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Disciplina: Profª Drª Michelle Dias Bublitz Direito de Greve A GREVE é o recurso mais eficaz assegurado ao trabalhador no sentido de obter a tão propalada equivalência entre as partes do Direito Coletivo do Trabalho. Constitui modalidade típica de AUTOTUTELA ou, em outras palavras, exercício direto das próprias razões, o que, em regra, é vedado pelo direito, mas permitido em relação à greve. Se o empregador é um ser coletivo por natureza, detendo enorme poder sobre a classe operária (v.g., poder empregatício, poder potestativo de demitir etc.), é preciso que o obreiro também tenha algum instrumento capaz de intimidar o empregador, para que ambos possam negociar em relativo pé de igualdade. E este instrumento é a greve, alçada à condição de direito fundamental pela CF/88, nos seguintes termos: Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Toda tentativa de definição de um instituto importa o estabelecimento de limites a suas manifestações reais. Como bem sustentou o professor português Antônio Monteiro Fernandes, “definir greve [...] é sempre restringir o direito de greve” (Direito de greve — notas e comentários à Lei 65/77, de 22 de agosto. Coimbra: Almedina, p. 17). De fato, pode-se formar um trocadilho no sentido de que qualquer definição de greve a tornará menos grave. O legislador ordinário, partindo da ideia de que a greve é um direito, preferiu defini-la em conformidade com seus atributos, vale dizer, como “a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador” (veja-se o art. 2º da Lei n. 7.783/89). A seguir ... Vídeo Youtube: “Greve é grave”, Mario Sergio Cortella. https://www.youtube.com/watch?v=wNBgmGkIBHw https://www.youtube.com/watch?v=wNBgmGkIBHw 1. CONCEITO O conceito legal de greve é dado pelo art. 2º Lei 7.783/1989 (Lei de Greve), transcreve-se: Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador. Em primeiro lugar, somente se pode falar em greve se o movimento for coletivo. Não é greve a paralisação de um único empregado, indignado com as condições de trabalho a que é submetido. Trata-se de um movimento coletivo por natureza. Observa-se uma frequente confusão acerca da natureza da greve, tendo em vista que, por um lado, trata-se de direito individual do trabalhador, e, por outro, não pode ser exercido individualmente. De fato, o direito pertence ao trabalhador, que individualmente escolhe participar da greve ou não. Porém, a greve só pode ser exercida coletivamente. Exatamente em virtude de tal hibridismo, o professor Homero Batista Mateus da Silva sugere que “a melhor forma de se enxergar a greve é defini-la como um direito individual, mas que apenas se exerce coletivamente” (Curso de Direito do Trabalho aplicado: Direito Coletivo do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, vol. 7, p. 257). Quanto ao critério temporal, somente há se falar em greve se a sustação do trabalho for temporária. Se os empregados abandonam suas atividades em definitivo não teremos uma greve, e sim um abandono de emprego em massa. É neste sentido que Tarso Genro (Contribuição à crítica do Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1989, p. 46, apud VIANA, Márcio Túlio. “Greve.” In: BARROS, Alice Monteiro de (coord.). Curso de Direito do Trabalho: estudos em memória de Célio Goyatá. 3. ed. São Paulo: LTr, 1997, vol. II, p. 719) afirma que a greve pressupõe uma proposta de restabelecimento da normalidade rompida. Por fim, somente haverá greve lícita se forem utilizados meios pacíficos, sendo que a ordem jurídica repele qualquer tipo de violência contra o empregador, seja ela pessoal ou patrimonial, ou ainda contra colegas de trabalho que eventualmente não concordem com o movimento grevista. A punição dos responsáveis pelos abusos está prevista na CF/88 (art. 9º, § 2º), no sentido de que “os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”, e também na Lei de Greve, nos seguintes termos: Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal. Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito. 2. SUJEITOS O sujeito ativo da greve é a categoria profissional, representada, em regra, por sua associação sindical (veja-se o art. 4º da Lei n. 7.883/89). O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve. Destaque-se, porém, que, na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores interessados atuará excepcionalmente para fins de deliberação sobre a greve, constituindo comissão de negociação. Note-se que, na forma do art. 5º da lei ora em exame, “a entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho”. O sujeito passivo da greve será o empregador, singularmente considerado, ou o grupo de empregadores, diretamente ou por meio de representação sindical. Quando a greve envolve serviços ou atividades consideradas essenciais, a comunidade torna-se também, embora obliquamente, sujeito passivo do evento aqui analisado. Diz-se “obliquamente” porque a greve não deveria, em rigor, atingir terceiros, mas apenas o patronato, contra quem, em caráter excepcional, admite-se o prejuízo em nome do (r)estabelecimento do diálogo. 3. OBJETIVO Pode-se dizer que o principal objetivo da greve é abrir as negociações entre trabalhadores e empregador. Esta é a greve típica. Entretanto, não só questões econômicas ou melhoria das condições de trabalho constituem o escopo dos movimentos grevistas. Há também as greves de cunho político, bem como as chamadas greves de solidariedade, entre outros motivos aceitáveis. Seria um exemplo de greve política o movimento geral deflagrado por uma ou mais categorias visando pressionar o governo a estimular a normatização de questões de interesse da classe obreira. Por sua vez, é exemplo de greve de solidariedade aquela levada a efeito como forma de apoiar o pleito de outra categoria ou grupo. Embora a doutrina e a jurisprudência tendam a repelir as greves que não objetivem a melhoria direta das condições econômicas ou das condições de trabalho dos empregados, Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 1.317) observa que a CF/88 não restringiu o direito, mas, ao contrário, alargou sua abrangência, ao dispor que compete “aos trabalhadores a decisão sobre a oportunidade de exercer o direito, assim como decidir a respeito dos interesses que devam por meio dele defender” (art. 9º, caput). 4. EFEITOS DA GREVE SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO Em princípio, a deflagração da greve suspende o contrato de trabalho. Neste sentido, o art. 7º da Lei de Greve: Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho. Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14. Recorde-se que a suspensão do contrato de trabalho pressupõe a sustação temporária das principaisobrigações contratuais das partes (prestação de serviços, pagamento de salários e contagem do tempo de serviço). Por sua vez, o empregador não pode demitir o empregado grevista durante o movimento, a uma porque o contrato encontra-se suspenso (o que impede a rescisão contratual, conforme o art. 471 da CLT), e a duas porque a própria Lei de Greve assim dispõe no parágrafo único. Ainda como efeito da greve, em leitura ao art. 7º antes transcrito, observamos que há menção a possibilidade de rescisão contratual ou contratação de trabalhadores substitutos quando houver presentes as hipóteses previstas nos arts. 9º e 14 – ABUSIVIDADE. Há que se tomar muito cuidado quando se fala em greve abusiva, pois esta corresponde à “não greve”. Assim como uma cooperativa não forma vínculo de emprego com seus associados se for realmente cooperativa (art. 442, parágrafo único, da CLT), a relação de estágio não forma vínculo de emprego com o concedente se for realmente estágio (art. 15 da Lei nº 11.788/2008), a greve protege o trabalhador somente se for realmente greve. Surge aqui para o empregador o direito de contratar substitutos sempre que a greve for abusiva: Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento. Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo. A caracterização da abusividade da greve é tratada pelo art. 14 da Lei de Greve, transcreve-se: Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho. Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que: I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição; II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho. Se a greve é pacífica, entretanto, o empregado não poderá ser punido simplesmente por ter participado dela, ainda que ao final seja julgada improcedente em sede de dissídio coletivo. Neste sentido, a Súmula 316 do STF: Súm. 316. A simples adesão à greve não constitui falta grave. Em que pese o efeito normal de suspensão contratual, nada impede sejam os efeitos da greve modulados em sede de negociação coletiva. Aliás, é o que normalmente ocorre, sendo que a negociação que põe fim à greve costuma contemplar cláusula prevendo o não desconto dos dias parados. Neste caso, a suspensão transmuda- se para interrupção contratual. (Poder normativo da Justiça do Trabalho ?) Por fim, é relevante a observação do Min. Godinho Delgado no sentido de que o efeito geral de suspensão contratual não se verifica nos casos em que a motivação da greve é exatamente o descumprimento reiterado de cláusulas contratuais por parte do empregador (não pagamento de salários, por exemplo). Neste caso, a hipótese é de interrupção contratual, e o empregado pode até mesmo requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483 da CLT. 5. ABUSO DO DIREITO DE GREVE A lei prevê as hipóteses em que se considera abusivo o exercício do direito de greve. O efeito prático é o seguinte: o que era greve (um direito) deixa de sê-lo. A partir daí, trata-se, no mínimo, de meras faltas injustificadas ao trabalho. Este é o sentido da OJ 10 da SDC: 10. GREVE ABUSIVA NÃO GERA EFEITOS. (inserida em 27.03.1998). É incompatível com a declaração de abusividade de movimento grevista o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias a seus partícipes, que assumiram os riscos inerentes à utilização do instrumento de pressão máximo. Ainda, a Lei de Greve trata do assunto no art. 14 já transcrito, regulamentando o exercício do direito, portanto a inobservância de suas regras constitui exercício abusivo de tal direito. Também não é tolerada a deflagração da greve em tempo de conflito pacificado. Em outras palavras, sempre que uma negociação tiver seu termo normal, com a celebração de acordo coletivo de trabalho ou de convenção coletiva de trabalho, ou ainda com decisão da Justiça do Trabalho em sede de dissídio coletivo, não há espaço para o exercício do direito de greve. 6. LIMITES IMPOSTOS AO DIREITO DE GREVE Como qualquer direito, também o de greve encontra limites na ordem jurídica. Os limites do direito de greve se dividem basicamente em três vertentes: a) a legitimidade ou não de determinadas condutas associadas à greve; b) a regulação legal de atos preparatórios que legitimam o movimento grevista; c) a restrição ao direito de greve associada a determinadas categorias de trabalhadores. Senão vejamos ... a) Condutas associadas à greve: Vejamos, em um primeiro momento, as condutas em espécie. I. PIQUETES: é caracterizado pela presença de um grupo de trabalhadores na porta da fábrica ou local de trabalho, visando impedir a entrada de trabalhadores durante o movimento grevista. Será lícito se for utilizado de forma pacífica, sem o uso de qualquer tipo de violência; caso contrário, restará caracterizado o constrangimento aos direitos e garantias fundamentais de outrem. Raimundo Simão de Melo (A greve no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 94) ensina que: “Não podem os piquetes e outros meios de persuasão desvirtuar a sua finalidade, como muitas vezes acontece, e, por isso, justificam atos de repressão. Assim, não se pode impedir o ingresso em serviço de quem quer trabalhar, a livre circulação de pessoas e coisas, tampouco haver agressão a trabalhadores, empregadores etc., com palavras de baixo calão e fisicamente, pois, desse modo, se estará partindo para o exercício irregular do direito. O que se pode e se deve fazer são manifestações pacíficas para convencer outros trabalhadores a aderirem e colaborarem com o movimento e a própria sociedade, porque uma greve contra a sociedade normalmente está fadada ao insucesso”. Neste sentido, o art. 6º da Lei de Greve dispõe: Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve; II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento. § 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem. § 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento. § 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. Persuadir, no sentido empregado, significa “levar alguém a mudar de atitude”, ou ainda “induzir”, “levar alguém a acreditar”, “convencer”. Na mesma esteira, aliciar tem o sentido de “seduzir”, “envolver”, “instigar”. Tudo isso com base no proselitismo (catequese), típico da atividade sindical. Muito cuidado com a expressão “impedir o acesso ao trabalho”. Não há o que se falar em: “é permitido impedir o acesso ao trabalho, desde que sem violência ou constrangimento”. O ato de impedir o acesso ao trabalho, por si só, constitui violência (ainda que moral) e constrangimento, e por isso a lei expressamente o repele. O que é permitido ao movimento grevista é tentar convencer ou mesmo aliciar outros trabalhadores a aderirà greve, mas nunca impedi-los