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Daniela Carvalho - TLVI CRISE TIREOTOXICA DEFINIÇÕES • Tireotoxicose: refere-se às manifestações bioquímicas e fisiológicas de quantidade excessiva de hormônios tireoidianos. • Hipertireoidismo: aumento da síntese e da secreção de hormônios da tireoide. • Crise tireotóxica ou tempestade tireotóxica: situação de exacerbação súbita das manifestações clínicas do hipertireoidismo, com descompensação de múltiplos sistemas e risco de morte . o É uma complicação relativamente rara, correspondendo a menos de l a 2% das admissões hospitalares por tireotoxicose, em virtude do diagnóstico precoce do hipertireoidismo e da melhora do tratamento pré e pós-operatório. o Atualmente ocorre como uma complicação da tireotoxicoce não tratada ou inadequadamente tratada associada a algum fator precipitante de piora, frequentemente infecções. o Possui mortalidade elevada. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA • A maioria dos pacientes apresentam história prévia de hipertireoidismo, tratado ou não. o A doença de Graves é a etiologia do hipertireoidismo na maioria dos casos. o Principais etiologias de hipertireoidismo: ▪ Doença de Graves ▪ Nódulo tóxico ▪ Hipertireoidismo induzido por iodo. ▪ Struma ovarii (função autônoma da tireoide associada a tumor ovariano). ▪ Bócio multinodular tóxico ▪ Tireoidite ▪ Tireotoxicose exógena (iatrogênica ou factícia). ▪ Mediada por TSH (tumor de pituitária ou resistência pituitária ao TSH). • Anteriormente, as crises eram classicamente precipitadas por procedimento cirúrgico, aparecendo poucas horas após o procedimento em pacientes preparados com iodeto de potássio sem antitireoidianos. • Atualmente a principal condição precipitante de crise tireotóxica são as infecções, seguidas por trauma, procedimentos cirúrgicos, toxemia gravídica, parto, irradiação da tireoide com tireoidite secundária, eventos cardiovasculares ou cerebrovasculares, aumento de oferta de iodo para a glândula, uso de radíocontrastes ionizados e amiodarona e retirada abrupta de drogas para o controle da doença. Daniela Carvalho - TLVI • Os mecanismos específicos que levam à crise tíreotóxica permanecem incertos. O aumento agudo na liberação de hormônios tireoidianos pela glândula não explica o mecanismo fisiopatológico da crise tireotóxica. o De importância maior do que as concentrações séricas de T3 e T4 é a concentração de hormônios tireoidianos livres. Condições agudas, como infecções, procedimentos cirúrgicos e acidose, podem diminuir a afinidade das proteínas ligadoras pelos hormônios tireoidianos, aumentando sua fração livre, que é a que apresenta atividade biológica. o Uma segunda hipótese é que acidose ou liberação de mediadores inflamatórios durante o estresse metabólico, como as citocinas, poderiam agir em receptores de hormônios tireoidianos em tecidos-alvo e aumentar a ação hormonal. o Outro fator complicador na patogênese da tempestade tireoidiana é que a resposta ao estímulo catecolaminérgico parece ser particularmente exagerada nestes pacientes. • Amiodarona: o A amiodarona pode induzir a tireotoxicose por duas formas: ▪ Tipo 1: ocorre em pacientes com patologia tireoidiana prévia ( doença de Graves ou bócio multinodular tóxico) e é causada por sobrecarga de iodo oferecida à glândula. ▪ Tipo 2: ocorre uma tireoidite destrutiva da glândula com liberação de hormônios tireoidianos para circulação sistêmica. o A única maneira de diferencia – las é por meio da cintilografia de captação da tireoide, sendo a captação normal ou aumentada no tipo l e baixa ou ausente no tipo 2. ACHADOS CLÍNICOS • São de aparecimento abrupto e a maioria dos pacientes relatam sintomas de hipertireoidismo leve a moderado dias a semanas antes de a crise ser precipitada. • As manifestações envolvem múltiplos órgãos e sistemas, principalmente cardiovascular e sistema nervoso simpático. • Os pacientes apresentam-se com síndrome de hipermetabolismo, que se manifesta por: o Febre o Sintomas cardiovasculares: taquicardia sinusal e arritmias cardíacas, assim como congestão pulmonar