Prévia do material em texto
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E ESCRITA W BA 00 35 _v 2. 0 44 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E ESCRITA SUMÁRIO Apresentação da disciplina 5 Pensamento e linguagem 6 Linguagem escrita e linguagem oral 21 Comunicação e linguagem 37 Metodologia e didática: competências linguísticas e ensino 50 55 5 Apresentação da disciplina Caro aluno, A disciplina “Aquisição da Linguagem e Escrita” apresenta um importante corpo de conhecimento para os profissionais da área da Educação, enquanto fundamentação para suas atuações no processo de aprendizagem junto aos sujeitos envolvidos no seu contexto de trabalho. Embora haja ênfase nos primeiros anos de desenvolvimento humano para entendimento do processo em questão, a partir do que será discutido sobre desenvolvimento do pensamento e da linguagem no ser humano, construção da linguagem escrita e oral, criatividade comunicativa e a expressão através da fala, da escrita e da leitura e aquisição e ensino de competências linguísticas, você poderá compreender de forma mais aprofundada características de uma população dita como letrada. Verá que a maturação biológica apresenta constante interação com o ambiente, mas é justamente no ambiente que se pode atuar de forma eficaz para contribuir na aquisição bem-sucedida e no desenvolvimento do uso da linguagem oral e, principalmente, da linguagem escrita. Verá também que a linguagem é diretamente relacionada aos processos psicológicos e cognitivos, havendo um importante debate no que se refere ao pensamento. Além disso, as interações sociais são postas em destaque, contribuindo para que além da observação da diversidade de falantes e escreventes, atente-se ainda ao contexto político, social, econômico, entre outros subjacentes ao ato de se comunicar. Neste sentido, quais as competências linguísticas necessárias para ensinar de forma apropriada a língua? Essas competências estão presentes nas escolas? 66 Pensamento e linguagem Autora: Nancy Capretz Batista da Silva Objetivos • Relacionar o desenvolvimento de linguagem e de pensamento a partir de uma perspectiva sociocultural. • Identificar a análise psicolinguística de L. S. Vygotsky sobre as relações entre pensamento e linguagem. • Descrever o processo em que a fala se torna intelectual e o pensamento se torna verbalizado no significado da palavra. 77 7 1. O desenvolvimento do pensamento e da linguagem: Vygotsky e a perspectiva sociocultural Você já se perguntou o que está por trás da aquisição da linguagem e da escrita? Precisamos considerar que o desenvolvimento da linguagem acontece a vida toda, mas adquire um nível suficiente para a participação social ainda na infância. Na idade adulta tende a se aprimorar e se modificar dependendo do contexto de vida da pessoa. Quando os estudiosos da área tentaram elaborar uma compreensão racional sobre a linguagem, se encontraram com outro processo igualmente relevante, o pensamento. Haveria distinção entre linguagem e pensamento? Em que ponto eles nos auxiliam no ensino da escrita? Procure se debruçar sobre estas questões com apoio teórico, considerando suas observações cotidianas. Pensamento e linguagem sempre estiveram associados e constituíram- se objeto de investigação para psicólogos e linguistas. Para alguns teóricos, pensamento e linguagem diziam respeito ao mesmo processo de forma indissociável e, segundo essa concepção, ficaria impossível estudar cada um dos processos de forma independente. Para outros, são processos independentes, com vínculo puramente externo. Vílchez (2007) considera pensamento e linguagem condutas interdependentes que se relacionam estreitamente entre si. Por isso, o estudo destes processos é bastante complexo, exigindo interdisciplinaridade por se referirem a diversos campos científicos. A especificidade, profundidade e extensão dessas relações são admitidas por autores como Piaget, a escola Soviética e o cognitivismo, porém a maioria das escolas e dos autores coloca ênfase a um ou outro processo. Para sua melhor compreensão do assunto, tenha em mente que uma posição eclética deve prevalecer, pois qualquer redução a um dos componentes pode trazer a perda de algum aspecto importante da relação entre pensamento e linguagem. Alguns motivos para que se considere pensamento e linguagem interdependentes: 88 • O pensamento precisa da palavra para se objetivar de maneira clara e articulada. • Ao pensar falamos com nós mesmos (linguagem interna). • A linguagem é facilitadora e inibidora do pensamento (Bernstein, Sapir, etc.). • A linguagem é reguladora da conduta (Luria). • A linguagem é elemento facilitador na tarefa de solução de problemas. • A linguagem participa da formação e expressão de conceitos e raciocínios. • A linguagem é indicativa do tipo de pensamento de um sujeito (estilo cognitivo) e de sua capacidade mental (hipótese de partida de muitos testes de inteligências) etc. (VÍLCHEZ, 2007, p. 154). Essa interdependência é significativa para diagnosticar e tratar os transtornos do pensamento (esquizofrenia, obsessão, compulsão, delírios) e da linguagem oral e escrita como, por exemplo: disartria, disfonia, transtorno articulatório, afasia e dislexia entre outros. Para Vygotsky (2000), a decomposição entre pensamento e linguagem, cada um na sua forma pura, não elucida o que se observa quanto ao pensamento discursivo durante a primeira infância. O autor propõe que a palavra seja a unidade de referência para essa investigação uma vez que se trata do que considerou “pensamento verbalizado” e, possuiria propriedades relativas aos dois componentes. Percebe-se, então, que para Vygotsky, é no significado da palavra que se pode entender como se dá a relação entre pensamento e linguagem. Como ficará explícito mais adiante, a palavra não se refere a um único objeto, mas remete a todo um grupo ou classe de objetos. Assim, o método de análise da relação entre pensamento e linguagem, segundo Vygotsky, é semântico, do sentido da linguagem, do significado da palavra. “Um pensamento pode ser comparado a uma nuvem parada, que descarrega uma chuva de palavras” (VYGOTSKY, 2000, p. 478). 