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MAGE Magistratura Estadual CURSO EXTENSIVO Direito Civil Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) MATERIAL DE APOIO coordenador: Jamil Chaim 1 1. GENERALIDADES A Lei de Introdução (Decreto-Lei 4.657/1942) não faz parte do Código Civil. Com a edição da Lei nº 12.376/10, foi alterada a denominação da norma de “Lei de Introdução ao Código Civil” (LICC) para “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” (LINDB). A modificação não decorreu apenas de um capricho do legislador. Na realidade, a finalidade foi acentuar que a referida norma é conteúdo jurídico de sobredireito, aplicando-se a qualquer norma e a qualquer ramo do Direito, pouco importando se relativa às relações privadas, como o Código Civil, ou mesmo às públicas, como no caso do CTN. A aproximação da LINDB com o Código Civil é inegável, especialmente diante de seu caráter histórico e de origem. Porém, é importante pontuar que o Código Civil regula os direitos e obrigações de ordem privada, ao passo que a Lei de Introdução disciplina o âmbito de aplicação das normas jurídicas, em todas as suas formas de manifestação, aplicando-se, inclusive, às Emendas Constitucionais, naquilo em que a Constituição Federal for omissa e houver compatibilidade. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é norma de sobredireito ou de apoio, assim como é a LC 95, que trata do processo legislativo. Consiste num conjunto de normas cujo objetivo é disciplinar as próprias normas jurídicas. 2. SÍNTESE DO CONTEÚDO A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro cuida dos seguintes assuntos: a) Vigência e eficácia das normas jurídicas; b) Conflito de leis no tempo; c) Conflito de leis no espaço; d) Critérios hermenêuticos; e) Critérios de integração do ordenamento jurídico; f) Normas de direito internacional privado (arts. 7º a 19). 3. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO Lei é a norma jurídica escrita, emanada do Poder Legislativo, com caráter genérico e 2 obrigatório. A lei apresenta as seguintes características: a) generalidade ou impessoalidade: porque se dirige a todas as pessoas indistintamente. Abre-se exceção à lei formal ou singular, que é destinada a uma pessoa determinada, como, por exemplo, a lei que concede aposentadoria a uma grande personalidade pública. A rigor, a lei formal, conquanto aprovada pelo Poder Legislativo, não é propriamente uma lei, mas um ato administrativo; b) obrigatoriedade e imperatividade: porque o seu descumprimento autoriza a imposição de uma sanção; c) permanência ou persistência: porque não se exaure numa só aplicação; d) autorizante: porque a sua violação legitima o ofendido a pleitear indenização por perdas e danos. Nesse aspecto, a lei se distingue das normas sociais. Segundo a sua força obrigatória, as leis podem ser: a) cogentes ou injuntivas: são as leis de ordem pública, e, por isso, não podem ser modificadas pela vontade das partes ou do juiz. Essas leis são imperativas, quando ordenam um certo comportamento; e proibitivas, quando vedam um comportamento. b) supletivas ou permissivas: são as leis dispositivas, que visam tutelar interesses patrimoniais, e, por isso, podem ser modificadas pelas partes. Tal ocorre, por exemplo, com a maioria das leis contratuais. É importante pontuar que, segundo a intensidade da sanção, as leis podem ser: a) perfeitas: são as que preveem como sanção à sua violação a nulidade ou anulabilidade do ato ou negócio jurídico; b) mais que perfeitas: são as que preveem como repreensão à sua violação, além da anulação ou anulabilidade, uma sanção ao agente violador; c) menos que perfeitas: são as que estabelecem como sanção à sua violação uma consequência diversa da nulidade ou anulabilidade; d) imperfeitas: são aquelas cuja violação não acarreta qualquer consequência jurídica, de modo que o ato não é nulo, e o agente não é punido. 3 4. LEI DE EFEITO CONCRETO Lei de efeito concreto é a que produz efeitos imediatos, trazendo em si mesma o resultado específico pretendido pela norma. São leis voltadas para aspectos e condutas determinadas, mitigando, portanto, as características da generalização e da abstração. São exemplos de lei de efeito concreto: leis orçamentárias; lei que dá nome a uma ponte ou a uma escola pública. Uma consequência importante relativa à lei de efeito concreto é o cabimento do mandado de segurança simplesmente em razão da vigência da lei, sem a necessidade de produção de provas. As leis de efeito concreto, pura e simplesmente em razão de sua vigência, já viabilizam o manejo de mandado de segurança preventivo para tutelar pretensão subjetiva: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ISS. CABIMENTO. LEI DE EFEITOS CONCRETOS. 2. Em se tratando de lei de efeitos concretos, uma vez que basta a vigência da lei instituidora da base de cálculo do tributo para que haja a incidência da respectiva exação aos fatos geradores ocorridos, ferindo direito subjetivo, é despicienda a produção de provas que comprove a situação de risco da impetrante. Assim, plenamente cabível o mandado de segurança impetrado com o objetivo de afastar a incidência do tributo em questão. (REsp 1150865/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 02/12/2010) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ART. 1º DA LEI 1.533⁄51. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO CONTRA LEI QUE CRIA FATO GERADOR DE TRIBUTO. ISS INCIDENTE SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS. ACÓRDÃO EMBASADO EXCLUSIVAMENTE EM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. 3. "Doutrina e jurisprudência entendem que, se a lei gera efeitos concretos, ferindo direito subjetivo, é o mandado de segurança via adequada para impugná-la, o que afasta o enunciado da Súmula 266⁄STF." (REsp 899.908⁄DF, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 16.12.2008) (AgRg no REsp 1.031.053⁄PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJe de 5.8.2009) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - CABIMENTO - INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 266/STF - RESOLUÇÃO 3166/2001 - BENEFÍCIO FISCAL RESTRITIVO - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO - PRODUTOS QUE COMPÕEM CESTA BÁSICA - LEI DE EFEITOS CONCRETOS. 1. Doutrina e jurisprudência entendem que, se a lei gera efeitos concretos quando é publicada, ferindo direito subjetivo, é o mandado de segurança via adequada para impugná- la. (RMS 24.608/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 21/11/2008) 4 Ainda sobre o tema, Hely Lopes especifica que “entendem-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem atividades ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto, por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança” (Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data. 12ª. ed., São Paulo: RT, 1989, p. 17). Apesar da divergência em torno do tema, o STF tem precedentes - em poucas hipóteses - acerca do cabimento do controle concentrado em relação a leis de efeitos concretos. É o caso da criação de municípios sem a observância dos preceitos constitucionais e das leis orçamentárias. 5. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO Dispõe o art. 1.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: Art. 1º - Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada. § 1.º - Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada. Vê-se, portanto, que a LINDB adotou o sistema do prazo de vigência único ou sincrônico, ou simultâneo, segundo o qual a lei entra em vigor de uma só vez em todo o país. Essa sistemática nem sempre foi assim, tendo o Brasil já adotado o sistema de vigência progressiva. O sistema de vigência sucessiva ou progressiva, pelo qual a lei entra em vigor aos poucos, era adotado pelo Código Civil de 1916, com previsão em seu art. 2º. Com efeito, três dias depois de publicada, a lei entrava em vigor no Distrito Federal, 15 dias depois no Rio de Janeiro, 30 dias depois nos Estados marítimos e em Minas Gerais, e 100 dias depois nos demais Estados. É importante ressaltar que, muito embora adotemos o sistema de vigência única, nada impede que a própria lei estabeleça o caráter progressivo de vigência, o que pode ser explicitado 5 na parte inicial do art. 1º. Assim, o princípio da vigência sincrônica não é absoluto. De todo modo, no silêncio, a lei entra em vigor simultaneamente em todo o território brasileiro. 