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II. FÁRMACOS USADOS PARA TRATAR ÚLCERAS PÉPTICAS E REFLUXO GASTRESOFÁGICO As duas principais causas de úlcera péptica são infecção com o gram-negativo Helicobacter pylori e o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). O aumento da secreção de ácido clorídrico (HCl) e a defesa inadequada da mucosa contra o HCl também têm seu papel nesse processo. O tratamento inclui 1) erradicação da H. pylori; 2) diminuição da secreção de HCl com uso de IBPs ou antagonistas de receptor H2; e/ou 3) administração de fármacos que protejam a mucosa gástrica da lesão, como misoprostol e sucralfato. A Figura 31.1 resume os fármacos que são eficazes no tratamento da úlcera péptica. A. Antimicrobianos Pacientes com úlcera péptica (úlceras gástricas ou duodenais) infectados com H. pylori precisam de tratamento antimicrobiano. A infecção por H. pylori é diagnosticada via biópsia endoscópica da mucosa gástrica ou vários métodos não invasivos, incluindo sorologia e teste da ureia na respiração. A erradicação da H. pylori resulta na cicatrização rápida da úlcera ativa e na baixa da taxa de recorrência (menos de 15%, comparando-se com 60 a 100% por ano para úlceras iniciais tratadas somente com redução de ácido). A erradicação bem-sucedida da H. pylori (80-90%) é possível com várias associações de antimicrobianos. Atualmente, o tratamento de escolha consiste em um IBP combinado com amoxicilina (metronidazol pode ser usado em pacientes alérgicos à penicilina) mais claritromicina. O tratamento quádruplo com subsalicilato de bismuto, metronidazol e tetraciclina combinada a um IBP é outra opção. O tratamento quádruplo deve ser considerado em regiões em que é elevada a resistência à claritromicina. Assim, em geral, obtém-se 90% ou mais de taxa de erradicação. O tratamento com um único antibacteriano é muito menos eficaz, resultando em resistência microbiana, e não é recomendado em absoluto, B. Antagonistas de receptor H2 e regulação da secreção gástrica A secreção gástrica é estimulada por acetilcolina (ACh), histamina e gastrina (Fig 31.4). As ligações de ACh, histamina ou gastrina com seus receptores resulta na ativação de proteinocinases, que, por sua vez, estimulam a bomba de prótons H+/K+-adenosina trifosfatase (ATPase) a secretar íons hidrogênio em troca de K+ para o lúmen do estômago. Bloqueando competitivamente a ligação da histamina aos receptores H2, esses fármacos reduzem a secreção do ácido gástrico. Os quatro fármacos usados nos EUA – cimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina – inibem de modo potente (mais de 90%) a secreção gástrica ácida noturna, a estimulada por alimento e a basal. A cimetidina foi o primeiro antagonista do receptor H2 da histamina. Todavia, sua utilidade é limitada por seus efeitos adversos e suas interações medicamentosas. 1. Ações: Os antagonistas de receptor H2 da histamina atuam seletivamente nos receptores H2 do estômago, mas não têm efeito nos receptores H1. Eles são antagonistas competitivos da histamina e totalmente reversíveis. 2. Usos terapêuticos: O uso desses fármacos diminuiu com o advento dos IBPs. a. Úlceras pépticas: Os quatro fármacos são igualmente eficazes para a cicatrização das úlceras gástricas e duodenais. Contudo, a recorrência é comum se houver presença de H. pylori, e o paciente for tratado somente com esses fármacos. Os pacientes com úlceras induzidas por AINEs devem ser tratados com IBPs, pois esses fármacos curam e previnem úlceras futuras de modo mais efetivo do que os antagonistas H2. b. Úlceras de estresse agudo: Os anti-histamínicos H2 são usados normalmente por infusão intravenosa (IV) para prevenir e lidar com úlceras de estresse agudo associadas com pacientes de alto risco nas unidades de tratamento intensivo. Entretanto, como pode ocorrer tolerância com esses fármacos, o uso dos IBPs também vem avançando nessa indicação. c. DRGE: Doses baixas de antagonistas H2, atualmente disponíveis em medicamentos de venda livre, parecem eficazes na prevenção e no tratamento da queimação (DRGE) somente em cerca de 50% dos pacientes. Os antagonistas H2 atuam somente no controle da secreção ácida. Por isso, eles não aliviam os sintomas por, pelo menos, 45 minutos. Os antiácidos neutralizam de forma mais rápida e eficaz o ácido gástrico, mas sua ação é temporária. Por essa razão, os IBPs são preferidos atualmente no tratamento da DRGE, especialmente em pacientes com azia grave 3. Farmacocinética: Após administração oral, os antagonistas H2 se distribuem amplamente pelo organismo (incluindo o leite materno e por meio da placenta) e são excretados principalmente na urina. Cimetidina, ranitidina e famotidina também estão disponíveis em formulações