divisão não é um produto fechado, mas ajuda a entender o quão com- plexo é a formação de um jogador de futebol a partir das finalidades específicas de cada categoria. Existem diversas formas que permitem enxergar o futebol de base e nos próximos capítulos iremos abordá-las de acordo com cada conteúdo específico. Neste sentido, esse material didático traz diversas informações que podem ser transformadas em conhecimento no processo de ensino e apren- dizagem do futebol, mostrando fatores biopsicossocioculturais que afetam a formação dos jogadores e ferramentas que permitem identificar e selecionar o talento esportivo. Além disso, tanto esse material didático, quanto o curso “Ini- ciação e Futebol de Base”, trazem conteúdo sobre duas funções emergentes no futebol contemporâneo: coordenação técnica e coordenação metodológica no futebol de base. Formado por um corpo de professores com experiências teóricas e práticas, que trabalham em grandes clubes do futebol brasileiro, como América MG, Co- rinthians, Flamengo e Vasco, o curso “Iniciação e Futebol de Base” apresenta uma http://www.futebolinterativo.com.br 6 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO estrutura de conhecimento que visa promover a qualificação de quem deseja trabalhar no processo de formação de jogadores de futebol em diferentes pers- pectivas. A figura 1 mostra a estrutura curricular do curso e a sequência de conte- údo do material didático. Tenham todos uma excelente leitura e um ótimo curso. Figura 1 – Estrutura curricular do curso “Iniciação e Futebol de Base” http://www.futebolinterativo.com.br 7 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO DESENVOLVENDO ATLETAS DE FUTEBOL MARCOS REIS 1 http://www.futebolinterativo.com.br 8 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO A formação de jogadores de futebol é influenciada por diferentes restrições que interagem entre si: tarefa, ambiente e sujeito (figura 2) (NEWELL, 1986). As restrições das tarefas estão relacionadas às manipulações dos exer- cícios geralmente feitas pelo professor/treinador, que serão discutidos nos pró- ximos módulos (em especial módulo 6). Já as restrições do ambiente e do sujeito são constrangimentos que não podem ser manipulados pelo professor/treinador, mas que afetam diretamente no processo de formação de jogadores e estão relacionadas ao desenvolvimento humano (ARAÚJO et al., 2010). Elas podem ser consideradas como fatores biopsicossocioculturais que determinam as possibi- lidades do sujeito se tornar jogador de futebol e que quando caminham juntas, se tornam mais preponderantes do que as restrições das tarefas (REIS, 2016). Figura 2 - Modelo de restrições adaptado de Newell (1986). Dentro desta perspectiva, os professores/treinadores devem conhecer esses fatores biopsicossocioculturais a fim de ajustar as restrições das tarefas que per- mitam potencializar as habilidades dos jogadores a partir dos diferentes perfis. Neste módulo, serão abordados os seguintes fatores biopsicossocioculturais: maturação biológica, efeito da idade relativa, cegueira inatencional e local de nascimento e criação (REIS, 2016). Contudo, existem diversos outros fatores que o treinador precisa conhecer a fim de ofertar os estímulos adequados a partir das características de cada jogador. http://www.futebolinterativo.com.br 9 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Imagine o seguinte contexto... Você foi contratado para trabalhar no departamento de captação de um grande clube do futebol brasileiro. Você foi escalado para selecionar um zaguei- ro para a categoria sub-13 em uma competição no interior de Minas Gerais. No final da competição, você selecionou gostou de dois zagueiros: Anderson Vital e o Ricardo Pedra. Os dois nasceram no dia 1º de janeiro de 2006 e apresentaram o mesmo nível de habilidade (tanto nas ações com bola, quanto nas ações sem bola). Contudo, o Anderson Vital tinha 1,72 metros de estatura e o Ricardo Pedra 1,60 metros de estatura. Qual dos dois você selecionaria? (após chegar a uma resposta, veja figura 3). Figura 3 – Os zagueiros Anderson Vital e Ricardo Pedra (personagens fictícios) e suas respectivas estaturas nos anos de 2019 e 2024. Na figura 3, os zagueiros Anderson Vital e Ricardo Pedra (personagens fictícios) apresentam estaturas muito distintas aos 13 anos de idade cronológica. Porém, após 5 anos, aos 18 anos de idade de idade cronológica, essa distância na esta- tura praticamente desapareceu. Será que aos 13 anos de idade cronológica eles apresentavam uma idade biológica diferente e isso fez com que você selecionas- se o Anderson Vital simplesmente pela estatura? Será que essa questão biológica pode afetar no processo de formação desses jogadores? Vamos debater sobre essas implicações a seguir. Pensando a prática http://www.futebolinterativo.com.br 10 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO As categorias de base no futebol são organizadas com base na idade crono- lógica dos jogadores (MALINA et al., 2015). Porém, não é incomum encontrar jovens jogadores cuja idade cronológica não acompanhe a idade biológica (podendo estar abaixo ou acima dela) (como por exemplo o caso fictício da figura 3), o que pode representar características funcionais distintas dentro de um mesmo grupo de indivíduos (MALINA et al., 2015; MALINA, 2014; MIRWALD et al., 2002). Isso ocorre por conta da maturação biológica, que consiste no processo natural em que os tecidos, órgãos e sistemas de todo ser humano passam para chegar na fase adulta (MALINAet al., 2015; MALINA, 2014). Ela pode ser identificada através de diferentes sistemas biológicos do ser humano: sexual, ósseo e somático (MALINA, 2014). A maturação óssea reflete na proliferação de células da cartilagem do es- queleto humano ossificando-o por completo nas placas de crescimento (MALINA, 2014). A maturação sexual consiste no desenvolvimento dos eixos hipotalâmico- -hipofisário-gonadal e adrenal do sistema neuroendócrino e é identificada a partir do incremento dos órgãos genitais e dos pelos pubianos (MALINA et al., 2015; MALINA, 2014). Já maturação somática, método mais utilizado e acessível por conta do baixo custo e por não ser invasivo (BACIL et al., 2015; MIRWALD et al., 2002), é identificada a partir da distância em anos que o indivíduo se encontra do pico de velocidade de crescimento (PVC) (MIRWALD et al., 2002). A avaliação do nível maturacional dos jogadores através do PVC é feita a partir da obtenção das seguintes variáveis antropométricas, além da idade cro- nológica do indivíduo: estatura (cm), massa corporal (kg), altura tronco-cefálica (cm) e comprimento de membros inferiores (cm). Em seguida, os dados são co- locados na seguinte equação a fim de gerar um coeficiente que representa a distância em anos que os jogadores se encontram dos seus respectivos PVC: Equação para encontrar o nível de maturação biológica através do PVC -9,236 + 0,0002708 x (comprimento de membros inferiores x altura tronco-cefálica) - 0,001663 (idade x comprimento de membros inferiores) + 0,007216 (idade x altura tronco-cefálica) + 0,02292 (massa corporal / estatura) Com base no coeficiente gerado pela equação, os jogadores podem ser es- tratificados em três grupos: Pré-Estirão (jogadores que não atingiram o PVC, coe- ficiente < -0,5), Estirão (jogadores que estavam atingindo o PVC, coeficiente entre -0,5 e 0,5) e Pós-Estirão (jogadores que já tinham atingindo o PVC, coeficientes > 0,5). A partir disto, o professor/treinador terá uma referência de qual estágio http://www.futebolinterativo.com.br 11 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO maturacional o jogador se encontra e quando ele atingirá o PVC, podendo