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GE - Hermeneutica Juridica_03

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GUIA DE ESTUDO
UNIDADE III
Hermenêutica Jurídica
1
DISCIPLINA: HERMENÊUTICA JURÍDICA
UNIDADE 3
A busca pelos significados dos enunciados normativos jurídicos, e o caráter interpretativo do 
direito objetivo e do direito subjetivo
 Para início de conversa
Olá Caro(a) aluno(a), estamos juntos em mais uma unidade. Espero que esteja preparado para mais conteúdos 
interessantes.
Na unidade passada, desenvolvemos uma análise sobre o conceito de norma jurídica. 
Conforme apontamos tal conceito representa um tema persistente na história das ideias jurídicas, mas não 
há acordo entre os juristas a respeito do significado do termo “norma jurídica”. Efetivamente, o dissenso em 
relação a tal expressão manifesta divergências em torno do próprio conceito de direito que é um dos conceitos 
mais problemáticos no âmbito dos saberes sociais (conforme você já estudou na primeira unidade). Contudo, 
diante da multiplicidade de perspectivas acerca do conceito de “norma jurídica”, analisamos algumas caracte-
rísticas que são usualmente atribuídas às normas jurídicas: a bilateralidade, a coercibilidade e a exterioridade. 
Ademais, também refletimos que a interpretação jurídica é uma atividade produtiva de normas jurídicas. Ante 
o cenário recente da Teoria do Direito e da Filosofia do Direito, observamos que existe uma ênfase na ideia de 
que o direito tem uma composição interpretativa, e que os aplicadores do direito são vistos, em grande medida, 
como criadores do direito.
 Orientações da Disciplina
Entretanto, neste guia de estudos, buscaremos investigar outros aspectos fundamentais da Hermenêutica Jurí-
dica. Inicialmente, trataremos do seguinte problema: a interpretação jurídica deve considerar que a sede do sentido 
do enunciado normativo é a vontade dos que produziram o texto (como o legislador ou as partes que celebraram um 
contrato, por exemplo)? Ou a interpretação jurídica deve buscar o significado dos enunciados normativos ante 
as circunstâncias sociais presentes no momento da interpretação, independentemente da vontade dos que produ-
ziram o texto normativo? Depois de tratar desse problema, examinaremos dois conceitos jurídicos basilares: 
“direito subjetivo” e “direito objetivo”. Buscaremos refletir se há um caráter interpretativo no direito subjetivo 
e no direito objetivo. Por outro lado, analisaremos o conceito de ordenamento jurídico, e será feita uma abor-
dagem acerca de outra questão importante para a Hermenêutica Jurídica: o que deve fazer o intérprete se as 
normas jurídicas apresentarem contradições (antinomias)?
Preparado? Então vamos continuar com nossos estudos.
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A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA ANTE A DOUTRINA OBJETIVISTA E A DOUTRINA SUBJETIVISTA
Imagine a seguinte situação hipotética: um juiz deve julgar um caso que, possivelmente, envolve a aplicação 
do artigo 233 do Código Penal, o qual comina uma pena de detenção ou multa para quem praticar ato obsceno 
em lugar público, ou aberto ou exposto ao público. Tenha em mente, entretanto, que o termo “obsceno” admite 
diversas interpretações, e que a percepção do que representa o “obsceno” é dependente dos valores, das cren-
ças e dos preconceitos que existem em determinado contexto histórico. Desse modo, o juiz enxerga diante de 
si duas possibilidades interpretativas:
a) Ele pode buscar identificar a vontade do legislador e tentar aplicar o sentido que o legislador 
pretendeu atribuir ao termo “obsceno”;
b) Independentemente do que foi pretendido pelo legislador, ele pode buscar um sentido que figu-
re como adequado ante as circunstâncias sociais atuais.
Esses dois caminhos possíveis para a identificação do sentido do enunciado normativo expressam diferentes 
posições acerca da interpretação: por um lado, a doutrina subjetivista propõe a primeira possibilidade – a busca 
da vontade de quem produziu o enunciado normativo (como os legisladores ou as partes de um contrato). Por 
outro lado, a doutrina objetivista sustenta a segunda possibilidade de interpretação – que propõe a atribuição 
de significados adequados à situação atual sobre a qual incidirá a decisão.
