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Educação Física - A arte da mediação - Hugo Lovisolo

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Hugo Lovisolo
A educação Física vive momentos de discussão e
crítica de questões vinculadas à sua identidade e lugar entre as
disciplinas científicas, e com sua legitimidade e papéis na própria
sociedade. Nos cursos de graduação e pós-graduação essas questões
suscitam tanto preocupações de ordem intelectual quanto de ordem
pessoal. O autor analisa e propõe alternativas, a partir das ciências
sociais, para as relações entre educação física e seus fundamentos
científicos e para os problemas vinculados àlegitimidade e
possibilidade de sua intervenção. Propõe que compreendamos a
Educação Física como definida a partir do horizonte de valores
(estéticos e éticos), transformados em objetivos sociais, que
comandam a intervenção. Considera que os educadores físicos
devem desenvolver uma arte da mediação entre conhecimentos,
valores e objetivos no programa de intervenção e que essa arte é
produto da mediação criativa entre ciências, técnicas e saberes. A
intervenção, para o autor, apenas faz sentido, e será eficiente, no seio
de acordos sociais livres e participativamente decididos. Tomando
como referência a educação física escolar desenvolve e exemplifica
esta hipótese. Dada a contraposição de valores que caracterizam a
nossa sociedade, e tomando como eixo analítico o valor da
competição em jogos e esportes, o autor demonstra as ambigüidades
desse valor no plano dos efeitos na formação individual e na
dinâmica sócio-cultural. A articulação de valores, éticos e estéticos,
e sua quase indistinção ou superposição, é trabalhada no seio do
movimento social pela saúde (qualidade de vida, mantendo a forma,
prolongando a vida), um vetor de estruturação de nosso presente e
um campo significativo, em suas múltiplas dimensões, de atuação
profissional. A obra abre para novas questões e formas de olhar a
Educação Física no momento atual ao invés de se fechar em posições
já estabelecidas. O autor matem um diálogo permanente com o
leitor, a partir das ciências sociais, utilizando formas discursivas que
facilitam a compreensão do leitor.
cação Física
ARTE DA
I MEDIAÇÃO
p
O)
SPRINT
Educação Física
.* ' "' oE lífe SE
A ARTE DA
MEDIAÇÃO
Hugo Lovisolo
Direitos exclusivos para a língua portuguesa
Copyright© 1995 by
EDITORA SPRINT LTDA.
Rua Adolfo Mota, 61
CEP 20540-100 - Rio de Janeiro - RJ
TeL: (021) 264-8080 — Fax: (021) 284-9340
ISBN 85-85031-81.6
Reservados todos os direitos.
Proibida a reprodução desta obra, ou de suas partes,
sem o consentimento expresso da Editora.
Capa e Editoração: VIZUALL Editoração Criativa
CIP-Brasil. Catalogação na fonte
LOVISOLO, Hugo
Educação Física: Arte da Mediação; Hugo Lovisolo
Sprint Editora - Rio de Janeiro - RJ - 1995
ISBN 85-85031-81.6
I. Educação Física 2. Esporte
3. Corporeidade 4. Antropologia
5. Sociologia
I. Título
Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme
Decreto n° 1825 de 20 de dezembro de 1967
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Hugo Lovisolo
Doutor em Antropologia Social, professor do mestrado e
doutorado em Educação Física da Universidade Gama Filho.
Sumário
Introdução 01
Capítulo l : A educação física como arte da mediação 07
Capítulo 2: Educação e educação física em escolas
de Rio de Janeiro 39
Capítulo 3: Regras, esportes e capitalismo 81
Capítulo 4: Esporte e movimento pela saúde 109
Capítulo 5: Ciências do esporte:
interdisciplinaridade ou mediação 133
Bibliografia 149
Introdução
Os cinco capítulos que compõem este livro, apesar de escritos
em distintas oportunidades entre 1991 e 1994, possuemuma considerável
unidade. Trata-se, nos três, de pensar aspectos do lugar da educação
físicana sociedade atual e particularmente na brasileira. Devo reconhecer
que, antropólogo por formação, meu interesse nos temas que aqui
desenvolvo foi durante muito tempo de caráter geral, situavam-se no
campo das leituras que as etnografias provocavam em relação as
representações e práticas sobre o corpo e as atividades corporais em
distintas culturas. A oportunidade de lecionar antropologia e sociologia
do corpo e das atividades corporais na Universidade Garoa Filho, no
Mestrado de Educação Física, possibilitou o contato com os colegas
e alunos. Os alunos mudaram a imagem que eu tinha dos professores
de educação física, os educadores físicos como os chamo, com muito
carinho, no primeiro capítulo. Eles me transmitiram um horizonte de
questões, de problemas e ansiedades profissionais que eu nem imaginava
existirem. Meu interesse no campo se potencializou e iniciei pesquisas
ria área.
Alguns princípios orientadores de leitura dos fenômenos que~\
nos ocupam me parecem evidentes. O primeiro é que o corpo fornece
um grande modelo de referência, um manancial de metáforas para
pensarmos tanto questões não corporais nem materiais quanto a
própria sociedade. O segundo, é que a linguagem sobre o corpo torna- j
se figuras de expressão de instâncias ou processos não corporais. O i
terceiro, é que o esporte e as atividades corporais tornaram-se, além dê"
um componente do processo civilizador, no sentido elaborado por
Elias, um modelo de entendimento, por vezes crítico, da sociedade. O
quarto, é que a procura do equilíbrio entre o físico e psíquico, o
corporal e o mental, a carne e o espírito (talvez entre natureza e j
cultura?) é um vetor significativo para entendermos o auge das práticas
corporais. Há, acredito, uma espécie de recusa à preeminência
'j
qualquer um dos aspectos e sua substituição por um modelo de
circularidadê ou de condicionamento reciproco entre os leigos e os
M especialistas. O quinto, é que a procura da longevidade e de manter
J a forma ou estar em forma são chaves orientadoras, talvez também-i _i -L :
práticas de resistência à entropia natural e social, para entendermos o
fenômeno das práticas corporais. Recuso, portanto, entender os
esportes e as atividades culturais como meros mecanismos de fuga e
(descompromisso.
r No Ocidente a formação dos homens implicou gradativamente
a constituição de quatro questões principais: ada formação intelectual,
a da moral, a da manual e a da física ou corporal. Apaideia no Ocidente
respondeu com variações ao longo de sua história aos problemas que
cada dimensão apresenta. De fato, as propostas pedagógicas tratam
destas questões combinando-as, fundindo-as e hierarquizando-as
.segundo perfis particulares. Assim, por vezes, trata-se de formar o
intelecto, o físico e a habilidade manual. Em outras, apenas o espírito
e o corpo ou a consciência e o corpo. As vezes a moral é absorvida na
tematização da formação política ou do cidadão.
As quatro questões, e seus desdobramentos em questões
específicas, continuam sendo relevantes por estabelecerem ao longo
da história uma rede de relações de signos variados. Tomemos as
questões mais próximas para observar, por exemplo, que a formação
intelectual (a habilidade no raciocínio, na utilização criativa de
informações, como exemplos) não se confunde com a moral embora
estejam inter-relacionados. E fácil mencionar muitos exemplos de
pessoas dotadas intelectualmente porém altamente questionáveis sob
o ponto de vista moral ou do senso que possuem da justiça. Entretanto,
hoje, um corpo, formado a partir de hábitos de controle alimentar e da
prática esportiva, pode nos estar sinalizando uma atitude moral, a do
autocontrole, e também produzir um efeito que entendemos como
estético.
A educação física surge na modernidade vinculada à questão da
formação dos corpos e superpõe no horizonte de seu agir objetivos
diversos: militares, disciplinares, de saúde, estéticos, esportivos
recreativos, esportivos de alto rendimento e expressivos e formativos
do eu mediante o corpo, entre outros.
Em tempos de critica e rebeldia, a educação física, ou melhor
seriadizer os educadores físicos, expandem seus campos de intervenção.
Emergem assim propostas de educação física preocupadas com a
formação intelectual, a consciência política e moral, a formação
holística dos "eus" entre outros novos objetivos. O espírito crítico
revisa a história da educação física, retomando questões sobre suafuncionalidade ou capacidade de transformação manifesta ou latente.
Também olha para as práticas esportivas e corporais encontrando nos
modos de sua realização e em suas regras interesses de acomodação,
domínio e manutenção de ordenamentos nem sempre justos. Por vezes,
os educadores físicos se sentem em meio de uma crise: de valores
orientadores, de identidade, de consenso em relação aos processos de
intervenção e a seus objetivos.
Acredito que a crise resulta das forças do relativismo que
domina nosso presente. Se nos entregamos ao relativismo temos que
reconhecer que há lugar para qualquer tipo de representação sobre o
corpo e para qualquer tipo de prática corporal. Temos que aceitar que
cada grupo e cada indivíduo tem direito a pensar e tratar de seu corpo
como sua vontade lhe indique. O educador físico seria assim um mero
mediador, alguém que estabelece um programa de atividades, que
distribui um conjunto de meios, para atingir ou satisfazer as demandas
do grupo com o qual trabalha. Contudo, uma boa parcela dos estudantes
e profissionais da educação física recusa esse papel por dois motivos
principais, analiticamente distinguíveis, porém, na prática, altamente
coexistentes. Por um lado, porque acreditam que seu próprio conjunto
de valores é superior aos do grupo com o qual trabalha. Assume-se,
então, como formador de valores, como orientador de condutas de
pensar e fazer. Pensam que os outros estão alienados, não são
conscientes ou ainda não ascenderam ao entendimento do justo, do
verdadeiro e do belo. Por outro, existem os que pretendem reencontrar
aunidade maisque imporum conjunto de valores, Sentem-se desgarrados
pela fragmentação do presente, procuram e querem reencontrar a
unidade, a comunidade de valores e de formas de expressão.