per- sonalizar os estímulos de acordo com a necessidade de cada sujeito. Por quê é importante essa identificação no processo de formação, identificação e seleção de jogadores? Muitas das vezes no processo de seleção de jogadores de futebol, os aspectos físicos acabam se tornando o cerne das atenções (DODD e NEWANS, 2018). Isso faz com que a maturação biológica seja um fator simultaneamente discrimina- dor e de confusão na formação, identificação e seleção de jogadores, favore- cendo aqueles já amadurecidos biologicamente, que passam a produzir mais testosterona, o que altera as características antropométricas influenciando na capacidade neuromuscular, gerando uma vantagem no desempenho atlético (MOREIRA et al., 2017). Nessa perspectiva, jogadores de futebol amadurecidos pre- cocemente possuem vantagens no desempenho físico, visto que costumam ser mais fortes (MURTAGH et al., 2018; BIDAURRAZAGA-LETONA et al., 2017a; BORGES et al., 2017), mais velozes (ROMMERS et al., 2019; BROWNSTEIN et al., 2018), mais ágeis (KURANTH et al., 2017) e mais resistentes aeróbica (BIDAURRAZAGA-LETONA et al., 2017a; BORGES et al., 2017) e anaerobicamente (VALENTE-DOS-SANTOS et al., 2012b) do que os jogadores amadurecidos tardiamente. Bidaurrazaga-Letona et al. (2017b) observaram mais jogadores maturados biologicamente entre os novos integrantes do que entre os que já faziam parte da equipe sub-15. Em outro clube de futebol, na categoria sub-17, os jogadores recrutados no início da temporada eram mais altos, possuíam mais massa ma- gra e atingiram o PVC antes do que os jogadores que foram dispensados do clube (AQUINO et al., 2017). Importante frisar que em ambos estudos o desem- penho físico e/ou atlético não foi explicitamente considerado como critério de seleção. Essas evidências dão suporte à premissa de que treinadores de futebol tendem a associar implicitamente o talento esportivo ao tamanho do jogador (PEÑA-GONZÁLEZ et al., 2018; FURLEY e MEMMERT, 2016; MASTERS, POOLTON e VAN DER KAMP, 2010). Em função disso, é possível que o processo de formação, identificação e sele- ção de jogadores esteja sujeito a um viés ao privilegiar jogadores amadurecidos biologicamente, sem respeitar o tempo necessário para o desenvolvimento dos jogadores que ainda não atingiram esse estado. Nesse sentido, Aquino et al. (2017) e Malina et al. (2005) identificaram melhor desempenho em habilidades técnicas, tais como, controle de bola, drible, passe e chute em jogadores de futebol com maturação biológica precoce em relação à tardia. Porém, quando a maturação biológica foi controlada, o desenvolvimento das habilidades com bola evoluiu com o avanço da idade cronológica, independentemente do estado matura- cional (VALENTE-DOS-SANTOS et al., 2012a). Cabe destacar que nesses estudos, os procedimentos de avaliação não simularam situações de jogo, ou seja, sem interações de cooperação e oposição, o que pode gerar interpretações equivo- cadas do desempenho, favorecendo ainda mais o viés físico. http://www.futebolinterativo.com.br 12 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Em jogos reduzidos, a literatura científica traz que não foi encontrada corre- lação entre maturação biológica e habilidades com bola (SILVA et al., 2011), joga- dores de diferentes níveis maturacionais obtiveram desempenho tático pareci- dos, apesar da correlação moderada entre eficácia ofensiva e potência aeróbia (BORGES et al., 2018), e jogadores que já tinham atingindo o PVC realizaram mais ações táticas com bola para frente, ações táticas sem bola de criação de linha de passe próximo do colega portador da bola e linha de passe para trás distante dele do que os jogadores que ainda não tinham atingido o PVC (BORGES et al., 2017). Reis (2016) avaliou o comportamento tático de 78 jogadores divididos em três grupos de acordo com o nível de maturação somática deles: pré-estirão (que ainda não tinham alcançado o PVC), estirão (que estavam passando pelo PVC) e pós-estirão (que já tinham alcançado o PVC). Foi encontrado que os jogadores do pós-estirão e do estirão tiveram melhor desempenho na penetração (progressão com bola na direção da baliza ou linha de fundo adversária), enquanto os joga- dores do pré-estirão apresentaram maior variabilidade tática dos que os seus pares que já tinham alcançado ou estavam alcançando a maturação biológica. Esses resultados mostram que os jogadores amadurecidos biologicamente podem se favorecer da vantagem física por conta de aspectos biológicos para realizar ações com bola, que geralmente são as mais observadas na seleção de jogadores. Por outro lado, os jogadores que ainda não amadureceram biologica- mente criam mais repertório de jogo para que possam se manter competitivos diante da desvantagem biológica que apresentam. Retomando ao exemplo da figura 3, provavelmente o Ricardo Pedra buscou estratégias cognitivas e motoras para poder jogar o jogo de futebol e, ao atingir o nível maturacional biológico do Anderson Vital, pode ter ultrapassado o nível de habilidade do Anderson Vital (caso ele tenha sido estimulado a jogar a partir da sua vantagem física). A figura 4 mostra um exemplo real dessa questão no futebol contemporâneo, o jogador Lucas Paquetá quase foi dispensado das categorias de base do Flamengo por causa da sua baixa estatura, tendo em vista, muito provavelmente, que o jogador atingiu o PVC de forma tardia em relação aos seus pares de idade cronológica. Figura 4 – Reportagem do globoesporte.com destaca o alcance do PVC de Lucas Paquetá em um curto período Fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2015/12/joia-2016-apos- ganhar-27-centimetros-em-tres-anos-paqueta-mira-topo-no-fla.html http://www.futebolinterativo.com.br http://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2015/12/joia-2016-apos-ganhar-27-centimetros-em-tres-anos-paqueta-mira-topo-no-fla.htmlhttp://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2015/12/joia-2016-apos-ganhar-27-centimetros-em-tres-anos-paqueta-mira-topo-no-fla.html 13 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Desta forma, o professor/treinador deve criar estratégias metodológicas que permitam aos jogadores que ainda não atingiram a maturação biológica re- alizem mais habilidades com bola, enquanto os seus pares que já atingiram a maturidade biológica possam realizar mais habilidades sem bola relacionadas à coordenação interpessoal voltada para ocupação e criação de espaços vazios (REIS, 2016). Além disso, mais uma alternativa para diminuir o impacto da matu- ração biológica e deixar o processo de formação mais holístico é a organização de categorias competitivas e competições esportivas a partir da idade biológica (CUMMING et al., 2018). Outro fator que pode ser influenciado pela maturação biológica e que influen- cia o processo de formação de jogadores de futebol é o efeito da idade relativa (FURLEY e MEMMERT, 2016). O efeito da idade relativa consiste na categorização assimétrica de indivíduos de uma mesma faixa etária e categoria competitiva, a partir de um ponto de corte (geralmente 1º de janeiro), sendo que eles podem apresentar quase 12 meses de diferença entre as suas idades cronológicas. Isso pode implicar vantagens e desvantagens físicas e cognitivas afetando o desem- penho esportivo ao longo de todo o processo de formação (HELSEN et al., 2012). Por exemplo, Williams (2010) verificou que que cerca de 40% de jogadores de futebol que disputaram Copas do Mundo Sub-17 nasceram no primeiro trimestre do ano (janeiro, fevereiro, março) e apenas 16% deles nasceram no último tri- mestre do ano (outubro, novembro, dezembro). Ishigami (2016) verificou que os jogadores de futebol nascidos próximo do ponto de corte (ou seja, nos primeiros meses do ano), possuem mais chances de se tornarem jogadores de futebol do que os indivíduos que nasceram no final do ano. Furley, Memmert e Weigelt (2016) verificaram que dos 100 jogadores de futebol mais valiosos (economicamente falando) cerca de 60% nasceram no primeiro semestre do ano. Desta forma, percebe-se que o efeito da idade relativa influencia no processo de formação, identificação e seleção de jogadores de futebol. Portando, os pro- fessores/treinadores de futebol das categorias de base devem estar atentos a isso a fim de que ofereçam oportunidades igualitárias para todos os jogadores, aumentando a possibilidade de sucesso na formação de jogadores. Por outro lado, Côté et al. (2006) chamam a atenção para quando o “onde” é mais importante do que o “quando” em relação ao nascimento dos praticantes de esportes coletivos. Esse “quando” está relacionado ao local de nascimento do jogador. Os pesquisadores encontraram que indivíduos que nascem em ci- dades americanas entre 50 e 99 mil habitantes apresentam mais chances de se tornarem jogadores de basquetebol, hóquei, beisebol e golfe em relação as outras cidades com menor e maior porte. Isso ocorre porque essas cidades são grandes o suficiente para oferecer infraestrutura e suporte técnico para a prá- tica esportiva de qualidade, porém não são tão grandes para oferecer outras atividades que diminuiriam o tempo de prática dos jogadores. Em relação ao futebol, Costa, Cardoso e Garganta (2013) verificaram que 82,3% dos jogadores que disputaram o Campeonato Brasileiro da Série A de 2010 foram http://www.futebolinterativo.com.br 14 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO oriundos de cidades com índice de desenvolvimento humano (IDH) médio (entre 0,501 e 0,800). Além disso, somente 2,0% dos jogadores nasceram em cidades com IDH abaixo de 0,500. Tais resultados reforçam os achados de Côté et al. (2006) para outros esportes. Contudo o estudo de Costa, Cardoso e Garganta (2013) não apresenta se es- ses jogadores foram formados de fato nas cidades que nasceram. Mas já é uma informação importante para entender a importância do local de nascimento e as políticas públicas que podem ser implementadas para o desenvolvimento de jogadores de futebol em conjunto com os clubes. Por fim, após serem apresentados fatores biológicos, sociais e culturais, será apresentado um fator psicológico que pode afetar na formação dos jogadores de futebol que é a cegueira inatencional (SCHMIDT e LEE, 2016). A cegueira inaten- cional consiste na ação de negligenciar características, gestos e movimentos em um ambiente por conta do foco de atenção específico em determinada tarefa. Por exemplo, quando um treinador solicita ao seu jogador que ele faça marcação individual em determinado adversário, esse jogador irá focar somente naquele jogador, negligenciando todo e qualquer tipo de movimentação ao seu redor. Isso pode gerar uma falha na detecção de um objeto ou sujeito inesperado (outro adversário ocupando um espaço vazio próximo da baliza, por exemplo) mesmo que esteja na frente do jogador (SCHMIDT e LEE, 2016; MEMMERT, 2011). Memmert (2011) destaca que existe uma relação entre criatividade, experiên- cia esportiva e cegueira inatencional, pois os jogadores experientes conseguem perceber os colegas de equipe livres e podem tomar decisões originais para realizar passes, por exemplo. Enquanto os jogadores inexperientes ficam “cegos” e não conseguem perceber as oportunidades de passe que o ambiente oferece, caracterizando o famoso “olhei, mas não consegui ver”. Furley, Memmert e Heller (2010) verificaram que jogadores de basquetebol experientes possuem menos chances de não enxergar em um vídeo um gorila passando no meio de uma troca de passes do basquetebol. Desta forma, o professor/treinador de futebol deve entender esse mecanismo psicológico e criar exercícios adequados para diminuir a cegueira inatencional e permitir que os jogadores possam perceber as oportunidades que o ambien- te de jogo oferece tomando decisões e executando habilidades que permitam solucionar os problemas do jogo (CORRÊA et al., 2014). Por outro lado, também deve-se tomar cuidado com os estímulos que são ofertados aos jogadores para que eles não ampliem a cegueira inatencional. http://www.futebolinterativo.com.br 15 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Acesse o link abaixo, faça o teste e veja o seu desempenho atencional TESTE DE ATENÇÃO O que você acha de aplicar esse teste com seus jogadores? O seu treino está potencializando esse fator cognitivo? Boas questões para serem refletidas! Leia clicando no conteúdo http://www.futebolinterativo.com.br https://www.youtube.com/watch?v=FzeXeXR9cCs 16 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO REFERÊNCIAS AQUINO, R. et al. Multivariate Profiles of Selected Versus non-Selected Elite Youth Brazilian Soccer Players. Journal of Human Kinetics, v. 60, n. 1, p. 113-121, 2017. ARAÚJO, D. et al. The Role of Ecological Constraints on Expertise Development. Ta- lent Development & Excellence, v. 2, n. 2, p. 165-179, 2010. BACIL, E. et al. 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A partir disso, ao observar os esportes coletivos de invasão (nível de análise 3 da figura 5), nota-se que existem denominadores em comum que fazem com que essas modalidades esportivas se assemelhem entre si, como por exemplo: móbil (objeto a ser disputado pelas equipes, vide a bola, por exemplo), terreno de confronto, relações de cooperação e oposição entre os jogadores, regras, alvo a ser atingido, entre outros (GARGANTA, 1995). Dentro desta perspectiva, quando se fala de iniciação esportiva, será que é melhor as crianças praticarem somente uma modalidade esportiva ou será que a prática de vários esportes não seria melhor para a sua formação? Por exemplo, no caso do futebol, não seria interes- sante o sujeito praticar diferentes esportes? Figura 5: Organização hierárquica do esporte A partir desses questionamentos, o debate sobre como deve ocorrer a ini- ciação esportiva no processo de formação de jogadores de futebol é de funda- mental importância. A iniciação esportiva pode ser entendida como o primeiro contato que o indivíduo tem com qualquer modalidade em uma perspectiva formal, caracterizada por uma sistematização de treinamento e pela disputa de competições (escolar, interclubes, etc.). A iniciação no esporte pode ser feita sob uma perspectiva generalista ou uma abordagem específica, denominada de especializaçãoprecoce (MEMMERT e ROTH, 2007; GRECO, 1998). http://www.futebolinterativo.com.br 22 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Na iniciação esportiva generalista, o sujeito pratica diferentes modalidades esportivas sem perder o foco principal (no caso desse material, será o futebol) (MEMMERT e ROTH, 2007). Essa permissividade a diversidade de práticas esporti- vas ao indivíduo pode ser intra ou inter-sessões. Na intra-sessão, ou seja, dentro de um treino, o professor cria um ou dois exercícios (pode ser no aquecimento, entre os exercícios do futebol ou no final do treino) que são de outras modalida- des esportivas (handebol, basquetebol e hóquei, por exemplo). Na inter-sessões, ou seja, entre treinos, o professor dedica um dia de treino para que as crianças realizem exercícios de outros esportes coletivos de invasão. Já na iniciação esportiva específica, as crianças praticam somente exercícios do futebol de campo, priorizando as habilidades motoras específicas (com e sem bola) da modalidade. Portanto, percebe-se que são abordagens de iniciação esportiva diferentes e que podem gerar mecanismos de adaptação diferentes nas crianças. Abaixo, vamos