Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ÉTICA DA FAMÍLIA, DO AMOR E DA SEXUALIDADE CURSOS DE GRADUAÇÃO Ética da Família do Amor e da sexualidade — Profª. Marcela Mabel Lapalma. Meu nome é Marcela Lapalma e pretendo acompanhá-lo com este trabalho, no estudo e aprofundamento da Moral Sexual. Sempre me interessei pela teologia. Os temas religiosos me atraem profundamente, tanto que não foi difícil escolher o que ia estudar quando terminei o colegial. Logo tive oportunidade de seguir meu caminho de aprofundamento teológico e me dediquei à Teologia Moral. Agora estou me dedicando a outra etapa de aprofundamento da área da Moral Sexual. Por isso, é que me encanta este desafio de acompanhá-lo nesta tarefa. ÉTICA DA FAMÍLIA, DO AMOR E DA SEXUALIDADE Profª. Marcela Mabel Lapalma Caderno de Referência de Conteúdo © Ação Educacional Claretiana, 2009 – Batatais (SP) Trabalho realizado pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP) Cursos: Graduação Disciplina: Ética da Família do Amor e da sexualidade Versão: jul./2013 Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir Botteon Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida Coordenador Geral de EAD: Prof. Artieres Estevão Romeiro Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A. Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Revisão Felipe Aleixo Rodrigo Ferreira Daverni Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico, diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana. Centro Universitário Claretiano Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000 cead@claretiano.edu.br Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006 www.claretiano.edu.br SUMÁRIO CADERNO DE REFERENCIA DE CONTEÚDO UniDADE 1 – POR QUE FALAR DA ÉTiCA SEXUAL? 1 OBJETiVOS ........................................................................................................ 7 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 7 3 inTRODUÇÃO À UniDADE ............................................................................... 8 4 A COnSTRUÇÃO MORAL .................................................................................. 10 5 MODERniDADE E PÓS-MODERniDADE: MUDAnÇAS nA HiSTÓRiA ............ 19 6 COnSiDERAÇÕES PRÉViAS À MORAL SEXUAL ............................................... 22 7 COnSiDERAÇÕES .............................................................................................. 29 UniDADE 2 – COMPREEnSÃO AnTROPOLÓGiCA DA SEXUALiDADE 1 OBJETiVOS ........................................................................................................ 31 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 31 3 inTRODUÇÃO À UniDADE ............................................................................... 31 4 AnTROPOLOGiA SEXUAL ................................................................................. 32 5 COMPREEnSÃO TEOLÓGiCA DA SEXUALiDADE ............................................. 42 6 COnSiDERAÇÕES .............................................................................................. 52 UniDADE 3 – PARA UMA ÉTiCA SEXUAL CRiSTÃ 1 OBJETiVOS ........................................................................................................ 55 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 55 3 inTRODUÇÃO À UniDADE ............................................................................... 56 4 ViSÃO ÉTiCA SEXUAL DA BÍBLiA ...................................................................... 57 5 COnSiDERAÇÕES .............................................................................................. 80 6 COnSiDERAÇÕES FinAiS .................................................................................. Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 1 EA D Por que falar da Ética Sexual? 1. OBJETIVOS • Analisar a necessidade de um caminho prévio para com- preender a moral sexual. • Compreender a revolução sexual que marcou um novo caminho no conhecimento da moral sexual. • Refletir sobre a complexidade e a problemática atual da moral sexual. 2. CONTEÚDOS • Construção moral. • Modernidade e pós-modernidade: mudanças na história. Ementa ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Compreensão da família do amor e da sexualidade. Perspectiva de uma vi- são antropológica integral iluminada pela revelação cristã (biológica, psicológica, sócio-cultural, política e existencial, a diferenciação sexual, a homossexualida- de). Auxílio das ciências humanas e à luz da fé. Os ideais cristãos. Analisar a realidade do matrimônio e do amor conjugal a partir dos dados bíblicos e do ensinamento magisterial da Igreja e da reflexão teológica contemporânea. Fun- damentar a sacramentalidade do matrimônio e da família. Valorizar o papel da consciência pessoal e do diálogo familiar. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Ética da Família do Amor e da sexualidade8 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 3. INTRODUÇÃO À UNIDADE O único ser vivo que tem conduta ética é o ser humano. A construção moral que fundamentamos é para a pessoa inserida em um contexto: O tempo • vertente histórica. • vertente psicológica. • Perspectiva cristã. O espaço • Fatores cósmicos. • Fatores socioculturais. O grupo • A sexualidade. • O caráter. • Modernidade e pós-modernidade: mudanças na história. • Considerações prévias particulares à moral sexual. • A revolução sexual no mundo ocidental mudou a ideia de sexualidade. • As ciências atribuem à teologia moral sexual novos co- nhecimentos. • A ética da sexualidade se constrói sobre a imagem de pes- soa que temos. É necessário partir da realidade de que sempre queremos trabalhar no campo da moral, e mais ainda da moral sexual. A realidade é um ponto de partida e também de chegada, porque queremos falar de algo concreto e em seguida considerar, talvez modificar, essa realidade. Nosso ponto de partida será compreender em que antropolo- gia sustentamos nossos discursos morais, como também considerar a moral que sustentamos. Disto, dependerá nossa ética sexual. 