99 9 ASSIMILE A teoria sócio-histórica, adotada aqui, coloca no significado da palavra a relação de interdependência existente entre os processos de pensamento e linguagem, pois se constitui em pensamento verbalizado, possuindo, desta forma, propriedades relativas aos dois componentes. Skinner, entre os anos 1950 e 1960, explicou a relação entre linguagem e pensamento por meio do que chamou de comportamento verbal. Para ele, quando o ouvinte e o falante são uma única pessoa, esta se engaja em atividades tradicionalmente descritas como “pensamento”. “O falante manipula seu comportamento; ele o revê e pode rejeitá-lo ou emiti-lo de forma modificada” (SKINNER, 1978, p. 26). A linguagem possui duas importantes funções: permite a comunicação e a generalização. Embora grande parte dessas duas funções estejam diretamente relacionadas (a generalização facilita a comunicação e vice-versa), é importante pensarmos nessas duas funções de forma individualizada. Por meio da linguagem é possível a comunicação social, enunciação e compreensão. Desta forma, a linguagem, enquanto sistema de signos, medeia a comunicação, a qual [...] estabelecida com base em compreensão racional e na intenção de transmitir ideias e vivências, exige necessariamente um sistema de meios cujo protótipo foi, é e continuará sendo a linguagem humana, que surgiu da necessidade de comunicação no processo de trabalho (VYGOTSKY, 2000, p. 11). Já a generalização refere-se a um ato verbal do pensamento, de forma que a linguagem possa refletir a realidade por meio de uma palavra, a qual não se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupo ou 1010 classe de objetos. Podemos nos referir com uma única palavra a toda uma classe de objetos ou sensações. Por exemplo, ao nos referirmos à palavra “árvore” permitimos a formação de todauma gama imensa de imagens de diferentes árvores que encontram-se reunidas sob um único nome. Um outro exemplo seria a criança pequena olhar para o cachorro da vizinha toda vez que o pai fala a palavra “cachorro”, que inicialmente, para ela, refere-se somente a este ser; contudo, ao longo do desenvolvimento desta criança, ela vai entrar em contato com outros animais, com imagens de animais, vídeos de animais, e passará a discriminar diferentes cachorros, usando o termo “cachorro” para outros que não apenas aquele da vizinha e identificando o significado do termo para todo um grupo que corresponde a uma espécie de animais. Por isso que a palavra não se refere a um objeto isolado, porque seu entendimento depende de uma construção mais abrangente de conceitos compartilhados pelos falantes e ouvintes. Segundo Vygotsky (2000), por meio do método clínico “os estudos de Jean Piaget constituíram toda uma época no desenvolvimento da teoria da linguagem e do pensamento da criança” (p. 19). A psicologia tradicional explicava o pensamento infantil enfatizando suas lacunas e deficiências, enquanto que Piaget mostrou seu aspecto positivo, suas peculiaridades e propriedades distintivas. Para Piaget (2012), a unidade de todas as peculiaridades do pensamento infantil é o egocentrismo. O pensamento egocêntrico seria uma forma transitória situada entre o pensamento autístico e o pensamento inteligente dirigido, analisando-se de um ponto de vista genético, funcional e estrutural. Assim, primeiramente, o pensamento serviria à satisfação de necessidades, surgindo de forma mais arbitrária como brincadeira ou fabulação. Apenas no final do desenvolvimento pré-operatório o social apareceria e a linguagem social sucederia a egocêntrica. De forma oposta, para Vygotsky (2000), a linguagem da criança é desde o início social, pois sua função primária é comunicar, relacionar 1111 11 socialmente, influenciar as pessoas à sua volta. Em uma determinada faixa etária a linguagem da criança pode ser mais dirigida para si do que comunicativa, mas ambas são funções sociais. Este teórico acredita que até mesmo a linguagem egocêntrica é social porque a criança transfere para o campo das funções psicológicas pessoais as formas sociais de pensamento e as de colaboração coletiva. Desta forma, na evolução do pensamento durante a infância, existe uma fase pré-verbal e raízes pré- intelectuais da fala, que são conhecidas como gritos, balbucios e até as primeiras palavras, que diferem do desenvolvimento do pensamento. Nesta fase já se manifesta a função social da fala. Nesta mesma linha, até mesmo por tratar-se de um estudioso também de uma perspectiva sociocultural, A. R. Luria descreve que, no início, a fala do adulto regula o comportamento da criança por suas propriedades físicas (tom, intensidade, ritmo e outros), impulsoras ou inibidoras. Por volta dos três anos de idade, a regulação torna- se autônoma, mas ainda dependendo de que a fala autodirigida seja audível por causa de suas propriedades impulsivas. Aproximadamente aos quatro anos e meio o significado do que se diz começa a ser efetivo (dimensão semântica) e, assim, a verbalização autorreguladora perde a necessidade de ser audível, tornando-se, de acordo com a terminologia original, interiorizada (COLL, PALACIOS & MARCHESI, 1995). PARA SABER MAIS Alexander Romanovich Luria (1902–1977) foi um famoso neuropsicólogo soviético especialista em psicologia do desenvolvimento. Foi um dos fundadores da psicologia cultural-histórica, na qual se inclui o estudo das noções de causalidade e pensamento lógico-conceitual da atividade teórica enquanto função do sistema nervoso central (OLIVEIRA, REGO, 2010). 1212 Destaca-se entre as contribuições de Luria a importância da função autorreguladora na construção do psiquismo, salientando-se as interações sociais envolvidas neste processo: [...] a mediação verbal das ações modifica qualitativamente qualquer outra função cognitiva, como, por outro, sua origem social, ou seja, aprendemos a nos autorregular no decorrer de experiências interativas, compartilhando a atividade com um companheiro capaz de guiá- la verbalmente, antes de sermos capazes de mediar nossa atividade autonomamente (COLL, PALACIOS, MARCHESI, 1995, p. 164). 1.1 Fala intelectual e pensamento verbalizado As pessoas vivem na linguagem, falando e ouvindo constantemente a fala, e em alguma transformação da linguagem falada acontece boa parte do seu pensamento, sua imaginação e sua solução de problemas silenciosos (LEAVITT, 2006). Assim, essa relação entre pensamento e linguagem e como ela ocorre possui relevância substancial. É importante ressaltar que da mesma forma que as raízes genéticas de pensamento e linguagem são diversas, estes processos não caminham em paralelo o tempo todo, mas convergem e divergem ao longo do desenvolvimento. No pensamento do adulto, “a relação entre intelecto e linguagem não é constante e idêntica para todas as funções e formas de atividade intelectual e verbalizada” (VYGOTSKY, 2000, p. 114). É aproximadamente aos dois anos de idade que pensamento e fala cruzam-se e dá-se início a uma nova forma de comportamento muito característica do homem. A fala se torna intelectual e o pensamento verbalizado, sendo que a criança começa a perguntar sobre a nomeação de coisas novas e seu vocabulário é ampliado ativamente, de forma extremamente rápida e aos saltos. A criança passa a precisar nomear e comunicar por meio dos signos, como se houvesse descoberto a função simbólica da linguagem. 