com evolução para edema agudo de pulmão. o Sintomas do trato gastrointestinal: náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia. Alguns pacientes apresentam icterícia, sendo este sinal de prognóstico ruim. o Sistema nervoso central: ocorre em casos mais graves, com manifestações variadas como agitação, labilidade emociona l, confusão mental e delirium, este último caracterizando o que é denominado de encefalopatia tireotóxica. Alguns pacientes durante a evolução podem entrar em coma. Tremores e incapacidade de permanecer parado são outros sintomas característicos. • Na emergência estar atento a pistas diagnósticas como febre desproporcional a um quadro infeccioso, frequência cardíaca inapropriadamente elevada e história prévia de hipertireoidismo, bócio e exoftalmo. • O diagnóstico é clínico, e baseado nestas quatro manifestações principais: o 1. Exacerbação dos sintomas usuais de hipertireoidismo. o 2. Hiperpirexia. o 3. Aumento da frequência cardíaca (FC) (usualmente superior a 140 bpm). o 4. Alteração do estado mental. Daniela Carvalho - TLVI • Pacientes idosos podem apresentar-se com quadro de apatia, perda de peso , bócio pequeno, fibrilação atrial, eventualmente confusão, sem manifestar agitação e febre alta. Aumento da FC é um achado relativamente específico em idosos. Critérios diagnósticos de Bursch e Warkofskuy: Daniela Carvalho - TLVI EXAMES COMPLEMENTARES • Ajudam na avaliação de complicações e diagnósticos diferenciais pois o diagnóstico é clínico. • Culturas, exames de imagem e exames de bioquímica sérica. o Os achados laboratoriais mais comuns consistem em TSH indetectável, T3 e T4 livre aumentados, mas não conseguem diferenciar a crise tireotóxica do hipertireoidismo compensado. o Os níveis de cálcio e fosfatase alcalina podem estar aumentados (aumento de atividade osteodástica), pode haver hiperglicemia, leucocitose (mesmo sem evidência de infecção) e ocasionalmente os pacientes com reserva adrenal inadequada podem precipitar o aparecimento de crise addisoniana e seus achados laboratoriais característicos (mais comum nos casos de doença de Graves). DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL • Hipoglicemia • Hipóxia • Sepse • Meningites/encefalites • Encefalopatia hipertensiva • Síndrome de abstinência alcóolica • Síndrome de abstinência a benzodiazepínicos • Síndrome de abstinência a opioides • Heat stroke • Feocromocitoma • Síndrome serotoninérgica • Intoxicações por cocaína ou catecolaminérgicos • Hipertermia maligna • Síndrome neuroléptica maligna Daniela Carvalho - TLVI TRATAMENTO • Deve ser feito em UTI e deve ser focado em 4 ações principais: o Controle da produção de hormônios pela glândula tireoide. o Bloqueio dos efeitos hormonais periféricos. o Suporte clínico. o Tratamento da causa precipitante . Controle da produção de hormônios pela glândula tireoide • Propiltiouracil ou metimazol -> medicações antitireoidianas que bloqueiam a organificação do iodo e a produção hormonal. O PTU é a primeira escolha pois também inibe a conversão periférica de T4 em T3. Obs: não impedirão a secreção de hormônio tireoidiano pré-formado. o Propiltiouracil (PTU): dose de ataque de 600 a 1.000 mg, posteriormente dose de 200-300 mg a cada 4 a 6 horas (1.200 a 1.500 mg ao dia). o Metimazol: dose inicial de 20 mg a cada 4 a 6 horas (80 a 120 mg ao dia). • Soluções de iodo estáveis (lugol; ácido iopanoico) -> diminuem a secreção do hormônio tireoidiano pré-formado. Apresentam vários mecanismos de ação, entre eles inibir a captura de T4 pelo fígado, inibir a conversão de T4 em T3, bloquear a liberação de hormônio pela glândula, diminuir a porcentagem livre de T 4 e T3 e bloquear a ligação de T4 e T3 com receptores celulares. o Lugol ou iodeto de potássio: dose de .4-8 gotas em período de6-8 horas. o Ácido iopanoico (Telepaque): é um agente de contraste e agente iodado de escolha. A dose usual para o tratamento é de 1 g a cada 8/8 horas no primeiro dia de tratamento, posteriormente usando dose de 500 mg a cada 12 horas. o Devem ser utilizados apenas de 2-3 horas após o uso de drogas