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Promoção e Realização: Instituições Parceiras: www.cbpabp.org.br Organização SECRETARIA EXECUTIVA XXXIV CBP: Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP TELEFONE : +55 21 2199-7500 E-mail: congresso@abpbrasil.org.br Instituições Parceiras: A liada à: Associação médica Brasileiraapal ABP nas mídias sociais: !"#$%&'%()*%("+"($"%,+-.-/%($"+0"$(1,+"0+2)(. !"#$#!%#&'#()*'+,-)#&'#./!" 0-$1$+'-23$#456)#7'89'-#::#;<)#=$>?) 345678994 :7!9;<8;74"=8 >9;?@;!A7;! XXXIV CBP!"#$%&'%()*%("+"($"%,+-.-/%($"+0"$(1,+"0+2)(. !"#$#!%#&'#()*'+,-)#&'#./!" 0-$1$+'-23$#456)#7'89'-#::#;<)#=$>?) 345678994 :7!9;<8;74"=8 >9;?@;!A7;! XXXIV CBP 4 Wor ld Psy chiatric Association EducationCreditsC ert ifi ca t Primeira comunicação CONGRESS & EVENTS BLUMAR Agência o cial ApoioAfiliada à: Agência oficial: Sem título-5 1 12/08/2019 18:01 editorial Notam-me, logo, sou amado! Gláucia Viola, editora “A atenção é a mais importante de todas as faculdades para o desenvolvimento da inteligência humana.” Charles Darwin M uitos leitores com certeza lembram de um passado não muito distante em que suas avós repetiam: “quer aparecer pendura uma melancia no pescoço”. Hoje a frase per- deu completamente o tom irônico, afinal a ordem é realmente ser notado. E para isso vale usar melancias ou o que for necessário para se mostrar! É um fenômeno recente que nasceu na cola do advento da internet e, principalmente, da moda dos youtubers. É impressionante como é possível encontrar canais de tudo que é tipo, para todos os gostos, curiosidades e desejos de informações. São inúmeros “experts” em culinária, moda, fi- nanças, comportamento, literatura, relacionamento, jogos, piadas e assuntos dos mais variados. O termômetro para avaliar se o canal tem relevância está no número de curtidas que ele possui. O conteúdo é um coadjuvante na história. O que vale estar sob os holofotes é a quantidade, não a qualidade. No cenário atual ve- mos o mesmo fenômeno acontecer em outras redes sociais em que os likes acentuam o grau de felicidade e sucesso na vida de uma pessoa e massageiam o ego. Inicia-se, assim, um vicioso círculo de prazer que precisa ser alimentado, criando a dependência no esforço por atenção. O artigo de capa desta edição da Psique Ciência&Vida debate esse com- portamento trazendo uma investigação aprofundada de questões surgidas ainda na infância. Para a Psicanálise, a necessidade de chamar atenção do outro passa a ser a tentativa de preencher a lacuna gerada lá trás. Segundo Freud, a criança ao nascer se depara com uma sociedade neurótica e vai se mol- dando a essa neurose. A atitude verificada na sociedade moderna de querer ser incessantemente admirada é tão somente a busca pelo amor do outro, uma procura pela sensação de valorização e pertencimento. Porém, o texto também alerta para o paradoxo de que quanto mais tempo conectadas, mais insatisfeitas as pessoas ficam com suas próprias vidas. Pesquisas realizadas em universidades americanas mostraram que o ato de comparar a exposição de outra pessoa com a sua própria vida estimula o aparecimento de sentimentos de menos valia, incompetência e baixa autoestima. A pesquisadora Brené Brown diz que “nascemos para a conexão com o outro, mas no decorrer de nossos caminhos essa conexão é rompida e a responsável é a consciência de vergonha que carregamos em não nos perceber suficientes bons”. Isso cria uma sensação de vulnerabilidade, e a alternativa é justamente a perseguição pela aceitação do outro. Um preen- chimento feito de forma um tanto quanto frágil, mas momentaneamente eficaz. Boa leitura! Gláucia Viola www.facebook.com/PortalEspacodoSaber SH UT TE RS TO CK E A RQ UI VO P ES SO AL editorial.indd 3 30/08/2019 13:11 CAPA sumário CAPA163.indd 1 22/08/2019 16:44 ENTREVISTA Caroline Arcari revela que mais de meio milhão de mulheres são vítimas de violência sexual no Brasil, e as estatísticas de tratamento são irrelevantes para esse número SEÇÕES 05 NA REDE 06 NEUROCIÊNCIA 16 IN FOCO 18 PSICOPOSITIVA 20 PSICOPEDAGOGIA 22 RECURSOS HUMANOS 32 COACHING 34 LIVROS 46 PSICOLOGIA JURÍDICA 64 DIVÃ LITERÁRIO 66 CINEMA 70 PSICOLOGIA SOCIAL 72 UTILIDADE PÚBLICA 76 PERFIL 80 EM CONTATO 82 PSIQUIATRIA FORENSE SH UT TE RS TO CK E F RE EP IK É preciso ser notado A importância de ser especial numa sociedade que valoriza a ostentação da felicidade para se conectar ao amor do outro MATÉRIAS 24 DOSSIÊ: Idealizar de forma saudável Não é possível viver uma vida sem expectativas, mas é preciso tomar cuidado para não gerar o fenômeno da ansiedade patológica psique ciência&vid a 35 www.portalespacod osaber.com.br Exp ectativa e ansied ad e p ato ló g ica SH UT TE RS TO CK Por Fabiola Salustia no Como os novos t empos estão nos fazendo confund ir expectativa com ansiedade patológ ica. Ambos os sintomas têm com o principal comor bidade a depressã o DEIXA A VIDA ME LEVAR? Exp ectativa e ansied ad e p ato ló g ica d o s s i ê DOSSIE.indd 35 22/08/2019 16:1 7 48 56 08 O que há por trás da fofoca Para a Psicologia, o comportamento de falar dos outros pode revelar mais sobre o autor do que sobre a vítima Querido mestre A personalidade do educador é um dos fatores que mais infl uenciam na aprendizagem, pois trata de dois temas controversos: Psicologia e Educação 35 TDAH em pauta Um transtorno de difícil diagnóstico, mas que ainda carrega muitos rótulos, como a generalidade com que é tratado 52 sumario.indd 4 30/08/2019 13:08 psique ciência&vida 5www.portalespacodosaber.com.br na rede por Nicolau José Maluf Jr. Nicolau José Maluf Jr. é psicólogo, analista reichiano, doutor em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia (HCTE/ UFRJ). Contato: nicolaumalufjr@gmail.com IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K/ A RQ UI VO P ES SO AL ELAS NÃO AGEM POR CONTA PRÓPRIA E SUA MANIPULAÇÃO FORNECE PODER QUANTO À PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES, PORTANTO SUA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE É COLOCADA EM QUESTÃO AS REDES SÃO SOCIÁVEIS? N o dicionário, o signifi cado do adjetivo “sociá- vel” é: “próprio para viver em sociedade; que tende para a vida em sociedade. De convívio agradável; civilizado, urbano, afável: caráter sociável e generoso. Que consegue viver socialmente, seguindo regras e práticas de convivência”. Vendo esse conceito, pode-se dizer que as redes são mesmo sociáveis? A resposta obviamente é não. Uma postagem recente no Twitter é útil e vale a pena reproduzi-la: “...Leitor pergunta como seguir saudável nesta maré de obs- curantismo. Sugiro a sabotagem: ler literatura, assistir a bons fi lmes, frequentar exposições de arte, ir à roda de samba, dan- çar forró, amar. Cultivar subversiva alegria. Contra a pulsão de morte, só a anarquia da felicidade...” Mesmo não concordando que exista pulsão de morte, en- tendo o que ele propõe e quer dizer. Estaríamos vivendo tem- pos sombrios. E seguindo a narrativa, podemos inferir que o antídoto “alegria e felicidade” diga respeito também às formas de relação carregadas de desrespeito e ódio até inclusive (ou principalmente) nas redes. É verdade que, do ponto de vista sociológico, as redes sociais retiraram dos grandes meios de comunicação a hegemonia da “informação” – colocada entre aspas – e isso não deixa de ter um aspecto meritório, benigno, na onda da valorização da orga- nização espontânea da sociedade civil opondo-se à dependên- cia exclusiva dos meios institucionais como gerenciadores das demandas e necessidades da sociedade. Mas há também um ciclo pernicioso: posturas e manifesta- ções esdrúxulas de entes públicos são toleradas e defendidas em redes sociais. Os defensores aprovam agressões e preconceitos na forma e conteúdo, e o fazem usando não somente linguagem virulenta, mas também favorecendo estigmatizações. Isso, por sua vez, legitima o ente público. As redes tornam-se assim “ins- titutos de pesquisa” cotidianos. Assim se forma o “novo normal”, em queo ódio e a into- lerância tornam-se lugares-comuns. Não é “direita-esquerda”, “conservador-progressista” o elemento central, portanto. Obviamente as redes sociais não agem por conta própria elas mesmas, e sua manipulação fornece poder quanto à pro- dução de subjetividades só equiparado à propaganda na Ale- manha nazista. Mas é novamente a relação de causalidade que é coloca- da em questão. Seria raso e ingênuo pensar que a virulência manifesta nas redes é simplesmente consequência. Assim como seria raso e ingênuo adotar um conceito como o da pulsão de morte, que seria uma espécie de “pecado original” constituinte do psiquismo, como explicação para a espontaneidade das ma- nifestações de virulência. na rede na_rede.indd 5 22/08/2019 16:29 6 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br neurociência por Marco Callegaro IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K E AR QU IV O PE SS OA L Efeitos psicológicos da NUTRIÇÃO ESTUDO DE LONGA DURAÇÃO ACOMPANHA EFEITOS PSICOLÓGICOS SUBJETIVOS DOS HÁBITOS NUTRICIONAIS Efeitos psicológicos da NUTRIÇÃO Efeitos psicológicos Efeitos psicológicos Efeitos psicológicos da da da NUTRIÇÃONUTRIÇÃONUTRIÇÃO Efeitos psicológicos da NUTRIÇÃO ESTUDO DE LONGA DURAÇÃO ACOMPANHA EFEITOS PSICOLÓGICOS SUBJETIVOS DOS HÁBITOS NUTRICIONAIS ESTUDO DE LONGA DURAÇÃO ACOMPANHA EFEITOS PSICOLÓGICOS SUBJETIVOS DOS HÁBITOS NUTRICIONAIS ESTUDO DE ESTUDO DE ESTUDO DE ESTUDO DE ESTUDO DE ESTUDO DE ESTUDO DE LONGA DURAÇÃO LONGA DURAÇÃO LONGA DURAÇÃO LONGA DURAÇÃO LONGA DURAÇÃO LONGA DURAÇÃO LONGA DURAÇÃO ACOMPANHA ACOMPANHA ACOMPANHA ACOMPANHA ACOMPANHA ACOMPANHA ACOMPANHA EFEITOS EFEITOS EFEITOS EFEITOS EFEITOS EFEITOS EFEITOS PSICOLÓGICOS PSICOLÓGICOS PSICOLÓGICOS PSICOLÓGICOS PSICOLÓGICOS PSICOLÓGICOS PSICOLÓGICOS SUBJETIVOS SUBJETIVOS SUBJETIVOS SUBJETIVOS SUBJETIVOS SUBJETIVOS