efetivamente de trabalhar. II. LOCK-IN OU OCUPAÇÃO DO ESTABELECIMENTO: um dos principais métodos de desenvolvimento do movimento grevista é a ocupação do estabelecimento empresarial pelos grevistas, de forma a induzir a paralisação dos serviços. A ordem constitucional vigente não proíbe tal prática, desde que observados os limites já estudados (não haja violência de qualquer espécie, e nem violação ou constrangimento de direitos e garantias fundamentais de outrem). Como na prática é difícil ocorrer ocupação do estabelecimento sem violação de direitos de terceiros, notadamente do empregador, boa parte da doutrina defende a ilicitude de tal conduta. Embora seja matéria do campo processual, a jurisprudência firmou entendimento no sentido de que a competência para julgar as ações possessórias (v.g., a reintegração de posse, no caso de ocupação do estabelecimento pelos grevistas) é da Justiça do Trabalho (Súmula Vinculante 23, publicada em 11.12.2009). Súmula Vinculante 23 STF. A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada. Neste sentido, importante analisar o Precedente Representativo: "Ementa: Constitucional. Competência jurisdicional. Justiça do Trabalho X Justiça Comum. Ação de interdito proibitório. Movimento grevista. Acesso de funcionários e clientes à agência bancária: 'Piquete'. Art. 114, inciso II, da Constituição da República. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Competência da Justiça do Trabalho. 1. 'A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil' (Conflito de Jurisdição n. 6.959), bastando que a questão submetida à apreciação judicial decorra da relação de emprego. 2. Ação de interdito proibitório cuja causa de pedir decorre de movimento grevista, ainda que de forma preventiva. 3. O exercício do direito de greve respeita a relação de emprego, pelo que a Emenda Constitucional n. 45/2003 incluiu, expressamente, na competência da Justiça do Trabalho conhecer e julgar as ações dele decorrentes (art. 114, inciso II, da Constituição da República). 4. Recurso extraordinário conhecido e provido para fixar a competência da Justiça do Trabalho." (RE 579648, Relatora para o acórdão Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgamento em 10.9.2008, DJe de 6.3.2009) (http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1262) http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1262 III. OPERAÇÃO TARTARUGA, EXCESSO DE ZELO OU OPERAÇÃO-PADRÃO: estas condutas guardam estreita relação entre si, constituindo, na maioria das vezes, o prenúncio de um movimento grevista maior, sendo que os empregados não paralisam de imediato a produção, mas simplesmente a reduzem de forma drástica, com o objetivo de pressionar o empregador. É comum este tipo de conduta associada a movimentos grevistas no setor de transporte coletivo urbano nas grandes cidades. Embora tecnicamente não possa ser considerada como greve, pois não há suspensão da prestação de serviços, na prática esta conduta ocorre com frequência, e sempre associada à ameaça de paralisação efetiva. Também tem sido utilizada como uma forma de protesto das categorias que se ativam em serviços essenciais e que têm bastante limitado o direito de greve. IV. BOICOTE: é o movimento no sentido de convencer a população em geral, ou ao menos um determinado grupo comunitário, a não manter relações comerciais com determinada empresa, deixando de adquirir produtos e/ou serviços por ela oferecidos. Não necessariamente o boicote ocorre no âmbito das relações de trabalho. Pode haver boicote com conotação ambientalista (boicote ao uso de casacos de pele, por exemplo), ou outra qualquer (boicote a um determinado programa de TV, por exemplo). Se ocorrer associada à greve, a conduta, desde que pacífica, não surte efeitos jurídico-trabalhistas, porquanto se trata de mero fato socioeconômico. V. SABOTAGEM: é a conduta deliberada dos trabalhadores que objetiva a depredação do patrimônio do empregador, seja quebrando máquinas, destruindo prédios ou produzindo peças inservíveis. Em qualquer caso, a conduta é obviamente ilícita, por constituir abuso de direito, sujeitando seus agentes à punição criminal, inclusive, sem prejuízo da repercussão nas esferas trabalhista e cível. Trata-se de ato de selvageria (daí a expressão greve selvagem, também utilizada por parte da doutrina), que em nenhuma hipótese pode ser acolhido pelo direito. Aliás, o objetivo da greve não pode ser destruir o empregador, porque dele dependem, afinal, os trabalhadores. Neste passo, o direito de greve até pressupõe o direito de causar prejuízo, mas apenas na medida do necessário (proporcionalidade), a fim de reabrir os canais de negociação. Neste sentido, o art. 15 da Lei de Greve: Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal. Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito. b) Atos preparatórios e procedimentos indispensáveis: A greve não deve ser utilizada como fim, e especialmente para fins escusos, mas antes como meio colocado à disposição dos trabalhadores para obtenção de vantagens e possibilidades de efetiva negociação das condições de trabalho. Assim, não faria sentido que a deflagração da greve viesse surpreender o empregador, causando-lhe mais prejuízo que o estritamente necessário. Da mesma forma, o movimento não pode ser radical a ponto de por fim à atividade do empregador. Diante disso, a Lei de Greve estabelece algumas regras para a deflagração e manutenção do movimento grevista, com vistas a garantir a razoabilidade do movimento, protegendo, de um lado, o direito de greve, e, de outro, os direitos de terceiros. Senão vejamos ... I. FRUSTRAÇÃO DA VIA NEGOCIAL: o primeiro requisito para que se possa lançar mão da greve é a tentativa de apelo à via negocial. Neste sentido, o art. 3º da Lei de Greve: Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho. Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação. Não é difícil entender o dispositivo: se a greve serve basicamente para (re)abrir a negociação coletiva, somente se justifica se esta via estiver fechada. No mesmo sentido, a OJ 11 da SDC: 11. GREVE. IMPRESCINDIBILIDADE DE TENTATIVA DIRETA E PACÍFICA DA SOLUÇÃO DO CONFLITO. ETAPA NEGOCIAL PRÉVIA. (inserida em 27.03.1998). É abusiva a greve levada a efeito sem que as partes hajam tentado, direta e pacificamente, solucionar o conflito que lhe constitui o objeto. II. AVISO PRÉVIO: como já foi antecipado, não pode o movimento grevista surpreender o empregador. Em outras palavras, exige a lei seja o empregador pré-avisado, até mesmo para que possa oferecer trégua a fim de evitar a greve, se for o caso. Neste sentido, deve haver pré- aviso 48 horas antes do início do movimento, ou ainda 72 horas antes, na hipótese de greve em atividades essenciais. É o que preceituam os arts. 3º, parágrafo único, e 13 da Lei de Greve: Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho. Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação. Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigadosa comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação. III. DELIBERAÇÃO EM ASSEMBLÉIA GERAL: somente será lícita a deflagração da greve se o movimento for aprovado por deliberação da assembleia-geral, devidamente convocada para tal fim. Como direito coletivo que é a greve, deve representar a vontade dos trabalhadores, e não da entidade sindical. Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços. § 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve. § 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação. IV. GARANTIA DA MANUTENÇÃO DE ATIVIDADES MÍNIMAS NA EMPRESA: há hipóteses em que a empresa, em face da atividade desenvolvida, não pode ter suas atividades totalmente paralisadas, sob pena de prejuízo irreparável, que poderia, inclusive, inviabilizar a continuidade do empreendimento. Temos, neste caso, uma hipótese de ponderação de interesses: de um lado, o direito fundamental à greve; de outro, o direito também fundamental à propriedade. Imaginemos o caso de uma indústria de aço, cujo alto- forno se perde irreversivelmente se desligado, causando prejuízos substanciais ao empresário. Pensando nestas situações, o legislador estabeleceu que a liderança do movimento grevista deve combinar com o empregador a forma de manter em atividade os empregados necessários para assegurar estes serviços mínimos necessários. Neste sentido, o art. 9º da Lei de Greve: Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento. Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo. Importante lembrar o disposto no parágrafo único: caso não sejam assegurados pelos grevistas estes serviços mínimos, abre-se ao empregador a possibilidade de contratar substitutos, os quais podem ser trabalhadores temporários ou contratados por prazo determinado (art. 443 e ss. da CLT). V. LIMITES À GREVE EM ATIVIDADES ESSENCIAIS: a greve em atividades essenciais não é proibida! Esse é um equívoco de interpretação que muitos cometem. Há, sim, alguns limites especiais, ligados à garantia de serviços indispensáveis à população em geral. No caso, o que está em jogo é o interesse público, e não propriamente os interesses do empregador. Por isso, é plenamente justificável o estabelecimento de tais restrições. Em primeiro lugar, resta definir o que seriam atividades essenciais. Para a OIT, são atividades essenciais aquelas ligadas diretamente à vida, à segurança e à saúde da comunidade. No Brasil, a lei não cuida propriamente de definir o que seriam atividades ou serviços essenciais, limitando-se a relacioná-los (art. 10 da Lei de Greve), conforme prevê o art. 9º, § 1º, da CF/88: Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Temer quer regulamentar a Lei do Direito de Greve Pouco menos de um mês atrás, o presidente Michel Temer anunciou mais um projeto de lei em seu curto mandato. A nova proposta teria como objetivo regulamentar a Lei de Direito de Greve. O objetivo principal do Governo seria evitar a paralisação de serviços considerados essenciais, como saúde e segurança pública. Inicialmente é preciso ressaltar que a Lei que prevê o de Direito de Greve já existe. Trata-se da Lei número 7783/89. Entre as sugestões abordadas no texto estão quesitos como: a compensação e desconto na folha de pagamento pelos dias parados; responsabilização administrativa pelos eventos originados da greve; perda de cargos ou funções comissionadas; avaliação dos procedimentos de negociação coletiva; e enfim, a definição das hipóteses que caracterizam a ilegalidade e o abuso do direito de greve. De acordo com o professor Luiz Felipe Panelli, do curso de pós-graduação em Política e Relações Internacionais da FESP-SP: “Esta demora do Congresso em editar a lei de greve do serviço público fez com que o Supremo Tribunal Federal determinasse que a lei de greve da iniciativa privada fosse utilizada analogamente às situações de greve do setor público, ao menos enquanto a lei de greve do serviço público não seja editada”. A professora Fabiola Marques, especialista em Direito Trabalhista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, esclarece que essa Lei “caracteriza o direito do trabalhador de paralisar as atividades de forma coletiva, temporária e pacífica.” Entretanto revela que, por outro lado, “a Constituição também estabeleceu que é a lei quem vai definir quais são os serviços essenciais e ainda quais as necessidades inadiáveis para a comunidade”, completa. Na fala do Prof Luiz Felipe Panelli, “A greve, ao contrário do que se pensa, não é um procedimento anárquico. O sindicato dos trabalhadores deve se reunir com o sindicato dos empregadores e somente após negociações frustradas podem dar início ao movimento de greve. Mesmo assim, devem comunicar a população com antecedência e não podem paralisar serviços essenciais.” Ver: https://br.noticias.yahoo.com/temer-quer-regulamentar-a-lei-do-direito-de-greve-173356223.html https://br.noticias.yahoo.com/temer-quer-regulamentar-a-lei-do-direito-de-greve-173356223.html O presidente Michel Temer redigiu um conjunto de sugestões para ser incorporado ao projeto original proposto pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) que regulamenta o direito de greve dos servidores públicos. Temer define 19 categorias como prestadoras de serviços e atividades essenciais. Em caso de greve, elas terão de manter 80% dos servidores trabalhando. Na área de segurança pública, a exigência sobe para 90%. Sem legislação específica, as paralisações dos servidores seguem hoje a lei para trabalhadores da iniciativa privada. O combinado é que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) assuma a relatoria da proposição de Aloysio Nunes e inclua nela as sugestões do presidente. (http://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/temer-endurece-regra-sobre-direito-de-greve/) http://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/temer-endurece-regra-sobre-direito-de-greve/ Veja os serviços considerados essenciais pela proposta do presidente Michel Temer: São considerados serviços e atividades essenciais e inadiáveis da sociedade, quando executadas diretamente pela administração direta, autárquica, inclusive sob regime especial, e fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios: I – o atendimento ambulatorial de emergência e a assistência médico-hospitalar; II – os serviços de distribuição de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde; III – a segurança pública, policiamento e o controle de fronteiras; IV – a concessão e o pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais; V – os serviços penitenciários e a assistência a presos e condenados; VI – a inspeção agropecuária e sanitáriade produtos de origem animal e vegetal; VII – a necropsia, a liberação de cadáver, os exames de corpo de delito e os serviços funerários; VIII – a guarda de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX – a defesa e o controle do tráfego aéreo; X – a geração, a transmissão e a distribuição de energia elétrica, os serviços locais de gás canalizado, o tratamento e o abastecimento de água e o saneamento básico; XI – a captação e o tratamento de esgoto e lixo e a vigilância sanitária; XII – o atendimento a emergências e desastres ambientais e as ações de defesa civil; XIII – o transporte coletivo de passageiros XIV– as telecomunicações; XV – os serviços judiciários, a defensoria pública e o Ministério Público; XVI – a defesa judicial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das suas respectivas autarquias e fundações; XVII – a atividade de arrecadação e fiscalização de tributos e contribuições, inclusive o aduaneiro; XVIII – a representação diplomática e os serviços consulares; e XIX – o processamento de dados ligados aos serviços essenciais. Parágrafo Único. Outros serviços ou atividades públicas estatais poderão ser definidos como serviços e atividades essenciais e inadiáveis da sociedade por meio de decreto do Poder Executivo ou de instrumentos de negociação coletiva. Por sua vez, veja os serviços considerados essenciais de acordo com a Lei de Greve (Lei 7.783/89): Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária. Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis. Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação. V. Continuação ... LIMITES À GREVE EM ATIVIDADES ESSENCIAIS: Para a maioria da doutrina, a lista transcrita anteriormente é taxativa. É a melhor interpretação, até porque todo dispositivo que restrinja direito deve ser interpretado restritivamente. A primeira peculiaridade da greve em serviços essenciais é o aviso prévio maior do que o da greve típica. Enquanto na greve em atividades não essenciais o empregador (ou o sindicato patronal) deve ser avisado com 48 horas de antecedência, na greve em atividades essenciais tanto o empregador quanto os usuários do serviço devem ser avisados com 72 horas de antecedência. Neste sentido, o art. 13 da Lei de Greve já transcrito em momento anterior. A segunda peculiaridade é a obrigação de manutenção da prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, como dispõe o art. 11 da Lei de Greve também já transcrito em momento anterior. O Judiciário tem considerado abusiva a greve em atividade essencial quando não atendidas as necessidades inadiáveis da comunidade. Neste sentido, a OJ 38 da SDC: 38. GREVE. SERVIÇOS ESSENCIAIS. GARANTIA DAS NECESSIDADES INADIÁVEIS DA POPULAÇÃO USUÁRIA. FATOR DETERMINANTE DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DO MOVIMENTO. (inserida em 07.12.1998). É abusiva a greve que se realiza em setores que a lei define como sendo essenciais à comunidade, se não é assegurado o atendimento básico das necessidades inadiáveis dos usuários do serviço, na forma prevista na Lei nº 7.783/89. Cuidado para não confundir o atendimento das necessidades mínimas do empregador (lembre-se do exemplo do alto-forno) com o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. No primeiro caso, o empregador pode se valer de substitutos, também conhecidos como fura-greves, caso não sejam prestados os serviços mínimos. No segundo caso, as necessidades não são do empregador, mas da coletividade, e por isso o Estado deve suprir a prestação de tais serviços. Caso assim não atue o comando grevista, poderão nele interceder, em nome do interesse público, as estruturas do Estado, seja para declarar a abusividade do movimento, mediante provocação dirigida ao Judiciário Trabalhista (veja-se o art. 14), seja para assumir, por meio de seus próprios agentes, a prestação dos serviços interrompidos (veja-se o art. 12). Outro problema, entretanto, se manifesta: como é que se define o percentual mínimo de trabalhadores fora da greve para garantir a prestação de serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade? O legislador criou propositadamente essa “cláusula aberta” relativa ao percentual mínimo, deixando que a razoabilidade orientasse trabalhadores e empregadores ou, quando fosse o caso, que norteasse a Justiça do Trabalho, se esta fosse invocada para resolver conflitos daí decorrentes. Formou-se, porém, a partir da praxe judiciária, um costume (que também é fonte de direito) segundo o qual esse percentual mínimo corresponderia a 30% (trinta por cento) na maioria das hipóteses, podendo ser elevado a depender das circunstâncias concretas. Por fim, é importante anotar que, nos moldes do § 3o do art. 114 do texto constitucional de 1988 (redação decorrente da EC 45/2004, em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá, por sua própria iniciativa, ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. Perceba-se que o mencionado dispositivo constitucional tornou não recepcionado o disposto no art. 856 da CLT na parte que atribuía também ao Presidente do Tribunal do Trabalho a prerrogativa de instaurar o dissídio coletivo de greve. O Ministério Público do Trabalho passou a ser o único estranho ao conflito coletivo legitimado a instaurar o dissídio ora em análise. A ideia é justamente garantir às partes conflitantes a plena autonomia para decidir o momento de invocar a jurisdição estatal no tocante à identificação de eventual abusividade. 7. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO CIVIL O texto constitucional previu, no seu art. 37, inc. VII, o direito de exercício dessa residual forma de autotutela também para os servidores públicos. Destaque-se que, originariamente, a Carta da República previa que esse direito seria exercido “nos termos e nos limites definidos em lei complementar”. Entretanto, a Emenda Constitucional 19/98 modificou a redação do referido inciso, passando a prever que o direito de greve seria exercido “nos termos e nos limites definidos em lei específica”, de natureza ordinária, e não mais complementar. Anote-se, desde já, que o dispositivo ora mencionado, no tocante a termos e limites, não é autoaplicável, dependendo, por isso, de lei ordinária para que seus contornos sejam estabelecidos. Um aspecto, entretanto, é induvidoso: os servidores públicos foram contemplados, sim, com o direito de greve. Eles carecem, na verdade, de procedimentos para a sua operacionalização. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, ao julgar os Mandados de Injunção n. 670/ES, 708/DF e 712/PA,firmou o posicionamento no sentido de que a Lei 7.783/89 seria aplicada às greves de servidores públicos civis naquilo que não colidisse com a natureza estatutária de seus vínculos laborais enquanto o Poder Legislativo não suprimisse a lacuna com uma lei específica. A Não se esqueça, entretanto, de que o ordenamento jurídico brasileiro veda explicitamente a greve dos militares, conforme disposto no § 3o, IV, do art. 142, c/c o § 1o do art. 42, ambos da Constituição de 1988. Embora não exista dispositivo constitucional que vede a greve dos agentes políticos, assim entendidos os titulares dos cargos estruturais à organização política do País — entende-se que esse movimento seria incongruente com a condição de quem simbolicamente representa os Poderes da República. Apesar disso, a realidade tem demonstrado alguns atos equivalentes à greve praticados por agentes políticos, por exemplo, as paralisações de magistrados. 8. JULGAMENTO DA GREVE Embora seja direito fundamental do trabalhador, a ser exercido coletivamente, como mencionado, a greve muitas vezes pode assumir características abusivas, sendo necessária a intervenção do Poder Judiciário, no sentido de julgar a validade ou não do movimento operário. A competência, no caso, é da Justiça do Trabalho (art. 114, inc. II e §3º, CF/88) (Súmula 189 do TST), inclusive para julgar as ações possessórias decorrentes do exercício do direito de greve (Súmula Vinculante 23). Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) II as ações que envolvam exercício do direito de greve; § 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) Súmula nº 189 do TST. GREVE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ABUSIVIDADE (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A Justiça do Trabalho é competente para declarar a abusividade, ou não, da greve. Súmula Vinculante 23 STF. A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada. 9. RESPONSABILIDADE DOS GREVISTAS O art. 15 da Lei de Greve estabelece a responsabilidade dos participantes do movimento grevista, nos seguintes termos: Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal. Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito. Aqui é importante ressaltar que a simples participação no movimento grevista, de forma regular e pacífica, não constitui qualquer motivo para punição do trabalhador, até porque a greve é um direito do obreiro. A responsabilização surge com o abuso praticado, tenha ele consequências cíveis e/ou criminais. Também é importante frisar que as instâncias civil, penal e trabalhista são absolutamente independentes entre si. Assim, por um ato de sabotagem, por exemplo, o empregado pode ser responsabilizado na esfera civil, pelo prejuízo patrimonial causado ao empregador; na esfera penal, pelo crime de dano; e na esfera trabalhista, por falta grave. Há que se esclarecer, ainda, que mesmo na greve lícita o trabalhador assume riscos, sendo o principal deles o corte do salário. O efeito normal da greve, repita-se, é a suspensão contratual, a qual pressupõe a sustação do pagamento de salários. Logo, não se justifica o mito no sentido de que o não pagamento dos dias parados constitui abuso do empregador. Sob o ponto de vista legal, o “corte de ponto” é cabível. Neste sentido, o seguinte aresto do STF: Embargos declaratórios convertidos em agravo regimental. Greve de servidor público. Desconto pelos dias não trabalhados. Legitimidade. Juntada posterior de termo de compensação de jornada. Exame inviável. Enunciado 279 da Súmula do STF. Despesas processuais. Sucumbência integral. Honorários advocatícios. Apreciação equitativa. Art. 20, § 4º, CPC. A comutatividade inerente à relação laboral entre servidor e Administração Pública justifica o emprego, com os devidos temperamentos, da ratio subjacente ao art. 7º da Lei 7.783/1989, segundo o qual, em regra, “a participação em greve suspende o contrato de trabalho”. Não se proíbe, todavia, a adoção de soluções autocompositivas em benefício dos servidores-grevistas, como explicitam a parte final do artigo parcialmente transcrito e a decisão proferida pelo STF no MI 708 (item 6.4 da ementa). Todavia, revela-se inviável, nesta quadra processual, o exame de “termo de compromisso” somente agora juntado, consoante o verbete 279 da Súmula. Agravo regimental a que se dá parcial provimento somente para esclarecer os ônus da sucumbência (STF, RE 456530 ED/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 01.02.2011). No mesmo sentido, a Seção de Dissídios Coletivos do TST, conforme demonstra o seguinte julgado: [...] Descontos dos dias parados. Predomina nesta Corte o entendimento de que a greve configura a suspensão do contrato de trabalho, e, por isso, como regra geral, não é devido o pagamento dos dias de paralisação, exceto quando a questão é negociada entre as partes ou em situações excepcionais, como na paralisação motivada por descumprimento de instrumento normativo coletivo vigente, não pagamento de salários e más-condições de trabalho. No caso, infere-se que a postulação não se enquadra nas hipóteses de excepcionalidade admitidas pela jurisprudência desta Corte. Recurso ordinário provido, a fim de autorizar o desconto dos dias em que não houve efetiva prestação por parte dos trabalhadores que aderiram à greve. [...] (TST, SDC, RO-1000951-10.2014.5.02.0000, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, j. 22.02.2016, DEJT 22.03.2016). 10. INSTAURAÇÃO DE DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE A iniciativa na instauração do dissídio coletivo de greve é de qualquer das partes ou do MPT, conforme o art. 8º da Lei 7.783/1989. Como já mencionado, o art. 114, § 2º, da Constituição Federal, com redação determinada pela Emenda Constitucional 45/2004, passou a exigir o consenso entre as partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Assim, revela-se controvertido saber se esse requisito é exigido, também, para o dissídio coletivo de greve. Esse é um processo coletivo diferenciado, em que se observa tanto o aspecto declaratório, em decisão a respeito da abusividade ou não do exercício desse direito, como o aspecto econômico, pois a sentença normativa decide a respeito de novas condições de trabalho almejadas, com a incidência do poder normativo. Além disso, faz-se necessário regular as relações obrigacionais durante o período de greve, como a questão a respeito do pagamento ou não dos dias parados (art. 7.