5.1. Vacatio Legis Vacatio legis é o período que medeia entre a publicação da lei e a sua entrada em vigor. Tem a finalidade de fazer com que os futuros destinatários da lei a conheçam e se preparem para bem cumpri-la. A Constituição Federal não exige que as leis observem o período de vacatio legis. Aliás, normalmente, as leis entram em vigor na data da publicação. Cumpre salientar que, ao menos quanto à efetiva eficácia da norma, há hipóteses em que a vacatio legis é obrigatória: a) Lei que cria ou aumenta contribuição social para a Seguridade Social. Só pode entrar em vigor noventa dias após sua publicação (art. 195, § 6.º, da CF: As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b"). b) Ressalvadas as exceções constitucionais, lei que cria ou aumenta tributo. Só pode entrar em vigor noventa dias da data que haja sido publicada, conforme art. 150, III, c, da CF: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b). Observa-se, ainda, que o princípio da anterioridade tributária também limita a eficácia temporal da norma, operando os mesmos efeitos decorrentes da vacatio legis. Há também hipóteses em que a regra é a vigência imediata da norma: a) Atos Administrativos Normativos – Lei em sentido material: salvo disposição em contrário, entram em vigor na data da publicação (art. 103, I, do CTN). b) Emendas Constitucionais: no silêncio da emenda constitucional, tais atos normativos entram em vigor no dia da sua publicação. Além disso, há caso em que a vigência imediata da norma é imperativa, sem que se possa falar em vacatio legis: 6 Lei que cria ou altera o processo eleitoral: de acordo com a Constituição Federal de 1988, referida lei tem vigência imediata, na data da sua publicação, todavia, não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência (art. 16 da CF). 5.2. Cláusula de vigência Cláusula de vigência é a que indica a data a partir da qual a lei entra em vigor. Na ausência dessa cláusula, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada. Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, inicia-se três meses depois de oficialmente publicada. Como se observa, a cláusula de vigência não é postulado obrigatório das leis. É importante salientar que a previsão de vigência da lei brasileira nos estados estrangeiros não é medida inócua e não viola a soberania. A previsão é voltada para embaixadas, consulados, brasileiros residentes no estrangeiro e para todos os que fora do Brasil tenham, de alguma forma, interesses regulados pela lei brasileira, especialmente contratos privados internacionais que tenham seus efeitos estendidos ao território nacional ou qualquer de seus termos submetidos à lei brasileira. A previsão de vigência alcança todas as espécies normativas, de todos os entes da federação. Conforme preceitua o § 2.º do art. 8.º da LC 95/1998, as leis que estabelecem período de vacância deverão utilizar a cláusula “esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial”. No silêncio, porém, o prazo de vacância é de 45 dias, de modo que continua em vigor o art. 1º da LINDB. 5.3. Forma de contagem do prazo de Vacatio Legis Quanto à contagem do prazo de vacatio legis, dispõe o art. 8.º, § 1.º, da LC 95/98, que deve ser incluído o dia da publicação e o último dia, devendo a lei entrar em vigor no dia seguinte. Conta-se o prazo dia a dia, inclusive domingos e feriados, sem qualquer interrupção ou suspensão. Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão. § 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral. 7 § 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’. 5.4. Lei corretiva Pode ocorrer de a lei ser publicada com incorreções e erros materiais. Nesse caso, se a lei ainda não entrou em vigor, para corrigi-la, não é necessária nova lei, bastando a repetição da publicação, sanando-se os erros, reabrindo‐se o prazo da vacatio legis em relação aos artigos republicados. Por outro lado, se a lei já entrou em vigor, a sua correção exige a edição de uma nova norma, que é denominada de lei corretiva, aplicando-se, também em relação a ela, as disposições do art. 1º da LINDB. É o que se observa dos §§ 3º e 4º da LINDB: § 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. § 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. 5.5. Princípio da continuidade normativa e revogação O art. 2º da LINDB consagra o princípio da continuidade da lei. Além disso, estabelece elementos específicos acerca da revogação da norma: Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. A revogação pode ser expressa ou tácita. A revogação expressa ou direta é aquela em que a lei indica os dispositivos que estão sendo por ela revogados. A propósito, dispõe o art. 9º da LC 95/98, com redação dada pela LC 107/2001: 8 “A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”. A revogação tácita ou indireta ocorre quando a nova lei é incompatível com a lei anterior, contrariando-a de forma absoluta. É importante salientar que a revogação, diante do princípio da continuidade da lei, jamais se presume. Nesse aspecto, não se confunde revogação tácita, que ocorre quando não há dispositivo específico na lei nova a indicar a revogação da lei anterior, mas que depende de comprovação da efetiva incompatibilidade de conteúdo, com revogação presumida, em que, independentemente da análise de conteúdo, se atribui a revogação da norma pelo simples fato da entrada em vigor de nova lei. Com isso, enquanto que na revogação expressa não há qualquer necessidade de análise de compatibilidade normativa, pois a revogação pode decorrer da simples conveniência do parlamento, bastando a mera indicação dos dispositivos a serem revogados, na revogação tácita é imperativa a demonstração da incompatibilidade normativa. A revogação ainda pode ser total ou parcial. A revogação total é denominada de ab-rogação, tornando-se sem efeito uma norma de forma integral, com supressão total de seu texto normativo, como ocorreu com o Código Civil de 1916, quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002. A revogação parcial é denominada de derrogação e ocorre quando uma lei nova torna sem efeito apenas parte de uma lei anterior, como ocorreu com a primeira parte do Código Comercial, revogada pelo Código Civil de 2002. A revogação global ocorre quando a lei revogadora disciplina inteiramente a matéria disciplinada pela lei antiga. Nesse caso, os dispositivos legais não repetidos são revogados, ainda que compatíveis com a nova lei. Regular inteiramente a matéria significa discipliná‐la de maneira global, no mesmo texto. Deve-se lembrar que, em razão do modelo federativo adotado pelo Brasil, não há hierarquia entre lei federal, lei estadual e lei municipal. Por essa razão, não há nenhuma possibilidade de um ente federativo revogar lei editada por outro ente. Qualquer incompatibilidade normativa se resolve com a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo violador de competência federativa ou no plano da eficácia, como, por exemplo, com a suspensão da norma estadual que 9 afronta orientação geral editada pela União no âmbito da competência federativa legislativa concorrente (art. 24, da CF/88). O § 3º trata do tema relativo à repristinação. A repristinação é um fenômeno legislativo no qual há, novamente, a entrada em vigor de uma norma efetivamente revogada, pela revogação da norma que a revogou. Ou seja, ocorre apenas no plano legislativo, na análise da sucessão das normas. De acordo com a LINDB, a repristinação deve ser expressa, dada a dicção do artigo 2º, § 3º da LINDB: § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Já o efeito repristinatório advém do controle concentrado de constitucionalidade. A decisão que reconhece a inconstitucionalidade é declaratória. E a decisão declaratória apenas reconhece determinada situação, no caso, a nulidade. Com isso, a norma que nasce nula (declarada inconstitucional) não poderia revogar a anterior validamente. Assim, o efeito repristinatório é a reentrada em vigor de norma aparentemente revogada, ocorrendo quando uma norma que revogou outra é declarada inconstitucional. 