Desse modo, na interpretação das leis, tenha em vista que a doutrina subjetivista propõe que intérprete conheça 
a voluntas legislatoris (vontade do legislador), e a doutrina objetivista propõe que o intérprete conheça a voluntas 
legis (vontade da lei). Porém, podemos fazer uma crítica à ideia de que é possível identificar a voluntas legisla-
toris e ao entendimento de que existe uma voluntas legis. 
 Leitura complementar
Contudo, antes de desenvolver tal crítica, já indicamos a leitura obrigatória que você deverá realizar acerca da 
doutrina subjetivista e da doutrina subjetivista:
STRECK, Lenio Luiz. Voluntas legis versus voluntas legislatoris: esclarecendo a inutilidade da distinção. Revista 
Direitos Fundamentais & Justiça. Disponível no endereço: 
http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/25_Doutrina_Nacional_06.pdf.
Espero que lhe auxilie em seus estudos.
http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/25_Doutrina_Nacional_06.pdf
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CRÍTICA À BUSCA PELA VONTADE DO LEGISLADOR 
Caro(a) estudante, o ideal de identificar a vontade do legislador – que marca a chamada “visão intencio-
nalista” sobre a interpretação – é alvo de consistentes e repetidas críticas. De acordo com o que indicou Hans 
Kelsen na sua Teoria Pura do Direito, é cabível supor que é possível, em alguns casos, a identificação da 
vontade do legislador. Todavia, apreender a voluntas legislatoris é uma tarefa frequentemente difícil, ou mesmo 
impossível diante de determinadas situações. Desse modo, sem pretender fazer uma crítica exaustiva à doutrina 
subjetivista, examinaremos algumas dificuldades que existem na busca pela vontade do legislador.
 
 Guarde essa ideia!
Inicialmente, você deve perceber que a legislação, ordinariamente, não se refere a um legislador singular, mas 
a uma assembleia constituída por múltiplos membros, abarcando uma quantidade de pessoas com objetivos, 
interesses e histórias de vida muito diferentes. De maneira que essas diferenças pessoais, de objetivos e de 
representação convergem na atividade legislativa e no texto normativo, o que nos permite, ao menos, desconfiar 
da existência de uma vontade uniforme, identificável como “a vontade do legislador”.
Entendemos que a conclusão sobre a existência de uma vontade uniforme do legislador só poderia ser autorizada 
se fosse fundada em uma investigação acerca das intenções de cada legislador que votou a favor do texto 
aprovado. Afinal, para que você possa dizer, com fundamento, que existe uma vontade homogênea identificável 
como “a vontade do legislador”, é necessária a constatação de que não há divergência de “vontade” entre os 
integrantes do legislativo que aprovaram o texto. Assim, o entendimento de cada legislador em relação ao texto 
deveria ser investigado, indicando, por exemplo, que houve uma compreensão comum em relação à palavra “obs-
ceno”, e que, portanto, os legisladores não entenderam propostas diversas sob o termo quando aprovaram o texto. 
Dessa maneira, seria necessário fazer uma comparação entre os dados que permitisse a conclusão de que as 
diversas vontades podem ser integradas como uma vontade única.
No entanto meu caro, você deve perceber que podemos objetar que semelhante investigação não escapa da incerte-
za da linguagem. Afinal, a entrevista e a observação de registros de debates legislativos ou de outros tipos de 
registros se inserem na dimensão da linguagem. Portanto, o investigador (intérprete) pode ter um papel criativo. 
Conforme já analisamos nos guias de estudos anteriores, as palavras e as sequências de palavras têm uma plu-
ralidade de significações, e, ordinariamente, o intérprete tem diante de si múltiplas possibilidades interpretati-
vas. Dessa maneira, você deve considerar que a busca pela vontade do legislador também representa uma atividade 
interpretativa, e diferentes intérpretes podem chegar a conclusões distintas em relação à voluntas legislatoris.
