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Indaial – 2019 Literatura Surda: Produção textuaL em LibraS Prof.a Ana Clarisse Alencar Barbosa Prof.a Janaina Carla da Cruz Prof.a Liliane Vieira Vega Garrão 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof.ª Ana Clarisse Alencar Barbosa Prof.ª Janaina Carla da Cruz Prof.ª Liliane Vieira Vega Garrão Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: B238l Barbosa, Ana Clarisse Alencar Literatura surda: produção textual em libras. / Ana Clarisse Alencar Barbosa; Janaina Carla da Cruz; Liliane Vieira Vega Garrão. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 165 p.; il. ISBN 978-85-515-0391-1 1. Literatura Surda. - Brasil. I. Barbosa, Ana Clarisse Alencar. II. Cruz, Janaina Carla da. III. Garrão, Liliane Vieira Vega. IV. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 370 III aPreSentação Caro acadêmico, seja muito bem-vindo ao Livro Didático Literatura Surda! Neste material, você encontrará um universo muito rico, recheado de cultura e de olhares muito peculiares. Vamos viajar pela história das pessoas surdas! Você já parou para pensar em como era a vida dessas pessoas em tempos remotos, quando não existiam políticas públicas nem tecnologias? Este livro proporcionará esta reflexão como também trará artefatos da cultura e da comunidade surda. Não paramos por aí não! Vamos explorar a Literatura Surda no Brasil, falar sobre produções de surdos, sobre a Língua de Sinais, sobre a importância da contação de histórias para crianças surdas e aprender muito sobre Literatura Surda. Convidamos você a entrar nesta aventura com muita empatia e curiosidade. Certamente estes conhecimentos mudarão sua forma de ver e pensar o sujeito surdo, e caso ainda não tenha nenhum conhecimento sobre esta cultura, poderá ampliá-los de forma interessante, pois este livro foi pensado com muito carinho partindo das experiências e vivências das autoras que estão imersas neste mundo. Iniciemos nossa viagem! Prof.ª Ana Clarisse Alencar Barbosa Prof.ª Janaina Carla da Cruz Prof.ª Liliane Vieira Vega Garrão IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento. Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS ...................................................................................1 TÓPICO 1 – MARCOS HISTÓRICOS ..............................................................................................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 MARCOS HISTÓRICOS...................................................................................................................3 2.1 SURDOS NO BRASIL ....................................................................................................................8 3 OS SURDOS TÊM CULTURA E IDENTIDADE? .......................................................................10 4 CONCEITO DE CULTURA SURDA ...............................................................................................12 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................16 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................17 TÓPICO 2 – PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA ...........................................................19 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................19 2 COMO PODEMOS COMPREENDER E ENVOLVER AS PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA? ...................................................................................................................19 3 CURIOSIDADES SOBRE A CULTURA SURDA .........................................................................25 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................30 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................31 TÓPICO 3 – A CULTURA SURDA E A LITERATURA ..................................................................33 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................33 2 A REPRESENTAÇÃO IMAGINÁRIA SOBRE A CULTURA SURDA.....................................33 3 ARTEFATOS CULTURAIS DO POVO SURDO ..........................................................................36 3.1 ARTEFATO CULTURAL: LITERATURA SURDA ....................................................................44 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................47 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................53 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................55 UNIDADE 2 – LITERATURA SURDA NO BRASIL ......................................................................57 TÓPICO 1 – A CONTAÇÃO DE ESTÓRIAS ...................................................................................59 1INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................59 2 LITERATURA SURDA NO BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO ...........................................60 3 A IMPORTÂNCIA DO CONTAR ESTÓRIAS .............................................................................65 4 O SURDO COMO CONTADOR DE HISTÓRIAS ......................................................................69 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................71 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................72 TÓPICO 2 – A PRODUÇÃO CULTURAL DOS SURDOS 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................73 2 PRODUÇÃO CULTURAL DE SURDOS EM LÍNGUA DE SINAIS ........................................73 2.1 PRODUÇÕES EDITORIAIS SURDAS ........................................................................................76 Sumário VIII 3 SUGESTÕES DE PRODUÇÃO CULTURAL DE SURDOS EM LÍNGUA DE SINAIS ........80 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................83 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................84 TÓPICO 3 – A METÁFORA DO APRENDER A SER SURDO .....................................................87 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................87 2 LÍNGUA DE SINAIS COMO MARCA SURDA NA LITERATURA .......................................87 3 LÍNGUA DE SINAIS RESSIGNIFICADA NA INCLUSÃO ......................................................96 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................102 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................109 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................111 UNIDADE 3 – DIFERENTES USOS DA CULTURA SURDA NA LITERATURA: A LÍNGUA DE SINAIS ATRAVESSADA POR MARCAS CULTURAIS .............................113 TÓPICO 1 – LÍNGUA DE SINAIS COMO MARCA SURDA NA LITERATURA ...................115 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................115 2 LITERATURA SURDA: UM OLHAR PARA AS NARRATIVAS ..............................................115 2.1 NARRATIVAS E ESCRITAS .........................................................................................................121 2.2 NARRATIVAS SURDAS SOBRE A COMUNIDADE SURDA ................................................121 3 A NARRATIVA EM LÍNGUA DE SINAIS: UM OLHAR SOBRE CLASSIFICADORES ....122 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................128 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................129 TÓPICO 2 – POESIA E LÍNGUA DE SINAIS..................................................................................131 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................131 2 POESIA EM LÍNGUA DE SINAIS: TRAÇOS DA IDENTIDADE SURDA......................................................................................................................131 3 LITERATURA EM LÍNGUA GESTUAL ........................................................................................138 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................140 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................141 TÓPICO 3 – LITERATURA SURDA: UM OLHAR SOB DIFERENTES POSSIBILIDADES ...............................................................................143 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................143 2 LITERATURA INFANTIL DO SÉCULO XXI ................................................................................143 3 POSSIBILIDADES DE LEITURA DA DIFERENÇA SURDA NO CINEMA .........................147 4 DESAFIOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA LITERATURA OUVINTE PARA A LÍNGUA DE SINAIS .....................................................................................151 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................156 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................158 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................159 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................161 1 UNIDADE 1 MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender como surgiu a história dos surdos na antiguidade; • refletir a trajetória da vida das pessoas surdas com as suas lutas, derrotas e conquistas através da Língua de Sinais; • discriminar a diferença entre as identidades surda e ouvinte; • estabelecer relações entre os artefatos da cultura surda; • apreciar o ser surdo como um sujeito capaz e sem limitações; • valorizar a comunidade surda presente nos dias atuais. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – MARCOS HISTÓRICOS TÓPICO 2 – PARTICULARIDADES DA CULTURA SURDA TÓPICO 3 – A CULTURA SURDA E A LITERATURA Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 MARCOS HISTÓRICOS 1 INTRODUÇÃO Vamos percorrer um pouco sobre esses registros históricos da trajetória das pessoas surdas. Há variadas versões sobre a história. Encontramos registros remotos, como, por exemplo, textos bíblicos e fatos do Egito antigo: “No Egito, pensava-se que os surdos tinham sido escolhidos especialmente pelos deuses” (SERRAS; SANTOS, 2019, s. p.). O que comprova que, desde o início da humanidade, os surdos já se faziam presentes. Este livro didático fará você refletir um pouco sobre a história dos surdos, contada por uma pessoa surda. Não sei se você já se deu conta, mas muitos dos registros escritos foram feitos por pessoas ouvintes, pessoas que viveram ao lado da pessoa surda, porém não são surdas, ou seja, não vivenciaram a surdez. Neste capítulo, nos atentaremos aos fatos históricos relacionados aos surdos a partir do século XVI. 2 MARCOS HISTÓRICOS Na história da inclusão, pessoas com qualquer tipo de deficiência eram marginalizadas e deixadas a própria sorte, tinham direito à vida, mas ainda assim, não tinham o direito de viver. Nesta época, antes de 1750, envolvendo pessoas com surdez, trazemos Sacks (1998) para clarear: A situação das pessoas com surdez pré-linguística antes de 1750 era de fato uma calamidade: incapazes de desenvolver a fala e, portanto, “mudas”, incapazes de comunicar-se livrementeaté mesmo com seus pais e familiares, restritas a alguns sinais e gestos rudimentares, isoladas, exceto nas grandes cidades, até mesmo da comunidade de pessoas com o mesmo problema, privadas de alfabetização e instrução, de todo o conhecimento do mundo, forçadas a fazer os trabalhos mais desprezíveis, vivendo sozinhas, muitas vezes à beira da miséria, consideradas pela lei e pela sociedade como pouco mais do que imbecis – a sorte dos surdos era evidentemente medonha (SACKS, 1998, p. 27). Conheceremos melhor, a seguir, a história cultural do povo surdo. Todavia, o que é um povo surdo? Karin Strobel, surda, doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina, em uma de suas obras nos diz que o povo surdo é: UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 4 Um conjunto de sujeitos surdos que não habitam o mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, tais como a cultura surda, uso da Língua de Sinais, têm costumes e interesses semelhantes, histórias e tradições comuns e qualquer outro laço compartilhado. Como a referência de povo surdo, como qualquer outro grupo, eles também não constituem um grupo homogêneo. Têm distintas identidades surdas, múltiplas e multifacetadas, construídas também a partir de "marcadores de diferença” (STROBEL, 2008b apud WITKOSKI, 2015, p. 25). A história dos povos surdos surgiu com os professores ouvintes, que iniciaram os trabalhos com surdos, filhos dos nobres, através da evolução da medicina para a cura da surdez e pelas metodologias utilizadas por ouvintes na educação dos surdos. Strobel (2008) também conta que a história cultural dos surdos é pouco exposta. Seria uma ligação relevante para a legitimação do modelo cultural do ser surdo se existissem registros das próprias pessoas surdas. Ainda assim, o atual estudo sobre a história cultural dos surdos, feito pelos próprios surdos, vem trazendo uma grande mudança e um novo olhar para essa história. Essa nova perspectiva, trazida agora pelo próprio sujeito surdo, não se dá através dos padrões tradicionais. A atual visão da história se constitui a partir dos discursos feitos nas associações de comunidades surdas, pelos professores surdos que atuam nos ambientes escolares e perpassam desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, nos encontros de pessoas surdas, fortalecidos por líderes surdos, pela luta por uma pedagogia bilíngue, enfim, pelos diversos movimentos políticos do povo. No entanto, os registros históricos são escritos feitos através de metanarrativas ouvintes. Apesar de terem um imenso valor histórico, pois não existiam registros, para o povo surdo esses registros não legitimam sua história, por não fazerem parte deste processo. Profissionais e familiares vivenciaram, lado a lado, os mais variados avanços de toda a ordem, e o que temos hoje são registros de uma visão crítica dos sujeitos ouvintes. Estes nos trazem que ao longo da história o povo surdo foi barbarizado, assim como as demais pessoas com deficiência sofreram processos discriminatórios e estigmatizantes, pois, naquela época, para a sociedade, eram vistos como incapazes e inferiores, por isso, eram castigados. Metanarrativas: Segundo Silva (2000, p. 78) é “qualquer sistema teórico ou filosófico com pretensões de fornecer descrições ou explicações abrangentes e totalizantes do mundo ou da vida social. A mesma coisa que ‘grande narrativa’ ou ‘narrativa mestra’”. NOTA TÓPICO 1 | MARCOS HISTÓRICOS 5 No século XVI, os surdos não eram reconhecidos pela lei como pessoas por não saberem falar e nem ler. E, por serem considerados incapazes ou desprovidos de inteligência não tinham o direito de ter seus nomes incluídos no rol de heranças das famílias nobres. Na medida em que os primogênitos surdos não tinham esse direito, os nobres sentiam-se ameaçados, pois isso colocava em risco a riqueza de toda a família. Nessa época encontram-se registros de que os nobres, a fim de garantir que suas fortunas estivessem seguras entre si, organizavam casamentos entre os membros das próprias famílias. Foi nesta época que nomes como Pedro Ponce de Léon, os Braidwoods, Amman, Perreire e Deschamps começam a aparecer na sociedade, ouvintes, de diversos lugares, dispostos a ensinar os filhos surdos dos nobres. FIGURA 1 – ESTÁTUA DE PEDRO PONCE DE LEÓN EM MADRI FONTE: Witkoski (2015, p. 29) Pedro Ponce de León ensinou aos surdos o uso dos gestos e do alfabeto datilológico para a soletração manual. O objetivo de Ponce, ao usar o alfabeto manual, era ensinar os surdos a ler e escrever. Conforme a autora surda Strnadová aborda: A história diz que o alfabeto manual era utilizado na Inglaterra já no século VIII pelos monges que fizeram o voto de silêncio. Estão vendo como é forte a necessidade de comunicação com as pessoas ao redor? Essa necessidade obrigou um servo de Deus a dar um jeito no voto sagrado, em quebrá-lo. Não conversavam entre si em voz alta, porém seus dedos tagarelavam. Eram monges, mas não bobos (STRNADOVÁ, 2000 apud WITKOSKI, 2015, p. 29). Apesar desses profissionais se empenharem no ensino do sujeito surdo, a intenção ainda era garantir as heranças. Todavia, nesse momento, a comunicação através de sinais também começa a ganhar espaço. A autora Lane (1984 apud SACKS, 1998, p. 28), ressalta que: “muitos desses educadores recorriam a sinais e soletravam com o dedo para ensinar a falar. De fato, até mesmo os mais célebres desses pupilos surdos ensinados a falar conheciam e usavam a Língua de Sinais”. UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 6 Percebe-se, no decorrer da trajetória histórica, que a Língua de Sinais se constitui e se funde à constituição da pessoa surda. Percebe-se, também, o quanto o sujeito surdo sofreu com a destituição íntima do seu ser. Entendia-se que, naquela época, a surdez pré-linguística fazia da pessoa surda um ser em estado deplorável. Essa situação despertou curiosidade e compaixão dos filósofos da época. Foi quando o abade francês Sicard fez a seguinte pergunta: Por que a pessoa surda sem instrução é isolada na natureza e incapaz de comunicar-se com outros homens? Por que ela está reduzida a esse estado de imbecilidade? Será que sua constituição biológica difere da nossa? Será que ela não possui tudo o que precisa para ter sensações, adquirir ideias e combiná-las para fazer tudo o que fazemos? Será que não recebe impressões sensoriais dos objetos como nós recebemos? Não serão essas, como ocorre conosco, a causa das sensações da mente e das ideias que a mente adquire? Por que então a pessoa surda permanece estúpida enquanto nos tornamos inteligentes? (SACKS, 1998, p. 28). Segundo o autor, a resposta está no uso dos símbolos. E complementa com a explicação de Sicard sobre a existência de um vácuo absoluto de comunicação entre a pessoa surda e as outras pessoas. Foi a partir do século XVI que os olhares para as pessoas surdas ficaram mais intensos. É neste século, também, que surge o abade De l’Epée, figura que muda a história dos surdos para sempre. A maior motivação de l’Epée, em relação à marginalização dos surdos, era o fato de ele não aceitar que os “surdos-mudos” nasciam e morriam sem serem ouvidos em confissão, privados do Catecismo, das Escrituras e das Palavras de Deus. Abade l’Epée direcionou sua atenção a seus pupilos surdos, e fez o que nenhum outro ouvinte havia feito até o momento: [...] E então associando sinais a figuras e palavras escritas, o abade ensinou-os a ler; e com isso, de um golpe, deu-lhes o acesso aos conhecimentos e à cultura do mundo. O sistema de sinais “metódicos” De l’Epée – uma combinação da Língua de Sinais nativa com a gramática francesa traduzida em Sinais – permitia aos alunos surdos escrever o que era dito por meio de um intérprete que se comunicava por Sinais, um método tão bem-sucedido que, pela primeira vez, permitiu que alunos surdos comuns lessem e escrevessem em francês e, assim, adquirissem educação (SACKS,1998, p. 30). L’Epée fundou uma escola em 1755, que foi a primeira a angariar recursos públicos. Em 1776, seu livro escrito de modo revolucionário foi publicado pela primeira vez, tornando-se uma obra clássica e disponível em muitas línguas. Abade foi um multiplicador de professores para surdos, e quando faleceu, em 1789, já contava com vinte e uma escolas para surdos na França e Europa. Em 1971 a escola de l’Epée se transforma na National Institution for Deaf-Mutes em Paris, dirigida por Sicard. Abade l’Epée transformou a história dos surdos. Em 1779 foi publicado o primeiro livro escrito por um surdo, Pierre Desloges, que perdeu a audição aos sete anos de idade, vítima de varíola. Aprendeu a língua gestual aos vinte anos. E, apesar de ser talentoso, demonstra em seu relato, que não conseguiria participar de um discurso lógico se não fosse através da Língua de Sinais. TÓPICO 1 | MARCOS HISTÓRICOS 7 No início de minha enfermidade, enquanto vivi separado de outras pessoas surdas [...], não tive conhecimento da Língua de Sinais. Eu usava apenas sinais esparsos, isolados e não relacionados. Desconhecia a arte de combiná-los para formar imagens distintas com as quais podemos representar várias ideias, transmiti-las a nossos iguais e conversar em discurso lógico (LANE, 1984 apud SACKS, 1998, p. 31). Desde então a história dos surdos passou a tomar um novo rumo e os surdos agora eram vistos. Embora nem mesmo l’Epée acreditasse que a Língua de Sinais fosse completa, capaz de permitir aos seus usuários o discernimento para discussão sobre qualquer assunto, os surdos passaram a sair da escuridão e a emergir na sociedade. Em 1816, Laurent Clerc chega aos Estados Unidos. Pupilo de abade Sicard e do surdo Jean Massieu, Clerc mobilizou professores americanos, que até então desconheciam que um surdo poderia ter tamanha inteligência e notável educação. Ele e Thomas Gallaudet fundaram a American Asylum for the Deaf, em Hartford. É nesse ambiente que o sistema francês de sinais, trazido por Clerc, passa a interagir com a língua nativa, e a American Sign Language - ASL Língua de Sinais Americana - toma forma e espaço. O desenvolvimento dos surdos americanos foi tão eficaz quanto para os surdos da França, difundindo-se rapidamente para outras partes do mundo. Prova disso é a University Gallaudet, fundada em 1864, e que continua até os dias atuais, sendo a única faculdade de ciências humanas do mundo para alunos surdos. FIGURA 2 – CHARLES-MICHEL L’EPÈE FONTE: Witkoski (2015, p. 29) Porém, a história dos surdos passaria por um momento crítico, que duraria um século. Após a morte do grande ativista Clerc (1785 – 1869) houve uma grande virada contra a Língua de Sinais. Durante todo o percurso em que a Língua de Sinais foi crescendo, paralelamente existiam as linhas opostas daqueles que acreditavam ser o oralismo a melhor forma de comunicação. Indignavam-se com o uso de sinais sem o uso da fala, acreditavam estarem os surdos restritos à vida cotidiana. Os professores de surdos viviam verdadeiros dilemas e dividiam- se entre o oralismo e a comunicação por meio dos sinais. UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 8 Havia surgido uma profusão de “reformadores” – Samuel Gridley Howe e Horace Mann foram exemplos notórios – que clamavam pela derrubada dos “obsoletos” asilos que adotavam a Língua de Sinais e pela introdução de escolas oralistas “progressivas” [...]. Mas o mais importante e poderoso dos representantes “oralistas” foi Alexander Graham Bell, que, por um lado, herdou uma tradição familiar de ensinar elocução e corrigir os impedimentos da fala (seu pai e seu avô destacaram-se nessa área), estando preso a uma estranha mistura familiar de surdez (sua mãe e sua esposa eram surdas, mas nunca admitiram isso), e, por outro, naturalmente, foi por si só um gênio tecnológico. Quando Bell jogou todo o peso de sua imensa autoridade e prestígio na defesa do ensino oral para surdos, a balança finalmente pendeu, e no célebre Congresso Internacional de Educadores de Surdos, realizado em 1880 em Milão, no qual os próprios professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor e o uso da Língua de Sinais nas escolas foi “oficialmente” abolido (SACKS, 1998, p. 39). A partir do Congresso de Milão, os professores ouvintes, que na sua maioria não conheciam a Língua de Sinais, passaram a ensinar alunos surdos ocupando as vagas dos professores surdos, e cada vez mais o inglês foi se tornando a língua de instrução de alunos surdos. O oralismo, sem a Língua de Sinais, foi deteriorando o aproveitamento educacional das crianças surdas e a instrução dos surdos de um modo geral. FIGURA 3 – IMAGEM DE ALEXANDER GRAHAM BELL E FAMÍLIA FONTE: Witkoski (2015, p. 29) 2.1 SURDOS NO BRASIL A história dos surdos no Brasil tem os mais importantes registros a partir da fundação do Colégio Nacional para Surdos-Mudos, no século XIX, ideia trazida pelo francês E. Huet, que apresentou um relatório com sua intenção de fundar uma escola de surdos no Brasil. A seguir, uma breve visita aos momentos mais marcantes da fundação dessa escola, apresentados pela autora Strobel: TÓPICO 1 | MARCOS HISTÓRICOS 9 1855 - Eduardo Huet, professor surdo com experiência de mestrado e cursos em Paris, chega ao Brasil sob beneplácido do imperador D. Pedro II, com a intenção de abrir uma escola para pessoas surdas. 1857 - Foi fundada a primeira escola para surdos no Rio de Janeiro – Brasil, o “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos”, hoje, “Instituto Nacional de Educação de Surdos”– INES, criada pela Lei nº 939 (ou 839?) no dia 26 de setembro. Foi nesta escola que surgiu, da mistura da Língua de Sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil, a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Dezembro do mesmo ano, Eduardo Huet apresentou ao grupo de pessoas, na presença do imperador D. Pedro II, os resultados de seu trabalho causando boa impressão. 1861 - Ernest Huet foi embora do Brasil, devido aos seus problemas pessoais, para lecionar aos surdos no México. Neste período, o INES ficou sendo dirigido por Frei do Carmo que logo abandonou o cargo alegando: “Não aguento as confusões” e com isto foi substituído por Ernesto do Prado Seixa. 1862 - Foi contratado para cargo de diretor do INES, Rio de Janeiro, o Dr. Manoel Magalhães Couto, que não tinha experiência de educação com os surdos (STROBEL, 2008, p. 24). No Brasil, as deliberações do Congresso de Milão afetaram de forma devastadora a educação de surdos. O INES também adotou o oralismo e foram cem anos de regressos irreversíveis na educação de muitos surdos. Contudo, os anos se passaram, e apesar de proibidas, as Línguas de Sinais continuaram vivas e onde existissem surdos reunidos havia também a comunicação através dos sinais de forma escondida. Durante muito tempo, surdos e ouvintes defensores da comunicação gestual buscaram estratégias e recursos para legalizar o uso da Língua de Sinais. No Brasil, a oficialização da Língua de Sinais se dá em 2002 através da Lei 10.436, de 24 de abril. Momento de júbilo para os surdos brasileiros. A partir da sanção da Lei, os surdos não mais precisaram se esconder para se comunicar através daquela que é a sua língua nativa, aquela que traz compreensão, que expressa sentimentos, que permite o discurso lógico. Como mencionamos anteriormente, é rara a história dos surdos ter registros dos próprios surdos. Os ouvintes sempre estiveram representando o povo surdo. Uma pergunta a se refletir: Onde estão os registros que possuem os atos históricos dos surdos que compartilhavam e lutavam ao lado do povo surdo? Foram deixados de lado esquecidos, tornaram-se invisíveis? Strobel cita: E assim com esses “esquecimentos estereotipados” a história cultural vem expondo o povo surdo. Transparece a discriminação da cultura surda. Tudo isso fez produzir os movimentos de lutas políticas por consideração, a históriasurda, as identidades surdas, a Língua de Sinais e a pedagogia surda, fazendo garantir o afastamento da visão de “anormalidade” e aproximação de comunidades surdas, povo surdo, sendo considerados como sujeitos surdos, diferentes (STROBEL, 2008, p. 91). Durante cem anos, ouvintes leigos, no que diz respeito à subjetividade da pessoa surda, determinaram a forma como eles deveriam se comunicar. Não houve em nenhum momento uma empatia com os sentimentos daqueles que estavam literalmente “mudos”, sendo privados de usar sua língua materna, tendo as mãos e almas acorrentadas em prol de uma cultura majoritária que julgou saber o que era melhor para a educação dos surdos. A lei que legaliza a Língua Brasileira de Sinais é um elixir para a alma daqueles que tiveram duras marcas de uma grande lacuna na sua história. Seus direitos foram capturados e agora são trazidos de volta. UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 10 