9© Por que falar da Ética Sexual? Também veremos que a realidade está atravessada pelas categorias do espaço e do tempo. Elas influem no nosso modo de ver e pensar a própria realidade. Será necessário reconhecer a mu- dança cultural que vivemos para restabelecer uma ética sexual de acordo com nossos tempos. O ÚNICO SER VIVO NA TERRA QUE TEM COMPORTAMENTO ÉTICO É O SER HUMANO Os seres humanos são os únicos que, por natureza,têm um grau de liberdade diferente e superior aos animais, daí se deriva a responsabilidade de nossos atos. Dessa maneira, em grande parte podemos construir nosso futuro, decidir o que fazer com nosso presente, a que direção os dirigir, como chegar a nossos sonhos e trabalhar para isto. Definitivamente, nascemos sem estar feitos nem programados. Os animais, ao contrário, não possuem esse grau de liberdade e consciência que possuem as pessoas huma- nas, estão condicionados por seus instintos muito mais que nós. O teólogo moralista Lopez Azpitarte (2001, p. 24) considera que: “Ser pessoa exige um projeto de futuro que determina o com- portamento de acordo com a meta que cada um tenha traçado para si”. Quando traçamos uma meta em nossa vida, pensamos em como conseguir alcançá-la. Em nossas ações e atitudes vamos de- senhando que tipo de pessoa somos e queremos ser. Todos, de uma maneira ou de outra, traçamos o sentido que queremos dar a nossa vida, o projeto que queremos alcançar, e nosso comporta- mento mostrará o que desejamos. O ser humano é o único ser que precisa saber quem é para chegar a sê-lo. Partimos de uma identidade que vamos formando ao longo de nossa vida. Nascemos com dignidade, mas devemos nos comprometer a ser verdadeiras pessoas humanas. O relato bí- blico da criação nos lembra que, logo após a tragédia do pecado (que entrou porque quisemos ser mais do que pessoas), a tarefa © Ética da Família do Amor e da sexualidade10 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO principal do ser humano é trabalhar. Nosso drama é que podemos humanizarmos cada vez mais ou não. Com nossos comportamentos, mostramos se respeitamos nossa dignidade e a dos demais. Não basta nascer dignos, precisa- mos ser dignos ao longo de nossa história. A dignidade é uma rea- lidade dinâmica, que se constrói ou destrói com nossos comporta- mentos e atitudes. Somos, mas também estamos chamados para ser pessoas, e desta perspectiva se julga nosso comportamento e se constrói nossa ética. 4. A CONSTRUÇÃO MORAL A construção moral que fundamentamos é de e para as pes- soas inseridas em um contexto. A realização pessoal está atraves- sada pelo tempo e espaço, e também pelo nosso contexto. Esta realidade que nos rodeia influi em nossa ética e moral, no modo de ver a vida e julgá-la. O teólogo e moralista Marciano Vidal, comenta que a pessoa humana vive e desenvolve seu projeto existencial dentro de umas coordenadas antropológicas, e que seu comportamento sucede e se projeta dentro destas estruturas que o condicionam e o situ- am. Tais coordenadas condicionam a pessoa humana, mas jamais a determina. Senão, onde estaria a liberdade? Também podem in- fluir de uma maneira diferente em cada um de nós, em alguns ho- mens e mulheres esses condicionamentos não chamam a atenção como se pode observar em outras pessoas. Vejamos, então, quais são essas coordenadas que nos apre- sentam o teólogo Vidal. O tempo A temporalidade é a primeira coordenada antropológica do comportamento moral. É uma coordenada que deve ser levada 11© Por que falar da Ética Sexual? muito a sério pela moral, porque influi no nosso modo de ver e atuar, influi no nosso modo de ser pessoa. Pensemos como todos nós precisamos de “tempo” para vi- ver, para fazer coisas, para tomar decisões, para atuar, para digerir algumas situações, para compreender. Sem o tempo, não existi- mos. Se nos perguntarmos como é o céu, não podemos evitar enquadrá-lo sob a ideia da temporalidade. É impossível pensar fora dessa coordenada. A vida, que nos é dada como um projeto a realizar, converte-se assim em uma tarefa contínua e temos que “realizar-nos” no e com o tempo. Mas Vidal nos diz que há diferentes formas de compreen- der a temporalidade: Vertente histórica Em cada época histórica, foi-se vivenciando de modo muito diverso esta categoria de tempo. Certamente, você já ouviu falar das mudanças profundas na história com a chagada da moderni- dade e agora com a pós-modernidade. Estes tempos marcaram profundamente o modo de ser do homem ocidental atual. Hoje a vivência do tempo é muito deferente à do homem da Idade Média. Nas grandes cidades, as pessoas correm sob a pressão do tempo. É comum ouvir: “não tenho tempo”, “não há tempo”, “falta pouco tempo”, “me falta tempo” etc. É claro que o tempo é o mesmo, não mudou, mas o que mu- dou é nosso modo de percebê-lo. Vertente psicológica Falamos aqui do “tempo interno”. As experiências são reali- zadas dentro de três dimensões: • passado; • presente; • futuro. © Ética da