SUBJETIVOS DOS HÁBITOS DOS HÁBITOS DOS HÁBITOS DOS HÁBITOS DOS HÁBITOS DOS HÁBITOS DOS HÁBITOS NUTRICIONAISNUTRICIONAISNUTRICIONAISNUTRICIONAISNUTRICIONAISNUTRICIONAISNUTRICIONAIS ESTUDO DE LONGA DURAÇÃO ACOMPANHA EFEITOS PSICOLÓGICOS SUBJETIVOS DOS HÁBITOS NUTRICIONAIS neuro.indd 6 22/08/2019 16:26 psique ciência&vida 7www.portalespacodosaber.com.br frutas e vegetais podem afetar o nível de felicidade é através de seus efeitos antioxidantes. O estudo apontou uma conexão entre o consumo de alimentos ricos em antioxidantes e o traço psicoló- gico do otimismo, que é extremamente protetor na saúde mental. A depressão e a ansiedade se ampliam quando está instalada a desesperança e uma visão ne- gativa do futuro, e são combatidas pela esperança e otimismo. Segundo os pesquisadores, a introdu- ção de um consumo de cerca de sete ou oito porções de frutas e vegetais por dia causa um aumento do bem-estar mental da mesma magnitude que eventos nega- tivos, como um divórcio, só que este fun- ciona empurrando as pessoas para o ou- tro lado, para um estado depressivo. Em outras palavras, o efeito positivo das oito porções de frutas e vegetais diários pode contrabalançar eventos estressores, como o estresse produzido pela experiência de uma separação na balança do humor. Outro evento psicologicamente nega- tivo estudado foi a condição de estar de- sempregado, que tem um efeito bastante IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K E AR QU IV O PE SS OA L NUTRIÇÃO ADEQUADA PRODUZ UM PODEROSO IMPACTO NO AUMENTO DO BEM- -ESTAR SUBJETIVO E NA REDUÇÃO DA DEPRESSÃO E ANSIEDADE Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências Revolucionaram o Modelo do Processamento Mental (Artmed, 2011). Referências: Neel Ocean, Peter Howley, Jonathan Ensor. Lettuce be happy: a longitudinal UK study on the relationship between fruit and vegetable consumption and well-being. Social Science & Medicine, v. 222, p. 335-345, fev. 2019. R ecente pesquisa realizada na Inglaterra e Escócia apontou claramente que o consumo de mais frutas e vegetais está liga- do a um menor risco de depressão e de ansiedade, que são de longe os trans- tornos mentais que mais afligem a hu- manidade atualmente. Essa pesquisa foi realizada todos os anos desde 2001 e abrangeu mais de 7 mil pessoas, que foram questionadas so- bre sua dieta e estilo de vida. O estudo concluiu que existe uma relação inversa entre a probabilidade de uma pessoa ser diagnosticada com problemas de saúde mental e o consumo de frutas e verdu- ras. Por exemplo, quanto mais frutas e verduras as pessoas comiam, menos ti- nham depressão. Os investigadores procuraram estabe- lecer conexões entre os padrões alimen- tares e o impacto de eventos de vida na saúde. A ideia era testar a hipótese de que os alimentos podem compensar o impac- to de grandes eventos da vida, como di- vórcio e desemprego, por exemplo. Nesse estudo, foi descoberto que qua- tro porções de frutas e legumes extras por dia podem compensar o impacto de grandes eventos da vida, como ficar sem emprego ou passar por uma separação. Essa porção extra de mais frutas e vege- tais poderia neutralizar metade da dor de se divorciar ou um quarto do efeito nega- tivo do desemprego. Quando os pesqui- sadores testaram o impacto sobre o bem- -estar mental de comer oito porções por dia comparado a nenhuma, o resultado foi muito mais intenso. Esses benefícios psicológicos se so- mam aos já bem conhecidos efeitos pro- tetores dos alimentos saudáveis contra o câncer e as doenças cardíacas. O efeito psicológico de mudanças nutricionais é muito mais rápido do que as melho- ras físicas que ocorrem em uma dieta saudável. Segundo os investigadores, os ganhos mentais ocorrem em 24 meses, enquanto os ganhos físicos não ocorrem até os 60 anos. Um possível mecanismo pelo qual ruim e significativo na saúde mental das pessoas, aumentando muito o risco de depressão e ansiedade. Nesse estudo foi descoberto que comer sete ou oito por- ções de frutas e vegetais por dia pode reduzir pela metade o risco de quadros depressivos ou transtornos ansiosos. O aumento da ingestão diária de frutas e legumes de zero para oito tor- na os sujeitos significativamente menos propensos a sofrer de depressão ou an- siedade nos próximos dois anos. O efeito de um empurrão para cima no aumento do bem-estar é comparável ao efeito de empurrão para baixo na redução do hu- mor causado pela experiência de grandes eventos negativos da vida. As medidas de bem-estar mental e do bem-estar subjetivo (satisfação com a vida) respondem aumentando de forma proporcional à ampliação tanto da frequência como da quantidade de frutas e verduras consumidas, de forma dose-dependente. O mais interessante nessa investiga- ção é a comparação entre efeitos positi- vos e negativos, tanto em nível biológico como psicológico, mostrando o quanto nossa vida mental subjetiva está associa- da ao funcionamento do organismo. As fronteiras entre o biológico, psicológico e social são meramente didáticas, pois na prática temos o cérebro humano li- dando com o funcionamento biológico do corpo, com seus estados mentais e mundo subjetivo, e, por outro lado, com os estímulos e interações sociais de forma integrada. De fato, as evidências científicas apontam a sabedoria da fa- mosa citação do poeta romano Juvenal: “Mens sana in corpore sano”. neuro.indd 7 22/08/2019 16:26 8 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br CAROLINE ARCARI FO TO D O EN TR EV IS TA DO : D IV UL GA ÇÃ O/ D EM AI S: S HU TT ER ST OC K Segundo Caroline Arcari, a violência sexual contra crianças e adolescentes começou a ser enfrentada como problema social no Brasil na última década do século XX entrevista.indd 8 30/08/2019 14:12 psique ciência&vida 9www.portalespacodosaber.com.br Um dosfenômenos sociais que mais pre-ocupa é a violência sexual contra crian-ças e adolescentes. Atualmente, existe na sociedade brasileira um amplo con- senso no sentido de se considerar essa questão uma violação à dignidade sexual desses sujeitos e um tipo de violência com consequências significativas nas esferas física, sexual, comportamental, psico- lógica e cognitiva, atentando contra o direito de crianças e adolescentes ao desenvolvimento de uma vida saudável. Na avaliação de Caroline Arcari, no entanto, para o enfrentamento do problema ainda há um percur- so que, recentemente, começou a tomar forma nas áreas de saúde pública, assistência social, educação e outros setores. Caroline é pedagoga e educadora sexual. Fun- dadora e atual presidente do Instituto Cores, seu trabalho junto à instituição já formou mais de 20 mil educadores em diversos municípios brasileiros e seus projetos beneficiaram mais de 250 mil alunos da rede pública desde 2006. Escritora do livro Pipo e Fifi, seus trabalhos já fo- ram premiados pela Unicef, Fundação Abrinq e Save the Children. É também consultora na área de Edu- cação Sexual e Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil para instituições públicas e privadas de educação, saúde e promoção social. No livro A Conversa sobre Gênero na Escola, publi- cado pela Wak Editora e organizado pelo educador sexual Marcos Ribeiro, Caroline coloca em seu capí- tulo “Empoderamento de meninas e masculinidades positivas”, entre outras questões, que a existência de diferenças entre meninos e meninas não é um pro- blema, mas sim quando as diferenças de socialização entre ambos resultam em desigualdades sociais. E N T R E V I S T A Lucas Vasques Peña é jornalista e colabora nesta publicação. PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA Por Lucas Vasques Peña FO TO D O EN TR EV IS TA DO : D IV UL GA ÇÃ O/ D EM AI S: S HU TT ER ST OC K Caroline Arcari diz que não há como negar que a violência sexual está relacionada à construção histórica e social sobre o controle e poder exercidos pelos homens sobre o gênero feminino, a partir da organização social da propriedade entrevista.indd 9 30/08/2019 14:12 10 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br te sugestivos, uso de pornograf ia, voyeurismo, exibicionismo, carícias, abordagens maliciosas via redes so- ciais, masturbação e penetração com os dedos ou pênis. A OMS def ine violência sexual “como todo envolvi- mento de uma criança em uma ativi- dade sexual a qual não compreende completamente, já que não está pre- parada em termos de seu desenvol- vimento. Não entendendo a situação, a criança, por conseguinte, torna-se incapaz de informar seu consenti- mento”. pode explicar as diferenças en- tre abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes? Caroline: O termo “violência sexual” é utilizado nos guias e publicações of iciais do governo federal para refe- rir abusos sexuais e exploração sexual comercial. Enquanto o abuso sexual se refere a atividades sexuais na maio- ria das vezes praticadas por pessoas conhecidas, no ambiente intrafami- liar, para a satisfação sexual do adulto IMA GE NS : S HU TT ER ST OC K existe uMa explicação do ponto de vista psicolÓgico sobre por que crianças e adolescentes são alvos fÁceis de violência sexual? Caroline: A violência sexual contra crianças e adolescentes começou a ser enfrentada como problema de cunho social no Brasil na última dé- cada do século XX, embora em nível internacional as primeiras iniciativas nesse sentido tenham ocorrido nas décadas de 1960 e 1970. Com grande visibilidade nos meios de comunica- ção, o fenômeno da violência sexual assume relevância política e social a partir dos anos 90, especialmente após a of icialização do Estatuto da Criança e do Adolescente, respalda- do na Constituição de 1988 e na Con- venção Internacional dos Direitos da Criança, ratif icada em novembro de 1989. Tais documentos propõem a proteção contra negligência, dis- criminação, exploração, violência, crueldade e