Art.1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras, além de outros recursos de expressão associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002). A Lei no 10436/02 libertou o povo surdo brasileiro. Passou a utilizar a sua língua materna sem represálias. Por isso, a legalização da Libras é um marco importante na história dessa gente. E isso só aconteceu no século XX, lembrando que iniciamos nossa narrativa no século XVI. Embora tenha sido um grande e precioso passo, a lei não abrange todas as necessidades do sujeito surdo. Ela traz pontos importantes, como a garantia por parte do poder público, o apoio ao uso e difusão da língua, a garantia ao atendimento de saúde, a obrigatoriedade do ensino da língua nos cursos de magistério e licenciaturas. Porém, não há uma forma detalhada e específica de como isso deva acontecer, e por não estar claro, alguns direitos acabaram ficando em estado latente por três longos anos. DICAS Em 2005, a história recebe o Decreto 5626, que vem para regulamentar, complementar e ativar a Lei 10436/05, que trata sobre o uso e difusão da Língua de Sinais e dispõe também sobre a Lei 10.098/00, que estabelece normas e critérios básicos acerca da acessibilidade das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Há a definição também de quem é o sujeito surdo e quem é a pessoa com deficiência auditiva, contemplando vários aspectos da vida de um cidadão no que diz respeito ao direito à educação, saúde e acesso à informação. Confira a Lei 10.436/02 e o Decreto 5626/05 na íntegra, em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10436.htm. FONTE: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm. Acesso em: 17 jun. 2019. 3 OS SURDOS TÊM CULTURA E IDENTIDADE? Quando você visualiza ou ouve a palavra “cultura”, o que lhe vem à mente? E quando se trata de “Cultura Surda”, qual aferição você faz? Vamos conhecer um pouco sobre uma cultura muito peculiar. O conceito da palavra cultura resulta em muita polêmica, pois existem várias opiniões sobre o conceito, idealizadas por pesquisadores e, até mesmo, por pessoas leigas. Existem variados conceitos e estudos culturais, porém vamos nos ater a um dos significados da palavra e de acordo com o que encontramos no dicionário Aurélio, uma das definições menciona que: “cultura” é um “conjunto dos hábitos sociais e religiosos, das manifestações intelectuais e artísticas, caracteriza uma sociedade, cultura inca, cultura helenística. Normas de comportamento, saberes, hábitos ou crenças que diferenciam um grupo de outro” (DICIO, 2019, s. p.). TÓPICO 1 | MARCOS HISTÓRICOS 11 Partindo desses conceitos, ao pensarmos cultura enquanto conjunto de hábitos sociais ou normas de comportamento, subentende-se que as diversidades culturais se dão a partir das diferenças regionais. Normalmente, a palavra cultura remete-nos a uma comida típica, uma forma de se vestir, e lembramo-nos dos hábitos mais diversos e interessantes. Se refletirmos apenas em relação ao nosso país, já encontramos inúmeras manifestações culturais, sendo possível encontrar diferenças até mesmo de uma cidade para outra, em um mesmo estado. Porém, além de toda essa diversidade, ainda falamos de uma cultura majoritária, aquela em que uma grande parte da população faz parte. Dentro da cultura majoritária, nasce, cresce e se constitui o sujeito surdo. Analisemos o seguinte caso: um bebê surdo nasce em uma cidade do estado do Rio de Janeiro - RJ, em uma família tradicional de ouvintes. O bebê irá crescer em um ambiente cultural carioca, com seus costumes e tradições daquela região. Entretanto, essa criança tem uma particularidade: ela não ouve, é surda. Porém, a maioria dos cariocas é ouvinte. Esse bebê receberá, de forma fragmentada, a cultura majoritária de sua cidade. Durante sua infância, frequentará escolas e espaços que farão parte da sua constituição. Se o sujeito tiver acesso à Língua de Sinais e à comunidade surda, que é a minoria, passará a adquirir também a cultura surda. Talvez seja fácil definir e localizar, no tempo e no espaço, um grupo de pessoas, mas quando se trata de refletir sobre o fato de que nessa comunidade surgem – ou podem surgir – processos culturais, é comum a rejeição à ideia da "cultura surda", trazendo como argumento a concepção da cultura universal, a cultura monolítica. Não me parece possível compreender ou aceitar o conceito de cultura surda senão através de uma leitura multicultural, ou seja, a partir de um olhar de cada cultura em sua própria lógica, em sua própria historicidade, em seus próprios processos e produções. No contexto, a cultura surda não é uma imagem velada de uma hipotética cultura ouvinte. Não é seu revés. Não é uma cultura patológica (SKLIAR, 1998 apud WITKOSKI, 2015, p. 85). O cenário no qual o sujeito surdo nasce e habita passa a constituir também a sua identidade. A convivência com seus pares, ou não, será fator determinante para essa constituição. O indivíduo que assume a surdez utiliza a Língua de Sinais como língua materna e exige o direito ao intérprete de Libras, que luta por seus direitos linguísticos e sociais. De acordo com Skliar (1998, p. 63), terá uma identidade surda política. Se há festas de família, por exemplo, é natural o surdo procurar o semelhante surdo. Se na festa não há um semelhante surdo, a tendência é fugir para ir ao encontro do surdo onde quer que ele esteja. Somos assim. Algo atrai por ser melhor. Juntos é melhor. A maioria surda sempre está junto. Estar com amigos surdos é sentir que se tem este parentesco. É um parentesco virtual. Isto porque chegamos na profundidade de nossas relações de semelhantes. Uma semelhança forte que mantém a gente vivo, unido. Se acontecer visitas entre nós ficamos horas falando de tudo que é possível. Na família o ouvinte intervém, geralmente o pai, a mãe, os irmãos. Ficam ansiosos em relação ao tempo gasto nessa forma de comunicação. Nossa comunicação é uma forma de transmitir fatos, compreendê-los, valorizá-los na semelhança, no descompasso. UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 12 Quando encontramos uma família de ouvintes que deixa de aderir o uso da Língua de Sinais com seu filho surdo, e que busca recursos clínicos ou terapêuticos para se comunicar, este passará a adotar um comportamento espelhado ao que ele vê e vive em seu cotidiano, com hábitos e costumes ouvintes. Essa identidade será uma identidade flutuante, pois este ser, apesar de surdo, irá reproduzir-se dentro de aspectos e características ouvintes. A identidade é interessante porque permite ver um surdo “consciente” ou não de ser surdo, porém, vítima da ideologia ouvintistaque segue determinando seus comportamentos e aprendizados. Existem alguns surdos que querem ser ouvintizados a todo o custo. Desprezam a cultura surda, não têm compromisso com a comunidade surda. Outros são forçados a viver a situação como que conformados (PERLIN, 2005, p. 65). Para uma criança surda que nasce em uma família de ouvinte, mas que não se identifica com o modo de ser ouvinte, e também não se reconhece como surdo, não utiliza a Língua de Sinais, e também não utiliza leitura labial, a identidade que se constitui é uma identidade incompleta, pois se considerará inferior aos ouvintes. Temos ainda a identidade, que pode ser oriunda de uma identidade inconformada ou flutuante, em que, depois de adulto, descobre-se a cultura surda, se envolve com a comunidade surda e aprende de forma tardia a Língua de Sinais. Será uma identidade de transição. “Transição é o aspecto do momento de passagem do mundo ouvinte com representação da identidade ouvinte para a identidade surda de experiência mais visual” (PERLIN, 2005, p. 64). Há também um tipo de identidade que pode acometer qualquer ouvinte: a identidade hibrida, que nada mais é que uma pessoa que nasce e se constitui como sujeito ouvinte, mas que em um determinado momento de sua vida, seja por acidente, idade avançada ou por questões clínicas, perde sua audição. A pessoa passará a ter uma identidade que perpassa os dois modos de ser. “Esses surdos conhecem a estrutura do português falado e usam-no como língua” (SKLIAR, 1995, p. 63). DICAS A professora surda, doutora em Educação, Gladis Perlin (1998), em seu livro Identidade Surda, traz detalhadamente as definições das identidades surdas por ela pesquisadas. Vale a pena conferir! 