Família do Amor e da sexualidade12 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Por exemplo, precisamos de tempo para assumir algumas situações traumáticas; muitas vezes dizemos às crianças que ne- cessitam de “tempo” para entender algumas coisas etc. Não é a mesma coisa o comportamento de um adulto com o de uma crian- ça, porque “o tempo psíquico” assinala a diferença. Na verdade, falamos de um processo de amadurecimento que leva tempo. Além disso, uma boa experiência do tempo é uma condição básica para o equilíbrio psíquico (quantas vezes vimos por aí adultos que se comportam como adolescentes, por não terem vivido de uma forma saudável a etapa que já passou!). Perspectiva cristã A temporalidade, também, é um componente do ser cristão. O cristão deve entender isto a partir da categoria da historicidade e, portanto, da temporalidade. A própria Revelação de Deus é uma categoria que não pode ser compreendida sem temporalidade. Também não podemos compreender Jesus a-temporariamente: ele foi judeu, com um passado que aceitou e o condicionou, e também com um projeto de futuro que transmitiu aos seus discí- pulos. O cristianismo é uma “história” de salvação. O cristão vive a salvação em uma tensão do presente, que depende de um passa- do e que se projeta em direção ao futuro. Veja como é preciso “re- cordar” o projeto de Jesus para comprometermos e construir, no presente, o Reino, com a “promessa” de um encontro definitivo. Por isso, a moral cristã deve ser uma moral da história da salvação. A mesma celebração eucarística resguarda o movimento da tem- poralidade: lembramos Jesus na sua última ceia, e nos fazemos presente para nos dar força na nossa contínua caminhada. No tocante ao nível pessoal, note que hoje você está estu- dando porque se comprometeu no passado, você amadureceu sua decisão e escolheu. Também está aqui hoje porque você pretende alcançar e atingir a meta, ou seja, definitivamente, você tem um projeto. Todo comportamento compreende os três momentos: 13© Por que falar da Ética Sexual? passado, presente e futuro. Em suma, o comportamento moral humano está atravessado por esta categoria de temporalidade. O comportamento é uma decisão (presente), que enlaça com uma memória e que abre a um projeto (futuro). O espaço É muito importante ter em conta esta categoria e deve ser assumida como categoria antropológico-moral. Nela entram, tam- bém, os fatores cósmicos (como o clima, a configuração orográfica, as estações, a hora, a vegetação etc.) e os socioculturais (o espaço nacional, cultural, social, religioso). Vejamos alguns deles: Fatores cósmicos Dentro destas determinações, encontramos: • O Clima: deve ser valorizado, porque desempenha um papel importante na estrutura e no comportamento do indivíduo. O teólogo moralista Hortelano disse que um homem nórdico ativo e trabalhador, que se muda para uma zona tropical e calorosa constante, dia e noite (pense no norte da Argentina), se esgotaria facilmente, ou pelo menos seria mais difícil seguir um ritmo igual ao de um nativo do lugar. Ao contrário, os homens e mulheres habi- tuados a este clima não têm escrúpulos em ir para o tra- balho em horas que, para o estrangeiro, seria fatal. Tudo isso nos faz entender que, muitasvezes, nosso comporta- mento é influenciado pelo clima. • Configuração orográfica: o teólogo Vidal acredita que existem virtudes e pecados da montanha, de planície, do deserto, da costa etc. Além do clima, o relevo também pode influenciar onde nascemos e vivemos. Uma pessoa na montanha e uma pessoa no mar são influenciadas por seu relevo. Diz-se que o homem da montanha é silencio- © Ética da Família do Amor e da sexualidade14 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO so, e não tem medo da solidão, porém o homem do mar pode ser mais aventureiro. Os comportamentos estão condicionados pelo seu contexto geográfico. • As Estações: imagine a vida naqueles lugares onde suce- dem meses de escuridão e de luz, por exemplo, nos polos ou em países como a noruega ou a Finlândia. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Tenho uma amiga que está morando com sua família em Estocolmo. Seus filhos, que são muito pequenos, não tiveram tanto problema quanto ela e o seu marido para adaptar-se. Para ela tudo é muito difícil e os piores momentos são no inver- no, quando a luz dura pouco. Ela mesma percebe que sua conduta se modificou um pouco. Imagine que minha amiga é de uma região onde as temperaturas alcançam 40 graus no verão e, geralmente, os invernos são curtos! Tudo é muito diferente agora! –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Fatores socioculturais Para referirmos aos fatores socioculturais, devemos mencio- nar os seguintes espaços: • Espaço Nacional: nosso “modo de ser” está influenciado por nosso espaço cultural. Muitas vezes é difícil compre- ender outras nações, seus costumes, modo de ver a vida e até seus comportamentos. Cada país tem um modo de ser próprio. Há nuances diferentes na consciência moral dos povos. Certamente, você já ouviu dizer, é duro como um vasco, é alegre como um brasileiro, é sério como um inglês! Bem, isso significa que, além do idioma, há outros fatores que fazem identificar uma pessoa de um país, por exemplo, seu caráter. Lembre-se de que de acordo com o que você estudou em Moral Fundamental, esta palavra é chave em nossa matéria: “modo de ser”, “ethos”, “ética”. • Espaço Cultural: cada cultura tem suas particularidades. Vemos a vida e vivemos influenciados por nossa