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a noçao de cultura nas ciências sociais Thitros títu los desta coleção m É tica d a in form ação Daniel Cornu • A D e o n to lo g ia das mídias Clauâe-lean Bertrand • A M u n d ia l i z a ç ã o da • eornunicaçao \n m m l Mattejard Introdução * da comunicação Daniel Bou&wux . O M uJticu ltu ra lJS 1110 Andrea Semprint . a Argum entação na c o m u n ic a ^ 0 phtlipPe Breton a noçao de cultura nas ciências sociais EtíHw* t e U r fn n ld t e t e t a r n t e C an fto Coordenação Editorial Irmã JaeintaTurolo Garcia Assessoria Administrativa lrniãTeresaAna Sofiatti Assessoria Comercial Irmã Áurea de Almeida Nascimento Coordenação da Coleção Verbum Luiz Eugênio Véscio VERBUM a noçao de cultura nas ciências sociais Denys Cuche Tradução Viviane Ribeiro Cuche» D e n n y s A nopão de cultura nas ciência s sociais ISBN 2-7071-2649-7 (arigtM l) Copyright © 1996 Éditions Ia Découverte, Paris Copyright © de tradução 1999 BDUSC Tradução realizada a partir da 1* edição (1996) Oireitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela Editora da Universidade do Sagrado Coração Rua Irmã Arminda, 10-50 Cep 17044-160 - Bauru - SP Fone (014) 235-7111 - Fax 236-7219 e-maiJ; edusc@usc.br Cuclic, Denys. A noção <le cultura nas detidas sociais / Denys Cticbe; tradução de Viviane Uibelro, - - Bauru: EDUSC, 1999- 25óp.; I9ccn. - (Verbum) ISBN 85-86259-5M Inclui bibliografia. Tradução de: La notion de culiure dans les Sciences sociales jpologia cultural. 1.1.TStulo. ll.Série 316. 722/C963n (182159/02) C971n CDD S06 mailto:edusc@usc.br Capítulo 1 - Gênese.social da palavra e da Idéia de cultura 3 7 ® Evolução da palavra m língua francesa da Idade Média ao século XIX 18 * O debate tranco-alemão sobce a cul tura ou a antítese “cultura” - "civilização’ (século XIX - início do século XX) 25 Capítulo 2 - A invenção do conceito científico de cultura 33 ® Tylor e a concepção universalista da cultura 35 o Franz Boas e a concepção particu- larista de cultura 39 * A idéia de cultura entre os fundadores da etnologia francesa 48 Capítulo 3 - O triunfo do conceito de cultura 65 « As razões do sucesso 65 * A herança de Boas: a história cultural 68 e Malinowski e a análise funcional ista da cultura 70 ® A escola “cultura e personalidade” 7-í * As lições da antropologia cultural 86 * LévHJtrauss e a análise estrutural da cultura 95 * Culturalisme e sociologia: as noções de “subcultura” e de “socialização” 99 « A abordagem interadonista da cultura 105 Capítulo 4 - 0 estudo das relações entre as culturas e a renovação do conceito de cultura 109 ® “À superstição do primitivo* 1 10 ^ À invenção do conceito de aculturação 113 « Teoria da aculturação e culruralísmo 120 «■ Roger Bastide e os quadros sociais da aculturação 12a « A renovação do conceito de cultura 136 Capítulo 5 - Hierarquias sociais e hierar quias culturais 143 » Cultura dominante c cultura dominada 144 « As culturas populares 146 * A noção de “cultura de massa” 157 * As culturas de ciasse 160 * Bourdieu e a noção de “habitus" 170 Capítulo 6 - Cultura e identidade 175 « As concepções objetivistas e subje- tivistas da identidade cultural 177 * A concepção relacional e situational 181 * A identidade, um assunto de Estado 1 88 « A identidade multidimensional 192 * As estratégias de identidade 196 * As “fronteiras" da identidade 2< (0 Capítulo 7 - Conteúdos e usos sociais da noção da cultura 203 * A noção de “cultura política" 205 * À noção de “cultura de empresa” 20«) * A “cultura dos imigrantes” 225 Conclusão em forma de paradoxo: um bom uso do rclativismo cultural e do etnocentrismo 237 Bibliografia 2-Í5 yäki-. Introdlffib ~ S É r ff ao de cultura nas ciências sociais “O problema da cultura, ou ainda, das culturas, passa por unia atualização, tanto no plano Inte lectual, devido à vitalidade dò cultúralismu ame ricano, quanto no plano político. Na França, ao menos, nunca se falou tanto de cultura quanto - hoje (com relação à mídia, à juventude, aos imi grantes) e esta utilização da palavra, por mais sem controle que seja, constitui por si mesma um dado etnológico.'' MarcAUGé [1988]* A noção de cultura é inerente à reflexão das ciências sociais. Ela é necessária, aeccn:a~ maneira, para pensaria unidade d!TfiiimanKfãflg~ na diversidade além dos termos bidlõgicBÊp&g parece fòmeceFT tesnosta-iããís^satisfatóda-à questão da diferença entre os povos, uma vez que a resposta “racial” está cada vez mais desa creditada, à medida que há avanços da genética das populações humanas. O homem é essencial mente um ser de cul- tura. O longo processo de hominização, come- çado há mais ou menos quinze milhões de anos, * As referências entre colchetes remetem à bibli ografia no final 9 consistia fundamentalmcnjg—na^passaRem de uma adaptação genencaao meio ambSenre“na(ív ral a uma adaptação culturaljAo longo destaêvo- lução, que resulta no fiom o sapíens saptens, o primeiro homem, houve uma formidável regres são dos instint os, "substituídos“ progressivamen- J:e pela cultura/isto é,por esta adaptação imagi nada e controlada pelo homem que se revela muito mais funcional que a adaptação genética por ser muito mais flexível, mais fácil e rapida mente transmissível. A cultura permite a o ' homem não somente adaptar-se a seu meioT" irias também adaptar este meio ão próprio TioT memja suas necessidades e seus projetos. Em suma, a cultura toma possível a transformação da natureza^ Se todas as "populações" humanas pos suem a mesma carga genética, elas se diferen ciam por suas escolhas culturais, cada uma in ventando soluções originais para os problemas que lhe são colocados. No entanto, estas diferen ças não são irredutíveis umas às outras pois, considerando a unidade genética da humanida de, elas representam aplicações de princípios culturais universais, princípios suscetíveis de evoluções e até de transformações. A noção de cultura se revela então o ins-, trumento adequado para acabar com as explica ções naturalizantes dos comportamentos huma nos. j A natureza, no homem, elntciramente in- terpretada pela cultura. As diferenças que pode riam parecer mais ligadas a propriedades btoló- 10 gicas particulares como, por exemplo, a diferen ça de sexo, não podem ser jamais observadas “em estado bruto" (natural) pois, por assim di zer, a cultura se apropria delas “imediatatnente”: a divisão sexual dos papéis e das tarefas nas so ciedades resulta fundamentalmentc da cultura e por isso varia de uma sociedade para outra.. Nada é puramente natural no homem. Mesmo as junções humanas que corrdffibn- dem a nècêssidaües tislologicãs, como a iome, d^sono, o deseioL-Sexual etc , são in formados pefá'cÚltura^as sociedades não dão exatamen te as mesmas respostas a estas necessidades.^ fortiori n̂ os domínios em que não hã constran gimento biológico,^ os comportamentos são orientados pela cultura Por isso, a ordem; “Seja natural", frequentemente feita às crianças, em particular nos meios burgueses, significa, na realidade: “Aja de acordo com o modelo da cul tura que lhe foi transmitido”. A noção de cultura, compreendida em seu sentido vasto, que remete aos modos de vida e de pensamento, é hoje bastante aceita, apesar da existência de certas ambigãidades.Esra aceitação nem sempre existiu. JPesde seu aparecimento no século yviiT^a jdéia mrvVi-qa de cultura suscitou constantemente debates acirrados J jualquer que seja o sentido preciso que possa ter sido dado à palavra - e não faltaram definições de cultura - sempre subsistiram desacordos sobre sua aplica ção a esta ou àquela realidade. O uso da nocâo de cultura leva diretamente à ordem simbólica, ao 11 f que se refere ao sentido, isco é, ao p o n to so b re o qual é mais (Midi deentrar ein acordo. As ciências sociais, apesar de seu d esejo d e autonomia epistemológica, nunca foram com p le- lamente independentes dos contextosIn telec tuais e linguísticos em que elaboram seu s e sq u e mas teóricos e conceituais. Esta é a razão p ela qual o exame do conceito científico de cultura implica o estudo de sua evolução histórica, d ire tamente ligada à gênese social da idéia m oderna de cultura. Esta gênese revela que, sob as diver gências semânticas sobre a justa defin ição a ser dada à palavra, dissimulam-se desacordos so cia is e nacionais (capítulo 1). As lutas d e defin ição sã o , em realidade, lutas sociais, e o sentido a ser dado às palavras revelam questões sociais fundam en- Assim se pode rettaçar p a ra le lam en te à h is tó r ia da semântica, isto é, à g ên ese das d ife re n te s s ig nificações da noção de cu ltu ra , a h is tó r ia s o c ia l destas significações: as m u d an ças s e m â n tic a s , aparentemente de natureza p u ra m e n te s im b ó li ca, correspondem em realidade a m u d a n ç a s d e uma outra ordem . C o rresp o n d em a m u d a n ç a s na estrutura das relações d e fo rça e n tre , d e u m lado, os grupos sociais n o se io d e u m a m e s m a sociedade e, de outro lado , as s o c ie d a d e s e m r e lação de interação, isto é„ m u d a n ç a s n a s p o s i ções ocupadas pelos d ife ren tes p a rc e iro s in te ressados em definições d ife re n te s d e c u l tu r a tais. Como cscrevet U9Ô7,p.251. 