opressão, estando os res- ponsáveis passíveis de sanções ou de punições de acordo com as leis em vigor, legitimando crianças e adoles- centes como sujeitos de direito. Sabe- -se que essa trajetória histórica está estreitamente ligada às concepções de infância e de adolescência em um longo processo de construção social. Atualmente, existe na sociedade bra- sileira um amplo consenso no senti- do de se considerar a violência sexual contra crianças e adolescentes uma violação à dignidade sexual desses sujeitos e um tipo de violência com consequências signif icativas nas es- feras f ísica, sexual, comportamental, psicológica e cognitiva, atentando contra o direito de crianças e adoles- centes ao desenvolvimento de uma vida saudável. No entanto, para o enfrentamento deste problema ainda há um percurso que, recentemente, começou a tomar forma nas áreas de saúde pública, assistência social, educação e outros setores. Segundo a Organização Mundial da Saúde, Podemos observar que há milhares de anos meninas e mulheres têm sido mais vitimadas por essa desigualdade de gênero, concretizada na violência doméstica, na violência sexual, na falta de espaço na esfera pública, nos salários mais baixos este é um dos maiores problemas de saúde pública do mundo. Além disso, há que se considerar ainda o impacto desse fenômeno nos custos econô- micos, com assistência médica, tra- tamento e reabilitação das vítimas, com o sistema judiciário e penal e outros problemas decorrentes dele, que causam um grande impacto indi- vidual e social a longo prazo. quais são as forMas Mais coMuns de abuso infantil? Caroline: A violência sexual é o uso de crianças e adolescentes em atividades sexuais com adultos ou adolescentes mais velhos, que pode acontecer com ou sem contato f ísi- co, havendo uma assimetria de poder em uma relação em que a criança ou adolescente é usado como objeto se- xual, sendo incapaz de dar consenti- mento consciente. Incorporados nes- sa def inição estão todos os tipos de encontros sexuais e comportamentos que abrangem aliciamento sexual, linguagem ou gestos sexualmen- A exploração sexual envolve fi ns comerciais, colocando a criança ou adolescente na prática de atividades sexuais em troca de dinheiro, comida, favores ou vantagens entrevista.indd 10 30/08/2019 14:12 psique ciência&vida 11www.portalespacodosaber.com.br siguais de gênero, em que os homens recorrem à violência para a realização de seu projeto masculino associado à concepção do poder de dominação sobre a mulher. Ou seja, a violência se- xual não resulta de um impulso sexual irreprimível masculino, que estaria li- gado a questões hormonais, biológicas e genéticas. Esse tipo de violência, na maioria dos casos, é uma questão de poder, a partir de relações assimétri- cas entre os gêneros. Assim, perceber que esse tipo de maus-tratos é densa- mente inf luenciado por fatores cultu- rais que se estabeleceram ao longo do desenvolvimento da sociedade e da organização da família, pautada nos valores machistas, na qual mulheres e crianças passam a ser consideradas como propriedades do homem, é cru- cial. Jamais deslegitimando a violência sexual contra meninos, essa mesma ló- gica dos valores machistas é respon- sável pela subnotif icação desse tipo de agressão contra meninos, cuja ver- gonha de ter sofrido o abuso faz com que o segredo seja mantido e a vio- lência nunca seja revelada. A maioria autor da violência, a exploração sexual envolve f ins comerciais, colocando a criança ou adolescente na prática de atividades sexuais em troca de di- nheiro, comida, favores ou vantagens. Exploração sexual é um termo que substitui o que se chamava de “prosti- tuição infantojuvenil”. Esse termo caiu em desuso. MachisMo e desigualdade de gêne- ro são fatores que colaboraM para esse tipo de violência? Caroline: No cenário brasileiro, a f igura do agressor também tem sido poucoexplorada em pesquisas e tra- balhos acadêmicos. Não há como negar que os dados são ref lexo da construção histórica e social sobre o controle e poder exercidos pelos ho- mens sobre o gênero feminino, a partir da organização social da propriedade, das condutas sobre os corpos e, por conseguinte, sobre a sexualidade. Por outro lado, os papéis sociais atribuí- dos à mulher como f igura amorosa, frágil, afetiva e cuidadora camuf lam a IMA GE NS : S HU TT ER ST OC K Só no Brasil estima-se que meio milhão de mulheres são vítimas de estupro por ano e que dois terços das vítimas são meninas menores de 13 anos, ou seja, cerca de 330 mil. Homens e meninos são atingidos de outras formas por essa hierarquização violência, de modo que passa a não ser percebida como agressora. Nesse ce- nário é crucial analisarmos a violência sexual sob aspectos como gênero, raça e outras condições. Crianças e adoles- centes são mais suscetíveis à violência sexual do que adultos pelo fato de essa faixa etária estar afeta a aspectos de dependência, devido à fase de desen- volvimento e outras vulnerabilidades. Desse público, meninas pobres e/ou negras ou com def iciências estão ain- da mais suscetíveis; 89% dos casos de violência sexual registrados no Brasil são contra mulheres. Do total, 70% representam casos contra crianças e adolescentes, de acordo com o Insti- tuto de Pesquisa Econômica Aplica- da (IPEA, 2014). Em campanha rea- lizada na internet pela organização Think Olga com a #PrimeiroAssedio, a idade média do primeiro assédio so- frido por mulheres é de 9,7 anos, ou seja, na infância. Ainda abordando as questões de gênero, a incidência des- se tipo de violência contra mulheres e meninas é resultado das relações de- entrevista.indd 11 30/08/2019 14:12 12 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br Perceber que a maneira como crianças são educadas de acordo com as expectativas sociais sobre o seu gênero é importante para entender a origem da violência sexual. Os estereótipos vigentes são alicerces que sustentam relações abusivas dos autores da violência sexual contra crianças e adolescentes não é doen- te, ou seja, não tem um transtorno de preferência sexual. Noventa por cento deles são o que chamamos de abusa- dores ocasionais – abusam porque fo- ram autorizados socialmente. A par- tir de todo esse panorama, é possível perceber a violência sexual como um fenômeno fruto de um contexto his- tórico, cultural, socioeconômico mar- cado pela invisibilidade das crianças e adolescentes como sujeitos de direito e pelas relações desiguais de poder tanto em relação ao gênero quanto à raça, à classe social e à faixa etária. os estereÓtipos de gênero usados eM histÓrias infantis colaboraM coM a Manutenção de pensaMentos Machistas, que, por sua veZ, aliMen- taM a prÁtica de violência sexual? Caroline: Podemos observar que há milhares de anos meninas e mulhe- res têm sido mais vitimadas por essa desigualdade de gênero, concretizada na violência doméstica, na violência sexual, na falta de espaço na esfera pública, nos salários mais baixos: pro- blemas que têm sua raiz na hierarqui- zação das diferenças entre homens e mulheres. Só no Brasil estima-se que meio milhão de mulheres são vítimas de estupro por ano e que dois terços das vítimas são meninas menores de 13 anos, ou seja, cerca de 330 mil. Homens e meninos são atingidos de outras for- mas por essa hierarquização. Ao terem que cumprir ideais sociais que ligam o “ser homem” com agressividade, con- trole e dominação, eles se afastam da sensibilidade, da paternidade afetiva, dos cuidados com a própria saúde e se aproximam da violência urbana. As- sim, perceber que a maneira como as crianças são educadas de acordo com as expectativas sociais sobre o seu gê- nero é muito importante para enten- dermos a origem da violência sexual. Os estereótipos vigentes são os alicer- ces que sustentam relações abusivas, violência doméstica e violência sexual: no Brasil temos a quinta maior taxa de feminicídio do mundo: são 606 denún- cias de violência doméstica por dia; um estupro a cada 11 minutos. Falar sobre gênero nos espaços educativos é urgente e signif ica questionar as assi- metrias de poder presentes em todas as relações de nossa sociedade. Assim caminharemos em direção à igualdade entre os gêneros e à prevenção e en- frentamento das violências. o eMpoderaMento feMinino pode aJudar a MiniMiZar o probleMa ou É necessÁrio proMover uMa Mudança Muito Mais radical, especialMente no coMportaMento Masculino? Caroline: É preciso entender o im- pacto do empoderamento das meninas nos espaços educativos. É através do empoderamento pessoal que diversas mulheres estão vencendo barreiras im- postas pelos padrões sociais, por meio de um maior conhecimento sobre as causas femininas, a autoestima, o sen- timento de coletividade e das ref lexões sobre seus direitos. É fundamental que as meninas tenham acesso a espaços que as ensinem a desconstruir o es- tereótipo da feminilidade submissa e docilizada, entendendo que elas não precisam se adequar a nenhum padrão de comportamento, beleza e proje- to de vida. Muitas pessoas acreditam que defender os direitos de meninas e mulheres é defender que os homens percam os seus direitos, mas isso não é verdade. A reivindicação é que elas também sejam respeitadas, valorizadas e tenham acesso a oportunidades para um futuro saudável e sem violências. Em contrapartida, a prevenção da vio- lência sexual pressupõe atenção à edu- cação dos meninos. É urgente educar meninos para que descubram mascu- linidades positivas, novas formas de se relacionar e se posicionar no mundo, para que se consiga, de maneira ef icaz, diminuir os dados de violência domés- tica, sexual e de gênero. Educar um menino para não ser machista pres- supõe, antes de tudo, educarmos as pessoas adultas que cresceram nesse mesmo contexto, que riram de piadas machistas, viram os homens relaxa- rem depois