1313 13 Figura 1 – Crianças passam a nomear e comunicar por meio dos signos por volta dos dois anos de idade Fonte: SarahlWard/iStock.com. O desenvolvimento da linguagem passa por quatro estágios, de acordo com Vygotsky (2000): 1. Natural ou primitivo (linguagem pré-intelectual e pensamento pré-verbal). 2. Psicologia ingênua (a criança assimila “estruturas e formas gramaticais antes de assimilar as estruturas e operações lógicas correspondentes a tais formas”, p. 138). 3. Linguagem egocêntrica (“signos exteriores, operações externas que são usadas como auxiliares na solução de problemas internos”, p. 138. Ex.: contar nos dedos). 4. ‘Crescimento para dentro’ (“as operações externas se interiorizam [...] A criança começa a contar mentalmente, a usar a “memória lógica”, isto é, a operar com relações interiores em forma de signos interiores. No campo da fala, isto corresponde à linguagem interior ou silenciosa”, p. 138). 1414 De acordo com Corrêa, existem diversas evidências experimentais na pesquisa em aquisição da linguagem sob uma perspectiva psicolinguística (ou seja, especificamente sobre o processo de aquisição da língua considerando como o material linguístico é processado pela criança) quanto às habilidades de percepção e linguagem da criança antes do aparecimento da fala (CORRÊA, 2006). Dados da psicologia sugerem que a palavra, por longo tempo, é para a criança uma propriedade do objeto para só depois tornar-se um símbolo do objeto, ou seja, é primeiro palavra-objeto para depois assimilar sua estrutura interna ou simbólica. A linguagem interior (para si) se desenvolve a partir de mudanças estruturais e funcionais. Ela se separa da linguagem exterior (para os outros) das crianças quando as funções social e egocêntrica da linguagem são diferenciadas. Além disso, as estruturas da linguagem que a criança já domina tornam-se básicas de seu pensamento. Assim, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem é mais que um desenvolvimento biológico, mas trata-se de um desenvolvimento histórico-social. Apenas a partir da unidade entre comunicação e generalização (os processos de desenvolvimento dos aspectos semântico e sonoro da linguagem em sentidos opostos, como explicado mais adiante) é que se começa a compreender a relação efetiva entre o desenvolvimento do pensamento da criança e o seu desenvolvimento social. E o desenvolvimento de conceitos ousignificados das palavras abstratas, como ocorre? Bem, para Piaget (2012), apenas na adolescência a pessoa chega a esse tipo de pensamento. Já Vygotsky (2000) estabeleceu experimentalmente que isso acontece durante a idade infantil, havendo estágios básicos de desenvolvimento desses significados. Assim, a mudança dos significados das palavras e seu desenvolvimento diferem do postulado de todas as teorias anteriores do pensamento e da linguagem de que haveria constância e imutabilidade do significado da palavra. 1515 15 É interessante notar que o que se percebe no desenvolvimento da linguagem da criança, no seu aspecto fásico (externo), é uma construção das partes para o todo. A partir de uma palavra concatena-se duas ou três palavras, depois tem-se uma frase simples e da concatenação de frases tem-se proposições complexas e finalmente uma linguagem coordenada e formada por uma série desenvolvida de orações. Assim, a criança diz “au-au” para expressar que está vendo um cachorro passar em frente à sua casa porque ainda não pronuncia outras palavras que possam servir para expressar aquela situação e comunicá-la ao adulto que lhe acompanha. Contrariamente, para Vygotsky (2000), No desenvolvimento do aspecto semântico da linguagem, a criança começa pelo todo, por uma oração, e só mais tarde passa a apreender as unidades particulares e semânticas, os significados de determinadas palavras, desmembrando em uma série de significados verbais interligados o seu pensamento lacônico e expresso em uma oração lacônica (p. 410). O que se explica aqui é que a primeira palavra da criança significa uma frase inteira: uma oração lacônica. Por exemplo, quando a criança diz “água” ou um som parecido, ela quer dizer algo do tipo “Eu quero beber água”. Apenas em uma palavra apresenta-se o significado do sujeito e da ação em relação ao objeto. O significado do “eu” em relação aos outros, dos verbos “querer” e “beber” ainda serão diferenciados. Assim, o desenvolvimento do aspecto semântico transcorre do todo para a parte, da oração para a palavra; já do aspecto fásico (externo) transcorre da parte para o todo, da palavra para a oração. Neste sentido, a linguagem não é expressão de um pensamento pronto, pois este se reestrutura e se modifica ao transformar-se em linguagem, se realizando na palavra. O desenvolvimento no sentido oposto aos dois aspectos constitui, assim, a autêntica unidade de entendimento da relação entre pensamento e linguagem. 1616 Retomando a linguagem egocêntrica, sua função é semelhante à da linguagem interior: autônoma, ou seja, serve o pensamento da criança quanto à orientação intelectual, tomada de consciência da superação das dificuldades e dos obstáculos e reflexão. Ao longo do desenvolvimento da criança, aproximadamente entre os três e os sete anos de idade, [...] por trás do declínio do coeficiente de linguagem egocêntrica esconde- se o desenvolvimento positivo de uma das peculiaridades centrais da linguagem interior – a abstração do aspecto sonoro da linguagem e a diferenciação definitiva de linguagem interior e linguagem exterior (VYGOTSKY, 2000, p. 435). Cabe aqui destacar que, assim como exposto anteriormente, não há coincidência direta entre o pensamento e a sua expressão verbalizada. O pensamento ocorre em ato único, é algo integral, está na mente de uma pessoa como um todo, permite simultaneidade e é consideravelmente maior em extensão e volume que uma palavra isolada. Em contrapartida, a expressão, o desenvolvimento da linguagem, ocorre sucessivamente, é em palavras separadas, que surgem gradualmente, por unidades isoladas. Esta característica da relação entre pensamento e linguagem explica porque “o processo de transição do pensamento para a linguagem é um processo sumamente complexo de decomposição do pensamento e sua recriação em palavras” (VYGOTSKY, 2000, p. 478). E assim retorna-se à unidade de análise da relação entre pensamento e linguagem: o aspecto interno da palavra, ou seja, o seu significado. Por ele passa a expressão do pensamento em palavras e neste complexo processo pode-se considerar as palavras imperfeitas e o pensamento inexpressível. Neste processo, o pensamento é mediado internamente pelos significados, e externamente, para tornar-se expressão verbal, é mediado por signos, motivo para a falta de equivalência direta entre o pensamento e a linguagem (VYGOTSKY, 2000). 