1X Apresentaremos em seguida a invenção propriamente dita do conceito científico de cul tura, implicando a passagem de uma definição normativa a uma definição descritiva. Contra- riamente à noção defSgciétlÍKÍB>rnaÍs ou menos rival no mesmo campo semântico, a noção de cultura se aplica unicamente ao que é humano. E ela oferece a possibilidade de conceber a uni dade do homem na diversidade de seus modos de vida e de crença, enfatizando, de acordo com os pesquisadores, a unidade ou a diversidade (capítulo II), Desde a introdução do conceito nas ciên cias do homem, assiste-se a um notável desen volvimento das pesquisas sobre a questão das variações culturais, particularmente nas ciên cias sociais americanas por razões que não acontecem por acaso e que são analisadas aqui. Pesquisas sobre sociedades extremamente di versas fizeram aparecer a coerência simbólica (jamais absoluta, no entanto) do conjunto das práticas (sociais, econômicas, polí ti ais, religi osas, etc.) de uma coletividade particular ou de um grupo de indivíduos (capítulo m). O estudo atento do encontro das culturas revela que este encontro se realiza segundo mo dalidades muito variadas e leva a resultados ex- tremamenie contrastados .segundo as situações de contato. As pesquisas sobre a “aculturação7’ permitiram ultrapassar várias idéias preconcebi das sobre as propriedades da cuitura e renovar profiindamente o conceito úe cultura.A aculftT 13 ração aparece não como um fenômeno ocasi onal ̂ de_cfeitõsra5viistfflOFes. mas como umâ ' dasjuodalldades habituais da evolução cultural' de_cadaj)o.cie.dadeJcapínilQjy>. \ - ” O encontro das culturas não se produz so mente entre sociedades globais, mas também entre grupos sociais pertencentes a uma mesma sociedade complexa. Como estes grupos são hierarquizados entre si, perccbe-se que as hi erarquias sociais determinam as hierarquias cul turais, o que não significa que a cultura do grupo dominante determine o caráter das cultu ras dos grupos socialmente dominados. As cul turas das ciasses populares não são desprovidas de autonomia nem de capacidade de resistência" (capítulo V). A defesa da autonomia cultural é muito li gada à Dreseaf.àção_éfa tura" e “identidade” são conceitos que remetem a uma mesma realidade. tvista por cloisânguíos diferentes. Uma concepçãq- essencialista da identidade não resiste mais a um exame do que uma concepção essencialista da cultura. A iden- tidade cultural de um grupo s0_PQdfe-seiL.com-, pfêéndida ao se estudar suas relações com os grupos vizinhos (capítulo VI). "X!ínálise*lSíiiral conserva, atualmente, toda a sua pertinência e se revela sempre apta a dar conta das lógicas simbólicas em jogo no mundo contemporâneo, desde que não se negli genciem os ensinamentos das ciências sociais. Não basta tomar emprestado destas ciências a 14 dadc. que esconde frequenianente uma tentati va de imposicão_simbóÜca. Seja no campo polí tico ou religioso, na empresa ou em relação aos imigrantes, a cultura não se decreta; ela não pode ser manipulada como um instrumento vul gar, pois ela está relacionada a processos extre mamente complexos e, na maior parte das ve zes, inconscientes (capítulo VII). Não seria possível, no contexto desta obra, apresentar todos os usos que foram feitos da no ção de cultura nas ciências humanas e sociais.A sociologia e a antropologia foram então privile giadas mas, outras disciplinas recorrem também ao conceito de cultura: a psicologia e sobretudo a psicologia social, a psicanálise, a linguística, a história, a economia, etc. Além das ciências so ciais, a noção é igualmente utilizada, em parti cu lar pelos filósofos. Por não poder ser exaustivo, pareceu-me legítimo concentrar o estudo sobre um certo número de aquisições fundamentais da análise cultural. 15 uma história e, de certa , ^ ............ .....", as palavras fazem a história. Se ^ í Í ^ " ^ i r d a d e i r o para todas as palavras, é parti* cularm ente verificável no caso do termo “cultu ra." . O “peso das palavras”, para retomar uma ex pressão da mídia, é grandemente influenciado p o r esta relação com a história, a história que as fez e a história paca a qual elas contribuem. á As palavras aparecem para responder a al mas interrogações, a certos problemas que se locam em períodos históricos determinados “tn contextos sociais e políticos específicos. N om ear é ao mesmo tem po colocar o problema e, d e certa maneira, já resolvê-io. A invenção da noção de cultura é em si mesma reveladora de um aspecto fundamental da cultura no seio da qual pôde ser feita esta in venção e que chamaremos, por falta de um ter m o mais adequado, a cultura ocidental. Inversa- m ente, é^gnificativo que a palavra“cultura”não tenha equivalente na maior parte das línguas orais das sociedades que os etnólogos estudam habituaim em çjlsto não implica, evidememente (ainda que esta evidência não seja universalmen te compartilhada!) que estas sociedades não te nham cultura, mas que elas não se colocam a 17 _guestâo de saber se têm ou não uma cultura e ajntETmenos de dêHnir suajtmpria cultura^ Por esta razão, se quisermos compreender o sentido atual do conceito de cultura e seu uso nas ciências sociais, é indispensável que se re constitua sua gênese social, sua genealogia. Isto c, trata-se de examinar como foi formada a pala vra, e em seguida, o conceito científico que dela depende, logo, localizar sua origem e sua evolu ção semântica. Não se trata de se entregar aqui a uma análise linguística, mas de evidenciar os Ia- ços que existem entre a historia da palavra “cul tura” e a história das idéias. A evolução de uma palavra deve-sc, de fato, a inúmeros fatores que não são todos de ordem linguística. Sua herança semântica cria uma certa dependência em rela ção ao passado nos seus usos contemporâneos. Do itinerário da palavra "cultura” tomare mos apenas os aspectos que esdareçam a for mação do conceito tal como é utilizado nas ciências sociais. A palavra foi, e continua a ser, aplicada a realidades tão diversas (cultura da ter ra, cultura microbiana, cultura física...) e com tantos sentidos diferentes que é quase impossí vel reTfãçaisaqul sua história completa. Evolução da palavra m língiia fraiicesa da Idade Mpüg ao século XIX ~ É legítimo analisarmos particularmente o exemplo francês do uso de "cultura", pois pare ce que a evolução semântica decisiva da palavra 18 - que permitirá em seguida a invenção do con ceito - se produziu na língua francesa do século das Luzes, antes dese difundir por empréstimo linguístico em outras línguas vizinhas (inglês, alemão). ^ Se o século XVIII pode ser considerado como o período de formação do sentido moder- ! no da palavra, em 1700. no entanto, “cultura” iá é uma palavra antiga no vocabulário francês, j J Vinda do latim cultura que signíficafíTcuigãtRrL ^ dispensado ao camoo ou ao gãtft^ela aparece nos fins do século Xíll para designar uma parce la de terra cultivada (sobre este ponto e os se- ipiintes, ver Bénéton, [1975]). No começo do século XVI, ela não signifi ca mais um estado (da coisa cultivada), mas uma ação, ou seja o fato de cultivar a terra. Somente no meio do século XVI se forma o sentido figu- -rado e “cultura" pode designar então a cultura de uma faculdade.isto é.o feno de trabalhar para desenvolvê-la. r Mas este sentido figurado será pouco conhecido até a metade do século XVII, obtendo pouco reconhecimento acadêmico e não figurando na maior parte dos dicionários da época. Até o século XVTILa evnlnção do conte údo semântico da palavra se deve nrincipalmen- te ao movimento natural da língua e não ao mo vimento das idéias, taue procede, por um lado pelaffnet onftnLc fdacultura como estado à cul tura como ação), por outro lado pelafjnetlforài (da cultura da terra à cultura do espírito), imi- 19 tando nisso seu m tura, consa grado pelo latim dássico no sentido figurado, f O termo “cultura’’ no sentido figurado co- meça a se imoor no século xvill.Ele faz sua cn- ' trada com-este sentido no Dicionário da Acade m ia francesa (edição de 1718) e é então quase sempre seguido de um complemento: lida-se da “cultura das artes", da “cultura das letras”, da “cul tura das ciências”, como se fosse preciso que a coisa cultivada estivesse explicitada. A palavra faz parte do vocabulário da lín gua do ■Duminismq. sem ser, no entanto, muito utilizada^ pelos filósofos^A Enciclopédia, que re serva um longo artigo para a ' cultura das terras”, não dedica nenhum artigo específico ao sentido figurado de “cultura*. Entretanto, ela não o igno ra, pois o utiliza em outros artigos (“Educação*, “Espírito", “Letras", “Filosofia*,“Ciências”) . Progressivamente, “cultura" se libera de seus complementos e acaba por ser empregada só. oara designar a “formação”, a “educação“do . espirito. |l|)epois, em um movimento inverso ao observado anteriormente; passa-se de “cultura* . como ação (ação de instruir) a “cultura" como es tado (estado do espírito cultivado pebi instru ção. estado do indlvBuo “que tem cultura"). Este uso é consagrado, no fim do século, pelo Dici onário da Academia (edição de 1798) que estig matiza “um espírito natural e sem cultura", subli nhando com esta expressão a oposição concei tuai entre “natureza* e “cultunÇ. Esta oposição é fundamental para os pensadores do Huminlstno~ 20 que concebem a cultura como um caráter distin- tivo da espécie humana. A cultura, para eles, é a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade, considerada como totalidade, siQ longo de sua história. No século XVllI.