cultura, educação e formação, para melhor e para pior. Pense em 15© Por que falar da Ética Sexual? como estamos condicionados por ela no momento de dia- logar com outras culturas diferentes da nossa, como nos custa compreender e entender seus comportamentos tão diferentes, em alguns casos, ao nosso. Quando vamos a outros lugares distantes, muitos acham difícil se adaptar. Da mesma forma, no mesmo país, existem muitas cultu- ras diferentes. Nossa moral está também condicionada pelo espaço cultural. Há regiões onde a expressão da ale- gria é muito diferente da nossa, como a de dor, raiva etc. Vemos, julgamos e pensamos por meio de nossa cultura. • Espaço social: é preciso enfatizar a importância que têm como fator moral os diferentes setores ou classes sociais. As preocupações e sonhos não serão iguais entre as pes- soas que têm tudo e aqueles que não têm sequer o básico para viver. A maneira de enfrentar a vida será diferente porque também é condicionada por esse espaço social. Este fator é muito importante de lembrar no momento de sermos críticos com alguns dos setores mais vulneráveis da nossa sociedade. Em algumas classes sociais, existem tabus sobre certos temas, enquanto em outras aqueles mesmos problemas fazem parte das piadas cotidianas. • Espaço Religioso: também é importante para a moral o espaço religioso em que vivemos. Cada religião marca os valores, pecados, deveres que os seus membros defen- dem e vivem. Mesmo a ideia de felicidade depende do fator religioso. Muitos têm dificuldade em compreender o significado do véu que cobre a cabeça das mulheres mu- çulmanas, alguns ritos religiosos no norte do nosso país, o modo de vida dos monges budistas etc. O grupo A terceira coordenada antropológica é o grupo. O ser huma- no é constituído de tal forma que precisa dos outros para viver. É uma realidade que hoje não se discute. Uma criança recém-nas- © Ética da Família do Amor e da sexualidade16 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO cida, se não tiver atenção nas primeiras horas, a sua vida certa- mente correrá perigo. Precisamos do outro para ser indivíduos. Normalmente nos movemos em grupos, em sociedades onde da- mos e recebemos o modo de ser. Mas estes grupos também dão identidade e formam o próprio homem. Mas, como o grupo se comporta com a pessoa e como é o modo de ser da pessoa com o grupo em que vive? não há somente um tipo de grupo, mas vá- rios “modos de ser” grupos. Assim, a pessoa está condicionada por essa realidade. Sabemos que existem locais de trabalho, grupos de trabalho, quando a pessoa não é considerada até mesmo como uma pessoa, é simplesmente um número. O dia em que ele se aposenta ou se vai simplesmente, troca-se rapidamente por outro; o dia em que ele fica doente, muitas vezes ainda ligam para perguntar algo do trabalho. Estes grupos são reconhecidos como companhias ou so- ciedades. Neles, o nosso comportamento vale pelo que nós rende- mos, não pelo que somos. Aqui ninguém é indispensável, porque haverá sempre pessoas que entram em nosso lugar. Nesses lugares não são levados em consideração o valor da pessoa, nem suas con- vicções interiores, somente o cumprimento da função. Há outro tipo de grupo chamado grupo de massa. Nele, a pessoa perde também seu valor e suas convicções, não é valoriza- do por aquilo que é capaz, de forma individual, mas pela massa. Aqui domina a uniformidade, o contágio, não há o comportamen- to e a consciência individual, mas uma consciência de massa. A história tem muitos relatos em que podemos ver como as pessoas agiram (e agem) em massa. Fazer o que não faríamos sozinhos, atuar influenciados pela corrente mais forte. Felizmente, podemos mudar para outro tipo de grupo, cha- mado comunidade. Nela as pessoas são valorizadas e respeitadas, consideradas e moderadas. O ser vale por ser pessoa e tem uma identidade particular que dá a sua história e personalidade. É aqui 17© Por que falar da Ética Sexual? onde se realiza autenticamente a pessoa, pois ela é respeitada como um sujeito diferente e necessitada ao mesmo tempo que os demais. Devemos ter em mente que o nosso comportamento vai de- pender do tipo de grupo no qual nos movemos. Sexualidade Somente cabe aqui dizer que o ser humano está condiciona- do por sua sexualidade, e que não a devemos reduzir aos genitais. A sexualidade abrange toda a pessoa, que a partir de sua biologia (masculino e feminino) e suas construções sociais (femininas ou masculinas), damos passos na vida nos comportamos de acordo com tais determinantes. Além disso, a sexualidade é um processo dinâmico, lembremo-nos de que vamos nos formando como pes- soas. Vidal disse que a nova compreensão da sexualidade humana leva a um repensar da moral da sexualidade, em consonância com o conteúdo da moral. É verdade que a teologia moral sexual, até agora, tem sido concebida por homens, especialmente consagra- dos na vida celibatária. É hora de completar a visão da sexualidade humana, através do olhar da mulher, casada ou consagrada que, em muitos aspectos, é completamente diferente da masculina. A compreensão que temos da sexualidade levará a ver e pensar a moral de um modo determinado. O caráter É uma realidade concreta e particular do comportamento moral. Cada pessoa obra a partir de sua própria constituição. A constituição de uma pessoa está formada por todas as caracterís- ticas somáticas, funcionais e psíquicas que apresenta. Tudo isso forma o caráter de uma pessoa. O caráter não é o mesmo que o temperamento. O tempera- mento