observar como a literatura científica tem investigado essas abordagens e como os resultados encontrados podem nortear e auxiliar escolas e clubes de futebol no processo de formação de jogadores. Memmert e Roth (2007) fizeram um estudo com o objetivo de verificar os efei- tos da iniciação esportiva generalizada e específica na tomada de decisão cria- tiva de crianças com a média de 7 anos de idade durante 15 meses de interven- ção. Eles dividiram as crianças em seis grupos experimentais: futebol específico, handebol específico, hóquei específico (as crianças desses três grupos apenas praticavam essas modalidades e, inclusive, participavam de competições), fute- bol não específico, handebol não específico e hóquei não específico (as crianças desses três grupos praticaram durante seis meses exercícios de todas as mo- dalidades e durante nove meses participaram apenas das suas modalidades, contudo, sem participar de competições). Em relação ao futebol, tanto os grupos específico e não específico melhora- ram a tomada de decisão criativa relacionada ao passe e às movimentações sem a posse de bola. Também foi verificado que o grupo do hóquei não específico permitiu melhor desempenho na prática do futebol. Além disso, as crianças dos grupos específicos melhoraram o desempenho 35% nos primeiros seis meses de intervenção, enquanto os indivíduos dos grupos não específicos aumentaram apenas 10%. Contudo, nos últimos nove meses de intervenção, os sujeitos dos grupos específicos melhoraram 21% e os grupos não específicos 32% (MEMMERT e ROTH, 2007). Oppici et al. (2017) fizeram uma comparação entre o desempenho de joga- dores de futsal que nunca tinham praticado futebol e jogadores de futebol que nunca tinham jogado futsal. Os jogadores tinham aproximadamente 13 anos de idade. Foi verificado que os jogadores de futsal realizam mais passes por minuto, possuem menor área individual de jogo ao redor do portador da bola e menor tempo para receber a bola do que os jogadores de futebol de campo. http://www.futebolinterativo.com.br 23 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Após a identificação desses resultados, Oppici et al. (2018) fizeram outro expe- rimento em que colocaram os jogadores de futsal para jogar futebol de campo e vice-versa. Foi verificado que os jogadores de futsal tiveram mais passes bem- -sucedidos no futebol de campo do que no futsal, enquanto os jogadores de futebol de campo se mantiveram os seus desempenhos estáveis nos dois jogos. Além disso, os jogadores de futsal tiveram mais passes bem-sucedidos do que os jogadores de futebol de campo no jogo de futebol de campo. Antes do primeiro toque na bola, os jogadores de futsal direcionavam sua atenção para outros jogadores mais vezes do que os jogadores de futebol de campo no jogo de futebol. Além disso, o jogo de futsal promoveu maior atenção orientada para outros jogadores do que o jogo de futebol (OPPICI et al., 2018). O que é uma característica de jogadores experientes no futebol de campo, que olham mais para os jogadores e o espaço vazio no campo, enquanto os joga- dores inexperientes olham mais para a bola (ROCA et al., 2011). Müller et al. (2016) também verificaram que o futsal promove maior eficácia defensiva do que o futebol. Com isso, os contributos do futsal para o futebol vão além dos aspectos ofensivos do jogo. Neste sentido, percebe-se os motivos, tes- tados cientificamente, pelo qual o futsal é considerado um esporte doador para o futebol de campo, em especial no Brasil. Por isso ele é caracterizado como uma das principais ferramentas na formação de jogadores de futebol (TRAVASSOS, ARAÚJO e DAVIDS, 2018). Desta forma, observa-se através da literatura científica que as duas aborda- gens (iniciação esportiva generalizada e específica) são eficazes na melhora do desempenho dos jogadores na iniciação esportiva, com a perspectiva genera- lizada permitindo a transferência de habilidades. A transferência da aprendiza- gem de habilidades pode ser definida como o processo de adaptação de deter- minado comportamento a um novo contexto de prática, avaliada na obtenção de desempenho e não em um movimento estereotipado (NEWELL, 1986). Conclui- -se que a prática de outros esportes pode ajudar na formação de jogadores de futebol, tanto em aspectos ofensivos, quanto defensivos, e que o professor pode manipular a utilização de outras modalidades esportivas durante as sessões de treinos ou deixando um dia de prática alternativa no seu planejamento. http://www.futebolinterativo.com.br 24 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Figura 6: A transferência de habilidades (perceptivas, cognitivas e motoras) de diferentes esportes coletivos para o futebol. http://www.futebolinterativo.com.br 25 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO REFERÊNCIAS GARGANTA, J. Para uma Teoria dos Jogos Desportivos Coletivos. In. GRAÇA, A.; OLI- VEIRA, J. (Org.). O ensino dos jogos desportivos. Porto: Centro de Estudos dos Jogos Desportivos, 1995. p. 11-25. GRECO, P. Iniciação Esportiva Universal 2. Metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube. UFMG, 1998. MEMMERT, D.; ROTH, K. 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Entende-se como técnica o conjunto de procedimentos que permitem a reso- lução de problemas e a efetividade de determinado processo (TANI, 2016). Neste sentido, o coordenador técnico deve estudar para conhecer de maneira profun- da a cultura de jogo e objetivos com a formação de jogadores dentro do clube que trabalha. A cultura de jogo consiste no conjunto de valores e conquistas de determinado clube de futebol produzidos ao longo do seu processo histórico até a contemporaneidade (REIS e ALMEIDA, 2019). Partindo deste ponto, se o objetivo do clube é formar jogadores para a equipe profissional, o coordenador técnico vai adaptar todo o processo para essa fina- lidade (perfil de profissionais contratados, metodologia de treinamento, conte- údo dos treinos por categorias competitivas, etc.). Contudo, caso o clube tenha como meta a negociação de jogadores da base na primeira oportunidade de negócio que aparecer (dentro da legislação esportiva vigente), a abordagem do coordenador técnico deverá ser totalmente diferente nesse processo. Ou seja, a abordagem do coordenador técnico depende do contexto em que ele está inserido no clube (processo histórico e cultural, missão, visão e valores do clube, entre outros fatores, por exemplo). Já a gestão de recursos humanos consiste na habilidade em lidar com dife- rentes perfis profissionais (comissão técnica e jogadores) retirando o melhor de cada sujeito (CARRAVETTA, 2012). Esta dimensão também envolve o processo de recrutamento de profissionais que irão trabalhar diretamente na formação dos jogadores (treinadores, auxiliares técnicos, preparadores físicos, etc.). A depender do clube, o coordenador técnico não é o único a participar desta escolha (por exemplo, o diretor ou o gerente de futebol de base podem estar em um nível hie- rárquico acima nesse processo), contudo ele deve ter seus mecanismos de sele- ção de profissionais, pois isso implicará diretamente na eficácia do seu trabalho. O quadro 1 apresenta as funções do coordenador técnico no futebol de base. Existem duas abordagens (tarefa e motivação) e quatro mecanismos para cada abordagem (comportamentos do coordenador técnico, processos, condutas da comissão técnica e dos jogadores e os resultados obtidos) (adaptado de KATTU- MAN, LOCH e KURCHIAN, 2019). http://www.futebolinterativo.com.br 28 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Figura 7: Abordagens e mecanismos inerentes à função do coordenador técnico no futebol As duas abordagens são