6. DESCONHECIMENTO DA LEI, LACUNAS E INTEGRAÇÃO Especifica o art. 3º da LINDB que o desconhecimento da norma não pode ser razão para se furtar de seu cumprimento: Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando não a conhecer, o que traz, com consequência, de regra, a desnecessidade de prova em juízo da norma aplicável ao caso concreto, uma vez que os juízes conhecem a lei nacional. É importante lembrar que a imposição de conhecimento da lei não é absoluta, havendo hipóteses em que, expressamente, o direito venha a admitir o erro de direito, como no caso de erro de proibição no Direito Penal. Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. O magistrado, no desempenho de sua função, tem à sua disposição a possibilidade de fazer a subsunção de norma jurídica ou a integração da norma jurídica. A subsunção é a perfeita 10 aplicação da norma abstrata ao caso concreto, de modo que o juiz recorre a uma lei exatamente adequada ao caso concreto que lhe cabe analisar. Já a integração prevê que o julgador possa se socorrer de outras ferramentas sempre que se deparar com uma lacuna, ou seja, caso ele não possa julgar de acordo com a exata lei que se adeque ao caso concreto. Assim, pela aplicação das diversas fontes do Direito, quando a lei não for omissa, o juiz pode chegar ao pleno desfecho do caso concreto. No que se refere às fontes do Direito, pode-se apontar a existência de fonte primária ou imediata, qual seja, a lei; e de fontes secundárias ou supletivas, que são as utilizadas para suprir as lacunas, como a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (disposição do art. 4º da LINDB), acrescidas da doutrina, jurisprudência e equidade. Prevalece o entendimento no sentido de que a lacuna é unicamente da norma, mas não do ordenamento jurídico, que sempre comportará solução para o conflito apresentado. A analogia configura método integrativo que ocorre quando o julgador, não conseguindo buscar para o caso concreto lei perfeitamente adequada, socorre-se de outra, ao menos similar, que lhe auxilie na formação de seu convencimento. Há duas espécies de analogia: analogia legal ou legis e analogia jurídica ou juris. Na analogia legal, busca-se obter a norma adequada à disciplina do caso, a partir de outro dispositivo legal. Na analogia jurídica, infere-se a norma a partir de todo o sistema jurídico, utilizando-se da doutrina, jurisprudência, princípios específicos do tema e até mesmo os princípios gerais do direito. Os costumes se constituem de valores ou condutas previstas em um dado momento, em determinado grupo social, que passam a ser tomados como forma de interpretar para solucionar o caso concreto. Costume é uma norma jurídica sobre determinada relação de fato resultante da prática diuturna e uniforme, que lhe dá força de lei. Isso porque a consciência da obrigatoriedade da conduta é um dos elementos integrantes do costume. Podem se apontar três espécies de costumes, quais sejam: o secundum legem, previsto no texto escrito, que a ele se refere e o manda observá-lo em certos casos, como direito subsidiário; praeter legem, que substitui a lei nos casos por ela deixados em silencio; preenche as lacunas das normas positivas e serve também como elemento de interpretação; e contra legem, que se forma em sentido contrário ao das disposições escritas. Os princípios gerais de Direito são aqueles preceitos que, compondo ou não conjunto de leis escritas, norteiam de forma indissociável as relações de direito. Exemplificativamente, temos o princípio da dignidade humana, da boa-fé e da igualdade. 11 Por fim, apesar de não haver uniformidade quanto ao tema, podem ser destacadas como critérios integrativos a jurisprudência, que é o conjunto de decisões reiteradas e uniformes sobre um mesmo assunto, e a doutrina, constituída por obras intelectuais apresentadas pelos estudiosos do Direito. Questão polêmica diz respeito se a opção do magistrado pelos elementos de integração deve seguir a ordem indicada pela LINDB. Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, “os métodos de integração estão contemplados no art. 4º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro, estabelecendo uma ordem preferencial e taxativa. Assim, são mecanismos de integração: 1) a analogia; 2) os costumes; 3) os princípios gerais do direito”. Por fim, vejamos o teor do art. 5º da LINDB, que traz diretrizes hermenêuticas ao magistrado quando da aplicação da lei. Perceba que a LINDB busca valorizar a socialidade, de modo a abandonar a visão individualista dos institutos jurídicos outrora consagrada pelo CC/16. Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. 7. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA E DA ESTABILIDADE SOCIAL De acordo com esse princípio, previsto no art. 5º, inc. XXXVI da CF, a lei não pode retroagir para violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Devem ser respeitadas, portanto, as relações jurídicas constituídas sob a égide da lei revogada. O mesmo tratamento é dado ao tema pela LINDB: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré- estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. Direito Adquirido: é o que pode ser exercido desde logo, por já ter sido incorporado ao patrimônio jurídico da pessoa. O §2º do art.6º da LINDB considera também adquirido: a) O direito sob termo. O art. 131 do CC também reza que o termo, isto é, o fato futuro e 12 certo, suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. b) O direito sob condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem. Ato Jurídico Perfeito: é o já consumado de acordo com a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Exemplo: contrato celebrado antes da promulgação do Código Civil não é regido por este diploma legal, e sim pelo Código Civil anterior. A ressalva, contudo, diz respeito aos contratos que surtirão efeitos na vigência do atual Código Civil, que poderão ser por ele regulados. Essa mesma sistemática se aplica aos contratos de consumo, que, embora firmados antes da entrada em vigor do CDC, serão por ele regidos, como, por exemplo, no caso de renovação do seguro. Coisa Julgada: é o efeito decorrente da decisão judicial resultando em sua imutabilidade, circunstância alcançada quando a decisão judicial não está mais submetida a recurso. É a imutabilidade da decisão. Devemos lembrar que a Constituição Federal não impede a edição de leis retroativas; veda apenas a retroatividade que atinja o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. A retroatividade é possível mediante dois requisitos: a) cláusula expressa de retroatividade, ressalvada a situação de norma penal mais benéfica; b) respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Assim, a retroatividade não se presume, deve resultar de texto expresso em lei e desde que não viole o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Como visto, a exceção fica por conta da lei penal benéfica, cuja retroatividade é automática, vale dizer, independe de texto expresso, violando inclusive a coisa julgada. Podemos, então, elencar três situações de retroatividade da lei: a) lei penal benéfica; b) lei com cláusula expressa de retroatividade, desde que não viole o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. c) lei interpretativa: é a que esclarece o conteúdo de outra lei, tornando obrigatória uma exegese, que já era plausível antes de sua edição. É a chamada interpretação autêntica ou legislativa. A lei interpretativa não cria situação nova; ela simplesmente torna obrigatória uma 13 exegese que o juiz, antes mesmo de sua publicação, já podia adotar. Aludida lei retroage até a data de entrada em vigor da lei interpretada, aplicando-se, inclusive, aos casos pendentes de julgamento, respeitando apenas a coisa julgada. Questão dilemática na doutrina diz respeito ao disposto no art. 2.035, parágrafo único, do Código Civil: Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. A norma encontra-se inserida nas disposições finais e transitórias do Código Civil. Apesar da divergência, há entendimento no sentido de que o parágrafo único do art. 2.035 do CC, ao prever a retroatividade mínima das normas de ordem pública, tais como as que visam assegurar a função social da propriedade e dos contratos, alinha-se à ordem constitucional. Assim, referido dispositivo legal consagrou a retroatividade das normas de ordem pública, acolhendo o posicionamento doutrinário de Serpa Lopes. Tecnicamente, o que se tem não é efetivamente uma retroatividade, mas a aplicação imediata da norma de ordem pública, quando afetar relação jurídica estatutária, alcançando os efeitos dos atos consolidados na vigência da norma pretérita – retroatividade mínima. Sobre o tema, o STF proferiu importante julgado ressaltando a aplicação imediata das normas de ordem pública: CONSTITUCIONAL E ECONÔMICO. SISTEMA MONETÁRIO. PLANO REAL. NORMAS DE TRANSPOSIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES MONETÁRIAS ANTERIORES. INCIDÊNCIA IMEDIATA, INCLUSIVE SOBRE CONTRATOS EM CURSO DE EXECUÇÃO. ART. 21 DA MP 542/94. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À MANUTENÇÃO DOS TERMOS ORIGINAIS DAS CLÁUSULAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. A aplicação da cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, a preservação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI) impõe distinguir duas diferentes espécies de situações jurídicas: (a) as situações jurídicas individuais, que são formadas por ato de vontade (especialmente os contratos), cuja celebração, quando legítima, já lhes outorga a condição de ato jurídico perfeito, inibindo, desde então, a incidência de modificações legislativas supervenientes; e (b) as situações jurídicas institucionais ou estatutárias, que são formadas segundo normas gerais e abstratas, de natureza cogente, em cujo âmbito os direitos somente podem ser considerados adquiridos quando inteiramente formado o suporte fático previsto na lei como necessário à sua incidência. Nessas situações, as normas supervenientes, embora não comportem aplicação 14 retroativa, podem ter aplicação imediata. 2. Segundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as normas que tratam do regime monetário - inclusive, portanto, as de correção monetária -, têm natureza institucional e estatutária, insuscetíveis de disposição por ato de vontade, razão pela qual sua incidência é imediata, alcançando as situações jurídicas em curso de formação ou de execução. É irrelevante, para esse efeito, que a cláusula estatutária esteja reproduzida em ato negocial (contrato), eis que essa não é circunstância juridicamente apta a modificar a sua natureza. (RE 211304, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2015, DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015 EMENT VOL-03992-02 PP-00339) Outro ponto importante acerca da eficácia da norma está relacionado ao grau de retroatividade. Nesse aspecto, a retroatividade pode ser mínima, média e máxima. A explicação do tema é extraída dos ensinamentos de Dirley da Cunha Júnior (https://dirleydacunhajunior.jusbrasil.com.br/artigos/198257086/distincao-entre- retroatividade-maxima-media-e-minima). “Em relação às Leis, normalmente elas dispõem para o futuro, não alcançando os atos anteriores (ou seus efeitos), que continuam sujeitos à lei antiga, do tempo em que foram praticados (tempus regit actum). Todavia, excepcionalmente, é possível uma lei nova retroagir para alcançar atos anteriores ou os seus efeitos. Essa retroatividade excepcional varia de intensidade ou grau, podendo ser máxima, média e mínima. Ocorre a retroatividade máxima (também chamada restitutória) quando a lei nova retroage para atingir os atos ou fatos já consumados (direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada). A retroatividade média, por outro lado, se opera quando a nova lei, sem alcançar os atos ou fatos anteriores, atinge os seus efeitos ainda não ocorridos (efeitos pendentes). É o que ocorre, por exemplo, quando uma nova lei, que dispõe sobre a redução da taxa de juros, aplica-se às prestações vencidas de um contrato, mas ainda não pagas. Já a retroatividade mínima (também chamada temperada ou mitigada) se verifica quando a novel lei incide imediatamente sobre os efeitos futuros dos atos ou fatos pretéritos, não atingindo, entretanto, nem os atos ou fatos pretéritos nem os seus efeitos pendentes. Dá- se essa retroatividade mínima, quando, por exemplo, a nova lei que reduziu a taxa de juros somente se aplicar às prestações que irão vencer após a sua vigência (prestações vincendas). A aplicação imediata de uma lei, que atinge os efeitos futuros de atos ou fatos pretéritos, corresponde a uma retroatividade, ainda que mínima ou mitigada, pois essa lei retroage para interferir na causa, que é o próprio ato ou fato ocorrido no passado. Sucede, porém, que no Direito brasileiro não é possível se falar em retroatividade da lei, salvo nas situações permitidas na Constituição (exemplo: retroatividade da lei penal benigna), pois o princípio da irretroatividade, por ser uma garantia constitucional (CF, art. 5º, XXXVI), vincula tanto o legislador infraconstitucional como o legislador constitucional 15 derivado (reformador e decorrente), sendo inconstitucional qualquer lei ou emenda constitucional que retroaja para ferir direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Entretanto, em relação às Constituições, salvo disposição nela expressa em contrário, as normas constitucionais originárias gozam de retroatividade mínima, pois aplicam-se, quando self executing (auto-aplicáveis), imediatamente, alcançando, inclusive, os efeitos futuros de atos ou fatos anteriores. Isto é, as Constituições têm vigência imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Porém, as normas constitucionais, salvo disposição expressa em contrário (pois a Constituição pode fazê-lo), não alcançam os atos ou fatos consumados no passado (retroatividade máxima) nem os seus efeitos pendentes (retroatividade média). Cumpre observar, portanto, a distinção de tratamento entre as Leis e as Constituições, relativamente à sua retroatividade. Salvo as permissões constitucionais, as leis não retroagem, pois as impede desse efeito o princípio constitucional da irretroatividade, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Aplicam-se, assim, para o futuro, alcançando apenas os novos atos e situações e seus novos efeitos. Já as Constituições têm retroatividade mínima, na medida em que se aplicam imediatamente e alcançam até os efeitos futuros de atos ou fatos passados. Mas é possível, se houver disposição expressa nesse sentido, embora não seja comum, que as Constituições apliquem-se aos fatos já consumados no passado (retroatividade máxima) ou aos efeitos pendentes (retroatividade média). [Tendo em vista que o Poder Constituinte Originário é ilimitado juridicamente]. Já se firmou a jurisprudência do STF no sentido de que os dispositivos constitucionais têm vigência imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Porém, salvo disposição expressa em contrário – e a Constituição pode fazê-lo –, eles não alcançam os fatos consumados no passado nem seus efeitos pendentes (retroatividades máxima e média) (RE 242740/GO, Rel. Min. MOREIRA ALVES, J. 20/03/2001). Mas é imperioso advertir que somente as normas constitucionais federais é que, por terem aplicação imediata, alcançam os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima), e se expressamente o declararem podem alcançar até fatos consumados no passado (retroatividades média e máxima). Não assim, porém, as normas constitucionais estaduais que estão sujeitas à vedação do artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna Federal, inclusive a concernente à retroatividade mínima que ocorre com a aplicação imediata delas (AI 258337 AgR/MG, Rel. Min. MOREIRA ALVES, J. 06/06/2000). Enfim, como já decidiu o STF, os dispositivos constitucionais (quando auto-aplicáveis) - exceto se expressamente determinarem que as suas normas alcançam os fatos consumados no passado (retroatividade máxima) - só se aplicam para o futuro, podendo, nesse caso, ter eficácia retroativa mínima, por alcançarem também os efeitos, que se produzem posteriormente à promulgação da Constituição, embora decorrentes de fatos ocorridos anteriormente a ela, mas que persistem como causa produtora desses efeitos (RE 161320/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES, J. 25/08/1998).” Ainda sobre o tema, são relevantes as seguintes informações: Direito Adquirido e Instituto Jurídico ou Estatuto Jurídico. O STF entende que não há direito adquirido a regime jurídico de determinado instituto de direito. Quer isso dizer que se a 16 lei nova modificar o regime jurídico de determinado instituto de direito (como é o direito de propriedade), essa modificação se aplica de imediato. Nesse sentido: DIREITO ADQUIRIDO. NÃO OFENDE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO RESPEITO AO DIREITO ADQUIRIDO PRECEITO DE LEI QUE ESTABELECE UMA "CONDICIO IURIS" PARA A CONSERVAÇÃO DE DIREITO ABSOLUTO ANTERIORMENTE CONSTITUIDO, E DETERMINA QUE, DENTRO DE