do churrasquinho de do- mingo enquanto as mulheres lavavam a louça da família toda, que cresceram achando que as cantadas abusivas são elogio, que julgaram as roupas e com- portamento das mulheres que um dia sofreram violência sexual. existe alguMa forMa de se prevenir o abuso sexual? Caroline: Os esforços de prevenção podem acontecer em três níveis: pri- mário, secundário e terciário. A pre- venção primária se refere a abordagens empregadas antes de qualquer violên- cia sexual ocorrer, evitando assim a vitimização. A prevenção primária in- clui estratégias de construção de am- bientes seguros, espaços de diálogo e ref lexão sobre o tema em si, bem como sobre os direitos das crianças e ado- lescentes. Também se refere à preven- ção primária a promoção de palestras, of icinas, campanhas, eventos e ações IMA GE NS : S HU TT ER ST OC K entrevista.indd 12 30/08/2019 14:12 psique ciência&vida 13www.portalespacodosaber.com.br IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K É preciso entender o impacto do empoderamento das meninas nos espaços educativos. É através do empoderamento pessoal que diversas mulheres estão vencendo barreiras impostas pelos padrões sociais que informem a comunidade sobre como detectar, denunciar as suspei- tas e proteger crianças e adolescentes. Assim, essas iniciativas visam elimi- nar, ou pelo menos reduzir, os fatores sociais, culturais e ambientais que fa- vorecem esse tipo de maus-tratos. Em um sentido mais amplo, a garantia da implementação de políticas sociais básicas, acesso às políticas públicas de garantia de saúde e educação, en- tre as quais se destacam as atividades educativas e de caráter informativo geral dirigidas a toda a população, es- pecialmente aos familiares, à comuni- dade escolar e às igrejas de todos os credos, entre outros grupos da socie- dade civil, são ações fundamentais da prevenção primária. É essencial citar que a elaboração de campanhas com bom conteúdo,a f im de superar mitos e desmitif icar os tabus sobre o tema, além de alertar sobre causas e conse- quências desse tipo de violência, pode despertar a conscientização sobre o tema e incentivar a comunidade a re- alizar a denúncia de forma precoce. Por f im, e de suma importância, a edu- cação sexual aparece como estratégia de prevenção primária. Já a prevenção secundária prevê resposta imediata após a violência sexual ter acontecido. Envolve estratégias de atendimento e encaminhamento, atuando nas conse- quências a curto prazo geradas pela violência. Também é considerada ação de prevenção secundária a formação de prof issionais para detectarem, por meio do comportamento atípico infan- til ou adolescente, sinais que, mesmo sem marcas f ísicas aparentes, sugerem a suspeita de ocorrência da violência sexual. Investimento na capacitaçao dos prof issionais envolvidos desde o encaminhamento, a escuta das vítimas e o acolhimento até os processos le- gais se conf igurarem, é de extrema re- levância para que essa fase da preven- ção aconteça. O sistema de garantia de direitos é composto de um conjunto de órgãos responsáveis por garantir a promoção, a defesa e o controle na implementação das leis de proteção a crianças e adolescentes. Entre eles, encontram-se os Conselhos Tutelares, as delegacias especializadas em crimes contra crianças e adolescentes, o Mi- nistério Público, as Varas da Infância e da Juventude, a Defensoria Pública e os Centros de Defesa. Considerando que se trata de uma temática extremamen- te delicada e penosa para crianças e adolescentes, a humanização dos ser- viços de atendimento deve ser um cui- dado constante. Também faz parte das estratégias de prevenção secundária a criação do Disque-Denúncia 100, ser- viço nacional que integra os vários sis- temas estaduais e locais de notif icação de todas as violações contra crianças e adolescentes e que revolucionou o processo de denúncias anônimas. Por f im, prevenção terciária tem o objetivo de acompanhar integralmente a vítima e, se possível, o agressor. Conf igura- -se na resposta a longo prazo após a violência sexual ter ocorrido. Seu foco são as demandas advindas da vitimi- zação, que envolvem atendimento psi- cológico, acompanhamento da família e a oferta de tratamento especializado aos autores de violência sexual, a f im de minimizar a possibilidade de reinci- dência. Também os aspectos legais de responsabilização do autor de violên- cia são pauta desse tipo de prevenção, o que contribui para quebrar o ciclo de impunidade e, consequentemente, para a redução do abuso e da explora- ção sexual. A reformulação, atualiza- ção e proposição de leis mais severas podem completar o ciclo do enfrenta- mento da violência sexual. Os papéis sociais atribuídos à mulher como figura amorosa, frágil, afetiva e cuidadora camuflam a violência, de modo que passa a não ser percebida como agressora entrevista.indd 13 30/08/2019 14:12 14 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br coMo a educação sexual se insere nesse processo? Caroline: Embora seja comum achar que educação sexual é uma disciplina formal reservada apenas aos espaços escolares, a verdade é que seu concei- to é muito mais amplo. A educação sexual pode ser entendida como um conjunto de valores e informações re- ferentes à sexualidade, transmitidos por diversos elementos sociais: famí- lia, escola, amigos, religião e percorre toda a vida, contando ainda com a in- f luência cultural do contexto em que o indivíduo está inserido. Essas concep- ções sexuais ainda recebem o reforço da mídia e do núcleo social, e nos per- mitem incorporar valores, símbolos, preconceitos e ideologias. Sendo a se- xualidade um componente individual e social que encontra várias formas de expressão desde o nascimento do indi- víduo até sua morte, a educação sexual também é um processo contínuo, que vai do começo da vida até seu desfe- cho. Essa educação sexual faz parte do processo educativo global. Af inal, não é possível colocar a sexualidade em um departamento separado de todas as outras vivências da pessoa. Assim, a educação sexual acontece mesmo que nenhum diálogo seja tecido sobre a sexualidade. O silêncio e a repressão também educam. Todas e todos nós estamos construindo noções sobre sexualidade a todo momento, formu- lando valores e conceitos. A família, mesmo que não dialogue abertamente sobre sexualidade, é quem dá as pri- meiras noções sobre o que é adequado ou não acerca desse assunto por meio de gestos, expressões, recomendações e proibições. Isso também acontece na escola: estando ou não explicitamente no currículo escolar, a educação sexual acontece, seja nos rabiscos nas portas dos banheiros, nas músicas e vídeos que rodam nos celulares das alunas e alunos, nas relações cotidianas desse espaço, nas notícias que chegam até a sala de aula, na homofobia que um aluno gay sofre por não se encaixar nos valores da masculinidade vigente. A vida pulsa, a sexualidade também. Como essa educação sexual já está, mesmo que implicitamente, a ser de- sempenhada, assume-se a importância da sua abordagem explícita tanto no ambiente familiar como nos currículos escolares e outros espaços educativos. Família e educadoras(es) que lidam e atuam com crianças têm um desaf io ainda maior. Como é recorrente que a educação sexual explícita e planejada esteja vinculada a conteúdos de bio- logia para adolescentes, se pressupõe que seria apenas nessa fase da vida que esse tipo de conhecimento é necessá- rio. O resultado disso é a ausência de conteúdos de sexualidade nos currícu- los de educação infantil e séries ini- ciais do ensino fundamental. Tão cedo quanto possível, crianças precisam da informação e das ferramentas para identif icar as situações do cotidiano e ter informações para fazer escolhas, buscar ajuda e selecionar valores cons- truídos a partir da ref lexão, na relação com o outro e consigo mesmas. Embo- ra o senso comum sugira que a educa- ção sexual intencional precoce conduz ou estimula a experimentação sexual, o Populations Reports, uma publicação do Johns Hopkins Hospital, divulgou um estudo que aponta uma análise en- comendada pela OMS de mais de mil relatórios de programas de orientação É fundamental que meninas tenham acesso a espaços que as ensinem a desconstruir o estereótipo da feminilidade submissa e docilizada, entendendo que elas não precisam se adequar a nenhum padrão de comportamento, beleza e projeto de vida A violência sexual, na maioria dos casos, é uma questão de poder, a partir de relações assimétricas entre os gêneros entrevista.indd 14 30/08/2019 14:12 psique ciência&vida 15www.portalespacodosaber.com.br sexual em todo o mundo. Neste do- cumento, os autores concluíram que a informação e formação em assuntos sexuais não conduzem ao sexo precoce e, em alguns casos, até o adiam. Vários documentos of icias ratif icam a impor- tância da educação sexual planejada e intencional desde a primeira infân- cia. A promoção de espaços que pri- vilegiem o desenvolvimento de noções acerca da sexualidade desde a educa- ção infantil é urgente. Primeiro porque o direito à informação e a uma edu- cação que garanta o desenvolvimento integral da criança está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo porque essa mesma educa- ção sexual explícita e planejada causa grande impacto na prevenção da vio- lência sexual. A importância da edu- cação sexual no enfrentamento da vio- lência sexual é evidenciada em muitas pesquisas estadunidenses e latinas. Os estudos apontam que crianças expostas a informações de qualidade sobre sexualidade, corpo e relações humanas além de demonstrarem sen- timentos positivos sobre seu corpo e autoimagem apresentaram seis vezes mais probabilidade de terem compor- tamento de proteção em situações si- muladas de potencial violência sexual Muitos acreditam que defender