IV. A meia-vida de todos esses fármacos pode aumentar em pacientes com disfunção renal, e é preciso ajustar a dosagem. Doença do refluxo gastroesofágico 4. Efeitos adversos: Em geral, os antagonistas H2 são bem tolerados. A cimetidina tem efeitos endócrinos porque atua como um antiandrogênico não esteroidal. Os efeitos incluem ginecomastia e galactorreia (liberação ou ejeção contínua de leite). Os demais não produzem os efeitos antiandrogênicos nem estimulantes de prolactina da cimetidina. Outros efeitos no sistema nervoso central (SNC), como confusão e alterações mentais, ocorrem primariamente em pacientes idosos ou após administração IV. A cimetidina inibe várias isoenzimas CYP450 e pode interferir na biotransformação de vários outros fármacos, como varfarina, fenitoína e clopidogrel (Fig. 31.5). Todos os antagonistas H2 podem reduzir a eficácia de fármacos que exigem um ambiente ácido para absorção, como o cetoconazol. C. IBPs: inibidores da bomba de prótons H+/K+-adenosina trifosfatase Os IBPs se ligam à enzima H+/K+-ATPase (bomba de prótons) e suprimem a secreção de íons hidrogênio para o lúmen gástrico. A bomba de prótons ligada à membrana é a etapa final da secreção de ácido gástrico (Fig. 31.4). Os IBPs disponíveis incluem dexlansoprazol, esomeprazol, lansoprazol, omeprazol, pantoprazol e rabeprazol. Omeprazol, esomeprazol e lansoprazol estão disponíveis em formulações de venda livre para tratamento de curto prazo da DRGE. 1. Ações: Esses fármacos são pró-fármacos com um revestimento entérico ácido-resistente para protegê-los da degradação prematura pelo ácido gástrico. O revestimento é removido no meio alcalino do duodeno, e o pró- fármaco, uma base fraca, é absorvido e transportado à célula parietal. Ali, ele é convertido no fármaco ativo e forma uma ligação estável covalente com a enzima H+/K+-ATPase. São necessárias cerca de 18 horas para ressintetizar a enzima, e a secreção ácida é interrompida durante esse período. Em dosagem padrão, os IBPs inibem a secreção gástrica basal e a estimulada em mais de 90%. Existem produtos disponíveis de uso oral, de venda livre e sujeitos à prescrição, contendo omeprazol associado com bicarbonato de sódio para absorção mais rápida. 2. Usos terapêuticos: Os IBPs são superiores aos antagonistas H2 no bloqueio da produção de ácido e na cicatrização das úlceras. Assim, eles são os fármacos preferidos no tratamento e na profilaxia de úlceras de estresse e para o tratamento de DRGE, esofagite erosiva, úlcera duodenal ativa e condições hipersecretoras patológicas (p. ex., na síndrome de Zollinger-Ellison, na qual um tumor produtor de gastrina causa hipersecreção de HCl). Se o IBP diário só é parcialmente eficaz contra os sintomas da DRGE, melhora-se o controle com o aumento da dosagem para duas vezes ao dia ou com a administração do IBP pela manhã e de um antagonista H2 à tarde. Se o antagonista H2 é necessário, ele deve ser tomado bem depois do IBP. Os antagonistas H2 diminuem a atividade da bomba de prótons, e os IBPs exigem bomba ativa para serem eficazes. Os IBPs também diminuem o risco de sangramento das úlceras causadas por ácido acetilsalicílico e outros AINEs e podem ser usados para prevenção ou tratamento das úlceras induzidas por AINEs. Finalmente, eles também sãousados como antibacterianos, para erradicar H. pylori. 3. Farmacocinética: Todos esses fármacos são eficazes por via oral. Para obter o efeito máximo, os IBPs devem ser ingeridos de 30 a 60 minutos antes do desjejum ou da principal (maior) refeição do dia. (Nota: o dexlansoprazol tem uma formulação de liberação postergada dupla e pode ser ingerido sem relação com refeições.) Esomeprazol, lansoprazol e pantoprazol também estão disponíveis em formulações de uso IV. Embora a meia-vida desses fármacos no plasma seja de poucas horas, eles têm duração de longa ação devido à fixação covalente à enzima H+/K+-ATPase. Os metabólitos são excretados na urina e nas fezes. 4. Efeitos adversos: Os IBPs geralmente são bem tolerados. Omeprazol e esomeprazol podem diminuir a eficácia do clopidogrel porque inibem a CYP2C19 e impedem a sua conversão no metabólito ativo. Embora o efeito nos resultados clínicos seja questionável, o uso concomitante desses IBPs com clopidogrel não é recomendado devido aos possíveis riscos de eventos cardiovasculares. Os IBPs podem aumentar o risco de fraturas, particularmente se a duração do uso for de 1 ano ou mais (Fig. 31.6). A supressão prolongada do ácido gástrico com os IBPs (e os antagonistas H2) pode resultar em carência de vitamina B12, porque o ácido é necessário para a sua absorção em complexo com o fator intrínseco. O pH gástrico elevado também pode prejudicar a absorção de carbonato de cálcio. O citrato de cálcio é uma