“cultura” é sempre cinpre- gada no singular,o que reflete o universalismo e o humanismo dos filósofos: a cultura é própria do Homemf(com maiuscula), além de toda dis tinção de"povos ou de classes. “Cultura’’se ins creve então plenamente na ideologia do Dunii- nismo: a palavra é associada às idéias de progres so, de evolução, de educação, de razão que estão no centro do pensamento da época, o mrwi. mento iluminista nasceu na Inglaterra, ele en- cõntrousuaiuiguã e seu vocabulário na Franca:. ele terá uma grande repercussão em toda a Eu ropa Ocidental, sobretudo nas grandes metró poles como Amsteixlam, Berlim, Milão, Madri, Lisboa e até São Petersburgo.A idéia de cultura participa do otimismo do momento, baseado na confiança no futuro perfeito do ser humano. O progressojasce. da instrução, isto é.da cultura, cada vez mais abrangente. *Cultura” está então muito próxim a de uma palavra que vai ter um grande sucesso (até maior que o de “cultura”) no vocabulário ftan- cês do século XVTD: “civilização^^As duas palar vias pcrtcncirm ao mesmo campo semãntícqjs^ fletem os mesmas concepções fundamentais. Às vezes associadas, cias não são, no entanto, equi valentes. “Cultura” evoca principalmente os pro- 21 gressos individuais, "civilização", os progressos coletivos. Coma sua homóloga “cultura" e péias mesmas razões, "civilização” é um conceito uni tário c só é usado então no singular. Ela se libe ra rapidamente, junto aos filósofos reformistas, de seu sentido original recente (a palavra apare ce somente no século XVHQ^aue designa o afl- namen tardos costumes, c significãoiua eles o ̂ processo que arranca a humanidade daJgnqrân -^ ciãe da irracional idade .J reconizando esta nova acepção de "civilização”, os pensadores burgue ses reformadores, utilizando-se de sua influência política, Impõem seu conceito de governo da sociedade quê, segundo eles, deve se apoiar na razão e nos conhecimentos. ?A civilização é então definida como um processo de melhoria das, instituições, da leffs- Hacào. da educacão.A civilização é um movimen to longe de estar acabado, que-ê preciso anoiar e que aleta a socidade como um todo, começajt ~ào pelo "Estado, que deve se liberar de tudo o que é ainda mãcionál em seu funcionamento.. Finalmente, a dvilizaçãopode e deve se esten der a todos os oovos que compõem a humani dade. Se alguns povos estão mais avançadt)5~que outros neste movimento, se alguns (a França particularmente) estão tão avançados que já po dem ser considerados como “civilizados", todos os povos, mesmo os mais "selvagens”, têm voca ção para entrar no mesmo movimento de civili zação, e os mais avançados têm o dever de aju dar os mais atrasados a diminuir esta defasagem. 22 “Civilização1̂ tão ligada a esta concepção pro gressista da história que os que se mostram cé- ^Ticõs^com relação a ela, como Rousseau ou Voltaíte, evitarão utilizar este termo por serem minoritários^ não estarem em condições de im por uma outra concepção mais relativista. O uso de “ cultura” e de “civilização "no sé culo XVIU marca então n aparecimento de uma nova concencãofáessacraliziítfoda históriaA filç- _ sofia-(da~históriaLse_libera da teologia (da histó ria). As idéias otimistas de progresso, inscritas nas noções de "cultura" e "civilização" podem ser consideradas como uma forma dé(sucedânei^de esperança religiosa. A partir de então, o homem „ está colocado no centro da reflexão e no centro do universo. Aparece a idéia da possibilidade de uma "ciência dohomem”; a expressão é emgre- gada pela primeira vez por Diderot em 1755 Çno artigo "Enciclopédia" da lincyctopédie). E, em 1787, Alexandre de Chavannes cria o termo “et nologia” ,^ue_eje^^ne_çoino^_disap|ii^_gjK ~~esiuriã a “história dos progressos dos povos em dir e to à civilização". ) O debate franaE-alemão sobre a cultura ou a rfhtítêst?Ycultura’1 - “civilização" (século XÍX - início tio século XX) Kuitur no sentido figurado aparece na lín gua alemã no século XVIII e parece ser a trans- posiçãoexãta da palavra f rance sa,;Q prestígio da língua francesa - o uso do francês é então a 23 marca distintiva das classes superiores na Ale manha - e a influência do pensamento Iluminis- ta são muito grandes na época e explicam este empréstimo linguístico. No entanto, Kuitur vai evoluir muito rapi damente em um sentido mais restritivo que sua homóloga francesa e vai obter, desde a segunda metade do século XVIII, um sucesso de publico que “cultura” não teria ainda, já que “civilização” era a preferida no vocabulário dos pensadores franceses, Conforme explica Norbert Elias [19391, este sucesso é jievidoà adoção do ter mo pela burguesia intelectual alemã e ao uso .que ela faz dele na sua oposição àliristocrada _da corte. De ‘Jato, contrariamente à situação fran cesa, burguesia e aristocracia não têm laços es treitos na Alemanha. A nobreza é relativamenteisolada em relação às classes médias, as cortes principescas são muito fechadas, a burguesia é afastada, em certa medida, da qualquer ação po lítica. Esta distância social alimenta um certo ressentimento, sobretudo entre muitos intelec tuais que, na segunda metade do século, vão opor os valores chamados “espirituais”, ba seados na ciência, na arte, na filosofia e também na religião, aos valores “corteses”da aristocracia. A seus olhos, somente os primeiros são valores autênticos, profundos; os outros são superficiais e desprovidos de sinceridade. Estes intelectuais, frequentemente saídos úo meio universitário, criticam os príncipes que governam os diferentes Estados alemães, por 24 abandonar as artes e a literatura e consagrar a maior parte de seu tempo ao cerimonial da cor te, preocupados demais em imitar as maneiras ‘ civilizadas" da corte francesa. Duas palavras van Ihpç permitir Hffjnif ffitfl-flpOliiça ̂ sistemas de valores: tudo o que é autêntico e que IfõntriDUi para o enriquecimento intelec- ~tual e espintual será considerado como vindo arcüininírab' corífrSHO, OTjue ti KOIMttltí apa rência brilhante, leviandade, refinamento super- ficial, pertence á civilização^ A cultura se opoe então à civilização como r profundidade se opõe à superficialidade. Para a inteüigenlsia burguesa alemã, a nobreza da corte, se ela é ci vilizada, tem singularmente uma grande falta de cultura. Como o povo simples também não tem esta cultura, a InteMgentsia se considera de cer ta maneira investida da missão de desenvolver e fazer irradiar a cultura alemã. Por esta tomada de consciência, a ênfase da antítese *cultura" • “civilizacào" se deskxST p o uco a oouco da oposição social para a oposi ção nacional [Elias, 19391 . Diversos fatos con vergentes vão permitir este deslocamento. De um lado, reforça-se a convicção dos laços estrei tos que unem os costumes civilizados das cor tes alemãs à vida de corte francesa, e isto será denunciado como uma forma de alienação. Por outro lado, aparece cada vez mais a vontade de reabilitar a língua alemã (a vanguarda intelec tual se expressa somente nesta língua) e de de finir, no domínio do espírito, o que é especifica- 25 mente alemão. Como a unidade nacional alemã não estava ainda realizada e não parecia possível então no plano político, a intelligentsia que tem uma kléia cada vez mais forte de "missão na cional”, vai procurar esta unidade no plano da cultura. A ascensão progressiva desta camada so cial anteriormente sem influência que conse guiu fazer-se reconhecer como porta-voz da consciência nacional alemã transforma então os dados e a escala do problema da antítese “cultu ra" - “civilização". Na Alemanha, às vésperas da Revolução Francesa, o termo^eivUiZSicao" perde ~sua cohòtaçao aristocrática alemã e passa aevo- car a França e, de uma maneira geral, as potên cias ocidentais. Da mesma maneira, a “cultura", de marca distintiva da buiguesia intelectual ale- mã no século XV111, vai ser convertida, no séai- lo XIX, em marca distintiva da nação aJemã intei- T u jps traços carãHénstícos^ da classe intelec tual, que manifestavam sua cultura, como a sin ceridade, a profundidade, a espiritualidade, vão ser a partir de então considerados como especi- ficamente alemães. Atras desta eyolução^se esconde, segundo Elias, um mesmo mecanismo psicòlõgicO ligado a um sentimento de inferioridade^ idéia. aieímt) de cultura é criada pela classe média que duvi- da dela mesma, que se sente mais ou menos aff- jada db poder e das honras e' que procura pâra si uma outra formaclê"legitimidade sodal.-ffisten- dida à “nação" alemã, ela participa da mesma in- 26 1 certeza, ela é a expressão d e um a c o n sc iê n c ia / nacional que se questiona sobre o c a rá te r e sp e - cífíco do povo alem ão q u e n ão co n seg u iu a in d a i sua unificação política. D iante d o p o d e r d o s Es- / fados vizinhos, a França e a In g la te rra em parti- f cular, a “nação’’alemà, en fraq u ec id a p e la s d iv i sões políticas. esiácelada em m últip lo s p r in c ip a dos, procura afirm ar sua ex istência g lo rif ic an d o s. sua cultura. Esta é a razão pela qual a n o ção a lem ã d e K ultur vai tender, cada vez mais, a p a r ti r d o s é culo XIX, para a delim itação e a c o n so iid^Ç^0 das diferenças n a c io n a is^ rata-se en tã o d e u m a noção particularista q u e se o p õ e à n o ç ã o fran cesa universallsta de “civilização", q u e é a ex»~ pressão cie um a nação cuja u n id ad e n ac io n a l aparece com o conquistada h á m u ito te m p o . Já em 1774, m as d e maneira a in d a rela tiva- m ente isolada, Johann G ottfried H erder, e m u m texto polêm ico fundam ental, ç m n o m e d o “g ê - nio nacional” de cada p o vo (V ulfesgeíst), to m a ra , partido pela d iversidade d e cu ltu ras, r iq u e z a d a hum anidade encontra o universalism o un ifo rm í- . zame d o fluminismo^qu e e le co n siderava e m p o - breccdor. Diante dk> q u e ele v ia c o m o u m im p e rialismo in telectual da filosofia fran cesa d o Hu- minismo, H erder p re te n d ia d ev o lv er a c a d a povo seu orgulho, co m eçan d o p e lo p o v o a le mão. Para Herder. n a realidade, cad a , p o v o , atra vés de sua cultiiKLPrópria. tem um d e s tin o e s p e cífico a realizar, Pois cada cu ltu ra e x p r im e ã su a maneira um aspecto d a hum anidade~jSua co n - 27 ccpção de cultura caracterizada pela desconti- nuidade,.quenão excluía» no eiUanto. uma posp sível comunic ação- mtre-os povos, era baseada em Uma outra filosofia da bistórta: (título de seu livro de 1774), diferente da.filosofia do llu- minismo jpor isso, Herder pode ser eonsitler a t^ com iustica. Drecut^OTdÕTOn«ito relativistã^cle . “cultura^ “Foi Herder quem nos abriu os olhos' sobre as culturas’ [Dumont, 1986, p. 134]. Depois da derrota na batalha de lena, em 1806, e a ocupação das tropas de Napoleão, a consciência alemã vai conhecer uma renovação do nacionalismo que se expressará através de uma acentuacâo da interpretação particularista d a r n lh i ra -a lp m ã ln e s f o r r o n a ra d e f in ir n~“r^ rá - ter alemão”se intensifica. Não é somente a qrigi- nalidade, na singularidade absoluta, da cultura alemã oue é afirmada, mas também sua supe- _ rioridade.