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Livro-Texto Unidade II ANTROPOLOGIA: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS (SOCIOLOGIA

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Unidade II
5 ARTE, CULTURA E PATRIMÔNIO
Já vimos os desafios da antropologia contemporânea concernentes a observar não só culturas 
estrangeiras, mas também sua própria; nesse sentido, vamos focalizar agora a construção de nossa 
identidade por meio dos bens culturais que nos representam: os patrimônios culturais e a arte. Para 
compreendermos melhor esse universo cultural, discorreremos sobre a visão antropológica que leva em 
conta o ponto de vista do nativo na percepção do patrimônio.
Dialogamos com a noção de historicidade já trabalhada, uma vez que o patrimônio tenta reconstruir 
a história de um povo. No entanto, devemos lembrar que a noção de história faz parte da sociedade 
ocidental moderna, e a noção de tempo é mais universal às diversas culturas.
Também dialogamos com a ética do antropólogo debatida, pois, ao trabalhar junto de políticas 
públicas de ações afirmativas, cabe o desafio de se manter fiel aos princípios metodológicos ou se curvar 
aos interesses de mercado.
5.1 Ampliando o conceito de patrimônio
No Brasil, o órgão responsável pela defesa do patrimônio é o Instituto do Patrimônio Histórico 
e Artístico Nacional (Iphan), vinculado ao Ministério da Cultura; estados e municípios possuem os 
conselhos de defesa e preservação. O Iphan foi criado em 1937, e entende por patrimônio cultural:
[...] formas de expressão, modos de criar, fazer e viver. Também são assim 
reconhecidas as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, 
documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações 
artístico-culturais; e, ainda, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, 
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico 
(IPHAN, [s.d.]).
De acordo com Lima Filho et al. (2007, p. 30-1), houve dois projetos para o Iphan, um de Mário 
de Andrade, que seria “mais culturalista e antropológico, privilegiando uma noção de patrimônio que 
enfatiza os aspectos mais intangíveis da cultura, como manifestações diversas da cultura popular”, e o 
outro projeto, o vencedor, de Rodrigo de Melo Franco de Andrade, que privilegiava os aspectos materiais 
do patrimônio, pautado em critérios históricos e artísticos que legitimavam a visão de um grupo de 
gestores. Assim, em seu início, houve uma forte visão hegemônica do patrimônio nacional.
Segundo Pedro Funari (2001), mestre em antropologia social, patrimônio se refere a uma 
propriedade, uma herança, um monumento, uma lembrança vinda do pai ou dos antepassados que 
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ANTROPOLOGIA: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
nos faz pensar, que nos ligam de modo subjetivo e/ou afetivo aos nossos antecessores. Já a ideia 
de propriedade cultural é menos pessoal, ligando um monumento à sociedade em termos políticos.
Monumentos históricos, arqueológicos e arquitetônicos, restos arqueológicos e patrimônios 
culturais fazem parte da cultura material que constrói a memória e a identidade dos povos, eles 
transmitem conhecimento, compreensão e consciência, portam mensagens e são usados para produzir 
significados a partir da reflexão. No entanto, existe uma manipulação política dos bens materiais do 
passado para a fundação de uma identidade e de uma sociedade harmônica e acessível apenas pelas 
elites (FUNARI, 2001).
José Reginaldo Gonçalves (2007), doutor em Antropologia da Universidade de Virgínia (EUA), 
nos faz refletir sobre a relação da identidade com a posse de objetos. As identidades pessoais e 
coletivas da modernidade são arquitetadas por meio de símbolos materiais e imateriais expostos 
em museus. A antropologia tem uma relação íntima com os museus, seus objetos e história, a 
função do museu é de permitir a compreensão da identidade de sociedades tanto modernas como 
antigas, e nos museus estão presentes objetos produzidos e utilizados por cada grupo social a fim 
de conferir um sentido e contexto de uso de tais objetos. Ou seja, o que se entende por patrimônio 
cultural é, em parte, a posse de uma coleção de objetos que definem a identidade de pessoas e 
grupos. O conjunto de indivíduos deve possuir o patrimônio, isto é, a cultura é vista como uma 
coisa a ser possuída, preservada e restaurada.
As obras de arte na modernidade representam os bens culturais que fazem parte do patrimônio 
nacional. Quando se fala em etnicidade ou nacionalidade, muitas vezes, os patrimônios culturais 
são utilizados para a criação de tais ideias e para a construção da identidade étnica ou nacional. 
A nação e a etnicidade são entendidas como “uma unidade objetiva, autônoma e dotada de 
nítidas fronteiras territoriais e culturais e de continuidade no tempo” (GONÇALVES, 2007, p. 
121). Esse grupo social é formado por um conjunto de indivíduos autônomos dissociados de sua 
ordem cósmica. O que significa que cada indivíduo – de modo livre – possui sua autenticidade, 
sua identidade, e que a nação ou etnia é formada por um conjunto de indivíduos que juntos 
constituem uma unidade objetiva.
O patrimônio seria, portanto, o lugar em que agentes estatais especialmente 
treinados coletariam fragmentos de tradições culturais diversas para 
reuni-los num conjunto artificialmente criado[,] voltado para representar a 
ideia de uma totalidade cultural artificialmente criada [e] expressa pela ideia 
de nação (LIMA FILHO et al., 2007, p. 23).
Os bens que são classificados como patrimônio nacional têm uma função de fazer uma ligação 
temporal com o passado, garantindo uma continuidade temporal de cada povo. Os objetos possuem a 
capacidade de evocar o passado devido à memória, um recurso mnemônico de associar ideias e valores 
a objetos ou espaços. Para Gonçalves (2007), a ideia de que o passado e a memória são construtores 
de identidade é um conceito moderno de construir uma narrativa dos indivíduos (biografias) e das 
sociedades, uma ideia similar a de Hobsbawm sobre “tradições inventadas”.
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 Observação
Eric Hobsbawm (1917-2012) foi um importante historiador sobre 
a sociedade contemporânea. Suas principais obras foram: A Era das 
Revoluções (1962), A Era dos Impérios (1987) e A Era dos Extremos (1994), 
que retratam a história mundial de 1789 até 1991.
A seleção, construção e classificação de objetos e espaços simbólicos serve para reforçar a identidade, 
a ideia de nacionalidade ou etnicidade coletiva do presente. Se pensarmos nos nossos patrimônios 
tombados, nossa memória reflete a continuidade de um passado colonial barroco ao observarmos 
igrejas barrocas em Ouro Preto (Minas Gerais), ou nossa identidade negra, se pensarmos no terreiro Casa 
Branca de Salvador (Bahia). Ao olharmos esses objetos, podemos dizer que existe uma continuidade, 
uma memória com a qual nos identificamos como barrocos, religiosos, católicos mineiros ou negros, afro, 
nagô e baianos, e isso nos torna autênticos, portadores da mesma identidade de nossos antepassados.
A autenticidade é também um conceito moderno e histórico, refere-se a uma aura, a uma unicidade, 
a uma singularidade de um objeto em relação ao seu passado, algo significativo para seus possuidores 
e irreprodutível. Essa autenticidade só é possível quando se entende a etnia ou a nação como unidade 
real e autônoma, e quem faz a seleção da autenticidade do patrimônio é uma parcela da sociedade que, 
segundo Gonçalves (1988), podem ser “autoritários” ou “democráticos” na construção dessa identidade 
autêntica. Por isso, fala-se muito em patrimônio nacional, ao invés de patrimônio cultural.
Não podemos dizer quenão exista uma política de preservação do patrimônio, pois há, mas ela 
se atentava principalmente a preservar as casas-grandes ou sobrados, os fortes militares, as igrejas 
barrocas, câmaras e cadeias, que são as nossas referências para a construção da identidade histórica 
oficial; esquecendo-se das senzalas, favelas, casebres, mocambos e bairros operários. A cultura do povo 
não era digna de atenção, nem considerada relevante. O que se conceituava patrimônio, no Brasil, 
referia-se às elites e classes dominantes, tanto na arquitetura como na música ou nas artes.
 Saiba mais
Essa temática também é abordada pelo sociólogo brasileiro Octavio 
Ianni. Para conhecer melhor, leia a importante obra a seguir:
IANNI, O. Uma cidade antiga. Campinas: Editora da Unicamp, 1988.
Esse descaso com as classes populares é parte da construção histórica do Brasil e é reforçado em 
diversos campos das relações sociais, o patrimônio é apenas um desses campos. Na educação formal, 
continuando com Funari (2001), existe esse distanciamento entre a história e a memória do povo, 
pois se valoriza a história das classes dominantes, a visão dos “conquistadores”, enquanto as visão 
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dos indígenas, africanos e pobres é quase invisível, e quando aparece vem estereotipada, cheia de 
preconceitos e referências negativas. 
Vejamos alguns exemplos de imagens negativas que aparecem na nossa história:
Os índios eram considerados ferozes inimigos, dominados por séculos e isso 
pleno iure. Em famoso debate, no início do século XX, Von Ihering, então 
diretor do Museu Paulista, propôs o extermínio dos índios Kaingangs[,] que, 
segundo ele, estavam a atravancar o progresso do país (Schwarcz 1989: 59) 
e, mesmo que tenha sido desafiado por outros intelectuais, principalmente 
do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sua atitude era e ainda é muito 
sintomática da baixa estima dos indígenas, mesmo na academia. Basta 
lembrar que o material indígena proveniente do oeste do Estado de São 
Paulo, coletado há oitenta anos, à época de Von Ihering, apenas agora está 
sendo exposto, graças a um projecto inovador da Universidade de São Paulo 
(Cruz 1997): antes tarde do que nunca! 
