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FUNDAMENTOS DE FARMACOTÉCNICA Keline Lang Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as vias de administração de medicamentos. Reconhecer as fases biofarmacêuticas cumpridas pelos medicamentos. Descrever a influência da forma farmacêutica na biodisponibilidade dos medicamentos. Introdução Para que a ação farmacológica aconteça, o medicamento deve passar por diversas etapas no organismo. E, para que isso ocorra, o desenvolvimento da formulação é essencial. Deve-se levar em consideração o objetivo do medicamento e, principalmente se a ação deverá ser local ou sistêmica. Neste capítulo, você vai identificar as diferentes vias de administração dos medicamentos, considerando as diferentes formas farmacêuticas exis- tentes. Você vai também reconhecer as fases biofarmacêuticas pelas quais normalmente os medicamentos passam para que a ação farmacológica ocorra. Por fim, você vai verificar a influência da forma farmacêutica na biodisponibilidade dos medicamentos. As vias de administração de medicamentos A preparação farmacêutica deve ser formulada de modo que o fármaco seja disponibilizado e tenha a ação terapêutica desejada. Além da escolha adequada da forma farmacêutica, a via de administração é essencial. Uma das conside- rações iniciais no desenvolvimento da formulação é se o fármaco precisará ter efeito local ou sistêmico. Veja a diferença entre efeito local e sistêmico, segundo Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Efeito local: o efeito é obtido por meio da aplicação direta no local de ação dese- jado. Por exemplo: olho, nariz, pele. Efeito sistêmico: o efeito ocorre quando o fármaco entra na circulação sistêmica e é transportado para o sítio celular onde ocorrerá a ação. Para ocorrer esse efeito, o fármaco é colocado diretamente na corrente sanguínea por injeção intravenosa (IV), ou chega até a corrente sanguínea (absorvido), se administrado por via oral ou outras vias. Para a escolha da via de administração, deve-se levar em consideração: características e propriedades físico-químicas (polaridade, coeficiente de partição, peso molecular, etc.) do medicamento; objetivo terapêutico desejado (início da ação: rápido ou lento); estrutura química do fármaco, para evitar efeito de primeira passagem (o fármaco é absorvido e diretamente metabolizado no fígado, onde sofre a redução ou perda do efeito farmacológico); ação restrita a determinado local do organismo (local ou sistêmico); idade do paciente; adesão do paciente ao tratamento programado. A administração de fármacos pode ser realizada pelas vias: oral, sublingual, parenteral (intravenosa, intra-arterial, intracardíaca, intraespinhal ou intrate- cal, intraóssea, intra-articular, intrassinovial, intracutânea ou intradérmica, subcutânea, intramuscular), percutânea, ocular, nasal, auricular, pulmonar, retal, vaginal e uretral. Via oral A administração via oral é aquela na qual o fármaco entra no organismo pela boca. Essa é a via de administração mais comum, porém apresenta o trajeto mais complexo do fármaco até o seu sítio de ação, se deglutido. Há alguns fármacos que devem ser dissolvidos na boca, contidos em for- mulações mastigáveis ou de absorção local, como os sublinguais. Porém, a maioria dos medicamentos deve ser administrada pela via oral, para ter Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos2 ação sistêmica. As formas farmacêuticas administradas pela via oral são: comprimidos, cápsulas, soluções, elixires, xaropes, suspensões, magmas, géis, pós e grânulos. As desvantagens dessa via de administração são: resposta lenta, em comparação com a via parenteral, na qual a admi- nistração ocorre diretamente na corrente sanguínea; probabilidade de absorção irregular, porque depende de fatores como constituição física, quantidade ou tipo de alimento presente no trato gastrointestinal; degradação de certos fármacos devido à reação com os ácidos do es- tômago ou enzimas gastrointestinais; pode sofrer o efeito de primeira passagem. Medicamentos de administração oral podem sofrer o efeito da primeira passagem hepática, ou seja, o fármaco vai diretamente ao fígado e é metabolizado, formando compostos inativos. Consequentemente, a sua biodisponibilidade para o organismo diminui, visto que apenas uma parte ficou disponível no organismo, pois