º da Lei 7.783/1989). Portanto, o dissídio coletivo de greve não se confunde com o tradicional dissídio coletivo de natureza econômica. Observada essa diferenciação, nota-se que o § 2º do art. 114 faz menção, apenas, ao dissídio coletivo de natureza econômica, nada regulando a respeito daquele decorrente da greve. A greve, aliás, é objeto de disposições processuais distintas e específicas, encontradas no inciso II do art. 114 e no seu § 3º. Portanto, o comando do § 2º do art. 114 não abrange o dissídio coletivo de greve, que possui regulamentação própria. Dessa forma, embora tema não seja pacífico, entende-se não haver exigência de consenso para o ajuizamento de dissídio de greve, permanecendo em vigor, neste aspecto, a disposição específica do art. 8º da Lei 7.783/1989, ao prever a possibilidadede instauração do dissídio coletivo, em caso de greve, por iniciativa das partes ou do Ministério Público do Trabalho, devidamente adaptado ao novo § 3º do art. 114 da CF/1988. Em favor dessa interpretação coloca-se o princípio da razoabilidade, pois, durante a greve, normalmente os ânimos se encontram mais acirrados, dificultando o consenso entre as partes até mesmo a respeito do ajuizamento do dissídio coletivo, não sendo adequado eternizar o impasse e a paralisação coletiva do trabalho, em prejuízo da sociedade. Aliás, tratando-se de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o ajuizamento do dissídio coletivo pelo Ministério Público do Trabalho não exige, obviamente, o comum acordo das partes conflitantes a respeito (art. 114, § 3º, com redação pela Emenda Constitucional 45). No caso de greve, a legitimação do Ministério Público do Trabalho para ajuizar o dissídio coletivo era prevista, de forma específica, apenas na legislação infraconstitucional, o que estava de acordo com suas atribuições constitucionais. A Lei Complementar 75/1993, no art. 83, inciso VIII, confere ao Ministério Público do Trabalho a legitimidade para instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir, o mesmo sendo previsto, de forma genérica, no art. 8º da Lei 7.783/1989 e no art. 856 da CLT. Tendo em vista os arts. 127, caput, e 129, inciso IX, da Constituição Federal, tem-se a constitucionalidade dessa previsão no ordenamento infraconstitucional. A nova disposição, específica para o dissídio coletivo de greve e a legitimidade do Ministério Público do Trabalho, não só elevou ao patamar constitucional essa legitimidade, mas a restringiu aos casos de “greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público”. Portanto, o art. 83, inciso VIII, da Lei Complementar 75/1983, ao tratar da instauração do dissídio coletivo pelo Ministério Público do Trabalho em caso de greve, “quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir”, deve ser interpretado de acordo com a nova disposição constitucional, ou seja, no sentido de se tratar de greve em atividade essencial. No entanto, há entendimento de que a EC 45/2004 não restringe a atuação do MPT somente aos dissídios coletivos de greve em atividades essenciais, permanecendo em vigor a previsão mais ampla da LC 75/1993, pois de acordo com as atribuições constitucionais do órgão. O novo preceito constitucional continua não autorizando a instauração ex officio do dissídio coletivo, pelo presidente do tribunal, confirmando-se a derrogação da previsão que existia no art. 856 da CLT. A possibilidade de ajuizamento do dissídio coletivo de greve pelo Ministério Público do Trabalho não exclui a legitimidade dos entes sindicais (art. 8º da Lei 7.783/1989), pois o § 3º do art. 114 da CF/1988 não estabelece que o MPT detém legitimidade exclusiva para a medida. Além disso, conforme a Orientação Jurisprudencial 11 da SDC do TST: “É abusiva a greve levada a efeito sem que as partes hajam tentado, direta e pacificamente, solucionar o conflito que lhe constitui o objeto”. O art. 9º, § 1º, da Constituição Federal remete à lei a definição dos serviços ou atividades essenciais, bem como a disposição sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Regulamentando essa disposição, a Lei 7.783/1989, no art. 10, arrola os serviços ou atividades essenciais, já mencionadas anteriormente. Portanto, tratando-se de greve em atividades relacionadas no art. 10 da Lei 7.783/1989, e se houver possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho pode ajuizar o dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. Como se sabe, no dissídio coletivo de greve, o tribunal do trabalho decide não apenas sobre o exercício abusivo ou não do direito de greve, proferindo decisão declaratória a respeito, mas também sobre o conflito coletivo de trabalho em si, estabelecendo, ou não, novas condições de trabalho. Mesmo não tendo ajuizado o dissídio coletivo, o Ministério Público do Trabalho sempre participa do respectivo processo, conforme art. 864 da CLT, art. 11 da Lei 7.701/1988 e art. 83, inciso IX, da Lei Complementar 75/1993. Ainda sobre a greve, digno de destaque o novo inciso II do art. 114 da Constituição Federal, que atribui à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar “as ações que envolvam o exercício do direito de greve”. Como o dispositivo não traz qualquer ressalva, ele poderia ser interpretado de forma abrangente, incluindo as greves exercidas pelos servidores públicos civis (art. 37, inciso VII, da CF/1988), sabendo-se que o art. 142, § 3º, inciso IV, da Constituição de 1988 veda a sindicalização e a greve ao militar. Dessa forma, caberia à Justiça do Trabalho o julgamento da regularidade do exercício do referido direito de greve, tratando-se de competência em razão da matéria, independentemente de outros aspectos (como o regime jurídico, se trabalhista ou estatutário), os quais são levados em consideração apenas no inciso I do art. 114 da CF/1988. Para ações decorrentes do exercício do direito de greve (inciso II) não há qualquer restrição quanto à previsão constitucional, até porque pode ocorrer a existência de ente sindical abrangendo servidores públicos regidos pela CLT e outros regidos por estatuto. Nessa linha de entendimento, em tese, na ação ajuizada em razão do movimento paredista deflagrado por referidos servidores, questionando, por exemplo, a possibilidade e a regularidade do exercício do direito em questão, e pleiteando a sua cessação, tem-se a competência da Justiça do Trabalho. Observe-se que, nesse caso, não se trata de exercício do poder normativo, até porque envolve ente de direito público, mas sim de ação judicial cujo objeto é a cessação de movimento grevista. Entretanto, o entendimento que vem prevalecendo é no sentido de que a competência para processar e julgar ações referentes a greves de servidores públicos estatutários não é da Justiça do Trabalho, tendo em vista a aplicação, também neste caso, do entendimento do STF, constante da ADI-MC 3.395/DF17. De todo modo, nota-se