Ademais, tenha emvista o seguinte: mesmo que fosse possível uma perfeita identificação da vontade do legis-
lador, essa busca seria, ordinariamente, uma atividade muito complexa, que exigiria tempo, pesquisa e rigor de 
método. E, como toda pesquisa, estaria sujeita a erros, encontrando dificuldades como o possível encobrimento 
pelos legisladores das suas intenções reais e o fato de que a procurada intenção do legislador em leis antigas 
bem pode ser a intenção de legisladores mortos. Portanto, perceba que, do ponto de vista prático, o ato de se 
lançar na atividade de desvendar rigorosamente a vontade do legislador seria problemático. Considerando o 
Poder Judiciário, por exemplo, o estabelecimento de tal busca como critério para julgar os casos que são apre-
sentados seria algo inviável, contraproducente e espalharia a nódoa da lentidão.
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 Você sabia?
Você sabia que pode-se alegar, que para identificarmos essa vontade do legislador não é necessária a referida 
uniformidade, bastando que se aponte a vontade da maioria dos legisladores que aprovaram o texto normativo? 
Pois é, dessa maneira, seria exigida do pesquisador a constatação de que a maioria dos legisladores que vota-
ram a favor do texto aprovado o compreendeu da mesma maneira. Você deve ter em mente, no entanto, que a 
tentativa de identificação de tal “vontade majoritária” também é algo muito complexo, e que traz ao investigador 
dificuldades semelhantes aos obstáculos que enfrenta com a procura da vontade única, havendo o mesmo “pro-
blema” criativo da linguagem (incontornável segundo a nossa perspectiva).
Por outro lado, contra a doutrina subjetivista também podemos argumentar que a busca pela vontade do legislador 
pode levar a um engessamento da interpretação, provocando a sua desarmonia com a dinâmica da realidade. Nesse 
sentido, por exemplo, se um juiz puder identificar o significado que o legislador quis atribuir ao termo “obsce-
no” no artigo 233 do Código Penal, é possível que o magistrado chegue a um sentido que não é adequado ao 
contexto ético atual. 
Afinal, você deve perceber que o nosso Código Penal foi criado em 1940, ainda na primeira metade do século 
XX, e a sociedade brasileira passou por significativas transformações no decorrer das várias décadas posterio-
res ao início da vigência do referido Código. Leve em consideração a circunstância de que os tempos atuais são 
dotados de uma extraordinária mobilidade e aceleração, e essa restrição (rigidez) interpretativa que busca o 
sentido dos textos normativos na vontade do legislador pode conduzir a uma falta de respostas aos problemas 
com os quais o intérprete se depara (a menos que o legislador fosse uma espécie ideal de “visionário”, que 
antevisse o futuro e buscasse controlá-lo por meio da lei). 
Com efeito, é importante que você perceba que a doutrina subjetivista pode ser problemática quando procuramos 
respostas para problemas que sequer existiam no mo- mento em que a lei foi elaborada, ou quando buscamos 
solucionar problemas que, no presente, são dispostos sobre contextos que não existiam anteriormente.
Crítica à ideia de Voluntas legis 
Por outro lado, é cabível argumentar que é problemático o entendimento de que existe a voluntas legis. Sobre um 
texto legal podem incidir diversas vontades, como as vontades dos que produziram o texto (os legisladores) e 
as vontades dos que interpretam a lei (para aplicação ou observância) que foi criada. 
Porém, os textos normativos não têm vontade alguma. Os que produzem ou interpretam um texto legal dirigem 
intenções à lei, mas a lei não pode apresentar qualquer intenção própria. Portanto, perceba que a noção de 
voluntas legis não é plenamente adequada, pois pode sugerir algo que não existe: a vontade da lei. Contudo, 
apesar do aspecto problemático da ideia de voluntas legis, a doutrina objetivista propõe que o intérprete bus-
que o sentido dos enunciados normativos tendo em foco as circunstâncias sociais atuais. 
???