as seguintes: tarefa e motivação. A abordagem da tarefa consiste naquilo que quer ser alcançado no futebol de base a partir da intervenção do coordenador técnico. Já a abordagem da motivação é o quanto o profissional consegue otimizar a energia do sistema (interação entre as dife- rentes partes que compõem) mantendo-os determinados a alcançar a tarefa estabelecida. Para cada abordagem, quatro mecanismos devem ser controlados pelo coordenador técnico. Por exemplo, em relação ao mecanismo comportamento do coordenador técnico, ele deve criar e/ou desenvolver a filosofia de jogo da equipe (abordagem da tarefa). Já em relação a abordagem da motivação, o fornecimento de feed- back (informações sobre o que está sendo feito) aos treinadores se o trabalho deles está de acordo com os estilos de jogo que o clube deseja implementar na sua categoria competitiva é umas das funções do coordenador técnico. http://www.futebolinterativo.com.br 29 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Quadro 1: Funções do coordenador técnico no futebol de base (adaptado de KATTUMAN, LOCH e KURCHIAN, 2019). Abordagem Comportamento Processo Conduta da co- missão técnica e dos jogadores Resultado Tarefa Estilo de jogo Planejamento Aspectos coletivos Objetivos específicos por categoria competitiva Filosofia de trabalho Avaliação Aspectos individuais Eficácia e eficiência nos jogos Filosofia de jogo Formação continuada e permanente dos profissionais Gestão de recursos humanos dos treinadores Eficácia e eficiência em competição Identificação e seleção de jogadores Motivação Estilo de interação Coesão (comissão técnica e jogadores) Afetividade Metas traçadas (curto, médio e longo prazo)Feedback do desempenho Comunicação Suporte social Estados emergentes (estresse, nível de competição, foco, etc.) Avaliação individual No que concerne aos mecanismos do processo de formação de jogadores de futebol, o coordenador técnico deve planejar os treinos em conjunto com as comissões técnicas, avaliar os planejamentos e criar ambientes de forma- ção continuada e permanente dos profissionais, através de ciclo de palestras, reuniões periódicas e permissão da ida a cursos, por exemplo (abordagem da tarefa). Além disso, ele deve perceber e estimular a coesão das equipes, tanto nas relações entre os profissionais da comissão técnica, quanto nas relações entre os profissionais e os jogadores da sua categoria competitiva, além das relações entre os jogadores (abordagem da motivação). Em relação à conduta da comissão técnica e dos jogadores, o coordenador técnico deve buscar agregar sujeitos que ao interagirem possam ter eficácia e eficiência, além de retirar o melhor desempenho de cada indivíduo (abordagem da tarefa). A afetividade (laços emocionais equilibrados nas relações humanas), o suporte social (demonstração de preocupação sobre aspectos da vida de http://www.futebolinterativo.com.br 30 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO cada indivíduo) e avaliações individuais periódicas compõem a abordagem da motivação nesse mecanismo. Nos resultados, no que se refere a abordagem da tarefa do coordenador téc- nico, ele deve traçar objetivos específicos tangíveis por categoria competitiva, além de avaliar a eficácia (alcance do objetivo) e a eficiência (meios para al- cançar o objetivo) tanto nos jogos, quanto em competições. A abordagem da motivação nesse mecanismo é justamente traçar metas a curto, médio e longo prazo que estejam intimamente ligadas aos objetivos a fim de estimular os pro- fissionais e os jogadores. Outra questão a ser observada pelo coordenador técnico é a interação entre as diferentes funções e áreas que compõem o futebol de base do clube. Durante muito tempo, o futebol ficou restrito ao conceito de multidisciplinaridade, ou seja, cada profissional realiza a sua função e não ocorre uma sinergia entre os sujeitos de diferentes áreas de atuação profissional do futebol de base. Esse conceito e sua aplicabilidade prática vem sendo substituído pela interdisciplinaridade e, até mesmo, pela transdisciplinaridade (figura 8). Figura 8: Conceitos e aplicações de comportamentos de interação que o coordenador técnico pode estimular entre os diferentes profissionais que gerencia no futebol de base. Sintetizando, nota-se que o coordenador técnico é uma função primordial no processo de formação de jogadores, dada a quantidade de atributos, caracte- rísticas, competências e habilidades que precisa ter. É uma função emergente no futebol brasileiro, mas que já apresenta um caráter protagonista, pois o coor- denador técnico deve buscar convergir todo o processo complexo de formação de jogadores, pautado pelos diferentes contextos e finalidades (categorias com- petitivas, por exemplo), com os objetivos da instituição a partir da interação com profissionais com distintas formações e expertises. Porém, é importante ressaltar http://www.futebolinterativo.com.br 31 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO que é uma função que pode gerar oportunidades únicas para profissionais que almejam trabalhar com futebol. Assista o vídeo abaixo sobre os conceitos da multidisciplinaridade, interdisci- plinaridadee transdisciplinaridade no ambiente escolar O que você achou? Com qual mentalidade você mais se identifica? Como os conceitos desse vídeo podem ser transferidos para a coordenação técnica do futebol? Essa é uma boa reflexão para aplicar na prática. Leia clicando no conteúdo http://www.futebolinterativo.com.br https://www.youtube.com/watch?v=Ux8rN5Mhv1g 32 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO REFERÊNCIAS CARRAVETTA, E. Futebol: a formação de times competitivos. Editora Sulina, 2012. KATTUMAN, P.; LOCH, C.; KURCHIAN, C. Management succession and success in a professional soccer team. PLoS ONE, v. 14, n. 3, p. 1-20, 2019. REIS, M.; ALMEIDA, M. Futebol, arte e ciência: construção de um modelo de jogo. Editora Primeiro Lugar, 2019. TANI, G. Aprendizagem motora: uma visão geral. In. TANI, G.; CORRÊA, U. (Eds.). Apren- dizagem motora e o ensino do esporte. São Paulo: Blucher, 2016. p. 19-38. http://www.futebolinterativo.com.br 33 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO COORDENAÇÃO METODOLÓGICA NO FUTEBOL DE BASE MARCOS REIS 4 http://www.futebolinterativo.com.br 34 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO O coordenador metodológico é uma função incipiente no futebol brasileiro. Tal função tem como objetivo desenvolver formas de ensino e treinamento do futebol que permitam a aprendizagem dos conteúdos estabelecidos no docu- mento norteador de formação de jogadores do clube. Portanto, o coordenador metodológico deve criar e/ou desenvolver um conjunto de técnicas e procedi- mentos, juntamente com os treinadores e suas respectivas comissões técnicas, a fim de atingir as finalidades do clube no processo de formação de jogadores. Partindo deste ponto, são competências e habilidades que um profissional deve ter para poder assumir tal função no futebol de base: a) conhecimento aprofundado sobre a natureza do jogo de futebol; b) conhecimento aprofunda- do sobre as diferentes habilidades com e sem bola do futebol; c) conhecimen- to aprofundado sobre aspectos estratégicos-táticos relacionados ao aspectos coletivos do futebol; d) conhecimento aprofundado sobre os diferentes tipos de métodos de ensino e treinamento aplicados no futebol, suas qualidades e limi- tações; e) conhecimento aprofundado sobre diferentes instrumentos de avalia- ção individual e coletiva aplicados ao futebol; f) conhecimento sobre tecnologia aplicada ao futebol; g) conhecimento aprofundado sobre a cultura de jogo da equipe que irá trabalhar; i) criatividade e inovação. Todas