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Autora: Profa. Neusa Meirelles Colaboradoras: Profa. Josefa Alexandrina da Silva Profa. Ivy Judensnaider Pensamento Social Brasileiro Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Professora conteudista: Neusa Meirelles Doutora em Ciências Sociais, na área de Ciência Política, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1968). Desde 1992 é professora titular de Sociologia da Universidade Paulista, ministrando cursos de Sociologia e de Ciência Política nos Institutos de Ciências Sociais e Comunicação, Ciências Jurídicas e de Ciências Humanas da Universidade. Desde 1994 é Pesquisadora do Programa de Apoio à Pesquisa do Corpo Docente, da Vice‑Reitoria de Pesquisa e Pós‑Graduação da UNIP. Desde então, desenvolveu vários projetos de pesquisa sobre música popular e cinema nacional, sob uma abordagem foucaultiana, temas como o discurso das letras, corporeidade, inclusão e exclusão social, ordem social e seu avesso, subjetividade e formação social. Concluiu, em 2014, pesquisa sobre a subjetividade masculina construída pelo cinema nacional, e, ainda como pesquisadora, passou a integrar o Grupo de Pesquisa e Núcleo de Estudos “Interdisciplinaridade: Movimento e Transformação”, desde sua criação, em 2014. Desde 2005 produz textos didáticos para cursos presenciais que ministra na UNIP, em Sociologia Geral, Filosofia e Ciência Política. No curso de Sociologia da UNIP EaD, Dra. Neusa é professora e autora dos livros‑texto das disciplinas Sociologia da Comunicação (2013), Pensamento Político Moderno (2014) e Pensamento Social Brasileiro (2015). É membro da SBS, Sociedade Brasileira de Sociologia, e da IASPM‑AL, Associação Internacional para Estudo da Música Popular‑América Latina, em cujos congressos nacionais e internacionais tem apresentado trabalhos. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M514p Meirelles, Neusa. Pensamento Social Brasileiro. / Neusa Meirelles. ‑ São Paulo: Editora Sol, 2015. 196 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXI, n. 2‑146/15, ISSN 1517‑9230. 1. Pensamento social brasileiro. 2. Sociologia. 3. Formação social. I. Título. CDU 301 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Cristina Z. Fraracio Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Sumário Pensamento Social Brasileiro APRESENTAçãO ......................................................................................................................................................7 INTRODUçãO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 OS PRIMEIROS TEMPOS ...................................................................................................................................9 1.1 O europeu tomou posse da terra e depois pensou o que fazer dela .................................9 1.2 Primeiro bosquejo da formação social, elites e subalternidade ........................................ 10 1.3 Pensamento social inaugural, o europeu e o povo indígena ............................................. 11 1.4 Pensamento social inaugural, o europeu e o escravo africano ......................................... 19 2 PENSAMENTO SOCIAL E BRASIL ................................................................................................................ 26 2.1 O pensamento social e a autonomia política brasileira........................................................ 27 2.2 Pensamento social e as ideias brasileiras abolicionistas ...................................................... 38 2.3 Pensamento social e as ideias liberais e positivistas brasileiras ........................................ 42 2.4 Pensamento social brasileiro, urdidura de ideias e motivos ............................................... 65 3 SOCIEDADE, FORMAçãO SOCIAL E ESTADO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO .......... 67 3.1 O contingente negro na formação social brasileira ............................................................... 67 3.2 O sertanejo e sua cultura rústica, a violência do sertão ...................................................... 72 4 OS POVOS INDíGENAS, ESTRANHOS BRASILEIROS NO PENSAMENTO SOCIAL ..................... 78 4.1 Formulação política no pensamento social, Estado e formação social ......................... 96 Unidade II 5 TENDêNCIAS DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO E A SOCIOLOGIA ..................................119 6 PENSANDO O BRASIL, INTEGRALISTAS E COMUNISTAS DOS ANOS 1920 E 1930 ..............120 6.1 Pensamento social e os primeiros anos da Sociologia ........................................................124 6.2 Pensando o Brasil com as obras de Caio Prado Jr., Gilberto Freyre, Sergio Buarque e outros .........................................................................................................................127 6.3 Pensamento social e político no ambiente do pós‑guerra: tendências .......................131 6.4 A Sociologia paulista, tendências em formação ...................................................................135 6.5 Ambiente político, tendências dos anos 1950 aos primeiros anos 1960 ....................136 7 O SOCIóLOGO, PORTADOR DE FORMAçãO EM SOCIOLOGIA, PENSANDO A SOCIEDADE BRASILEIRA EM PROCESSO DE MUDANçA OU DE TRANSFORMAçãO ..............138 7.1 A Sociologia crítica paulista de Florestan Fernandes e de seu grupo da Sociologia I .............................................................................................................................................142 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 7.2 Tendências do pensamento social, ideias e personagens dos anos 1960 ao Golpe de 1964 .............................................................................................................................................144 7.3 Pensamento social brasileiro, ideias e instituições, Cepal e Iseb .....................................149 7.4 O pensamento autoritário e resistência, bases teóricas e práticas políticas .............153 8 PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO, DEMOCRACIA à BRASILEIRA NO NEOLIBERALISMO E NO PóS‑NEOLIBERALISMO ..................................................................................161 8.1 O pensamento social brasileiro à guisa de conclusão .........................................................1647 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 APreSeNtAção A disciplina Pensamento Social Brasileiro abrange tendências de pensamento que circularam no país desde sua constituição como colônia portuguesa, disputada por outras nações europeias, aos dias mais recentes, nos quais pensar Brasil, sua cultura e sociedade, se deu de modo sistemático, no campo das Ciências Sociais, de modalidades da Arte e no âmbito das alternativas políticas. Para sistematizar conteúdo tão amplo, esse livro‑texto parte de uma questão simples: “afinal, o que se entende por pensamento social?” A pergunta abre uma fresta de questionamento, e por ela o leitor vai espiar e entrar em contato com um leque de indagações e de reflexões sobre o Brasil e os brasileiros ao longo de sua história, uma trajetória resumida nas unidades deste material. O livro‑texto se abre com a instauração de um pensamento social brasileiro, partindo da construção das sagas das principais personagens: o europeu, o índio e o negro. Nesse momento inaugural é o europeu que pensa e conduz o Brasil e sua gente nos rumos do modelo colonial mercantilista. Um segundo aspecto compreende o processo de condução da autonomia política, de elaboração da tendência abolicionista e dos reflexos das tendências políticas e filosóficas europeias. Como terceiro momento, discute‑se a instauração de tendências do pensamento social urdidas na sociedade brasileira, com a presença de segmentos diferenciados da formação social e em relação à política nacional e ao Estado. O material também focaliza tendências do pensamento social afetadas pela institucionalização da investigação em Ciências Sociais, notadamente da Sociologia. De fato, em paralelo à investigação científica, instauram‑se tendências de pensamento social que incorporaram estudos e pesquisas, então desenvolvidos, na proposição de políticas de desenvolvimento econômico, com participação do Estado, e visando a reformas políticas e mudança social. Os últimos itens abordados versam: primeiramente, sobre as bases teóricas, práticas políticas e repressivas adotadas pelo pensamento conservador, no apoio e sustentação da Ditadura civil e militar; na sequência, são focalizados os efeitos do autoritarismo de duas décadas, do modelo excludente de economia e reflexos políticos do pensamento neoliberal. No cenário político e econômico assim formado, o pensamento social brasileiro ensaia a elaboração de uma modalidade de democracia à brasileira, cujas bases emergem da desigualdade social e concentração econômica. Os temas discutidos pela disciplina fazem parte do cotidiano do sociólogo, surgem nas salas de aula, nas conversas de rua, e até mesmo são referências para o entendimento de letras da música brasileira e filmes nacionais. Enfim, trata‑se de um conteúdo que integra o perfil profissional do sociólogo brasileiro, refletindo a trajetória de problematização que deu origem à profissão. INtrodução Iniciamos o livro com a seguinte questão: o que se entende por pensamento social brasileiro? Representa uma vertente e um conteúdo do pensamento investigativo dirigido para a problematização da realidade social e cultural brasileira ao longo da história. Abrange, ainda, processos históricos que induziram as características por ela assumidas em algum momento do passado e do presente, assim como tendências identificáveis no processo de constituição da formação nacional. 