Os negros, por sua parte, foram considerados como bárbaros ameaçadores 
ou, como disse, há pouco, um eminente e renomado historiador brasileiro, 
Evaldo Cabral de Mello (Leite 1996): “Não é possível negar o que era o 
Quilombo dos Palmares: era uma república negra, foi destruída e eu prefiro, 
para ser franco, que assim tenha sido. Por uma razão muito simples. Se 
Palmares tivesse sobrevivido, teríamos no Brasil um Bantustão, um Estado 
independente e sem sentido”. Assim, um importante historiador ainda 
se sente ameaçado pelos negros e parece mirar-se em Catão: delenda 
Palmares! Ser capaz de dizer tais disparates ex cathedra revela muito sobre a 
doutrinação, cheia de preconceitos que, de uma outra ou de outra maneira, 
acaba por atingir o próprio povo (FUNARI, 2001, p. 4-5).
Para Funari (2001), um dos principais problemas do distanciamento do povo com o patrimônio é a 
pouca comunicação e o pouco diálogo entre arqueólogos e o povo. Para ele, os arqueólogos deveriam 
trazer uma compreensão do passado buscando a integração do processo de resgate e do produto em 
diferentes mídias. 
Houve um período no qual os ideólogos do patrimônio cultural eram “autoritários”, na definição de 
Gonçalves (2007), e o Iphan tinha uma política de preservação e tombamento de monumentos arquitetônicos 
e obras de arte erudita. Apenas no fim dos anos 1970, com a criação da Pró-Memória, a ideia de patrimônio 
passou a incluir outros bens culturais, como documentos, artesanatos, festa, arte e religiões populares.
Vejamos o caso de Ouro Preto, em Minas Gerais. A cidade se erigiu por conta da mineração. Depois da 
queda econômica mineradora, a cidade parecia fantasma até os anos 1930, quando foi redescoberta por 
intelectuais modernistas e se tornou então “patrimônio nacional”; nos anos 1960, foi avaliada pela Unesco 
como “Cidade Patrimônio Mundial” e passou a ser considerada “patrimônio cultural da humanidade”. 
Nessas três primeiras décadas da redescoberta da cidade histórica, o Iphan tombou diversos monumentos 
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e igrejas nas cidades mineiras que fizeram parte da fase da mineração, principalmente em Ouro Preto. 
Cria-se um culto a Ouro Preto, às igrejas barrocas e às obras e a Aleijadinho, tornando a cidade em um 
símbolo da identidade brasileira e um ponto turístico. A autenticidade dos sobrados e das igrejas, mantém 
a aura da cidade como algo único e singular, e isso é vendido como a identidade nacional.
O que se criou, segundo Gonçalves (2007), foi uma ficção, as autoridades definiram o que é 
patrimônio, o que é memorável ou não. O que não for definido como autêntico e nacional passa a ser 
não nacional e, portanto, esquecido, invisível, alienado. Diante desse quadro de alienação com o nosso 
patrimônio cultural, Funari (2001) sugere que busquemos um conhecimento crítico sobre o patrimônio 
cultural para poder democratizar a informação e a educação, bem como dialogar com o povo sobre 
nossas história e memória.
Diante desse cenário é que a antropologia começou a se dedicar também aos estudos do patrimônio 
e a buscar atuar de forma mais ativa em museus. A relação dos antropólogos com museus já é antiga, 
desde Franz Boas no Museu de Artes e Tradições Populares de Paris, passando por Lévi-Strauss no Museu 
do Homem e do projeto de fundação da Unesco, e mais recentemente no Brasil temos Darcy Ribeiro 
fundando o Museu do Índio e Édison Carneiro e Luiz de Castro Faria no Museu Nacional. A presença de 
antropólogos no Iphan também é recente com a atuação de Gilberto Velho e Roque de Barros Laraia 
(LIMA FILHO et al., 2007).
Foi justamente a intervenção da Unesco que começou a mudar a noção de patrimônio. Criada em 1945, 
chega ao Brasil nos anos 1960 e começa a atuar nos anos 1970. Nesse período, a noção de bens e patrimônio 
foi se adaptando às realidades da contemporaneidade e se tornando cada vez mais antropológica. No fim dos 
anos 1980, começa a se abrir para as particularidades e diversidades culturais. A valorização de conhecimentos, 
artes e culturas tradicionais e populares passa então a servir de referência para uma visão mais democrática na 
seleção do patrimônio nacional. A intenção da Unesco era proteger as culturas tradicionais, pois a globalização 
e o capitalismo poderiam e estariam dissolvendo tais expressões da cultura. No novo milênio, a organização 
abre espaço para o Patrimônio Cultural Imaterial (PCI), que se refere às manifestações das culturas tradicionais 
e populares (LIMA FILHO et al., 2007).
Uma das instituições que mais reunia antropólogos no Brasil e que passou a ter mais visibilidade foi a 
Coordenação do Folclore e da Cultura Popular (CNFCP), ligada à Funarte do Ministério da Cultura. Foi então que 
surgiu a oportunidade de criar o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e o Programa Nacional do 
Patrimônio Imaterial, sob o Decreto nº 3.551/2000 (BRASIL, 2000), supervisionado pelo Iphan. 
Na ocasião, o antropólogo Antônio Augusto Arantes contribuiu com uma metodologia de inventário 
das manifestações culturais como uma forma registro, de criação de documentos. Aqui, a questão da 
autenticidade e da permanência não valem, uma vez que esses bens materiais são dinâmicos. Outra 
contribuição antropológica foi de Ana Gita de Oliveira e Letícia Viana, e em parte a inspiração veio de 
registros feitos pela Fundação Pró-Memória e técnicos do CNFCP, abrindo inclusive área de atuação para 
antropólogos,para a preparação do inventário e de dossiês para registros no PNPI.
O primeiro bem cultural indígena registrado no Livro dos saberes foi a arte kusiwa: trata-se da 
pintura corporal e arte gráfica de índios do Amapá estudados por mais de 15 anos pela antropóloga, 
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Dominique Gallois, com apoio do Museu do Índio. O selo oficial dessa manifestação levantou outra 
discussão: o país é feito de muitas manifestações culturais, todas igualmente significativas, qual então 
a importância de ter ou não o selo oficial? Como se dá a escolha das manifestações culturais a serem 
inventariadas? E qual a relevância ou interferência das universidades, instituições museais e agências 
estatais que apoiam a pesquisa? Volta-se a reflexão sobre a ética. E como dizem Lima Filho e Abreu: 
“Cabe ao antropólogo este papel de certificador das culturas?” (LIMA FILHO et al., 2007, p. 40).
5.2 Estudos de casos diversos
Vamos observar, então, alguns casos estudados que tiveram ideólogos diversos e interesses 
conflitantes no processo de seleção e de reconhecimento da cultura como patrimônio. Segundo Mário 
Chagas, havia no Brasil três vertentes políticas diferentes para o controle e construção do conceito de 
patrimônio, mas elas não eram divergentes entre si: havia uma linha modernista liderada por Rodrigo 
Melo Franco de Andrade no SPHAN; forças conservadoras no Museu Histórico Nacional controlado por 
Gustavo Barroso; e uma vertente militar humanista de Cândido Mariano Rondon com o Serviço de 
Proteção aos Índios (SPI) (ABREU; CHAGAS, 2003).
Na América Latina, a preservação dos patrimônios passou por um período colonial, dominado 
pela Igreja Católica de preservação das igrejas mesmo sobre monumentos indígenas ou dominando a 
paisagem no topo das colinas (caso do Brasil); por um período militar, de conservadorismo e patriotismo 
buscando monumentos e festividades cívicas; e um período progressista da dominação da ideia de 
modernidade e progresso que abandona patrimônios do passado para a construção de um país moderno. 
Por fim, o patrimônio, além de construir e reforçar uma identidade nacional, tem também servido para a 
identidade local do diferente, são os casos mais recentes de reconhecimento das diversidades culturais 
locais, e do patrimônio gastronômico.
Mary Rodrigues (apud Funari, 2003), que estudou o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico 
Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), do Estado de São Paulo, fundado em 1968, revela que, 
em seu período inicial, havia uma forte tendência ao conservadorismo do regime militar, pois buscavam 
exaltar a imagem dos bandeirantes, grandes cafeicultores e datas comemorativas e cívicas ligada às 
elites, deixando à vida rural como algo nostálgico. Nesse momento histórico, buscava-se a ausência de 
contradições e constrói-se uma imagem de que São Paulo era formada apenas por bandeirantes.
 Observação
“Bandeirante” é o termo dado aos desbravadores portadores das 
bandeiras europeias na conquista de território nas Américas. Na história 
oficial do Brasil, eles são descendentes de portugueses de primeira ou 
segunda geração. No entanto, segundo Darcy Ribeiro, a sociedade já era 
predominantemente miscigenada, uma vez que a família dos portugueses 
“bandeirantes” era composta de mulheres indígenas e seus filhos, no mais 
os casamentos poderiam ser poligâmicos, e o casamento católico se tornou 
regra mais tarde.