Os artigos situam-se nesse contexto de reflexões, sentimentos
e atitudes. O primeiro, A editcaçãofísica como arte da mediação, título
do livro, procura clarificar a distinção entre intervenção em educação
._física e pesquisa disciplinar e entre intenções é efeitos nos processos de
intervenção no campo. O segundo, apresenta os resultados de uma
pesquisa em escolas do Rio de Janeiro, realizada com alunos e
responsáveis, com o intuito de relativizar, partindo da "demanda",
muitos dos discursos elaborados sobre o dever ser da educação física
em contextos escolares. Trata de dizer que devemos escutar o que os
alunos e seus responsáveis estão demandando da escola e da própria
disciplina educação física. Trata de insinuar que a escola não será boa
se não estabelece acordos entre seus agentes. O terceiro, discute uma
questão central: o problema das regras nas práticas corporais e
esportivas, tentando relativizar as críticas e abrindo algumas sendas
que acreditamos deveriam ser transitadas. O quarto, procura dar
algumas pistas para pensarmos esse poderoso movimento de consenso
que é o da saúde, talvez a única expressão "anti-relativista" do atual
momento. O quinto artigo, volta a retomar, no contexto da
interdisciplinaridade nas ciências ao esporte, algumas questões
anunciadas, porém não trabalhadas, no primeiro capítulo.
Minhas posições, ainda em processo de elaboração e
reformulação, foram construídas a partir das questões e reflexões de
meus alunos da disciplina Sociologia das Atividades Corporais do
curso de Mestrado em Educação Física da Universidade Gama Filho
e também dos diálogos no processo de orientação dos mestrandos.
Algumas das preocupações dos alunos tornaram-se eixos em minhas
próprias reflexões, em vários sentidos são co-autores, embora não
responsáveis por muitas das afirmações realizadas. Contudo, não é
intenção do trabalho fechar questões, propõe- se mais a indicar algumas
pistas para os estudos e pesquisas dos alunos. E de se destacar também
as influências das conversas, mais assistemáticas que sistemáticas, com
meus colegas do mestrado e, especialmente, com seu coordenador,
Helder Guerra Rezende. A alunos e colegas agradeço e dedico estas
páginas.
Capítulo l
A educação física
como arte da mediação
Introdução
A experiência docente na pós-graduação indica que muitas
das discussões do campo da educação física, por vezes de grande
virulência, são em pane produto de mal-entendidos e, sobretudo, da
necessidade de solidificar valores sentidos como verdades pelos seus
defensores. Daí a insistência em apresentar a própria posição como
se fosse cientifica ou como resultado de um processo de
"conscientização11 que, quase sempre, é entendido em oposição à
alienação, isto é, como falta de compreensão científica do mundo ou
como adoção de ideologias que não se correspondem com a posição
social de seus portadores. Os "conscientizados", desde sua posição
de superioridade ou .iluminada, consideram-se responsáveis de ajudar
aos não conscientizados a realizar sua própria passagem para o estado
superior, seja científico, seja de ideologia autônoma. Muitos
'"conscientizados" sofrem profundamente quando os t lnão
conscientizados" não estão nem um pouco inclinados a reconhecer
a bondade do "conscientizador''. Na verdade a posição que ocupam
sob o ponto de vista sociológico é semelhante a do catequizador e a
do colonizador.
A afirmação precedente não implica um juízo moral negativo
sobreo conscientizador ou educador. Historicamente, nos movimentos
de aproximação entre "intelectuais" e povo, os sentimentos de
compaixão, solidariedade, culpa, vergonha e de responsabilidade pela
situação do outro desempenharam um papel motor. As ideologias
elaboram, refinam esses sentimentos impulsores, lhes dão expressão
em categorias como compromisso ou comunhão com o povo ou estar
a serviço dos fracos, entre outras. Estes sentimentos possuem
dignidade e nobreza e nos é difícil pensar numa sociedade que de
alguma forma não os desenvolva nos espíritos e nas práticas. Mais
ainda, parece difícil transformar a realidade sem alguma forma de
presença desses sentimentos. O motor da ação dos homens carece de
seu combustível.
Entretanto, em nossas sociedades, a argumentação pseudo-
científica torna-se um escudo para a defesa e difusão de sentimentos^
e valores partilhados pelos educadores que se identificam como
"comprometidos", e também pelos educadores físicos, os alunos da
pós-graduação. Embora eu compartilhe muito desses valores
(emancipação, igualdade; liberdade, solidariedade, entre outros) não
posso deixar de assinalar que dessa forma se elaboram "ideologias
cientificas", isto é, discursos cuja pretensão de justiça e de verdade é
legitimada se apresentando como "Ciência". Tal modo de justificar
os valores conforma a "tradição cientificista".
Sabemos que freqüentemente as ideologias conservadoras —de
corte racista ou sexista e outras— apoiam-se também no seu caráter
pretensamente científico. A observação das diferenças empíricas entre
os homens levou os conservadores a justificar a hierarquia, ainda
bastante recentemente sob o escudo de testes de inteligência já
suficientemente criticados. A mesma observação das diferenças levou
e leva outros a lutar pela igualdade diante de deus, a lei, o estado ou
as oportunidades. Em outras palavras, embora se constatasse
cientificamente que o egoísmo é parte integrante da natureza humana
as sociedades poderiam querer favorecê-lo ou querer criar formas de
socialização e educação que fossem contra o egoísmo, mítigando-o,
reduzindo seus efeitos. Há, assim, uma alta quota de independência
entre a constatação de propriedades dos homens e das sociedades e a
ação de indivíduos historicamente situados para formar os homens e
remodelar suas sociedades.
Julgamos a ciência pela sua coerência interna e sua relação com
os fatos nos quais se apoia, porém não podemos julgar os valores da
mesma forma. De fato, se acompanharmos Rousseau, pensaremos
que os homens estão algemados por toda parte. Mas esta observação,
falsa ou verdadeira, não obstaculiza nem um pouco que lutemos pela
igualdade. Se a biologia provasse que o instinto de agressão é natural
10
ao homem igualmente poderíamos lutar para desenvolver a paz. Temos
suficiente experiênciahistóricaparasaber que apoiar valores unicamente
baseados na ciência é perigoso. O que hoje é ciência pode se tornar
amanhã mero erro da caminhada. A ciência e a lógica podem ajudar a
determinar aquilo que não devemos acreditar, contudo são péssimas
companheiras para nos dizer em quais valores devemos apostar para
construir o mundo que sonhamos. J
Acredito que as ideologias dominantes na educação física em'
nosso meio são cientificistas, isto é, pretendem assumirpára o discurso
sobre o social o mesmo estatuto dos discursos sobre a natureza
elaborado pelas ciências que dela se ocupam. A história e posição da
educação física, • enquanto campo de aplicação de conhecimentos
científicos, como veremos adiante, gravita nessa direção. Corremos
assim o risco, por exemplo, de que um modelo estético do corpo se
torne um modelo científico. Mesmo as receitas ou recomendações
científicas sobre o tratamento dos corpos modificam-se com grande
velocidade. Qualquer um de nós pode lembrar exemplos de hábitos que
tidos como científicos deixaram de sê-lo. Para minha geração era
cientificamente obrigatório extirpar as amigdalas, hoje esta intervenção,
sé realiza pouco freqüentemente. , . •
A ciência muda rápido demais para que nela encontremos
fundamento de nossos valores e critérios duradouros de orientação no
cotidiano. Não estou com isto atacando a ciência, apenas sugerindo
que saibamos qual é seu lugar e que não conviríamos a enunciação de
seu nome num aríete para impor convicções sobre o social.
Talvez seja ainda o marxismo a corrente dominante dentro do
cientificismo da educação física. Na verdade um marxismo muito fraco,
por vezes nem mesmo um marxismo. Falta-lhes a seus defensores
muita leitura, reflexão e observação humilde dos dados que
correspondem à realidade formulada pelo próprio marxismo. Um
marxismo ao qual falta a observação dos dados, como os que Marx
apurava nos informes dos inspetores de fábricas ingleses ou Lenin nos
censos dos Estados Unidos, corre o risco de ser apenas preconceito.
Solicito que leiam, por exemplo., o livro do professor Medina sobre q
corpo do brasileiro como exemplo das afirmações precedentes. Ao
11
invés de pesquisa somente acho nele declarações de grande apelo
emotivo.
Quando a principal confiança marxista, no plano da intervenção,
a de que um mundo centralizado e planejado é superior a um mundo
regido pelo mercado parece haver-se derrubado, ou pelo menos
eclipsado, e quando ao invés da paz e unidade os países socialistas
enfrentam o fantasma bastante real da guerra interna e da fragmentação,
a humildade do cientista deveria substituirá crença dogmática. É hora
de pensar, de colocar as velhas 'Verdades" em suspense e não de
repetir antigos "slogans" que parecem dar a força que a razão falha
em proporcionar. Os alunos sensíveis se sentem confusos e este
sentimento é certamente melhor do que a afirmação de um dogmatismo
sem apoio na realidade. Os professores, pelo menos alguns, sabemos
que também estamos confusos pois as razões desse sentimento são bem
reais. (/\/\ jj> Q ̂ f\ tV t\-
^ 9. c'ent'fic'smo, entre outros desfavores, faz freqüentemente
esquecer que um dos pilares da eficácia da educação é o consenso ou
acordo numa sociedade democrática: o compartilhar valores sobre os
fins e os meios do processo educativo. Nenhuma educação pode dar
certo se não se apoia num horizonte comum de valores perseguidos em
conjunto pelos atores do processo educativo. O acordo, entretantõT
não significa monolttismo. Significa que apenas é possivel mudar no
seio de uma tradição. Os desacordos fazem sentido no horizonte da
concordância. A crítica que perde de vista as considerações em pauta
acaba jogando tudo fora, água e a criança.