CERTO PRAZO, SEJA ELA OBSERVADA PELO TITULAR DESTE DIREITO, SOB PENA DE DECAIR DELE. NÃO HÁ DIREITO ADQUIRIDO AO REGIME JURÍDICO DE UM INSTITUTO DE DIREITO, COMO O E A PROPRIEDADE DE MARCA. E, POIS, CONSTITUCIONAL O ARTIGO 125 DO CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (LEI 5772, DE 21.12.71). RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO (STF, RE 94020, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 04/11/1981, DJ 18-12-1981 PP-12943 EMENT VOL-01239-04 PP-00280 RTJ VOL-00104-01 PP-00269). O STF também entende que não há direito adquirido a Regime Jurídico de Servidor Público. Posição do STF pelo Direito Adquirido. Há direito adquirido: 1. aos proventos conforme lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos da inatividade, ainda quando só requerida após a lei menos favorável; 2. à conversão de licença-prêmio não gozada em tempo de serviço (quando reunidos os requisitos ao tempo da lei anterior permissiva); 3. ao direito à irredutibilidade de vencimentos (alteração do regime legal, ainda que admitida, não pode conduzir à diminuição do quanto já percebido). Posição do STF no sentido de não haver ofensa a Direito Adquirido: 1. se no curso do processamento de pedido de licença de construção em projeto de loteamento, surge nova lei estabelecendo novas regras. Terá que haver adaptação: LOTEAMENTO URBANO. APROVAÇÃO POR ATO ADMINISTRATIVO, COM DEFINIÇÃO DO PARCELAMENTO. REGISTRO IMOBILIÁRIO. Ato que não tem o efeito de autorizar a edificação, faculdade jurídica que somente se manifesta validamente diante de licença expedida com observância das regras vigentes à data de sua expedição. Caso em que o ato impugnado ocorreu justamente no curso do processamento do pedido de licença de construção, revelando que não dispunha a recorrida, ainda, da faculdade de construir, inerente ao direito de propriedade, descabendo falar-se em superveniência de novas regras a cuja incidência pudesse pretender ela estar imune. Da circunstância de plantas do loteamento haverem sido arquivadas no cartório imobiliário com anotações alusivas a índices de ocupação não decorre direito real a tais índices, à ausência não apenas de ato de aprovação de projeto e edificação, mas, também, de lei que confira ao registro tal efeito. Legitimidade da exigência administrativa de adaptação da proposta de construção às regras do Decreto nº 3.046/81, disciplinador do uso do solo, na área do loteamento. Recurso 17 conhecido e provido (STF, RE 212.780, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 27/04/1999, DJ 25-06-1999 PP-00030 EMENT VOL-01956-06 PP-01145) 2. na aplicabilidade da Lei 8.009 – impenhorabilidade do bem de família – às execuções já em curso quando do início da vigência da lei; I. Bem de família: impenhorabilidade legal (L. 8.009/90): aplicação à dívida constituída antes da vigência da L. 8.009/90, sem ofensa de direito adquirido ou ato jurídico perfeito: precedente (RE 136.753, 13.02.97, Pertence, DJ 25.04.97). 1. A NORMA QUE TORNA IMPENHORÁVEL DETERMINADO BEM DESCONSTITUI A PENHORA ANTERIORMENTE EFETIVADA, SEM OFENSA DE ATO JURÍDICO PERFEITO OU DE DIREITO ADQUIRIDO DO CREDOR. 2. Se desconstitui as penhoras efetivadas antes da sua vigência, com maior razão a lei que institui nova hipótese de impenhorabilidade incide sobre a que se pretenda realizar sob a sua vigência, independentemente da data do negócio subjacente ao crédito exequendo. II. Recurso extraordinário: descabimento: a caracterização ou não do imóvel como bem de família é questão de fato, decidida pelas instâncias de mérito à luz da prova, a cujo reexame não se presta o RE: incidência da Súmula 279. III. Alegações improcedentes de negativa de prestação jurisdicional e inexistência de motivação do acórdão recorrido (STF, RE 497.850, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 26/04/2007, DJe-018 DIVULG 17- 05-2007 PUBLIC 18-05-2007 DJ 18-05-2007 PP-00084 EMENT VOL-02276-26 PP-05357 RJSP v. 55, n. 357, 2007, p. 141-143 RJSP v. 55, n. 355, 2007, p. 135-137 RJP v. 3, n. 16, 2007, p. 116-119 LEXSTF v. 29, n. 343, 2007, p. 284-287) 3. na perda dos dias remidos com base no art. 127 da LEP, em razão do cometimento de falta grave (tal matéria foi assim tratada na Súmula Vinculante nº 9); 4. na cassação de aposentadoria pela prática, na atividade, de falta disciplinar punível com demissão; 5. na norma legal que estabelece novos prazos prescricionais, excepcionada a matéria penal, em que deve ser aplicada a norma mais benéfica. Coisa Julgada e Decisão do TCU. Segundo o STF, há ofensa à coisa julgada na decisão do TCU que determina a exclusão de vantagem anteriormente incorporada por decisão judicial: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIDOR PÚBLICO: VANTAGEM DEFERIDA POR SENTENÇA JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. TRIBUNAL DE CONTAS: DETERMINAÇÃO NO SENTIDO DA EXCLUSÃO DA VANTAGEM. COISA JULGADA: OFENSA. CR, art. 5º, XXXVI. I. - A segurança preventiva pressupõe existência de efetiva ameaça a direito, ameaça que decorre de atos concretos da autoridade pública. Inocorrência, no caso, desse pressuposto da segurança preventiva. II. - Vantagem pecuniária, incorporada aos proventos de aposentadoria de servidor público, por força de decisão judicial transitada em julgado: não pode o Tribunal de Contas, em caso assim, determinar a supressão de tal vantagem, por isso que a situação jurídica coberta pela coisa julgada somente pode ser modificada pela via da ação rescisória. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - Mandado de Segurança preventivo não conhecido. Mandado de Segurança conhecido e deferido relativamente ao servidor atingido pela decisão do TCU (STF, MS 25009, Relator(a): Min. 18 CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2004, DJ 29-04-2005 PP-00008 EMENT VOL-02189-02 PP-00229 LEXSTF v. 27, n. 319, 2005, p. 135-150 RTJ VOL-00194- 02 PP-00594) 8. SITUAÇÕES DE INEFICÁCIA DA LEI A eficácia de uma lei pode ser afetada nas seguintes situações: a) caducidade: ocorre pela superveniência de uma situação cronológica ou factual que torna a norma inaplicável, sem que ela precise ser revogada. Exemplo: leis de vigência temporária. b) desuso: é a cessação do pressuposto de aplicação da norma. Exemplo: a lei que proíbe a caça da baleia deixará de ser aplicada se porventura desaparecerem todas as baleias do planeta. c) costume negativo ou contra legem: é o que contraria a lei. O costume não pode revogar a lei, por força do princípio da continuidade das leis. Todavia, é inegável que ele pode gerar a ineficácia da lei, especialmente quando não se trate de lei de ordem pública. d) decisão do STF declarando a lei inconstitucional em controle concentrado de constitucionalidade. Cumpre observar que essa decisão judicial não revoga a lei, apenas declara sua nulidade, o que, por consequência, afeta a sua eficácia. e) resolução do Senado Federal cancelando a eficácia de lei declarada incidentalmente inconstitucional pelo STF (controle por via de exceção ou difuso). Quanto a esse ponto, cabe uma observação importante. Em revisão ao seu entendimento, o STF se manifestou no sentido de que houve mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88. A nova interpretação deve ser a seguinte: quando o STF declara uma lei inconstitucional, mesmo em sede de controle difuso, a decisão já tem efeito vinculante e "erga omnes" e o STF apenas comunica ao Senado com o objetivo de que a referida Casa Legislativa dê publicidade daquilo que foi decidido. (STF. Plenário. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 29/11/2017 (Info 886). f) princípio da anterioridade da lei tributária, pois, uma vez publicada, sua eficácia permanece suspensa até o exercício financeiro seguinte. Da mesma forma, aplica-se à anterioridade nonagesimal. g) a lei que altera o processo eleitoral entra em vigor na data de sua publicação, mas não tem eficácia em relação à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. A PARTIR DOS TÓPICOS SEGUINTES, A LEITURA DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS É MAIS 19 QUE SUFICIENTE PARA A SOLUÇÃO DAS QUESTÕES COBRADAS EM PROVAS OBJETIVAS. POR ISSO, RECOMENDAMOS A LEITURA ATENTA DOS CORRESPONDENTES DISPOSITIVOS. 9. REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO 9.1. Regras de regência de personalidade, nome, capacidade e direitos de família – local de domicílio No que se refere a tal aspecto, a LINDB elegeu o domicílio como elemento determinante de fixação do regramento: Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. § 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. § 3º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. § 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. § 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. § 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. § 7º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. § 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. 9.2. Regras de regência de bens – local da situação 20 Já no que se refere aos bens, a LINDB acabou por eleger o local da situação como elemento determinante para seu regramento: Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. § 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares. § 2º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada. 9.3. Regras de regência de obrigações – local da Constituição Já no que se refere às obrigações, a LINDB acabou por eleger o local de sua constituição como elemento determinante para seu regramento: Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem. § 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente. 9.4. Regras de regência de sucessão – local de domicílio do falecido ou desaparecido Já no que se refere à secessão, a LINDB acabou por eleger o local de domicílio do falecido ou fesaparecido como elemento determinante para seu regramento: Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. § 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. Porém, como se observado § 1º, em relação aos bens situados no Brasil e que resultem em benefício a brasileiro, a LINDB adotou a sistemática da regra mais favorável. 9.5. Regras de regência de sociedades e fundações – local de constituição da pessoa jurídica 21 Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituirem. § 1º Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. § 2º Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituido, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptiveis de desapropriação. § 3º Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares. 9.6. Regras de regência de competência jurisdicional Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. § 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. § 2º A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências. 9.7. Regras de regência de provas Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência. 9.8. Regras de regência de execução de sentença estrangeira Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; 22 e) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. (OBS: a lei ainda traz a referência ao STF, porém, houve revogação tácita pela EC 45/2004) 9.9. Outros dispositivos Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei. Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado. § 1º As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 2º É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública. 10. APROFUNDAMENTO DO TEMA: LINDB E ESTRUTURA DA NORMA DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Aqui, faremos um aprofundamento teórico do tema, com abordagem dos aspectos técnicos pertinentes ao Direito Internacional Privado, destacando suas particularidades e tecnicismo linguístico. 10.1. Considerações gerais O direito aplicável a uma relação de direito privado com conexão internacional é sempre o nacional ou um determinado direito estrangeiro. Em regra, as normas de Direito Internacional Privado, como as previstas na LINDB, especialmente dos artigos que se seguem do 7º ao 19, apenas indicam qual direito será aplicado. Elas não concretizam, propriamente, qualquer direito. Entretanto, uma pequena parcela de normas do Direito Internacional Privado desempenha 23 funções auxiliares às normas indicativas. Para essa parcela, a doutrina deu o nome de NORMAS CONCEITUAIS OU QUALIFICADORAS. Tais normas devem ser interpretadas e aplicadas ao caso concreto. 10.2. Norma indicativa ou indireta do direito internacional privado Como visto, elas se limitam a indicar o direito aplicável. São a regra no que diz respeito às normas de conexão internacional. Elas podem ser: a) Unilaterais: declaram apenas uma única ordem jurídica como aplicável, em regra a doméstica. É o caso do art. 7º da LINDB, em que há a indicação de um único ordenamento para regular o objeto normativo nele previsto: Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. b) Bilaterais: indicam como aplicáveis ou as normas de direito doméstico ou as de direito estrangeiro. Aqui, geralmente, a faculdade recai sobre um regime de norma mais benéfica. É o caso do § 1º, do art. 10 da LINDB, em que é possível aplicar o ordenamento nacional ou estrangeiro para regular o objeto normativo nele previsto: Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. Toda norma indicativa ou indireta do Direito Internacional Privado é composta, necessariamente, por duas partes: a) Objeto de conexão: descreve a matéria à qual se refere uma norma indicativa ou indireta do Direito Internacional Privado, abordando, dessa forma, sempre questões jurídicas vinculadas a fatos ou elementos de fatores sociais com conexão internacional. Alude a conceitos jurídicos, como obrigações, contratos, nome etc. Existindo fatos ou elementos de fatores sociais com conexão internacional, a tarefa do juiz é verificar se é possível enquadrá-los no objeto de conexão de uma norma indicativa ou indireta do Direito Internacional Privado da lex fori (pelo qual é aplicável a lei do lugar do foro, ou seja, a norma do lugar onde se desenvolve a relação jurídica). É, mais uma vez, o que se denomina QUALIFICAÇÃO, ATO DE SUBSUNÇÃO DO FATO AO CONCEITO JURÍDICO CONTIDO NO OBJETO DE CONEXÃO. Por exemplo, se duas pessoas se “juntaram” no 24 exterior, o juiz deverá ver se esse “ajuntamento” se qualifica no Brasil como união estável. Em síntese, o objeto de conexão é a matéria que justifica a relação jurídica de Direito Internacional Privado. b) Elemento de conexão: é a parte da norma que torna possível a determinação do direito aplicável, aquela que faz a determinação e remissão ao ordenamento que deve ser aplicado. Pode ser subdivido em duas classificações: 1. Elemento de conexão subjetivo: quando se faculta às próprias partes de um negócio jurídico escolher o direito aplicável. 2. Elemento de conexão objetivo: quando as partes não estão autorizadas por lei a escolher o direito aplicável ou, estando, esta escolha não é feita. Assim, para determinar o direito aplicável, primeiro deverá o juiz realizar a qualificação para saber qual objeto de conexão trata a norma, que tema, que matéria é objeto de análise; determinado o objeto, na própria norma de referência, o magistrado avaliará o elemento de conexão, o qual indicará o direito aplicável. Tomemos como exemplo o caput do art. 9º da LINDB: “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Assim, num contrato de compra e venda celebrado na Inglaterra entre um brasileiro e um francês, tem-se que a qualificação de um contrato é de obrigação. Logo, feito o juízo de subsunção, verifica-se que o objeto de conexão da situação seria a obrigação contratual em si. Dessa forma, a lei determina que caberá ao direito inglês a regência das relações jurídicas advindas, de acordo com a lei de direito internacional privado brasileira, visto que lá foi constituída a obrigação contratual. Evidentemente que essas partes, se tivessem se valido do elemento de conexão subjetivo, o que seria plenamente possível no caso em análise pela estipulação de clausura de eleição de foro 1ª Etapa: Qualificação do objeto de conexão 2ª Etapa: Identificação do elemento de conexão aplicável 25 em contrato internacional, poderiam ter eleito o direito francês, o brasileiro ou mesmo o chinês como ordenador das obrigações. 