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A maior parte dos bens tombados pelo CONDEPHAAT valorizava essa história da ausência de 
contraditório, excluindo a memória dos negros, dos imigrantes e dos trabalhadores, impedindo uma 
reflexão sobre as relações existentes hoje dos conflitos de classes, dos preconceitos e do racismo. Marly 
Rodrigues enfatiza que a intenção era construir um passado homogêneo, uma identidade partilhada de 
características iguais, assim, a luta pelos direitos sociais se tornou invisível.
Podemos lembrar também como exemplo do período da ênfase na modernidade, a transferência 
da capital do Brasil, do Rio de Janeiro para Brasília, em 1961, a cidade projetada e moderna. A ideia 
de modernidade e progresso se sobressai na memória cultural do Brasil deixando de reverenciar 
parte importante da nossa sociedade como o sertanejo, os indígenas, os quilombolas etc. Interesses 
econômicos, políticos e sociais fazem o Brasil se voltar para a ideia de modernidade e esquecer parte do 
passado, segundo Funari (2001).
Outro exemplo lembrado por Funari (2001) seria a cidade de São Paulo:
Talvez o exemplo mais claro dessa luta contra a lembrança materializada seja 
São Paulo, essa megalópolis, cujo crescimento não encontra paralelos. Ainda 
que fundada em 1554, continuou a ser uma cidadezinha até fins dos século 
XIX, até tornar-se, nestes últimos cem anos, a maior cidade do hemisfério 
sul. Nesse processo, restos antigos sofreram constantes degradações 
ideológicas e físicas, sendo construídos novos edifícios para criar uma 
cidade completamente nova. Os edifícios históricos, se assim se pode falar, 
são a Catedral e o Parque Modernista do Ibirapuera, planejado por Niemeyer, 
ambos inaugurados em 1954 para comemorar os quatrocentos anos da 
cidade. Os principais prédios públicos, como o Palácio dos Bandeirantes, 
sede do governo do Estado de São Paulo ou o Palácio Nove de Julho, que 
abriga a Assembléia Legislativa do Estado, são, também, muito recentes e a 
mais importante avenida, a Paulista, fundada em fins do século XIX como 
um bastião de mansões aristocráticas, foi totalmente remodelada na década 
de 1970 (FUNARI, 2001, p. 2-3).
Mesmo em cidades coloniais, comenta Funari (2001), nem as autoridades municipais nem a sociedade, 
que vivem em parte do turismo, se preocupam com a conservação e preservação do patrimônio cultural. 
O interesse em ter acesso à modernidade faz com que as infraestruturas sejam totalmente refeitas, 
diferente de sociedades medievais na Europa, por exemplo, que buscam a manutenção dos edifícios, 
e fazem a modernização sem grandes danos à estrutura arquitetônica. Essa crítica não busca uma 
comparação de superioridade, mas sim revelar o quão alienada é a população e as autoridades em 
relação à memória da sociedade.
A gente comum sente-se alienada tanto em relação ao patrimônio erudito 
quanto aos humildes vestígios arqueológicos, já que são ensinados a 
desprezar índios, negros, mestiços, pobres, em outras palavras, a si próprios 
e a seus antepassados” (FUNARI, 2001, p. 7).
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ANTROPOLOGIA: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
No caso do Quilombo dos Palmares do século XVII, o mais importante quilombo e símbolo da 
resistência negra, ele foi descoberto por ativistas negros. Localizado na Serra da Barriga, no estado 
de Alagoas, foi declarado patrimônio nacional em 1985, após uma grande campanha liderada pelo 
movimento negro, no entanto, ficou sob o controle das forças militares ligadas ao regime militar, 
que acabou nivelando parte do terreno para promoção de festas, a fim de ganhar apoio eleitoral. 
Nos anos 1990, pesquisas científicas junto com os ativistas negros conseguiram resgatar parte 
da história e da arqueologia e produzir diversos materiais científicos divulgados no Brasil e no 
exterior. Um dos trabalhos revela que Palmares era uma sociedade não autoritária, pluralista, 
abrigava não apenas negros, mas também índios, judeus e todos os discriminados pela ordem 
colonial (FUNARI, 2001).
 Saiba mais
Para saber mais sobre o Quilombo dos Palmares, leiaas seguintes três 
obras do pesquisador:
FUNARI, P. P. (Ed.). Cultura material e arqueologia histórica. Campinas: 
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 1999.
___. A cultura material de Palmares: o estudo das relações sociais de 
um quilombo pela Arqueologia. Ideias, v. 27, 1995, p. 37-42.
___. A “República de Palmares” e a arqueologia da Serra da Barriga. 
Revista USP, v. 28, 1996, p. 6-13.
Outro exemplo gritante do descaso com a cultura e patrimônio local é, segundo Lúcio Ferrera 
(apud FUNARI, 2003), o caso do projeto da transposição do Rio São Francisco de canalização das 
águas para levar recursos hídricos ao sertão nordestino, bem como a construção de hidrelétricas 
para geração de energia. Inegáveis a importância e a urgência de abastecer as populações mais 
sofridas com água e energia, não é essa a discussão. A questão são os trabalhos de escavação 
arqueológicas e a comunicação com a população indígena e ribeirinha local. Em nome do 
progresso, o patrimônio cultural e histórico está sendo mal coletado, mal manipulado e há uma 
ausência de pesquisas e estudos sobre as descobertas arqueológicas de toda a região do Baixo São 
Francisco. Segundo o pesquisador, existiria um grande potencial para turismo cultural e ambiental 
na região caso os estudos respeitassem as metodologias científicas e a comunicação com as 
populações ao redor da obra. Seria possível promover juntamente com as obras de infraestrutura 
uma emancipação da população local, com a construção de um Ecomuseu, e a recuperação da 
identidade e da história na região, para uma integração não somente hídrica e energética, mas 
também uma integração social e de respeito com as comunidades.
A relação com o patrimônio começa a mudar nos anos 1980 e 1990 com a redemocratização do 
País. Gilberto Velho foi protagonista no primeiro reconhecimento oficial de um patrimônio imaterial de 
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tradição afro-brasileira: o terreiro de candomblé Casa Branca, em Salvador, Bahia. Era ainda meados dos 
anos 1980, e, por isso, o reconhecimento oficial foi bastante polêmico.
O terreiro de Casa Branca apresentava uma tradição de mais de 150 anos 
e, com certeza, desempenhava um importante papel na simbologia e no 
imaginário dos grupos ligados ao mundo do candomblé e aos cultos afro-
brasileiros em geral. Do ponto de vista dessas pessoas, o que importava 
era a sacralidade do terreno, o seu “axé”. Em termos de cultura material, 
encontrava-se um barco, importante nos rituais, um modesto casario, além 
da presença de arvoredo e de pedras associados ao culto dos orixás (VELHO 
apud LIMA FILHO et al., 2007, p. 249).
Para conseguir o tombamento, foi necessário um grande movimento social com artistas, 
intelectuais, políticos e lideranças religiosas, sociedade civil e conselheiros do secretário da cultura 
do MEC, pois havia resistência dentro do próprio Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico 
Nacional (SPHAN) e de parte da sociedade e da imprensa. As divergências de opinião e o drama 
social estiveram presentes durante o processo de tombamento no reconhecimento da simbologia 
para a identidade nacional, como se a discussão fosse sobre a própria identidade brasileira, segundo 
Velho (apud LIMA FILHO et al., 2007). A valorização de cultos afro-brasileiros entrava em choque 
com a ideia de religiosidade brasileira construída até então, pois se abriria para uma sociedade 
brasileira multiétnica e plural, em contraste com a ideia de hegemonia que se vinha construindo 
há décadas. Os resultados dessa conquista foram a abertura de discussão sobre a necessidade da 
reparação às perseguições e intolerâncias religiosas existentes desde os primórdios da sociedade 
brasileira. A partir desse episódio, outros terreiros e patrimônios da cultura não luso-brasileira 
começaram a ser tombados.
O tombamento de edificações esbarra também em interesses imobiliários para crescimento do 
progresso, do capitalismo, da sociedade de massa e do consumo. Edifícios tombados e protegidos 
impedem a implantação de novas edificações e a transformação de bairros e cidades, dificultando a 
exploração imobiliária e comercial, o que pode levar a um abandono, depreciação do local devido à 
falta de investimentos com o tempo, ou então a mudanças clandestinas ou corruptas que acabam 
desfigurando o projeto original. A destruição de monumentos, edificações e bairros que são mapas 
emocionais e cognitivos na construção da identidade se torna um desafio intelectual e político. Nesse 
momento, a briga passa a ser entre setores preservacionistas e o mercado. 
Isso aconteceu com a primeira sede do Museu do Índio no Rio de Janeiro. O projeto demarcava o 
metrô perto do museu, e a falta de interesse e investimento em defesa do museu enquanto patrimônio 
e um incêndio forçaram o museu a ser transferido na década de 1970 de uma rua no Maracanã para 
um sobrado em Botafogo. A história do museu muito se assemelha com a história de resistência e luta 
pela sobrevivência dos povos indígenas. O museu foi inaugurado em 1953, tendo Darcy Ribeiro como 
fundador; em seu início, despertou grande interesse e entusiasmo, conseguindo construir um acervo 
significativo tanto de objetos como de produção audiovisual, pesquisas e intercâmbio com outros 
museus. Toda essa produção com foco na defesa humanitária dos índios, contra o preconceito (CHAGAS; 
ABREU, 2007).