a outra “escapou”, após ser metabolizada no fígado. Após a administração do medicamento, o fármaco é absorvido no trato gastroin- testinal e transportado diretamente para o fígado pela circulação porta. Dessa forma, o fígado metaboliza o fármaco antes de atingir a circulação sanguínea sistêmica e, consequentemente, o órgão-alvo. Com isso, há perda ou redução significativa da ação farmacológica. Depois da administração oral, o fármaco pode ser absorvido em vários locais do organismo, entre a boca e o reto. Quanto mais próximo da parte supe- rior do trato gastrointestinal o fármaco for absorvido, mais rápida será a ação. Na administração sublingual, o medicamento deve permanecer embaixo da língua até a sua completa dissolução. O fármaco passa para a circulação capilar presente na mucosa da boca e, depois, para a circulação sistêmica. Ou seja, a ação é mais rápida, sem o efeito da primeira passagem. 3Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos Via retal É a via de administração em que o fármaco pode ter ação local (reto) ou sistêmica. As formas farmacêuticas utilizadas são, principalmente: soluções, supositórios ou pomadas. As soluções, normalmente, são empregadas como enemas ou soluções de limpeza, ou ainda líquidos radiopacos, como contrastes, para radiografi a de intestino. Os supositórios são geralmente empregados para uma ação sistêmica do fármaco e, muitas vezes, para efeitos locais (laxantes, anti-infl amatórios, cicatrizantes, etc.). A administração retal com absorção sistêmica muitas vezes é preferível em relação à oral, no caso de fármacos que são inativados ou destruídos pelo suco gástrico (estômago), assim como aqueles fármacos que sofrem interação com alimentos. Muitas vezes, a administração retal é preferível no caso da ocorrência de vômitos ou incapacidade do paciente de administração via oral devido à inconsciência ou incapacidade de ingerir o medicamento sem engasgar. Para fármacos que, quando administrados pela via oral, são rapida- mente destruídos no fígado pelo efeito da primeira passagem, a administração retal pode ser uma opção, uma vez que em torno de 50% da dose absorvida é desviada do fígado, segundo Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Via parenteral O termo parenteral deriva do grego para, que signifi ca além, e enteron, que signifi ca intestino; ou seja, signifi ca “fora do intestino”, e não por meio do trato gastrointestinal. São medicamentos injetados por meio de uma agulha fi na em diversos locais do organismo e em diferentes profundidades. As três principais vias são: intravenosa/endovenosa (IV), intramuscular (IM) e subcutânea (SC), embora existam outras como intra-arterial, intraespinhal ou intratecal, intraóssea, intra-articular, intrassinovial, intracutânea ou intradérmica. Essa via é utilizada em fármacos de difícil administração enteral ou instá- veis no trato gastrointestinal. Também é indicada para pacientes inconscientes, ou no caso da necessidade de uma ação farmacológica imediata. Na via parenteral, os níveis sanguíneos do fármaco são previsíveis, uma vez que a perda de fármaco é muito pequena, no caso das administrações intramuscular e subcutânea, e é nula, no caso da administração intravenosa. Porém, como desvantagem dessa via de administração, está que o fármaco, uma vez injetado, já se encontrará na corrente sanguínea e, no caso, de uma intoxicação ou overdose, não será possível retirar o fármaco do organismo do paciente. No caso das outras vias de administração, há um tempo maior entre a Viasde administração e aspectos biofarmacêuticos4 administração e a absorção (corrente sanguínea), possibilitando a remoção da fração do fármaco não absorvida (por exemplo, a indução do vômito, no caso da administração por via oral). Outro ponto é que os medicamentos administrados pela via parenteral devem ser esterilizados e requerem pessoa treinada para administração correta, conforme Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Entenda as principais vias de administração parenteral (Figura 1): Via intravenosa: administração do fármaco por injeção direta na corrente sanguínea, geralmente realizada nas veias do antebraço e de maneira lenta, para evitar altas concentrações do medicamento. A substância não pode precipitar no interior do sistema circulatório após a sua injeção, pois isso pode causar