\ Desta afirmação, certos ideólogos concluem que existe uma missão específica do povo alemão com relação ã humanidade. -n A idéia alemã de cultura evolui então pou- f co no século XIX sob a influência do nacionalis- j mo. Ela se liga cada vez mais ao conceito de “na- xjção". A cultura vem da alma, do gênio de um povo. A nação cultural precede e chama a nação política. A^eultura aparece como um coniunto de conquistas artísticas, intelectuais e morais que constituem o patrimônio de uma nação, considerado coHra^adquirido definitivamente e fundador de sua unichróle. \ Estas conquistas do espírito não devem ser confundidas com as realizações técnicas, ligadas ao progresso industrial e emanadas de um rad- onalísmo sem alma. De maneira cada vez mais marcada ao longo do século XIX, os autores ro mânticos alemães opõem a cultura, expressão da alma profunda de um povo, à civilização de finida a partir de então pelo progresso material ligado ao desenvolvimento econômico e técni co. Esta idéia essencíalista e particularista da cultura está em perfeita adequação com o con ceito étnico-racial de nação • comunidade de in divíduos de mesma origem - que se desenvolve no mesmo momento na Alemanha e que servirá de fundamento à constituição do Estado-nação alemão [Dumont, 19911- -------Na França, a evolução da palavra no sécu lo Xia e um pouco diferente. Um certo inferes- se nos círculos cultos pela filosofia e a r letras alemãs,\em pleno desenvolvimento contribuiu talvez para ampliar a acepção da palavra france sa. “Cultura* se enriqueceucom uma dimensão coletiva e não se referia mais somente ao désen- _ volViWRnto intelectual do indivíduo. Passou a designar também um conjunto de caracteres prbpnõs dc uma~comunidàde, mas em um sen tido gerálmente"vasto e impreciso- Encontrà-se expressões como “cultura francesa* (ou alemã) ou “cultura da humanidade11. “Cultura” está mui to próxima da palavra “civilização” e às vezes é substituível por ela. ......... ' 29 O conceito francês continua marcado neta *J2ZS3SSSS: . "—:..... ..- séculos xvm e XIX na Frãríçã,Tíá a continuida- de do pensamento imiversalista.̂ A cultura, no sentido coletivo, é antes de tudo a “cultura da humanidade". Apesar da influência alemã, a Idéia de unidade suplanta a consciência dajji- vcrsidade: além das diferenças oue se oode ot> ""servar entre "cultura alenia^e^cultura francesa”, há a unidade da “cultura humana” . Em uma céle- b rc^con^ên^^Ò nunciaaà na Sorbonne em 1882,O que é uma nação?, Ernest Renan afir- mava sua convicção; "Antes da cultura francesa, da cultura alemã, da cultura italiana, existe a cul tura humana Os particularismos culturais são minimiza- dos. OsTnteÍmuãjs1iiIõ*a3inlitem a concepção dê^iuna cultiira nacional antes de' tudo, assim como recusam a oposição feitapelõs"alemães entre “ cultura’’ e “ civilização" .(A idéia univetsalis- ta francesa da-cultura-acomoanha a concepção eletivajdc nação; surgida na Revolução: pérten- cem à nação francesa, explicará Renan, todos os que se reconhecem nela, quaisquer que sejam s suas origens. cultura (no sentido em que eles a entendem), os 30 francesèp replicam pretendendo ser os cam- t^õg^clacivilizaçíio^-isto explica o rriZEivo tlF- clínio, no inicio do sÊculo XX, na França, do uso de "cultura" na sua acepção coletiva, pois a ide ologia nacionalista francesa deveria se diferen ciar daramente, até em seu vocabulário, de sua rival alemã. No entanto, o conflito das palavras se prolongará até depois do fim do conflito das armas, revelando uma oposição ideológica pro funda que não se pode reduzir a uma simples propaganda de guerra. O debate franco-alemão do século XVIII ao século XX e jarquetípicSylas duas concep ções de cultura, uma "patorafarista, a outra uni- versalista, que estão na base das duas maneiras 'de definir o conceito de cultura nas ciências so ciais contemporâneas. 31 I i ]1 A Invenção do Conc4W lF Científico de C u h ^ ^ V ’ k Ü i i ’ iQjliSa^iljd^^ciilo XIX, a adoção de um âffientb- positivo na reflexão sobre o ho- a sociedade resulta na criação da soci ologia e da etnologia como disciplinas científi cas, .^ctrioiogíãi por sua vez, vai tentar dar uma resposta qhjetlva. à^vEfeTjUEsiãtrdraiversidadc humatiã^Coitio pensar a especifícídadFliümáiia ~nãTiivlSrsldade dos povos e dos " costume i T o ei cTs os fundadores da etnologia ciendflSTpgrti- Iham'um mesmo postulado■ o postulado da uni dade db Kõmem. herança da filosofia do Ilumi- nismq^ Rara eles, a dificuldade será então pensar a diversidade na unidade^ Mas com a questão (»locada desta manei ra, eles não podem se contentar com uma res posta biológica. Se eles reivindicam uma nova ciência, é para dar uma outra explicação à diver sidade humana, diferente da existência de “ra ças" diferentes. Dois caminhos vão ser explora- dos simultânea e concorrentcmcrilE pfcidü êtlió- logos: o quê privilegia a umaade e minimiza a di versidade, reduzindo a uma diversidade “tempo rária", segundo um esquema evolucionista; e o outro caminho que, ao contrario, dá toda a im- portância à diversidade, preocupando-se^m cfê1* 33 monstrar que ela não é contraditória com a uni dade fundamentai dá huffianidilders— -----* Um conceito vai emergir como instrumen to privilegiado para pensar este problema e*ex- nlorar as diferentes respostas d o ssTveTs; <3~con- ceito de “cultura”.A palavra está em voga, mas é "utilizada, na maior parte dos casos, tanto na França quanto na Alemanha, com um sentido ^normativo Os fundadores da etnoloeia yao lhe dar um conteúdo puramente d e sc r it i^ iNãolse trata, para eles, assim como para os filósofos, de o aue dève ser a cultura, mas de descrever o que ela.é, tal como aparece nas .sociedades humanas. No entanto, a etnologia iniciante não esca pará completamente às ambiguidades e não se livrará facilmente de Julgamentos de valor ou de implicações ideológicas.. Mas por se tratar de uma disciplina que começava a se constituir e por isso mesmo não podería exercer uma in fluência determinante no campo intelectual da época, permitiu que uma reflexão sobre a ques- tão da cultura escapasse, em parte, à prõlilémá- tica do debate passionai que opuiíha “cuTnirã” e "civilização" e conservou uma relativa autono mia epistemoTogica.\ A Introdução do conceito de cultura se fará com desigual sucesso nos diferentes países onde nasce a eliniítima.Tõr outro lado, ião ha verá entendimento entre as diferentes "escolas” sobre a questão de saber se é preciso utilizar o conceito no singular (a Cultura.) ou no plural) 34 , Tylor e a concepção universalista da cultura A primeira .definição etnológica_d£-£iiltu- ra é devida ao antropólogo britânico Edward itirnettTvlor 11832 ■ 1917): ' " '^ t~ V T 7 Cultura e civ ilização , tomadas em seu sentido etnológico mais vasto, são um conjunto comple xo que inclui o conhecimento, as crenças, a \ arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade [1871, p. 1]. > ™ Esta definição, dara e simples, exige, no en tanto, alguns comentários. Pode-se ver que ela pretende ser ouramente descritiva y objetiva e ao normativa?Por outro lado, ela rompe com a? definições restritivas e individualistas de cultu- raTpara tVIor, a cultura e a expréssão tia totalida d e da vida social do homenrif Ela se caracteriza por sua dimensão çoíetiva.Enfim, a cuitura é ad quirida e não depende da hereditariedade biòlo- giea. No entanto, se a cultura é adouiridalsua ongem e seu caráter são, em gnmdo-o:ictg._in- sonscientes.i Se Tylòr é o primeiro a propor uma defini ção conceituai de cultura, ele não foi exatamen te o primeiro a utilizar o termo em etnologia. 35 Ele mesmo, no uso que faz desta palavra, foi in fluenciado dirctamente por etnólogos alemães que lera e, sobretudo por Gustave Klemm que, de acordo com a tradição romântica germânica, utilizava Kultur com um sentido objetivo, prin- cipalmcnte por se referir à cultura material. Para Tylor, a hesitação entre “cultura” c “ci vilização’̂ característica do contexto da época. Se ele privilegia iinalmente “cultura”, é por com preender que “civilização”, mesmo se tomada em um sentido puramente descritivo, perde seu caráter dc conceito operatório desde o momen to em que é aplicado às sociedades “primitivas". A etimologia da palavra civilização remete à constituição das cidades e o sentido que a pala vra tomou nas ciências históricas designa prin cipalmente as realizações materiais, pouco de senvolvidas nessas sociedades. “Cultura”, para Tylor, na nova definição dada, tem a vantagem de ser uma palavra neutra que permite pensar toda a humanidade e romper com uma certa abordagem dos “primitivos” que os transforma va em seres à parte. Não é surpreendente que a invenção do conceito deva-se a Edward Tylor, livre pensador, para quem sua condição minoritária de quaker fechara as portas da universidade inglesa. Ele ti nha fé na capacidade do homem de progredir e partilhava dos postulados evolucionistas de seu tempo. Ele não duvidava tampouco da unidade psíquica da humanidade, que explicava as simi litudes observadas em sociedades muito dife- 36 rentes: segundo ele, em condições idênticas, o espírito humano operava em toda a parte de maneira semelhante. Herdeiro do Iluminismo, ele aderiu igualmente a concepção universalista da cultura dos filósofos do século XVIII. Ele tentava conciliar em uma mesma expli cação a evolução da culturae sua universalida de. Em seu livro Cultura Primitiva, lançado em 1871 e logo em seguida traduzido em