8 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Desse modo, em uma primeira e estrita acepção, o estudo do pensamento social brasileiro abrange o exame do conteúdo de distintas reflexões sistemáticas sobre a realidade brasileira, além da exploração, dentro do possível, das perspectivas ou abordagens adotadas por seus autores nas condições sociais em que elaboraram e fizeram circular aquelas ideias. Nessa acepção, pensamento social brasileiro abrange uma variada produção, originária de distintos campos das ciências, como História, Sociologia, Antropologia, Etnologia, Economia, além da Filosofia e do Direito, campos afetados pela influência do iluminismo europeu a partir do século XVIII, e de outras tendências de pensamento do mundo ocidental, notadamente nos séculos XIX e XX. Em suma, trata‑se de uma vertente de pensamento científico, como movimento de problematização, que culmina com um discurso de produção da verdade sobre determinada faceta da realidade nacional. Assim, marcada pela Ciência e Filosofia, as verdades construídas são submetidas ao processo de crítica sistemática, peculiar a esses dois campos. Em uma acepção mais ampla, o estudo do pensamento social, nesse caso o brasileiro, também abrange a arte, o processo de reflexão e produção da literatura e do teatro. Compreende o jornalismo, o cinema e letras da música brasileira popular. Em seu conjunto, envolve a constituição de um peculiar discurso, não ancorado na lógica científica da reflexão, mas sustentado pela problematização dos fatos; nessa dimensão de questionamento, esse discurso circula na sociedade, desvenda a vida, o poder, inspira os sentimentos, explica as condições do cotidiano e as formas de sociabilidade. Conquanto não se lhe possa reconhecer os foros de um discurso de verdade racional, como se arrogam os discursos das ciências, os dizeres múltiplos dessa peculiar vertente do pensamento social brasileiro se abrem como fresta na qual os brasileiros vêm questionando a existência ao longo das gerações. Por isso, admitindo a relação entre emoção e razão, Theo Barros e Geraldo Vandré colocavam para a ditadura, na voz de Jair Rodrigues, uma mensagem de reprovação ao movimento de repressão que o país enfrentava. 9 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro Unidade I 1 oS PrIMeIroS teMPoS As condições originais de instauração de um pensamento social brasileiro partem da construção das sagas das principais personagens: o europeu, o índio e o negro. Todas elas estão enredadas nas tramas históricas do mercantilismo europeu, por isso, os povos indígenas e os africanos trazidos para cá devem cumprir a finalidade que lhes foi atribuída, em substituição à vida que esperavam... 1.1 o europeu tomou posse da terra e depois pensou o que fazer dela Em um primeiro momento, o pensamento social se instaurou brasileiro, porque elaborado aqui, mas tinha o Brasil e sua população na posição de Outro, ou de objeto. Como afirma Murilo de Carvalho, (2007) “uma das características da chegada de espanhóis e portugueses ao continente hoje chamado de América foi a incerteza em relação à natureza da coisa. Eram as índias, era um mundo novo, uma ilha, um continente?” Essa interrogação também se aplicou à terra “descoberta” (encontrada seria melhor) por Cabral, e um indício nessa direção está na variação de nomes atribuídos à terra. Segundo o mesmo autor: Ao longo dos séculos XVI e XVII, ela foi batizada com vários nomes. A disputa sobre como grafar Brasil estendeu‑se até o século XX. E até hoje se discute a origem do nome. Difícil imaginar outro país com tão grande dificuldade de decidir até mesmo seu próprio nome. A nova terra foi denominada Pindorama (antes de 1500), Ilha (Terra) de Vera Cruz (1500), Terra de Santa Cruz (1501), Terra Papagalli (1502), Mundus Novus (1503), América (1507), Terra do Brasil (1507), índia Ocidental (1578), Brazil (século XIX), Brasil (século XX) (CARVALHO, 2007). Era a instauração de um discurso europeu elaborado a partir da posição de sujeito, em que se situavam distintas personagens da história: o escrivão‑mor enviado de El Rei, os religiosos que avaliaram os nativos pesando seus pecados, mercadores, colonizadores, exploradores e invasores. Essas últimasfiguras refletiam aqui os interesses mercantis e religiosos das guerras europeias. Para o europeu que chegava, não eram os donos da terra o que importava, mas a terra, as vantagens econômicas e políticas que adviriam de sua exploração. Aquelas “gentes”, os gentios, eram vistos com estranhamento: eram ao mesmo tempo estorvo e fator necessário, amigo e inimigo; apresentavam uma temível e inocente natureza humana, homens não apegados à propriedade, mas defensores da terra e, com tudo isso, constituíam uma peça central a ser controlada no jogo da colonização que se iniciava. Assim, no solo brasileiro, nos planos institucional, militar e comercial foram se confrontando os interesses que dividiam o mercantilismo europeu, formando um mosaico de conflitos e estratégias de poder. 10 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I O projeto português de exploração colonial da terra exigiu incorporar, aos poucos descobridores, dois contingentes populacionais, ambos a serviço do colonizador europeu branco: os índios e os negros, os dois representando trabalho e prazer: o trabalho extraído do corpo dos homens, o prazer, e também trabalho, do corpo das mulheres, ambos na qualidade de mercadoria semovente, corpos escravizados à disposição dos colonizadores e invasores (dos católicos, judeus e huguenotes; dos portugueses, espanhóis, franceses, holandeses, todos brancos representantes da civilização europeia dos séculos XVI aos meados do século XIX). Nesses termos, os interesses de exploração comercial transudavam nos olhares das personagens que construíam o pensamento sobre a terra brasileira a partir de uma posição de sujeito. Pelo olhar de avaliação interessada foram introduzidos os dois contingentes submetidos ao projeto colonial, ambos dominados pela força das armas ou pela sedução da cruz: o índio, que era planta nativa encontrada na mata, limpa e alimentada, em alguns casos oferecendo suas mulheres em casamento; o negro, que era a “mercadoria resgatada”, originária das colônias do além‑mar, trazida com muito lucro, e algum custo político, dada as relações complexas entre as coroas europeias. 1.2 Primeiro bosquejo da formação social, elites e subalternidade Os dois contingentes ingressavam na “nova” terra, em uma condição de subalternidade que os vai marcar, e aos seus descendentes, por gerações, embora tenham construído o país e participado das lutas da independência. Ao fim do século XVIII, a colonização comercial portuguesa dera origem a uma sociedade brasileira segmentada em estratos sociais, distinguidos por preconceitos associados à origem, riqueza e cor da pele, mas todos eles comportando gentes de todos os matizes, que eram frutos da mestiçagem sem preconceito dos amores, dos fugazes, daqueles renegados, e da violência dos estupros. Pode‑se dizer que a colonização produziu, com base no monopólio da terra, três classes de população: o latifundiário, o escravo e o “homem livre”, na verdade dependente. Entre os primeiros dois a relação é clara, é a multidão dos terceiros que nos interessa. Nem proprietários nem proletários, seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do favor, indireto ou direto, de um grande. O agregado é a sua caricatura (SCHWARTZ, 1981, p. 16). Nessa “multidão” mencionada pelo autor estavam aqueles que tinham suas vozes silenciadas, mas que tinham participado das guerras coloniais na defesa do território, os que figuravam na formação social em uma diversidade de revoltas e trajetórias de resistência e, partir do final do XVIII, os que integraram o processo de independência; mas pensar o Brasil a partir da peculiar posição de inserção na formação social, a baseada na dependência ou no favor, como aponta Schwartz, apresenta de início a dificuldade de examinar, ou de superar, a própria subalternidade. No entanto, o desenvolvimento do pensamento crítico só será formado posteriormente e, por consequência, o pensamento liberal servirá de base para pensar a sociedade brasileira. Então, se membros da elite endinheirada e privilegiada brasileira participaram da criação da autonomia política, inspirados no pensamento liberal e em conformidade com interesses ingleses, 11 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro eles mesmos logo perceberam as diferenças de posições e de interesses que os distinguiam, e ficaram evidentes as contradições políticas e econômicas internas e externas às elites, entre elas e a população, além das contradições entre interesses regionais e o governo central do Império. Portanto, a consolidação da autonomia política lastreou um processo de elaboração do pensamento social brasileiro pelo qual a posição de sujeito deixou de ser ocupada pelo colonizador para ser partilhada entre dois distintos segmentos das elites que se mostraram