as competências e habilidades apresentadas anteriormente servem para a construção dos conteúdos que serão desenvolvidos ao longo da iniciação esportiva até as últimas categorias competitivas da base. A lógica dos conteúdos deve buscar desenvolver a coordenação intra e interpessoal (SANTOS et al., 2018; DAVIDS et al., 2013; PASSOS e BARREIROS, 2013; NEWELL, 1985). A coordenação intrapessoal consiste na organização do controle do arca- bouço motor do jogador, ou seja, tornar a multiplicidade de microcomponentes do sistema controlável para alcançar os objetivos da tarefa (SANTOS et al., 2018; NEWELL, 1985). Neste sentido, o coordenador metodológico deve pensar acerca da interdependência dos componentes do desempenho individual no futebol: tática, técnica, físico e psicológico/emocional (figura 9) (BRADLEY e ADE, 2018). Portanto, os conteúdos devem contemplar todos esses diferentes desempenhos que se relacionam a fim de formar jogadores com a mais alta performance possível nesses aspectos. Já a coordenação interpessoal está relacionada ao mecanismo de auto-or- ganização do sistema, que pode ser estimulada para gerar ordem e estrutura a partir da interação entre os indivíduos (SANTOS et al., 2018; PASSOS e BARREI- ROS, 2013). Neste sentido, os conteúdos devem respeitar um dos atributos mais essenciais do jogo de futebol: as interações de cooperação e oposição entre os jogadores (SANTOS et al., 2018; GARGANTA, 1995). Desta forma, o coordenador metodológico deve entender esses aspectos a fim de ofertar os melhores mé- todos para os treinadores e coordenação técnica no processo de formação de jogadores de futebol na base. http://www.futebolinterativo.com.br 35 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Figura 9 – Exemplo da interdependência dos componentes do jogo de futebol e de conteúdos que devem estar presentes no documento norteador da formação de jogadores de um clube de futebol, que tem o coordenador metodológico como responsável por sua criação e, principalmente, por sua operacionalização. Nesta perspectiva, a escolha dos procedimentos metodológicos deve ser norteada a partir de três dimensões: conceitual, atitudinal e procedimental. As três dimensões podem ser mais bem compreendidas a partir de três questio- namentos: quais os conceitos de jogo que os jogadores precisam desenvolver? (dimensão conceitual); quais as atitudes os jogadores precisam apresentar ao longo da sua formação? (dimensão atitudinal); quais as técnicas e procedimen- tos que devem ser escolhidas para operacionalizar? (dimensão procedimental) Nota-se que apesar do coordenador metodológico precisar conhecer, e até mesmo dominar, as dimensões conceitual e atitudinal, a base do seu trabalho é a dimensão procedimental. Desta forma, a resposta para a terceira pergunta é basicamente o que o coordenador metodológico precisa responder e dar como devolutiva do seu trabalho ao clube. Não obstante, o domínio das dimensões conceitual e atitudinal precisam ser conhecidas e até mesmo trabalhadas em uma perspectiva interdisciplinar ou transdisciplinar, em conjunto com o coorde- nador técnico e comissões técnicas, por exemplo. http://www.futebolinterativo.com.br 36 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Figura 10 – Dimensões conceituais e atitudinais, e exemplos de possibilidades para operacionalização delas (dimensão procedimental) na formação de jogadores de futebol. http://www.futebolinterativo.com.br 37 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO REFERÊNCIAS BRADLEY, P.; ADE, J. Are Current Physical Match Performance Metrics in Elite Soccer Fit for Purpose or Is the Adoption of an Integrated Approach Needed? International Journal of Sports Physiology and Performance, v. 13, n. 5, p. 656-664, 2018. DAVIDS, K. et al. How Small-Sided and Conditioned Games Enhance Acquisition of Movement and Decision-Making Skills. 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No futebol, os problemas do ambiente de prática estão relacionados à opera- cionalização do jogo em que uma equipe visa manter a posse de bola, avançar no campo de jogo, criar situações de finalização e finalizar na baliza adversária, enquanto o adversário busca proteger sua baliza, anular situações de finalização, impedir o avanço do adversário no campo e recuperar a bola (COSTA et al., 2009). Neste sentido, ocorre uma constante troca de informações entre as equipes com o objetivo de aumentar a incerteza sobre o adversário e, consequentemente, diminuir a ambiguidade do adversário sobre a equipe (CORRÊA et al., 2012). Desta forma, os jogadores devem aprender habilidades com e sem bola (para exemplos dessas habilidades consultar o quadro 2) que permitam a eficácia e eficiência ao longo do jogo, ou seja, a resolução dos problemas gerais e especí- ficos de uma partida de futebol com o menor gasto de energia possível (CORRÊA, http://www.futebolinterativo.com.br 40 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO PINHO e SILVA FILHO, 2016; CORRÊA et al., 2012; GRECO, 1998). A partir disto, surge uma indagação, como os jogadores de futebol aprendem estas habilidades? Na tentativa de responder essa pergunta, pode-se observar os estudos cientí- ficos da aprendizagem motora, definida como uma subárea do comportamento motor que tem como objetivo entender e esclarecer os processos e mecanismos inerentes à conquista, estabilização e adaptação das habilidades motoras hu- manas a partir da prática e dos fatores que o afetam (TANI, 2016; TANI et al., 2014; TANI et al., 2011). Com isso, serão apresentados, de maneira suscinta, três teorias da aprendizagem motora que buscam explicar como o ser humano aprende diferentes habilidades: teoria do processamento de informações (SCHMIDT, 1975; FITTS e POSNER, 1967), teoria da ação (TURVEY, SOLOMON e BURTON, 1989) e o modelo de processo adaptativo (TANI, 2000). A teoria do processamento de informações parte de uma abordagem cogni- tivista que preconiza que o sistema nervoso central (SNC) é o elemento central e regulamentador de todo o movimento humano. A conservação ou transmissão da informação, a redução da informação e a criação ou elaboração da informa- ção são formas específicas de processamento de informações (FITTS e POSNER, 1967). Desta forma, a partir deste modelo, os jogadores percebem um estímulo, processam a informação captada no SNC, elaboram uma resposta mental para o problema percebido e executam uma ação motora para resolver o problema, sendo que esse processo é retroalimentado por feedback (SCHMIDT e LEE, 2016). Sobre as diferentes fases da aprendizagem motora Assista o vídeo clicando no conteúdo http://www.futebolinterativo.com.br https://www.youtube.com/watch?v=DXTr_kPf1wo 41 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Quadro 2. Exemplo de habilidades motoras específicas do futebol. Habilidades motoras específicas ofensivas Com bola Sem bola Recepção Cobertura ofensiva Condução Espaço sem bola Penetração Mobilidade Espaço com bola Unidade ofensiva Drible Chute Cabeceio ofensivo Habilidades motoras específicas defensivas Com bola (recuperação da bola) Sem bola (sem contato com a bola) Desarme Contenção Interceptação Cobertura defensiva Bloqueio de chute Equilíbrio Cabeceio defensivo Concentração Unidade defensiva A teoria da ação se baseia na psicologia ecológica e na abordagem dos sis- temas dinâmicos como sustentação teórica (TURVEY, SOLOMON e BURTON, 1989; GIBSON, 1979; GIBSON e GIBSON, 1955). A partir disto, o processo decisório e a exe- cução de movimentos não são comandados por um único elemento, mas são regidos pelo acoplamento percepção-ação, ou seja, interação entre o indivíduo e o ambiente de prática (PACHECO e NEWELL, 2018). No