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ANTROPOLOGIA: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
O Museu do Índio apresenta os indígenas como:
[...] seres humanos movidos pelos mesmos impulsos fundamentais, 
suscetíveis aos mesmos defeitos e qualidades inerentes à natureza humana 
e capazes dos mesmos anseios de liberdade, de progresso e de felicidade 
(RIBEIRO apud LIMA FILHO et al., 2007, p. 185).
A intenção de Darcy Ribeiro era romper com o estereótipo negativo que a população foi construindo 
devido às narrativas de museus tradicionais e da imagem dos “peles vermelhas” construída por filmes 
estadunidenses. No mais, o Museu colocou a figura de um mediador treinado para explicar a exposição 
e ao mesmo tempo combater o preconceito.
De acordo com Mário Chagas (doutor em ciências sociais e coordenador técnico do Iphan), o museu 
foi inovador ao mostrar as semelhanças entre o “outro” e “nós”, no entanto, criou uma visão romântica 
do índio, pois possuía uma política indigenista e protecionista. Segundo Chagas, após várias crises e 
mudanças no rumo político, o museu hoje vai além de um espaço que apresenta objetos selecionados 
que representam as culturas indígenas, é também um ambiente de negociação e mediação entre os 
índios e a sociedade nacional, “um lugar de apropriação cultural e de construção de identidades e 
subjetividades” (CHAGAS; ABREU, 2003 apud LIMA FILHO et al., 2007, p. 176). A diferença do Museu do 
Índio para outros museus etnográficos é que ele traz a visão do nativo em primeira pessoa falando sobre 
sua própria cultura, ao invés de um narrador falando em terceira pessoa sobre o “outro”. 
Outros exemplos desse novo modelo de museu seriam: Museu da Maré, Sala do Artista Popular 
e Museu do Folclore. O museu não é apenas para os visitantes, e sabe-se que esses espaços não são 
de visitação em massa, mas principalmente de escolas e de pesquisadores. No entanto, o museu tem 
assumido um papel de integração entre indígenas e a sociedade nacional, uma vez que os índios 
participam do processo educativo, da montagem e da construção da narrativa do museu. Diversas 
culturas indígenas já passaram pelas exposições do museu e tem como foco o combate ao preconceito 
e ao racismo, visando romper com estereótipos.
Na mesma linha, temos o Museu Magüta. A antropóloga PriscilaFaulhaber (apud LIMA FILHO et al., 
2007), ao falar do Museu Magüta (em Banjamim Constant, Amazonas), conta como foi a tradução do 
conteúdo significativo da cultura Magüta para outras linguagem. Atualmente, além do espaço físico do 
museu, existe o site e um CD-Rom. Os bens culturais hoje no local são manejados de formas diferentes 
do seu contexto, o que significa que há uma perda do significado e uma atualização de significados 
na relação intercultural. A experiência de colocar no meio virtual a cultura dos índios Ticuna teve 
participação direta e constante dos próprios indígenas, isso fez com que eles refletissem sobre esse meio 
mágico de disseminar e incluir sua identidade e patrimônio cultural local na sociedade global, moderna 
e do conhecimento.
Os artefatos rituais são objetos vivos, dispositivos de intervenção que mediam 
humanos e não humanos. Deste modo, o produto multimídia toma a forma 
de um dispositivo para a comunicação entre o mundo Ticuna e os outros 
mundos, incluindo o pensamento europeu. Por extensão, a performance 
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ritual inclui o mundo dos museus, contexto em que os artefatos Ticuna 
armazenados contêm uma parte da cultura Ticuna que não mais lhes 
pertence. Como experiências comunicativas nas quais a autoimagem Ticuna 
– que relaciona território a cultura – é construída, os artefatos atualizam um 
processo de afirmação identitária que operacionaliza, na linguagem Ticuna, 
a influência do mundo dos brancos, por meio de operações mágicas que 
implicam a transposição do pensamento mítico para os meios digitais e que 
possibilitam a propagação dos significados rituais para outras audiências, 
diferentes daquelas para os quais os rituais eram previamente pretendidos 
(FAULHABER apud LIMA FILHO et al., 2007, p. 154).
Quando os Ticuna observam os objetos e fotos no museu, eles lembram dos conflitos territoriais 
entre os Ticunas e inimigos, associam os bens culturais a seres que não podem ser vistos e que fazem a 
mediação entre os homens e o meio ambiente. A interpretação dos Ticuna possui uma dinâmica identitária 
não como um resgate da originalidade ou da propriedade perdida, mas sim como uma tradução cultural 
de atualização do conhecimento acumulado entre os Ticunas e a sociedade (FAULHABER, 2002 apud 
LIMA FILHO et al., 2007).
Os vídeos realizados por pesquisadores e com participação de representantes Ticuna fazem sentido 
para o povo Magüta na lógica do pensamento mágico, são instrumentos de mediação entre os povos, 
seria a transposição de sua cultura para uma rede de comunicação que está dissociada do contexto 
comunitário. Mesmo as músicas introduzidas no CD-Rom têm significados simbólicos associados aos 
mitos concernentes à lógica do pensamento Magüta na tentativa de harmonizara tradução. A descrição 
dos objetos tem contribuição de saberes multidisciplinares, incluindo a descrição do nativo, levando em 
consideração o nativo e o científico.
Figura 3 – Utensílio do povo Magüta
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ANTROPOLOGIA: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
A figura é “um tecido de entrecasca de árvore decorado como uma roda cosmogônica que protege 
a moça e seu grupo de referência contra ameaças” (FAULHABER, 2002 apud LIMA FILHO et al., 2007, p. 
150). Quando os anciões observam a foto desse “artefato ritual” no museu, eles o entendem como “um 
instrumento ou algo que é utilizado em treinamentos de guerra, para o conhecimento para o saber, para 
a ciência” (FAULHABER, 2002 apud LIMA FILHO et al., 2007, p. 150). Nas palavras de Priscila Faulhaber:
Embora a dinâmica intercultural seja atravessada pela dinâmica da perda, 
não se pode falar na “perda” absoluta da cultura Ticuna como uma 
totalidade, nem na perda de certos artefatos que foram coletados para 
coleções museológicas. [...] Dentro desta concepção, quando os artefatos 
são enviados para um museu, não podem mais ser usados no contexto 
ritual para o qual foram designados. Oferecendo artefatos para um museu, 
os Ticuna expressam um desejo de entrar e de participar no campo de seu 
outro – os homens “civilizados” que manejam instrumentos comunicativos 
na sociedade do conhecimento. […] Os rituais e a mitologia Ticuna marcam 
um lugar social de interação entre os Ticuna e seus outros que configura a 
orientação identitária que se reconhece no Pensamento Magüta no sentido 
da busca de aproximação com os valores propriamente Ticuna, os quais, no 
entanto, se modificam na dinâmica do contato (FAULHABER, 2002 apud 
LIMA FILHO et al., 2007, p. 154).
O exemplo do trabalho da antropóloga mostra como o patrimônio cultural pode ser utilizado de 
modo democrático incluindo e respeitando características interétnicas. A noção de patrimônio foi se 
transformando ao longo do tempo, ao mesmo tempo, os museus e a arte foram também se atualizando 
e passaram a respeitar e incluir a diversidade cultural de modo mais democrático. Ainda há desafios a 
enfrentar, como as questões de autoria, ética e papel seletor do antropólogo.
6 ANTROPOLOGIA E CONSUMO
6.1 Quebrando a resistência para um estudo do consumo
Sociedades tradicionais já apresentavam um sistema de trocas. A antropologia clássica explorou esse 
tema em seus estudos, mas, com a sociedade capitalista já em pleno desenvolvimento e com a indústria 
cultural e consumo de massa, a antropologia negligenciou a temática. Os primeiros estudos a revelar 
a temática se opõem à sociedade ocidental, como Marcel Mauss (1872-1950), na década de 1920, que 
falava do sistema de dádivas versus o de mercadorias.
 Lembrete
Mauss, em Ensaio sobre a dádiva, fala sobre a diferença entre a troca de 
presentes das sociedades tradicionais e primitivas e a compra de mercadorias 
das sociedades ocidentais: aquela, mais pessoal, cheia de rituais simbólicos 
e dádivas; esta, impessoal, comercial, de posse de bens.
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A oposição entre os dois tipos de sociedade se aprofundou nos anos 1950 e 1960, o que não 
possibilitou a compreensão do consumo como um sistema de valores culturais. A troca de presente nas 
sociedades primitivas mantinha a solidariedade social, já a compra de mercadorias não era vista como 
uma criadora das relações sociais nas sociedades ocidentais (DUARTE, 2010).
O imaginário contemporâneo é rico de motivações para o consumo dos mais variados produtos, 
serviços e ideias. No entanto, existia um tabu ou um silêncio nas ciências sociais ao falar de consumo, 
e teorias sobre consumo são deixadas para outras áreas do saberes. Para desconstruir esse tabu, vamos 
tentar conhecer melhor a questão e como ela vem sendo pesquisada nessas últimas décadas.
O consumo é uma prática que só se torna possível sustentada por um 
sistema classificatório, onde objetos, produtos, serviços são parte de um 
jogo de organização coletiva da visão de mundo na qual coisas e pessoas 
em rebatimento recíproco instauram a significação. É necessário que exista 
antes um processo de socialização, distribuindo categorias de pensamento, 
para viabilizar o ato de consumo (ROCHA, 2000, p. 25).
Everardo Rocha mostra que alguns estudos classificam o consumo em quatro possibilidades: 
hedonista, moralista, naturalista e utilitarista, que podem estar isoladas, articuladas ou em conjunto. No 
entanto, o antropólogo defende que essa leitura dificulta a compreensão e interpretação do fato social. 