opção eficaz para suplementar cálcio em pacientes sob tratamento de supressão de ácido, pois sua absorção não é afetada pelo pH gástrico. Pode ocorrer diarreia e colite por Clostridium difficile em pacientes que recebem IBP. Os pacientes devem ser aconselhados a interromper o tratamento com IBP e contatar seu médico se tiverem diarreia por vários dias. Efeitos adversos adicionais podem incluir hipomagnesemia e maior incidência de pneumonia. O Clopidogrel é um fármaco do grupo dos antiagregantes plaquetares, que é usado no tratamento e e prevenção da trombose arterial. D. Prostaglandinas A prostaglandina E2, produzida pela mucosa gástrica, inibe a secreção de ácido e estimula a secreção de muco e bicarbonato (efeito citoprotetor). A deficiência de prostaglandinas pode estar envolvida na patogênese das úlceras pépticas. Misoprostol, um análogo da prostaglandina E1, está aprovada para a prevenção de úlceras gástricas causadas por AINEs (Fig. 31.7). O uso profilático do misoprostol deve ser considerado em pacientes que estão recebendo AINEs e se encontram sob risco moderado ou alto de úlceras induzidas por esses fármacos, como pacientes idosos ou com úlceras prévias. O misoprostol é contraindicado na gravidez, pois pode estimular as contrações do útero e causar aborto. Diarreia e náuseas dose-dependentes são os efeitos adversos mais comuns e limitam o seu uso. Assim, os IBPs são os fármacos preferidos para a prevenção de úlceras causadas por AINEs. E. Antiácidos Os antiácidos são bases fracas que reagem com o ácido gástrico formando água e um sal, para diminuir a acidez gástrica. Como a pepsina (uma enzima proteolítica) é inativa em pH acima de 4, os antiácidos reduzem a atividade da pepsina. 1. Química: Os antiácidos variam amplamente em composição química, capacidade de neutralizar o ácido, conteúdo de sódio, palatabilidade e preço. A eficácia de um antiácido depende da sua capacidade de neutralizar o HCl gástrico e do fato de o estômago estar repleto ou vazio (o alimento retarda o esvaziamento do estômago, permitindo mais tempo para o antiácido reagir). Antiácidos comumente usados são combinações de sais de alumínio e magnésio, como hidróxido de alumínio e hidróxido de magnésio [Mg(OH)2]. O carbonato de cálcio (CaCO3) reage com o HCl formando dióxido de carbono (CO2) e cloreto de cálcio (CaCl2) e é também uma preparação comumente usada. A absorção sistêmica do bicarbonato de sódio [NaHCO3] pode produzir alcalose metabólica transitória. Por isso, esse antiácido não é recomendado para uso prolongado. 2. Usos terapêuticos: Os antiácidos são usados para o alívio sintomático da úlcera péptica e da DRGE. Eles também podem promover a cicatrização de úlceras duodenais. Para eficácia máxima, devem ser administrados após a refeição. (Nota: preparações de carbonato de cálcio também são usadas como suplementação de cálcio para o tratamento da osteoporose.) 3. Efeitos adversos: O hidróxido de alumínio tende a causar constipação, ao passo que o hidróxido de magnésio tende a produzir diarreia. Medicamentos que se associam a esses fármacos ajudam na normalização da função intestinal. A absorção dos cátions dos antiácidos (Mg2+, Al3+, Ca2+), em geral, não é problema em pacientes com função renal normal; entretanto, podem ocorrer acúmulo e efeitos adversos em pacientes com comprometimento renal. F. Fármacos protetores da mucosa Esses fármacos, também conhecidos como citoprotetores, apresentam várias ações que aumentam os mecanismos de proteção da mucosa, prevenindo lesões, reduzindo inflamação e cicatrizando úlceras existentes. 1. Sucralfato: Esse complexo de hidróxido de alumínio e sacarose sulfatada se liga a grupos carregados positivamente em proteínas da mucosa normal e necrótica. Formando géis complexos com as células epiteliais, o sucralfato cria uma barreira física que protege a úlcera da pepsina e do ácido, permitindo a cicatrização da úlcera. Embora o sucralfato seja eficaz no tratamento das úlceras duodenais e na prevenção das úlceras por estresse, seu uso é limitado devido à necessidade de dosificações diárias múltiplas e interações medicamentosas. Como requer um pH ácido para sua ativação, o sucralfato não deve ser administrado com IBPs, antagonistas H2 ou antiácidos. O sucralfato é muito bem tolerado, mas pode interferir na absorção de outros fármacos, fixando-os. Esse fármaco não previne as úlceras induzidas pelos AINEs e nem cicatriza úlceras gástricas. 2. Subsalicilato de bismuto: Este fármaco é usado como componente de tratamento quádruplo para cicatrizar úlceras pépticas. Além da sua ação antimicrobiana, ele inibe a atividade da pepsina, aumenta a secreção de muco e interage com glicoproteínas na mucosa necrótica, revestindo e protegendo a úlcera.