caso do futebol, os jogadores e as equipes são considerados sistemas sociais complexos não-determinísticos (não são completamente previsíveis) e a aprendizagem emerge continuamen- te das interações dos componentes do sistema (padrões coordenativos inter e intra-indivíduos) (DAVIDS et al., 2013). Já o modelo de processo adaptativo aborda que a aprendizagem motora é um processo além da estabilização da habilidade e que consiste em um cresci- mento complexo da dinâmica cíclica de estabilidade-instabilidade-estabilidade. Desta forma, a aprendizagem motora vai além da estabilização funcional (pa- dronização espacial e temporal do movimento a partir de uma nova estrutura formada), pois o sujeito mostra que aprendeu a habilidade ao enfrentar pertur- bações e se adapta à elas, o que denota uma alteração qualitativa do sistema (TANI et al, 2014; CHOSHI, 2000; TANI, 2000) (figura 12). http://www.futebolinterativo.com.br 42 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Figura 12: Modelo de processo adaptativo na aprendizagem de habilidades motoras. Após breve discussão sobre teorias da aprendizagem motora, a partir de ago- ra será abordado alguns fatores que afetam a aprendizagem motora no futebol. Essa mudança relativamente permanente de determinado comportamento, de- nominada de aprendizagem motora, é afetada por um conjunto de elementos que convergem para um resultado. Esses elementos produzem algum efeito na evolução da aprendizagem e são denominados de fatores. Os fatores que afe- tam a aprendizagem motora do futebol abordados nesse capítulo serão os se- guintes: instrução, demonstração, foco de atenção, prática e feedback (SCHMIDT e LEE, 2016; WALTER, BASTOS e TANI, 2016; MELO e BARREIROS, 2013; WULF, 2013). A instrução é a verbalização de informações ofertada aos jogadores de acor- do com aquilo que quer ser aprendido (WALTER, BASTOS e TANI, 2016; MELO e BAR- REIROS, 2013). Contudo, o excesso de instrução ou a instrução ofertada em mo- mentos inoportunos (como durante os exercícios) pode gerar uma dependência do aprendiz pelas informações do professor/treinador (MEMMERT, 2007). Memmert (2007) verificou os efeitos da instrução do professor na tomada de decisão do passe em crianças com idade aproximada de 7 anos. As crianças foram divididas em dois grupos: com e sem instrução do professor (mesmos exercícios para os dois grupos). Após seis meses de intervenção, as crianças do grupo sem instrução do professor durante os jogos melhoraram mais o de- sempenho do que o grupo com instrução. Nota-se que a utilização da instrução deve ser controlada e priorizada antes dos exercícios a fim de não engessar o processo decisório dos jogadores. A demonstração consiste na utilização de imagens representativas da tarefa a ser praticada. Ela deve ser predominantemente visual, ofertando informações diferentes da instrução, por exemplo. Desta forma, a demonstração visa a obser- vação de um modelo a fim de favorecer a compreensão do que vai ser praticado http://www.futebolinterativo.com.br 43 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO e, consequentemente, a assimilação do conteúdo (WALTER, BASTOS e TANI, 2016; MELO e BARREIROS, 2013). O foco de atenção corresponde ao direcionamento dos mecanismos aten- cionais durante a tarefa e pode ser orientada para elementos internos do sujeito ou para componentes do ambiente de prática (WULF, 2013). Por exemplo, em um exercício do futebol, o aprendiz pode ser orientado a focar no seu padrão de mo- vimento do passe (foco de atenção interno) ou pode ser conduzido para focar nas movimentações dos outros jogadores (foco de atenção externa). A prática é o fator mais importante no processo de aprendizagem motora, pois consiste na busca constante de experimentar diversas possibilidades de solução de problemas motores a partir de tentativas conscientes de arranjo, execução, avaliação e alteração das habilidades motoras. A prática pode ser abordada a partir do seu fracionamento e da sua variabilidade (WALTER, BASTOS e TANI, 2016). O fracionamento da prática consiste na divisãoda habilidade em partes para diminuir a complexidade da tarefa (prática por partes) ou na execução da habili- dade na sua totalidade (prática pelo todo) (WALTER, BASTOS e TANI, 2016). Práxedes et al. (2016) verificaram que a prática pelo todo foi mais eficaz do que a prática pelas partes na tomada de decisão e execução de habilidades do futebol. Isto ocorre por conta dos padrões coordenativos interpessoais inerentes à lógica interna do futebol, portanto, ao invés de realizar a prática por partes, descontex- tualizando o jogo, a prática pelo todo através de jogos reduzidos pode reduzir a complexidade da tarefa sem perder a essência da lógica interna do futebol (DAVIDS et al., 2013). A variabilidade da prática é a quantidade de variação na execução de uma habilidade motora em determinada tarefa. A prática pode ser constante (sem variação) e variada (com variação) (WALTER, BASTOS e TANI, 2016). Quando se pratica o futebol por partes, a prática constante consiste na execução do passe na mesma direção e distância, por exemplo. Já na prática variada, o passe será executado em diferentes direções e distâncias. Contudo, ao observar a aprendizagem do futebol pelo todo (jogos reduzidos, por exemplo) (DAVIDS et al., 2013), as habilidades motoras variarão por si só. Com isso, a variabilidade da prática pode ser feita através das relações numéricas entre equipes (superioridade, igualdade e inferioridade numérica). Na prática sem variação, as equipes jogariam somente em uma situação (4x4, por exemplo), enquanto na prática com variação elas jogariam nas três situações (4x3, 4x4 e 3x4, por exemplo). Por fim, o feedback consiste em informações sobre o movimento praticado pelo aprendiz e os resultados obtidos por ele (SCHMIDT e LEE, 2016; MELO e BARREI- ROS, 2013). Existem dois tipos de feedback: intrínseco ou inerente e extrínseco ou aumentado (SCHMIDT e LEE, 2016; CHOSHI, 2000). O feedback intrínseco é consequ- ência natural da ação realizada, ou seja, o praticante utiliza mecanismos internos para detectar e corrigir os erros para estabilizar o desempenho da habilidade http://www.futebolinterativo.com.br 44 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO (SCHMIDT e LEE, 2016; CHOSHI, 2000). Já o feedback extrínseco é a retroalimentação da informação por um agente externo, como o professor/treinador ou um vídeo do jogo, por exemplo (VAN MAARSEVEEN, OUDEJANS e SAVELSBERGH, 2018; SCHMIDT e LEE, 2016). van Maarseveen, Oudejans e Savelsbergh (2018) verificaram que o feedback de vídeo autocontrolado (quando os sujeitos escolhem o momento para recebê-lo) promoveu maior envolvimento dos jogadores, permitindo uma maior autonomia no processo de ensino e aprendizagem. http://www.futebolinterativo.com.br 45 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO REFERÊNCIAS BARREIROS, J.; PASSOS, P. A aprendizagem enquanto processo de mudança. In. PASSOS, P. (Org.). 