A eficácia tampouco existe quando a valorização é meramente
discursiva e não se concretiza na prática: pouco se valoriza a educação
quando se desvalorizam os educadores. Um educador desvalorizado
social; cultural e economicamente é a pior propaganda educacional.
Estudar para ser como o professor não parece ser um bom negócio para
os alunos brasileiros. Valores e práticas devem assim seguir a mesma
música. Esta coerência é um dos vetores do consenso.
Minha posição pessoal, que não pode ser confundida com uma
solução, e a de que os valores não são nem verdades cientificas nem
questão de mero gosto individual. Formam uma estrutura triangular
12
com as questões de gosto, liberdade da esfera pessoal ou subjetiva, e
as verdades da ciência, iníersubjetivas em alto grau. Nem pessoais, nem
altamente intersubjetivos, os valores merecem ser defendidos com
argumentos e ações que os realizem. Embora sejam coletivos eles não
se confundem com as verdades cientificas que hoje representamos
como transitórias e aproximadas. Portanto, pouco fundamento
poderíamos encontrar nelas para construir nosso mundo. Há
cientificistas, positivistas e marxistas, que acreditam na eternidade da
verdade científica. Claro que se fossem eternas seriam um ótimo
fundamento para a construção do mundo. Outros, acreditam que a
eternidade é o método científico. Todavia, hoje se fala dos métodos e
sabemos que a vigência do método é imersubjetiva, relativa e histórica.
A velha solução de dialogar sobre os valores continua sendo um
caminho transitável se acreditamos na razoabilidade dos homens. O
diálogo apenas é possivel se a democracia é uma realidade do
cotidiano.
^ Parece-me que, o diálogo sobre os valores deve reconhecer três^ ^
princípios em nome da experiência: a) O da pluralidade: existe
diferenciação significativa devalores nas sociedades complexas. Nossa
cultura ou tradição valoriza valores por vezes contraditórios, b) O da
HÕO contradição: valores contrários podem ser igualmente valiosos e
necessários para a vida humana, neste sentido Kolakowsjd escreveu'
seu ti/ogio à incoriseqüência. c) O da sititacionaUdade: situações
históricas específicas nos demandam a defesa de valores que podem
perigar, estar prestes a morrer. Isto não significa, entretanto, matar os
-valores opostos. A luta pela igualdade não deve acabar com a liberdade
nem a manutenção da liberdade de poucos significar a desigualdade de
'muitos. Caminhar pelo fio da-navalha é difícil, porém é o caminho
necessário e desejável. Por vezes parece que a única forma possível de
caminhar é,no vai e vem, no ziguezague.
. Uma cultura é forte na medida em que possui um estoque de
valores diferenciados mesmo que em contradição. E forte, assim, de
modo semelhante ao de uma espécie por possuir recursos genéticos
variados. Uma sociedade de valores únicos e não contraditórios é fraca
pois dá pouca liberdade de combinação e criatividade aos seus atores.
13
\ / \A
Estas sociedades são desejadas por aqueles que sentem a diversidade
eo conflito entre valores como negatividade, como falta de organicidade
e mesmo como desmapeamento. Assim, segundo meu ponto de vista
^nada original, a palavra de ordem que nos manda escolher entre
democracia representativa eydireta é redutora, limita nosso estoque
cultural. O bom é se perguntar onde e quando democracia representativa,
onde e quando a direta e como combiná-las, conciliá-las. O mesmo em
relação a igualdade e liberdade ou aventura e segurança ou competição
e solidariedade. Fico com as alternativas, embora hajam situações que
demandem a defesa de uma delas e não existam respostas já prontas
que definam as escolhas em cada situação. A força do argumento é
:entral em cada situação.
São citados poucos autores nas notas deste texto. Esta estratégia
é proposital pois se quer fugir ao argumento de autoridade. O texto é
mais um convite para refletirmos juntos do que uma demonstração,
sistemática de afirmações. E um momento de eliminação de obstáculos
para pensarmos com maior leveza, com menor carga de sentimentos
e preconceitos, ou seja, com argumentos que lembrem sua razão de ser.
Não espero, sobre este texto, que os leitores pensem se é ou não
cientifico. Interessa-rne, sobretudo, que motive nosso diálogo sem
* 'perder a forma1' pois quando ela se perde é difícil dê ser reencontrada.
/p i /\Apo P^TA /^T£ ̂ (j^u^íõ^"«lA
Sobre a legitimação aas disciplinas
e outros tópicos talvez desnecessários
Estamos acostumados, em nossa tradição de pensamento, a
abordar os fenômenos a partir de perspectivas analíticas. Em outros
termos, aceitamos que o ponto de vista constrói o objeto de
conhecimento separando o essencial, o determinante, o estrutural ou
significativo dos aspectos não relevantes. Um fenômeno como a
1 'vida' * pode legitimamente ser estudado sob o ponto de vista da física
(biofísica), da química (bioquímica), da biologia ou da filosofia entre
outros. Cada ponto de vista opera uma redução do fenômeno a objeto,
de pesquisa.
Podemos também discutir sobre qual é o ponto de vista mais
14
O -
valioso, verdadeiro, operacional, econômico, redutor, não-redutor,
complexo, etc. Supomos então que podemos estabelecer um campo,
um terreno neutro ou comum do qual avaliar e selecionar o melhor
ponto de vista. Este terreno comum permitiria, epistemologicamente,
estabelecer a legitimidade de um ponto de vista e escolher entre teorias
concorrentes. Esta confiança hoje está suficientemente alquebrada
para que pensadores importantes a questionem e afirmem a
impossibilidade de se estabelecer um terreno comum.1
Sem entrar no âmago desta discussão filosófica, podemos
constatar que um ponto de vista é socialmente aceito quando é
produzido por uma disciplina de reconhecida cientificidade, legitimada
como papel na sociedade.2 Neste sentido, cada legitimidade possui
uma história. Assim, encontramos físicos, químicos, biólogos e suas
respectivas disciplinas. O reconhecimento social, a legitimidade, não
eliminam as críticas nem os debates, da mesma forma que
reconhecimento dos partidos políticos ou da legitimidade do governo
não faz desaparecer a crítica a suas propostas e ações. Os biólogos
concordam no papel da seleção, no entanto podem discutir sobre se ela
acontece no gene, no indivíduo ou no grupo. Para avançar na discussão
é importante saber em que concordamos, e não somente dominar o
índice das discordâncias. Assim poderemos sentir a proximidade, e não
apenas a distância, que temos com nossos adversários,
Habitualmente legitimamos um papel social quando
reconhecemos que realiza valores especiais de uma forma adequada.
No caso do papel social da ciência,dois valores lhe são atribuídos: o
fundamental, o próprio valor do conhecimento como desejável em si
mesmo e enquanto meio para se . aumentar o conhecimento (as
matemáticas que conhecemos servem para desenvolver "mais"
matemáticas); secundariamente, a utilidade do conhecimento para a
vida humana, para a solução dos problemas práticos que os homens
formulam e enfrentam. A utilidade é secundária, pois se fosse um valor
dominante a astrologia seria reconhecida como ciência ao invés da
astronomia. Semdúvidaaastrologiaémuitomaisútilquea astronomia
no cotidiano das pessoas. -L
Ser secundário, todavia, não implica que o valor da utilidadej'
15
não ocupe freqüentemente o primeiro plano da cena, nem que os
cientistas não usem a utilidade para obterem legitimidade e apoio de
todo tipo. Os cientistas não são tão diferentes das outras pessoas
quando argumentam em benefício próprio. Ambos valores são
construções sociais que foram realizadas num longo percurso histórico
pormeio de argumentos. Éa história quepode explicar o reconhecimento
da astronomia como ciência e a não legitimidade científica da
astrologiajamaisautilidade. Há pessoas que apenas podem reconhecer
a ciência pela sua utilidade. Eles são de fato utilitaristas, embora
possam criticar o utilitarismo. Para a maioria das pessoas saber que o
homo sapiens tem cerca de 50.000 anos é de completa inutilidade.
Apenas é "útil" para compreender nossa precariedade na terra, para
saber que estamos aqui apenas nos últimos segundos de um dia de
bilhões de anos. Talvez pudéssemos ser mais cuidadosos se sabemos
que os dinossauros, grandes e fortes, desapareceram após cem mühões
deanos.^p J/A? O R f A /VT&
Os dois valores em questão foram e ainda são questionados,
'criticados. Contudo, julgar os conhecimentos prioritariamente a partir
de sua utilidade, qualquer que seja ela, é sofrer de miopia utilitarista,
isto é, enxergar, e mal, apenas aquilo que está perto. Eu não sei se a
ciência chegará um dia a "solucionar" nossos principais problemas.
Acredito, no entanto, que pode aumentar a compreensão de nós
mesmos e esta é uma das poucas cartas que temos no baralho para
definir e enfrentar nossos problemas,
A utilidade domina por vezes nas críticas a educação. Assim,
por exemplo, se contrapõe ao ensino das matemáticas sua utilidade
social. Os homens no mercado realizam cálculos que não sabem fazer
no papel, nos dizem, como se estas ações fossem o dever ser das
matemáticas. Reduzem o ensino a sua utilidade. Além de sua utilidade,
nem sempre explicitada, a geometria euclidiana é um modo de pensar,
de definir as coisas e operar com elas. Há verdades e utilidades nela,
por certo, porém também há beleza que o docente deve ensinar a
apreciar. Quando apreciamos Bach, Guimarães Rosa, Olinda, a vida
sertaneja ou a arte de domar os potros, alguma coisa do humano está
entrando em nós. Talvez essas artes não sejam úteis no cotidiano da
16
luta econômica. Entretanto, elas participam, com tantas outras, de
nossa relação com o mundo. Observo que muitos revolucionários da
educação raciocinam como os empresários que apenas querem para os
trabalhadores uma educação útil para o processo produtivo, Os
revolucionários quase sempre a pretendem útil para o processo
organizativo-político. Ambos são funcionalistas e utilitaristas da
educação. -1
Há, lembremos, também os que pensam que o progresso do
conhecimento científico se traduz em regressão espiritual, moral e
mesmo em destruição da natureza.3 Há, então, os que pensam que
passaríamos melhor sem ciência. Outros pensam que passaríamos
melhor sem esporte ou sem política. Estas soluções se assemelham a
acabar com a pobreza matando os pobres. Podemos, no entanto,
aceitar que domina na sociedade, embora com reações, o reconhecimento
desses especiais valores da atividade científica. Mais ainda, que as
áreas de atividades mencionadas ciência, esporte e política podem ser
aperfeiçoadas ao invés de decapitadas. Reconheço, entretanto, que o
valor de aperfeiçoar nossas atividades, o próprio aperfeiçoar, conta
com muitos detratores. Aperfeiçoar passou a ser uma atitude de
segunda ou terceira categoria, pois para muitos trata-se de revolucionar.