francês (em 1876), obra considerada como o momento em que é fundada a etnologia enquanto ciência autônoma,Tylor examina as “origens da cultura’ (título do primeiro tomo) e os mecanismos de sua evolução. Ele foi o primeiro etnólogo a abor dar efetivamente os Mos culturais sob uma óti ca geral e sistemática. Ele foi também o primei ro a se dedicar ao estudo da cultura em todos os tipos de sociedade e sob todos os aspectos, ma teriais, simbólicos e até corporais. Após um temporada passada no México, Tylor elaborou seu método de estudos da evolu ção da cultura pelo exame das "sobrevivências” culturais. No México, ele pudera observar a coe xistência de costumes ancestrais e traços cultu rais recentes. Pelo estudo das “sobrevivências”, ele pensava que deveria ser possível retomar ao conjunto cultural original e reconstituí-lo. Gene ralizando este princípio metodológico, chegou à conclusão de que a cultura dos povos primiti vos contemporâneos representava globalmente a cultura original da humanidade: ela era uma sobrevivência das primeiras fases da evolução 37 cultural, fases pelas quais a cultura dos povos ci vilizados teria passado necessariamente. O método de exame das sobrevivências le vava logicamente à adoção do método compara tivo que Tyior introduziu então na etnologia. Para ele, o estudo das culturas singulares não poderia ser feito sem a comparação entre elas, pois estavam ligadas umas às outras em um mo vimento de progresso cultural. Pelo método comparativo, ele tinha como objetivo estabele cer ao menos uma escala grosseira dos estágios da evolução da cultura.lyior desejava provar a continuidade entre a cultura primitiva e a cultu ra mais avançada. Contra os que estabeleciam uma ruptura entre o homem selvagem e pagão e o homem civilizado e monoteísta, ele se esfor çava para demonstrar o elo essencial que os unia e a inevitável caminhada do selvagem em direção ao civilizado. Entre primitivos e civiliza dos, não há uma diferença de natureza mas sim plesmente de grau de avanço no caminho da cultura. Tyior combateu com ardor a teoria da degeneréscência dos primitivos, inspirada por teólogos que não podiam imaginar que Deus ti vesse criado seres tão “selvagens”, teoria que permitia não reconhecer nos primitivos, seres humanos como os outros. Para ele, ao contrário, todos os humanos eram totalmente seres de cul tura, e a contribuição de cada povo para o pro gresso era digna de estima. Pode-se perceber que o evolucionismo de Tyior não excluía um certo sentido da relativida- 38 dc cultural, rara na sua época. Além do mais, sua concepção do evolucionismo não em nada rígi da: ele não estava totalmente persuadido que houvesse um paralelismo absoluto na evolução cultural das diferentes sociedades. Por isso, ele considerava também, em certos casos, a hipóte se difusionista.Uma simples similitude entre tra ços culturais de duas culturas diferentes não era suficiente, segundo ele, para provar que elas es tivessem situadas no mesmo nível da escala de desenvolvimento cultural: poderia ter havido uma difusão de uma em direção à outra. Oe uma maneira geral, fiel a seu desejo de objetividade científica, ele se mostrava prudente em suas in terpretações. Devido a sua obra e suas preocupações me todológicas, Edward Tyior é considerado, com justiça, o fundador da antropologia britânica. É alias a ele que se deve o reconhecimento desta ciência como disciplina universitária: ele se tor naria em 1883, na Universidade de Oxford, o pri meiro titular de tuna cátedra de antropologia na Grã Bretanha. Franz Boas e a concepção paiticuiarista de cultura Se Tyior é o “inventor”do conceito científi co de cultura, Boas será o primeiro antropólogo a fazer pesquisas in situ para observação direta e prolongada das culturas primitivas Neste sen tido, é cie o inventor da etnografia. 39 Franz Boas (1858 - 1942) era oriundo de uma família judia alemã de espírito liberal. Sen sível à questão do racismo, ele mesmo font víti ma do anti-semitismo de alguns de seus colegas de universidade. Estudou em diversas universi dades da Alemanha, primeiramente cursando fí sica, depois matemática e finalmente geografia (física e humana). Esta última disciplina o levou à antropologia. Em 1883 - 1884, ele participou de uma expedição entre aos Esquimós da terra de Baffin. Ele partiu como geógrafo, com pre ocupações de geógrafo (estudar o efeito do meio físico sobre a sociedade esquimó) e perce beu que a organização social era determinada mais pela cultura do que pelo ambiente físico. Retornou à Alemanha decidido a se consagrar, a partir de então, principalmente à antropologia. Em 1886, Boas partiu novamente para a América do Norte, desta vez para realizar pes quisas etnográficas de campo sobre os índios da costa noroeste, na Colúmbía Britânica. De 1886 a 1889, passou longas temporadas entre os Kwakiutl, os Chínook e os Tsimshian. Em 1887, decidiu estabelecer-se nos Estados Unidos e adotar a nacionalidade americana. Toda a obra de Boas é uma tentativa de pensar a diferença. Para ele, a diferença funda mental entre os grupos humanos é de ordem cultura] e não racial. Formado em antropologia física, manifestou um certo interesse por esta disciplina, mas dedicou-se a desmontar o que constituía, na época, sua conceito central: a no- 40 ção de “raça*. Em um estudo de grande reper cussão, feito sobre uma população dc imigran tes chegados aos Estados Unidos entre 1908 e 1910 (no total 17 821 pessoas), demonstrou, re correndo ao método estatístico, a extrema rapi dez (o espaço de uma geração apenas) da varia ção dos traços morfológicos (em particular a forma do crânio) sob a pressão de um ambiente novo. Segitpdo ele, o conceito pseudocienttfico de “raça humana", concebida como um conjun to permanente de traços físicos específicos de um grupo humano, não resiste a um exame rigo roso. As pretensas "raças” não são estáveis, não há caracteres raciais imutáveis. É então impossí vel definir uma “raça” com precisão, mesmo re correndo ao chamado método das médias. A ca racterística dos grupos humanos no plano físico é a sua plasticidade, sua instabilidade, sua mesti çagem. Por suas conclusões, ele antecipava as descobertas posteriores da genética das popula ções humanas. Por outro lado, Boas também se dedicou a mostrar o absurdo da idéia de uma ligação entre traços físicos e traços mentais, dominante na época e implícita na noção de “raça“. Pará ele, era evidente que os dois aspectos dependiam de análises completamente diferentes. E, precisa mente por se opor a esta idéia, ele adotou o con ceito de cultura que lhe parecia 0 mais apropria do para dar conta da diversidade humana. Para ele, não há diferença de “natureza" (biológica) entre primitivos e civilizados, somente diferen- 41 ças de cultura, adquiridas e logo,não inatas. É cla ro que pata Boas, conttariamente à idéia de mui tos, o conceito de cultura não funciona como um eufemismo do conceito de “taça”, pois ele o construiu predsamente para opor-se a esta idéia. Ele foi um dos primeiros cientistas sociais a abandonar o conceito de ‘‘raça’ na explicação dos comportamentos humanos. Ao contrário de Tylor, de quem ele havia no entanto tomado a definição de cviltura, Boas tinha como objetivo o estudo ‘das culturas"c não ‘da Cultura”. Muito reticente em relação às grandes sínteses especulativas, em particular à teoria evolucionõsu uniUncar então dominante no campo intelectual, apresentou em uma co municação de 1896, o que considerava os ‘limi tes do método comparativo em antropologia”. Ele recusa o comparatismo imprudente da maioria dos autores evolucionistas. Para de, ha via pouca esperança de descobrir leis universais de funcionamento das sociedades e das culturas humanas e ainda menos chance de encontrar leis gerais da evolução das culturasEle fez uma crítica radical do chamado método de “periodi zação” que consiste em reconstituir os diferen tes estágios de evolução da cultura a partir de pretensas origens. Boas duvidava também, e pelas mesmas razões, das teses difusionistas baseadas em re construções pseudo-históricas. De maneira ge ral, ele rejeitava qualquer teoria que pretendes se poder explicar tudo. Preocupando-se com o 42 rigor científico, ele recusava qualquer generali zação que não pudesse ser demonstrada empi ricamente. Cético, mais analista do que teórico, ele nunca teve a ambição de fundar uma esco la de pensamento. \ Pelo contrário, ele ficará na história da an tropologia como fundador do método indutivo e intensivo de campo. Boas concebia a etnolo gia como uma ciência de observação direta: se gundo ele, no estudo de uma cultura particular, tudo deve ser anotado, até o detalhe do detalhe. Na sua preocupação de contato com a realida de, não apreciava muito o recurso a informan tes- O etnólogo, se ele quer conhecer e com- pteender uma cultura, deve aprender a língua em uso. E, ao invés de apenas realizar entrevis tas formais em maior ou menor grau - a situação de entrevista pode modificar as respostas -,deve estar atento principalmente a tudo o que se diz nas conversas “espontâneas”, e acrescenta, até “escutar atrás das portas".Tildo isso supõe que se permaneça por longo tempo junto à popula ção cuja cultura estâ sendo estudada. Em certos aspectos, Boas é o inventor do método monográfico em antropologia. Mas, como ele levava ao extremo sua preocupação com o detalhe e exigia um conhecimento exaustivo da cultura estudada antes de qualquer conclusão geral, não realizou nenhuma mono grafia no sentido pleno do termo. Ele chegava mesmo a pensar que toda descrição sistemática de uma cultura comporta necessariamente uma 43 dose de especulação. E era precisamente isso que ele não se permitia fazer, apesar de ter ade rido à idéia de que cada cultura forma um todo coerente e funcional. Devemos a Boas a concepção