4 CONCEITO DE CULTURA SURDA A cultura surda é um conjunto de costumes daqueles que entendem o mundo de uma forma muito diferente da grande maioria. O mundo, para as pessoas surdas, acontece a partir da visão, tato, olfato e paladar. A ausência de audição faz com que o corpo do sujeito surdo se encarregue em distribuir para os demais órgãos sensoriais as funções designadas ao ouvido. TÓPICO 1 | MARCOS HISTÓRICOS 13 Reportemo-nos a uma família tradicional, onde pais ouvintes recebem seu bebê também ouvinte. Desde a gestação, os bebês podem ouvir a voz da sua genitora, o que é cientificamente comprovado. Já nas primeiras horas de vida, recebe inúmeros estímulos auditivos e, depois que chega em casa, familiares e amigos que visitam o recém-nascido conversam e direcionam palavras de boas-vindas e desejos dos mais variados. Embora o bebê ainda não compreenda o que significam os sons que recebe, sendo necessário aprender a ouvir, ainda assim, tem acesso a esses estímulos. Esse processo será por toda sua trajetória familiar, escolar e social. Terá acesso a diversas informações e poderá selecionar o que é de seu interesse ou não. Vamos agora nos situar em uma família também tradicional de pais ouvintes, mas que recebem um bebê surdo. Vamos nos reportar diretamente ao nascimento da criança, uma vez que a surdez pode ser pré-natal (má formação congênita) ou pós-natal (o bebê nasce ouvinte e perde a audição depois). A verbalização dos familiares, amigos e todos os que estão ao redor do bebê não chegará para ele da mesma forma que chega para o bebê ouvinte. O bebê surdo receberá os estímulos visuais do cenário. Desde aí as diferenças de constituição de sujeito passam a distanciar-se umas das outras e inicia-se também a distinção cultural. Além da distinção, a criança surda que nasce em berço ouvinte terá outro fator determinante na sua formação, que o diferenciará e o afastará muito do desenvolvimento de uma criança ouvinte. Ao ser detectada a surdez, os pais iniciam uma busca desesperada pela reabilitação do seu filho. Compreende-se que, para os pais, a surdez é motivo de angústia e desespero, uma vez que planejaram saúde e perfeição para o ser tão desejado. O que os pais acabam por esquecer é que a ida e a vinda aos clínicos terapêuticos podem implicar na constituição do ser em desenvolvimento. Toda a busca por aparelhos auditivos, implantes cocleares e terapias com o profissional fonoaudiólogo, entre outros recursos pode e deve ser feita pelos pais, desde que estes não esqueçam que, por trás daqueles ouvidos que “não funcionam”, existe um sujeito que compreende o mundo através dos estímulos visuais e que, certamente, para ele, a expressão que vê no rosto dos seus pais deve ser angustiante. Essa forma de ver e entender o mundo faz com que a cultura majoritária se subdivida. Aí encontramos a cultura surda. Karin Strobel é uma autora surda que escreve de forma comovente o livro As imagens do outro sobre a cultura surda (2008), pela Universidade Federal de Santa Catarina. Nele, ela traz de forma clara e emocionante como se constitui a cultura do sujeito surdo. A autora utiliza o significado de cultura a partir da etimologia da palavra em que cultura é um verbo que significa “ato de plantar e cultivar as plantas”. Para ela: [...] os elementos mais importantes da cultura podem ser destacados como as habilidades dos sujeitos para construção da sua identidade com o uso da linguagem. Ilustrando mais claramente, na “cultura”, a palavra natureza significa tanto o que está a nossa volta como o que está dentro de nós. Poderíamos usar a metáfora de uma semente que é plantada em solo e cresce uma bela planta, mas isso não ocorre sem a ajuda da natureza, ou seja, do sol, da chuva, do vento, do fertilizante do solo, que faz a semente reagir e desenvolver. A semente que está sozinha sem ademão da natureza não cresceria, uma vez que estaria abandonada e apodrecendo (STROBEL, 2008, p. 18). UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 14 Diante do belo exemplo, podemos ter uma visão mais poética do que é a cultura. Pensando no exemplo da planta, desloquemos nosso pensamento para aquele bebê surdo que nasceu em sua cidade natal, em uma família de ouvintes. Esse bebê estará fazendo parte de uma cultura, estará recebendo carinho, alimentação e saúde. Participará de todos os movimentos sociais com seus familiares. Sendo assim, de acordo com a metáfora citada, receberá água, sol, chuva e vento. Contudo, faltará o fertilizante, se pensarmos na comunicação da criança. Convidamos você a ler e a refletir a fábula escrita por Emily Perl Kingsley: Bem-vindo à Holanda Frequentemente sou solicitada a descrever a experiência de criar um filho portador de deficiência para tentar ajudar as pessoas que nunca compartilharam dessa experiência única a entender, a imaginar como deve ser. É mais ou menos assim... Quando você vai ter um bebê, é como planejar uma fabulosa viagem de férias - para a Itália. Você compra uma penca de guias de viagem e faz planos maravilhosos. O Coliseu. Davi, de Michelangelo. As gôndolas de Veneza. Você pode aprender algumas frases convenientes em italiano. É tudo muito empolgante. Após meses de ansiosa expectativa, finalmente chega o dia. Você arruma suas malas e vai embora. Várias horas depois, o avião aterrissa. A comissária de bordo chega e diz: "Bem- vindos à Holanda!". "Holanda?!?” Você diz, "Como assim, Holanda? Eu escolhi a Itália. Toda a minha vida eu tenho sonhado em ir para a Itália". Mas houve uma mudança no plano de voo. Eles aterrissaram na Holanda e é lá que você deve ficar. O mais importante é que eles não te levaram para um lugar horrível, repulsivo, imundo, cheio de pestilências, inanição e doenças. É apenas um lugar diferente. Então, você deve sair e comprar novas guias de viagem. E você deve aprender todo um novo idioma. E você vai conhecer todo um novo grupo de pessoas que você nunca teria conhecido. É apenas um lugar diferente. Tem um ritmo mais lento do que a Itália, é menos vistoso que a Itália. Mas depois de você estar lá por um tempo e respirar fundo, você olha ao redor e começa a perceber que a Holanda tem moinhos de vento, a Holanda tem tulipas, a Holanda tem até Rembrandts.Mas todo mundo que você conhece está ocupado indo e voltando da Itália, e todos se gabam de quão maravilhosos foram os momentos que eles tiveram lá. E toda sua vida você vai dizer "Sim, era para onde eu deveria ter ido. É o que eu tinha planejado". E a dor que isso causa não irá embora nunca, jamais, porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa. No entanto, se você passar sua vida de luto pelo fato de não ter chegado à Itália, você nunca estará livre para aproveitar as coisas muito especiais e absolutamente fascinantes da Holanda. FONTE: KINGSLEY, E. P. Bem-vindo à Holanda. 1987. Disponível em: http://www.celsoantunes. com.br/bem-vindo-a-holanda-fabula-escrita-por-emily-pearl-kingsley-em-1987/. Acesso em: 30 out. 2018. IMPORTANT E TÓPICO 1 | MARCOS HISTÓRICOS 15 Essa fábula define o que a maioria dos pais ouvintes sente ao receber o laudo de surdez de seu filho. Diferentemente de outras deficiências ou doenças que podem ser detectadas durante a gestação, a surdez somente é descoberta após o nascimento do bebê. Atualmente, já nas primeiras horas de vida, o bebê passa pelo teste da orelhinha e a surdez é detectada precocemente. Muitos surdos são contra o teste da orelhinha, pois a partir do momento em que os pais descobrem a surdez, esquecem-se de olhar para seus filhos e tentar fazer um contato visual que passe segurança. Pais passam a correr contra o tempo, alguns discutem, tentando descobrir de quem foi a culpa, e apesar que suas vidas giram em torno da surdez do filho, acabam se afastando. O documentário: Sou surda e não sabia, de 2009, retrata muito bem esse momento de distanciamento entre pais ouvintes e filhos surdos. Vale a pena conferir e conhecer melhor o processo de aceitação. Marcamos essa diferença entre o mundo ouvinte e o mundo surdo e como cada um se constitui a fim de que fique mais claro compreender a existência de uma cultura minoritária dentro de uma cultura majoritária. No Tópico 2 adentraremos nas curiosidades dessa cultura encantadora. 16 Neste tópico, você aprendeu que: • A história dos povos surdos surge com os professores ouvintes que iniciaram os trabalhos com surdos filhos dos nobres através da evolução da medicina para a cura da surdez e pelas metodologias utilizadas por ouvintes na educação dos surdos. • No século XVI, os surdos não eram reconhecidos pela lei como pessoas, por não saberem falar e ler. Ainda, considerados incapazes, desprovidos de inteligência, não tinham o direito de ter seus nomes incluídos no rol de heranças das famílias nobres. • Foi naquela época que nomes como Pedro Ponce de Léon, os Braidwoods, Amman, Perreire e Deschamps começam a aparecer na sociedade. Ouvintes, de diversos lugares, dispostos a ensinar os filhos surdos dos nobres. • A partir do Congresso de Milão os professores ouvintes, que na sua maioria não conheciam a Língua de Sinais, passaram a ensinar alunos surdos, ocupando as vagas dos professores surdos e, cada vez mais, o inglês foi se tornando a língua de instrução de alunos surdos. • A cultura surda é um conjunto de costumes daqueles que entendem o mundo de uma forma muito diferente da grande maioria. O mundo para as pessoas surdas acontece a partir da visão, tato, olfato e paladar. RESUMO DO TÓPICO 1 17 1 Relembrando os fatos históricos das pessoas surdas e a sua cultura, revisite o texto e assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) L’Epée fundou uma escola em 1775 e foi a primeira a angariar recursos públicos. Em 1776 seu livro escrito de modo revolucionário foi publicado pela primeira vez, tornando-se uma obra clássica, disponível em muitas línguas. b) ( ) A história dos surdos no Brasil tem os mais importantes registros a partir da fundação do Colégio Nacional para Surdos-Mudos no século XX, ideia trazida pelo francês L’Epée, que apresentou um relatório com sua intenção de fundar uma escola de surdos no Brasil. c) ( ) No Brasil, as deliberações do Congresso de Milão afetaram de forma devastadora a educação de surdos. O INES também não adotou o oralismo. d) ( ) A cultura surda é um conjunto de costumes daqueles que entendem o mundo de uma forma muito diferente da grande maioria. O mundo para as pessoas surdas acontece a partir do oralismo. e) ( ) A ausência de audição faz com que o corpo do sujeito surdo se encarregue em distribuir para os demais órgãos sensoriais as funções designadas ao ouvido. 