politicamente relevantes nos respectivos papéis: uma elite intelectual peculiar e uma elite patrimonial, em geral, endinheirada, variando a composição conforme inserção na economia, período da História, região e dinâmica política instaurada na formação social. Da autonomia política em 1822 à abolição em 1888 foram 66 anos em que os interesses das elites preservaram as relações de trabalho no modelo escravocrata, ou o alteraram no mínimo possível, resistiram às mudanças de lei, às pressões sociais e mudanças institucionais, políticas e econômicas. No âmbito das discussões e dos confrontos partidários envolvendo a autonomia política, foi sendo construído um liberalismo escravocrata, tendência de pensamento que, em variadas versões, combinou interesses das elites com as palavras bonitas do discurso liberal. De qualquer forma, essa tendência persistiu na concepção de democracia à brasileira. A trajetória do pensamento social brasileiro, da colonização ao século XIX, focaliza a presença de índios e negros, os dois contingentes inseridos no projeto colonial, e a reflexão sobre a colonização, resultando a elaboração de articulações para independência e formação do Estado, embora a autonomia política não tenha significado autonomia e modernização econômica. Em contrapartida, o debate sobre a escravatura dividiu as elites intelectuais e patrimoniais em tendências ideológicas e confrontos políticos que provocaram a queda do Império, em ambiente de ascensão militar e de vertente teórica, o positivismo. Em que pesem tais desdobramentos do debate sobre a escravidão, eles não conduziram a um mercado de trabalho regido por relações capitalistas: no meio rural e nas cidades, as relações de dependência e os vínculos de assujeitamento foram mantidos por muito tempo, alimentando a subalternidade do trabalhador em geral, especialmente do negro. 1.3 Pensamento social inaugural, o europeu e o povo indígena Quando da chegada do europeu, a população nativa habitava essas terras há mais de 10 mil anos, porém, vários dos grupos que presenciaram a chegada desapareceram, foram exterminados por doenças – pelas condições às quais foram expostos – ou pelas guerras. Darcy Ribeiro (1985) estimou enorme redução da população indígena brasileira: dos 2.431.000 indivíduos no século XVI, para cerca de 410.000 no século XX. Contudo, os dados do IBGE e Funai de 2005 registravam uma população indígena total de 358.000 habitantes, distribuídos entre 215 etnias e falando 18 línguas. Isso significa uma redução no total da população em torno de 85% entre os séculos XVI e XXI, ao contrário do que se passou com a população de africanos, que apresentou crescimento populacional. 12 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I Para o europeu, a população nativa pareceu de início um empecilho ao intentode expropriação colonial, mas logo ela se mostrou obstáculo manejável, dado que as lutas internas entre povos indígenas permitiram tecer intrigas e alimentar guerras, em proveito do colonizador. Além do mais, índios representavam braços para o trabalho de extração da madeira, de construir casas, fortalezas, de abrir caminhos na mata, além de o conhecimento indígena das plantas, animais e riquezas ter sido elemento fundamental à empreitada colonial quando ela teve início. Depoimentos de náufragos europeus que viveram entre os índios, como o de Jean de Léry, francês, e do alemão Hans Staden mostram que havia relações de escambo e trocas de produtos naturais por quinquilharias, machados e facas; os europeus que passavam pelas aldeias eram acolhidos como visitantes, recebiam uma mulher como “esposa”, tornando‑se aparentado com o chefe local. Os europeus também faziam alianças com as aldeias e tribos e se submetiam aos padrões tribais de relacionamento, sendo encarados como amigos. Esse nível de relacionamento não foi de monta a alterar o sistema de organização tribal, embora introduzisse valores e interesses alheios à cultura indígena, como o do trabalho remunerado. Jean De Léry frequentemente incorpora essas alianças ao descrever sua viagem, mesmo quando ele questiona a crueldade dos índios, seus amigos tupinambás. “Enfurecidos e encarniçados os nossos selvagens já haviam incendiado as choças para desalojar os moradores e a muitos já haviam morto”. E como os franceses deram abrigo a alguns portugueses fugitivos, comenta Léry: “os tupinambás se mostraram descontentes com o fato de abrigarmos esses infelizes e, para acalmá‑los, foi preciso não só muita energia como donativos em mercadorias. Deixaram‑nos finalmente conosco como escravos” (1961, p. 160). Aliás, fazer escravos dos prisioneiros de guerra não era a praxe entre os índios, eles os devoravam, o que era considerado uma morte honrosa. Todavia, o sentido maior da vingança, inclusive apontado por Léry, estava em incorporar ao grupo vencedor a coragem do inimigo vencido, valorizada durante o ritual tanto pela vítima como pelo encarregado de matá‑lo. Segundo Ribeiro (1985, p. 34), foi por faltar coragem que Hans Staden se salvou: “por três vezes os índios se recusaram a comê‑lo, porque chorava e se sujava, pedindo clemência. Não se comia um covarde”. Quatro séculos depois, Oswald de Andrade e Mário de Andrade ressignificaram o ritual da antropofagia, sempre associado aos tupinambás, mas também adotado pelos tamoios, e o elegeram como metáfora para denominar o processo de incorporação cultural e de relação entre cultura brasileira e estrangeira. As populações indígenas integraram o projeto colonial mercantil de El‑Rei com o propósito de servir de braço nos trabalhos agrícolas e de defesa do território; portugueses, colonizadores e padres não se sentiam os novos donos da terra, mas emissários do rei, figura distante a quem pertenciam as terras descobertas, as vidas e almas dos habitantes por vontade divina, segundo o papa. Na verdade, ao “colonizador” interessava mesmo o comércio de mercadorias, fossem elas o pau‑brasil, peles, penas, escravos, mais tarde o açúcar. O escravo era a mais útil e rentável “mercadoria” e veio garantir a sobrevivência das famílias patriarcais paulistas, cujos chefes, impossibilitados de competir 13 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro com a produção do açúcar no Nordeste, passaram a fornecer índios para engenhos e fazendas, mesmo porque ter escravos índios era sinal de abastança e de dignidade. Incursões pelo sertão em busca de índios já era uma prática desde os tempos de Martim Afonso. Contudo, “na primeira metade do século XVII, houve grande incremento no tráfico de índios, devido às investidas paulistas contra as missões jesuíticas instaladas na bacia platina” (HOLANDA, 1963a, p. 278). Esses índios já estavam “aculturados e aptos para o trabalho”, alcançando bom preço “nos empórios de São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco”, embora fossem mais baratos que os escravos africanos. Nesses termos, a presença de brancos que aqui aportaram e que conviviam com índios se tornara estratégica: por exemplo, os contatos entre a comitiva de Tomé de Souza, Primeiro Governador‑Geral, na Bahia, com os índios foram facilitados pela presença de Diogo Álvares, o Caramuru, um náufrago português amancebado com várias índias; assim como fora igualmente fundamental a participação de João Ramalho junto a Brás Cubas e Martim Afonso no Sul. Esses portugueses também eram mercadores, e praticavam a invasão de aldeias com apresamento; aliás, a escravização da população indígena foi uma prática colonial adotada antes mesmo do “resgate” de africanos como escravos. Portanto, a dinâmica das relações entre europeus e povos indígenas nas estratégias de colonização revela uma posição de sujeito assumida pelo colonizador português, refletindo o discurso absolutista da monarquia lusitana. Desse modo, pela “vontade de El‑Rei”, são justificadas as reais práticas de escravizar índios e de ocupar as terras mais acessíveis e cuidadas, com os argumentos de moralização e catequização; todavia, tais argumentos eram apresentados no ambiente político e religioso europeu. Junto aos indígenas, os jesuítas enviados por D. João III mantinham os mesmos propósitos, mas os argumentos eram o medo do pecado e a salvação da alma. Quando povos indígenas reagiam a esse projeto de colonização lutando com as armas de que dispunham, os conflitos davam início às “guerras defensivas” ou “guerras justas” que tanto marcaram o período; as populações indígenas eram declaradas hostis, resultando apresamento de índios e ocupação das terras. Nessas condições, restavam aos nativos duas alternativas: embrenharem‑se na floresta, para além das fronteiras atingidas pelos brancos ou conviver com o invasor na posição de um objeto submisso aos desígnios por ele determinados. As duas alternativas implicaram perda de elementos culturais significativos e até mesmo no desaparecimento da maioria dos povos indígenas. É importante notar que a ocupação do espaço pelas populações indígenas observava padrão cultural associado à organização social, consistindo em núcleos de aldeias autônomas. O espaço das aldeias não era demarcado por cercas, mas pelo reconhecimento de limites consensuais, culturais, não só permitindo as trocas de produtos entre aldeias, como também dando origem a conflitos e guerras. Em algumas culturas, esse padrão de ocupação era deslocado sistematicamente pelo território considerado daquela nação