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Assim, no lugar de engessar a interpretação na busca pela vontade do legislador, a doutrina objetivista dá à 
interpretação um caráter mais aberto e flexível às transformações sociais. Isso permite que o direito assuma um 
caráter mais dinâmico, e confere uma maior liberdade ao intérprete aplicador do direito que deve interpretar dentro 
dos limites que existem no texto legal (dentro da “moldura” interpretativa, de acordo com a metáfora que foi usada 
por Hans Kelsen), mas não é vinculado a uma suposta vontade do legislador.
O CARÁTER INTERPRETATIVO DO DIREITO OBJETIVO E DO DIREITO SUBJETIVO 
Caro(a) aluno(a), depois de apresentar críticas à doutrina subjetivista e à doutrina objetivista, examinaremos 
dois conceitos jurídicos basilares: “direito objetivo” e “direito subjetivo”. Refletiremos se existe um caráter in-
terpretativo no direito objetivo e no direito subjetivo. Todavia, antes do desenvolvimento de tal reflexão, indicamos 
as leituras obrigatórias que devem ser feitas a esse respeito:
 Leitura complementar
1. REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001 (Capítulo XIX: Situações subjetivas 
e direito subjetivo – da página 251 até a 266).
2. KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Uma análise crítica da interpretação na Teoria Pura do Direito. Dispo-
nível no endereço: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/25434-25436-1-PB.pdf
3. No livro texto da disciplina, o seguinte tópico: “Fontes do direito: direito objetivo e direito subjetivo” (da 
página 76 até a 80)
A ideia de objetividade das normas em face da composição interpretativa da experiência jurídica 
Ordinariamente, a expressão “direito objetivo” é usada no sentido de “direito positivo”, “ordenamento jurídi-
co”, indicando “o conjunto das normas jurídicas válidas”. Tenha em vista, todavia, que o termo “objetivo” pode 
receber diferentes interpretações, assim como ocorre em relação a qualquer palavra. Entre os significados que 
podem ser atribuídos a esse termo, existe o seguinte: “algo que apresenta objetividade, a qualidade de não depen-
der do sujeito”. No entanto, podemos fazer o seguinte questionamento: retrata a realidade do direito o relato de 
que “as normas jurídicas são dotadas de objetividade, pois não dependem dos intérpretes (sujeitos que aplicam 
ou observam os enunciados normativos) e dos contextos de interpretação”?
Com efeito, no âmbito das teorias da única decisão correta (que sustentam a ideia de que existe apenas uma 
única interpretação certa em cada caso), é firmado o entendimento de que a norma não deixa espaços de es-
colha para o aplicador do direito, que deve apenas conhecer o direito prévio e aplicá-lo ao caso concreto. Sob 
tal perspectiva, existente na Escola da Exegese (corrente teórica que você estudou na unidade passada), por 
exemplo, a norma jurídica não apresenta dependência em relação ao intérprete e ao contexto de interpretação. 
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Todavia, é importante que você compreenda que representa uma postura radical a ideia de que as normas jurídicas 
independem plenamente dos seus aplicadores.
 Palavras do Professor
Caro(a) aluno(a), efetivamente, conforme observou Kelsen, os enunciados normativos não determinam de um modo 
completo a aplicação do direito, e deixam espaços de escolha para os intérpretes. Por um lado, esses espa-
ços de escolha podem ser intencionalmente estabelecidos pelos criadores dos enunciados normativos. Afinal, 
existe uma necessidade social de deixar abertas questões jurídicas para que, apenas diante do caso concreto, 
haja escolha sobre a resposta a ser dada. Por vezes, só uma apreciação das circunstâncias concretas de um 
problema pode levar a soluções jurídicas adequadas.
É necessário deixar para os aplicadores do enunciado normativo, por exemplo, a escolha de qual pena deve ser 
atribuída a um homicídio, tendo em vista que o homicídio pode ser praticado em circunstâncias muito diferentes, 
com motivações e métodos de concretização muito variados. Você deve levar em consideração que o legislador 
não pode prever todas ascircunstâncias, todas as possíveis combinações de acontecimentos. Por outro lado, 
os espaços de escolha para os intérpretes podem existir independentemente da intenção dos que criam os 
enunciados normativos. De acordo com o que você estudou na segunda unidade, as palavras e as sequências 
de palavras podem ser vagas e ambíguas, e podem apresentar uma pluralidade de significações. Dessa maneira, 
o julgador se encontra frequentemente, diante de diversos significados possíveis quando interpreta um enunciado 
normativo. Assim, entre os sentidos possíveis, o aplicador do texto deverá fazer uma escolha, e as crenças, os 
valores e os preconceitos do julgador poderão influenciar a decisão.