2 De acordo com Skliar (1998, p. 28), “talvez seja fácil definir e localizar, no tempo e no espaço, um grupo de pessoas, mas quando se trata de refletir sobre o fato de que nessa comunidade surgem – ou podem surgir – processos culturais, é comum a rejeição à ideia da "cultura surda [...]". Assinale V (Verdadeiro) ou F (Falso) às ações que dizem respeito aos processos culturais: ( ) Ao pensarmos cultura enquanto conjunto de hábitos sociais ou normas de comportamento, subentende-se que as diversidades culturais se dão a partir das igualdades regionais. ( ) O indivíduo que assume a surdez, utiliza a Língua de Sinais como língua materna, exige o direito ao intérprete de Libras e que luta por seus direitos linguísticos e sociais é o sujeito que assume sua identidade de surdo político. ( ) Há também um tipo de identidade que pode acometer qualquer ouvinte: a identidade dupla, que nada mais é que uma pessoa que nasce e se constitui como sujeito ouvinte, mas que em um determinado momento de sua vida, seja por acidente, idade avançada ou por questões clínicas, perde sua audição. ( ) Toda a busca por aparelhos auditivos, implantes cocleares e terapias com o profissional fonoaudiólogo, entre outros recursos, podem e devem ser feitos pelos pais, desde que não esqueçam que, por trás daqueles ouvidos que “não funcionam”, existe um sujeito que compreende o mundo através dos estímulos visuais e, certamente, para ele, a expressão que vê no rosto dos seus pais deve ser angustiante. AUTOATIVIDADE 18 Agora, assinale a alternativa CORRETA de acordo com o preenchimento anterior: a) ( ) V – V – V – F. b) ( ) F – F – V – F. c) ( ) V – V – F – V. d) ( ) V – F – F – V. 3 Como já visto: “Atualmente, já nas primeiras horas de vida, o bebê passa pelo teste da orelhinha e a surdez é detectada precocemente. Muitos surdos são contra o teste da orelhinha, pois a partir do momento em que os pais descobrem a surdez, esquecem-se de olhar para seus filhos e tentar fazer um contato visual que passe segurança”. Refletindo sobre o fato de muitos surdos serem contra o teste da orelhinha, responda em forma de texto à seguinte pergunta: O surdo está equivocado nesse pensamento? Justifique. 19 TÓPICO 2 PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Quando falta a oportunidade de conhecer e/ou conviver com pessoas surdas, não compreendemos muitas questões. Não somos capazes de mensurar o que é viver e se constituir em um mundo sem som. É encantador entrar nesse universo cheio de expressões corporais, faciais e cheio de emoções. Após conhecer e conviver com elas, conseguimos ter uma noção de fragmentos da sua vida cotidiana. Incrível é viver em um ambiente cheio de limitações, buscando estratégias criativas para coexistir. Neste tópico, percorreremos acerca das peculiaridades da cultura surda. Abordagens nos âmbitos escolar, social e na saúde serão pontos para a desconstrução de um olhar que se constituiu do lado de fora da história. Vivemos em uma sociedade capitalista na qual dormimos pouco e trabalhamos muito. Vivemos correndo em uma busca desenfreada e constante em direção ao primeiro lugar. A pergunta que fica é: aonde se quer chegar? Esse campo de batalha que se tornou nossas vidas fez acelerar o ritmo dos relógios e quando menos esperamos se passou o dia, a semana, o mês e o ano. Ainda, lá vamos nós mais uma vez, dormindo com a sensação de incompletude. Se mesmo neste ritmo louco conseguirmos mudar nossa postura e construir uma nova perspectiva, passaremos a (re) ver nosso tempo e iremospriorizar questões que realmente importam. Reconstruir o olhar acerca das pessoas surdas e assumir nosso papel na história também são compromissos. Você encontrará, nas próximas linhas, informações que despertarão tristeza, preocupação e indignação. No entanto, também perceberá que, com a evolução das tecnologias, as barreiras estão cada vez mais sendo quebradas e podemos vislumbrar um futuro mais acessível. Dará boas risadas ao conhecer as inúmeras curiosidades que estão por trás dessa forma de viver e concluirá que, apesar de tantas limitações, somos todos iguais. 2 COMO PODEMOS COMPREENDER E ENVOLVER AS PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA? Desde que as pessoas surdas passaram a ocupar seus espaços na sociedade, estabelecer uma comunicação entre surdos e ouvintes tornou-se um grande desafio. As duas formas de comunicação são muito distintas. De um lado UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 20 temos a modalidade gestual-visual e de outro a oral-auditiva. Encontramos aí a primeira e maior barreira a ser superada: a barreira linguística. Há de se convir que a barreira poderia ser desconstruída, uma vez que ouvintes aprendessem a Língua de Sinais. Sacks (1998) mostra que isso é possível quando nos conta que, na Ilha Martha’s Vineyard, de Massachussetts, surdos e ouvintes utilizam a Língua de Sinais. É, por enquanto, utopia para a nossa realidade. Para que possamos compreender as peculiaridades dessa cultura, precisamos sair um pouco do nosso lugar, deslocar nosso pensamento para fora do conforto auditivo, de onde podemos fechar os olhos e ouvir o som do mar. Podemos sentar com a família e ouvir as histórias contadas pelos avós. Podemos estar sentados em uma sala de aula, ouvindo as explicações de um professor enquanto anotamos os aspectos mais relevantes. Em um lugar onde não temos dificuldades em compreender os processos da nossa língua na modalidade escrita, pois crescemos ouvindo-a e, no momento de transcrevê-la para o papel, podemos utilizar nossa memória auditiva como apoio. Meus olhos são minha vida, são meu canal primordial, mais intenso, mais completo, mais arguto com a realidade, sendo que a percepção é maior, por exemplo, se alguém me pergunta como ocorreu um fato. Explicarei o que vi, e não ouvi. Se é feita a mesma pergunta para o ouvinte, ele declarará pelo contrário: mais do que ouviu do que viu (WITKOSKI, 2015, p. 87). Ao sairmos de nossa zona de conforto, torna-se mais fácil compreender o quão diferente é a constituição de um ser humano que nasce sem a audição. Passamos a imaginar como seria viver todos os dias tentando compreender o mundo apenas pelas informações captadas visualmente. Façamos agora um clássico exercício de empatia: • Baixe o volume de sua televisão e tente entender o que está sendo dito no seu programa favorito. Vale tentar leitura labial, interpretar expressões corporais, imagens etc. • Agora, utilize o recurso de legenda oculta (Closed Caption – CC). Como se sentiu? Na verdade, o Closed Caption pode não funcionar em alguns canais, pois ainda não abrangeu todos os programas televisivos. Embora seja uma exigência da lei de acessibilidade, esse recurso ainda deixa muito a desejar. Muitas palavras são escritas de modo errôneo e em alguns momentos a legenda está em desacordo com o tempo de fala. Acreditamos que se você fez esse exercício, estará mais sensível para compreender as especificidades dessa cultura. Colocando-se no lugar de uma pessoa surda, torna-se possível adentrar num campo novo e perceber o motivo pelo qual há tantos movimentos em busca de escolas bilíngues, de direito ao intérprete de Libras nos locais públicos, de legenda nos filmes. O surdo reivindica direito a cada passo dado em um mundo extremamente ouvinte. TÓPICO 2 | PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA 21 Muitas dúvidas permeiam a mente. A Língua de Sinais é universal? É mímica? O surdo vive no silêncio total? Por que ele não oraliza? Ele sabe falar? Essas e outras perguntas são frequentes aos intérpretes de Libras e aos surdos. Nos cursos e disciplinas de Língua de Sinais, percebe-se que os ouvintes têm inúmeras perguntas ao sujeito surdo, mas se calam por receio de ofender. Contudo, para se envolver com a cultura surda, o primeiro passo é justamente se aproximar, mesmo que seja para fazer uma pergunta que num primeiro momento aparenta ser absurda. Só conhecendo se pode envolver. Alguns mecanismos são considerados meios de sobrevivência da cultura surda. A própria cultura é um meio de sobrevivência quando concebemos que a comunicação em Língua de Sinais não é utilizada por todos os brasileiros. Ouvintes puxam assunto em qualquer lugar: na fila do banco, na farmácia, ponto de ônibus. Em variadas situações, grupos de ouvintes em um instante se juntam e comentam sobre assuntos diversos. A deficiência auditiva tem por característica física o uso do aparelho auditivo, o que não ocorre com pessoas surdas usuárias da Língua de Sinais, que não utilizam o aparelho amplificador e a surdez não é percebida, sendo invisível aos olhos do outro. Ainda, quando estão circulando na sociedade e são chamadas para uma conversa, sinalizam com o dedo indicador direcionado ao ouvido, fazendo a expressão “Não ouço”. Esse