embolia pulmonar (obstrução das artérias ou veias). Via intramuscular: administração do fármaco por injeção no músculo da re- gião glútea (quadrante superior externo) ou deltoide (frontal, três a quatro dedos abaixo da linha do ombro). No caso de lactentes e crianças pequenas, deve-se dar preferência por aplicar na face lateral externa da coxa. O medicamento pode estar em solução aquosa ou não aquosa (óleo vegetal ou suspensão com etilenoglicol), de acordo com Larini (2008). Essa via deposita o medicamento profundamente no tecido, em local altamente vascularizado, fazendo com que o efeito farmacológico seja rápido. Os fármacos que são irritantes na via subcutânea, normalmente, são administrados pela via intramuscular. Via subcutânea: administração do fármaco no tecido subcutâneo frouxo, como antebraço, parte superior do braço, coxa ou glúteos. É a via de administração de fármacos dissolvidos em pequenos volumes (menos de 2 ml), em soluções aquosas ou suspensões. Após a injeção, o fármaco fi ca nos arredores e atravessa os capilares sanguíneos por difusão ou fi ltração. Quanto maior o número de capilares sanguíneos na região da aplicação do medicamento, maior será a velocidade de absorção do fármaco. Via intradérmica: administração do medicamento na derme, na quantidade de um décimo de mililitro. A administração normalmente deve ocorrer nos braços e costas. São utilizadas para medidas de diagnóstico, como prova de tuberculina e testes de alergia. 5Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos Figura 1. Vias parenterais para administração de medicamentos. Fonte: Adaptada de Larini (2008). Via percutânea É a via de administração na qual o fármaco é aplicado na pele para obter ação local (chamada de via dérmica) ou sistêmica. O fármaco é mais bem absorvido, para ter ação sistêmica, se estiver em solução, apresentar coefi ciente de partição óleo/água (relação da solubilidade do fármaco em solvente orgânico e aquoso) favorável, além de não ser eletrólito (não ionizado). A absorção pela pele ocorre quando o fármaco aplicado na superfície da pele se difunde sobre as camadas da epiderme, atingindo a derme e, por último, a corrente sanguínea. Para isso, o fármaco precisa penetrar por meio dos poros, das glândulas sudoríparas, dos folículos pilosos e de outras estruturas anatômicas da superfície cutânea, segundo Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). São poucos os medicamentos de aplicação na superfície da pele que são absorvidos em quantidades suficientes para desencadear o efeito farmacológico. Alguns exemplos são: nicotina (tratamento do tabagismo), estradiol (hormônio), clonidina (anti-hipertensivo), escopolamina (antiemético) e nitroglicerina (antianginoso). Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos6 Vias ocular, nasal e auricular Por essas vias, a administração é tópica. As formas farmacêuticas podem ser solução, suspensão, pomada, gel e emulsão. As preparações oftálmicas preci- sam ser estéreis, aquosas, no caso de soluções e suspensões, além de isentas de partículas sólidas, se estiverem na apresentação pomada; normalmente, a ação é local. As preparações auriculares, em geral, são viscosas, para garantir um con- tato mais prolongado com a área afetada, normalmente com ação local. Os fármacos aplicados pela via nasal são soluções ou suspensões que exercem ação no trato respiratório superior (fossas nasais, faringe e laringe), podendo ter ação sistêmica. O rápido efeito terapêutico na via de administração nasal é devido à alta vascularização na área. Vias vaginal e uretral No caso de ação local, fármacos podem ser administrados na vagina (via vaginal) ou uretra (via uretral). As formas farmacêuticas empregadas podem ser comprimidos, óvulos, pomadas, espumas, géis ou soluções, no caso da via vaginal. Na via uretral, as formas farmacêuticas utilizadas são velas ou soluções. Pode ocorrer efeito sistêmico nessas vias de administração, porém, em geral, são indesejáveis, conforme Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Via pulmonar Administração de fármacos pela inalação de partículas nebulizadas líquidas ou sólidas e gases (geralmente oxigênio e anestésicos). Os alvéolos pulmonares são ricos em capilares, o que propicia uma boa absorção, com efeitos muito similares à injeção intravenosa. O tamanho das partículas e a uniformidade delas garante a penetração nas diversas porções internas do pulmão, assim como um efeito uniforme, conforme aponta Larini (2008). O Quadro 1 traz um resumo das vias de administração de medicamentos. 7Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos Fonte: Adaptado de Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Termo Local Oral Peroral (per osa) Boca Trato gastrintestinal via boca Sublingual Sob a língua Parenteral Intravenosa Intra-arterial Intracardíaca Intraespinal ou intratecal Intraóssea Intra-articular Intrassinovial Intracutânea, intradérmica Subcutânea Intramuscular Outra via que não passe pelo trato gastrintestinal (por injeção) Veia Artéria Coração Coluna Osso Articulação Fluido das articulações Pele Sob a pele Músculo Cutânea (tópica) Superfície da pele Transdérmica Superfície da pele Conjuntival Conjuntiva Ocular Olho Nasal Nariz Auricular Orelha Pulmonar Pulmão Retal Reto Vaginal Vagina Quadro 1. Vias de administração de medicamentos Fases biofarmacêuticas dos medicamentos Para o fármaco produzir o efeito farmacológico desejado, ele precisa ser transportado pelos líquidos corporais, passando pelas barreiras das membranas biológicas, sendo direcionado para a área desejada, resistindo a ações meta- Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos8 bólicas indesejáveis, interagindo no local de ação na concentração adequada, provocando uma alteração da função celular para, fi nalmente, ser eliminado. É a partir daí que surgem os termos farmacocinética e farmacodinâmica. A farmacocinética estuda a cinética de absorção, distribuição, metabolização e excreção do fármaco. A farmacodinâmica estuda as modificações que o fármaco produz no sistema biológico, ou seja, os efeitos bioquímicos e fisio- lógicos, além do seu mecanismo de ação. O fármaco precisa ser absorvido e transportado até o órgão ou tecido apropriado, penetrar na superfície celular e provocar uma resposta ou alterar processos contínuos para que tenha o efeito farmacológico. Porém, simulta- neamente, o fármaco será distribuído a numerosos tecidos, será metabolizado, gerará produtos ativos ou inativos ou será excretado. O esquema mostrado na Figura 2 demonstra a passagem do fármaco, desde a administração até a sua excreção, considerando-se que ele não permanece apenas em um local. Isso porque parte do fármaco pode nem chegar à cor- rente sanguínea e ser diretamente excretado, e parte pode chegar na corrente sanguínea, porém não ir para os tecidos e ser metabolizado ou diretamente excretado. Outra parte do fármaco chegará no seu sítio de ação, nos tecidos, onde ocorrerá a ação farmacológica. Figura 2. Absorção, metabolismo e excreção de fármacos após administração por diversas vias. Fonte: Allen Jr., Popovich e Ansel (2013, p. 147). 9Viasde administração e aspectos biofarmacêuticos Absorção A absorção é a passagem do fármaco do seu local de administração para a corrente sanguínea. A efi ciência e a velocidade dessa absorção dependem da via de administração utilizada, do grau de ionização e da lipossolubilidade do fármaco. Se a administração for via endovenosa, a etapa de absorção já é considerada realizada, pois a dose total do fármaco atinge a corrente sanguínea. Quando a administração é por outras vias, a absorção normalmente é parcial, diminuindo a biodisponibilidade do fármaco, já que parte do fármaco pode ser diretamente metabolizada e/ou excretada, conforme Larini (2008). Considerando que o corpo humano possui diversos tipos de membranas, em geral, as membranas corporais são compostas de uma bicamada lipídica ligada em ambos os lados por uma camada proteica. Assim, os fármacos penetram nessas membranas biológicas de diversas maneiras: difusão passiva, filtração, por influência do pH do meio ou por mecanismos de transporte especializados (difusão facilitada e transporte ativo). A difusão passiva é quando o fármaco passa por uma membrana que não participa ativamente do processo. O processo ocorre de acordo com o gradiente de concentração. O fármaco passa do lado de maior concentração para o de menor concentração. Considerando que as membranas são barreiras lipídicas, o coeficiente de partição lipídeo/água determina a facilidade com que ocorre a difusão passiva, segundo Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). O coeficiente de partição é o grau de lipossolubilidade de um composto, expresso em um sistema óleo-água. O fármaco com elevado coeficiente de partição (elevada lipossolubilidade) penetra com facilidade na fase lipídica da membrana biológica, passando para o outro lado da membrana (fase aquosa). Fármacos com baixo coeficiente de partição (elevada hidrossolubilidade) permanecem no meio aquoso, extracelular, à luz do estômago/intestino, de acordo com Larini (2008). Esse tipo de absorção é o que mais ocorre entre os fármacos. Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos10 A primeira lei de Fick é a que rege a difusão passiva. Essa lei afirma que a velocidade de difusão ou de transporte através de uma membrana (dc/dt) é proporcional à diferença entre a concentração do fármaco nos dois lados da membrana, conforme mostra a fórmula a seguir. C1 e C2 = concentrações do fármaco em cada um dos lados da membrana P = coeficiente de permeabilidade Por exemplo, se dobrar a concentração do fármaco, a velocidade de transferência dobrará, conforme Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). As membranas celulares possuem poros ou canais contendo água, e é devido a isso que moléculas hidrossolúveis também atravessam as membranas. Esse processo é chamado de filtração. Ao analisar os fármacos, é possível observar que eles, normalmente, são bases ou ácidos fracos; com isso, um ponto importante é o grau de ionização de cada composto. As membranas celulares são mais permeáveis a compostos não ionizados, devido à sua maior lipossolubilidade. Sendo assim, o grau de ionização do fármaco depende do pH da solução na qual entra em contato com a membrana biológica, assim como do pKa (constante de dissociação do fármaco). O pKa corresponde ao valor de pH quando 50% das moléculas estão ionizadas, conforme Larini (2008). 11Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos O pK a deriva da equação de Henderson-Hasselbalch: Para um ácido: ■ Reorganizada: Para uma base: ■ Reorganizada: Por exemplo, se um ácido fraco com pK a de 3 ficar em um meio de suco gástrico com pH 1, pK a − pH = 2. Fazendo a reação logarítmica, isso significa que essa relação (ácido/sal) é 102 (100) para 1, ou seja, 100 partes não ionizadas para 1 parte ionizada. Sendo assim, haverá a absorção do composto ácido no estômago, já que a maior parte não está ionizada, conforme Larini (2008). A difusão facilitada ocorre quando há um movimento acelerado de uma substância através de uma membrana biológica; isso porque há uma mo- lécula chamada de carreador. A molécula fármaco-carreador possui uma permeabilidade maior do que o fármaco sozinho; assim, a velocidade da transferência é maior. O transporte ativo é a passagem do fármaco através da membrana bioló- gica contra um gradiente de concentração. Ou seja, o fármaco passa de uma solução de concentração inferior para uma de concentração superior. Ou, se o fármaco estiver na forma ionizada, a passagem será contra o gradiente de potencial eletroquímico, conforme Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos12 Distribuição É o conjunto de processos que envolve a passagem do fármaco da circulação sistêmica para o interstício (espaço entre moléculas/células) ou células dos tecidos, onde ocorrerá o efeito farmacológico. Fármacos com elevado peso molecular ou ligados a proteínas plasmáticas não conseguem permear as fendas do endotélio capilar e, portanto, fi cam restritos ao compartimento vascular, ou seja, apenas no plasma, retardando a sua ação farmacológica. Já os fármacos com baixo peso molecular e não ligados às proteínas plasmáticas permeiam as fendas do endotélio capilar e vão até o líquido intersticial, atingindo o interior das células, conforme Larini (2008). Muitos fármacos se ligam a proteínas do sangue e a outros componentes. Esse complexo fármaco-proteína é reversível, pois as ligações são relativamente fracas. O fármaco altamente ligado à uma proteína permanece no organismo por mais tempo, em relação àqueles que se ligam mais fracamente, e, com isso, requer administração menos frequente. A capacidade de ligação das proteínas no fármaco é limitada; ou seja, uma vez saturado, o fármaco adicionado à corrente sanguínea permanecerá não ligado, a menos que uma ligação seja desfeita, segundo Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Metabolismo (biotransformação) A metabolização