ou grupo. O colonizador, com armas e com evangelho, procedeu a um rearranjo nas peças desse mosaico, a fim de facilitar o apresamento e a escravização, necessários à empreitada colonial, assegurando a propriedade da terra e defesa do território contra interesses de outras nações. Enquanto o aldeamento indígena estabelecia laços de sentido que uniam os povos à mata, aos seus lugares marcados pelos 14 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I mitos de origem, com implicações religiosas, aos limites culturais estabelecidos ao longo de um tempo imemorial, o aldeamento jesuíta estabelecia a mata como um lugar de “coisas” a serem descobertas, local habitado por “inimigos” que deveriam ser vencidos, uma organização de espaço projetando a ideia da ocupação consentida à propriedade privada, de uma área comum, pública, extensão do poder do rei ou dos senhores. A ameaça estrangeira constituiu argumento para o aldeamento promovido pelos religiosos, facilitando a missão de catequese, salvando almas e consumindo corpos no trabalho e na guerra. Momentos da história colonial brasileira que exemplificamesse processo foram: a Confederação dos Tamoios, em meio à invasão francesa no Rio de Janeiro, a França Antártica; e durante a invasão holandesa em Pernambuco. Três “heróis” indígenas emergem nesses momentos, os três posicionados a favor dos portugueses: Tibiriçá (dos Guayaná), Araribóia (segundo consta, da tribo Temiminó, habitante da Ilha de Paranapuã, atual Ilha do Governador), e Poti (ou Felipe Camarão, do grupo Potiguara, em Pernambuco). Há semelhanças significativas nas trajetórias dos três chefes, situadas nos dispositivos de poder colonial, dos séculos XVI e XVII: A Confederação dos Tamoios uniu os Tupinambá do Rio, os Carijó do planalto paulista, Goitacá e Aimoré da Serra do Mar (estes do grupo linguístico Jê), mas foi vencida pelos grupos aliciados pelos Jesuítas, com participação dos Guayaná, liderados por Tibiriçá. Na verdade, a Confederação foi desfeita na Paz de Iperoig, acertada por Anchieta (RIBEIRO, 1985, p. 33). Os heróis dessa guerra foram os favoráveis à dominação portuguesa. Já aos chefes dos grupos resistentes não é reconhecida a mesma bravura e heroísmo, sequer há notícias de onde foram sepultados. Seus nomes são relativamente esquecidos, por exemplo, Cunhambebe, pai e filho, Aimberê, Igaraçu, Pindobuçu e seu filho Parabuçu. Sabe‑se apenas que foram mortos, os últimos a 20 de janeiro pelas tropas formadas por indígenas e portugueses; quanto às tribos que chefiavam, elas foram extintas por doenças e pela ação dos apresadores, sobretudo dos “valorosos” bandeirantes paulistas. Os chefes citados, Tibiriçá (Guayaná) e Araribóia (Temiminó), tornaram‑se cristãos e batizados, mas a lealdade dos Guayaná aos portugueses começara quando Bartira, filha de Tibiriçá, fora dada em casamento a João Ramalho, o português e negociante de índios. Essa prática, denominada por Ribeiro (1985) cunhadismo, era frequente naqueles tempos, mas Araribóia, chefe Temiminó, levou ao extremo a “dedicação” ao português colonizador, arriscando a própria vida para salvar Estácio, o sobrinho do governador‑geral Mem de Sá, que se afogava. Assim, foi agraciado com honras pelo rei de Portugal, Dom Sebastião. Para o europeu, não interessava que os povos indígenas se unissem em organização sólida, ao contrário, era útil enfraquecer os laços de identidade, e para isso estavam os jesuítas com suas promessas de proteção às aldeias à custa da catequização, do batismo e do trabalho. Ser reconhecido e agraciado pelo conquistador poderoso, gozar de privilégios para si e para a tribo foram fatores que pesaram na decisão desses chefes de negar a identidade indígena em troca de uma ocidentalização, aliás, nunca reconhecida. 15 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro A primeira impressão que fizera Pero Vaz de Caminha sobre os índios, de serem eles “uma argila moldável”, vai aos poucos sendo substituída por uma imagem de um povo bárbaro, sem lei, sem razão, para o qual a religião imprimiria freios de submissão. “A sujeição política é a condição da sujeição religiosa” conclui Cunha (1990). No entanto, não faltava aos diferentes povos indígenas a percepção dos processos em que estavam inseridos, aparecendo na reivindicação das terras que lhes pertenciam, e nas revoltas esmagadas com violência. Contudo, um testemunho do desencanto diante das promessas do europeu, o entendimento das práticas de poder vinha de longe, como se pode entender no depoimento do chefe Momboré‑uaçu, da aldeia de Essauap, no Maranhão, em 1612, sob o título “Digo apenas simplesmente o que vi com meus olhos”. O discurso foi registrado pelo missionário Claude d’Abbeville, em sua História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão, de 1614. Beatriz Perrone‑Moisés o resgatou para o instituto indigenista, na tradução de Sérgio Milliet (1945). Como explica a antropóloga, naquela situação, os franceses buscavam apoio dos índios para a França Equinocial, logo depois retomada pelos portugueses. O chefe Tupinambá Momboré‑uaçu fala do século XVII, quando as condições em que foram tecidas as relações de poder na colônia portuguesa apareciam em novas configurações, e em outros ambientes, agora no Nordeste, Maranhão, Bahia, Paraíba e Pernambuco. Seu discurso remete à aliança entre Tupinambá e os franceses, cuja origem “é tão antiga quanto as primeiras décadas da Descoberta, mais precisamente quando o franciscano André Thevet, embarcado com Villegagnon, publica As Singularidades da França Antártica (1558), texto de grande repercussão na França” (MUNIZ SODRÉ, 2009). O discurso do velho chefe Momboré‑uaçu vale ser ouvido na íntegra porque é a descrição de uma experiência vivida: Vi a chegada dos peró [portugueses] em Pernambuco e Potiú; e começaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa época, dormiam livremente com as raparigas, o que nossos companheiros de Pernambuco reputavam grandemente honroso. Mais tarde, disseram que nos devíamos acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificarem cidades para morarem conosco. E assim parecia que desejavam que constituíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes permitia possuí‑las por meio do casamento e que eles não podiam casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí [padres]. Mandaram vir os paí; e estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os nossos e a batizá‑los. Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram os nossos constrangidos a fornecer‑lhos. Mas não satisfeitos com os escravos capturados na guerra, quiseram também os 16 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I filhos dos nossos e acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade a trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região. Assim aconteceu com os franceses. Da primeira vez que viestes aqui, vós o fizestes somente para traficar. Como os peró, não recusáveis tomar nossas filhas e nós nos julgávamos felizes quando elas tinham filhos. Nesta época, não faláveis em aqui vos fixar. Agora já nos falais de vos estabelecerdes aqui, de construirdes fortalezas para defender‑vos contra os vossos inimigos. Para isso, trouxestes um Morubixaba e vários paí. Em verdade, estamos satisfeitos, mas os peró fizeram o mesmo. Depois da chegada dos paí, plantastes cruzes como os peró. Começais agora a instruir e batizar tal qual eles fizeram; dizeis que não podeis tomar nossas filhas senão por esposas e após terem sido batizadas. O mesmo diziam os peró. Como estes, vós não queríeis escravos, a princípio; agora os pedis e quereis como eles no fim. Não creio, entretanto, que tenhais o mesmo fito que os peró; aliás, isso não me atemoriza, pois velho como estou nada mais temo. Digo apenas, simplesmente o que vi com meus olhos (MILLIET, 1945, p. 115‑116). O conflito com os holandeses no Nordeste oferece outro exemplo de assujeitamento à cultura do colonizador, ao mesmo tempo em que aparecem exemplos de manifestações nativistas. Os principais grupos indígenas na região do conflito com holandeses eram: os Tabajaras, Caetés e Potiguares. A denominação tabajara parece ser uma referência à relação entre índios e portugueses, e não o nome de um grupo indígena; dessa forma, os aliados dos portugueses de fato eram os tupinambás. Quanto às relações com os caetés e potiguares, elas se mostraram mais complicadas. Os caetés eram valentes, vigorosos, mas também antropófagos, e provocaram o ódio dos portugueses quando, em 1556, matarame comeram o bispo Pero Fernandes Sardinha e os náufragos de sua comitiva. Mais tarde, poucos índios restavam da escravização e extinção sistemática decretada por Mem de Sá, então governador‑geral, para fazer aliança com os portugueses. Na invasão holandesa, os caetés resistiram e se deslocaram para uma aldeia cujas terras foram doadas aos índios em 1698 pelo governo português. Os potiguares foram descritos por autores distintos como habitantes de região que abrangia Paraíba, Rio Grande do Norte e parte do Ceará, como índios fortes e valorosos, que conseguiram resistir aos colonizadores portugueses. Foram aliados dos franceses no litoral nordestino na instalação da França Equinocial, de 1586 a 1597, e mesmo quando os franceses foram vencidos perdurou a aliança entre eles e os franceses, assim como entre os tabajaras e portugueses. Em 1599, os potiguares estabeleceram aproximação com os portugueses, por intervenção de um xamã de Ilha Grande, mas com a chegada dos holandeses eles fizeram aliança com o novo invasor. 