1717 17 Resumindo, como pontua Corrêa (2006), bebês humanos aprendem de forma bem-sucedida as palavras devido à sua capacidade de descobrirem as unidades linguísticas e conceituais relevantes e a sua correspondência. Desta forma, uma valiosa informação para estimulação da criança é que, mesmo que o bebê ainda não fale, nomear tem importantes consequências cognitivas. Nesta Leitura Fundamental sobre pensamento e linguagem você pôde analisar sob a ótica da teoria sócio-histórica que pensamento e linguagem são condutas interdependentes e que é no significado da palavra que se estabelece a relação entre esses processos. O desenvolvimento do pensamento e da linguagem é mais que um desenvolvimento biológico, trata-se de um desenvolvimento histórico- social. Da mesma forma que as raízes genéticas de pensamento e linguagem são diversas, estes processos não caminham em paralelo o tempo todo, mas, aproximadamente aos dois anos de idade, cruzam-se: a fala se torna intelectual e o pensamento verbalizado. Isso não significa que haja coincidência direta entre o pensamento e a sua expressão verbalizada. O desenvolvimento do aspecto semântico transcorre do todo para a parte, da oração para a palavra; já do aspecto fásico (externo), transcorre da parte para o todo, da palavra para a oração. Conclui-se, ainda, que as funções da linguagem são a comunicação e a generalização. TEORIA EM PRÁTICA A educação brasileira estabelece a meta de aprendizagem da escrita para os alunos na faixa etária de 6 anos, havendo certa flexibilidade para que esta aprendizagem ocorra dentro dos três anos seguintes. Imagine que você participará de uma reunião com professores da educação infantil de um município e precisa esclarecer a quais processos importantes eles precisam se atentar no desenvolvimento do pensamento e da linguagem de crianças para que 1818 possam aprimorar habilidades que serão relevantes na aquisição da escrita. Quais pontos você destacaria? Inclua, entre outros tópicos, explicações sobre o momento no desenvolvimento em que a fala se torna intelectual e o pensamento verbalizado e a questão dos limites biológicos e possibilidades histórico-sociais do desenvolvimento. VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. Pensamento e linguagem, para Vygotsky: a. Identificam-se, são o mesmo processo. b. São processos independentes, com vínculo puramente externo. c. Constituíram-se objeto de investigação de terapeutas. d. Apresentam como unidade de análise o significado da palavra. e. Reduzem-se a um componente da linguagem. 2. Pode-se dizer a respeito da comunicação: a. Medeia a linguagem. b. É uma função da linguagem. c. É um sistema de signos. d. Surgiu do processo de trabalho. e. É uma função da generalização. 1919 19 3. Ainda sobre pensamento e linguagem, Vygotsky afirma que: a. Possuem as mesmas raízes genéticas. b. São processos paralelos o tempo todo. c. Convergem e divergem ao longo do desenvolvimento. d. Sua relação é constante para as funções de atividade intelectual e verbalizada. e. Sua relação é idêntica para as formas de atividade intelectual e verbalizada. Referências bibliográficas COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. v. 1. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. CORRÊA, L. M. S. (Org.). Aquisição da linguagem e problemas do desenvolvimento linguístico. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2006. LEAVITT, J. Linguistic relativities. In: JOURDAN, C.; TUITE, K. (Ed.) Language, culture, and society: key topics in LinguisticAnthropology. Cambridge University Press, 2006. p. 47 - 81. Cambridge Books Online. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/ CBO9780511616792. Acesso em: 5 nov. 2019. OLIVEIRA, M. K.; REGO, T. C. Contribuições da perspectiva histórico-cultural de Luria para a pesquisa contemporânea. Educação e Pesquisa, v. 36, n. especial, p. 107- 121, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v36nspe/v36nspea09.pdf. Acesso em: 5 nov. 2019. PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Trad. Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. SKINNER, B. F. O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978. VÍLCHEZ, L. F. Transtornos do pensamento e da linguagem: tratamento educacional. In: GONZÁLEZ, E. e cols. Necessidades educacionais específicas. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 154-170. VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 2020 Gabarito Questão 1 – Resposta: D Resolução: De acordo com este teórico, as investigações psicológicas devem utilizar unidades de análise, as quais contêm propriedades do todo. No caso da relação entre pensamento e linguagem, acredita que a unidade que contém propriedades inerentes ao pensamento verbalizado como uma totalidade pode ser encontrada no aspecto interno da palavra, ou seja, no seu significado. Feedback de reforço: Vygotsky apontou que enquanto componentes interdependentes, os processos de pensamento e linguagem se relacionam por meio de uma unidade específica de análise. Questão 2 – Resposta: B Resolução: A função da linguagem é comunicativa. Por meio da linguagem é possível a comunicação social, enunciação e compreensão. Desta forma, a linguagem, enquanto sistema de signos, medeia a comunicação. Feedback de reforço: Ao refletir sobre como a comunicação ocorre, verificamos que existe um processo do qual ela resulta do próprio do ser humano. Questão 3 – Resposta: C Resolução: Da mesma forma que as raízes genéticas de pensamento e linguagem são diversas, estes processos não caminham em paralelo o tempo todo, mas convergem e divergem ao longo do desenvolvimento. No pensamento do adulto, “a relação entre intelecto e linguagem não é constante e idêntica para todas as funções e formas de atividade intelectual e verbalizada” (VYGOTSKY, 2000, p. 114). Feedback de reforço: Vygotsky enfatizou que pensamento e linguagem seguem o desenvolvimento humano sem constância ou igualdade. 