antropológi ca do "reiatívismo cultural", mesmo que não te nha sido ele o primeiro a pensar a relatividade cultural nem o criador desta expressão que apa recerá apenas maís tarde. Para ele, o relativism o cultural é antes de tudo um princípio metodoló gico. A fim de escapar de qualquer forma de et- nocentrismo no estudo de uma cultura particu lar, recomendava abordá-la sem a priori, sem aplicar suas próprias categorias para interpretá- la, sem comparã-la prematuiamentc a outras cul turas. Ele aconselhava a prudência, a paciência, os "pequenos passos” na pesquisa. Tinha cons ciência da complexidade da cada sistema cultu re e julgava que somente o exame metódico de um sistema cultural em si mesmo podería che gar ao fundo de ma complexidade. Além do princípio metodológico, o relati- vismo cultural de Boas implicava também uma concepção re[ativista da cultura. De origem ale mã, formado em diversas universidades alemãs, ele não poderia não ter sido influenciado pela noção particularista alemã de cultura. I îra ele, cada cultura é única, específica. Sua atenção era espontaneamente voltada para o que fazia a ori ginalidade de uma cultura. Quase nunca, antes dele, as culturas particulares tinham sido objeto de tal tratamento autônomo por parte dos pes- 44 quisadores. Para ele, cada cultura representava uma totalidade singular e todo seu esforço con sistia em pesquisar o que fazia sua unidade. Dai sua preocupação de não somente descrever os fatos culturais, mas de compreendê-los jqntan- do-os a um conjunto ao qual eles estavam liga dos. Um costume particular só pode ser explica do se relacionado ao seu contexto culturat.Tra- ta-se assim de compreender como se formou a síntese original que representa cada cultura e que faz a sua coerência. Cada cultura é dotada de um “estilo" parti cular que se exprime através da língua, das cren ças, dos costumes, também da arte, mas mio ape nas desta maneira. Este estilo, este “espírito” pró prio a cada cultura influi sobre o comportamen to dos indivíduos. Boas pensava que a tarefo do etnólogo era também elucidar o vínculo que liga o indivíduo à sua cultura. Sem dúvida há um vínculo estreito entre o relativism« cultural como princípio metodológi co e como princípio epistemológico levando a uma concepção relaíivista da cultura. A escolha do método de observação sem preconceito, prolongada e sistemática, de uma entidade cul tural determinada leva progress! v a men re a con siderar esta entidade como autônoma. A trans formação de uma etnografia de viajantes 'que apenas passam”em uma etnografia de estada de longa duração modificou completamente a apreensão das culturas particulares. 45 No fim da sua vida, Boas insistia em outro aspecto do relativismo cultural. Um aspecto que poderia talvez ser um princípio ético que afirma a dignidade de cada cultura e exalta o respeito e a tolerância em relação a culturas diferentes. Na medida em que cada cultura exprime um modo único de ser homem, ela tem o direito à estima e à proteção, se estiver ameaçada. Considerando a obra de Boas em sua rica diversidade e nas inúmeras hipóteses sobre os fatos culturais que ela propõe, descobre-se nela o anúncio de toda a antropologia cultural norte- americana que virá a ser desenvolvida. Etnocentrismo A palavra tbi criada pelo sociólogo americano Willian G. Summer e apareceu pela primeira vez em 1906 em seu livro Foíkways. Segundo sua definição “o etnocentrism o é o term o técni co para esta visão das coisas segundo a qual nosso próprio grupo é o centro de todas as coi sas e todos os outros grupos são medidos e ava liados em relação a d e J...1. Cada grupo alimen ta seu próprio orgulho e vaidade, considera-se superior, exalta suas próprias divindades e olha com desprezo as estrangeiras. Cada grupo pen sa que seus próprios costumes (folktvays) são os únicos válidos e se ele observa que outros grupos tem outros costumes, encara-os com desdém." (citado por Simon [1993, p. 57]) 45 A atitude assim descrita parece bem universal, sob formas diversas segundo as sociedades Conto escreveu Lévè-Strauss, os homens têm sempre dificuldade de encarar a diversidade das culturas como um “fenômeno natural, resul tante das relações diretas ou Indiretas entre as sociedades" 11952] .A maioeia-dos povos chama dos de “primitivos” considera que a humanida de acaba em suas fronteiras étnicas ou linguís ticas e é por isso que eles se denominam fre- qíientemente usando um etnônimo que signifi ca, segundo o caso, “os hom ens”, “os excelem tes”ou ainda “os verdadeiros", em oposição aos estrangeiros que não são reconhecidos como seres humanos completos. Quanto às sociedades chamadas “históricas”, elas têm a mesma dificuldade para conceber a idéia da unidade da humanidade na diversidade cultural. O mundo greco-romano antigo qualificava de “bárbaros “todos os que não participavam da cultura greco-romana. Em seguida, na Europa Ocidental, o term o “selvagem "será utilizado no mesmo sentido, para jogar para fora da cultura e, em outras palavras, da natureza, os que não pertenciam à civilização ocidental, Com esta atitude, os “civilizados” se com portam então exatamente como os “bárbaros” ou os “selva gens”, No final das contas, não estaríamos no direito de pensar, como LévÍ-Straussque“o bár baro é primeiramente o homem que acredita na barbárie” [1952]? 47 O etnocentrism o pode tomar formas extremas de intolerância cultural, religiosa e até política. Pode também assumir formas sutis e racionais. No domínio das ciências sociais, pode-se agir com o se houvesse o reconhecim ento do fenô m eno da diversidade cultural e ao mesmo tem po conceber a variedade das culturas como uma simples expressão das diferentes etapas de um único processo de civilização. Deste modo, o evolucionismo do século XIX, ao imaginar os "estágios” de um desenvolvimento socialunili near, permitia a classificação das culturas parti culares em uma mesma escala de civilização. A diferença cultural, nesta perspectiva, era so mente uma aparência: ela estaria condenada a desaparecer, cedo ou tarde. Em ruptura total com esta concepção, a antro pologia cultural introduz a idéia de relatividade das culturas e de sua impossível hierarquização a p r io r i. £ ela recomenda, para escapar a qual quer etnocentrism o na pesquisa, a aplicação do m étodo de observação participante. A Idéia de cultura entre os fundadores da etnologia francesa Em relação a seus vizinhos, a França mani festa uma originalidade no desenvolvimento das ciências sociais. É na França que nasce a socio logia como disciplina científica. Mas, paradoxal- 43 mente, este pioneirismo vai provocar um atraso na fimdação da etnologia francesa. Em um pri meiro momento, pode-se dizer que a sociologia ocupa todo o espaço da pesquisa-sobre as soci edades humanas. A etnologia - seria mais corre to dizer a etnografia - está então reduzida ao sta- tus de ramo anexo da sociologia. A ‘questão so cial” domina e oblitera a ‘questão cultural”. Uma constatação; a ausência cio conceito científico de cultura no início da pesquisa francesa Na França, no século XIX c no começo do século XX, nas ciências sociais, os pesquisado res se conformavam com o uso iingüistico en tão dominante e usavam correntemente o ter mo “civilização”, já consagrado pelos historia dores e praticamente nunca o termo “cultura” num sentido coletivo e descritivo. Apesar de es tarem informados sobre os trabalhos científicos alemães, eles recusavam geraltnente a tradução de Kultur por sua homóloga francesa e prefe riam “civilização”. Do mesmo modo, a obra de Tylor, Primitive Culture teve uma certa reper cussão na comunidade científica na França, mas o título da versão francesa foi: La Civüisation Primitive (d Civilização Primitiva). O termo “cultura” para os pesquisadores franceses continuava geralmente ligado a sua acepção tradicional no campo intelectual naci onal: ele se referia unicamente ao campo do es- pírito e só era compreendido em um sentido eli tista restrito e em um sentido individualista (a cultura de uma pessoa‘culta*). É evidente que o contexto ideológico pró prio da França do século XIX bloqueou o surgi mento do conceito descritivo de cultura. So ciólogos e etnólogos estavam eles mesmos mui to impregnados do universalismo abstrato do Ilumimsmo para pensar a pluralidade cultural nas sociedades humanas dissociada da referên cia à"civilização*. É certo que o contexto histó rico não levava a uma interrogação sobre esta questão. A epopéia colonial se fazia em nome da missão “ dvíli zatória" da França. A rivalidade e os conflitos com a Alemanha opunham dois na cionalismos que se serviam das noções de Kultur e de "civilização* como armas de propa ganda. Enfim, o Estado-nação francês, confronta do ao rápido desenvolvimento da imigração es trangeira no último terço do século XIX, adota va uma política cultural claramente assimila- cionista destas populações, de acordo com o modelo centralista que já havia produzido seus efeitos sobre as culturas regionais do país. Na etnologia francesa iniciante, o que cha ma a atenção é a ausência de conceito de cultu ra. Seria necessário atingir o desenvolvimento de uma etnologia de campo, nos anos trinta, para que seu uso começasse a aparecer, espe cialmente entre os pesquisadores africanistas, como Marcei Griaule ou Michel Leiris.A etnolo gia adquire naqueles anos uma certa autonomia 50 em relação à sociologia e constrói seus próprios instrumentos conceituais. A confrontação direta e prolongada com a altcridade e a pluralidade das culturas favorece o surgimento do conceito de cultura através da introdução de um certo re- lativísmo cultural. Mas este surgimento do conceito se dá apenas progressivamente na França e, inclusive na literatura etnológica, "civilização3’ resistirá e chegará, às vezes, a ser utilizada indistintamente com o termo cultura, até os anos sessenta. A obra clássica de Ruth Benedict, Pattems o f Culture seria traduzido em 1950 com o titulo (infeliz sob qualquer ponto de vista) de Amos tras de civilizações. Durkheim e a abordagem unitária dos fatos de cultura Emile Durkheim (1858 - 1917)» por uma curiosa coincidência, nasceu no mesmo ano que J /Tinz Boas. Como Boas na antropologia americana, Durkheim ocupará tuna posição "fundadora" na antropologia francesa. Mais so ciólogo do que etnólogo, Durkheim não deixa va, no entanto, de desenvolver uma sociologia com orientação antropológica. De fato, tinha como ambição compreender o social em todas as suas dimensões e sob todos os seus aspectos, inclusive na dimensão cultural, através de todas as formas de sociedade. 