17 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro Como o povo potiguar, que foi aliado dos franceses e holandeses, ao mesmo tempo forneceu um dos heróis da “frente nativista”, o índio Felipe Camarão? A questão remete às tendências religiosas que se defrontavam na Europa e que se refletiam na colônia portuguesa, que, do final do século XVI a meados do XVII, esteve sob o domínio espanhol: o catolicismo inquisitorial de Portugal e Espanha enfrentava o protestantismo huguenote francês, e a Igreja Reformada holandesa. As três igrejas eram proselitistas, centradas nas conversões, sendo a católica a de maior alcance. Contudo, apenas a igreja protestante compreendeu a necessidade de formar agentes religiosos entre a população indígena, sendo um deles o índio Pedro Poty, considerado herói da Igreja Reformada, e que era primo de Felipe Camarão, o herói da frente nativista, católico, e inimigo dos holandeses. As trajetórias dos dois potiguara sinalizam divisões internas àquele povo, distribuído na vasta região nordestina, e principalmente revelam facetas distintas do processo de assujeitamento às condições emergentes. O índio Pedro Poty, guerreiro potiguar, primo de Felipe Camarão, lutou ao lado dos holandeses e era um cristão reformado, assim como Antônio Paraupaba; os dois receberam formação religiosa na Holanda, financiados pela WIC (Companhia das índias Ocidentais), ambos considerados regedores da Igreja Reformada no Nordeste do século XVII. Viração (2010) focaliza as duas personagens, Pedro Poty e Antônio Paraupaba, a partir do vínculo estabelecido com uma Igreja Universal pela conversão religiosa: ao primeiro, a autora reconhece a condição de mártir da fé e considera o segundo como legítimo representante da mentalidade religiosa reformada: “tudo leva a crer que Paraupaba via o mundo com os olhos de sua mentalidade religiosa, seu espaço era religioso” (VIRAçãO, 2010, p. 15). Antonio Felipe Camarão foi batizado católico no dia 13 de junho de 1612, trazendo em seu nome, Antonio em homenagem ao santo do dia, Felipe em homenagem ao Rei de Espanha, e Camarão, uma tradução portuguesa para denominação de sua origem, Potiguar, “comedor de camarão”. No batismo ele se vincula ao campo europeu católico, com uma “identidade traduzida”, por assim dizer, e deixa de ser Poti, escolhe ser camarão. Ao fazê‑lo, também arrasta “uma de suas mulheres” para o batismo e casamento católico: ela recebe o nome de Clara (possível referência à Santa Clara, antigo amor de São Francisco de Assis). Nessa nova identidade, nem indígena nem europeia, Clara e Felipe Camarão são reconhecidos como valorosos, conforme transcrição da opinião de D. Domingas de Loreto no Dicionário Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte: Na guerra da restauração de Pernambuco, ostentou D. Clara, mulher do governador dos índios, D. Antônio Felipe Camarão, o seu insigne valor com os mais ilustres realces: porque, armada de espada e broquel, e montada em um cavalo, foi vista nos conflitos mais arriscados ao lado do seu marido, com admiração do holandês e aplauso dos nossos (SOARES, 1988). Quanto a Felipe Camarão, ele recebeu o título de Dom, de Felipe IV, Brasão de Armas, foi alçado ao cargo de Governador de Todos os índios do Brasil, além de comendas e rendas. Moreira Jr. (2004) analisa a constituição de terços, uma composição militar, originalmente espanhola, implantada nas 18 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I forças militares portuguesas e o processo de mudança operado a partir de então na estratégia de guerra na colônia. Até então as populações indígenas aparecem construídas a partir de olhares europeus, conforme os distintos propósitos desses olhares, mas e quanto ao índio? Enraizado em “sua” terra, deveria negá‑la como a origem de seus ancestrais e apagá‑los de sua memória; considerar‑se pecador de um pecado que não conhecia e abrir mão de sua identidade, tradições, rituais, crenças e saberes. Assim, vazio de tudo que lhe dizia respeito, vazio de si, tinha de se submeter ao outro, ao branco, e valorizá‑lo, trabalhar para ele, dividir com ele suas mulheres, adquirir as doenças que lhe foram transmitidas, cobrir com panos sujos seu corpo orgulhoso, colocar‑se como coisa, qual o barro dócil com que as mulheres modelavam potes: exatamente como um pote de cerâmica, receber a civilização e a hóstia. Os bons potes poderiam ser vendidos, os maus eram quebrados, ou seja, mortos. Dessa forma, como entender os fatores responsáveis pela dinâmica de preservação da identidade cultural? Quais elementos alimentaram os indígenas contemporâneos de força de resistência e de autoidentificação? Tudo indica que tais elementos foram encontrados na construção da imagem de grupo, transmitida de forma assistemática, nos rituais e mitos contados e recontados ao longo das gerações. Eles foram lidos no avesso dos relatos de viajantes ou das narrativas literárias, percebidos no sentido das trajetórias dos chefes catequizados, nas condições sociais e culturais que se apresentaram aos indígenas brasileiros ao longo da história e que se mostram no cotidiano. Desse modo, o presente vivido reitera pressões sofridas no passado, e as narrativas da memória grupal não idealizam o passado, mas são utilizadas como aproximação ao presente. Agora, assim como antes, é a terra indígena o alvo da cobiça do branco, e se a inocência e a fúria que marcaram a visão do europeu sobre o índio foram desfeitas ou atenuadas, com o contato e mecanismos de assimilação cultural, o índio permanece um estorvo ao avanço das empresas e aos interesses do branco. Se a história vergonhosa da extinção de povos indígenas não ficou limitada ao período colonial e se a expropriação das terras continua, as tendências mais contemporâneas se situam na direção do resgate de identidades, na constituição de sujeitos coletivos e lideranças que estão fazendo outra história, abrindo espaços e se construindo como sujeitos na formação social e, assim, alterando o espaço subalterno que lhes foi reservado. Saiba mais Para obter informações importantes sobre o convívio com os povos indígenas desde a colonização até hoje, assista ao filme: DESCOBRIMENTO do Brasil. Dir. Humberto Mauro. Brasil: 1937. 90 minutos. 19 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro 1.4 Pensamento social inaugural, o europeu e o escravo africano Os dados estatísticos sobre a escravidão africana no Brasil são imprecisos, variam sensivelmente as estimativas, mas inegavelmente o aporte populacional foi crescente e decisivo na constituiçãodo povo brasileiro: Pandiá Calógeras em 1927 estimou 13.5 milhões, Rocha Pombo em 1905, 15 milhões, Barão de Taunay em 1941, 4.6 milhões, e Roberto Simonsen, 3.3 milhões. Outra estimava mais elaborada, de M. Buesan, em 1968, chegou ao total de 6.32 milhões de escravos importados entre 1540 e 1860. Todavia, o mesmo autor reconhece que boa parte dos recursos comprometidos com a produção de açúcar tenha sido consumida na manutenção da “maldita mercancia”, como a intitulava Vieira, estimando em 160 milhões de libras ouro “o custo pago pela economia brasileira para aquisição de escravos nos 300 anos de tráfico” (RIBEIRO, 1985, p. 160‑164). Em sua chegada, o negro trazia de si apenas a memória de sua cultura como bagagem, porque tudo o mais lhe havia sido arrancado. Logo, dois aspectos são fundamentais à análise da presença africana na formação social brasileira: a) sua entrada no país, como escravo, coisa de uso, força de trabalho, apropriada segundo critérios externos, de “serventia” para o outro; b) os processos de superação da condição de escravo, abrangendo distintas estratégias, individuais e coletivas. A História registrou nos quilombos não só o processo de rebeldia, mas a constituição de um sujeito que se torna objeto da construção de si e organiza comunidades paralelas à ordem. Na verdade, a ordem que o submetia suscitou‑lhe a rebeldia, o resgate de práticas de sobrevivência trazidas na memória da colonização em África, a utilização de conhecimentos acumulados na empreitada de libertação e de construção de comunidades quilombolas. Como diz Machado (1988, p. 19), “o poder é produtor de individualidade, o indivíduo é uma produção do poder e do saber”. Assim, o escravo insurgente buscava ser a si, superando ou contornando diferenças culturais, vigilância e disciplina impostas pela ordem. Tais práticas implicaram planejamento e elaboração dos possíveis para ação, uma experiência que se passa no âmbito do indivíduo, uma vez que ele busca se constituir como senhor de si mesmo ou, mais precisamente, construir‑se como sujeito. O sujeito “se constitui através das práticas de sujeição ou, de maneira mais autônoma, por meio de práticas de liberação, de liberdade [...] a partir, obviamente, de um certo número de regras, de estilos, de convenções que podemos encontrar no meio cultural” (FOUCAULT, 2004, p. 291). Todavia, a construção da identidade negra na formação social brasileira foi um processo complexo, e talvez ainda esteja em construção, plasmado nos modelos de subjetividade trazidos de culturas distintas, em linguagens distintas, nas condições a que foram submetidos os africanos pela história à qual serviram. Esses modelos constituem