2121 21 Linguagem escrita e linguagem oral Autora: Nancy Capretz Batista da Silva Objetivos • Destacar os fatores que colaboram no desenvolvimento da linguagem oral e da linguagem escrita, ora contrastando-os, ora interligando-os. • Apresentar características relevantes das linguagens oral e escrita com ênfase no processo educacional e nos aspectos socioculturais. • Discutir o domínio da língua e sua repercussão na dinâmica social. 2222 1. A linguagem no centro da educação No dia a dia do ser humano a linguagem oral é amplamente usada, salvo em situações em que a fala e/ou a audição está ausente ou comprometida. Da mesma maneira, a linguagem escrita tem presença constante nas sociedades letradas, desde a visualização da hora no despertador até as placas de sinalização em um prédio de circulação pública. Tanto a linguagem escrita como a linguagem oral são parte da rotina humana, na maioria dos casos, e permeiam as relações, as aprendizagens, os desenvolvimentos humanos e crescimentos sociais. E hoje têm se modificado e ampliado com os meios digitais e conexões em redes tecnológicas. Vamos ver como se dá o desenvolvimento da linguagem oral e escrita, como se relacionam e os fatores que devemos considerar ao trabalhar com esses processos humanos. Na nossa sociedade atual as duas principais formas de linguagem utilizadas pela espécie humana são: a linguagem oral e a escrita. A linguagem oral depende de uma aprendizagem não formal, que acontece durante a exposição do sujeito ao ambiente falante, enquanto a linguagem escrita depende de uma aprendizagem formal e consciente, uma vez que se trata de uma “invenção” humana e depende de uma intervenção externa para que a sua aquisição aconteça. Nessas duas formas de linguagem destacavam-se os processos de decodificação e compreensão – para a linguagem escrita denominada como leitura e para a linguagem oral como escuta e compreensão –, e os processos de produção – na linguagem escrita trata-se do processo de escrita e na linguagem oral refere-se à fala. A leitura, ou melhor, a competência para operar com a linguagem escrita, tem uma característica em nossa cultura que faz dela algo extraordinário: deve ser adquirida, e em um altíssimo grau de perícia, por toda a população. [...] aspiramos a que toda a população escolarizada possa utilizá-la para adquirir novos conhecimentos ou reconstruir os próprios pensamentos (SÁNCHEZ, 2004, p. 90, grifo do autor). 2323 23 Ainda que, como salienta Sánchez, operar a linguagem escrita seja uma condição de integração e cidadania na sociedade, muitas crianças no Brasil podem ser consideradas como apresentando distúrbios da aprendizagem ou como carentes culturais, quando na verdade são vítimas da falta de oportunidades para aprender, o que pode estar relacionado às políticas econômicas, sociais e educacionais, cujas consequências as impedem de acessar bens culturais como a escrita (ZORZI, 2003). O domínio da linguagem oral está presente em todas as sociedades, visto que é uma herança biológica, hereditária do ser humano, com raízes filogenéticas, que também o diferencia de outras espécies. Chomsky, inclusive, apresenta hipóteses sobre os “universais da linguagem”, que dizem respeito aos aspectos estruturais que são encontrados em todas as línguas, apesar de suas aparentes diferenças. As condições naturais e espontâneas do convívio com falantes da língua permitem às crianças o aprendizado da linguagem oral, que deve ter início entre um e dois anos de idade (ZORZI, 2003). Por outro lado, a linguagem escrita é uma herança cultural e não está presente em todas as sociedades. Ela “depende de variáveis ontogenéticas [...], é um produto da cultura que só se transmite pelo ensino, ou seja, em geral por meio de uma intervenção social planejada” (ZORZI, 2003, p. 11), que na sociedade atual é papel da escola. É preciso entender os usos e funções da escrita para que ela seja aprendida, além de ser capaz de atribuir-lhe graus variados de significações. A capacidade de atribuir significados depende não apenas de decodificar o que está escrito através da aprendizagem escolar, mas também de experiências de vida que devem ser consideradas de forma fundamental para que a linguagem escrita possa se estabelecer e organizar. Muito se fala nas “funções básicas” ou “funções neuropsicomotoras” que as crianças devem apresentar para aprender a linguagem escrita adequadamente: habilidades motoras 2424 finas, coordenação motora e visual bem-estabelecida, noções espaciais, noções de lateralidade, discriminação e memória visual e auditiva, noções temporais, atenção, interesse, e outros (ZORZI, 2003). Contudo, além desses pré-requisitos centrados na criança, a partir dos quais a noção de fracasso, insucesso ou dificuldade escolar volta-se para o aprendiz, devem-se considerar as situações reais que atribuem sentido à essa linguagem. Esta deve estar presente no meio no qual a criança cresce e vive para que possa compreender “como se escreve, o que se pode escrever, com que objetivos se escreve, para quem se escreve, quais as situações em que se escreve, o porquê de se escrever, e o mesmo ocorrendo em relação à leitura” (ZORZI, 2003, p. 13). Crianças em diferentes realidades sociais, vivendo em meios nos quais a leitura e a escrita possam ter maior ou menor presença, podem apresentar resultados muito diferentes em avaliações formais sobre leitura e escrita. É importanteque este fator seja considerado quando se pensa em políticas de ensino. No entanto as propostas escolares muitas vezes não consideram essas diferenças individuais, a “história de vida de cada criança”. Propostas educacionais adequadas devem considerar a diversidade dos alunos e seu conhecimento prévio sobre a escrita, assim como o que é, como se forma e quais as características da linguagem escrita (ZORZI, 2003). Embora ter uma “boa fala” não seja pré-requisito para aprender a escrever bem, na fala, uma série de aspectos e formalidades da escrita são incorporados. Assim, falar bem é um produto de modificações na linguagem oral produzidas por um processo de letramento. Neste sentido, na sociedade existe uma atribuição de prestígio relacionada à forma como a pessoa usa a linguagem oral (ZORZI, 2003). O prestígio é marcado por condições de poder econômico e cultural de um grupo ou região e essas podem ser temporárias. Não há, em termos de língua, superioridade ou inferioridade. Todas as línguas, em todas suas formas e variações, cumprem perfeitamente seu papel de permitir a comunicação entre as pessoas (ZORZI, 2003, p. 23). 