51 Com a criação em 1897 da revista O Ano Sociológico, Durkheím contribuiu para fundar a etnologia francesa e assegurar seu reconheci mento nacional e internacional. A revista publi cou, em suas sucessivas edições, numerosas mo nografias etnográficas e diversas resenhas de obras etnológicas, em geral estrangeiras. Durkheim não utilizava quase nunca o conceito de cultura. Em sua própria revista, “cul tura” em língua estrangeira era quase sempre traduzida por “civilização". Mas, se ele recorria apenas excepcionalmente ao conceito de cultu ra, não era por se desinteressar pelos fenôme nos culturais. Para ele, os fenômenos sociais têm necessariamente uma dimensão cultural pois são também fenômenos simbólicos. Durkheim contribuiu muito para extrair do conceito de civilização os pressupostos ideológicos implícitos em maior ou menor grau. F.m uma “Nota sobre a noção de civilização”, re digida conjuntamente com Marcei Mauss e lan çada em 1913, ele se esforçava para propor uma concepção objetiva e não normativa da civiliza ção que incluía a idéia da pluralidade das civili zações sem enfraquecer, com isso, a unidade do homem. Para ele, não havia dúvida de que a hu manidade é uma, que todas as civilizações parti culares contribuem para a civilização humana. Ele não concebia diferenças de natureza entre primitivos e civilizados. Mauss, que partilhava do pensamento de Durkheím com quem manti- 62 nha uma estreita colaboração, era ainda mais ex plícito desde 1901: A civilização de um povo não é nada além de um conjunto de seus fenômenos sociais; c fklar de povos incultos, “sem civilização*, de povos “naturais* Q iaturvõ lker), é falar de coisas que não existem (O A n o Sociológico, tomo IV, 1901, p . 141). O famoso artigo, escrito por Durkheim e Mauss em 1902,Algumasformas prim itivas de classificação, pretendia demonstrar que os pri mitivos são perfeitamente aptos para o pensa- mento lógico. Durkheim não mudará a respeito deste ponto. Mais tarde, em As Formas elemen tares da vida religiosa, ele confirmará sua posi ção inicial, recorrendo pela primeira vez à no ção de cultura: [...], o pensamento conceituai é contem porâ neo da humanidade. Nós nos recusamos então a vê-lo como utn produto de uma cultura tardia em maior ou menor grau [1912], Se Durkheim partilhava de certos aspectos da teoria evolucionista, ele recusava, no entan to, suas teses mais redutoras e sobretudo a tese do esquema unilinear de evolução que seria co mum a todas as sociedades. Em uma resenha de um livro alemão que tratava da "psicologia dos povos”, ciência então muito em voga na Alema- I 53 nba, Durkheim escreveria, em desacordo com a tese centrai da obra que apresentava a idéia de um futuro idêntico para toda a humanidade: Nada nos autoriza a acreditar que os diferentes tipos de povos vão todos no mesmo sentido; al guns seguem caminhos muito diversos. O de senvolvimento hum ano deve ser ilustrado não sob a fornia de uma linha em que as sociedades viriam se colocar umas depois das outras como sc as mais avançadas não fossem senão a conti nuação e a sequência das mais rudimentares, mas comouma árvore com ramos múltiplos c divergentes. Nada nos diz que a civilização de amanhã será apenas o prolongamento da exis tente atualmente pata um a mais elevada; talvez, ao contrário, ela terá como agentes povos que n<5s julgamos inferiores com o a China, por exemplo, e que lhe darão uma direção nova e inesperada (O Ano Sociológico, tomo XII, 1913, p. 60 - 61). O pensamento de Durkheim era então im pregnado de uma grande sensibilidade cm rela ção à relatividade cultural, que provinha de sua concepção geral da sociedade e da normalidade sodai. Ele abordava esta questão adotando uma atitude relativistara normalidade é relativa a cada sodedade e ao seu nível de desenvolvimento. Sua concepção da normalidade pretendia ser pu ramente descritiva e baseada em uma espécie de "média" própria a cada tipo de sociedade. 54- Anos mais tarde, em 1929, em um estilo mais polêmico e mais explícito, Mauss prolonga ria o pensamento de Durkheim, em uma confe rência sobre "as civilizações”: Os homens de Estado, os filósofos, o público, e sobretudo os jornalistas, falam da civ ilização . Em período nacionalista, a c iv ilização , é sem pre a sua cultura, a de sua nação, pois eles ig noram geralmente a civilização dos outros. Em período racionalista e geralmente universa lis la e cosmopolita [...] a C iv iliza ção constitui uma espécie de estado de coisas ideal e real ao m es mo tempo, racional e natural simultaneamente, causal e final num mesmo momento, que seria liberado aos poucos por um progresso indubi tável Esta perfeita essência nunca foi nada além de um mito, de uma representação coletiva. Esta crença unive rs alista e nacionalista ao mesmo tem po é um traço de nossas civilizações inter nacionais e nacionais do Ocidente Europeu e da América não indígena [1930, p. 103 ■ 104], Para m an te r su a p ró p r ia lógica, D urkheim ch eg o u a p riv ileg iar u m uso flexível d a noção d e civilização q u e e le fazia fu n c io n a r c o m o um c o n ce ito "de g eom etria variável", Na, N o ta sobre a n o ção de c iv iliz a ç ã o , e sc rita com Mauss, e le se ded icava a tira r a n o ç ã o d a genera lidade im p rec isa q u e a carac terizava en tão e a dar-lhe u m a c o n te ú d o c o n ce itu a i o p e ra tó rio :“a" civiüza- 55 ção não se confunde com a humanidade e seu futuro, tampouco com uma nação em particu lar; o que existe, o que se pode observar e estu dar, são diferentes civilizações. E é preciso en tender “civilização" como um conjunto de fenômenos sociais que não estão ligados a um organismo social particular; estes fenômenos se estendem sobre ãreas que ultrapassam um ter ritório nacional, ou ainda se desenvolvem em períodos de tem po que ultrapassam a história de uma só sociedade [1913, p, 47]. Esta definição levava à teoria difusionista a noção de“área"e ao mesmo tempo, introduzia na teoria evoludonista a noção de “período", mes mo que Durkheim se opusesse às reconstituições históricas imprecisas das duas escolas. Preocupa do em fundar um método rigoroso de estudo dos tatos sociais, d e apenas reconhecia como válido o procedimento empírico e recusava qualquer forma de comparatísmo especulativo. Não se deve procurar junto a Durkheim uma teoria sistemática da cultura. Sua reflexão sobre a cultura não forma um conjunto unifica do A preocupação centrai de sua obra era deter minar a natureza do vínculo social. No entanto, sua concepção da sociedade como totalidade orgânica determinava sua concepção de cultura ou de civilização: para ele, as civilizações consti tuem “sistemas complexos e solidários’’. 86 Contra as teses individualistas que ele refu tava por serem dominadas pelo psicologismo, Dtifkheim afirmava a prioridade da sociedade sobre o indivíduo. Sua concepção dos fenôme nos era feita, no entanto, do mesmo holismo me todológico Km As Ikyrmus Elementares da Vida Religiosa, sobretudo, mas desde O Suicídio (1897), ele desenvolvia uma teoria da “consciên cia coletiva” que é uma forma de teoria cultural. Para ele, existe em todas as sociedades uma “consciência coletiva", feita das representações coletivas, dos ideais, dos valores e dos sentimen tos comuns a todos os seus indivíduos. Esta consciência coletiva precede o indivíduo, im põe-se a ele, é exterior e transcendente a ele: há descontinukladc entre a consciência coletiva e a consciência individual, e a primeira é “supe rior” à segunda, por ser atais complexa e inde terminada. É a consciência coletiva que realiza a unidade e a coesão de uma sociedade. As hipóteses de Durkheim sobre a cons ciência coletiva seguramente exerceram uma influência sobre a teoria da cultura como “super organismo” de Alfred Kroeber |1917]. Pode-se também fazer uma aproximação entre a noção de consciência coletiva - à qual Durkheim atri buía características espirituais - e as noções de pattern cultural e de "personalidade básica" pró prias aos antropólogos culturalistas americanos. O próprio Durkheim utilizava às vezes a expres são “personalidade coletiva", em um sentido muito próximo da "consciência coletiva”. 57 Se o conceito de cultura é praticamente ausente da antropologia de Durkheün, isto não o impediu dc propor interpretações dos fenô menos frcqüentemente chamados de “culturais" pelas ciências sociais. Lévy-Bruhl e a abordagem diferenciai Ainda que a obra de Lucien Lévy-Bruhl (1857 -1939) não tenha tido a mesma repercus são ou exercido a mesma influência que a obra de Durkheim, pode-se observar que na seu iní cio, através de dois de seus fundadores, a etno logia francesa hesitava entre duas concepções de cultura, uma unitária, a outra, diferencial. A confrontação destas duas concepções em um debate científico às vezes acirrado, contribuiria muito para o desenvolvimento da etnologia francesa. É legítimo considerar Lévy-Bruhl como um dos fundadores da disciplina etnológica na França. Be fato, ele foi um dos primeiros pesqui sadores a consagrar uma grande parte de seus trabalhos ao estudo das culturas primitivas. Além do mais, no plano institucional, é a ele que devemos a criação, em 1925, do Instituto de Et nologia da Universidade de Paris, onde será for mada a primeira geração de etnólogos de cam po sob a responsabilidade de Marcei Mauss e de Paul Rivet,a quem ele confiou o secretariado ge ral do Instituto. 