um campo de referência para análises, mas não são eles que definem o “ser negro” no Brasil de hoje. Os relatos do colonizador e dos representantes de interesses europeus constituem o conjunto discursivo que estabelece uma primeira versão sobre “essa gente” necessária à empreitada colonial e formação do Estado brasileiro, um contingente trazido à força, marcado pela utilidade que teria para o outro. Contudo, a escravização do africano não era invenção dos portugueses: nas nações coloniais, França, Inglaterra, Espanha, Holanda, essa era uma prática corrente, aliás, uma das atividades comerciais das companhias europeias para colonização das Américas; enquanto na Europa o negro era utilizado em 20 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I trabalhos domésticos e em menor número, no continente americano, no Caribe e nas possessões europeias em África, o trabalho do escravo foi fator fundamental à sustentação do mercantilismo colonialista. Buarque de Holanda (1960) registra desde meados do século XVI a entrada de escravos negros no Brasil destinados ao trabalho na lavoura e outras atividades de colonização. Os paulistas também participaram desse comércio, tanto que o Conselho Ultramarino baixou resolução tentando coibi‑los, mas a prática continuou e ainda mais lucrativa. De qualquer forma, em 1542, Duarte Coelho, então governador‑geral, trouxe uma “partida de negros” da Guiné; em 1550, a metrópole autorizou outra partida para Salvador, embora negros escravos chegassem também com o colonizador, como parte de sua “bagagem”. Um alvará de 1559 da metrópole, dirigido ao capitão‑mor da Ilha de São Tomé, autorizava cada senhor de engenho “resgatar” para o Brasil 120 escravos do Congo, pagando um terço dos direitos, ou melhor, dos impostos devidos à Coroa. O comércio de escravos da África para o Brasil continuou prosperando ao longo do século XVI. No entanto, com o domínio espanhol sobre Portugal e, por decorrência, sobre o Brasil, introduziu uma alteração: o fluxo de escravos passou a ser formalmente dirigido para as possessões espanholas no Caribe, pois os impostos representavam a metade do valor daqueles cobrados para partidas destinadas ao Brasil. Nessas condições, o contrabando se tornou a alma do negócio, atendendo à demanda crescente da colonização, apesar do controle espanhol. Em 1587, Gabriel Soares, em seu Tratado Descritivo do Brasil, contabilizava em Salvador uma população de 2 mil europeus, 4 mil negros e 6 mil índios. Muito mais tarde, quando Portugal já havia recuperado suas possessões na África, Padre Antônio Vieira, defensor dos índios contra a escravização, mas dúplice em relação à escravidão negra, sintetizava a situação: “Sem negros não há Pernambuco, e sem Angola não há negros” (HOLANDA, 1960, p. 187). As ambições dos senhores de engenhos, assim como os interesses econômicos da Coroa, os quais Vieira defendia, falavam mais alto que as dores provocadas aos negros “no inferno dos engenhos”. Na medida em que o escravo era visto como fator de produção, sobre ele incidiam os interesses mercantilistas de portugueses, holandeses e espanhóis, e esses mesmos interesses determinavam a origem preferencial dos contingentes, portos de embarque, rotas de navegação e portos de desembarque. Contudo, o controle sobre o comércio de importação e exportação, mantido como privilégio da Coroa e dos portugueses até o final do século XVIII, sofreu alteração substantiva com a abertura dos portos, em 1808, favorecendo os “negociantes” que se enriqueceram com o tráfico, especialmente na Bahia. Verger (1987, p. 9) aponta quatro ciclos de origem dos escravos da Bahia: 1º Ciclo da Guiné, segunda metade do século XVI. 2º Ciclo de Angola e do Congo, no século XVII. 3º Ciclo da Costa da Mina, nos três primeiros quartos do século XVIII. 4º Ciclo da baía de Benin, entre 1770 e 1850, inclusive o tráfico clandestino. 21 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro Portanto, os povos que aportavam no Brasil eram distintos: do Benin chegavam os daomeanos (Daomé, antiga denominação da República do Benin) de língua jêje, sendo que os nagô‑yorubá foram os últimos a chegar. Os bantos, dos primeiros ciclos, falavam o português e se aculturavam mais facilmente, já os que vinham do Benin se mantinham resistentes à aculturação, sobretudo pela presença entre eles de prisioneiros de guerra de nível social elevado, além de sacerdotes ciosos de seu status e de sua religião. Isso significa que foram trazidos à força para o Brasil, na qualidade de escravos milhões de pessoas africanas, de culturas distintas, religiões e línguas distintas. Em três séculos, o trabalho dessa população criou a riqueza da elite brasileira, e a combinação dessas culturas integrou a urdidura da cultura nacional. Para a economia colonial, o aporte do braço escravo era um comércio lucrativo, no qual Portugal, França e Inglaterra tinham interesses, uma vez que as três nações coloniais tinham possessões na África e estavam completamente envolvidas nas tramasda produção mercantil. Além disso, as questões da política europeia, que afetavam a posição de Portugal e suas relações com a Holanda, incidiam diretamente nas condições de operação do sistema comercial. Portanto, as qualificações da “mercadoria” importada eram do conhecimento dos compradores, que faziam exigências sobre a origem do “produto”. Verger (1987) aponta dificuldades em traficar na Costa da Mina, uma vez que os holandeses atacavam as embarcações, fazendo que os preços se elevassem; mesmo assim, os negros da Costa da Mina eram “mais procurados para as minas e engenhos que os de Angola, pela facilidade com que estes morrem”. Contudo, para Portugal, a importação de escravos de Angola se apresentava mais vantajosa, não só porque Angola era possessão portuguesa, mas porque esses escravos se apresentavam mais submissos, menos afeitos às rebeliões. Em uma carta do vice‑rei às cortes, em 1723, consta: “os negros de Angola não servem para o trabalho nas minas, só para trabalho doméstico, para reprimir rebeliões, devem ser tomadas medidas adequadas” (VERGER, 1987, p. 62). Durante o século XVII, fossem portugueses os importadores de escravos, fossem membros da Companhia Geral de Comércio do Brasil, sempre havia a participação do rei de Uidá, interessado em construir uma fortaleza que funcionasse como entreposto do comércio. Entendimentos nesse sentido não chegaram a bom termo devido à oposição dos negociantes baianos. Somente em 1722 o forte foi construído em Uidá, com aprovação e apoio do rei de Portugal, para o comércio de mercadorias e escravos. O forte poderia comprometer o comércio inglês na costa africana, mas a African Royal Company chegou à conclusão de que a obra poderia ser até interessante, pois “eles [os portugueses] podem levar para o Brasil, para trocar por ouro, não somente negros, mas outros produtos que possam desejar” (Ibidem, p. 137). Franceses e holandeses também reagiram à construção do forte. Os primeiros logo perceberam que os vínculos entre Portugal e o rei de Uidá não seriam rompidos facilmente: uma longa troca de presentes e favoritismos havia garantido a preferência pelos lusitanos e, por decorrência, pelos brasileiros. Esse fato demonstra o quanto o africano, ao ser tornado escravo, fora esvaziado de sua humanidade, e, inserido na cadeia de produção mercantil, devia aguardar o embarque em um “entreposto” igualado a outras mercadorias africanas como caroço e óleo de dendê, pimentas etc. Também como mercadoria utilizável, esse ser objeto seria examinado nos mercados e apregoado para venda. Quem o comprasse, na 22 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I qualidade de seu proprietário, adquiria um trabalho em potência, avaliado pelos músculos, canela fina, bons dentes, olhos vivos e procedência. [...] os de Angola são considerados mais trabalhadores; os de Ardra são obstinados, maus, preguiçosos, sem iniciativa e difíceis de adaptar‑se ao trabalho, mas os que, entre eles, são capazes, sobrepassam todos os demais em vivacidade e esforço, de tal modo que parece que os bons e os maus pertencem a nações diferentes. Por isso, no tráfico de Ardra, devem ser bem considerados, porque esse ramo mau faz os Ardras pouco procurados. Além disso, revoltam‑se contra os que os dirigem e muitos fogem para as matas e fazem muitas maldades; são audaciosos e valorosos, não respeitam ninguém. Os Calabares, ainda menos estimados do que os Ardras, de vez que deles não se consegue nem interesse, nem coragem, nem trabalho. Os negros da Guiné até Serra Leoa e do Cabo Verde não são muito trabalhadores, mas são limpos e vivazes, especialmente as mulheres, pelo que os portugueses os compram para fazê‑los trabalhar em suas casas. Os negros que até agora têm vindo de sonho têm sido muito bons e é aconselhável incrementar o tráfico tanto quanto possível com essa região (MOURA, 1981, p. 167). Os critérios diziam respeito a atitudes em face das imposições da escravidão e reações em face da opressão: o desinteresse pelo trabalho, ausência de iniciativa, revolta, fuga e vingança; respostas comuns em situações nas quais o sujeito se vê submetido a trabalhos forçados e em confinamento. Nessa mesma situação, a rebeldia se reveste de coragem e audácia. O que é apontado como desinteresse pode ser lido hoje como depressão ou banzo, doença que contaminou tantos escravos, levando‑os ao suicídio. Basicamente, havia