A mudança social pode ser pensada como um processo gradual
de transformações ou como um processo que avança a saltos, com
grandes rupturas. Os biólogos, nossos parentes mais próximos das
ciências exatas e naturais, enfrentam a mesma oposição quando
pensam a mudança. Eu defenderia, juntamente' com alguns dos
biólogos, um enfoque pluralista: a mudança é por vezes gradual e por
vezes revolucionária. Há lugar para todos no pluralismo da sociedade
e da natureza. (Recomendo a leitura das obras de S. Gould aos que
gostam de biologia e muito mais àqueles que a detestam).
£ o baita problema da legitimidade da educação física
Cí
£l--
L ,
L
Este breve apanhado nos coloca dois problemas sérios.) <
.Primeiro: qual é o ponto de vista da educação física, seu objeto. no\V"
conhecimento1 de seus fenômenos? Segundo: quais os valores especiais]^
17
que lhe são socialmente reconhecidos, quer de utilidade, quer de
conhecimento?
ij r Sejamos generosos, partamos do princípio de que o campo dos
-(fenômenos que se ocupam com a educação física é o das atividades
\! corporaisnum sentido amplo. Este campo fenomênico é tremendamente
" disperso pois pode abranger tudo aquilo que os homens fazem e
significam com seu corpo —nível intencional— ou tudo aquilo que os
corpos dos homens fazem e significam sem que as intenções dos
í homens estejam presentes —nível biológico-, inconsciente individual,
"(determinação cultural, etc.
• É óbvio que tamanho campo fenomênico pode ser estudado por
quase qualquer disciplina socialmente reconhecida. Teríamos assim
uma física, uma química, uma biologia, umapsicologia, uma economia,
uma sociologia, entre outras, das atividades corporais. Cada uma
destas disciplinas estudaria as atividades corporais com um conjunto
identificável e distinguível de teorias, métodos e estilos de fazer
ciência. Cada disciplina produziria um recorte, uma redução particular .
do campo fenomênico na construção de seu objeto. A mesma cidade
pode ser habitada e visitada de formas diferentes.
Coloca-se então a questão de qual é o conjunto próprio,
b identificável e distinguivel, de teorias e objetos, métodos e estilos de
fazer ciência da educação física? Qual é o seu recorte? Em outros
termos, por certo mais emotivos, qual e a sua identidade?
Temos um monte de joãozinhos que fazem musculação cinco
r dias por semana e nos perguntamos sobre o porquê deste esforço. Um
biólogo poderia responder que eles estão desenvolvendo características
corporais que os colocam melhor dianteda seleção natural, isto é, estão
potencializando suas possibilidades de reprodução. Um psicólogo, de
alguma ortodoxia, poderia responder que estão sublimando
determinados instintos e construindo uma imagem do eu. Um sociólogo
procuraria no poder da distinção ou na correspondência com padrões
culturais as explicações da conduta dos joãozinhos, e também de
algumas mariazinhas. O historiador narraria o desenvolvimento histórico
dessas condutas, talvez nos levaria em direção das tradições (tantas
18
academias de fisioculturismo levam o nome de Apoio!). Cada um
desses cientistas operaria a partir de alguns dos pontos de vistas
dominantes em suas disciplinas. Um leitor avisado poderia reconhecer
qual a tradição disciplinar que gera a explicação ou interpretação.
Qual, me pergunto, é o ponto de vista explicativo da educação física?,
Qual a tradição que nos permite afirmar diante de uma interpretação
ou explicação que ela pertence ao campo disciplinar da educação
física? Ela existe? Mantenhamos um bocadinho mais o mistério.
O primeiro mal-entendido: cientista ou bricoleur
Uma forma de abordar o problema consiste em se situar no
plano da reprodução do papel social da atividade científica. Na
reprodução de um físico domina o conteúdo da própria física, isto é,
as teorias, os métodos e os estilos de se fazer física. O físico é
socializado na tradição da física. Estórias, anedotas, figuras heróicas
participam na construção e transmissão da tradição além de teorias,
métodos e dados. Com os matemáticos e os biólogos acontecem coisa
semelhante na formação • de suas respectivas tradições.
Um educador físico suporta um currículo de formação que vai
da mecânica à filosofia, passando pela fisiologia,, a neurologia, a
biologia, a sociologia, as ditas ciências da educação e a história entre
outras áreas disciplinares. A reprodução, ou formação, é claramente
mosaico, fragmentária, multidisciplinar, e não dominantemente
disciplinar. Os conteúdos do currículo podem enfatizar uma ou outra
área disciplinar, mas a ênfase não tira o caráter eminentemente
multidisciplinar. Este caráter da formação não implica que se baseie em
formas consensuais e satisfatórias de integração ou relacionamento das
diversas disciplinas que entram no currículo. De fato, e este é um
problema sério na formação, as disciplinas podem ser entendidas como
compartimentos sem graus apreciáveis de comunicação. O currículo
pode então, com bastante razão, ser entendido como justaposição de
fragmentos ou como um mosaico de disciplinas. Na própria pós-
graduação, por exemplo, as disciplinas bioméclicas são obrigatórias até
para os interessados em fazer história da educação física ou pedagogia
19
O
do movimento humano. Observe-se que não estou questionando a
importância de cada disiciplina, apenas estou afirmando que não
sabemos como costurar os retalhos.
O problema se coloca na prática quando o educador físico deve
produzir um arranjo das disciplinas num programa de atividade corporal.
Neste caso, o educador físico se nos aparece muito próximo da figura
do bricoleur^ de Lévi-Strauss, que a partir de fragmentos de antigos
objetos, guardados no porão, constrói um objeto novo no qual suas
marcas não desaparecem.4 Ele é formado, fundamentalmente, para
combinar conhecimentos, técnicas e tecnologias para alcançar objetivos
sociais. A combinação, o produto intelectual de sua atividade, se
expressa geralmente num programa: de treinamento, de educação
corporal ou de lazer entre outros. Esta concepção já estava presente
no parecer sobre educação de Rui Barbosa. Mais ainda, se lermos o
parecer observaremos que nele a educação física possui o valor
instrumental de formar um bom suporte material, corporal, para o
intelecto. Seu caráter instrumental e utilitário é evidente. A educação
física dominantemente foi considerada como meio pararealizar valores
sociais (higiênicos, estéticos e de controle social para citarmos alguns
dos mais importantes).
Por certo, um profissional de educação física_pode produzir
papers que, quando de qualidade, podem ser considerados como
trabalhos de fisiologia, de psicologia, de história ou4e sociologia e,
neste caso, opera como os profissionais dessas áreas disciplinares. 5
Entretanto, quandoeleplanejaourecomendaatividadescorporaisage,
prima fade, como um bricoleur. Por exemplo, quando formula o plano
de "educação física" para uma escola pode levar em consideração
afirmações, ou conhecimentos, que vão da fisiologia até aquelas que
a antropologia elabora e, sobretudo, procura realizar objetivos
políticos ou sociais com seu programa. Em outros termos, o programa
realiza objetivos que se supõem úteispara a sociedade no seu conjunto,
para algum de seus segmentos ou simplesmente para os participantes
do programa. A utilidade pode assim ocupar o lugar central na obra
/ou programa de intervenção do bricoleur. A tradição da educação
l física parece ser portanto a formulação de propostas ou programas de
20
intervenção no plano de atividades corporais que realizem valores
sociais.
De fato, os cursos de "educação física" foram inicialmente
criados para formar especialistas em um tipo de intervenção. Neste
sentido, considerou-se a educação física como um campo de
"aplicação" das disciplinas científicas, O educador físico deveria ser
alguma coisa assim como um engenheiro das atividades corporais na
realização de valores postulados como sociais pelos idealizadores. j
A intervenção, então, devia e deve, tudo indica, basear-se nos l '
conhecimentos cientificos das disciplinas que podem auxiliá-la.
Entretanto, nem a definição dos valores orientadores da intervenção
nem a seleção das disciplinas ou conhecimentos auxiliadores são j i
< _ • - = - .:„.«„,„ f rdecisões científicas.
Confundir os dois papéis, o do cientista e o do bricoleur, ou
interventor", é o primeiro e freqüente mal-entendido que encontramos
entre os educadores físicos. Este mal-entendido se relacionarão da
confusão entre disciplina e programa de atividade?
O segundo mal-entendido:
disciplina ou programa de atividades "•
Há ainda um segundo mal-entendido que persegue a educação
física. Na verdade na escola, no clube, na fábrica, nas academias, nos
centros de recuperação se realizam atividades corporais programadas
(jogos, esportes, ginástica, etc.) emfunçao de objetivos sociais. Nesses
lugares não se ensina a disciplina "educação física" ainda que esse
possa ser, no caso das escolas, o nome das atividades no horário
escolar. O professor dematemáticasoudefísicae/í5/>?c/^tó/wí7//£:a/ne//íe
o conteúdo de sua disciplina no seu horário escolar. Ensina parcial e
gradativamente aquilo que aprendeu na sua própria formação, isto é,
matemática ou física. Em outras palavras, o objetivo de sua ação
educativa reproduz —parcialmente e segundo critérios de adequação
ao tipo de ensino— o currículo de formação de sua área disciplinar.