que o mencionado dispositivo constitucional (art. 114, inciso II) apresenta redação bem genérica, não se restringindo aos dissídios coletivos de greve. Aliás, quanto a estes, o tema encontra-se versado de forma mais específica nos §§ 2º e 3º do art. 114. O exercício do direito de greve pode dar origem ao ajuizamento de ações com diversos objetos e finalidades, não apenas voltadas ao campo trabalhista, mas também civil (art. 15 da Lei 7.783/1989). Por exemplo, a ação de responsabilidade civil, ajuizada por terceiro prejudicado em razão de ato culposo praticado pelos grevistas (ou pelas organizações sindicais), como envolve o exercício do direito de greve, passa a ser da competência da Justiça do Trabalho, por expressa determinação constitucional (inciso II do art. 114), embora não se refira a relação de trabalho propriamente (inciso I do art. 114). Como se nota, houve ampliação da competência da Justiça do Trabalho. Para essas ações, ainda que relacionadas ao direito de greve, que não se refiram ao dissídio coletivo propriamente, a competência originária, hierárquico-funcional, é da Vara do Trabalho, justamente por não envolver a solução do próprio conflito coletivo de trabalho. Os dissídios coletivos de greve é que são de competência originária, conforme o caso, dos Tribunais Regionais do Trabalho ou do Tribunal Superior do Trabalho (art. 856 da CLT e Lei 7.701/1988, art. 2º, inciso I, a). Da mesma forma, ações ajuizadas pelo empregador, de natureza possessória, com pedido de desocupação do estabelecimento pelos grevistas, e ações ajuizadas pelos grevistas, para assegurar aspectosdo exercício do direito de greve, também são de competência da Justiça do Trabalho. Embora o tema seja polêmico, entende-se que a Emenda Constitucional 45 não estendeu à Justiça do Trabalho competência em matéria criminal. Assim, os eventuais crimes praticados durante a greve, com apuração segundo a legislação penal (Lei 7.783/1989, art. 15), não estão abrangidos pelo art. 114, inciso II, da Constituição Federal. Confirmando essa assertiva, cabe realçar que o Supremo Tribunal Federal deferiu liminar em medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.684-0, com efeito ex tunc, atribuindo interpretação, conforme a Constituição, aos incisos I, IV e IX do seu art. 114, declarando que, “no âmbito da jurisdição da Justiça do Trabalho, não está incluída competência para processar e julgar ações penais”. A mesma orientação pode ser aplicada ao inciso II do art. 114 da CF/1988, tendo em vista a chamada “teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão”, presente no sistema de controle de constitucionalidade das normas jurídicas. 11. LOCKOUT OU LOCAUTE O lockout significa a paralisação das atividades por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar a negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados. A referida conduta é vedada, expressamente, pelo art. 17 da Lei 7.783/1989. Desse modo, caso ocorra o lockout, o período respectivo é considerado como interrupção do contrato de trabalho (parágrafo único), de modo que são devidos os salários e o tempo de serviço é computado. Além disso, o lockout pode acarretar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Caracteriza a ampliação do desequilíbrio existente entre empregador e empregado. Ora, se o empregador já é um ser coletivo por natureza, se já possui poder suficiente para influir substancialmente na vida dos trabalhadores, o direito à greve surge como contrapeso, de forma a equilibrar esta relação. Se permitida a “greve do empregador”, teríamos novamente a balança totalmente pendente para o lado deste. Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout). Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação. A partir da definição de locaute é possível capturar seus atributos específicos e identificar suas características essenciais, quais sejam: a) é supressão do trabalho por ato exclusivo da entidade patronal: se o ato for praticado por imposição de terceiros, entre os quais o Estado, não se estará diante de um autêntico locaute; b) é um mecanismo de correlação de forças quando, na negociação coletiva, o sindicato impunha aos empregadores condições que estes entendiam de acatamento impossível: sob o ponto de vista simbólico, e conquanto seja juridicamente proibido, o locaute é evidentemente um comportamento de compensação diante da greve; c) tem o objetivo de frustrar uma greve, quando esta se prenuncie ou se instale, ou de retaliar uma greve encerrada: a análise da intenção da supressão do trabalho por ato empresário é fundamental para caracterizar o locaute. Sem a manifestação desse propósito, a conduta patronal pode ser caracterizada como um lay off, promovido por força de uma crise financeira para superar problemas conjunturais; d) visa pressionar os trabalhadores a aceitar situação ou cláusula que lhes seja desfavorável: a finalidade essencial do locaute é pressionar em sentido contrário aos propósitos de uma greve. O sujeito ativo do locaute é o empregador, singularmente considerado, ou um grupo ou segmento de empregadores, acompanhados ou não de sua entidade sindical representativa. O sujeito passivo é o trabalhador, grupo de trabalhadores ou entidade sindical obreira, que será alvo de atos tendentes a turbar uma greve ou a retaliar um movimento paredista que muito incomodou. O locaute produz efeitos contratuais interruptivos. Consequentemente, por vontade manifesta da lei (art. 17 da Lei n. 7.783/89) o trabalhador atingido por esse evento terá direito à percepção dos salários como se em exercício estivesse. Como o locaute é um comportamento ilícito, é possível que, por conta de sua prática, o empregado possa, além do salário, pretender a resolução contratual por inexecução faltosa patronal. Enfim, se “dar trabalho” é um dos deveres sociais mais caros ao contrato de emprego, privar o trabalhador de seu serviço é motivação mais do que suficiente para a caracterização da despedida indireta. Não obstante a proibição expressa, indaga-se qual seria a solução caso o empregador pratique o locaute. Neste caso, os efeitos jurídicos são de duas ordens: a) em primeiro lugar, o tempo de paralisação das atividades empresariais será considerado interrupção contratual, pelo que serão devidos os salários; b) em segundo lugar, como o empregador desrespeitou a lei e um direito fundamental do empregado, terá cometido falta grave, sujeitando-se à rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483 da CLT. Contatos: Profª Michelle Dias Bublitz email: michelle.bublitz@uniritter.edu.br Michelle Bublitz michelle.bublitz Ficou com alguma dúvida?
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