 
 Praticando
Portanto, é cabível concluir que as normas jurídicas não são dotadas de “objetividade”, se esse termo for usado 
no sentido de independência do intérprete e do contexto de interpretação. Devemos ressaltar, todavia, que o uso 
do termo “direito objetivo” não implica o entendimento de que as normas independem dos intérpretes. Hans 
Kelsen, por exemplo, usou a expressão “direito objetivo” para designar a ordem jurídica (o sistema de normas 
jurídicas), mas admitiu que os juízes criam direito ao interpretar. Desse modo, ao usarmos a expressão “direito 
objetivo” para designar as normas jurídicas, é razoável concluir que o direito objetivo depende dos intérpretes.
Caro(a) estudante, essa carência de objetividade é relativamente fácil de ser percebida em alguns casos di-
fíceis que provocam dissenso em uma comunidade de intérpretes, mas pode ser difícil percebê-la em casos 
rotineiros, constantemente recorrentes em contextos similares, em que há acordo geral, nos julgamentos, acerca 
da aplicabilidade dos termos de um enunciado normativo jurídico. Porém, podemos enxergar o espaço da incerteza 
e da criação inclusive nos casos rotineiros, nos quais a solução a ser dada por meio da decisão parece ser clara, 
óbvia.
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Com efeito, é cabível argumentar contra a concepção de que existem textos normativos que são claros (diante 
dos quais apenas é reproduzido um sentido evidente, sendo preservada uma rígida separação entre a criação e 
a aplicação do direito). Você deve ter em vista que a clareza que se manifesta em tais casos não é uma qualida-
de intrínseca do “texto”, mas é algo contextual, é um elemento de um contexto interpretativo em que um conjunto 
de intérpretes estabeleceu um acordo quanto ao sentido do texto em relação a determinados tipos de caso. Afi-
nal, as palavras não têm significados inerentes, e a ligação entre os signos linguísticos e os seus significados é 
o resultado de convenções sociais. Dessa maneira, tenha em vista que a clareza não é uma qualidade do texto, 
mas sim o produto de consensos entre intérpretes. 
 Dica!
Observe, no entanto, que a linguagem tem um caráter dinâmico, e as ligações entre “significantes” e “significa-
dos” são múltiplas e não definitivas postas em permanente modificação pela prática, pelo uso da linguagem. 
Palavras como “justiça”, “razoável” e “obsceno”, por exemplo, podem receber diferentes significados em diferentes 
contextos de interpretação. A clareza, assim, surge como algo circunstancial, referencial, relativo. Decorrente 
do acordo quanto ao significado em uma comunidade de intérpretes, a clareza expressa uma orientação inter-
pretativa. E, em virtude da ausência de fronteiras definitivas nas palavras, a “clareza” deixa sempre abertura 
para que discordâncias possam surgir. Desse modo, você pode considerar o seguinte: se o intérprete segue a 
“clareza”, não reproduz um significado inerente ao texto (algo que não existe), mas estabelece uma ligação 
entre “significante e significado” que é tão comum em um contexto interpretativo que gera uma aparente evidência.
O caráter interpretativo do Direito Subjetivo 
De acordo com o que examinamos, as normas jurídicas dependem do contexto de interpretação e do intérprete, 
e o direito objetivo tem uma composição interpretativa. Porém, podemos questionar se há, também, um caráter inter-
pretativo no direito subjetivo.
O termo “direito subjetivo” pode ser entendido como “proteção jurídica a um interesse”. Assim, o direito sub-
jetivo existe quando uma norma jurídica protege um determinado interesse. Desse modo, falar que alguém tem 
o direito à vida, por exemplo, implica dizer que o direito objetivo protege a vida.