de uma pessoavocê não pode julgar, é pré-moral e o tra- © Ética da Família do Amor e da sexualidade18 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO zemos desde o nosso nascimento. Não se forma com o passar dos anos, faz parte da nossa natureza. Nós não podemos modificá-lo, mas saber levá-lo. Mas é nele onde se apoia o próprio caráter de uma pessoa. INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR ––––––––––––––––––––––– Médicos da antiguidade como o médico grego Hipócrates (460-370 a. C.) e o mé- dico grego Galeno (129-200) distinguiam quatro tipos de temperamentos, con- siderados como emanação da alma pela inter-relação dos diferentes humores do corpo: sanguíneos, as pessoas com um humor muito variável; melancólicos, pessoas tristes e sonhadoras; coléricos, pessoas cujo humor se caracterizava por uma vontade forte e alguns sentimentos impulsivos, nas quais predominava a bile amarela e branca, e fleumáticos, pessoas que se demoram na tomada de decisões, costumam ser apáticas, às vezes com muito sangue frio, nas quais o muco era componente predominante dos humores do corpo. A isto se acrescenta os descobrimentos do fisiólogo russo Iván Pávlov (1849- 1936), quem anunciou que as características do temperamento são dadas pelo sistema nervoso que por sua vez possui três características: força, equilíbrio e velocidade de correlação; a combinação destas características dá origem aos tipos de sistema nervoso que caracterizam a cada temperamento: sistema ner- voso rápido e equilibrado (sanguíneo), sistema nervoso lento e equilibrado (fleu- mático), sistema nervoso fraco (melancólico) e sistema nervoso forte, rápido e desequilibrado (colérico). (Disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Tempera- mento >. Acesso em: 10 ago. 2010). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O temperamento é a maneira de enfrentar-se por natureza, com a realidade; no entanto, o caráter é a maneira de enfrentar- se por hábito com essa mesma realidade. É necessário levar em consideração o caráter de uma pessoa quando se trabalha o seu comportamento moral. Ela é condicionada por seu caráter. Todas essas coordenadas que vimos se cruzam entre si, in- fluenciando uma sobre as outras. Assim, a pessoa é sempre con- dicionada por fatores que a irão formando e moldando, que a faz olhar e agir de determinada maneira, é que elas nos condicionam a cada um de nós de modo diferente e não podemos cair na ideia de que somos determinados por esses condicionamentos. A liber- dade e a consciência nos ajudam a crescer e a mudar. Você percebeu até aqui que o conceito de pessoa huma- na não é um conceito estático, mas há alguma dinâmica nele. A pessoa, com sua liberdade e consciência, deve descobrir a sua 19© Por que falar da Ética Sexual? grandeza e dignidade. O ser humano deve tornar-se pessoa, é um trabalho em que dia a dia se joga sua humanização ou desumani- zação. Em suma, há muitos fatores que influenciam na realização do indivíduo. 5. MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE: MUDAN- ÇAS NA HISTÓRIA As últimas etapas históricas, conhecidas como modernidade e pós-modernidade, geraram profundas mudanças na vida do ser humano que devem ser resguardadas pela moral e ética teológi- ca. A profundidade da mudança dos tempos atingiu, sem dúvi- da, as relações humanas. Esta nova realidade, que é mais percep- tível em algumas partes do mundo do que em outras, está ques- tionando a nossa ética e, por sua vez, nossa ética questiona essa nova realidade. A modernidade trouxe para a Europa novas formas de viver em sociedade. Surgiram os estados, os primeiros passos das de- mocracias, as indústrias, as fábricas e a consciência do homem que poderia ser o “dono do mundo”. Mas trouxe também uma maneira de agir e pensar mais individualista. A moral passou a ser a moral dos atos, com perfil juridicista, esquecendo-se da pessoa em sua totalidade. Havia uma ideia geral de que o europeu podia dominar tudo e fazer o que quisesse. Isso foi percebido no encontro com os po- vos originários da América Latina. Esta nova realidade trouxe uma nova moral, uma nova maneira de ser, de se relacionar com os outros, com suas virtudes e defeitos, o que influenciou mais além das fronteiras de onde se formou. Hoje, no chamado tempo de pós-modernidade, também vivemos uma nova reviravolta na história, uma nova era, que vai dando lugar a uma nova cultura, e que expõe novamente novos desafios à ética e à moral. © Ética da Família do Amor e da sexualidade20 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Percebemos os tempos atuais como mais complexos. Em nossos países sul-americanos, que permanecem em sua maioria pobres, vive-se uma constante tensão entre a novidade da nova era e as velhas formas de outros tempos, cada um deles com suas virtudes e defeitos. Não estamos dizendo aqui que tudo que é novo seja melhor. Cada época histórica tem seus prós e contras. E é assim como possuímos um continente desigual onde con- vivem os grandes avanços com a mais profunda e indigna miséria, o respeito com a insolência de pensar que tudo vale, com objetivo de alcançar as metas propostas. Esta é a realidade que deveremos julgar a partir da ética cristã. As mudanças vão acontecendo de um modo implacável, mas não se vivem da mesma maneira, e nem toda a mudança é um progresso para a humanidade. A seguir, apresentamos um quadro comparativo, seguindo o autor iriarte (1995, p. 17), no qual estão os grandes avanços e retrocessos do mundo atual: Tabela 