gesto provoca uma reação imediata de distanciamento e a pessoa ouvinte se desculpa e vai em busca de pares para conversar sobre coisas triviais, deixando o surdo de lado. Isso não representa um ato de preconceito, simplesmente comprova que as pessoas ouvintes não conseguem se comunicar com pessoas surdas com a mesma desenvoltura e naturalidade que se comunicam com falantes da mesma língua. Partindo do pressuposto que pessoas precisam umas das outras para a constituição, a comunidade surda se fomenta a partir de encontros intencionais nas associações de surdos. Há momentos de lazer, esporte, cultura e é onde acontece o compartilhamento de informações, que é uma das características mais importantes da cultura surda, uma vez que há situações difíceis de comunicação durante toda a trajetória de vida. As associações de surdos são compostas por diretores não ouvintes e tudo lá acontece em Língua de Sinais. É o lugar onde familiares e amigos se encontram para debates sobre assuntos sérios e trivialidades do cotidiano e para atualização, pois a Língua de Sinais é uma língua viva que se modifica tanto quanto a Língua Portuguesa. Novas gírias e novos vocabulários surgem. Outro mecanismo de sobrevivência da cultura surda é o que Karnopp, Klein e Lazzarin (2011, p. 140) chamam de “Arena Educacional”. Embora arena pareça ser uma palavra inadequada, por remeter à ideia de combates, lutas e batalhas, muitas vezes é assim que a pessoa com surdez se sente no ambiente escolar. Conforme estudado no Tópico 1 deste livro, a educação de surdos passou por várias fases. Muitos são os desafios desses alunos no ambiente escolar. No que diz respeito à educação, ainda está muito longe do ideal e infelizmente ainda não se considera a importância da Língua de Sinais nesse espaço. Não se cumpre o (bi) linguismo, ou seja, não existem duas línguas permeando o espaço escolar, elas não coexistem. Existe apenas uma língua dominante que é a língua UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 22 oral e uns poucos usuários da Língua de Sinais. Essa situação torna-se prejudicial para o desenvolvimento do aluno surdo, pois em momentos escolares, devido à dinâmica que na maioria das vezes acontece com todos falando ao mesmo tempo, o aluno perde consideravelmente aspectos importantíssimos para a aquisição de conceitos. Ao olhar o movimento da sala perde a tradução feita pelo intérprete e, ao prestar atenção no intérprete, perde informações visuais. No processo de aquisição de leitura, um aluno ouvinte, após compreender os sons das letras e a junção das sílabas, torna-se capaz de ler qualquer palavra. Ao ouvir o som, faz uma ligação com a imagem e automaticamenteacessa o conceito dela em sua memória. A criança surda faz isso também, porém utilizando os sinais. Ao visualizar um sinal, ela busca em sua memória a imagem, relacionando-a ao seu conceito. Porém, quando chega às questões de escrita, a diferença começa a aparecer no desenvolvimento dessas duas realidades. A Língua de Sinais não traz em sua estrutura pistas que auxiliem na escrita, por ser uma língua visual- gestual e não oral-auditiva. É nesse ponto que a criança surda vai se distanciando da criança ouvinte e, se a escola não der o devido valor e importância, essa lacuna tende a crescer de tal forma a não se dar mais conta de resgatar. A escola é a instituição responsável pelo ensino/aprendizagem da língua escrita. Envolver a cultura surda nesses espaços pode ser uma forma de despertar leitores surdos, diminuindo o fracasso na leitura e escrita. A grande magia desse processo está no prazer de usufruir de forma autônoma e fluente. Para isso, o professor conta com o apoio do profissional intérprete de Libras, que estará em sala em todos os momentos. Grande parte dos profissionais julga não dar conta de ensinar um aluno surdo pela falta de domínio da sua Língua. Sabemos que seria muito mais rico e eficaz o professor conversar diretamente com o aluno surdo, sem a necessidade de outro profissional, mas sabemos também que a Língua de Sinais, como qualquer outra língua, tem seu tempo de aquisição. Tempo esse que o professor não dispõe. Ainda, tendo garantido por lei o direito ao intérprete de Libras, o professor pode correr contra o tempo para buscar informações e compreender de que forma esse aluno aprende, pois a comunicação acontecerá de qualquer forma. Atualmente vemos, em sala de aula, intérpretes que se tornam professores do aluno surdo. O profissional, na maioria dos casos e principalmente no que diz respeito aos anos finais do ensino fundamental, não tem formação por área. Por mais boa vontade que possa demonstrar em auxiliar no ensino do aluno surdo, o mesmo não dá conta de assumir esse papel, pois, além de esbarrar nas questões curriculares, acaba exercendo uma função que não lhe cabe. O intérprete especialista, para atuar na área da educação, deverá ter um perfil para intermediar as relações entre os professores e os alunos e entre os colegas surdos e os colegas ouvintes. No entanto, as competências e responsabilidades desses profissionais não são tão fáceis. Há vários problemas de ordem ética que acabam surgindo em função do tipo de intermediação que acaba acontecendo em sala de aula. Muitas vezes, o papel do intérprete em sala de aula acaba sendo confundido com o papel do professor. Os alunos dirigem questões diretamente ao intérprete, comentam e travam discussões em relação aos tópicos abordados TÓPICO 2 | PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA 23 com o intérprete e não com o professor. O próprio professor delega ao intérprete a responsabilidade de assumir o ensino dos conteúdos desenvolvidos em aula ao intérprete. Muitas vezes, o professor consulta o intérprete a respeito do desenvolvimento do aluno surdo, como sendo ele a pessoa mais indicada a dar um parecer a respeito. O intérprete, por sua vez, se assumir todos os papéis delegados por parte dos professores e alunos, acaba sendo sobrecarregado e, também, acaba por confundir o seu papel dentro do processo educacional, um papel que está sendo constituído (QUADROS, 2004, p. 60). Uma vez que o professor regente ou professor da área busque compreender e conhecer o aluno surdo que está sob sua responsabilidade, mais fácil será traçar e atingir objetivos de aprendizagem. Vale ressaltar que todos os profissionais envolvidos são responsáveis pela aquisição da língua escrita desse aluno. Acredita-se que, desconstruindo algumas crenças em relação ao aluno surdo, torna-se possível e muito mais fácil constituir sujeitos surdos leitores, usuários de uma língua escrita. Com isso, diminuiremos a sensação que muitos surdos sentem, como se fossem estrangeiros em seu próprio país. Já nas escolas bilíngues ou escolas com classes especiais para surdos a realidade é muito diferente. Os conteúdos são ministrados por professores usuários da Língua de Sinais, que oferecem os conteúdos diretamente nessa língua, sem a necessidade de um intérprete de Libras. Os alunos surdos questionam diretamente o professor e conseguem acompanhar os questionamentos dos colegas, pois tudo o que acontece em sala de aula é na Língua de Sinais. Eles convivem como seus pares, participam dos debates, vivenciam diversas situações, reivindicam direitos, cumprem seus deveres, tudo em tempo real. Porém, mesmo sendo um espaço propício para o sujeito surdo, e estar previsto em lei, ainda há uma grande resistência do Ministério da Educação quanto a esse tipo de educação. Por fim, vários movimentos para que essas escolas ou classes sejam fechadas acontecem com frequência. A relação entre o surdo e a leitura proficiente tem sido conturbada. O que se cultiva é que, exigindo a língua escrita de seu país, está desrespeitando sua cultura e sua identidade. Ledo engano. A aquisição da língua escrita é direito de todo o cidadão, independentemente da sua língua ser oral ou gestual. Notamos que esse processo é ainda objeto de estudo para pesquisadores, professores e familiares. No que diz respeito à aquisição da leitura e escrita por pessoas privadas da audição, a exposição a esses recursos é fator imprescindível. Porém, a Língua de Sinais é gestual e a língua escrita não aparece nos momentos de sinalização, a não ser em algumas palavras soletradas. Por esse motivo, a escrita é pouco utilizada na comunicação das pessoas surdas. Outro campo delicado para surdos é o da saúde, embora o Decreto 5626/05 preconize “atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e interpretação” (BRASIL, 2005). Uma grande UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 24 parcela da população não ouvinte vai a uma consulta médica ou ao plantão acompanhada por um familiar ou amigo, por não conseguir se comunicar de forma plena. Há relatos de surdos que ficam sem saber o que está acontecendo na própria consulta. Acompanhante e médico passam a conversar entre si, fazendo repasses fragmentados e resumidos. Essa experiência é fator determinante para que o paciente surdo busque o auxílio do tradutor intérprete de libras. Há ainda casos em que paciente e médico comunicam-se através da escrita, gerando muitas dúvidas por ambas as partes pelas questões linguísticas já mencionadas anteriormente. Refletir sobre as questões