direitos femininos é defenderque homens percam seus direitos, mas isso não é verdade. A reivindicação é que elas também sejam respeitadas e tenham acesso a oportunidades para um futuro saudável e sem violências do que as crianças que não tiveram informação sobre o assunto. É eviden- te que para assumir e concretizar os temas de educação sexual no currícu- lo escolar é de fundamental importân- cia que as/os prof issionais se capaci- tem para tal, analisando, debatendo e aprofundando as questões relaciona- das à sexualidade de maneira geral, estendendo essas discussões para toda a comunidade escolar, de modo que a família também tenha a oportunidade de reformular conceitos e entender a educação sexual sob uma perspectiva positiva e necessária. procede a inforMação de que a Maio- ria dos casos de violência sexual ocorre no aMbiente faMiliar? Caroline: Em torno de 70% das de- núncias de violência sexual envolvem ambiente intrafamiliar, ou seja, são casos cujos autores da violência são padrastos, pais, parentes ou pessoas em que as crianças conf iam e com as quais tem algum vínculo de responsa- bilidade e afeto. Se a educação sexual f icasse reservada à esfera familiar, como essas crianças teriam acesso à informação que poderá protegê-las dos abusos? Prevenção de violência sexual não acontece a partir do silen- ciamento das escolas ou outros espa- ços educativos. O diálogo de qualida- de, com prof issionais bem preparados e materiais didáticos adequados, é o caminho para a proteção da infância e da juventude. Importante lembrar que, a despeito desse movimento con- servador, nossa Constituição, Estatuto da Criança e do Adolescente e tantos outros dispositivos legais e conven- ções internacionais reaf irmam que a inclusão de temas de educação sexual no currículo é direito das crianças e adolescentes de ampliar os seus refe- renciais a partir de concepções diver- sas e científ icas, todas necessárias ao pleno exercício da autonomia indivi- dual e da cidadania. Por f im, é hora de arregaçar as mangas e promover, com urgência, espaços de diálogo e ref le- xão por meio de educação sexual in- tencional, inserida no currículo esco- lar, numa perspectiva emancipatória e entendida como um direito fundamen- tal para o desenvolvimento pleno de uma criança sexuada, completa, com necessidades e curiosidades sobre a vida, o mundo e sobre si mesma. Falar sobre gênero nos espaços educativos é urgente e significa questionar as assimetrias de poder presentes em todas as relações de nossa sociedade entrevista.indd 15 30/08/2019 14:12 16 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br in foco por Michele Müller IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K E AR QU IV O PE SS OA L DA MESMA FORMA COMO DEVEMOS OBEDECER AS NECESSIDADES DO CORPO ENFERMO, TEMOS QUE RESPEITAR O TEMPO E O PROCESSO DA MÁGOA EM DIREÇÃO DE PERDOAR O OUTRO E A SI MESMO A capacidade do perdão inFoco.indd 16 22/08/2019 16:30 psique ciência&vida 17www.portalespacodosaber.com.br IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K E AR QU IV O PE SS OA L riscos de tombos, andando em dire- ção ao perdão. Ou à compaixão, se a palavra parecer mais adequada, uma vez que é resultado da capacidade de olhar para o outro, de olhar por cima da própria dor, sem a necessidade de esquecê-la, conforme coloca o f ilóso- fo David Whyte no livro Consolações: “É a parte ferida, marcada e jamais ignorada que faz do perdão um ato não de esquecimento, mas de com- paixão. Perdoar é assumir uma iden- tidade maior que a da pessoa que foi ferida, é amadurecer e poder abraçar não apenas a parte af ligida do pró- prio ser, como as memórias cauteri- zadas pelo golpe original e, de forma virtuosa, estender a compreensivida- de àquele que o entregou.” O perdão, complementa, não afas- ta a ferida, mas leva a uma releitura da sua relação com ela, colocando-o mais próximo à fonte da dor. Estra- nhamente, ele nunca surge da parte que estava atingida. “Essa parte é possível que nunca possa ou real- mente não deva esquecer, pois, as- sim como os fundamentos do sistema imunológico do organismo, nossas defesas psicológicas precisam ter me- mória e se organizar contra futuros ataques.” Essa organização se soma à sua identidade, lhe entrega novas perspectivas, novas formas de sentir, se relacionar, se entender e entender os outros. Nessas transformações, muito se ganha, muito se perde. Mas todos os caminhos que levam a uma versão fortalecida de si mesmo pas- sam pelo perdão. Michele Müller é jornalista, pesquisadora, especialista em Neurociências, Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação. Pesquisa e aplica estratégias para o desenvolvimento da linguagem. Seus projetos e textos estão reunidos no site www.michelemuller.com.br Referência: Bergen, B.; Liu, N. When do language comprehenders mentally simulate locations? Cognitive Linguistics, v. 27, n. 2, p. 181-203, 2016. ESTAR DISPOSTO A PERDOAR NÃO SE TRATA MAIS DE UMA DECISÃO. O PERDÃO NÃO AFASTA A FERIDA, MAS LEVA A UMA RELEITURA DA SUA RELAÇÃO COM ELA, COLOCANDO-O MAIS PRÓXIMO À FONTE DA DOR E m Portugal, a parte do cor- po machucada está “magoa- da”. Aprendi isso na prática, quando, enganada pelo pe- núltimo degrau de uma escada, que aparentava ser o último, caí, torci o pé e fui acudida por uma senhora que perguntou se ele estava magoa- do. Meus próprios sentidos haviam me iludido – nesse caso, minha visão pouco conf iável –, mas a escadaria do metrô passou a representar perigo e levei muito tempo para voltar a des- cê-la correndo. No Brasil usamos mágoa somente para af lições psicológicas, mas em- prestamos outras palavras do universo f isiológico, como feridas, machucados ou cicatrizes, para descrever a dor no coração. Af inal, o processo é o mes- mo: existe a dor, a busca por alívio, a proteção, o medo e a cura. É dessa úl- tima etapa que nasce o perdão. Com o pé doendo, ainda muito magoado, forçar-se a retirar a mão do corrimão e encarar os degraus com conf iança seria um desrespeito ao próprio corpo. Estar disposto a perdoar, nem que seja pelo próprio bem-estar, parece simples quando você acredita que é uma boa pessoa, compreensiva e em- pática. Até quem é ferido de uma for- ma estranhamente profunda precisa ressignif icar a palavra perdão. Não se trata mais de uma decisão. Esquecer ou passar por cima também não são possibilidades e, se fossem, não seriam escolhas sensatas: a mágoa e sua rela- ção com a verdade são estradas sem retorno e você sabe que precisa atra- vessá-las e deixar se transformar por elas. Deve tratá-la da mesma forma como obedece às necessidades do cor- po enfermo: segurando no corrimão, andando devagar e cuidando da parte machucada por respeito a si próprio. Nesse processo, não há muito espaço para empatia. Em um nível biológico básico, um organismo in- timidado se contrai, se fecha, em uma reação de fuga ou luta que é automática e egocêntrica: diante da ameaça, o sistema nervoso faz uma série de movimentos inconscientes que protegem – e isso não inclui en- tender como o outro está se sentindo. Nessa fase, lembra a psicóloga budista Tara Brach, em uma meditação sobre o tema, simplesmente não é possível enxergar o cenário amplo. “A capaci- dade de empatia é ‘desligada’ por um tempo. E é muito importante reco- nhecer que existe um período em que não se deve mesmo ser compassível: deve-se cuidar de si, pois ainda não há recursos para perdoar.” A reação límbica, ela lembra, tem sua própria inteligência, mas, depois de cum- prir sua função, precisa dar espaço para que se possa continuar evoluin- do. Cuidar de si, portanto, não sig- nif ica se entregar à desesperança e à inatividade: o corpo magoado precisa ser reeducado a partir do movimento, por mais incômodo que seja; o cora- ção segue a mesma indicação e, à me- dida que se fortalece, volta a assumir inFoco.indd 17 22/08/2019 16:30 18 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.brpsicopositiva Por Flora Victoria IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K/ A CE RV O PE SS OA L AÇÕES virtuosas e filantropia COMO DIVERSAS FORMAS DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SÃO CAPAZES DE PAVIMENTAR UM CAMINHO PODEROSO DE FLORESCIMENTO DO INDIVÍDUO E DA SUA COMUNIDADE P ara alcançarmos uma vida mais feliz em sociedade, di- versos estudos psicológicos examinaram como ajudar o próximo é capaz de afetar o nosso bem-estar. Existe uma correlação entre os benef ícios aproveitados por quem recebe ações f ilantrópicas e, de modo correspondente, aqueles recebidos por quem age de modo generoso e altruísta. A origem etimológica da palavra “f ilantropia” é o termo grego philan- tropia , que signif ica “amor à huma- nidade”. Esse comportamento faz parte da história humana, uma vez que a cooperação social em larga escala foi o que permitiu que os gru- pos humanos prosperassem e che- gássemos ao estágio evolutivo atual. Nesse contexto, a motivação para o altruísmo e a f ilantropia são as chamadas “ações virtuosas”, que, à luz da f ilosof ia aristotélica, podem ser sucintamente explicadas como atividades conscientes e voluntárias que visam um bem maior e que ex- pressam a excelência humana. Ações virtuosas são comumente def inidas pela literatura da Psicologia Positiva como gratif icações, excelências ou atividades de f low (f luxo), aquelas que envolvem você completamente, aproveitam suas forças e permitem que você perca a autoconsciência e mergulhe no que está fazendo. Nos tempos presentes, os motivos principais para o envolvimento em ações f ilantrópicas são a proteção e a crença na necessidade de tomar res- ponsabilidade social pelo bem-estar comunitário da sociedade. Esse tipo de ação social, portanto, representa uma ponte entre preocupações indi- viduais e coletivas. É um caminho para que as pessoas conectem