1 - Progressos e retrocessos do mundo atual. Grandes conquistas Retrocesos e frustrações Valorização e maior sensibilidade em relação à democracia, à liberdade pessoal, direitos humanos... Novas formas de racismo, de xenofobia, de discriminação social. Discriminação e maus-tratos às mulheres. Grandes avanços tecnológicos. Aumento da produção e do consumo. Crescimento da economia. Aumento da pobreza e da fome no mundo. O desemprego, a emigração e a imigração em massa. Os progressos na integração econômica e política. O protecionismo. Barreiras tarifárias, o comércio lutas. Fim da “Guerra Fria”. Generalizada rejeição do terrorismo e da corrida armamentista. Aumenta o tráfico de armas. Frequentes guerras de baixa intensidade. Sociedades cada vez mais violentas. Maior conscientização dos problemas atuais. Aumento da contaminação em todo o mundo. Desenvolvimento acelerado da informática e dos meios de comunicação. Cultura de massas. Instrumentalização da informação. Abuso de publicidade. 21© Por que falar da Ética Sexual? Aqui estão alguns desafios que surgem em nossa cultura: Tabela 2 - Desafios da cultura. O homem de hoje vive oprimido diante das ten- sões, dos problemas e desafios que lhe apresentam. As- sim, ele também vai buscando respostas para essa realidade. Como cristãos, acreditamos que nem todas as respostas ajudam a humanização de todos os homens e mulheres. Algumas delas se trancaram em um labirinto, buscam satisfazer a ganância de quem as apoia. © Ética da Família do Amor e da sexualidade22 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Além disso, esta mudança também produziu uma crise à própria teologia moral. A teologia moral, que ontem ainda estava em vigor, passa hoje por uma grande reforma. O início da aceita- ção deste processo pode ser visto no n º 16 do Decreto Optaram Totius do Concílio Vaticano II, sobre a formação nos seminários, que propõe uma nova teologia moral em consonância com as mu- danças. Hoje buscamos dar respostas à nova realidade, respostas que sejam construídas com os novos dados que fomos descobrin- do. É importante observar como a modernidade e a pós-mo- dernidade também trouxeram novos desafios à moral sexual. Com estas mudanças históricas, que foram e continuam sendo vivencia- das em conflito, levou-se a repensar o lugar do homem no mundo, seus relacionamentos e como eles pensam. 6. CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS À MORAL SEXUAL Anteriormente, vimos que a sexualidade humana é uma di- mensão básica da pessoa e sua experiência é condicionada por fatores ambientais de cada período histórico. Hoje, vivemos uma grande transformação que começou com a modernidade. A revolução sexual no mundo ocidental mudou a ideia da sexualidade As mudanças que ocorreram, também, afetaram a ideia de que a pessoa humana possui sexualidade. Falamos muitas vezes de uma revolução sexual, um processo de profunda mudança, no- vamente, levou a um repensar das relações humanas e da vida social sexual: a) Vão desaparecendo, na vida pública e social, a separação dos sexos que havia apenas a alguns anos atrás, e as mu- lheres estão reivindicando novos espaços. b) Os meios de comunicação social, um novo poder no mundo, são fontes constantes de “modelo” de compor- tamento sexual. 23© Por que falar da Ética Sexual? c) A sexualidade não é mais um tema tabu e aparecem ati- tudes diferentes em relação à experiência sexual. d) Surgem novas formas de convivência e de famílias. Al- gumas destas novas formas não querem um reconheci- mento institucional (religioso ou civil). e) Os homossexuais já não se escondem mais e reivindicam direitos como tais. A sexualidade é um dos elementos mais afetados pela atual revolução cultural. O teólogo Hortelano comenta que, infelizmen- te, esta revolução sexual, que pode ter significado uma autêntica libertação, e tem sido em parte, degradou-se para tornar-se um consumismo erótico. A sexualidade possui uma indiscutível ressonância social, e a revolução do sexo condicionou de alguma forma as mudanças so- ciais que vivemos. Todas essas mudanças levaram a viver a sexuali- dade num contexto de conflito. Por um lado, há ainda um conceito tabuístico-negativo baseado no passado e, por outro, há uma ideia permissivo-consumista do presente. Nós também podemos obser- var este conflito com as reivindicações dos diversos movimentos feministas. Não é preciso dizer que a sexualidade é um assunto polêmico hoje. A revolução sexual é complexa e deve ser vista com suas lu- zes e sombras. Temos de dizer também que nem tudo é condená- vel, como vimos anteriormente. Se quisermos fazer um estudo da moral sexual à luz da fé cristã, é necessário estudar este processo de mudança que também afetou as teologias de moral sexual e toda a Igreja. Como disse Hortelano, ao constatar este fato da revolução sexual, não nos resta nada a não ser responder a este desafio, se é que realmente queremos colocar-nos na vanguarda desta revolu- ção, ou, pior ainda, se não queremos ser passivamente arrastados por essa “inundação”, como está acontecendo com frequência em nossa sociedade atual permissiva. © Ética da Família do Amor e da sexualidade24 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Missionário Redentorista, sacerdote, teólogo moralista, fundador das comunidades EAS e promotor de outras iniciativas de des- tacado caráter social, o Pe. Antonio Hortelano Alcázar faleceu no último dia 15 de outubro em Madrid aos 88 anos de idade. (Dis- ponível em: http://www.redentoristas.org/historico_anteriores.htm. Acesso em: 10 ago. de 2010.) As ciências aportam à teologia moral sexual novos conhecimentos Dentro dessas mudanças culturais, encontram-se as ciências modernas, que vão proporcionando novos conhecimentos à rea- lidade da sexualidade humana. É um fator positivo o estudo das ciências, especialmente as antropológicas, porque podem ajudar a teologia em geral. A teologia moral necessita do diálogo com essas ciências, a fim de produzir um discurso ético cristão que responda aos sinais dos tempos. Não se esqueça de que Deus continua a revelar-se e também nos fala nestas mudanças profundas. Hoje, há novos es- tudos, novas descobertas da biologia, da filosofia, da história e de outras ciências que podem nos ajudar a refletir e discutir sobre o que nos torna pessoas melhores diante de Deus. Quando perguntamos sobre a sexualidade humana da nossa área de moral, devemos nos abrir ao encontro e ao diálogo com outras ciências, a fim de descobrir o sentido humano da sexua- lidade. Esta aproximação interdisciplinar é necessária, senão não poderíamos empreender um caminho sincero e responsável. Há muitas contribuições que as ciências fazem à teologia moral sexu- al, entre outras destacamos as seguintes: • Da biologia: lembra-nos que a biologia humana é todo o apoio da construção da sexualidade. O comportamento sexual humano é gerado a partir das forças vitais dos im- pulsos biológicos e na sua realização cobra decisiva im- portância no fundo biológico. O dado biológico nos apre- 25© Por que falar da Ética Sexual? senta a realidade de macho e fêmea, com características diferentes. • A psicologia: diz-nos que a sexualidade não é única e pre- ferecialmente uma unidade, não é apenas uma “necessi- dade”, mas também um “desejo”. É um comportamento experiente e de conduta, é uma linguagem e se incorpora em símbolos. A sexualidade desenvolve-se junto com a psicologia humana. • A Antropologia Cultural: a sociedade não deixa de intervir no processo da sexualidade humana. A sexualidade não é um fenômeno apenas individual, mas também sociocul- tural, e a cultura é necessária para falar de pessoa huma- na. Ela lhe dá a identidade de ser humano. Devido às limitações de tempo, não podemos apresentar mais do que essas ciências, mas é o suficiente para tirar algumas conclusões básicas sobre a situação atual da sexualidade: a) A sexualidade humana não se reduz à simples genitália. Os órgãos genitais formam parte da sexualidade huma- na, mas não podemos reduzi-la a isto. A sexualidade abrange toda a pessoa humana. b) Há uma possível e válida separação entre dimensão do prazer e a função procriativa dentro da sexualidade hu- mana, porque a sexualidade pode ir além da procriação. A sexualidade da pessoa humana não é como na maioria dos animais, que copulam quando o corpo lhes ordena, mas nós nos movemos pelo desejo e liberdade. Assim, ao contrário do comportamento sexual dos animais, so- mos responsáveis pelo nosso comportamento sexual. c) A dimensão prazerosa da sexualidade humana não deve ser entendida como uma “armadilha divina”ou “sadis- mo ético” de proibição (algo presente, mas proibido), mas como uma compreensão adequada de gozo no en- contro com o outro, dada por Deus. Foi Deus que fez o homem e a mulher com esta dimensão de prazer. d) Uma das explicações que possibilita a psicologia para o entendimento global da sexualidade é a ideia de matu- © Ética da Família do Amor e da sexualidade26 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO ração. A sexualidade é uma realidade que se constrói, é uma força que deve ser integrada ao processo de ama- durecimento da pessoa humana. e) A pessoa expressa-se através da sexualidade. A sexuali- dade é uma forma expressiva privilegiada do indivíduo. Assim, pode ser entendida como uma linguagem de pes- soas e adquire possibilidades simbólicas e festivas. f) O comportamento sexual humano tem diferentes e va- riadas expressões culturais, devido aos múltiplos fatores ambientais e sociais que a compõem. A moral cristã não pode se identificar com uma determinada configuração cultural, mas também não pode admitir todas as formas socioculturais possíveis. g) O feminino e masculino são construções culturais, psi- cossociais, que se apoiam na realidade biológica do ser humano. Essas construções podem mudar e variar de uma cultura para outra. h) As diversas formas culturais da sexualidade são condi- cionadas pela mesma sexualidade humana. Portanto, há uma influência mútua entre cultura e natureza. Isso significa que nem toda expressão cultural do comporta- mento sexual merece aprovação ética; também não ne- cessariamente uma maneira correta de comportamento sexual não possa passar por uma transformação cultural que implique um maior grau de personalização. i) O recurso da Bíblia necessita de uma cuidadosa herme- nêutica para uma compreensão da sexualidade e, espe- cialmente, para uma interpretação correta das normas sexuais cristãs, uma vez que contém uma “linguagem” com mediação “cultural” de sua área e de seu tempo. O discernimento ético deveria ser capaz de distinguir entre norma cultural e uma opção cristã. j) A instância ética deveria evitar uma redução ideológica ingênua da sexualidade. Em muitos lugares, defende-se a sexualidade como um lugar exclusivo de expressão da liberdade e, na verdade, este é o lugar onde a sexualida- de é reduzida a um produto entre outros do mercado. 