Para ele, o consumo é um fenômeno da ordem cultural, um construtor de identidades, uma bússola das 
relações sociais e um sistema de classificação de semelhanças e diferenças (ROCHA,2005).
Vamos então conhecer melhor essas visões e algumas críticas a elas. Hedonista é a ideologia 
mais famosa aplicada ao consumo, ela é utilizada no sistema publicitário, ou seja, consumir é ser 
feliz. Tão fácil de ser percebida nas publicidades também se demostra frágil às críticas (ROCHA, 
2005). O consumidor é um agente passivo, é o comércio quem cria os mapas sociais e suas 
distinções, e cabe ao consumidor apenas se encaixarem no “estilo de vida” ditado pelo capitalismo 
(MILLER, 2007).
A visão moralista traz carga apocalíptica, pois o consumo é visto como o problema da 
sociedade, é por causa dele que decorreriam violência, ganância, individualismo, desequilíbrios 
mentais e ambientais. O consumo possuiria uma carga negativa, o sujeito seria consumista, o 
discurso contra o consumo tem uma carga positiva e moralista. O consumidor se torna a cigarra 
na fábula da cigarra e a formiga. Nesse caso, trabalhar, produzir, economizar seria bom, nobre, 
de prestígio social; gastar, consumir, divertir-se seria ruim, vicioso, pecaminoso, supérfluo, fútil, 
alienador. Essa visão moralista é um dos motivos do silêncio que existe na ciências sociais nos 
estudos sobre o consumo como prática cultural.
Assim, o impressionante silêncio sobre o consumo se explica: estudar a 
produção quer dizer privilegiar a razão prática, o evolucionismo economicista, 
a Revolução Industrial, o progresso. Estudar consumo significa, em certo 
sentido, privilegiar a cultura, o simbólico, experimentando a relatividade dos 
valores (ROCHA, 2005, p. 130).
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A evidente influência do marxismo nas ciências sociais deixa clara essa rejeição. Em Marx, é a 
produção a categoria fundamental, a construtora de identidade, motivo das lutas de classe, é nela que 
se desenvolve a alienação. O produto a ser consumido não visa satisfazer as necessidades, mas garantir 
o lucro e a mais-valia para o capitalista, é apenas uma mercadoria a ser comprada e vendida. Com isso, 
as relações pessoais se transformam em relação entre coisas (DUARTE, 2010).
O trabalho foi supervalorizado nas sociedades ocidentais capitalistas, no entanto, ele não deve ser 
visto como o único fenômeno-chave para a compreensão da vida contemporânea, há outros fenômenos, 
uns mais centrais e outros mais periféricos, a serem estudados (DUARTE, 2010).
Daniel Miller (2007) observou que essas abordagens demonstravam um “preconceito antimaterial”, ao 
verem o materialismo do consumo de massa como um perigo para a sociedade e para o meio ambiente. 
Para o antropólogo inglês, o reconhecimento da expansão do consumo pode ser visto como abolição da 
pobreza ou como desejo de desenvolvimento.
Segundo o dicionário on-line Michaelis, “consumir” é:
1. destruir(-se), devorar(-se), corroer(-se), gastar(-se) até a total destruição; 
[...] 2. utilizar para a satisfação das próprias necessidades ou desejos, comida, 
bebida, vestuário, habitação e correlatos; gastar: na sua casa consumiam 
muita água; 3. abater, enfraquecer [...] (MICHAELIS, 2009, [s.p.]).
Essa visão de consumir como algo doentio se opõe à produção. Na mesma linha de pensamento, 
existe a tradição religiosa do sacrifício, que vem antes do consumo daquilo que as pessoas produziram, 
uma parte do que foi gerado deve ser restituído aos deuses para amenizar a destruição. Há também a 
associação do consumo com a luxúria, o pecado, o que reforça a visão moralista (MILLER, 2007).
Essas duas primeiras visões (hedonista e moralista) mostram uma sociedade superficial e sem 
autenticidade, na qual os indivíduos seriam passivos e influenciáveis. A identificação por meio do 
consumo destaca uma mudança de identidade, na qual o salário e o trabalho não são mais as referências 
para a construção das relações sociais, já o consumo passa a ser um processo no qual o indivíduo tem 
mais controle de sua própria vida. O capitalismo, segundo Miller (2007), define as pessoas por seu 
trabalho, e não por seu consumo, a identificação do trabalho é vista como mais autêntica, glorificadora.
A visão naturalista ou determinista, segundo Rocha (2005), é aquela segundo a qual consumir 
tem outros significados, de natureza, biologia ou espírito humano. São usos diversos para o verbo 
como “o fogo consumiu a floresta”, “preciso consumir oxigênio”, “o trabalho consumiu suas 
energias” etc. Esse consumo, como algo natural, necessário, é diferente do consumo cultural e 
simbólico do qual estamos falando. Consumir um alimento é diferente de consumir um churrasco, 
um refrigerante ou um doce, pois, no segundo caso, há uma escolha cultural; no primeiro, uma 
necessidade biológica. 
Miller (2007) diz que essa visão cresceu com as ciências econômicas, que precisavam estimular a 
economia por meio do consumo, para fazer circular o dinheiro e diminuir a pobreza, assim, consumir 
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passou a ser algo natural do capitalismo. Nesse sentido, é muito importante um estudo antropológico do 
consumo para que se faça a dissociação da necessidade e do desejo de consumir. A sociedade moderna 
criou uma associação entre consumo como algo imperioso. O desejo por determinado produto ou marca 
não é uma exigência, mas um sistema cultural com sentido coletivo e simbólico. 
Já a visão utilitária é a que predomina nos estudos de marketing para a produção de resultados de 
venda, a pesquisa de mercado visa compreender como se vende mais, como aumentar a rentabilidade e 
o lucro. Assim, conhecer o comportamento do consumidor por meio de pesquisas de mercado e estudos 
psicológicos é um caminho para desenvolver uma teoria cultural do consumo, segundo Rocha (2005). 
Há muitos estudos de administração para estimar as escolhas específicas do consumidor, como o “efeito 
Diderot” de McCracken (2003), no qual há uma manipulação deliberada para se consumir cada vez mais, 
por exemplo: os produtos da Apple criam vínculos entre um e outro, fazendo com que o consumidor 
queira comprar sempre produtos da mesma empresa, ou ainda discursos da mídia convencem que uma 
camisa nova não é coerente com uma calça velha, assim, ao ganhar uma camisa nova, o indivíduo 
procura uma calça que não destoe. 
A superação da visão da sociedade dual, de que falava Duarte (2010), será essencial para a construção 
do consumo como objeto de estudo. O consumo é um fenômeno-chave para compreendermos a 
sociedade contemporânea. Assim como Geertz estudava briga de galos, na sociedade urbana o consumo 
trará um sistema de significação, uma necessidade – não fisiológica ou básica, mas simbólica. Ou, se 
lembrarmos de Lévi-Strauss, que estudou os mitos, o parentesco etc., o consumo é também um código 
que transmite uma mensagem, o cidadão é dotado de valores que os aproxima de um grupo e o distancia 
de outros. Isso nos leva a uma terceira ideia do estudo antropológico do consumo, pois ele é construtor 
de identidade. Por fim, o consumo faz parte da cultura de massa (mídia, publicidade e marketing), que 
é uma instância importante na sociedade moderna urbana e capitalista, promotora da vida social, da 
socialização, da integração simbólica.
Novidade na antropologia do consumo surge no fim dos anos 1970 com Marshall Sahlins, em 
Cultura e razão prática (1976), Mary Douglas e Baron Isherwood com O mundo dos bens (1978), e Pierre 
Bourdieu, em A distinção (1979). É Sahlins quem desconstrói a oposição entre dádiva e mercadoria 
ao falar da troca como um fim em si e que o fluxo de bens instaura relações sociais. O antropólogo 
estadunidense estudou bens alimentares e vestuário, concluindo que a aquisição de objetos produz 
distinção cultural. Sua leitura se opõe ao naturalismoe utilitarismo dos bens de consumo, para mostrar 
a ordem simbólica ou significativa. Douglas e Isherwood também trazem a ideia dos bens como sistema 
de categorias com função expressiva e simbólica, ponderando que sua aquisição e posse confere status, 
e os objetos são partes visíveis da cultura que transportam e comunicam significados.
Já Bourdieu, ao invés de criticar o utilitarismo ou de enfatizar a ordem cognitiva, demonstra 
como as práticas de consumo e manifestação de gosto criam e mantêm as relações sociais de 
dominação e submissão. A estrutura de consumo reforça a divisão de classes, o gosto estético é 
um habitus adquirido, não uma preferência natural. A estética da classe dominante é diferente à 
das populares. As divergentes condições de existência criam um habitus de consumo diferente: 
classes abastadas com educação formal e acesso ao capital possuem uma estética kantiana 
da contemplação distanciada; as camadas trabalhadoras, de estética antikantiana, preferem a 
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imediatez, o entretenimento, a sensualidade, pois não há como garantir o acesso ao básico da 
subsistência e conforto. Sendo assim, o gosto é adquirido devido às condições de existência e 
marca a distinção de classes e grupos.
Nos anos 1980, segundo Duarte (2010), muitas áreas do saber, inclusive a antropologia, começam a 
se dedicar ao estudo do consumo, no entanto, um viés moralista continuou a orientar alguns estudos. 