seus interesses aos dos outros, liguem-se a suas comunidades e envolvam-se com a sociedade em maior escala, sempre por meio de iniciativas de in- divíduos e grupos para os quais esse envolvimento não é obrigatório. Alinhado a isso, o modelo de ação e bem-estar da Psicologia Po- sitiva apresenta implicações ricas para a teoria f ilantrópica. O dr. Martin Seligman, “pai” da Psicolo- gia Positiva, invoca essas conexões com frequência, a ponto de def inir a sua área de estudos como uma ten- tativa de mover a Psicologia do ego- cêntrico para o f ilantrópico. Essa é a essência da contribuição que def ine os objetivos altruístas – cujos benef ícios se estendem, tam- bém, a toda uma cadeia de pessoas, e que, por isso mesmo, são capazes de elevar os nossos níveis habituais de felicidade, saúde e bem-estar. Para tanto, diversos tipos de doa- ção são possíveis – tempo, trabalho, atenção, conhecimento e, claro, re- cursos materiais. Em um trabalho intitulado “Gas- tos pró-sociais e felicidade”, as psicó- logas Elizabeth Dunn e Lara Aknin, juntamente com Michael Norton, da Harvard Business School, encontra- ram uma relação positiva consisten- te entre os chamados gastos “pró- -sociais” e o bem-estar. Realizada em 136 países, com níveis de rique- za e contextos culturais diversos, a pesquisa revelou que indivíduos que recentemente haviam feito doações a instituições de caridade relataram maior bem-estar subjetivo, mesmo considerando diferenças individuais de renda. No nível psicológico, os pesqui- sadores pontuam que a doação vo- luntária de recursos f inanceiros tem ligação com a teoria da autodeter- minação, desenvolvida por Edward L. Deci e Richard M. Ryan. Segun- do essa teoria, o bem-estar humano depende da satisfação de três ne- cessidades básicas: relacionamento, competência e autonomia, as quais psicopositiva.indd 18 22/08/2019 16:55 psique ciência&vida 19www.portalespacodosaber.com.br Flora Victoria, presidente da SBCoaching Training, mestre em Psicologia Positiva Aplicada pela Universidade da Pensilvânia, especialista em Psicologia Positiva aplicada ao coaching. Autora de obras acadêmicas de referência, Ganhou o título de embaixadora oficial da Felicidade no Brasil por Martin Seligman. É fundadora da SBCoaching Social. IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K/ A CE RV O PE SS OA L emergem quando as pessoas se co- nectam com os outros por meio dos gastos pró-sociais, veem como suas ações generosas são capazes de fa- zer a diferença e sentem que suas ações de caridade são escolhidas li- vremente. Por trás disso está também a ideia de que o bem-estar de um in- divíduo depende intrinsecamente do bem-estar dos seus relacionamentos e da comunidade em que ele resi- de. Para o dr. Isaac Prilleltensky, da Universidade de Miami, a própria def inição de bem-estar engloba um estado positivo de relações, nutrido pela satisfação simultânea e equili- brada de diversas necessidades nas esferas pessoal, relacional e cole- tiva da vida de uma pessoa. Dessa forma, ele propõe em seu trabalho uma mudança de paradigma que dê às abordagens baseadas em forças, prevenção, empoderamento e co- munidade mais destaque, visando impactar positivamente áreas como saúde e justiça social. O enfoque é fazer avançar e progredir os indiví- duos e suas comunidades. De muitas maneiras, trabalhando isolada ou coletivamente, as pessoas são capazes de atuar em prol da hu- manidade. Mas como você pode co- locar isso em prática? Os caminhos são vários. O envolvimento f ilantró- pico pode assumir a forma de parti- cipação em trabalho voluntário, gru- pos comunitários e organizações de bairro, ativismo social e movimentos políticos, tendo como objetivo maior o bem-estar conjunto e cidadão. Atividades como essas são oportu- nidades de abordar e agir sobre pro- blemas locais e globais, considerando que o poder da mudança e do f lores- cimento está em cada um de nós. O BEM-ESTAR COMUNITÁRIO PODE SER ALCANÇADO POR MEIO DAS CHAMADAS AÇÕES VIRTUOSAS ABORDADAS PELA PSICOLOGIA POSITIVA psicopositiva.indd 19 22/08/2019 16:55 20 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br psicopedagogia por Maria Irene Maluf IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K/ A RQ UI VO P ES SO AL DA PRÉ-ESCOLA À UNIVERSIDADE, PARA ALCANÇAR O SUCESSO PROFISSIONAL NÃO BASTA UM DIPLOMA NA PAREDE COMO NOS TEMPOS DE NOSSOS AVÓS. HOJE É PRECISO RENOVAR CONSTANTEMENTE CONHECIMENTOS E PRÁTICAS Escola: ESCOLHA fundamental tecnologia, a formação acadêmica de qualidade é um fator decisivo para o acesso bem-sucedido às oportunida- des prof issionais, pessoais e sociais das crianças e jovens adultos. Como a constante atualização também é in- dispensável para atender as exigências na pré-escola, muitos pais buscam, nesta época do ano, orientações para fazer a opção de escola que melhor se adapte à educação acadêmica que de- sejam para seus f ilhos. Nos dias de hoje, frente a um mundo globalizado e dependente da E m meio ao segundo semestre do ano, são abertas as matrí- culas para o próximo ano le- tivo em praticamente todas as escolas. Seja porque procuram uma nova opção educacional, ou porque está na hora da sua criança ingressar psicopedagogia.indd 20 22/08/2019 16:54 psique ciência&vida 21www.portalespacodosaber.com.br o tipo de avaliação que será usada ao longo do ano letivo pode evitar grandes e desagradáveis surpresas, pois escola e casa devem ter muitos pontos em co- mum no quesito disciplina. Uma escola situada em um local iluminado, arejado, arborizado e si- lencioso pode ser um aspecto mui- to favorável na hora da seleção, mas não é o mais importante, pois, com o passar dos anos, essas características frequentemente se modif icam e tam- bém há inf luência relativa no aprovei- tamento pedagógico. Essas visitas à nova escola devem preferencialmente ser feitas em horá- rios diferentes para se poder observar os alunos na entrada e na saída: essa é uma forma de saber como se sentem naquele ambiente. Conversar com outros pais, com alguns funcionários e procurar conhe-cer pessoalmente as professoras tran- quiliza a maioria dos familiares ansio- sos, especialmente no caso de crianças pequenas, pois nesse contato poderão estabelecer um vínculo com os adultos que olharão pelas crianças enquanto estiverem longe delas. Uma vez feita a primeira seleção, é importante que as crianças visitem o local, também, não para decidir onde vão estudar, pois essa é uma respon- sabilidade que está longe de ser de- las, mas para que seus pais observem como se sentem no novo ambiente e depois possam trocar ideias com os f ilhos sobre isso. Outra ordem prática deve ser levada em conta: o valor das mensalidades e a distância de casa. Pode parecer pouco para quem nunca manteve um filho na escola, mas o custo mensal total ultra- passa o da mensalidade, pois há o uni- forme, os livros, as despesas com pas- seios, entre outras coisas. Nem sempre as famílias conseguem dar conta de tan- tas despesas, e mudar a criança de escola em meio ao ano letivo pode ser um des- gaste muito grande, em vários aspectos. Para f inalizar, é fundamental que os pais procurem conversar entre si sobre essa importante opção, de modo que seja do agrado de ambos, ou ao menos muito próximo daquilo que de- sejam para seu f ilho. Uma postura de segurança e f ir- meza em relação a essa escolha fará com que a criança se sinta muito mais conf iante e se adapte melhor à escola. Vale ainda lembrar que é o aluno que deve se adaptar à escola, pois, como na sociedade e no trabalho, há normas que todos precisam aprender a respeitar e que, diferentemente do que ocorre na família, não se permitem exceções. Assim, educar ganha a perspecti- va de formação de cidadãos que, usu- fruindo de boa educação acadêmica, se preparam permanentemente para ser prof issionais de sucesso em qual- quer área que venham a escolher. Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K/ A RQ UI VO P ES SO AL do mercado de trabalho, uma boa for- mação acadêmica desde o início da escolarização torna-se indispensável para iniciar e fundamentar todo esse importante percurso. Inegavelmente há um valor enorme colocado na educação e que não é ape- nas f inanceiro. Envolvendo essa ques- tão, pesam as aspirações paternas, a pressão social, a responsabilidade na formação das crianças, que inf luen- ciam na hora de tomar uma decisão de tal porte. Uma seleção como essa exige muita ref lexão da família antes da tomada de uma decisão que certa- mente terá sérios ref lexos no futuro da criança e na dinâmica familiar. A escolha em geral se inicia pelas indicações de parentes, de outros pais e de amigos que já passaram por essa fase tão importante para as famílias, mas nada substitui uma visita – e até mais de uma – a algumas boas opções, seja se tratando de ensino infantil ou de escolas de ensino médio. Af inal, a escola é onde as crianças e os jovens vão viver boa parte de seu dia e, além da formação pedagógica de qualidade, é lá que a educação de valores será continuada em consonância com a que a família iniciou. E nesse ambiente a criança conquistará seu primeiro gru- po de amigos, e as experiências do dia a dia terão grande inf luência na sua personalidade em formação. Ao visitarem as escolas, muitas informações serão passadas aos pais, mas é importante que estes já tenham em mente alguns pontos a investigar, que consideramos importantes, até para poderem posteriormente compa- rar e escolher mais adequadamente. As informações devem ser inicial- mente voltadas para a formação exi- gida dos prof issionais, como professo- res, coordenadores, entre outros. É importante saber que tipo de apoio e incentivo cada escola oferece para in- crementar a modernização do corpo docente e dos demais funcionários. Per- guntar sobre as normas disciplinares e HÁ UM