Esta, de praxe, não é a situação do professor de educação física:
ele não é contratado para ensinar aquilo que aprendeu na sua formação.
21
r /
£j ÍEspera-seque oaprendido sejautilizado na formulação de um programa,
s /baseado no conhecimento científico, de atividadecorporal que deve
^J realizar objetivos sociais, isto é, valores em condições determinadas.
^ Os objetivos sociais dos programas de intervenção são a especificação
de valores adeterminadas condições queconformam, na representação,
uma situação singular.6 Encontra-se, portanto, próximo das fimções-do
médico, do engenheiro, do assistente social e do pedagogo quando
agem no plano da intervenção.
Esta situação especial e paradoxal não deve ser dimihuida em
mportância e significado,pois a sociedade moderna pareceria que não
pode funcionar sem os especialistas da intervenção. Uma sociedade
sem especialistas seria muito diferente daquilo que entendemos por
sociedade complexa, moderna e plural. Entretanto, a situação especial
leva a muitos professores de educação física a procurar ensinar
fragmentariamente (nem gradativa nem sistematicamente) conteúdos
do currículo de sua própria formação. Leva-os a projetar, no sentido
psicanalítico vulgar, sua formação na formação dos participantes da
atividade corporal programada. Buscam imitar a conduta daqueles^jue
\ ensinam as disciplinas reconhecidas como científicas. Assim, o educador
^físico pode tentar ensinar a mecânica ou a fisiologia de um determinado
movimento; a antropologia, sociologia ou história de um esporte em
particular como se este fosse um objetivo em si mesmo. De praxe, os
^educadoresfísicos acreditam que essa projeção (formação) é necessária,
útil, boa, conscientizadora para os praticantes ou participantes dos
programas de atividades corporais. Entre os alunos de pós-graduação
em educação física a procura de formas de realizar a projeção se torna
angustiante, obsessiva.7 Aquilo que outras áreas discipünares fazem
de modo natural é um espelhismo que corre sempre na frente dos
educadores físicos.
^ Talvez devêssemos mudar a lente da comparação e tomar como
referência a formação do médico. Neste caso também nos confrontamos
com um currículo de estrutura multidisciplinar. Também o médico
pode fazer pesquisa em bioquímica, genética, físiologia, neurologia ou
qualquer outra especialidade operando, em cada caso, com as teorias,
métodos e estilos da área disciplinar na qual realiza a pesquisa.
22
D
Entretanto, quando é médico, quando deve prevenir, proteger ou
restaurar a saúde dos indivíduos ou da população também ele opera
como um bricoleur: usa recursos diversos em função de objetivos
sociais. Cria um programa no qual articula conhecimentos de áreas
diversas, técnicas, tecnologias e até efeitos simbólicos quando os
considera como elementos ativos ou coadjuvantes do processo de
cura ou restauração. Mesmo quando populariza os conhecimentos
médicos o objetivo é a saúde e não a formação médica. Os
conhecimentos são considerados como um meio e não como um
objetivo em si mesmo.
Uma pesquisa em química não se confunde com uma pesquisa
em medicina, apesar que os resultados dessa pesquisa sejam úteis para
a saúde. Uma pesquisa médica, insistamos, se distingue por se colocar
no ponto de vista de articular recursos diversos —de conhecimentos e
técnicos com a finalidade de realizar o objetivo social da saúde--. Esta
pesquisa não deve necessariamente aumentar os conhecimentos que
articula, seu valor deriva fundamentalmente de sua utilidade para
realizar objetivos sociais. Uma correlação empírica positiva entre uma
substância e uma doença é um bom fundamento para uma terapêutica,
embora não saibamos como a substância possa atuar no organismo. As
linhas de demarcação são por certo frágeis, contudo o papel do médico
e da medicina não se confunde com o papel da pesquisa nas disciplinas
que subsidiam a medicina. Assim como não confundimos o dia e a noite
embora seja impossível determinar quando um termina e o outro
começa.
Foi na história que a medicina ganhou grande reconhecimento
e os médicos passaram a ter um poder político e uma incidência cultural
considerável. Hoje apreciamos o papel social da medicina e de seus
mediadores, os médicos. Podemos discutir se ela deve ser privada ou
pública, se desenvolver a medicina preventiva, de base ou as
especialidades, se concentrar esforços na alopatia ou desenvolver a
homeopatia ou as ditas medicinas ou curas alternativas. Não está em
questão a necessidade da cura nem a atividade médica que a toma por
objetivo. Tanto os médicos estão seguros do reconhecimento do seu
papel social que podemos encontrar médicos que aceitam tudo aquilo
23
que é bom para a cura do paciente. Assim, não descartam as práticas
terapêuticas populares de cura nem os efeitos simbólicos dos rituais
religiosos ou de corte psicanalíticos. O programa terapêutico pode
incluir tudo aquilo que comprovadamente não seja contrário ao
objetivo social da cura. O programa articula, concilia, diversos
recursos em prol da cura. No passado, quando a medicina ainda não
havia sido reconhecida, sobretudo na cultura popular, os médicos
lutavam pela penalização de práticas terapêuticas que hoje aceitam
com bastante entusiasmo como coadjuvantes.
A diferença especifica da medicina se reflete em representá-la
como competência para combinar ciências, técnicas e experiência. Por
vezes a competência para combinar recursos diversos recebe o nome
de arte, O mesmo qualificativo tem recebido a agricultura e a
educação, entre outras tantas atividades.8 O qualificativo indica que os
•{recursos não podem ser combinados cientificamente ou por um
algoritmo. Indica então que a atividade do bricolenr, seu gênio,
instinto, percepção, entre outras alusões ao mesmo problema, é~
fundamental. Digamos que dizem que a criatividade para realizar o
rograma não pode ser programada, que é uma artev
Educação física e objetivos sociais contrapostos
O que hoje conhecemos por educação física emerge como
reflexão que articula conhecimentos ou saberes para realizar objetivos
sociais. As propostas de atividades corporais programadas, não
espontâneas, procuram realizar valores sociais: tradicionalmente corpos
fortes e sadios, corpos disciplinados, caráteres, personalidades, hábitos
entre outros. A atividade corporal é entendida como meio, como
recurso, para se realizar valores sociais. Observemos que é somente
no discurso e conduta das crianças onde o jogo, o esporte e a
brincadeira se colocam em si mesmos como finalidade. Os adultos,
habitualmente, atribuem a essas atividades também, ou dominantemente,
outras finalidades, situam-nas como meio que contribui para o trabalho,
asaúde, o relaxamento ou outros objetivos. Os adultos tendem a racionalizar
e justificar, em linguagem utilitária, as atividades corporais.
24
Esta posição de mediação não se modifica quando no presente ,
colocamos valores tais como-a liberdade, a felicidade, o prazer, a n
conscientização do corpo, a transformação social, a realização do eu
ou qualquer outro enquanto objetivos das atividades corporais.
Todavia, esta situação não se modifica quando se trata de integrar a
dualidadecorpo-mente. Asatividadescorporaisprogramadascontinuam "J
sendo um meio para se realizar valores de utilidade social, embora
sejam diferentes dos tradicionais e diferentes grupos de profissionais e .
intelectuaisque defendem valores contrapostos, e cadagrupo considere
as elaborações adversárias, pensadas por vezes como inimigas, como
fonte do erro ou ideologias a serviço dos opressores ou qualquer outro
qualificativo. Uma sociedade plural se caracteriza pela existência, xA
confronto e conciliação de valores e objetivos diferentes e por vezes em • 5
franca oposição. No presente lidamos tanto com valores gerados no ̂
passado quanto com aqueles que supomos apenas terão vigência plena ^~
no futuro. O presente aparece como lugar de tensão, de irresolução, T
de confronto e conciliação. Lt
É por razão da obrigação de realizar objetivos sociais, e nãoA )-
meramente produzir conhecimento, que a principal discussão no
:ampo da educação física é sobre os objetivos sociais que ela devetllllLÍVy «w WUUW*Y»U _ _ _ _
Tomover, perseguir, realizar. De fato, não podemos cientificamente \r
decidir se a educação física deve perseguir o objetivo da emancipaçãopolitica ou o da saúde ou o da estética do corpo. Em segundo lugar, as
discussões centram-se sobre as características dos programas para a
jgalização dos objetivos uma vez definidos.
Os profissionais da educação física referem-se permanentemente
ao seu compromisso com a prática, em definitivo, ao conjunto dos
valores transformados em objetivos que devem promover no programa L
de atividade corporal.
No campo da medicina e da engenharia a legitimidade social é
grande, e é significativamente alto o consenso sobre os objetivos
sociais a serem promovidos. O grau de consenso, por demais o grau de\\
qualquer coisa, é importante na sociedade. Não podemos refletir e agir
sobre o social se o grau daquilo que consideramos não é levado em
consideração. Temos que deixar de considerar o grau como
C9
í/significativo, acessório ou negligenciável. Na verdade "o grau" é
freqüentemente o verdadeiro problema.9 É o alto grau de consenso da
medicina, por exemplo, que faz com que os valores sociais da saúde
sejam lidos como demanda do povo, da classe trabalhadora ou da
sociedade e não como trabalho de imposição dos especialistas. Como
conseqüência, o próprio especialista se sente respondendo a uma
c( demanda. Pode se apresentar e se sentir como solucionador de
demandas, esquecendo que seus predecessores agiram ativamente
para definir o perfil das demandas atuais e deixam de notar que eles
contribuem para sua redefinição constante.