antitireoidianas, pois o excesso de iodo oferecido para a glândula pode ocasionar piora da tireotoxicose. o O carbonato de lítio representa uma alternativa como agente para inibir a liberação hormonal, principalmente em pacientes com alergia ao iodo. Bloqueio dos efeitos hormonais periféricos • O bloqueio beta-adrenérgico ajuda no controle de sudorese, ansiedade, taquicardia, arritmias, pressão arterial e tremor. o Via endovenosa: opções incluem propranolol em dose de 0,5-1,0 mg a cada 15 minutos, pode ser usado até conseguir o controle da frequência cardíaca do paciente. Alguns autores preferem o uso de esmolol devido à sua ação mais rápida, sendo usado em bomba de infusão intravenosa contínua em dose de 0,05-1,0 mg/kg/ minuto. Em nosso meio encontramos disponível o metoprolol, que pode ser usado em dose de 5 mg a cada 10-15 minutos até conseguir o controle da frequência cardíaca. o Via oral: o propranolol, que pode inibir a conversão periférica de T4 em T3, acaba sendo a medicação de primeira escolha, com dose de 40-80 mg. Alguns autores iniciam a medicação com doses de 20-40 mg a cada 6 horas. O metabolismo rápido dessas drogas na tempestade tireoidiana obriga o uso de doses altas como as descritas. Outras opções incluem metoprolol (50 a 100 mg de 12/12 horas); atenolol (50 a 100 mg de 12/12 horas). O objetivo é manter a frequência cardíaca entre 60 e 80 bpm. • Eventualmente, em pacientes com contraindicações ao uso de betabloqueadores, pode-se considerar o uso de bloqueadores dos canais de cálcio, como verapamil e diltiazem. • Os glicocorticoides em doses altas também diminuem a conversão periférica de T4 em T3. A medicação também pode ser útil se os pacientes apresentam insuficiência adrenal associada. As doses são: Daniela Carvalho - TLVI o Hidrocortisona: dose de 100 mg endovenosa a cada 8 horas; doses um pouco menores, como 50 mg a cada 6 horas, são provavelmente de eficácia comparável. o Dexametasona: dose de 2-4 mg endovenosa a cada 6/6 horas. • Outras medidas para remoção de hormônios tireoidianos da circulação são diálise peritoneal, hemoperfusão com carvão ou com resinas e plasmaférese. • A colestiramina em dose de 4 g a cada 6 horas também tem sido utilizada para tratamento da tempestade tireotóxica. o Em pacientes com contraindicação ao uso de tionamidas, pode-se considerar a combinação de agentes iodados, betabloqueadores e colestiramina com sucesso. Medidas de suporte • Reposição volêmica agressiva o Exceto em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada com congestão pulmonar. o Justificativa: apresentam quadro de hipermetabolismo, podendo ter desidratação significativo. • Distúrbios hidroeletrolíticos precisam ser corrigidos, assim como hipoglicemia ou hiperglicemia. • Hipertermia: pode ser tratada com medicações como dipirona (1 a 2 g endovenosa) ou paracetamol. o O uso de salicilatos nesses pacientes deve ser evitado pela sua propriedade de deslocar os hormônios tireoidianos para forma livre, piorando a tireotoxicose. • Disfunção cardíaca: pode ser de difícil controle. O uso de betabloqueadores controla a frequência cardíaca, mas em alguns casos digitais e outros agentes inotrópicos podem ser necessários caso o paciente evolua com insuficiência cardíaca . O uso de diuréticos também deve ser criterioso, pois muitos pacientes estarão com volume plasmático diminuído. Tratamento do fator precipitante • Dependerá do fato precipitante em cada caso, este deve ser investigado para o correto tratamento. Daniela Carvalho - TLVI INDICAÇÃO DE INTERNAÇÃO, TERAPIA INTENSIVA E SEGUIMENTO • Todos os pacientes com critérios diagnósticos para crise tireotóxica têm indicação de internação hospitalar, idealmente em ambiente de UTI. • Os pacientes devem posteriormente ser seguidos ambulatorialmente para tratamento definitivo do hipertireoidismo. Fonte: resumo baseado no livro Medicina de Emergência – Abordagem Prática. Nova Edição de Emergências Clínicas. 13ª edição. VELASCO I. T., NETO R. A. B., SOUZA H. P. Editora Manole. 2019. Págs 968 - 976
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