27© Por que falar da Ética Sexual? O consumismo levou à redução do ser humano em um instrumento que se pode manejar segundo as necessi- dades do mercado. A ética da sexualidade é construída sobre a imagem de pessoa que possuímos Como vimos anteriormente, o ser humano é o único ser que tem moral e ética. Você se lembra? Bem, a que chamamos pessoa humana? Quais são suas características próprias? O que o diferen- cia dos animais? Ao longo da história da Igreja, surgiram diferentes antropo- logias que destacaram um aspecto mais do que o outro da reali- dade humana, e também aqui a sexualidade foi comprometida. Muitas destas antropologias, algumas pré-cristãs, juntaram-se à construção das reflexões antropológicas cristãs, (tais como aque- las que desprezavam o corpo e se concentravam na alma como lugar verdadeiro de encontro com Deus); outras, porém, que nas- ceram em um contexto consumista como o nosso (onde o corpo é um instrumento de prazer), foram rejeitadas desde o começo pelos cristãos. Muitas vezes, essas antropologias infiltram-se em nossas es- truturas de pensamento. Elas não nos ajudam na construção de uma ética sexual cristã de acordo com nosso tempo, por isso, em última análise, é necessário saber para se descartá-las: a) Antropologias rigorosas: são aquelas que são constru- ídas com base no medo e onde o prazer é uma palavra ruim. Elas têm uma visão dualista da pessoa, que consis- te em duas realidades, uma boa e outra suspeita. Esta última refere-se ao corpo, e por isso sempre buscam o sacrifício para controlar seus desejos ameaçadores. O motivo do sacrifício corporal é, no fundo, um desprezo ao mundo material. O prazer e os desejos corporais são inimigos básicos do ideal humano. Estas antropologias exigirão um comportamento ético rigoroso. © Ética da Família do Amor e da sexualidade28 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO b) Antropologias espiritualistas: também possui uma vi- são dualista do ser humano, em que o corpo está em segundo lugar. O importante é o mundo interior, o es- piritual, que algumas correntes identificam com a alma. Aqui também há uma desconfiança da sexualidade, do prazer e tudo o que é relacionado com o corpo. Além do desprezo pelo próprio corpo, aparece em conexão com o desprezo por todo o mundo material, a natureza cor- pórea. O mundo é um “vale de lágrimas”, de modo que você tem que escapar dele. O mundo interior, o refúgio da alma é a realidade mais importante que deve ser cui- dada para a salvação. Para este ponto de vista, a castida- de é o valor supremo, portanto, aqueles que a praticam estão mais perto de Deus. A entrega sexual só pode fazer sentido para a procriação, nada mais. c) Antropologias permissivas: até agora vimos antropo- logias intimamente ligadas ao nosso mundo religioso. Em outras palavras, antropologias que influenciaram no pensamento teológico moral dos cristãos. No entanto, esta nova visão do homem, as antropologias permissi- vas, foram rapidamente reconhecida como limitadas por não responderem à verdadeira realidade do ser hu- mano. Estas defendem o direito de fazer o necessário para atingir a satisfação pessoal. O que importa aqui é o próprio prazer e tudo vale para alcançá-lo. A sexualidade é hipervalorizada. Defende-se o direito de seguir os de- sejos naturais e biológicos, que não se pode renunciar; a acusação e aniquilamento de todo obstáculo que im- peça a procura de qualquer satisfação. Estabelecem que é preciso ser livre de qualquer sentimento de culpa e de canalizar os seus próprios sentimentos sexuais sem ne- cessidade de vergonha. Para muitos, a regulação do ins- tinto pela moral é algo patológico e nocivo à saúde, há, portanto, que rejeitar toda norma ou regra absoluta. d) Antropologias naturalistas: estas antropologias estu- dam o ser humano como um simples mamífero. O foco está na análise dos componentes biológicos. Tudo tem uma explicação nos componentes genéticos e biológicos do indivíduo. Eles rejeitam qualquer regra ética porque 29© Por que falar da Ética Sexual? consideram repressiva. O ser humano é um simples ma- mífero, não há por que regulamentar os seus direitos na- turais e biológicos. Como você pode observar, basicamente, todas estas antro- pologias possuem uma visão dualista do ser humano (isto é, duas ideias distintas se opõem) e se diferem ao destacar um aspecto da pessoa sobre outro. Todas elas fazem uma distinção entre o psí- quico e o corpóreo, entre o espírito e a matéria, entre o racional e o biológico. No entanto, a antropologia que queremos refletir aqui defende a mesma condição humana, sua complexidade e seu mistério, o valor e o reconhecimento da nossa dignidade. A partir da nossa dignidade, temos toda a estrutura base da construção moral. Todavia, cumpre ressaltar que a dignidade também se en- contra no corpo, porque abrange toda a pessoa humana. Lembre- se de que não apoiamos uma visão dualista do ser humano. Assim, o corpo é valorizado quando se pensa em uma ética sexual cristã, pois ele também faz a nossa dignidade. A imagem e semelhança de Deus abraça todo o nosso ser. 7. CONSIDERAÇÕES Chegamos ao fim da primeira unidade. Foi necessário apre- sentar a realidade para compreender a sexualidade humana. Lem- bre-se de que é preciso esclarecer alguns pontos que darão supor- te ao nosso discurso teológico sobre a moral sexual. Na próxima unidade você será convidado a compreender as influências das mudanças culturais vividas nos últimos séculos so-bre o desenvolvimento do conhecimento da sexualidade humana. Até lá! Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
Compartilhar