10.3. Qualificação A QUALIFICAÇÃO AFETA APENAS O OBJETO DE CONEXÃO, nunca o elemento de conexão. A qualificação é o ato prévio de interpretação do operador do direito, geralmente o magistrado, mediante o qual ele verifica qual o significado de um instituto jurídico no país originário da norma aplicável por determinação do elemento de conexão. A QUALIFICAÇÃO É A ANÁLISE DO DIREITO OU DA RELAÇÃO JURÍDICA OBJETO DE CONEXÃO NO DIREITO INTERNACIONAL. ANALISA-SE O INSTITUTO JURÍDICO, E NÃO A NORMA A SER APLICADA. Ela não se presta ao exame de fatos, mas sim de questões jurídicas. Há problemas em relação à qualificação, pois a definição dos conceitos de objeto de conexão e a subsunção dos fatos à norma ocorrem de acordo com a lex fori (pelo qual é aplicável a lei do lugar do foro, ou seja, a norma do lugar onde se desenvolve a relação jurídica). Pode ocorrer de, nesse enquadramento, ao se fazer a remissão a um direito estrangeiro pelo elemento de conexão, o objeto de conexão do direito brasileiro não ter a mesma definição da lei alienígena. Como exemplo, pode-se citar o casamento. A definição de casamento brasileira pode ser diferente da do Quirguistão. Como proceder, por exemplo, se o elemento de conexão da norma determinar que a lei quirguistanense resolva a querela instalada sobre um casamento de brasileiros que lá residam, se a lei de lá não reconhece como casamento o fruto do procedimento civilista aqui adotado? Em síntese, o que é casamento aqui não o é lá. Logo, apesar de a norma determinar que a lei alienígena resolva o problema, a lei alienígena se recusará a tanto. No direito brasileiro, sempre se adotará para a qualificação a lex fori, adotando-se os conceitos internos, ressalvadas DUAS ÚNICAS EXCEÇÕES NAS QUAIS SE APLICARÁ A LEX CAUSAE1: qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes (art. 8º, LINDB) e 1 A "lex causae" é uma noção própria do direito internacional privado que corresponde à lei, como designada pelas normas de conflitos de leis, que rege o fundo do processo, ou seja, a questão de direito material relacionada ao pedido mediato. A "lex fori" é uma noção própria do direito internacional privado que significa a lei do tribunal em que a ação é proposta. A "lex loci delicti" é uma noção própria 26 qualificar e reger as obrigações (art. 9º). 10.4. Elementos de conexão Existem alguns elementos de conexão relativamente comuns adotados internacionalmente pelos países. Os mais utilizados são o domicílio e a nacionalidade. Sendo esses os elementos adotados, seus objetos de conexão correspondentes serão o ESTATUTO PESSOAL DA PESSOA FÍSICA. O estatuto pessoal da pessoa física determina o direito aplicável às suas relações pessoais de direito privado com conexão internacional. 10.4.1. Estatuto pessoal: o domicílio Atualmente, o elemento de conexão “domicílio” tem sido muito mais utilizado no Direito Internacional Privado do que a nacionalidade, já que é cada vez mais comum a vida no estrangeiro. Inclusive, é esse o elemento de conexão adotado pelo Brasil para reger o estatuto pessoal das pessoas físicas, apesar de não haver uma definição legal interna de domicílio (o conceito é doutrinário). O elemento de conexão “domicílio” determina que será aplicada ao conflito de leis no espaço a norma do domicílio de uma das partes. À luz do Direito Internacional Privado, a pessoa só pode ter um domicílio, ainda que a lei interna do país permita que tenha mais de um. Ele se encontra consagrado como elemento de conexão: Art. 7º A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. [...] § 3º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. § 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal. Art. 8º [...] do direito internacional privado, que corresponde à lei do país em que, em matéria de obrigações extracontratuais, se produz o fato danoso. 27 § 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares. § 2º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver A PESSOA EM CUJA POSSE SE ENCONTRE A COISA APENHADA. Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. [...] § 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. 10.4.2. Estatuto pessoal: a nacionalidade Elemento de conexão, também chamado lex patriae, determina a aplicação da norma do Estado do qual a pessoa é nacional aos conflitos de leis no espaço. Tem pouca aplicação hoje em dia no ordenamento brasileiro: Art. 7º [...] § 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de registro civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do consulado. § 1º As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 2º É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública. 10.4.3. Lex Fori Fora dos critérios vinculados ao estatuto pessoal, o elemento de conexão mais comum é o da lex fori, pelo qual é aplicável a lei do lugar do foro, ou seja, a norma do lugar onde se 28 desenvolve a relação jurídica. O critério também sempre se aplicará quando o direito estrangeiro não puder ser aplicado ou não for verificável. 10.4.4. Lex Rei Sitae Outro elemento de conexão tradicional é o lex rei sitae, o qual determina ser aplicável a lei do lugar de situação permanente onde situada a coisa, móvel ou imóvel, desde que corpórea. Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. Art. 12. [...] § 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. O conflito de leis envolvendo aeronaves e embarcações, entretanto, será regido pela norma do Estado onde se encontrarem matriculados ou registrados. Também é exceção à lex rei sitae os bens móveis trazidos ao Brasil por alguém ou destinados ao transporte para outros lugares, já que se aplica a lei do domicílio do proprietário. 10.4.5. Lex Loci Delicti Comissi Elemento que determina a aplicação da norma do lugar em que o ato ilícito foi cometido. É o critério que determina a lei reguladora das obrigações extracontratuais que induzem à responsabilidade civil pela prática de atos ilícitos. 10.4.6. Lugar de constituição da obrigação (Lex Loci Contractus) Implica em que se aplique a um conflito de leis no espaço a norma do lugar em que a obrigação foi contraída. Essa é a regra geral para os contratos e obrigações. Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. 10.4.7. Tabela síntese – normas indicativas previstas na LINDB 29 NORMAS INDICATIVAS DA LINDB ELEMENTO DE CONEXÃO OBJETO DE CONEXÃO Domicílio do réu no Brasil Competência da autoridade brasileira Domicílio do herdeiro ou legatário Capacidade para suceder Domicílio do defunto ou do desaparecido Sucessão por morte ou por ausência Domicílio do possuidor da coisa Penhor Domicílio do proprietário Bens móveis que trouxer ou destinar a alhures Domicílio dos nubentes Regime legal ou convencional de casamento Primeiro domicílio conjugal Regime legal ou convencional de casamento quando diversos os domicílios dos nubentes Primeiro domicílio conjugal Invalidade do casamento quando diversos os domicílios dos nubentes Domicílio da pessoa Regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família Local em que estiverem situados Qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes País em que se constituírem Qualificar e reger as obrigações 10.4.8. Autonomia da vontade e direito internacional privado A autonomia da vontade das partes é o elemento de conexão mais discutido na doutrina, o que apresenta mais controvérsias. Ela significa, no Direito Internacional Privado, que as partes podem escolher o direito aplicável. O elemento de conexão aqui é a própria vontade manifestada pelas partes, vinculada a um negócio jurídico de direito privado com conexão internacional (elemento de conexão subjetivo). Entretanto, trata-se apenas de um princípio, não sendo uma regra de direito consuetudinário internacional, já que é a lex fori de cada país que decidirá se será admitida ou não a autonomia da vontade como elemento de conexão. À MEDIDA QUE UM ESTADO ADMITE A AUTONOMIA DA VONTADE COMO ELEMENTO 30 DE CONEXÃO, SUAS REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PASSAM A TER CARÁTER SUBSIDIÁRIO, SOMENTE SE APLICANDO SE AS PARTES NÃO TIVEREM ELEGIDO O DIREITO APLICÁVEL. A autonomia da vontade raramente é admitida fora das relações empresariais e, quando o é, é com reservas, especialmente no âmbito dos direitos das pessoas, de famílias e das coisas. A autonomia da vontade também costuma sempre ser limitada quando se trata de relações jurídicas entre desiguais, como nos contratos de trabalho e nos contratos relativos às relações de consumo. No Brasil, o elemento de conexão aplicável às obrigações está regido pelo art. 9º da LINDB (local em que se constituírem), que é omisso quanto à admissão da autonomia da vontade como elemento de conexão. A doutrina, por seu lado, está dividida e indecisa quanto à avaliação de se o direito brasileiro admite ou não diante do texto da lei, a escolha do direito escolhido. Na prática, porém, muitos contratos internacionais de comércio, com participação de empresas brasileiras, contêm cláusula expressa determinando o direito aplicável ao contrato. Sobre esse tema, alguns julgados: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM EM SÍTIO ELETRÔNICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA EMPRESA ESPANHOLA. CONTRATO COM CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO NO EXTERIOR. 