VALOR ENORME COLOCADO NA EDUCAÇÃO QUE NÃO É APENAS FINANCEIRO. PESAM AS ASPIRAÇÕES PATERNAS, A PRESSÃO SOCIAL E A RESPONSABILIDADE NA FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS psicopedagogia.indd 21 22/08/2019 16:54 22 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br recursos humanos por João Oliveira IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K E AR QU IV O PE SS OA L DO A UT OR A EXPERIÊNCIA DE VIDA E A INTERPRETAÇÃO DELA SÃO ESTRUTURAS FRASAIS QUE FICAM RICOCHETEANDO NA MENTE DE TODOS NÓS. PODEMOS DESTACAR DOIS PERFIS DE PENSAMENTO RECORRENTES: ABUNDÂNCIA E ESCASSEZ MUITO SE QUESTIONA SOBRE QUAL O MELHOR PERFIL COMPORTAMENTAL PARA GERAR RESULTADOS POSITIVOS. O CUIDADO COM O GERENCIAMENTO DO QUE SE PENSA IRÁ REFLETIR EM EMOÇÕES MAIS ADEQUADAS À PRODUTIVIDADE gera uma maior tranquilidade para o planejamento a longo prazo e etapas para a realização dos projetos. Quem está ou esteve submer- so em uma economia instável com histórico de bruscas mudanças no cenário pode desenvolver um per- f il voltado para a escassez, tornan- do dif ícil um planejamento sólido e tranquilo para longo prazo, criando o imediatismo nas ações em busca de retorno rápido. O detalhe importante é que isso pode ser alterado de acordo com a vontade e esforço de cada um. No entanto, quem está dentro de um es- tado de ânimo por muito tempo – em qualquer perf il possível – muitas vezes pensa que “é assim” ao invés de ter a consciência de que “está assim”. Somos capazes de mudar e nos adaptar diante das demandas cotidianas e com o gerenciamento interno podemos ir além. Basta, ini- cialmente, reconhecer se existe essa necessidade. Qualquer um que esteja no mo- delo da escassez pode pensar que isso é uma perda de tempo, af inal ele exige resultados rápidos. Já os que estão modelados na abundância podem aceitar com facilidade a in- clusão de algumas práticas em sua vida, como investimento na lapida- ção e sua excelência. mos e como respondemos. Com isso já podemos destacar dois perf is de pensamento recorrente e como isso pode ref letir negativamente ou não no dia a dia: abundância e escassez. Quem teve experiência de vida dentro de uma base econômica está- vel pode estabelecer com facilidade um pensamento voltado para a abun- dância. Os recursos e custos podem ser calculados com meses de antece- dência sem muitas surpresas, o que S eja no ambiente prof issional ou pessoal, todos desejam ter sucesso no que fazem, mas nem sempre é isso que ocor- re. Falhas, erros e fracassos podem ser associados a uma imensa gama de variáveis, que vão desde o ambiente externo (mercado, condições econô- micas, necessidades dos clientes) até a atmosfera psicológica que envolve os agentes que praticam as ações. Sabemos que as palavras que ecoam em nossas cabeças, o famoso self talk, são responsáveis pelo estado de ânimo. O monólogo interno é resul- tado de muitos fatores, como: memó- rias marcantes, conteúdo absorvido, interpretação dos estímulos externos e reações a sintomas endógenos. Ou seja: também estamos à mercê de mui- tas possibilidades sobre as quais não temos, de fato, muito controle. Podemos destacar alguns aspec- tos e como trabalhar – de dentro para fora – a busca pela excelência no nivelamento emocional. Não é fá- cil, mas pode se tornar natural com o passar do tempo. A experiência de vida, seja ela qual for, e como foi interpretada, é o maior provedor de estruturas frasais que f icam ricoche- teando na mente de todos nós. As trocas que fazemos com o grupo com que nos comunicamos é a segunda variável mais importante: o que ouvi- MODELO MENTAL rh.indd 22 22/08/2019 16:27 psique ciência&vida 23www.portalespacodosaber.com.br O prof. dr. João Oliveira é doutor em Saúde Pública, psicólogo e diretor de Cursos do Instituto de Psicologia Ser e Crescer (www.isec.psc.br).Entre seus livros estão: Relacionamento em Crise: Perceba Quando os Problemas Começam. Tenha as Soluções!; Jogos para Gestão de Pessoas: Maratona para o Desenvolvimento Organizacional; Mente Humana: Entenda Melhor a Psicologia da Vida; e Saiba Quem Está à sua Frente – Análise Comportamental pelas Expressões Faciais e Corporais (Wak Editora). IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K E AR QU IV O PE SS OA L DO A UT OR Podemos apresentar algumas di- cas de como direcionar o pensamen- to para o gerenciamento emocional. Qualquer modelo existente pode ser melhorado e, uma vez que se descubra como isso possibilita melhores resul- tados, provavelmente as práticas serão incorporadas no dia a dia como parte das atividades essenciais: Meditação: os melhores operadores do mercado f inanceiro possuem uma rotina quase religiosa de acordar muito cedo para meia hora de meditação. Trata-se de um alinhamento emocional antes de começar a atuar no ambiente de rápi- das mudanças, onde a percepção deve ser muito apurada. Mantra pessoal: método criado pelo psicólogo francês Émile Coué e aprimorado nos últimos anos. Absolutamente simples! Monte, de forma assertiva, um pequeno tex- to de incentivo. Grave no seu próprio celular e escute várias vezes ao dia. O mantra criado pelo Coué, para ter pequena busca na internet que, com certeza, irá encontrar uma centena de textos e livros com exemplos de ativi- dades para o cérebro. São apenas dicas para começar um trabalho que, com certeza, não terá f im. Não existe um modelo ou nível melhor que o outro, pois de- pende de cada momento na vida e do ambiente onde estamos inseridos. No entanto, todos os modelos podem ser aprimorados. Se está pensando em começar a se trabalhar, o momento é agora: não espere pelo próximo mi- nuto. Descubra como a abundância e a escassez podem fazer toda a dife- rença nos resultados de vida prof is- sional e também pessoal. como exemplo, é esse: “Todos os dias, sob todos os aspectos, eu vou cada vez melhor!”. Palavras de controle: bus- que, todos os dias, novas palavras que possam estar ligadas ao seu propósito prof issional ou pessoal. No mínimo dez novas palavras por dia, anote e incorpore em suas frases essas novas palavras. Vá juntando as palavras ao longo dos dias e no f inal de semana revise tudo, palavra a palavra, e o sig- nif icado de cada uma para você. Caso tenha dif iculdade, faça uma busca na internet pelo processo Vitatransfor- matio, pode ajudar. Neuróbica: exer- cícios de neuróbica já são mais do que conhecidos. Caso isso seja uma novidade para você basta fazer uma rh.indd 23 22/08/2019 16:27 CAPA 24 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br Deixar marcas, ser notado, não passar em branco, ser alguém especial... por que isso é tão essencial e essa necessidade tem crescido tanto numa sociedade que valoriza até a ostentação da felicidade? IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K Por Carla Daniela P. Rodrigues A importância em ser IMPORTANTE CAPA SER_IMPORTANTE.indd 24 22/08/2019 18:46 psique ciência&vida 25www.portalespacodosaber.com.br IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K SER_IMPORTANTE.indd 25 22/08/2019 18:47 CAPA 26 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br O amor é o alimento da alma. Amor é preenchimento, transbordamento, alegria. Quando estamos cheios de amor genuíno e realmente conseguimos nos amar, esse amor transborda e atinge o outro, assim como preenche a vida Amar e ser amado são necessidades inerentes à humanidade, somos seres sociáveis e, como tais, temos o desejo de pertencimento a um grupo e de compar- tilhar amor. Necessidade essa que nasce, fundamentalmente, na infância e nos acompanha no decorrer da vida. O amor é o alimento da alma. Amor é preenchimento, transbordamento, alegria. Quando estamos cheios de amor genuíno e realmente consegui- mos nos amar, esse amor transborda e atinge o outro, assim como preen- che a vida e tudo que se faz! É o que dizem as escrituras sagradas em “amar o próximo como a ti mesmo”. Quan- do se pratica o amor, a vida se torna leve, colorida. Ele é o combustível da vida, o sentimento que dá sentido ao que somos e ao que fazemos. Quem é cheio de amor genuíno, amor-próprio, consegue amar o outro de forma in- condicional. Ter amor ao que faz traz felicidade e uma sensação de paz e de completude na vida. De acordo, porém, em como se dão as primeiras experiências em com- partilhar amor, ainda na tenra infância, outros sentimentos podem nascer e comprometer fundamentalmente a for- ma como iremos ressignifi car esse senti- mento futuramente. Se essas experiên- cias forem negativas, sentimentos como frustração e baixa autoestima surgirão, determinando os relacionamentos futu- ros e a visão sobre o amor. Talvez esse seja um caminho para começarmos a entender, olhando para a atual sociedade, os motivos pelos quais as pessoas buscam incessantemente se- rem notadas e admiradas, para se senti- rem valorizadas e amadas. É preciso vol- IM AG EN S: S HU TT ER ST OC K A criança quer chorar, gritar, expres- sar livremente seus sentimentos e até sua agressividade, mas precocemente é re- primida em seus atos, para ser apreciada e amada. Ela deve se comportar para ser aceita e querida e assim pode ir apren- dendo a ter a necessidade de aprovação externa sobre os seus comportamentos. Ela percebe, ou sente, que existe um pa- drão para “acessar o amor do outro” e, cada vez que ela não consegue alcançar esse padrão em suas experiências, se sen- te insegura e frustrada, dando início ao processo das neuroses. O amor deixa de ser algo entendido como natural, inerente, incondicional, para ser visto como algo a ser conquis- tado, ou seja, surge a necessidade de “se fazer amado”. Dessa forma, de acordo com essas primeiras experiências infantis e con- forme as frustrações com estas vão cres- cendo, a autoestima vai diminuindo, criando-se uma lacuna entre o querer e o conseguir ser amado. O amor-próprio