cinco alternativas abertas para o africano desembarcado como escravo no Brasil: a) fugir para as matas, refugiar‑se em um quilombo, enfrentando capitães de mato e a violência do colonizador; b) perambular pelos caminhos e estradas, arriscando‑se a ser pego, mendigar ou roubar, tornando‑se assaltante; c) revoltar‑se, organizar movimentos de controle de cidades, libertando‑se à força; d) submeter‑se ao sistema, suportando as práticas do colonizador; e) explorar estrategicamente as limitadas possibilidades de alcançar a liberdade, ainda dentro do sistema. A história da escravidão registra exemplos de todas essas possibilidades desde o período colonial ao longo do século XIX, mas a situação do negro liberto por força da lei de 1888 apresenta outros contornos. A fuga do cativeiro para formação dos quilombos tem início por volta de 1590, mas há dados anteriores. Para os quilombos, fugiam escravos, índios e brancos pobres de engenhos e fazendas de todo o país. O mais famoso foi sem dúvida o Quilombo dos Palmares, situado na capitania de Pernambuco, hoje um município de Alagoas. Os núcleos populacionais ficavam na Serra da Barriga, eram organizados e relativamente independentes. Nina Rodrigues (1977) caracteriza três momentos distintos na história de Palmares: o período holandês, destruído por Bareo (1644); Palmares da restauração pernambucana, destruído pela expedição de D. Pedro de Almeida; e o Palmares terminal, aniquilado em 1697 por Domingos Jorge Velho. A capacidade de organização, de desenvolver atividades produtivas e de preservar a liberdade como 23 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro princípio fundamental da vida coletiva foram características reconhecidas pelos autores que estudaram essa sociedade alternativa em pleno período colonial. Combinavam‑se ali práticas sociais herdadas dos colonizadores e aquelas trazidas da África, especialmente no que se refere ao exercício do poder no contexto comunitário. Moura (1981), focalizando o Palmares holandês, ilustra três tendências de reação: a primeira, exemplificada pelo próprio Zumbi, seria a de luta e organização; a segunda foi a de participação voluntária na luta ao lado dos portugueses, tendência ilustrada por Henrique Dias e outros; a terceira foi a de se associar aos holandeses, ilustrada por Calabar. O caso de Henrique Dias é emblemático: ele foi comandante do Terço dos Homens Pretos e Mamelucos nas guerras de expulsão dos holandeses de Pernambuco; lutando a favor dos portugueses, como mestre de campo, recebeu o hábito de uma das ordens militares e foi dispensado das ”provanças”, que poderiam impedi‑lo, uma vez que, segundo Silva (2003), as leis “de limpeza de sangue da Península Ibérica determinam que, para ascender à fidalguia ou receber comendas, o requerente deve estar limpo de máculas de sangue mouro, judeu, negro ou índio até a quarta geração de seus ascendentes”. A coroa portuguesa era tão zelosa da “pureza” de sangue quanto era da escravidão, recurso para economia mercantil em que estava inserido o império português; portanto, os critérios de liberalização não constituíam uma regra aplicável a todos os casos, mas uma graça ou mercê concedida pela Coroa. O efeito era mais local que na Corte, onde os agraciados não deixavam de ser vistos com desprezo.Do ponto de vista do agraciado, o título conferia elevação de status social e respeito, não necessariamente riqueza. Enfim, uma prática de assimilação ao mundo dos brancos, de submissão aos valores da cultura colonial em detrimento de sua própria origem. Desse último aspecto, pode‑se depreender o fato de Henrique Dias ter se oferecido para lutar contra o Quilombo dos Palmares e só não foi pela recusa dos vereadores de Salvador. Em 1648, Henrique Dias descreveu seu regimento de homens pretos aos holandeses, mas, segundo Nina Rodrigues, Dias estava possivelmente assustando os destinatários, desmentindo a placidez dos Angola (os bantos), confirmando a ideia de os Mina (nagô e fanti) serem guerreiros, assim como reafirmando a violência e destemor dos ardra (jejês e daomeanos). De quatro nações se compõe este regimento: minas, ardas, angolas e crioulos: estes são tão malévolos que não temem nem devem; os minas tão bravos, que aonde não podem chegar com o braço, chegam com o nome; os ardas tão fogosos, que tudo querem cortar de um só golpe; e os angolas tão robustos, que nenhum trabalho os cansa. Considerem agora se romperão a toda Holanda homens que a tudo romperam (RODRIGUES, 1977, p. 35). A terceira tendência é ilustrada por Calabar, (se mameluco ou mulato, pairam dúvidas), personagem histórica que se posicionou do lado dos holandeses depois de ter participado das lutas a favor dos portugueses. Não há acordo sobre os reais motivos que levaram Calabar a se associar aos holandeses. Contudo, pode‑se aventar a hipótese de que a Holanda representasse a perspectiva de um futuro mais favorável aos negócios que o sistema português, e Calabar não foi o único a adotar essa posição 24 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I colaboracionista. Quanto a caracterizá‑lo por traidor, imagem que ficou na história, vale a pena lembrar que Zumbi foi denunciado para as tropas legais por um dos seus lugares‑tenentes sob a promessa de liberdade (MOURA, 1981). A se julgar por outros momentos, em que a liberdade foi prometida em troca da participação em guerras, como os arqueiros negros do capitão Rodrigo, a promessa não deve ter sido cumprida. Nas condições dadas para sobrevivência no Brasil, não bastava ao africano transportar a experiência de luta trazida da África, não era suficiente a identificação do inimigo, era necessário elaborar um pensamento estratégico combinando a experiência adquirida de sobrevivência e de luta nas selvas africanas com a recusa à submissão ao branco, visando à construção de um futuro, ainda que precário. Por isso a luta contra a escravidão abrangeu práticas distintas, que iam da organização social em quilombos, portanto uma forma coletiva, prevendo sustentabilidade, às práticas grupais de alcance tático, como as guerrilhas, as revoltas localizadas em cidades, a utilização de recursos ou estratégias individuais como a delação, sedução sexual, furtos sistemáticos etc. É preciso sublinhar que a adoção de quaisquer dessas práticas implicou uma concepção estratégica, e um dado nível de consciência de si por parte do grupo ou pessoa envolvida. Três personagens da história brasileira desenvolveram estratégias particulares e, até certo ponto, individuais, de enfrentamento na sociedade colonial, por isso suas trajetórias devem ser mencionadas: Aleijadinho, Xica da Silva e Chico Rei. Antônio Francisco Lisboa, Mestre Antônio ou Aleijadinho, exemplifica no século XVIII a desimportância que lhe era atribuída pelos poderosos de Vila Rica, permitindo ao Mestre ironizá‑los em sua arte. O escultor personifica o processo de articulação ambivalente entre arte e poder de vários exemplos na História: enquanto a arte engrandece o poder e o preserva em uma suposta eternidade, o artista escapa aos poderosos, e tentativas de submetê‑lo só lhe atingem na exterioridade, nas condições materiais de sobrevivência, e não ao seu trabalho. Semelhante raciocínio é aplicável à música popular e também à religião como forma de resistência cultural, a exemplo do Candomblé, a religião dos Orixás. Xica da Silva e Chico Rei abriram espaço no ambiente das Minas Gerais do ciclo do ouro e diamantes, regido pelas regras claras de poder e riqueza, mas que alimentava o avesso de ilegalidades, do qual Chico e Xica se valeram. Ela, senhora de escravos ostentando riqueza, vivendo com o tratador de diamantes João Fernandes, com quem teve 13 filhos, segundo Junia Furtado (2003), foi transgressora dos padrões sociais reservados à mulher negra e pobre. Chico Rei, na origem Galanga, rei do Congo, com suas festas de Congada e Reisados, valeu‑se das normas do sistema para sorrateiramente miná‑lo: foi trabalhar na mina Encardideira e passou a surrupiar ouro com a cumplicidade dos demais escravos. Depois de um tempo, conseguiu assumir as dívidas do dono da mina e se tornou o primeiro negro dono de mina. Com os ganhos auferidos na exploração, passou a comprar a alforria de outros escravos. Ele ampliou o espaço conquistado no âmbito na sociedade colonial ao criar, na Igreja de Santa Ifigênia e Nossa Senhora do Rosário de Alto Cruz, na antiga Vila Rica, em 1747, a primeira festa do Congado, no dia de Reis; festa com danças e ao som de percussão na qual o rei do Congo é coroado. Sob 25 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro a aparência de devoção católica, oculta‑se, preservada, a memória da organização política e da cultura tribal. A festa de Reisados espalhou‑se por Minas, provocando conflitos com a Igreja Católica, com as elites e os governos. Sua trajetória exemplifica a tática de subverter as disposições de poder, abrindo espaços ambíguos na ordem. “O processo descrito a partir da figura de Galanga/Chico Rei é o da negociação, ou da possibilidade de inserção nas instituições, criando a sobrevivência através das brechas do sistema, da dicotomia entre a ordem e a desordem” (HABERT, 2005, p. 27). Sintomaticamente, os quilombos foram organizados em áreas de concentração das atividades econômicas, como em Minas Gerais no século XVIII, nas regiões mineradoras de ouro e diamantes, como forma de