2525 25 ASSIMILE A linguagem é aprendida nos diversos ambientes dos quais a criança faz parte, mas na escola é objeto e ferramenta de aprendizagem. Por isso, aprende-se o uso formal da linguagem, visando o acesso ao conhecimento em diferentes formatos linguísticos e um padrão de entendimento convencionado numa determinada cultura. A linguagem está no centro da educação, porque além de ser objeto de aprendizagem, é por meio dela que se adquirem outros conhecimentos, sendo assim, é um instrumento de acesso que tem que ser previamente ensinado. Nas etapas iniciais do ensino fundamental, o ensino da leitura e da escrita é enfatizado, pois compreende meio de acesso ao conhecimento por todo o sistema educacional. Por isso, situações reais nas quais funções sociais são exigidas devem ser vivenciadas na escola para desenvolvimento das habilidades de linguagem (ZORZI, 2003). Sobre a aquisição da escrita enquanto instrumento de aprendizagem, Montessori (apud VYGOTSKY, 2000) refere que: Em diferentes processos de aprendizagem da escrita de crianças entre quatro e meio e cinco anos, observa-se um emprego frutífero, rico e espontâneo da escrita, que nunca se observa nas idades posteriores, o que deu a ela o motivo para concluir que é precisamente nessa idade que se concentram os prazos optimais de aprendizagem da escrita, os seus períodos sensíveis (VYGOTSKY, 2000, p. 335). 1.1 Características e desenvolvimento das linguagens oral e escrita O desenvolvimento da escrita não se assemelha ao da fala, assim como a escrita não se trata de “uma simples tradução da linguagem falada para signos escritos, e a apreensão da linguagem escrita não é uma 2626 simples apreensão da técnica da escrita” (VYGOTSKY, 2000, p. 312). O desenvolvimento da escrita, enquanto uma função específica da linguagem de pensamento, de representação, requer um nível elevado de abstração. Além disso, a linguagem escrita não possui interlocutor direto, havendo aí mais um grau de abstração, o que torna mais difícil a aquisição desta, ainda mais se for somado o fato de não haver para a criança a mesma motivação que a levou a desenvolver a fala, tanto pela necessidade quanto pelo entendimento da sua função. As interações que se estabelecem a partir de situações como necessidades, dúvidas, curiosidades, pedidos e explicações motivam a situação da fala. Já a relação com a situação na linguagem escrita é representada no pensamento e implica consciência da estrutura sonora da palavra, seu desmembramento e sua restauração de forma voluntária nos sinais escritos (VYGOTSKY, 2000). A linguagem escrita, assim como a interior, são formas monológicas de linguagem. Já a linguagem falada é um diálogo na maioria dos casos, o que exige dos interlocutores que conheçam o assunto. Assim, é comum que ocorra uma série de abreviações na linguagem falada e espera-se que se veja o interlocutor, sua mímica e seus gestos, e que se perceba a entonação da fala. Em conjunto, ambos admitem aquela compreensão a meias palavras, aquela comunicação através de insinuações [...]. Só na linguagem falada é possível um diálogo que, segundo expressão de Gabriel Tarde, é apenas o complemento de olhares que um interlocutor lança a outro (VYGOTSKY, 2000, p. 454). Por sua vez, a linguagem escrita é a forma mais desenvolvida, prolixa e exata, pois por palavras transmite-se o mesmo que a entonação e a percepção imediata da situação transmitem na fala (VYGOTSKY, 2000). Diferentemente da linguagem falada, na escrita não são possíveis as mesmas omissões, sendo necessários os detalhes da situação para que o interlocutor possa compreendê-la e, por isso, trata-se de uma 2727 27 linguagem muito mais desenvolvida (VYGOTSKY, 2000). Seu domínio depende da aquisição de “habilidades que permitem passar da ortografia das palavras à sua fonologia e ao seu significado (ou, no caso da escrita, da fonologia à ortografia)” (SÁNCHEZ, 2004, p. 90). Dessa forma, as habilidades de reconhecimento das palavras são muito específicas. O domínio da escrita também depende da utilização dessas habilidades para a comunicação com os outros, a qual por não ocorrer no tempo e espaço imediatos “requer o desenvolvimento de recursos retóricos e cognitivos extremamente sofisticados que se assentam nas competências linguísticas orais, ao mesmo tempo em que as transcendem” (SÁNCHEZ, 2004, p. 90). Esses dois aspectos, de reconhecimento das palavras e de comunicação, devem integrar-se progressivamente um no outro (SÁNCHEZ, 2004). PARA SABER MAIS Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontaram que a taxa de analfabetismo caiu de 2010 para 2018, contudo, entre pessoas de cor preta ou parda com 15 ou mais anos de idade a taxa foi de 9,1%, contra 3,9% entre pessoas brancas. Isso mostra que embora o Brasil seja uma sociedade letrada, não são todas as pessoas que têm tido acesso ao domínio da escrita (SARAIVA, 2019). Embora existam concepções tradicionais de que primeiro deve-se ensinar a ler e a escrever para depois propiciar a compreensão e a redação, existem posições que defendem que se deva criar situações comunicativas nas quais os alunos usem a linguagem escrita de forma relevante, adquirindo as habilidades específicas nestas experiências. Nelas, os alunos têm que se comunicar (compreender e redigir), testar e exercitar as habilidades para escrever e reconhecer palavras escritas (SÁNCHEZ, 2004). 2828 A teoria da via dupla é a mais influente para explicar cognitivamente como se dá o reconhecimento das palavras escritas: por meio da via fonológica e por meio da via léxica. Pela via fonológica, os grafemas (unidades da escrita) são transformados em sons, os quais são reunidos em uma representação, que deve ser reconhecida, e os conhecimentos semânticos associados à representação são atingidos. Pela via léxica o reconhecimento da palavra acontece ao mesmo tempo que o acesso a seu significado. Com o reconhecimento, chega-se à fonologia da palavra, sendo possível lê-la em voz alta (SÁNCHEZ, 2004). Para aprender a escrever é preciso que as crianças apresentem conhecimento fonológico ou consciência fonológica. Esta refere-se à consciência de que as palavras são constituídas por diversos sons (fonemas) ou grupos de sons e que elas podem ser segmentadas em unidades menores (letras, sílabas). Trata-se, portanto, de um conhecimento metalinguístico a partir do qual pode-se refletir sobre as características de estrutura da fala e manipulá-las. Existem quatro níveis de conhecimento fonológico, sendo que os mais elaborados dependem dos avanços na alfabetização da criança: 1. Sensibilidade à rima: nível mais elementar, quando a criança descobre que algumas palavras têm no seu início ou no seu final um mesmo conjunto de sons. 2. Conhecimento silábico:capacidade de dividir a palavra em sílabas. Assim como a sensibilidade à rima, pode ser alcançado apenas com a oralidade. 