“Sociedade do consumo” e “cultura de massa” passam a ser referências para os estudos, no entanto, 
persiste a associação do ato de consumir como algo alienante e ambicioso. Outra ideia difundida foi 
a “homogeneização descaracterizadora”: as sociedades modernas, ao consumirem produtos e serviços 
globais, estariam se afastando de suas especificidades para assumirem comportamentos “materialistas” 
e “fetichistas” em relação aos objetos, deixando de se relacionarem com as pessoas.
 Saiba mais
Para uma visão sobre esse materialismo, vale a pena assistir ao filme 
referenciado a seguir. Nele, pode-se observar o quanto o uso da internet 
pode interferir nas relações interpessoais.
DENISE está chamando. Dir. Hal Salwen. Estados Unidos da América: 
Skyline Entertainment Partners, 1995. 80 min.
Outra visão que surgiu nos anos 1980 foi de Michel de Certeau, em A invenção do cotidiano, no 
qual ele explora a apropriação que os indivíduos fazem dos produtos de massa por meio da leitura. 
Cada sujeito ao ler um livro ou um folheto se apropria do artigo de forma diferente. Ou ainda, um 
consumo de resistência, no qual o sujeito é ativo consome produtos que vão contra a hegemonização 
da mercadorização, como o “consumo verde”.
Esses primeiros passos possibilitaram a antropologia se abrir para um estudo do consumo. Já sem a 
oposição às dádivas das sociedades primitivas e sem as resistências de visões marxistas, moralistas ou 
utilitaristas, a antropologia do consumo começa a se desdobrar para várias leituras. Dos anos 1990 em 
diante, muitos nomes se destacam nas pesquisas sobre práticas de consumo nas sociedades ocidentais 
capitalistas contemporâneas.
6.2 Antropologia do consumo
A antropologia do consumo fica mais consolidada com Daniel Miller, em Material culture and mass 
consumption. Miller, em um artigo publicado na Revista Horizontes Antropológicos, explica o consumo 
como cultura material contemporânea e que, ao invés de ser visto como materialismo, ele deve ser 
usado como uma forma de compreender a humanidade, para isso ele estuda entre outros temas a 
casa, o vestuário, a mídia, o carro, as commodities e outras relações entre pessoas e coisas. Essa visão 
materialista coloca a relação, o apego ou a devoção ao objeto como impura se comparada com a 
relação, devoção e apego a pessoas.
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Miller (2007) faz uma crítica à moralidade e também às maneiras como as companhias tentam 
vender seus bens e serviços, ou ainda à exploração dos trabalhadores para aumentar as vendas. No 
entanto, isso não pode ser confundido com a maneira como os indivíduos consomem e a autenticidade 
de alguns desejos. A antropologia do consumo deve se concentrar em explicar e compreender a prática 
do consumo, as relações estabelecidas, e não uma continuidade da moralidade que condena a 
modernidade e o materialismo.
Miller constrói o seu conceito de “objectificação”, entendido como o 
processo dinâmico pelo qual uma dada sociedade se desenvolve através 
da sua projecção num mundo externo e subsequente reincorporação dessa 
mesma projecção. Esta pode recobrir diversas formas externas, incluindo 
as grandes instituições e ideias como a nação ou a religião, a cultura 
material ou os sonhos individuais. Os bens de massa [...] constituem uma 
forma particular de externalização da sociedade industrial. [...] O consumo 
de massa é o meio pelo qual a sociedade industrial pode realizar essa 
reapropriação da cultura material, que é uma parte significativa da sua 
cultura (DUARTE, 2010, p. 376).
No entanto, para essa reapropriação ser realizada, é preciso a comunicação em massa, propagandas, 
marketing, mídia como forma de explicar e divulgar a necessidade e o desejo pelos bens e serviços. A 
cultura de massa cria mitos, as regras do jogo, a identidade dos jogadores, os espaços para os rituais 
contemporâneos, assemelhando-se a um sistema totêmico. Rocha (2000) nos ajuda a compreender, 
partindo de um ponto de vista bourdiesiano, que o consumo é uma prática com códigos culturais dentro 
da esfera de produção. Esses códigos são elaborados pelos meios de comunicação em massa, que criam 
um processo de socialização. Nesse processo, há motivações psicológicas (desejo), biológicas (instinto) e 
econômicas (necessidade), entre outras em cada sujeito. 
Todavia, para a antropologia, o importante são os códigos culturais, os motivos que nos levam a 
determinadas lojas e a consumir determinadas marcas, são aspectos da nossa identidade pessoal e de 
grupo, e isso cria um sistema simbólico que permite a visibilidade de estilo de vida, ideias, categorias, 
identidades sociais e projetos coletivos (ROCHA, 2000).
Vamos fazer um exercício de imaginação relativizadora e retratar um 
supermercado mágico, cuja característica seria a de exibir seus produtos 
desprovidos de toda espécie de rótulo, etiqueta, tarja, nome, marca ou 
qualquer outra forma de identificação. Vamos colocar estes produtos em 
recipientes iguais, obedecendo a uma única regra: adequar os continentes à 
natureza dos conteúdos. Assim, produtos em pó ou sólidos acondicionados 
em sacos plásticos, líquidos em pequenos frascos, gasosos em tubos de 
forma cilíndrica. Para completar, esses únicos modelos de embalagem 
seriam, rigorosamente, transparentes (ROCHA, 2000, p. 23).
Nesse supermercado imaginário de Rocha (2000), não há sistema simbólico, nem comunicação 
ou código. Como saber se estamos comprando xampu ou detergente, leite em pó ou farinha, água 
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ou álcool? São a comunicação em massa, as marcas, os rótulos, as etiquetas que nos orientam, 
dando significado aos produtos. Ou seja, o consumo é cultural, dotado de sentido que passa por 
um sistema de significação; o marketing e a mídia são os tradutores do produto. É a mensagem da 
propaganda que cria o sistema simbólico e organiza o comportamento do consumidor.
A sociedade então cria o sistema simbólico e o divulga por meio da mídia, o consumo acontece 
quando os sujeitos compreendemesse sistema simbólico, independentemente da necessidade, do 
desejo, do instinto ou da utilidade do produto. A mídia se utiliza do sistema simbólico para repassar 
os significados que fazem do produto algo consumível, ou seja, a embalagem, cores, rótulos, músicas, 
slogans, mercados etc. transformam o material inerte em cultura. Esses meios de comunicação servem, 
segundo Rocha, de “instrumento pedagógico, explicando a produção e transformando produtos e 
serviços em necessidades, desejos, utilidades” (ROCHA, 2000, p. 26).
 Saiba mais
Para observar uma análise antropológica de propaganda, leia o artigo 
indicado a seguir, em particular da página 25 a 35:
ROCHA, E. Totem e consumo: um estudo antropológico de anúncios 
publicitários. Alceu, v. 1, n. 1, jul./dez., 2000, p. 18-37. Disponível em: <http://
revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n1_Everardo.pdf>. Acesso em: 9 
ago. 2016
McCracken (2003) percebe que o significado da cultura material é fluido, móvel, dinâmico e existe 
uma intervenção ativa de diversos agentes sociais como produtores, publicitários e consumidores. Os 
objetos sofrem duas transferências de significado, a da publicidade e a do consumidor:
Os objectos têm, então, uma função performativa, dando ao significado 
cultural uma materialidade que, de outro modo, não teria. Esta primeira 
transferência de significado, do mundo culturalmente constituído para os 
objectos, encontra na publicidade e na moda os instrumentos fundamentais. 
O criativo publicitário ou de moda procura unir e tornar similares um bem 
de consumo e uma determinada representação cultural. O significado 
cultural localizado nos bens de consumo sofre, depois, uma segunda 
transferência, agora para os consumidores, através de acções simbólicas 
ou rituais. Estes são uma oportunidade para os consumidores afirmarem, 
evocarem, subscreverem ou reverem os sentidos simbólicos convencionais, 
constituindo-se uma ferramenta poderosa e versátil para a manipulação do 
significado cultural (DUARTE, 2010, p. 279).
Na mesma linha de pensamento, lembra Miller (2007), os bens são realmente mercadorias, porém, 
após a compra, o produto passa a ter sua especificidade e uso particular. Durante o processo de produção, 
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divulgação e venda, os produtos são bens materiais substituíveis e impessoais; com a aquisição do 
objeto ou serviço o consumidor, assume um papel mais participativo, recontextualizando a mercadoria, 
tornando-a em um objeto de uso pessoal e particular a tal modo, que ela se distancia da produção 
industrial e não pode mais ser vendida ou dada. 
Por exemplo, nossos aparelhos celulares. Até o momento em que estão nas lojas, são todos iguais, 
impessoais, apenas objetos. Após a compra os tornamos personalizado, com fotos, músicas, aplicativos, 
jogos, acessos a e-mail e redes sociais pessoais etc. Nesse processo de recontextualização, o produto 
alienável é agora “um trabalho de construção cultural”. Ou seja, os bens de massa são a nossa cultura. 
Há então uma participação ativa na objetificação dos bens industriais (DUARTE, 2010).
Nesse processo de objetificação, McCracken (2003) acrescentaria que existem quatro tipos de rituais:
• de troca – no qual o consumidor escolhe, compra e oferece bens de consumo para outras pessoas;
• de posse – no qual ocorre uma “personalização do objeto”;
• de apresentação – quando o consumidor utiliza de artigos para se apresentar conforme as 
circunstâncias, refazendo periodicamente sua imagem;
• de despojamento – quando o dono de um bem retira as propriedades simbólicas associadas a ele 
para poder passar o objeto a um novo dono.