A situação atual, na medicina e outros campos de atividades,
oculta o longo trabalho dos especialistas (da saúde, da religião, dos
humanistas) para inculcar valores, estruturas de personalidade e padrões
de comportamento na sociedade. Formação que abrange os modos de
reprodução e sexualidade, de atendimento do corpo, de definição da
normalidade ou saúde, de espectativas em relação à duração da vida,
de ideais de corpo entre outros.10 Este longo trabalho de inculcação
faz, por exemplo, que objetivos como a longevidade, a altura e peso dos
indivíduos se tenham tornado valores' 'naturais". Os jornais registram
a preocupação com abaixa estaturadosbrasileiros, quando comparada
com as médias americanas por exemplo, e tomam uma maior altura
média como símbolo de progresso alimentar, da saúde, enfim, das
condições de vida. Esta absolutização para qualquer realidade indica
a pouca base científica do valor da altura, pois, sob o ponto de vista
darwiníano, a altura apenas poderia ser considerada como positiva ou
negativa pela sua adequação ao contexto. Devemos reconhecer que
o apelo á argumentos científicos e ao prestígio da ciência foi fundamental
na construção social dos especialistas do corpo.
^ A educação dos corpos, a educação física, emerge no bojo das
atividades de intervenção dos especialistas. Sua institucionalização
resulta da demanda de programas de atividades cprporajsque realizem
objetivos sociais. Assim, é impossível pensar a educação física sob o
modelo da institucionalização das disciplinas cientificas. De fato, a
educação física não possui um objeto próprio, delimitado, específico.
Ao longo de sua história as atividades corporais situaram-se em
(J
2Q
relação a valores e objetivos sociais. Os historiadores da educação\
física afirmam, e por vezes se queixam, de serem suas atividades
consideradas como disciplina corporal que contribui na formação
moral ou do caracter. Assim, o corpo deve ser trabalhado para ser um
bom receptáculo para uma mente que, ao mesmo tempo, o considera'
um instrumento, um meio de sua realização. Quase todos os manuais
de história da educação enfatizam que o enfoque biomédico e as
necessidades militares institucionalizaram a educação física no sistema
educacional na primeira metade de nosso século. n A formação de
especialistas resultou assim de uma demanda associada de corpos
sadios e funcionais para a ordem social, a economia e a defesa
nacional Quando as demandas originais perdem seus fundamentos,
e se tornam preconceito, são retrabalhadas e criticadas sob a base
de demandas emergentes inseridas em redefinições, necessidades e
objetivos sociais w c ( J*
Demandas sociais e propostas
A educação física hoje aparece como um campo no qual
projetos e demandas variadas se confrontam. Um amplo leque de
demandas -isoladas ou associadas e mais ou menos consensuais—
definem o horizonte de atuação dos profissionais da educação física
na sociedade. Ao mesmo tempo, o campo da educação física está
eivado de- propostas de novo tipo, muitas delas ditas contrárias às
demandas tradicionais ou socialmente dominantes. Apontemos, sem
pretender ser sistemáticos e exaustivos, algumas delas.
Em primeiro lugar, o discurso biomédico continua apresentando
demandas vinculadas à saúde. A atividade corporal situa-se aqui em
três dimensões principais: a) como preventiva de doenças e dos
desgastes da velhice —recusa social a se envelhecer--, b) como
formadora, mantenedora e recuperadora da disposição física ou do
corpo, a atividade corporal na empresa poderia aqui ser incluída, c)
como compensadora dos desgastes neurológicos e/ou psicológicos da
vida moderna e d) como recuperadora de funções corporais perdidas
ou não desenvolvidas em indivíduos. Neste campo, as propostas
27
alternativas à físiologia ou medicina normal se multiplicam. Propostas
que objetivam à unidade da mente e do corpo, ao tratamento das
dimensões emocionais entre outras. As ciências biomédicas ocupam
um lugar de destaque no fundamento das propostas de intervenção
relacionadas com estes objetivos.
Em segundo lugar, há um conjunto de demandas estéticas, por
vezes travestidas de cientificas, que se expressam nas atividades de
construção de modelos ou tiposideais de corpos. Realizam-se esforços •
significativos para se construir uma identidade, uma distinção, a partir
da imagem do corpo. No plano mais geral, por exemplo, torna-se uma
preocupação a altura e peso da população. As academias de formação
de corpos estéticos se multiplicam.
Em terceiro lugar, destaca-se a demanda das atividades corporais
-recreação, divertimento, lazer, etc- ocuparem o tempo livre que
resulta da tendência à redução dajornada de trabalho, de mudanças em
suas modalidades e de redefinições amplas da sociedade. Emergem as
propostas sobre o prazer de "trabalhar" o e com o corpo. O enfoque
"liberador" , por sua vez, enfatiza que o corpo deve ser liberado dos
domínios aos quais foi submetido para recuperar o prazer do corpo. O
pensamento crítico humanista participa ativamente na discussão e
implementação de propostas deste tipo.
Situam-se em quarto lugar as demandas do nacionalismo
esportivo. Ao invés de ganharmos e festejarmosaguerrao nacionalismo
nos manda ganhar competições esportivas, científicas e artísticas. O
espírito competitivo e a procura do louvor deve se realizar na paz dos
esportes, na doçura das atividades científicas e artísticas e não no
campo de batalha. O desenvolvimento de capacidades Esportivas e o
treinamento é hoje um campo significativo para os profissionais da
educação física em nosso meio. O Brasil não somente exporta jogadores
de futebol, como também treinadores nessa e noutras modalidades
esportivas. Em relação a estas demandas as propostas alternativas se
situam dominantemente no questionamento dos meios recomendados
para a realização dos objetivos.
Em quinto lugar, c onfront amo-nos com as demandas de
atividades corporais na educação formal. Os objetivos são aqui
28
diversificados: saúde, desenvolvimento psicomotor, cognitivo,
conscientizadores ou políticos entre outros. Neste tipo de demanda os
profissionais da educação física interagem fortemente com os
pedagogos, os educadores. A filosofia, a psicologia, a sociologia e
antropologia educacional subsidiam ativamente as discussões neste
campo. pb l f^ÇO PI AA>Tb
Em todas estas e outras demandas os educadores físicos
participam discutindo e apresentando propostas que fazem'a sua
definição de objetivos, perfil da demanda e características de cada
atividade. O campo da educação física aparece diante de nós como
conflitivo, onde se disputa a hegemonia de definições,objetivos e>
práticas em qualquer segmento de demanda. Observamos que
"projetos" e '.'compromissos" antagônicos se confrontam em
qualquer segmento de demanda. A intervenção no campo das atividades
corporais continua sendo o núcleo da tradição da educação física, l
/W u
Da arte da mediação: objetivos e meios
TO
bj
A situação apresentada nos leva a redefinir o papel de bricoleur
como arte da mediação: mediação entre histórias, entre presente e
futuro; mediação entre disciplinas; mediação entre ideologias ou
demandas sociais na elaboração do programa de atividade corporal.
Q educador físico, o mediador, não se relaciona apenas com
a articulação de áreas disciplinares. A representação e avaliação da
história, do presente e futuro' de sua atividade, desempenha um papel
central em suas propostas. Também os valores que escolhe promover
e realizar agem sobre as propostas. Estes planos de construção das/1
propostas agem sobre a escolha das disciplinas que o mediador prioriza
na elaboração de seus programas. Assim, as incidências sobre a arte da
mediação são múltiplas. Recortaremos apenas alguns de seus aspectos
A arte da mediação se nos aparece como estando principalmente
condicionada pela opção entre a "aceitação" e a "determinação" da
demanda. Isto cria como duas tribos de profissionais da educaçãc
física.
O profissional que aceita a demanda guia-se na elaboração do
29
programa por objetivos externos, isto é, por objetivos que aceita^
como socialmente dados em algum segmento de atividade. Digamos /
que ele é a-crítico em relação aos objetivos. Assim, pode elaborar'
um programa de treinamento competitivo para o brilho nacional
ou de atividades corporais na empresa para que os operários
estejam psicológica e fisicamente melhor e sejam mais produtivos.
Sua pretensão é ade realizar da melhor forma possível os objetivos
sociais que lhe são demandados. Neste caso, a questão central l r
diz respeito sobre a melhor forma de realizar os objetivos/jj
requeridos. Isto não implica, entretanto, falta de criatividade ou de)
competência na mediação. Este tipo de profissional pode ser muito
criativo na articulação do programa e mesmo altamente renovador
em relação aquilo que vinha sendo feito. Assim, aceitando-se a
demanda o profissional pode ser tradicional ou 'renovador na
elaboração do programa que a satisfaz. Pode, portanto, ser crítico
e criativo em relação aos meios para realizar os objetivos.
A outra tribo é formada pelos profissionais que desejamJ
necessitam ou acham fundamental determinar a demanda. Aqui
o programa inicia-se pela discussão dos objetivos com o auxilio dá
interpretação socio-política. Qual a função profissional é a grande
questão? Qual o papel dos educadores físico^ Qual a função do
programa de atividade corporal? Estes profissionais são os críticos, os
que se sentem renovadores ou revolucionários, os que acreditam que
podem transformar a realidade social em função de seus desejos ou1
sonhos, embora por vezes atribuam esses desejos ou sonhos ao povo/
aos oprimidos, aos trabalhadores. Esta opção não implica que estes;
profissionais sejam necessariamente criativos ou renovadores em
relação aos meios. De fato, na mediação que elabora o programa eles
podem ser tradicionalistas ou pouco inovadores. A-críticos, então, enj
relação aos meios que realizem seus objetivos criticamente elaborados
^Nossos comentários nos levam as seguintes possibilidades:
30
••n*
/•
O B J E T I V O S
Críticos
A-críticos B
A-críticos
D
A: critico ou inovador em relação aos objetivos e meios; ~nr=
B: a-crítico em relação aos objetivos e crítico em relação aos meios; ^
C: crítico em relação aos objetivos e a-crítico em relação aos meios; ̂
, . .