de saúde para pessoas surdas nas mais variadas situações é também uma forma de se envolver com a cultura. Ouvintes adultos vão ao médico, relatam suas queixas, ouvem o diagnóstico e as orientações de forma autônoma. Todavia, você já parou para pensar como aquela mãe surda faz para se comunicar com o médico no seu pré-natal? E aquele adolescente que tem dúvidas e gostaria de ir a uma consulta sem ninguém saber? Para essas pessoas, ir ao médico é algo que gera dependência, pois é preciso a mediação de outrem. Ainda, por mais que o Decreto 5626/05 ainda traga em seu Artigo 25, no Item 10, o “apoio à capacitação e formação de profissionais da rede do SUS para o uso de Libras e sua tradução e interpretação” (BRASIL, 2005), não encontramos esse profissional nas redes de serviços médicos. Nesse sentido, nem é incomum para o surdo compartilhar em detalhes suas doenças, os procedimentos envolvidos no tratamento médico e todos os efeitos colaterais para obter um melhor entendimento de sua condição médica. Esse ato de compartilhamento também é feito para dar suporte a outros que tenham o potencial de desenvolver condições semelhantes de saúde. Por exemplo, um surdo que sofre de distúrbio intestinalou diarreia crônica pode descrever explicitamente para seus amigos a aparência, textura, cheiro e frequência de suas fezes. Além disso, uma descrição vivida da dificuldade de fazer uma coleta de fezes, o embaraço de levar a amostra ao laboratório e os procedimentos envolvidos em uma colonoscopia são, com frequência, recontados, não deixando espaço para a imaginação ou representação equivocada da situação. Essa provisão gráfica de informações é benéfica, pois permite que os outros surdos aprendam com a experiência dessa pessoa e sejam mais eficientes na gestão de sua própria assistência médica (HOLCOMB, 2011, p. 142). A importância das associações de surdos aparece mais uma vez, quando emerge a necessidade da relação entre os pares. O envolvimento de ouvintes fluentes em Língua de Sinais nesses espaços pode ser a ponte entre os dois mundos. Muitas experiências podem ser trocadas nesses momentos e uma cultura pode complementar a outra. Há muitas dúvidas, muitas construções irreais e muita coisa para se aprender nas duas. Sendo assim, a cultura oferece acesso à resolução de problemas historicamente criados. TÓPICO 2 | PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA 25 3 CURIOSIDADES SOBRE A CULTURA SURDA Embora existam muitas barreiras a serem enfrentadas, a cultura surda tem um aspecto encantador e de valor imensurável. É recheada de curiosidades e peculiaridades que vale a pena conhecer e compreender que há muito mais por trás de uma pessoa surda do que a falta de audição. Antes de entrar nesse assunto tão instigante, vamos verificar como está seu conhecimento acerca dessa cultura. Reflita e responda sobre as seguintes perguntas: 1- O surdo pode ter carteira de habilitação? Se sua resposta for sim, explique como ele fará se alguém buzinar ou se vier uma ambulância. 2- Dependerá sempre de um ouvinte ou pode adquirir autonomia até mesmo para morar sozinho? 3- Uma mãe surda pode morar sozinha com seu filho? Vejamos agora o que você acertou: 1- Se a sua primeira resposta foi afirmativa, você está bem informado. Sim, o surdo tem o direito de ter sua habilitação. Inclusive o Detran de alguns Estados está cadastrando intérpretes de Libras para atuarem nas aulas teóricas e práticas. Em alguns locais, as provas já estão em formato acessível na Língua de Sinais. De fato, o condutor surdo não ouvirá as buzinas ou mesmo a sirene de ambulâncias e viaturas. Entretanto, pode visualizar através dos espelhos os sinais de luz emitidos. Para que o condutor surdo seja identificado, deve ser colocado no carro, de forma visível, o símbolo nacional de surdez. FIGURA 4 – SÍMBOLO NACIONAL DE SURDEZ FONTE: <https://portaldotransito.com.br/wp-content/uploads/2016/09/simbolo_surdez- 300x225.jpg>. Acesso em: 16 dez. 2018. 2- Sim, com certeza! Muitos surdos, solteiros ou casados moram sozinhos. Atualmente, a tecnologia facilita muito a comunicação. Quando alguém chega na casa de uma pessoa que não ouve, pode mandar uma mensagem de texto ou via WhatsApp para informar que está aguardando na porta. Mas há também inusitadas adaptações que podem ser utilizadas para a acessibilidade e autonomia na casa dessas pessoas. Campainhas sonoras são uma boa adaptação. Esses tipos de campainhas estão disponíveis para venda, porém, há pessoas que utilizam as habilidades criativas e criam seus próprios sistemas de campainha, instaladas UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 26 até mesmo em prédios e são monitoradas por câmeras. Escolas bilíngues ou com classes especiais para surdos também adotam o mecanismo de sinais luminosos. Nas escolas regulares de ensino, encontram-se alguns projetos objetivando o investimento desses equipamentos para a acessibilidade. Os sinais luminosos são acoplados ao sinal sonoro da escola e quando este emite o som, as luzes instaladas nas salas, banheiros e pátio acendem no mesmo instante. FIGURA 5 – CAMPAINHA LUMINOSA FONTE: <https://proincluir.org/wp-content/themes/incluir/assets/modules/surdez/cultura- surda/img/01.jpg>. Acesso em: 16 dez. 2018. 3- Muito bem, acertou se você acredita que uma mãe surda é capaz de cuidar do seu bebê sozinha! E há diversas maneiras de saber se o bebê está chorando, algumas colocam o bebê na cama e ficam com o braço encostado. Entretanto, essa opção não é tão segura, uma vez que a mãe pode dormir profundamente, virando-se para o outro lado e não perceber quando o filho se movimenta ou chora. Outra parte utiliza o aparelho auditivo durante o sono para ampliar o som do bebê chorando, mas isso funciona somente para mães que têm um pouco de resíduo auditivo, o que não é o caso de mães com surdez profunda ou severa. É muito interessante quando o povo surdo usa a sua criatividade em busca de liberdade e autonomia. Alguns até criam engenhocas para captar o som do choro do bebê ou qualquer movimento no berço, cujo aparelho vibra embaixo do travesseiro dos pais. Contudo, graças às tecnologias que aparelhos modernos e eficazes estão sendo produzidos, como é o caso da babá eletrônica com a função “vibrar”. FIGURA 6 – BABÁ ELETRÔNICA COM VIBRAÇÃO FONTE: ENAP (2016, p. 18) TÓPICO 2 | PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA 27 Outras curiosidades fazem parte do cotidiano do não ouvinte: Para acordar de manhã sem precisar da ajuda de um ouvinte, grande parte dos surdos utiliza o celular embaixo do travesseiro. Porém a função “vibrar” do celular não tem tanta potência, e alguns acabam se perdendo no horário. Mais uma vez a tecnologia está a favor dos surdos e muitos são os recursos para não passar da hora. Além de dispositivos que podem ser colocados embaixo do travesseiro há, também, relógios de pulso que vibram. FIGURA 7 – DESPERTADOR PARA SURDOS FONTE: ENAP (2016, p. 19) FIGURA 8 – LEGENDA PARA QUEM NÃO OUVE FONTE: <https://meandros.files.wordpress.com/2007/04/novo-1.jpg>. Acesso em: 16 dez. 2018. Você sabia que a maioria dos filmes brasileiros não possui legenda em português? Há muitos filmes, brasileiros e estrangeiros, apresentados em sessões de cinema que são dublados, sem opção de legenda. Já questionamos uma rede de cinemas sobre o fato e a justificativa foi que os filmes dublados são mais baratos. Se você também ficou indignado, informe-se para participar da campanha “Legenda para quem não ouve, mas se emociona”, que desde 2004 UNIDADE 1 | MARCOS HISTÓRICOS: NOVAS REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DOS SURDOS 28 realiza encontros nos principais festivais de cinema e teatro espalhados pelo Brasil, como o CINE-PE, Festival de Cinema de Gramado, Festival de Teatro de Curitiba, Festival de Cinema do Rio de Janeiro e muitos outros. FIGURA 9 – CAMPANHA LEGENDA NOS FILMES FONTE: <http://www.legendanacional.com.br/>. Acesso em: 16 dez. 2018. Há outras curiosidades interessantes sobre os usuários da Língua de Sinais: • Pessoas que utilizam a língua gestual podem se comunicar estando uma dentro do ônibus e a outra do lado de fora. • Podem comer enquanto falam. Todavia, alguns fatos engraçados também acontecem: • Em festas precisam estar sempre próximos a uma mesa para apoiar copos e garrafas para liberação das mãos e é comum o usuário derrubar esses objetos ou alguém quando faz um sinal. • Têm surdos que gostam de ir às baladas pois sentem a vibração e muitos dançam a noite inteira. FIGURA 10 – CHARGE FONTE: <http://www.notisurdo.com.br/icones/almococoinversa.jpg>. Acesso em 15 de dezembro de 2018. TÓPICO 2 | PECULIARIDADES DA CULTURA SURDA 29 FIGURA 11 – CHARGE FONTE: <http://www.notisurdo.com.br/beneficiossurdos.html>. Acesso em: 15 dez. 2018. FIGURA 12 – CAMPANHAS SURDAS FONTE: <https://www.notisurdo.com.br/escolabilingue.html>. Acesso em: 16 dez. 2018. 30 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Colocar-se no lugar do surdo torna mais clara a compreensão da sua cultura. • Existe uma grande diferença entre escolas de inclusão e escolas bilíngues e as duas são uma opção da família. • Alguns mecanismos são considerados meios de sobrevivência
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