3. Conhecimento intrassilábico: as sílabas são subdivididas em elementos menores do que ela mesma, chamados “onset” (a consoante ou o conjunto de consoantes iniciais), mas maiores do que um fonema, chamados de “rima” (aparecem a partir da primeira vogal). Ex.: na palavra “prestar”, na sílaba “pres”, “pr” é “onset” e “es” é “rima”. 2929 29 4. Conhecimento segmental: compreender que as palavras são formadas por fonemas, uma sequência de unidades sonoras. Este conhecimento desenvolve a escrita, assim como a escrita desenvolve este conhecimento. Ainda se tratando de como se aprende a escrever, Ferreiro e Teberosky (1986, apud ZORZI, 2003) apontam uma sequência psicogenética de construção da escrita: • Fase pré-silábica: as crianças já diferenciam desenho e escrita, tentando reproduzir letras linearmente, considerando que há “uma quantidade mínima de letras para que algo possa ser lido ou escrito, assim como a hipótese de que os caracteres devem ser variados, [...] da mesma forma que palavras diferentes devem ser escritas de modos diferentes” (ZORZI, 2003, p. 31). Contudo, ainda não fazem correspondência entre os sons das palavras e os elementos gráficos usados para escrevê-las, chamada de pauta sonora, ou seja, ainda não apresentam um conhecimento silábico (do conhecimento fonológico). Nessa fase, atividades com direcionamento para segmentar as palavras em sílabas poderiam ajudar no desenvolvimento da correspondência entre a escrita e os sons que compõem as palavras. • Fase silábica: começa-se a considerar características sonoras das palavras. A decomposição em unidades silábicas define a quantidade de letras e sua pronúncia é projetada na sequência de letras. Sua atenção às características sonoras das palavras pode estar relacionada aos avanços na consciência fonológica com o alcance do nível de conhecimento silábico. O mesmo pode ser adquirido espontaneamente, contudo, seus desdobramentos na escrita dependem da mediação de outras pessoas, sem a qual a criança não descobre ou aprende o nome das letras, nem o som que elas devem escrever. 3030 • Fase silábico-alfabética: a criança deixa de considerar a sílaba como uma unidade, compreendendo que ela pode ser segmentada em fonemas. Apenas ao escrever a criança começa a prestar atenção nos elementos intrassilábicos. • Fase alfabética: correspondência entre letras e sons, já com conhecimento segmental quanto à consciência fonológica. Neste ponto a criança está alfabetizada, pois segundo Ferreiro e Teberosky (1986), “compreendeu a natureza da escrita” (ZORZI, 2003, p. 34). Contudo, ainda é necessário aprender as regras, pois para se aprender a escrever, propriedades ou aspectos da língua escrita que fazem parte do sistema ortográfico devem ser compreendidos, como o fato de um som poder ser escrito por diferentes letras e uma letra poder representar sons diversos. Também deverá entender que existem diferenças entre o modo de falar e o modo de escrever, isto é, que a escrita não significa realizar transcrições fonéticas, que as palavras necessitam ser escritas separadamente e precisará definir, com segurança, quantas e quais letras são necessárias para escrever os sons das palavras. Ainda, entre uma série de outros fatos, deverá também discernir a posição das letras no interior das palavras, diferenciar entre letras semelhantes do ponto de vista da forma gráfica e assim por diante (ZORZI, 2003, p. 34). Por meio de estudos de casos, Zorzi (2003) apresenta possíveis dificuldades de alunos no domínio do sistema ortográfico, apresentando reflexões sobre o porquê e como se dão tais dificuldades e intervenções possíveis de serem realizadas. Psicopedagogos, psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos e professores são os prováveis profissionais a trabalharem essas questões que surgem no processo de aquisição da escrita. Embora alguns casos possam alertar a possibilidade de um transtorno, a maioria das situações indicam necessidade de manipulação ambiental com enriquecimento do contexto de aprendizagem do indivíduo, que não se restringe ao espaço escolar, mas acontece de maneira formal prioritariamente neste. 3131 31 Figura 1 – Os professores podem intervir junto aos alunos com dificuldades no domínio do sistema ortográfico Fonte: FatCamera/iStock.com. Por fim, Zorzi (2003) enfatiza um aspecto interessante envolvido na aprendizagem da escrita e domínio do sistema ortográfico. Embora a memória auxilie e faça parte da grafia correta das palavras, a escrita depende também do conhecimento sobre as possibilidades oferecidas pela língua. Para memorizar palavras a longo prazo, é preciso considerar sua conservação, frequência de uso e competição com outras imagens gravadas na memória das mesmas palavras. O que pode interferir na memorização da forma como se escrevem as palavras são os processos perceptivos e os gerativos generalizadores, os quais correspondem, respectivamente, à memória visual (que depende do acesso ao modelo correto e da frequência de ocorrência e uso da palavra) e pistas fonológicas e gramaticais (permitem deduzir como palavras novas ou pouco conhecidas devem ser escritas). O tema linguagem oral e linguagem escrita apresentado permitiu identificar que enquanto a primeira é uma herança biológica, a segunda é uma herança cultural quando presente na sociedade à qual o indivíduo pertence. A linguagem escrita é uma forma monológica de linguagem, muito mais desenvolvida que a oral, a 3232 qual é, essencialmente, dialógica, e possui características como entonação, expressões faciais e conhecimento compartilhado sobre um assunto. Por apresentarem desenvolvimentos diferentes, a escrita tem sido alvo de atenção por constituir-se não só objeto de aprendizagem como também instrumento de acesso a outros conhecimentos. É preciso entendimento dos usos e funções da escrita para aprendê-la, além de atribuir-lhe graus variados de significações. Seu processo de aquisição envolve o que conhecemos como consciência fonológica. Conclui-se que propostas educacionais adequadas devem considerar a diversidade dos alunos e seu conhecimento prévio. TEORIA EM PRÁTICA Algumas crianças apresentam dificuldades para aprender a escrever. Como profissional dessa área de processos de aprendizagem, Rita se depara com situações diárias em que médicos, professores e pais procuram sua ajuda para saber o que acontece com uma criança com dificuldade para adquirir a escrita e revela ser difícil quebrar a expectativa da grande maioria das pessoas de que o problema está na criança. Em muitos casos, ela tem observado que o processo de desenvolvimento da linguagem é desconsiderado quando se depara com um desenvolvimento atrasado ou comprometido. Aponte alguns aspectos que devem permear a avaliação de Rita sobre o que acontece no contexto de aprendizagem dessas crianças, que não estão aprendendo a linguagem escrita de maneira desejável, e como é possível identificar em que nível a criança está para planejar intervenções adequadas. 