58 Desde 1910, com o livro As Funções Men tais nas Sociedades inferiores, Lévy-Bruhl colo ca ã diferença cultural no centro de sua refle xão. Ele se interroga sobre as diferenças de "mentalidade” que podem existir entre os po vos. Esta noção de "mentalidade” não era muito distante da acepção etnológica de "cultura", ter' mo que ele praticamente não utilizava. Todo esforço de Lévy-Bruhl consistia em refutar a teoria do cvoludonismo unilinear e a tese do progresso mental. De uma maneira ge ral, ele se opunha à própria idéia de "primiti vos”, ainda que ele mesmo tivesse utilizado este termo várias vezes, devido ao contexto da épo ca. Para ele, os indivíduos das sociedades de cul tura oral não eram “crianças grandes” que teriam o mesmo tipo de interrogações que os “civiliza dos”, vistos como adultos, dando a estas ques tões respostas ingênuas, “infantis”. Na Mentali dade Primitiva, ele afirmava: [Sc] a atividade mental dos primitivos (não for maisj interpretada a príori como uma forma ru dimentar da nossa, como infantil c quase pato lógica, [...] ela aparecerá ao contrário, como normal nas condições em que é exercida, com o complexa e desenvolvida à sua maneira [1922, p.15- 16]. Lévy-Bruhl contestava também uma certa concepção de unidade do psiquismo humano 59 que implicava um modo único de funcionamen to. Ele não partilhava das teses de Tylor sobre o animismo dos primitivos (paraTylor, o animismo constituía a forma mais antiga de crença rdigio- sa, isto é, a crença na existência e na imortalida de da alma e, logo, em seres espirituais,baseada na interpretação dos sonhos): ele criticava sua insistência excessiva para demonstrar o caráter “razoável” desta crença. Pelas mesmas razões, ele discordava de Durkheim. criticando-o por que rer provar que os homens têm, em todas as so ciedades, uma mentalidade “lógica" que obede cería necessariamente às mesmas leis da razão. Por outro lado, Durkheim não admitia a distinção que Lévy-Bruhl estabelecia entre "mentalidade primitiva" e “mentalidade civiliza da”. Mas a crítica que ele fazia em 1912, em sua resenha, para O Ano Sociológico, do primeiro li vro de Lévy-Bruhl sobre esta questão, foi marcar da por um evolúcionismo bastante redutor Estas duas formas de mentalidade humana, p o r mais diferentes que sejam, ao invés de derivar de origens diferentes, nasceram uma da outra e são dois momentos de um a mesma evolução. Estas discordâncias entre Lévy-Bruhl e seus pares eram apenas a expressão de um de bate científico muito animado sobre a questão da alterídade e da identidade culturais. A este de bate, Lévy-Bruhl trouxe uma importante contri- 60 buição. Pode-se então perguntar as razões que levaram esta contribuição a ser mal compreen dida, deturpada, rejeitada c finalmente esqueci da em sua maior parte. Dominique MerUié [1993] responde a es ta pergunta e propõe uma nova leitura, sem o a prim i, deste autor. Contraríamente à apresen tação que é comumente feita de sua obra, ela não é etnocentrista. Foi assim qualificada para ser mais desacreditada enquanto todo o esforço de Lévy-Bruhl consistia justamente em uma ten tativa de pensar a diferença a partir de catego rias adequadas. Mas esta tentativa entrava em contradição com o universalismo (abstrato) do Iluminismo e seus princípios éticos que serviam de referência à maioria dos intelectuais france ses do início do século. O que chamamos de tese de Lévy linihl era apresentada por ele mesmo como uma “hi pótese de trabalho”* como nos lembra Mcrllié. Se ele tentava dar conta da diferença das menta lidades, isto não o impedia de afirmar a unidade psíquica humana. Para ele, a unidade da humani dade era mais fundamental que a diversidade. O conceito de “mentalidade primitiva” (“pré-lógi ca”) não era nada além de um instrumento para pensar a diferença. Seu procedimento, que se servia explicitamente das pesquisas de campo, era tudo, exceto dogmático. Aliás, segundo este autor, a diferença não exclui a comunicação entre os grupos huma- 61 nos, que continua possível devido ao fato de pertencerem a uma humanidade comum. Não há então um corte absoluto entre as diferentes * mentalidades", que não são feitas de lógicas contraditórias. O que difere entre os grupos são os modos de exercicio do pensamento e não suas estruturas psíquicas profundas . Lévy-Bruhl pensava também que “mentali dade pré-lógica" e “mentalidade lógica” não são incompatíveis e coexistem em todas as socieda des; mas a preeminência de uma sobre a outra pode variar segundo os casos, o que explica a di versidade de culturas. Recorrendo ao conceito de “mentalidade”, ele não afirmava que os siste mas de representações e os modos de raciocí nio no interior de uma mesma cultura formam um conjunto perfeitamente estável e homogê neo. Mas pensava indicar assim a orientação ge ral de uma dada cultura. O conceito de “mentalidade” não chegará a se impor entre os etnólogos, talvez por causa das criticas injustas contra Lévy-Bruhl que não estão dissociadas das críticas dirigidas mais tarde aos culturaUstas, como observa Dominique Merllié: Há talvez alguma coisa de comparável na for m a de descrédito um pouco sistemático que atingiu os trabalhos dos “cultiiralistas*. Lcvy- Bruhl esboça, aliás, análises muito próximas das dos antropólogos cultural istas (...] |1993, nota 26, p. 7]. 62 A noção de “mentalidade” terá maior su cesso junto aos historiadores, sobretudo os da escola conhecida como “d e sA n n a le sÉ verda de que esta noção foi utilizada por eles em uma acepção geralmente menos globalízante e me nos psicologizante, já que em geral, eles estavam interessados na diferenciação social em uma mesma sociedade. 63 3 O Triunfo do Concej de Cultura S p S Iu ã o menos a idéia de cul- L u íii^ ip S iiF ã pesquisa sistemática sobre o Emento da cultura em geral ou das cul turas em particular não se desenvolve de forma igual em todos os países em que a etnologia co meça a progredir. O conceito recebe sua melhor acolhida nos Estados Unidos e na antropologia americana, ele vai conhecer seu aprofundamen to teórico mais notável. Neste contexto científi co particular, a pesquisa sobre a questão da ou das culturas é verdadeiramente cumulativa e não terá nenhum declínio. Isto é tão verdadeiro que folar de antropologia americana ou de “an tropologia cultural* é praticamente o mesmo. A consagração científica de “cultura” é tanta nos Estados Unidos que o termo é adotado rapida mente em seu sentido antropológico pelas disciplinas vizinhas, sobretudo a psicologia e a sociologia. As razões do sucesso A pesquisa científica não é totalmente in dependente do contexto no qual é produzida. Ora, o contexto nacional americano é bem espe cífico, comparado aos contextos nacionais euro- 65 p eu s . O s E stados U nidos sem p re se considera ram um país d e im ig ran tes d e d ife ren te s o rigens cu ltu rais. N os E stados U nidos a im igração funda e p re c e d e e n tã o a n ação q u e se re c o n h e c e n a ção p lu rié tn ica . O miro nacional americano, segundo o qual a legitimidade da cidadania é quase ligada à imigração - o americano é um imigrante ou um descendente de Imigrantes - é a base de um mo delo de integração nacional original que admite a formação de comunidades étnicas particula res. A vinculação do indivíduo à nação se dã pa ralelamente à participação reconhecida em uma comunidade particular; esta é a razão pela qual a identidade dos americanos foi chamada por al guns de “identidade com hífen”:pude-se de fato ser “ítalo-americano”, “polono-americano”, “ju deu-americano”, etc. Daí resulta o que se pode chamar de “federalismo cultural” [Schnapper, 1974] que permite uma certa continuidade das culturas de origem dos imigrantes, não sem transformações, devidas ao novo ambiente so cial. É preciso observar, no entanto, que o mito americano leva a considerar os índios, que não são, por definição, imigrantes, e os Negros, cuja imigração foi forçada, como não sendo total- mente americanos. Pelas mesmas razões históricas, a sociolo gia americana nascente privilegia a pesquisa so bre o fenômeno da imigração e das relações in- terétnicas. Os sociólogos da Universidade de Chicago, primeiro centro de ensino e de divul- 66 gação da sociologia nos Estados Unidos, colo cam no centro de suas análises a questão dos es trangeiros na cidade, contribuindo assim paia promover um campo de estudos essencial para as sociedades modernas. Este campo só se de senvolverá e obterá um certo reconhecimento muito tardio na Fiança na década de setenta. Ao contrário dos Estados Unidos, a França nâo se via como um pais de imigração, no entanto ela se tomou isso, de forma maciça e estrutural des de a segunda metade do século XIX. A represen tação unitária de nação, unida à exaltação da ci vilização francesa, concebida como modelo uni versal, explica em parte o fraco desenvolvimen to da reflexão sobre a diversidade cultural nas ciências sociais na França durante muito tempo. Ao contrário, o contexto próprio dos Estados Unidos favoreceu uma interrogação sistemática das diferenças culturais c dos contatos entre as culturas. A an tro p o lo g ia a m e rican a será fre q u e n te m e n te qualificada, às v ezes co m u m a c o n o tação pejorativa , d e “cu ituralista* .Tom ado n o singular, o ad je tivo p a re c e re d u to r : na realidade, não ex is te um cu ltu ra lism o am erican o , m as cultura- ltsm os q ue ,
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