D: a-cntico em relação a objetivos e meios.
Estas considerações nos colocam diante de um velho e crucial
problema: devemos avaliar os homens pelas suas intenções (a-criticasu
ou críticas) ou pelos efeitos de sua ação (tradicional ou inovador)? AJj
questão não existiria se as intenções e os efeitos fossem convergentes] *.
Entretanto, há uma longa lista de pensadores de envergadura que -
chegaram à conclusão de que intenções e efeitos podem ser paradoxais,
ou contraditórios, isto é, divergentes. Mandeville popularizou a
divergência positiva quando afirmou que dos vícios privados (da
intenção egoísta) se deriva a virtude pública (o efeito de riqueza das
nações). Marx, em oposição, enfatizou a segunda divergência quando
reafirmou que o inferno está empedrado de boas intenções, isto é, que
as boas intenções dos capitalistas podem nos levar, e também a eles, a
uma situação pior. Mais ainda, quando sua tese central diz que se os
capitalistas agem capitalisticamente contribuem para a morte do
capital. Observemos que a grande críticaacaridade,umaboaintenção,
é a de que seu efeito resulta em aumentar a dependência, a apatia, e por
31
esse meio apenas reforça a caridade dos doadores enquanto situação
de superioridade.
Tomemos um exemplo desportivo: o boxe. Meu conhecimento
dos educadores físicos aponta que muitos deles compartilham
sentimentos e argumentos humanistas contra este esporte. Alguns
gostariam que fosse uma prática esportiva proibida e nenhum dos que
compartilham esses sentimentos e argumentos se dedica voluntariamente
a atuar no treinamento esportivo do boxe. A intenção crítica apenas
pode ter algum efeito no campo geral da discussão ideológica e pouco
ou nada se incorpora ao programade treinamento. Em oposição, os que
aceitam os objetivos desse esporte estão introduzindo novidades no
programa de treinamento cujos efeitos, a médio e longo prazo, podem
significar uma mudança no boxe. A introdução da dança, e portanto da
música, no treinamento pode gradativamente ir diminuindo a importância
do nocaute, esse "gol" do boxe. Esta mudança não necessita estar
determinada por uma intenção ou vontade de modificar a demanda. O
treinamento pode gradativamente ir enfatizando a importância do
estilo, um valor de tradição e cultura do boxe, sobre o nocaute, seu
outro valor. Esta mudança gradativa da relação entre aquilo que se
admira num esporte pode levar a uma docificação do boxe e a
conseqüente introdução de estilos e equipamentos que minimizando a
importância do nocaute sejam menos agressivos para seus praticantes.
O boxe poderá ser valorizado ainda como esporte enquanto o nocaute
perderia sua importância e, com ele, o privilégio concedido à violência
do soco. Os exemplos poderiam ser multiplicados.12
Não estou por certo propondo que deixemos de julgar as
intenções. A necessidade de julgar as intenções dos outros impõe-se
no cotidiano, permanentemente avaliamos as intenções dos outros para
definir nossa conduta. O campo da relação entre governantes e
governados é fundamentalmente, de pane dos segundos, um processo
de avaliação de intenções. O cidadão comum não pode esperar que os
especialistas avaliem, após vários anos de estudo, o efeito educativo
dos Cieps parajulgar Brizola enquanto governador. De fato, o primeiro
julgamento é sobre as intenções. Se daqui a alguns anos o próprio
Brizola reconhecer que sua estratégia educativa foi errada, porém bem
32
intencionada, os cidadãos poderão votar ainda nele. Habitualmente
perdoamos a incompetência ou desconhecimento, e mesmo o efeito
negativo de uma ação nào-intencional, somos mais duros com as
intenções negativas ou moralmente ruins. Isto pode acontecer porque
em nossa própria experiência constatamos a divergência entre
intenções e efeitos. Podemos, todavia, no processo avaliativo,
^privilegiar as intenções ou os efeitos. Salientemos que, enquanto
a avaliação das intenções não exige créditos especiais, por ser
basicamente moral, a avaliação dos efeitos em nossa sociedade
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demanda especialistas. Os efeitos são diferentes no tempo e no espaço,
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nos diversos contextos
especialistas avaliações das políticas públicas
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implementadas, embora muitas vezes engavetem-nas quando seus
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resultados não lhes sào favoráveis. Na arte da mediação a avaliação dos
1U^ Anr
efeitos é um processo central, vertebral, para a
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programas, de sua mudança, e para a obtenção do reconhecimento
social sobre os mesmos.
Curiosamente domina entre os educadores físicos a avaliaçãc
da arte da mediação pela intenção. Basicamente, avalia-se se o:
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objetivos dos "outros*' são os mesmos que "nós" defendemos. Este
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tipo de avaliação é um claro sinal da ideologização do campo
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vinculados á educação formal e não-formal. Neste terreno, a disput
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entre os que aceitam a demanda social e os que desejam lhe da
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forma, ganha sua maior força e virulência e, muito freqüentemente
discussão torna-se não civilizada.
Os médicos podem discordar sobre o tratamento Me ur
paciente. Cada um pode defender uma arte da mediação diferente e.
termos dos meios a serem articulados. Entretanto, por mais furioso
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termos dos meios a serem articmaaos. nnu eiamu, ym mau tu» *>~~
que se encontrem na disputa, partilham o objetivo de curar o pacienjj
A discussão se torna técnica, menos ideológica. Q próprio pacientf\ U.1OVL4JJUU jy ..,."..,_ .,
poderá consultar outros médicos para arbitrar a disputa. Oobjeti
'' - - -..-*: l U n m Incice posto em questão, pacientes e médicos o comjjartilhãmTirisisU
e^ta é uma discussão em relação aos meios e não sobre_osJjtTsJ
reconhecimento do papel social deação. Ilustra o alto grau de
médicos e o consenso em relação aos objetivos de sua ação. Esta
discussão não é ideologicamente do mesmo tipo que quando se
discutem os objetivos ou finalidades. Confundir estas duas
discussões é uma forma de aumentar os mal-entendidos. Destes
apenas tiram partido os que apostam no discurso único, na atitude de
unificação que é contraria ao processo intelectual que gera distinções
cada vez mais finas. O discurso que não distingue possui um alto apelo
emotivo, porém pouco consegue fazer, pois o fazer implica distinguir
e temperar na medida certa como sabe qualquer boa cozinheira.
A dupla confusão entre as intenções e os efeitos e entre
a discordância ou a concordância em relação aos objetivos ou aos
meios permeia as discussões no campo da educação física. N*T
verdade, educadores físicos podem entre si: a) discordar em relação
aos objetivos e aos meios; b) concordar em relação aos objetivos
e discordar em relação aos meios; c) discordarem relação aos objetivos
e concordar em relação aos meios e d) concordar em ambos planos.
As situações "a" e "d" se nos aparecem como coerentes e
de fácil aceitação. As situações sociológica e historicamente
relevantes são as "b" e "c". Os marxistas, compartilhando o objetivo
do socialismo, discordaram em quanto aos meios para sua
construção, por exemplo, uso ou não da violência. Liberais e marxistas
podem discordar em relação ao tipo de sociedade que desejam,
contudo, podem concordar em considerar como os meios principais
a persuasão e a educação. Os exemplos históricos podem ser, em
relação a estas situações, multiplicados ao infinito.
Estas duas situações nos surpreendem, e por vezes nos
incomodam, à medida que consciente ou inconscientemente acreditamos
que existe ou deveria existir a ação racional em determinadas áreas
do social e especialmente no campo da educação física. Entender o agir
como ação é a lógica natural do ator. Basicamente, entendemos as
condutas quando pensamos que elas resultam da vontade dos
indivíduos de alcançar objetivos (intenções) cuja realização depende
de condições e meios. As condições são variáveis que o ator deve
considerar embora não possa modificar, os meios são os recursos que
o ator pode mobilizar para alcançar os objetivos.
(V, (O \ <c
ÜJ
Qü
O
Q.
Entendemos que uma ação é racional quando levando em
conta as condições mobiliza os meios de forma a atingir o objetivo,
ou pelo menos maximiza os meios disponíveis para atingir o objetivo.
Entendemos que a ciência, a estratégia econômica ou militar, a
engenharia, a medicina, entre outras, são campos nos quais domina
a ação racional. Associamos, assim, a ação racional a possibilidades de
conhecimento e de cálculo. Se a ação é racional, como é possível
concordando no objetivo utilizar meios discordantes e como
discordando no objetivo utilizar meios concordantes? Esta é a
surpresa. Vejamos o problema com breves toques em perspectiva
histórica.
Valores nos objetivos e nos meios
O mundo moderno pensou a modernidade como um processo
secular de aumento do domínio da ação racional em todos os campos
de atividades. Os objetivos da ação podiam ser pensados como
não racionais, como valores, no entanto o processo de sua realização
devia e podia ser crescentemente racional, Isto significou uma
profunda valorização do conhecimento dás condições e dos meios, e
de sua inter-relação, no mundo moderno. Medicina e engenharia
passaram a ser áreas de atividade racional, embora desenvolver o
conhecimento científico . não fosse o objetivo dominante. A
racionalidade tornou-se o denominador comum entre as áreas de
atividades modernas. As condutas tradicionais, as que não podiam
fundar-se num cálculo racional, foram entendidas como
preconceito, como atividades que tinham perdido suas razões empíricas.
Aeducaçãoeaeducação física são áreas que se desenvolveram
a partir de pretensões de cientificidade e racionalidade. As atividades
de educação foram reivindicadas como objeto pelas "ciências da
educação", a cientificidade e a racionalidade foram passaportes para
se obter reconhecimento e legitimidade na modernidade. Os limites a
• suas pretensões, contudo, não se situaram nem se situam principalmente
na a-cientificidade ou a-racionalidade dos objetivos, senão que na
relação não racional nem calculável entre meios e objetivos. A escola
35
é criticada por não alfabetizar, pela alta evasão, pela repetência e pela
baixa qualidade da formação e não por serem esses objetivos pouco
compartilhados ou não expressarem valores sociais compartilhados.