1. A evolução dos sistemas relacionados à informática proporciona a internacionalização das relações humanas, relativiza as distâncias geográficas e enseja múltiplas e instantâneas interações entre indivíduos. 2. Entretanto, a intangibilidade e mobilidade das informações armazenadas e transmitidas na rede mundial de computadores, a fugacidade e instantaneidade com que as conexões são estabelecidas e encerradas, a possibilidade de não exposição física do usuário, o alcance global da rede, constituem-se em algumas peculiaridades inerentes a esta nova tecnologia, abrindo ensejo à prática de possíveis condutas indevidas. 3. O caso em julgamento traz à baila a controvertida situação do impacto da internet sobre o direito e as relações jurídico-sociais, em um ambiente até o momento desprovido de regulamentação estatal. A origem da internet, além de seu posterior desenvolvimento, ocorre em um ambiente com características de auto-regulação, pois os padrões e as regras do sistema não emanam, necessariamente, de órgãos estatais, mas de entidades e usuários que assumem o desafio de expandir a rede globalmente. 4. A questão principal relaciona-se à possibilidade de pessoa física, com domicílio no Brasil, invocar a jurisdição brasileira, em caso envolvendo contrato de prestação de serviço contendo cláusula de foro na Espanha. A autora, percebendo que sua imagem está sendo 31 utilizada indevidamente por intermédio de sítio eletrônico veiculado no exterior, mas acessível pela rede mundial de computadores, ajuíza ação pleiteando ressarcimento por danos material e moral. 5. Os artigos 100, inciso IV, alíneas "b" e "c" c/c art. 12, incisos VII e VIII, ambos do CPC, devem receber interpretação extensiva, pois quando a legislação menciona a perspectiva de citação de pessoa jurídica estabelecida por meio de agência, filial ou sucursal, está se referindo à existência de estabelecimento de pessoa jurídica estrangeira no Brasil, qualquer que seja o nome e a situação jurídica desse estabelecimento. 6. Aplica-se a teoria da aparência para reconhecer a validade de citação via postal com "aviso de recebimento-AR", efetivada no endereço do estabelecimento e recebida por pessoa que, ainda que sem poderes expressos, assina o documento sem fazer qualquer objeção imediata. Precedentes. 7. O exercício da jurisdição, função estatal que busca composição de conflitos de interesse, deve observar certos princípios, decorrentes da própria organização do Estado moderno, que se constituem em elementos essenciais para a concretude do exercício jurisdicional, sendo que dentre eles avultam: inevitabilidade, investidura, indelegabilidade, inércia, unicidade, inafastabilidade e aderência. No tocante ao princípio da aderência, especificamente, este pressupõe que, para que a jurisdição seja exercida, deve haver correlação com um território. Assim, para as lesões a direitos ocorridos no âmbito do território brasileiro, em linha de princípio, a autoridade judiciária nacional detém competência para processar e julgar o litígio. 8. O Art. 88 do CPC, mitigando o princípio da aderência, cuida das hipóteses de jurisdição concorrente (cumulativa), sendo que a jurisdição do Poder Judiciário Brasileiro não exclui a de outro Estado, competente a justiça brasileira apenas por razões de viabilidade e efetividade da prestação jurisdicional, estas corroboradas pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, que imprime ao Estado a obrigação de solucionar as lides que lhe são apresentadas, com vistas à consecução da paz social. 9. A comunicação global via computadores pulverizou as fronteiras territoriais e criou um novo mecanismo de comunicação humana, porém não subverteu a possibilidade e a credibilidade da aplicação da lei baseada nas fronteiras geográficas, motivo pelo qual a inexistência de legislação internacional que regulamente a jurisdição no ciberespaço abre a possibilidade de admissão da jurisdição do domicílio dos usuários da internet para a análise e processamento de demandas envolvendo eventuais condutas indevidas realizadas no espaço virtual. 10. Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direito à imagem. 11. É reiterado o entendimento da preponderância da regra específica do art. 100, inciso V, alínea "a", do CPC sobre as normas genéricas dos arts. 94 e 100, inciso IV, alínea "a" do CPC, permitindo que a ação indenizatória por danos morais e materiais seja promovida no foro do local onde ocorreu o ato ou fato, ainda que a ré seja pessoa jurídica, com sede em outro lugar, pois é na localidade em que reside e trabalha a pessoa prejudicada que o evento negativo terá maior repercussão. Precedentes. 12. A cláusula de eleição de foro existente em contrato de prestação de serviços no exterior, portanto, não afasta a jurisdição brasileira. 32 13. Ademais, a imputação de utilização indevida da imagem da autora é um "posterius" em relação ao contato de prestação de serviço, ou seja, o direito de resguardo à imagem e à intimidade é autônomo em relação ao pacto firmado, não sendo dele decorrente. A ação de indenização movida pela autora não é baseada, portanto, no contrato em si, mas em fotografias e imagens utilizadas pela ré, sem seu consentimento, razão pela qual não há se falar em foro de eleição contratual. 14. Quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada pela internet, independentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, ainda que no exterior, é competente a autoridade judiciária brasileira caso acionada para dirimir o conflito, pois aqui tem domicílio a autora e é o local onde houve acesso ao sítio eletrônico onde a informação foi veiculada, interpretando-se como ato praticado no Brasil, aplicando-se à hipótese o disposto no artigo 88, III, do CPC. 15. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ, REsp 1168547/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 07/02/2011) Na Arbitragem, já ganhou expressa legitimidade legal a autonomia da vontade, já que a Lei nº 9.307/96 determina que as partes poderão escolher livremente as regras de direito a serem aplicadas em questões que serão sujeitas à arbitragem. 10.5. Lex Fori Cada Estado possui normas próprias de direito internacional privado no seu ordenamento jurídico. Igualmente, tratados internacionais vigoram dentro de um Estado apenas quando da sua incorporação ao direito interno. A regra básica, portanto, é a de que o juiz aplique sempre as normas de Direito Internacional Privado vigentes no lugar do foro, do país em que atua, ou seja, a lex fori. Essas normas são, em sua maioria, normas meramente indicativas ou indiretas, designando apenas o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional, mas sem solucionar a questão materialmente. 10.6. Estatuto pessoal da pessoa jurídica no direito internacional privado O estatuto pessoal da pessoa jurídica determina a lei aplicável nas suas relações jurídicas internacionais de direito privado, sendo denominado, pela doutrina, de lex societatis. Ele regula a natureza jurídica da pessoa jurídica, sua constituição, dissolução e liquidação, seu nome comercial, organização interna, responsabilidade civil pelos seus atos, responsabilidade jurídica por suas dívidas, representação perante terceiros, emissão de títulos etc. 33 Há, basicamente, duas teorias sobre o estatuto das pessoas jurídicas: a da incorporação e a da sede social. Pela Teoria da Incorporação, é aplicável a lei do lugar da constituição da pessoa jurídica. De acordo com ela, os sócios fundadores possuem a faculdade de instituir a pessoa jurídica conforme o direito de sua escolha, ainda que esta não desenvolva as suas principais atividades no país de sua constituição. É sempre decisiva a sede estatutária ou aquela designada no contrato social da pessoa jurídica. Essa teoria não leva em consideração os interesses do Estado no qual uma pessoa jurídica está desenvolvendo efetivamente as suas atividades. Pela Teoria da Sede Social, é aplicável o direito do lugar da sede efetiva da pessoa jurídica, onde se situa sua
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