 Saiba mais
Para conhecer melhor as ideias do pensador, leia seu livro:
McCRACKEN, G. Cultura e consumo. Santa Catarina: Mauad, 2003.
Todos esses estudos acabam colocando o consumo como uma atividade prática e contextual 
que expressa valores e faz parte da construção da vida social. A antropologia do consumo vai 
desenvolver alguns conceitos das linhas antigas e fazer uma revisão de outras linhas, e um ponto 
importante foi a demonstração das diferenças regionais do consumo, que percebe a existência de 
vários regimes de consumo. 
Por exemplo, o modo como se usam 
os computadores em África (JULES-ROSETTE, 1990), a moda no Senegal 
(HEATH, 1992) ou no Japão (TOBIN, 1992), o consumo de alta-costura em 
Singapura (CHUA, 1992), de telenovelas e Coca-Cola em Trindade (MILLER, 
1992 e 1997) ou da cultura material nos Camarões (ROWLANDS, 1995)” 
(DUARTE, 2010, p. 382). 
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Com isso, começa a haver uma análise sobre a globalização e a relação entre local e global, chegando 
assim a uma relativização das práticas de consumo. O consumo é parte da globalização, da circulação 
de ideias e produtos, e o seu potencial homogeneizador evidencia também uma heterogeneização das 
estratégias de comunicação e de manutenção das identidades étnicas, sociais e individuais.
Duarte (2010) reforça que essa leitura antropológica não busca a relação entre bens e sujeitos que 
tende a classificar e mapear classes sociais de status; busca sim a relação entre consumo e a construção 
de subjetividades. Ou seja, é fundamental reconhecer os modelos mais locais e particulares do uso 
das mercadorias, a cultura não pode ser vista como um conjunto de mercadorias nem ser vista como 
ameaçada pela chegada dos bens de massa, por isso a antropologia do consumo deve demonstrar as 
diversas possibilidades de consumo.
No momento em que as mercadorias se tornam presentes, elas perdem seu anonimato e ganham 
sentimentos, valores. Ou seja, o ritual de troca de lembranças, muito comum em sociedades cristãs 
na época do natal, por exemplo, transforma a mercadoria de massa em algo personificado, é o 
veículo da relação entre o presenteador e o presenteado, a escolha do artigo para cada parente ou 
amigo leva, no momento da troca, os valores e sentimentos que os sujeitos envolvidos possuem 
entre si. A troca de regalos não acontece apenas nas sociedades cristãs, na verdade ela é muito 
anterior ao período cristão, sociedades tribais já possuíam rituais de trocas de presentes como 
parte do comércio.
O ritual de posse passa a ter outro significado que não apenas ganância, luxuria, consumismo. 
Possuir um bem é também ressignificá-lo, a apropriação de mercadorias tem suas particularizações, 
e cada sujeito fará um uso particular do objeto comprado. Produtos iguais possuem valores e usos 
diferentes: uma camisa social pode ser usada como uniforme de trabalho por um executivo, ou como 
roupa de festa por um funcionário, por exemplo. Na mesma linha, podemos pensar o ato de “ir às 
compras”, ali os consumidores são evidentemente agente sociais, e é importante compreender o que 
fazem e porque o fazem. Duarte (2010) acrescentaria a relevância de saber como o fazem, buscando 
assim pesquisas qualitativas para concretizar um estudo fenomenológico do consumo.
Os espaços sociais mostram a distinção de tais estudos, uma vez que os centros comerciais, feiras, 
shoppings e mercados são espaços de relações sociais, são áreas privadas transformadas em espaços 
públicos para as interações e encontros sociais. Outro tema relevante seriam as compras para estudo dos 
gêneros e sexualidades, ou ainda, construção de várias identidades. Todos esses estudos que já foram 
iniciados indicam que consumir não é comprar uma identidade pronta, o processo inclui a imaginação, 
a experiência e a reflexão de cada agente, e envolve ainda a percepção sensorial. É comum buscarmos 
um produto em uma loja, mas a interação social, a falta de interesse do vendedornos fazer desistir 
e acabarmos comprando em outra loja, na qual tivemos um tratamento melhor, por exemplo; ou 
experimentarmos uma calça que parecia linda na vitrina, mas que não combina com a nossa identidade.
Uma bibliografia interessante sobre “ir às compras” é novamente de Daniel Miller em A teoria 
das compras (1998), no qual o autor demostra que o ato de ir às compras é primeiro a reafirmação 
dos relacionamentos afetivos, pois nem sempre o comprador faz escolhas individuais, às vezes vai às 
compras em nome da família, e por isso, ao comprar alimentos, o consumidor busca agradar o gosto de 
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cada um dos que o aguardam em casa. Embora exista a restrição econômica, a restrição afetiva é muito 
expressiva, o que leva a outras duas categorias: o comprador também se permite escolher presentes 
ou lembranças para si ou para alguém especial; e uma terceira categoria de compra seria a economia, 
a importância de não gastar muito ou do quanto se pode gastar. A quarta categoria é o discurso da 
compra, o que as pessoas falam sobre esse ato. Outro tema interessante do livro é a relação que o autor 
faz com o rito de devoção e sacrifício, fazendo um paralelo entre a religiosidade cristã e o consumo.
Para Miller (2007), então, o consumo não deve ser visto como o ponto final que concretiza o 
capitalismo, os estudos etnográficos devem percorrer a publicidade, o ato de comprar, o uso e o discurso 
que será feito da mercadoria. Ou seja, a visão da antropologia se afasta e até contradiz uma visão 
marxista com foco na produção e na mercadoria alienável para uma visão da construção da identidade 
e das relações sociais. Porém, o próprio autor ressalva que nem todo consumo atinge seu potencial de 
construção cultural. Mas o principal é que a antropologia da cultura material percorreu esse caminho 
para poder criar uma teoria do consumo.
O estudo da cultura material abriu espaço para a percepção do uso das mídias, desde rádios, fitas 
cassetes e televisores, até computadores, celulares e tablets. O crescimento dos estudos da cultura 
material permitiu também a relativização, a observação dos diversos usos de uma mesma mercadoria 
em culturas diferentes. O interessante a se desenvolver hoje em pesquisas é tanto o estudo da produção 
como o do consumo em conjunto, compreendendo que existe uma relação pouco explorada entre as 
pessoas e elementos da cadeira de produção com o uso do consumidor.
Fundamentalmente há uma falha na educação se continuarmos a viver em 
um mundo no qual, em continuidade com a crítica de Marx ao fetichismo, não 
consigamos ver os padrões de trabalho e relações sociais que, conexão após 
conexão, seguem os vários eventos através dos quais os bens criam esta corrente 
entre produção e consumo. A cultura material do consumo parece ser o ponto 
de referência ideal para se encaixar no contínuo fetichismo da mercadoria, não 
só em um nível teórico, mas também em um nível prático de tentar considerar 
quais transformações em conhecimento e produção são necessárias para fazer 
os consumidores reconhecerem os produtos que compram como, entre outras 
coisas, a corporificação do trabalho humano (MILLER, 2007, p. 52).
Com isso, podemos observar como foi o amadurecimento da antropologia do consumo e sua 
importância para concebermos a sociedade contemporânea e sua diversidade na cultura material. 
Muitas pesquisas já foram feitas, e ainda há muito espaço para novos estudos, uma vez que o ato de 
consumir é dinâmico.
7 ANTROPOLOGIA, POLÍTICA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Pode parecer novidade fazer a relação entre antropologia e política, mas essa é apenas mais uma 
das áreas de estudos da antropologia contemporânea, uma vez que a antropologia começou a observar 
o papel dos agentes sociais, desde as críticas a Lévi-Strauss, como vimos no início da nossa disciplina. 
Vimos também os estudos da antropologia urbana, o que recoloca a temática de observarmos nossa 
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própria cultura, e pensando nisso fica mais fácil assimilar a necessidade de se avaliar os movimentos 
sociais e a antropologia da política. 
Entretanto, a antropologia já tratava não com uma área de estudo, desde seus primórdios, da temática 
das relações de poder, porém com uma visão ainda evolucionista de comparação entre o sistema político 
“primitivo” e o da sociedade moderna que seriam mais “evoluídas”. Posteriormente, ao avaliarmos as 
estruturas de parentesco como uma forma de coesão e organização social, a disciplina se aproxima 
de pesquisas mais específicas de antropologia política, como o estudo dos Nuer de Evans-Pritchard. 
Apesar de a política estar muito abrangente nesse caso, foi então que se consolidou o início das análises 
políticas em antropologia. Uma nova fase vem no período pós-guerras devido à divisão mundial de 
sociedades capitalistas, socialista e comunistas, além da existência do colonialismo e dos movimentos 
sociais feministas e anticolonialistas (KUSCHNIR, 2007).
7.1 Antropologia da política
No Brasil, a antropologia da política se desenvolve nos anos 1990, ao observarmos que nossa 
sociedade é repleta de agentes sociais lutando pelos seus direitos e buscando formas de fazer política 
enquanto agentes da sociedade civil. Então, para falarmos de movimentos sociais e política, precisamos 
pensar em um Estado nacional e em cidadãos. No Brasil, uma referência significativa para esses estudos 
está no Núcleo de Antropologia da Política (Nuap), vinculado ao Programa de Pós Graduação em 
Antropologia Social e Museu Nacional, que reúne pesquisadores e trabalhos etnográficos de diferentes 
universidades brasileiras em três dimensões: o estudo dos rituais da política, de representações da 
política e da violência na política.