 
 Praticando
Contudo, o conceito de direito subjetivo já foi desenvolvido de várias maneiras na história das ideias jurídicas, 
e são diversos os entendimentos a respeito da dependência ou independência do direito subjetivo em relação 
ao aplicador do direito. Segundo a Escola da Exegese, por exemplo, cabe ao juiz o mero papel de ser “a boca 
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da lei” (de acordo com a metáfora usada por Montesquieu), e o direito subjetivo é percebido como algo que 
independe dos aplicadores do enunciado normativo. Sob tal perspectiva, cabe ao aplicador do enunciado nor-
mativo conhecer, ante as circunstâncias do caso, o direito subjetivo estabelecido pelo legislador. Assim, seria 
preservada a separação dos poderes, e afirmada a segurança jurídica (a previsibilidade da atuação estatal).
Porém, de acordo com o que você já estudou na unidade anterior, o cenário recente da Teoria do Direito e da 
Filosofia do Direito é marcado pela ênfase na indeterminação do direito e pela consciência de que as normas 
jurídicas têm uma composição interpretativa. Ante tal horizonte do pensamento jurídico, é proeminente a com-
preensão de que o direito subjetivo tem um caráter interpretativo. Na medida em que as normas jurídicas são 
vistas como dependentes da interpretação, o direito subjetivo como proteção jurídica a um interesse por meio 
de normas jurídicas figura, consequentemente, como algo que depende do intérprete e do contexto da interpretação.
O conceito de Ordenamento Jurídico e o problema das Antinomias 
Após analisar aspectos da dimensão interpretativa das normas jurídicas e do direito subjetivo, passaremos a 
tratar do conceito de ordenamento jurídico e de um dos problemas fundamentais da interpretação jurídica: as anti-
nomias.
Usualmente, o termo “ordenamento jurídico” é definido como “o direito positivo, o conjunto das normas jurídicas”. 
Porém, tendo em vista o caráter indeterminado do direito, é cabível uma crítica a tal definição de ordenamento 
jurídico. De acordo com João Maurício Adeodato (jurista proeminente no cenário teórico brasileiro), podemos 
compreender que o ordenamento jurídico não é o conjunto de normas jurídicas, mas sim “o conjunto das fontes 
do direito”. 
O ordenamento jurídico é composto por enunciados normativos, por conjuntos de “significantes” que integram as 
diversas fontes do direito (como leis, decisões judiciais, contratos, etc.). Por sua vez, as normas jurídicas são 
produtos de atividades interpretativas, são “significados” atribuídos a enunciados normativos. Todavia, devemos 
ressaltar que ainda não é frequente, no campo das ideias jurídicas, essa perspectiva de que o ordenamento jurídico 
é um conjunto de fontes do direito e as normas são “significados”. Efetivamente, tenha em vista que a doutrina 
jurídica ainda é marcada por uma confusão entre “textos” e “normas”, entre “significantes” e “significados”.
Podemos argumentar, entretanto, que a existência de níveis de efetiva comunicação (acordos quanto aos signi-
ficados dos enunciados normativos) representa uma condição necessária para que haja controle social. Com 
efeito, você deve ter em vista que a atividade do Judiciário é marcada pela existência de “casos claros”, que 
se repetem frequentemente em circunstâncias similares e não envolvem relevantes problemas argumentativos. 
Nesses casos rotineiros (sobre os quais já discutimos), existe uma clareza em relação à solução a ser dada, 
há um amplo grau de acordo entre os juízes em relação ao enunciado normativo (significante) que deve ser 
aplicado e ao significado que deve ser atribuído. 
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 Praticando
Assim, por exemplo, ordinariamente não há problemasinterpretativos em torno do enunciado normativo que 
dispõe que “Brasília é a Capital Federal” (art. 18, § 1º, da Constituição Federal de 1988). Porém, há os chamados 
“casos difíceis”, ante os quais não há acordo em relação à resposta a ser dada. Desse modo, por exemplo, 
o princípio da dignidade da pessoa humana (firmado no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988) provoca 
controvérsias interpretativas, significativas divergências em torno do conceito de dignidade e do peso interpretativo 
de tal princípio.