diminui gradativa- mente frente às inseguranças surgidas. Sem amor-próprio o amor ao outro se torna um processo difi cultoso, árduo. Sem o amor-próprio não há como se valorizar e o conhecimento de si mesmo tar à infância para começar a entender esses processos. Segundo Freud, a criança ao nas- cer se depara com uma sociedade neu- rótica e vai se moldando aos poucos, tornando-se mais e mais sensível a essa neurose. Carla Daniela P. Rodrigues é especialista em Psicopedagogia e em Neuropsicologia. Terapeuta em distúrbios do desenvolvimento, palestrante e professora no ensino superior, pesquisadora em Neurociências carladaniela_psico@hotmail.com A sensação de amar e ser amado é uma necessidade do ser humano, pois todos têm o desejo do pertencimento a um grupo e de compartilhar amor SER_IMPORTANTE.indd 26 22/08/2019 18:47 psique ciência&vida 27www.portalespacodosaber.com.br Quem é cheio de amor genuíno, amor-próprio, consegue amar o outro de forma incondicional. Ter amor ao que faz traz felicidade e uma sensação de paz e de completude na vida passa a ser um referencial no “reconheci- mento externo”. Se alguém diz que você é bom, você se sente bom, e se diz que não é bom, sente-se deprimido. A neces- sidade de ser aprovado foi ensinada: se não há reconhecimento, não há valor. In- felizmente, esse sentimento pode acom- panhar a pessoa no decorrer da sua vida. Nesse processo, passa a “valer tudo” para ganhar o olhar do outro, e a estraté- gia mais utilizada é a busca pela atenção. Chamar a atenção do outro passa a ser a tentativa de preencher a lacuna que surgiu lá trás. Quando amamos alguém prestamos atenção nesse alguém, na- turalmente. Então, o raciocínio inverso passa a ser verdadeiro: quando alguém está atento a nós, nos sentimos amados. A lacuna está preenchida! Daí para frente, há alguns desdobra- mentos que irão resultar em outros: o amor verdadeiro e transcendentalpassa a ser substituído por um “amor banali- zado”. Todos se amam, mesmo que te- nham um relacionamento superfi cial, na vida, nas redes sociais, porque a palavra “amor” perdeu o signifi cado primário. A lacuna do verdadeiro sentimento é substituída pela busca infi nita pela aten- ção do outro. E na ânsia por essa atenção usam-se as formas mais visíveis para a obtenção de olhares, holofotes e admira- ção: comportamento, fama, ostentação. Tudo para ser admirado e desejado. Entende-se então, assim, que a ne- cessidade de ser importante é o resul- tado da falta de autoestima, tornando- -se uma busca de compensação para o vazio, a lacuna sentida na alma quando perdemos o amor-próprio e natural. Mundo das redes Nesse contexto em que chamar a atenção irá preencher um vazio e trazer o sentimento de “plenitude” e valorização, surge um cenário maravi- lhoso que serve para mostrar ao mundo “que eu existo” da forma como eu quiser ser visto: a internet. As redes sociais proporcionam a vitrine para o mundo. Nela, qualquer IMA GE NS : S HU TT ER ST OC K pessoa pode se mostrar da forma como gostaria de ser e arrematar para si os tão importantes olhares de aprovação que darão a falsa impressão de ser impor- tante, de ser amado. Ao postar uma foto ostentando ale- gria, felicidade, sucesso, realização profi s- sional e social e começar a receber likes e comentários, o ego vai sendo massagea- do e inicia-se um vicioso ciclo de prazer, que vai sendo realimentado, fazendo com que haja uma dependência e neces- sidade cada vez maior desse ciclo. Dessa forma, as pessoas vão crian- do “máscaras de felicidade”, procurando transparecer, cada vez mais, algo que muitas vezes não condiz com a sua rea- lidade, mas que serve para alcançar os olhares, as curtidas e a aprovação. Dentro de um contexto social em que valores materiais são supervalorizados em detrimento aos valores morais e éticos, é cada vez maior a ostentação no plano material, principalmente por jovens e Ser notado Segundo autores como Allan e Barbara Pease, a necessidade de se sentir no- tado é muito mais forte do que as necessidades fisiológicas humanas. E esse sentimento de importância esta- rá sempre relacionado a uma escala de valores. São esses valores que ditam como a pessoa se sentirá valorizada. Se o dinheiro e o sucesso ocupam os primeiros lugares da sua escala de valores ela só vai sentir-se realizada quando sucesso ou dinheiro lhe forem abundantes. O desejo de pertencimento a um grupo que nos traz felicidade nasce, fundamentalmente, na infância e nos acompanha ao longo da vida SER_IMPORTANTE.indd 27 22/08/2019 18:47 CAPA 28 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br A criança quer chorar, gritar, expressar livremente seus sentimentos e até sua agressividade, mas precocemente é reprimida em seus atos para ser apreciada e amada. Ela deve se comportar para ser aceita e querida adolescentes, em busca de autoafi rmação. Surgem os braggers, termo que em inglês signifi ca “fanfarrão”, mas que se refere àquele que se autopromove, o exibicio- nista nas redes sociais. O verbo brag em inglês está ligado ao ato de se vangloriar. Ser uma pessoa de sucesso fi nancei- ro, profi ssional e pessoal é o modelo de alguém bem-sucedido, perseguido por milhares de pessoas que almejam a valo- rização e “ser notadas”. Assim nasce a “cultura do exibicio- nismo”, com uma superexposição virtual, fi ngindo-se, na maioria das vezes, ter um estilo de vida que não é o real. Cria-se o “mito” da felicidade em cem por cento do tempo, a necessidade de se mostrar exube- rante em tempo integral, ostentando um relacionamento perfeito, uma vida social intensa, uma vida profi ssional de extremo sucesso, uma vida fi nanceira abundante. A cultura do exibicionismo Estudos atuais relacionam essa su-perexposição às redes sociais a distúrbios psicológicos. A Universidade da Pensilvânia (EUA) analisou 143 estudantes de 18 a 22 anos em três plataformas mais populares (Facebook, Snapchat e Ins- tagram) e chegou à conclusão de que quanto mais tempo esses jovens passa- vam junto às redes, mais probabilidade apresentavam em relação a manifesta- rem sentimentos e comportamentos de tristeza, depressão e solidão. Parece um paradoxo, uma vez que, ao inventar o Facebook, Mark Zuckerberg propunha um espaço de liberdade e de conexão, um ponto de encontro para amigos. Hoje, com mais de dois bilhões de usuários ativos por mês, a plataforma, tal qual algumas outras, pode instigar sentimentos negativos e prejudiciais à saúde psíquica. Chega a ser irônico, diz Melissa Hunt, líder da pesquisa. Porém, ao anali- sar de perto o comportamento dos usuá- rios, percebe-se que tudo faz sentido: há muita comparação entre aquele usuário que está vendo a publicação e exposi- ção do outro com a sua própria vida. A impressão que se tem é que a do outro é sempre muito melhor do que a sua, esti- mulando o aparecimento de sentimentos de menos valia, incompetência e baixa autoestima. O psicólogo Ethan Kross, da Uni- versidade de Michigan, aponta em seus estudos que, quanto mais tempo conec- tadas, mais insatisfeitas as pessoas fi cam com suas próprias vidas. Uma outra pesquisa, realizada pela Universidade Humboldt, em Berlim, en- trevistou 357 universitários e descobriu que o principal sentimento manifestado em relação à vida virtual é a inveja. Uma a cada cinco pessoas pesquisadas aponta o Facebook como origem do sentimento de inveja em sua vida. Quase 30% dos jovens entrevistados relataram sentir inveja ao ver posts sobre viagens, atividades de lazer de amigos e postagens vinculadas ao sucesso. Alguns usuários, mesmo se exibin- do, se mostram chateados quando suas postagens de ostentação não são notadas IMA GE NS : S HU TT ER ST OC K Se as experiências forem negativas, sentimentos como baixa autoestima surgirão, determinando relacionamentos futuros e a visão sobre o amor SER_IMPORTANTE.indd 28 22/08/2019 18:47 psique ciência&vida 29www.portalespacodosaber.com.br DOPAMINA, REDES SOCIAIS, VÍCIO E PRAZER para saber mais Estudos atuais, como os da Global Web Index (2015), apontam que os brasileiros passam cerca de 26 horas semanais em redes sociais. O nú- mero vem aumentando, o que prova que existe um ciclo vicioso na utiliza- ção das redes. Esse fenômeno é explicado neurologicamente. Quando nos deparamos com um estímulo prazeroso, o sistema de recompensa cerebral, chamado núcleo accumbens, é ativado pela dopamina, um importante neu- rotransmissor do sistema nervoso central (SNC), que é liberado nas situa- ções de prazer. Nas redes, assim como no ato de fazer esportes, ou no ato de jogar, comer chocolate, ouvir música, entre outras situações de prazer que podem ser até mesmo ideias, o sistema de recompensa é ativado através dos elogios, comentários, curtidas, fortalecendo um ciclo vicioso de “prazer” liberado pela dopamina nessas áreas de recompensa do cérebro. As redes sociais podem se tornar prejudiciais, como o uso das drogas, que também liberam uma quantidade exorbitante de dopamina, fazendo com que o cérebro entenda a ação como algo que superestimula a área de re- compensa. Além de massagear o ego, trazendo a sensação de plenitude e va- lorização, o acesso intenso às redes so- ciais ativa o sistema de prazer das redes neurais, promoven- do um bem-estar fí- sico e mental nessa prática. Fonte: http://i.imgur. com/fu8gx78.jpg De acordo com as primeiras experiências infantis e conforme as frustrações com estas vão crescendo, a autoestima vai diminuindo, criando-se uma lacuna entre o querer e o conseguir ser amado como gostariam, aumentando ainda mais um ciclo de disputa por curtidas e por serem notados. Recentemente, o caso de uma jovem consumida pela mídia social e necessida- de de aprovação foi exposta, por ela mes- ma, na rede social. Essena O’Neil, uma jovem aus- traliana de 18 anos, consagrada como
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