A falta de realização dos objetivos questiona a cientificidade das
ciências da educação. Por certo os especialistas da educação colocam
a responsabilidade sobre os repetidos fracassos nos políticos, pois
os especialistas teriam a especialidade mas não o poder de implementar
suas receitas.
Os objetivos podem, e devem, ser valores socialmente
compartilhados. Entretanto, os valores também permeiam os meios na
ação educacional e, de modo geral, toda a arte da mediação. Disto
decorre a vigência das situações "a", "b" , "c" e "d'*. Situações
nas quais a relação meios-objetivos se apresenta como racional
quando na realidade é uma relação segundo valores, ou seja, os'
valores presentes nos objetivos estào também presentes nos meios
("a" e "d") ou valores diferentes permeiam objetivosemeios^b"
ê "c"). ^>
Exemplifiquemos para a educação física o que viemos dizendo
sobre os casos intermediários, que são os mais significativos sob o
ponto de vista sociológico. Tomemos dois exemplos do treinamento,
programas que se supõem mais carregados de racionalidade na relação
meios-objetivos.
s- Caso (b). No treinamento objetiva-se o desempenho do
(atleta, a eficiência, importa a performance na competição.
Entretanto, o treinamento pode ser pensado num t lclima" de
disciplina autoritária ou num outro de disciplina auto-imposta, elaborada
pelos participantes do treinamento. Em ambos os casos, os
argumentos salientam as vantagens para o desempenho de um ou outro
meio. Cada estratégia apresentar-se-á como mais eficiente no
atingimento dos objetivos. Isto é, como mais racional na articulação de
meios e fins. Esta seria uma situação freqüente onde a demanda
social estabelece com força os valores e objetivos e ainda não existe
consenso entre os mediadoresem relação aos meios para se atingir
os objetivos ou onde as diferentes propostas sobre os meios refletem
disputas entre os mediadores por ocupar posições no campo, como
36
( C
C ^ ÍJ
diria Pierre Bourdieu. Í/Y- ^
Caso (c). Na escola um educador pode defender como
objetivo o desenvolvimento psicomotor da criança e um outro
conscientização de sua situação de vida. Ambos podem operar nu
"clima" participativo e apoiando a capacidade crítica da criança.
Ambos podem pretender realizar seus objetivos por meio de
processos inovadores em relação aos tradicionais. Num plano geral
suas atitudes em relação à escolha dos meios, nos limites que os
objetivos possibilitam, são semelhantes. J
Poder-se-ia objetar o fato de tomarmos o 4 ' clima" como meio
para se atingir objetivos. A maioria dos programas se preocupam
explicitamente por sua definição e estabelecimento e lhes atribuem
importância estratégica. A critica da pedagogia moderna à tradicional
é mais uma critica aos valores presentes no processo pedagógico,
aos modos de interação, enfim ao "clima", do que aos objetivos. De
fato, pedagogos modernos recuperam a transmissão sistemática de
conhecimentos como objetivo da educação formal. A criticatoma cada
vez mais o sentido de estabelecer uma coerência ou correlação entre
os valores presentes nos objetivos e os valores presentes nos meios.
Digamos que desejam que às intenções estejam'presentes nos meios
pelos quais se procura realizá-las. E, depois .de tudo, no cotidiano,
antes de sair de casa procuramos saber qual é o clima.
Diria, para finalizar, que a principal finalidade didática é a de
estabelecer um clima de entendimento. Este, lembro, é o primeiro
objetivo destas notas. • ' • '
1 Em relação a esta discussão ver o trabalho de Ròrty (1988.)
2 Estou partindo aqui dos fundamentos da sociologia da ciência, a literatura
a respeito c ampla c conhecid. . - .
• * A idéia de progresso é fundamental no Brasil e no mundo. Ver as obras
de Nisbct e o claro texto de Lc Goff sobre a inscparabilidadedas idéias de progresso
c reação.
37
4 Refiro-me aqui à imagem criada por Lévi-Strauss no Pensamento
selvagem.
5 Conferir como exemplo a excelente História do corpo de Crespo.
6 Observe-se que esta é uma mediação sistematicamente realizada pelo
especialista entre o universal, aprendido na formação, e o particular da situação na
qual o programa se desenvolve.
7 De fato os especialistas da Física podem discordar sobre as partes da Física
que devem ser priorizadas, os meios de ensino-aprendizagem e as metodologias
entre outros aspectos.Contudo, eles não se colocam objetivos culturalmente tão
distantes como a "conscientização políüca"e a "saúde do corpo". Observemos
que estes objetivos se colocam como contrapostos no programa de atividades e não
na sociedade. Esses valores situam-se em planosdiferentes e ambos podem ser
valiosos. É no programa de atividade onde o especialista situa a contradição e a
escolha que, no fundo, remete à diferenciação entre os especialistas.
• * Conferir meus comentários sobre este assunto em Educação popular:
maioridade e conciliação.
9 Observo que há, entre os especialistas da Educação Física, um marxismo
banalizado que esquece o grau. De fato, o grau é uma questão empírica complexa
e o marxismo banalizado, distanciado da pesquisa empírica, o exclui, pois está
impossibilitado de lidar com ele dada sua preferência em explicar quase tudo pela
luta de classes. Esquece que a definição e entendimento concreto das classes e dos
seus agires é tarefa teórica e empírica complexa e que demanda pesquisa constante.
O marxismo banalizado é muito cômodo e mágico, pois tira de frases feitas a
"realidade social".
10 Ver os TrabaJhos de Elas, Brown, Vigarelío e Crespo citados na
bibliografia, corno exemplos de análise das construções às quais me refiro.
11 Conferir Eby, por exemplo.
12 Uma contribuição central, da releitua da história da ciência, feita por
Kuhn é considerar que a atividade científica sendo convergente -agindo dentro de
um paradigma- termina provocando a divergência, a mudança do paradigma.
Entre as intenções que guiam a ação e seus efeitos há também no caso da ciência
distâncias consideráveis.
38
Capítulo 2
Educação e educação física
em escolas do Rio de Janeiro
39
1.Educação e educação física em escolas do Rio de
Janeiro.1
O campo da educação física no Brasil caracteriza-se pela
dispersão das propostas ou programas de atividades corporais. O
debate existente é considerável e, dificilmente, poder-se-ia afirmar
que, a intervenção dos profissionais da área, se orienta por um
consenso significativo, em termos de valores ou objetivos a serem
perseguidos e dos meios adequados aos mesmos. A dispersão, com
seus debates e discussões, aparentemente inesgotáveis, é
particularmente forte no que diz respeito à educação física no
contexto institucional da educação formal e, sobretudo, no seu
Primeiro Grau.2 . . . . . .
O ponto de partida dos estudos Sobre a educação formal,
diríamos que de consenso, reside naafirmaçãp de que a escola brasileira
está mal e que devem ser realizadas ações para tirá-la desta situação.
A partir deste consenso, muito frágil ou muito forte, segundo o ponto
de vista avaliador, as .propostas de transformação ou mudança se
multiplicam. Se'u lequeé-arhploe, sob o ponto de vista pedagógico,
abrange desde a politização da educação até sua psicologização mais
individualista ou a revalorização da escola tradicional. No plano
organizativo, defende-se desde um controle e centralização maior da
educação pública, até ousadas propostas de descentralização, com a
introdução de mecanismos de ''mercado" , ou de estímulo a
produtividade. Adispersâodas propostas indica, entre outros elementos,
a dificuldade da educação brasileira em constituir uma tradição, um
conjunto de valores e normas suficientemente articulados, em cujo
âmago da mudança educacional aconteça. De fato, o acúmulo de
Propostas hão está acompanhado por mudanças efetivas no cotidiano
41
escolar.
Evidentemente, estepanorama da educação incide, fortemente,
na educação física escolar. Também aqui as propostas de intervenção
se diversificam, em termos de valores e meios, para sua realização. A
emancipação política, o desenvolvimento psicomotor, o
desenvolvimento cognitivo, o apoio a integração e funcionamento
escolar, o respeito a cultura dos alunos ou a competência corporal,
entre outros, podem ser escolhidos enquanto valores orientadores do
processo de intervenção. Por certo, a diversidade dos meios propostos
é correlata a dos valores ou objetivos.
Os discursos de intervenção dos especialistas geralmente
pretendem o status de científicos. Entretanto, é habitualmente baixo
e mesmo nulo, o fundamento em termos de pesquisa empírica. Os
especialistas participantes dos debates pretendem impor seus pontos
de vista sem apresentarem, habitualmente, "dados" ou "provas", que
possibilitem ãleançaçmos alguns' 'acordos", que permitam aperfeiçoar
a educação no Brasil. ': • >•
"*••• *: Os alunos e seus responsáveis também possuem seus pontos de
vista e opiniões-formuladas, a partir da experiência escolar, e de
representações elaboradas, à partir de incidências diversas (cultura
popular, especialistas, meios de comunicação, entre outras). Estes
pontos de vista devem ser levados em alta consideração se pretendem
alcançar algum grau de consenso, em termos de "projetos" ou de
"propostas", para a ação educacional e, em especial, para a educação
básica.
Parece por demais evidente que os negócios humanos funcionam
quando se estabelece algum grau de consenso ou acordo entre os atores
sociais que deles participam. Os atores privilegiados do processo
educativo são sem dúvidas as famílias, os educandos e os
1 educadores. Se entre eles não existe um acordo suficiente a escola não
funciona. Acordo sobre valores, os meios, as espectativas parece ser
a estratégia fundamental para que se implementem projetos no plano
da educação. Enfim, se os atores não partilham de um horizonte comum
de crenças ou representações é impossível a eficácia

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