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Neste sentido, o perfil de liderança de treinadores de futebol apresenta dois estilos: decisão e interação. O estilo de decisão está relacionado às escolhas do treinador que afetam diretamente os jogadores e possui duas dimensões. Já o estilo de interação envolve as relações interpessoais entre o treinador eos jogadores, possuindo quatro dimensões (ZHANG, JENSEN e MANN, 1997) (quadro 3). Quadro 3. Estilos de liderança e suas respectivas dimensões de acordo com a Escala de Liderança Revisada para o Esporte (ZHANG, JENSEN e MANN, 1997) Estilo Dimensão Definição Decisão Autocrática O professor/treinador centraliza todas as decisões não considerando a opinião dos jogadores Democrática Permite que os jogadores deem suas opi- niões e respeita a opinião da maioria dos jogadores em determinados assuntos Interação Reforço positivo O professor/treinador elogia os jogadores quando eles conseguem alcançar as metas estabelecidas Situacional Busca individualizar as conversas para aten- der as necessidades particulares de cada jogador Suporte social Procura informações sobre a vida pessoal dos jogadores (com a família e na escola, por exemplo) Treino-instrução Foca em aspectos metodológicos do treino a fim de ofertar os melhores estímulos para os jogadores Costa, Samulski e Costa (2009) verificaram que os treinadores das catego- rias de base do futebol brasileiro são mais autocráticos do que democráticos e focam mais no planejamento de treino. Reis et al. (2018) verificaram que treina- dores das categorias de base do município de Aracaju/SE apresentam um perfil de liderança voltado mais para a autocracia e menos para a democracia em termos de decisão, e menos para o situacional em relação as outras dimensões http://www.futebolinterativo.com.br 49 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO da interação. Além disso, os treinadores mais experientes ofertam mais reforço positivo do que os treinadores menos experientes. Hampson e Jowett (2014) detectaram que o perfil de liderança afeta na per- cepção da eficácia coletiva por parte dos jogadores. Eles encontraram que existe uma correlação negativa entre perfil de liderança autocrática e autopercepção de eficácia coletiva, ou seja, quanto mais centralização nas decisões por parte dos treinadores, menor é eficácia coletiva da equipe. Desta forma, o percebe- -se que permitir que os jogadores ajudem a decidir determinadas questões que envolvam o seu processo de formação pode ajudar na coesão da equipe. Já em relação a abordagem metodológica, ela pode ser definida como um conjunto de procedimentos que visam transmitir conteúdos a fim de que os pra- ticantes possam assimilá-los da melhor forma possível e, consequentemente, melhorar o desempenho dos jogadores (DAVIDS et al., 2013). No futebol, ao longo do desenvolvimento do esporte na história, diversos procedimentos metodoló- gicos foram sendo criados a fim de ofertar o melhor ensino do futebol possível. Dentre esses métodos de ensino do futebol, destacam-se: global, analítico, inte- grado e sistêmico (CARRAVETTA, 2012; LOPES e SILVA, 2009; SILVA, 1998). Sobre as diferentes tipos de periodização que podem ser aplicadas no processo de ensino do futebol O método analítico tem como foco o ensino das habilidades com bola, com ênfase na biomecânica do movimento, partindo do pressuposto que a soma das partes será maior do que o todo (CARRAVETTA, 2012). Desta forma, ao utilizar esse método, o professor/treinador prioriza o padrão de movimento, em uma perspectiva descontextualizada do jogo de futebol, a fim de que o jogador pos- sa ter consistência na habilidade que a ser treinada através da diminuição de incertezas (DAVIDS et al., 2013). Contudo, a ruptura disfuncional na relação am- biente de prática e aprendiz, a ausência de variabilidade contextual, os poucos e engessados mecanismos decisórios e a diminuição dos recursos atencionais dos jogadores são as principais limitações desse método (DAVIDS et al., 2013; GARGANTA e GRÉHAIGNE, 1999; SILVA, 1998). Práxedes et al. (2016) investigaram a eficácia do método analítico em com- paração com jogos reduzidos no ensino da tomada de decisão e da execução do passe em crianças com idade aproximada de 10 anos. O programa baseado nos jogos reduzidos foi mais eficaz do que o método analítico, provavelmente por conta dos fatores apresentados no parágrafo anterior. O método global consiste na utilização de jogos, geralmente próximo dos 11x11, em que o professor/treinador não possui uma finalidade em relação ao que se quer ensinar, ou seja, não existe uma sistematização de conteúdo (CARRAVE- TA, 2012). Esse tipo de abordagem metodológica pode prejudicar o processo de Assista o vídeo clicando no conteúdo http://www.futebolinterativo.com.br https://www.youtube.com/watch?v=mg3f-_OPJMo 50 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO formação no futebol, pois os estímulos ofertados ficam destinados ao acaso. Além disso, esse método pode fazer com que os jogadores não corrijam os seus principais defeitos, tendo em vista a grande quantidade de interações e, conse- quentemente, de complexidade na tarefa. Por exemplo, jogadores que apresen- tam dificuldades na execução de habilidades com bola dificilmente realizarão ações com bola que permitam a melhora do seu desempenho no passe, chute, drible, etc. O método integrado visa a junção dos métodos analítico e global em uma mesma sessão de treino. Geralmente, o professor/treinador utiliza o método ana- lítico no início do treino e depois realiza jogos (método global) na segunda parte do treino com a expectativa de que ocorra uma transferência de aprendizagem (CARRAVETTA, 2012; LOPES e SILVA, 2009). Porém, será essa tal esperada transfe- rência de habilidades fica prejudicada por conta que na primeira parte do treino ocorre uma descontextualização do jogo de futebol a partir de exercícios simples e previsíveis, enquanto na segunda parte ocorre exercícios com alto grau de complexidade (DAVIDS et al., 2013). Já a abordagem sistêmica aplicada ao ensino do futebol reconhece a nature- za coletiva do jogo, em que duas equipes se encontram em cooperação e oposi- ção a fim de alcançar objetivos comuns e específicos (atingir a baliza adversária e proteger a própria baliza do adversário, por exemplo) (GARGANTA e GRÉHAIG- NE, 1999). Essas duas equipes são entendidas como dois sistemas abertos, pois trocam energia e informação para obter suas metas (VON BERTALANFFY, 2016). Essa troca de energia e informação ocorre a partir de um processo adaptativo e entrópico em que uma equipe busca perturbar a outra a fim de aumentar as incertezas sobre ela (entropia positiva) e, consequentemente, diminuir as dúvi- das geradas pela equipe adversária (entropia negativa) se adaptando às suas perturbações (CORRÊA et al., 2012). Neste sentido, a abordagem sistêmica possui diversas ramificações no futebol, ou seja, diversos métodos que surgiram a partir da década de 80 influenciados pela teoria geral dos sistemas (VON BERTALANFFY, 2016), como por exemplo: ensino dos jogos para compreensão (MEMMERT et al., 2015), periodização tática (SILVA, 2008) e escola da bola (MEMMERT e ROTH, 2007). Todos esses métodos possuem especificidades, mas apresentam dois denominadores comuns: reconhecem a complexidade do jogo de futebol e sua não-linearidade e utilizam jogos reduzidos como principal estratégia metodológica (DAVIDS et al., 2013). Os jogos reduzidos representam variáveis específicas do jogo de futebol que permitem a regulação da tomada de decisão e da execução de habilidades (com e sem bola) a partir de fontes de informações que devem representar o todo. Neste sentido, a utilização dos jogos reduzidos deve permitir o aprendizado de comportamentos funcionais estabelecendo o acoplamento percepção-ação fundamental para ambientes imprevisíveis e dinâmicos como o jogo de futebol. http://www.futebolinterativo.com.br 51 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE SUMÁRIO Além disso, os jogos reduzidos fornecem aos jogadores a variabilidade contextual inerente às partidas de futebol (DAVIDS et al., 2013). Portanto, os jogos reduzidos podem ser entendidos como padrões microscó- picos (1x1, 2x1, 2x2, etc.) que influenciam o surgimento de padrões macroscópicos (11x11) (SANTOS et al., 2018). Neste sentido, os jogos
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