Entretanto, podemos fazer o seguinte questionamento: o que deve fazer o intérprete dos enunciados normativos 
jurídicos quando concluir que existe uma contradição entre as normas que resultaram da sua interpretação? Em 
outras palavras, podemos perguntar o que deve fazer um intérprete (na aplicação ou observância do direito) diante 
da existência das antinomias jurídicas que são conflitos entre normas que resultam da interpretação de fontes 
do direito. Primeiramente, como postura possível para solucionar contradições entre normas, o intérprete pode 
buscar, dentro dos limites dos enunciados normativos, alternativas interpretativas que conduzam a normas não 
contraditórias. 
 Palavras do Professor
Caro(a) aluno(a), conforme já enfatizamos, os enunciados normativos são, ordinariamente, vagos e ambíguos. 
É possível, desse modo, que o aplicador do direito tenha diante de si a seguinte situação interpretativa: dois tex-
tos normativos podem receber uma interpretação que resulte em normas contraditórias, mas também podem receber 
uma interpretação que produza normas que não apresentem contradições entre si. Assim, por exemplo, um juiz 
pode ter diante de si um texto legal que admite diversas interpretações, mas uma possibilidade interpretativa 
se opõe a uma norma constitucional, e outra possibilidade de interpretação é harmônica com a Constituição. Em tais 
circunstâncias, o aplicador do direito tem a possibilidade de resolver um conflito normativo por meio da escolha de 
uma alternativa de interpretação que harmonize os sentidos dos dois enunciados.
Por outro lado, o intérprete pode solucionar uma contradição entre normas escolhendo qual enunciado normativo 
aplicará. Para identificar qual enunciado normativo deve prevalecer diante de um conflito entre regras, o intérprete 
pode utilizar alguns métodos: o método da posterioridade (ou cronológico), o método hierárquico e o método da 
especialidade. Segundo o método cronológico (expresso por meio da máxima lex posterior derogat priori), o enuncia-
do normativo posterior deve prevalecer sobre o anterior. Já de acordo com o método hierárquico, a disposição 
normativa superior prevalece sobre a inferior (lex superior derogat inferiori). Desse modo, você deve ter em 
vista que cabe ao intérprete, ante a estrutura hierárquica do ordenamento jurídico, observar as ligações de 
superioridade e inferioridade levando em consideração que um enunciado normativo é inferior em relação ao outro 
do qual retira o seu fundamento de validade. Por outro lado, o método da especialidade (lex specialis derogat 
generali) dispõe que o enunciado normativo que trata a matéria de um modo mais específico deve prevalecer sobre 
o enunciado normativo que trata a questão de uma maneira mais geral.
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 Guarde essa ideia!
Porém, você deve ter em mente que esses métodos podem entrar em conflito entre si, e eles não são suficientes 
para a resolução de todos os conflitos entre normas jurídicas. Quando as normas em conflito resultam de inter-
pretações de enunciados normativos que estão em um mesmo plano hierárquico, temporal e de especialidade, esses 
métodos não funcionam. Ademais, podemos dizer que esses métodos não são adequados, de um modo geral, para 
solucionar conflitos entre “princípios jurídicos”.
Para perceber apropriadamente a insuficiência desses três métodos para a resolução de todas as antinomias, é 
cabível uma reflexão sobre a distinção entre “princípios” e “regras” (que são dois tipos de normas). Com efeito, 
tenha em vista que há diversos critérios que são usados para essa distinção, entre os quais ganham destaque 
o grau de generalidade e o modo de solução de antinomias. 
De acordo com o critério da generalidade, os princípios são caracterizados pelo elevado grau de generalidade 
que apresentam, enquanto nas regras esse grau é baixo. Contra esse critério, podemos argumentar que apre-
senta grande imprecisão, pois os limites que separam as regras dos princípios ficam demasiadamente indefinidos. 