 Saiba mais
Para explorar mais os temas de antropologia da política, visite o site do 
Núcleo de Antropologia da Política (Nuap):
<http://nuap.etc.br/>.
Nos anos 1980, uma das referências em antropologia da política, a antropóloga Mariza Peirano, destaca: 
“Qual a concepção que diversos grupos têm de cidadania? O que é um “cidadão”? Através de que símbolos é 
possível detectar concepções de cidadania?” (PEIRANO, 1986, p. 50). Nessa discussão ela nos faz refletir que a 
noção de cidadania é um conceito histórico moderno, pois está vinculado à construção das nações-estados; 
essas organizações sociais, também chamadas de sociedades complexas, elas constroem uma autoimagem 
de nação, como uma organização social integrada, imutável e eterna. Os membros da cada nação são os seus 
cidadãos e a cidadania são seus direitos e deveres como participantes dessa comunidade.
No entanto, reflete a antropóloga, as nações estão em constante processo de construção de si mesmas, 
e portanto a cidadania também sofre variações no tempo e nos contextos territoriais. Assim como a ideia de 
patrimônio está vinculada a uma nação, um território, um grupo social, o mesmo acontece com a ideia 
de cidadania, é necessário uma sociedade, uma fronteira e uma unidade entre os membros. 
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Na sociedade moderna, o indivíduo, para fazer parte dela, precisa adquirir símbolos de identidade, 
pois sem tais símbolos ele vive às margem, é estranho, está fora da ideia de cidadania. É o caso, por 
exemplo, de acordo com Peirano (1986), dos documentos cívicos como a carteira profissional e o título 
de eleitor, que garantem ao seu portador direitos sociais e políticos. Nesse sentido, a cidadania é regulada 
pelo Estado quandoeste reconhece legalmente as profissões e a filiação política. Não nos tornamos 
cidadãos por querermos pertencer ou por nos sentirmos pertencentes a uma comunidade ou sociedade, 
mas porque possuímos uma profissão (nas áreas urbanas), ou um título de eleitor (nas áreas rurais): esse 
foi o resultado de pesquisas etnográficas realizada no Brasil nos anos 1980.
 Observação
Hoje, observamos a necessidade de reforçar o status de trabalhador 
por outros símbolos, por exemplo: uniforme da empresa, roupa branca ou 
avental na área da saúde, crachá pendurado etc.
O título de eleitor, mais especificamente, é o documento mais requisitado em áreas rurais e não 
urbanas, como pequenas cidades e municípios, é esse registro que mostra a qual município o cidadão 
está vinculado politicamente. A filiação política em pequenas cidades é a referência para as relações 
de emprego como contratação, demissão e outras questões e conflitos sociais. O vínculo com partidos 
e com políticos pode facilitar ou dificultar as relações sociais, criando as hierarquias e status sociais. 
Nesses casos, os indivíduos vinculam sua identidade com as fronteiras territoriais e políticas e se 
sentem pertencentes à identidade municipal, diferente do que dizia Dumont. Dentro dos municípios 
os indivíduos pertencem aos partidos, fora do município eles se identificam como “filhos do município” 
e no âmbito nacional assumem uma identidade estadual como “goiano”, “baiano” etc. Os indivíduos, 
então, são ideologicamente hierarquizados em nível local, estadual e nacional (PEIRANO, 1986).
De acordo com a pesquisadora, a necessidade de um documento como símbolo de cidadania e meio 
de identificação mostra que nossa sociedade é burocratizada, pois não vale a palavra do indivíduo, mas 
sim o seus documentos. Devido a isso, no fim dos anos 1970, surge a necessidade de desburocratização 
do País, com o Ministério Extraordinário da Desburocratização (1979-1986), e ele vem junto com outros 
projetos de redemocratização como o Iphan e a fundação Pró-Memória na construção de uma nova 
consciência do Brasil.
O programa durante seus anos de atuação mostrou que no meio rural ele não tinha eficácia, uma 
vez que todos se conheciam e as relações eram políticas, mas no meio urbano ele trouxe mudanças 
importantes na redução do tempo e da necessidade de registros excessivos de reconhecimento em 
cartório. Mas o que chamou a atenção da pesquisadora foi que o processo de desburocratização não 
veio de movimentos populares, mas sim de uma iniciativa do governo. Novamente se vê uma força 
ideológica de integração nacional atuando de “cima pra baixo”.
Outro resultado significativo da pesquisa de Peirano (1986) foi a noção de cidadão e cidadania entre 
a população rural e urbana. Na sociedade urbanizada o status de cidadão e de detentor de cidadania é 
um status positivo e desejado, em contrapartida, cidades pequenas onde todos se conhecem pelo nome 
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e sabem sua filiação política a ideia de cidadão é de um estranho, alguém de fora, é impessoal e possui 
um status negativo. São as sociedades locais que criam a noção de cidadania, o que significa que não 
existe um princípio universal dos direitos e das obrigações da cidadania, ou seja, a ideia de cidadania 
plena é uma visão etnocêntrica, e a concepção que o Estado tem de cidadania não é a mesma que os 
cidadãos têm desse conceito.
A proposta contida nestas notas preliminares é de que conceitos como 
“’cidadania’’, “Estado”, ‘”nação”, variam histórica e contextualmente. De 
um lado, ternos processos de formação do Estado, de construção da nação, 
de ampliação dos direitos de cidadania. É nesta esfera que as politicas 
estatais devem ser analisadas e os aspectos administrativos-burocráticos 
avaliados. De outro, vinculados mas não necessariamente homólogos, estão 
as categorias de cidadão, Estado, Nação, também sofrendo processos de 
construção ideológica. O corolário é de que a ampliação dos direitos de 
cidadania, por exemplo, desejável sob o ponto de vista de justiça social, não 
formará, automaticamente, indivíduos que se conceberão como cidadão 
segundo o modelo clássico. Da mesma forma, seria indesejável e mesmo 
condenável formar ou forçar esta mesma ideologia de cidadania sem que 
os direitos correspondentes fossem oferecidos. Isto nos leva a postular que 
a cidadania como classicamente definida é, do ponto de vista do cidadão, 
apenas uma das formas de identidade nacional (PEIRANO, 1986, p. 62).
Karina Kuschnir, em um dossiê sobre a abordagem da antropologia política, também conclui que a 
sociedade é heterogênea e que existem várias possibilidades de interpretação da política, isso porque o 
objetivo das pesquisas é “explicar como os atores sociais compreendem e experimentam a política, isto é, 
como significam os objetos e as práticas relacionadas ao mundo da política” (KUSCHNIR, 2007, p. 163). 
Ao comentar sobre o clientelismo existente em pequenas cidades brasileiras, a antropóloga mostra que 
o político, por um lado, é entendido como um mediador entre a comunidade local e os diversos níveis 
de poder, como já falava Marcel Mauss na “lógica da dádiva” sobre o fluxo de troca de dar, receber e 
retribuir; por outro lado, o clientelismo existente em comunidades pequenas privatiza o bem público 
que deveria ser de todos e não deveria estar monopolizado nas mãos das elites, abrindo espaço para 
laços entre políticos e a classe economicamente favorecida e para a corrupção.
O clientelismo, segundo Kuschnir (2007), ele tem outros rótulos em outros países democráticos, e 
não devemos vê-lo como um sintoma, ou como uma evidência de uma política atrasada, imperfeita 
e incompleta; devemos vê-lo como uma expressão de valores culturais que mostram que a relação 
entre pessoas possui privilégios, enquanto a relação entre indivíduos é impessoal. A relação entre 
pessoas, mostra a noção de gratidão, honra e dívida; é isso que antropologia busca compreender. 
Isso nos faz refletir que a democracia, assim como o universalismo, são paradigmas da modernidade, 
mas que as relações pessoais, os atores sociais são motivados por outras subjetividades no “ponto 
de vista do nativo”.
Para avaliar melhor as representações políticas, muitos estudos se voltam para a temática das 
eleições, o período eleitoral é visto como o “tempo da política”, um recorte temporal no qual a percepção 
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da política é mais evidente para os agentes sociais. É um momento de reordenamento da vida social e 
as divisões e conflitos políticos se tornam mais explícitas. Segundo Comerford e Bezzera (2013), o voto 
não se trata de uma escolha individual, mas de uma adesão a uma facção política, existe uma lealdade 
que pode anteceder e também ir além do período eleitoral. O processo eleitoral mostra uma pluralidade 
de motivações na defesa dos votos, e essa passa pela inadequação de argumentos, irracionalidade do 
eleitor, manipulação de informações, entre outros.
As campanhas são tratadas como ritos de representação política nas quais 
se pode observar o modo como são construídas as candidaturas, os símbolos 
e valores relativos à representação política. Elas revelam os atributos tidos 
como positivos de um candidato, ou o modo como uma sociedade concebe 
as hierarquias sociais e transferências de responsabilidades. A dimensão 
espacial das campanhas é também objeto de atenção particular. Caminhadas, 
comícios e festas são eventos através dos quais se observa como a política 
constrói a sua legitimidade na esfera pública. [...] os sentimentos participam 
da construção do clima de campanha e do espaço

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