resistência à escravidão e ao sistema de exploração adotado. Grupos guerrilheiros se formavam em paralelo aos quilombos, articulados com eles e com os segmentos urbanos da escravaria. O comércio de gêneros de primeira necessidade, de sal, de mercadorias, da produção de alimentos em pequenas propriedades compreendia uma malha de rotas e trilhas extensas, integrando o Rio Grande do Sul, que produzia muares e charque, com o Nordeste, abastecendo as zonas de garimpo com grãos, farinhas, carne, açúcar e cachaça. As tropas carregadas com tais produtos eram presas fáceis dos escravos fugidos, mal integrados nos quilombos, considerados assaltantes ou guerrilheiros, conforme o ponto de vista. Tudo leva a crer que os escravos das vilas, dos povoamentos ou das tropas acabassem por integrar tais grupos, ou simplesmente eles fornecessem informações sobre trilhas seguidas. A violência dos governos só aumentava a resposta igualmente violenta dos grupos que, quilombolas ou guerrilheiros, lutavam contra a escravidão. Embora não houvesse um discurso elaborado de justificativa para a luta, ela se tornou sistemática, expressando a recusa em permanecer escravo; os grupos eram desbaratados, destruídos, mas logo substituídos por outros, apesar da violência crescente dos mecanismos de repressão. As penas aplicadas aos escravos capturados iam do enforcamento e esquartejamento, às chibatadas em praça pública, envio para as galés por prazo indeterminado, às marcas com ferro em brasa no rosto, uso permanente de correntes, máscaras de ferro, e até a proibição de usar roupas de seda, mesmo para os libertos,mas os escravos permaneciam em sua luta. Como o africano fora introduzido no Brasil na qualidade de “fator de produção” da colonização portuguesa de base agroexportadora, essa condição original do contingente o tornava sensível aos fatores e variáveis internos e externos que alterassem a dinâmica dessa economia, suportada basicamente pelo trabalho escravo. Consequentemente, com a autonomia política, a libertação dos cativos se torna uma decisão de política econômica das elites nacionais. Dessa perspectiva, Clovis Moura (1981) focaliza a abolição da escravatura no jogo de causas externas como a pressão política e militar da Inglaterra sobre a economia brasileira, não somente para ampliar o mercado consumidor brasileiro para colocação dos produtos manufaturados na órbita do Império Britânico, como também do interesse britânico na produção do sucedâneo do açúcar. Essas causas externas repercutiam internamente, dando origem, ou mesmo reforçando fatores internos favoráveis à abolição, como: a Lei Euzébio de Queirós (de abolição do tráfico); crise da lavoura do açúcar no Nordeste; surgimento das indústrias e demanda de trabalho; chegada dos imigrantes para trabalho industrial e agrícola; surgimento da lavoura de café, organizada em moldes capitalistas; as campanhas abolicionistas e, inclusive, as lutas dos escravos. 26 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Unidade I Importante assinalar que a incorporação de índios e negros pelo português à economia colonial em construção, na qualidade de força de trabalho necessária nas atividades produtivas e na guerra, implicou reconhecimento e valorização diferenciada: na guerra, embora a participação fosse obrigatória, alguns indivíduos foram distinguidos pela coragem com títulos e privilégios durante a colônia, e com a promessa de liberdade depois da independência; aquele contingente dos que trabalhavam nas atividades produtivas, nos engenhos, fazendas etc. tem valor econômico, individualmente reconhecido sob a forma de preço no mercado, ou no valor da carta de alforria, visto que são, portanto propriedade dos seus senhores. Está subentendida nessa postura a desvalorização de pessoa, tanto dos povos africanos quanto da população indígena, como elemento de uma das diferenciações que sinalizam poder, reconstruídas na sociedade brasileira em formação, seguindo modelo europeu. Indivíduos desses contingentes são tomados sob o critério da utilidade que possam ter em determinada situação ou momento. Esse sentido aparece nas discussões do abolicionismo e nas situações de guerra em que emancipação e alforria surgem como prêmio aos africanos e brasileiros negros que participassem. Finalmente, apesar de a população brasileira ser o resultado da combinação de contingentes populacionais distintos, não desapareceram as diferenciações que valorizam o sinal de poder na cor pele, mas hoje em uma soma algébrica com itens do capitalismo contemporâneo. 2 PeNSAMeNto SocIAl e BrASIl As páginas anteriores descreveram um processo de mais de cinco séculos, durante os quais a população foi assumindo sua nacionalidade brasileira, mas não completamente uma identidade brasileira. Na verdade, parece haver maior preocupação em pensar e comentar as diferenças entre os vários segmentos da formação social que em reconhecer os elementos culturais que constituem o “comum partilhado” de Roraima ao Rio Grande do Sul. Com certeza, pensar o Brasil é pensar a diversidade, mas também pensar a constituição dessa diversidade, processo histórico que abrange a todos. Essa parece ser a grande questão: quem são aqueles que se inserem na simples palavra “todos”? A resposta remeteria a uma modalidade de pensamento que ultrapassaria as diferenças entre os elementos integrantes como fatos para considerar as condições que instalaram a pertinência desses elementos na formação do conjunto de semelhantes. Já discutimos essas condições nesta obra, embora superficialmente, e agora vamos tratar dos assuntos dois quais resultou um processo de individualização do conjunto de população brasileira em uma dada organização política, Estado, que correspondeu à dada nacionalidade, brasileira. Nesse sentido, o pensamento social que se intitulou brasileiro não seria mais pela simples razão de ter sido desenvolvido aqui, mas por tomar como objeto o conjunto da população brasileira e por ter vínculo originário com essa mesma população. Em outros termos, trata‑se da construção discursiva do social a partir da inserção particular na sociedade em formação; o sujeito construtor desse discurso estaria munido de certo instrumental teórico, tornando‑o habilitado para superar o nível das simples opiniões e impressões para pretender remeter o discurso ao campo de um suposto saber. 27 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 04 /0 8/ 20 15 Pensamento social Brasileiro Nas páginas que se seguem, são examinadas as condições de elaboração desse discurso, pressupostos e pretensões que nem sempre o tornaram verdadeiro, bem como algumas variações. 2.1 o pensamento social e a autonomia política brasileira Várias facetas merecem ser realçadas na análise da constituição do pensamento social brasileiro em meio do processo de construção da autonomia política, as quais são comentadas com o foco no processo em que ocorreram: a) a peculiaridade do processo brasileiro de rompimento com o vínculo colonial: apesar de vários movimentos internos favoráveis, a independência se deu em meio a condições internacionais desfavoráveis a Portugal, com a participação do Príncipe Regente e anuência do rei D. João VI; b) o discurso político da independência, de fundamento liberal, contraditava a prática conservadora das elites e do Imperador instalado no trono brasileiro; c) a constituição de 1824 mantinha um quarto poder pessoal e centralizado na figura do Imperador; d) mantinham‑se inalteradas as condições econômicas que emperravam a economia brasileira, o trabalho escravo e o acesso à terra; e) a constituição da elite patrimonial e a utilização de um discurso liberal escravocrata; f) os mecanismos de assujeitamento na preservação da ordem; g) a manutenção da ordem e as raízes do militarismo na política. A discussão da autonomia política estava nos círculos intelectuais de Minas, Bahia, Rio e Pernambuco, e era alimentada com as ideias iluministas de liberdade, independência e racionalidade, pautando‑se no descontentamento com o obscurantismo absolutista português. A Metrópole insistia em uma política de espoliação absolutista, proibia a existência de manufaturas, a circulação de livros e exercia censura; as ideias que passam a circular expressam a necessidade de mudança e pertencem ao ambiente ideológico europeu do final do século XVIII, e, embora sejam historicamente anteriores, são construções das revoluções burguesas. Conquanto sejam ideias coerentes com o capitalismo europeu, elas são inadequadas para pensar uma sociedade em que a maioria da população está fora das relações capitalistas de produção, porque constituída por contingentes de agregados e de escravos. Somente algumas áreas oferecem condições para circulação daquelas ideias, porque a mineração havia propiciado uma vida urbana e a formação de segmentos médios. Nesse quadro econômico e no esmagamento de uma sociedade que parecia apontar para um destino afirmativo está o ambiente capaz de proporcionar elementos para compreender a conjuração de Minas em 1788‑1789, com projetos coerentes e abrangentes de construção de um Estado livre, ao qual só faltou o sentido de realidade organizatória, capaz de transformar um ideal de mudança em verdadeira mudança. Mesmo porque lhe faltou consistência no campo social, detendo‑se antes e apenas no político (IGLESIAS, 1989, p. 13).
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