Apesar de haver dispositivos que manifestam com relativa clareza um acentuado ou reduzido nível de generalidade 
(a exemplo, respectivamente, do princípio da dignidade da pessoa humana e do artigo 18, § 1º, da Constituição 
Federal, que dispõe que “Brasília é a Capital Federal”), as fronteiras entre o alto e o baixo grau de generalidade 
são obscuras.
 
 Palavras do Professor
Por outro lado meu caro, é importante que você perceba que o modo de solução de conflitos entre normas re-
presenta um fator que leva a uma diferenciação qualitativa entre regras e princípios. Fique atento ao seguinte: 
um conflito entre duas regras pode ser resolvido pela consideração de que um dos enunciados normativos é 
inválido. Critérios como o da posterioridade (lex posterior derogat priori), da superioridade (lex superior derogat 
inferiori) e da especialidade (lex specialis derogat generali) podem resolver a questão de qual enunciado normativo 
deve prevalecer. Esses critérios podem servir, por exemplo, para a solução de uma antinomia entre dois dispo-
sitivos que estabeleçam prazos distintos para a interposição do mesmo recurso. Tenha em foco, entretanto, 
que a “validade é a qualidade de pertencer ao ordenamento jurídico”. Essa não é uma qualidade das normas 
(significados), mas sim dos enunciados normativos (significantes) que integram as fontes do direito. 
Assim, por meio da consideração de que não há validade jurídica em um enunciado normativo (significante) que 
dá lugar a uma regra (significado) que se contrapõe a outra, a antinomia pode ser solucionada.
Contudo, as colisões entre princípios encontram solução além da dimensão da validade, e a decisão de aplicar 
um dos princípios contrapostos não implica o reconhecimento da invalidade de um enunciado normativo, mas 
sim que as circunstâncias do caso levaram a uma ponderação pela qual um determinado princípio prevaleceu. 
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Assim, por exemplo, no Habeas Corpus nº 82424-2 foi configurado uma colisão entre os princípios da dignidade da 
pessoa humana e o da liberdade de expressão, e o Supremo Tribunal Federal concluiu que, diante das circuns-
tâncias do caso (no qual se constatou a publicação de livros com teor antissemita), o primeiro princípio deveria pre-
valecer pois o preceito fundamental da liberdade de expressão não poderia contemplar práticas racistas. Desse 
modo, é importante que você perceba que o julgamento que fez prevalecer do princípio da dignidade não envolve uma 
declaração de invalidade do enunciado normativo que estabelece o princípio da liberdade de expressão, mas sim 
uma ponderação de valores. Todavia, perante circunstâncias distintas, a colisão entre os princípios poderá ser 
resolvida de outra maneira, e o princípio que não foi aplicado no caso poderá prevalecer em outro contexto.
Entretanto, observa-se que as regras apresentam uma diferença qualitativa em relação aos princípios, pois 
estes, de acordo com Ronald Dworkin (um dos mais importantes filósofos do direito no cenário recente das 
ideias jurídicas), têm uma dimensão que as regras não têm a dimensão do peso e da importância. Ante essa 
dimensão, as soluções de conflitos entre princípios podem ser expressas como julgamentos sobre qual das 
normas em colisão é afirmativa do valor que tem maior importância, maior “peso” no contexto do caso.
Com essas observações, concluímos este guia de estudos. Ressaltamos, outra vez, que é importante que você faça 
todas as atividades que forem propostas no ambiente virtualde aprendizagem.
Espero que tenha gostado mais uma vez de nosso encontro. Lembro você se caso for preciso procure seu tutor 
para esclarecer suas dúvidas, caso tenha alguma.
Nos veremos em breve em nossa quarta e última unidade, até breve.
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 Referências Bibliográficas:
No livro texto da disciplina, o seguinte tópico: “Fontes do direito: direito objetivo e direito subjetivo” (da 
página 76 até a 80).
ADEODATO, João Maurício Leitão. A construção retórica do ordenamento jurídico – Três confusões so-
bre ética e direito. Pensar – Revista de Ciências Jurídicas. file:///C:/Users/010109231/Downloads/1990-
7934-1-PB.pdf
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