é a mudança química do fármaco dentro do organismo por mecanismos bioquímicos, normalmente realizada no fígado. Essa alteração produz compostos mais hidrossolúveis, ionizáveis e que, portanto, são menos capazes de se ligar às proteínas plasmáticas e tecidos, menos aptos a penetrar nas membranas celulares e, sendo assim, menos farmacologicamente ativos. Os compostos passam a ser menos tóxicos e são facilmente excretados. Há fármacos que são excretados sem serem biotransformados. Porém, muitos passam pelo processo de metabolização, segundo Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). As reações químicas envolvidas na metabolização dos fármacos são, em geral: Fase I: oxidação, redução e hidrólise. Fase II: conjugação. O fármaco vai passar por ambas as fases para, depois, ser excretado. 13Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos A fase I corresponde às enzimas metabolizadoras de fármacos que pertencem à família do citocromo P450 (CYP). Há diferentes enzimas pertencentes a essa família, que metabolizam diferentes fármacos, por exemplo: CYP2D, CYP2C, CYP3A. Elas estão no retículo endoplasmático liso dos hepatócitos (células do fígado) e são responsáveis pelo processo de oxidação do fármaco. As enzimas da fase II da metabolização são responsáveis por adicionar grupamentos nos fármacos para torná-los mais hidrossolúveis e para que, assim, sejam eliminados pelos rins. Exemplo: sulfotransferases, UDP-glicuronosiltransferase. As substâncias resultantes do metabolismo do fármaco são chamadas de metabólitos. Normalmente esses metabólitos são inativos, porém há situações em que eles são ativos e, algumas vezes, mais ativos do que o próprio composto original; isso faz com que esses metabólitos ainda possam provocar algum efeito no organismo. Há também o chamado pró-fármaco, que é proveniente de um composto-base inativo que é convertido em um composto ativo. Excreção A excreção de compostos químicos inalterados ou biotransformados pode ocorrer por diferentes vias: rins (por meio da urina),pulmões (por meio do ar expirado), leite, saliva, suor e fezes. A eliminação pelos rins é a que predomina entre as demais, porém, a eliminação pelas fezes é importante, pois ocorre no caso de substâncias que não foram biotransformadas e permaneceram no trato gastrointestinal após a administração via oral. A forma farmacêutica e a biodisponibilidade dos medicamentos Para você entender a relação da forma farmacêutica na biodisponibilidade dos medicamentos, deve conhecer a defi nição de biodisponibilidade. Biodisponi- bilidade é a velocidade e a extensão nas quais um fármaco é absorvido após a administração do medicamento, tornando-se disponível na circulação sistêmica. A disponibilidade de um medicamento no sistema biológico é fundamental no delineamento das formas farmacêuticas para garantir a efi cácia do produto. Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos14 Ao falar sobre biodisponibilidade, é preciso entender o que é bioequivalência. O termo bioequivalência é a comparação da biodisponibilidade de diferentes formulações, medicamentos ou lotes do mesmo produto farmacêutico, conforme Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Este é um dos testes exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para a comprovação da intercambialidade entre medicamentos. Muitas vezes, os fármacos são incorporados nas preparações farmacêuticas na forma de sais hidrossolúveis para melhorar a sua estabilidade e as caracterís- ticas organolépticas do medicamento. Porém, a condição de sal hidrossolúvel, na forma ionizada, permite ao medicamento uma biodisponibilidade diferente em relação ao fármaco na forma não ionizada e lipossolúvel. A velocidade e a extensão em que um fármaco fica disponível para absorção biológica depende, principalmente, das matérias-primas utilizadas e também do método de fabricação. Sendo assim, o mesmo fármaco formulado em diferentes formas farmacêuticas pode ter características de biodisponibilidade distintas e, assim, eficácia clínica distinta. Eles apresentarão diferentes velocidades de absorção e diferentes tempos de início, de picos e de duração da ação. As formas farmacêuticas de administração sublingual (comprimido, pas- tilha), intravenosa (injetável) e bucal (comprimido, comprimido mastigável) apresentam início da ação extremamente rápido. Quando o medicamento é administrado via oral (deglutido) ou está na forma farmacêutica pomada ou transdérmico tópico, o início da ação é mais lento, porém a duração é maior. No caso do sistema transdérmico, a duração da ação pode chegar até a 24 horas, conforme Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Veja a Figura 3. Observe as curvas do nível sanguíneo da nitroglicerina administrada em diferentes vias, consequentemente, em diferentes formas farmacêuticas. Na mesma figura, você poderá visualizar a dose usual (mg) em cada forma farmacêutica, o início da ação (min), o pico da ação (min) e a duração da ação (min ou horas). 15Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos Figura 3. Curva sanguínea versus via de administração da forma farmacêutica da nitroglicerina. Fonte: Allen Jr., Popovich e Ansel (2013, p. 166). Para evitar o efeito de primeira passagem que ocorre com medicamentos administrados por via oral, as vias de administração intravenosa, intramuscular e sublingual podem ser escolhas mais adequadas. Outra vantagem na escolha dessas últimas vias de administração é a possibilidade de redução da dose correspondente necessária, quando comparada com a dose oral, conforme Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Há diversos fatores que podem influenciar a biodisponibilidade de fármacos administrados por via oral, relacionados com a forma farmacêutica. São eles: características dos excipientes necessários em determinadas formas farmacêuticas (espessantes, aglutinantes, revestimentos, desintegrantes, Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos16 lubrificantes, suspensões, tensoativos, flavorizantes, corantes, conser- vantes e estabilizantes); velocidade de desintegração (comprimidos); tempo de dissolução do fármaco; validade do produto e condições de armazenamento. Vejamos alguns casos em que a forma farmacêutica deve ser escolhida de forma a garantir a biodisponibilidade adequada do fármaco. O estômago e o pâncreas liberam diversas enzimas responsáveis pela digestão dos alimentos; porém, há enzimas que podem dificultar a ação farmacológica de algum fár- maco. Por exemplo, a pepsina liberada no estômago e as proteases liberadas pelo pâncreas, no intestino, degradam fármacos de natureza proteica. As lipases, enzimas também liberadas pelo pâncreas, no intestino, degradam fármacos contendo óleos ou substâncias lipídicas. Além disso, fármacos na forma de ésteres são susceptíveis à hidrólise e não devem ser liberados no estômago. Sendo assim, a forma farmacêutica deve proteger esses fármacos da ação no estômago e, consequentemente, garantir a sua biodisponibilidade. Em muitos desses casos, é necessário produzir comprimidos com revestimento entérico, justamente para permitir que o fármaco resista à passagem pelo estômago e apenas seja dissolvido no intestino. Porém, para os fármacos que degradam no intestino, a absorção pode ocorrer no estômago, se a administração for oral, mas há as opções de via injetável, transdérmica e sublingual. As suspensões são úteis para a administração de grandes quantidades de fármacos sólidos cuja ingestão em forma de comprimidos ou cápsulas seria inconveniente (os comprimidos seriam muito grandes ou não existiria tamanho de cápsula que pudesse ser deglutida e que suportasse a quantidade de pó necessária para a dosagem). Mas essa forma farmacêutica também é muito utilizada, pois os tamanhos das partículas podem ser muito pequenos, o que garante a dissolução imediata do fármaco no intestino, conforme apontam Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). 17Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos Nem toda suspensão, quando administrada via oral, é dissolvida e absorvida no orga- nismo. A mistura de caulim com pectina, por exemplo, é uma preparação farmacêutica antidiarreica. Ela atua no trato gastrointestinal absorvendo os líquidos intestinais em excesso, utilizando as partículas presentes na sua fórmula, conforme Allen Jr., Popovich e Ansel (2013). Isso ocorre porque o objetivo dessa preparação farmacêutica é cessar a diarreia. Porém, geralmente, as suspensões liberam o fármaco para ser absorvido e ter a ação farmacológica no sítio de ação específico. Vias de administração e aspectos biofarmacêuticos18 Conteúdo:
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