3333 33 VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. Além dos pré-requisitos centrados na criança, a linguagem deve estar presente em situações reais da sua vida para lhe atribuir sentido. O que a criança compreende sobre a linguagem em suas experiências de vida? a. Como se escreve e noções espaciais. b. Como se escreve e atenção e interesse. c. Como se escreve e quais as situações em que se escreve. d. Como se escreve e habilidades motoras finas. e. Como se escreve e noções de lateralidade. 2. Embora ter uma “boa fala” não seja pré-requisito para aprender a escrever bem, falar bem é um produto de quais modificações? a. Falar bem é um produto de modificações na linguagem oral produzidas por um processo de letramento. b. Falar bem é um produto de modificações na linguagem oral produzidas por um processo de imitação. c.Falar bem é um produto de modificações na linguagem oral produzidas por um processo de decodificação. 3434 d. Falar bem é um produto de modificações na linguagem oral produzidas por um processo de oralização. e. Falar bem é um produto de modificações na linguagem oral produzidas por um processo de incorporação. 3. Para aprender a escrever é preciso que as crianças apresentem conhecimento fonológico ou consciência fonológica. Quais são os quatro níveis de conhecimento fonológico, do menos para o mais elaborado? a. Sensibilidade à rima, conhecimento intrassilábico, conhecimento silábico e conhecimento segmental. b. Sensibilidade à rima, conhecimento silábico, conhecimento intrassilábico e conhecimento segmental. c. Conhecimento segmental, sensibilidade à rima, conhecimento intrassilábico e conhecimento silábico. d. Conhecimento segmental, conhecimento intrassilábico, conhecimento silábico e sensibilidade à rima. e. Conhecimento intrassilábico, sensibilidade à rima, conhecimento silábico e conhecimento segmental. Referências bibliográficas SÁNCHEZ, E. A linguagem escrita e suas dificuldades: uma visão integradora. In: COLL, C.; MARCHESI, Á.; PALACIOS, J. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Porto Alegre: Artmed, 2004. vol. 3. p. 90-112. 3535 35 SARAIVA, A. Indicadores de educação avançam, mas desigualdades regionais e raciais persistem. Agência de notícias IBGE. Estatísticas sociais. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/24852-indicadores-de-educacao-avancam-mas-desigualdades- regionais-e-raciais-persistem. Acesso em: 5 nov. 2019. VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ZORZI, J. L. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: questões clínicas e educacionais. Porto Alegre: Artmed, 2003. Gabarito Questão 1 – Resposta: C Resolução: Além das “funções básicas” ou “funções neuropsicomotoras” que as crianças devem apresentar para aprender a linguagem escrita adequadamente (habilidades motoras finas, coordenação motora e visual bem-estabelecida, noções espaciais, noções de lateralidade, discriminação e memória visual e auditiva, noções temporais, atenção, interesse, e outros), devem-se considerar as situações reais que atribuem sentido a essa linguagem, para que possam compreender como se escreve, o que se pode escrever, com que objetivos se escreve, para quem se escreve, quais as situações em que se escreve e o porquê de se escrever. Feedback de reforço: As situações em que a escrita faz sentido que a criança observa em sua realidade a ajuda a aprender a linguagem escrita adequadamente. Questão 2 – Resposta: A Resolução: Embora ter uma “boa fala” não seja pré-requisito para aprender a escrever bem, na fala, uma série de aspectos e formalidades da escrita são incorporados. Assim, falar bem é um produto de modificações na linguagem oral produzidas por um processo de letramento. Feedback de reforço: O contato e a compreensão adequada da linguagem escrita interferem na produção da linguagem oral. 3636 Questão 3 – Resposta: B Resolução: Existem quatro níveis de conhecimento fonológico, sendo que os mais elaborados dependem dos avanços na alfabetização da criança: sensibilidade à rima (a criança descobre que algumas palavras têm no seu início ou no seu final um mesmo conjunto de sons), conhecimento silábico (capacidade de dividir a palavra em sílabas), conhecimento intrassilábico (as sílabas são subdividias em elementos menores) e conhecimento segmental (compreender que as palavras são formadas por fonemas). Feedback de reforço: A consciência fonológica se constrói num crescente de reconhecimento de sons iguais entre palavras até a percepção dos fonemas nas palavras. 3737 37 Comunicação e linguagem Autora: Nancy Capretz Batista da Silva Objetivos • Identificar a comunicação enquanto função da linguagem. • Relacionar o desenvolvimento da linguagem às intenções e às interações dentro de uma comunidade. • Destacar os diferentes contextos no qual a comunicação ocorre e a linguagem se desenvolve. 3838 1. Interações como palco do desenvolvimento linguístico O ser humano é um ser social e precisa do outro para sobreviver. Isso implica que haja uma comunicação entre aqueles que interagem, por meio de uma linguagem compartilhada. Nesta troca interativa, temos palco para desenvolvimento da linguagem que permite uma comunicação eficiente e o atendimento das necessidades humanas. Isso acontece progressivamente, como é possível compreender ao longo desta leitura. A capacidade da linguagem é exclusivamente humana (CHOMSKY apud VILLA, 1995). Para Chomsky, falar é uma capacidade geneticamente determinada, o que quer dizer que adquirir linguagem não passa de desenvolver algo inato. Em uma produção linguística existe uma relação entre sua forma, a sintaxe, e aquilo que significa, a semântica. Além disso, é preciso conhecer a realidade para poder fazer uso da linguagem, o que para Piaget significava a necessidade do surgimento prévio da função simbólica (VILLA, 1995b). Opostamente a Chomsky, Piaget não pensa ser a linguagem o principal elemento definidor da espécie humana, o qual seria uma capacidade cognitiva geral, da qual a linguagem seria expressão. Em meados dos anos setenta, atentou-se também para o conhecimento sobre como usar regras fonológicas, semânticas e sintáticas, ou seja, o uso funcional da linguagem denominado de pragmática. O uso da linguagem surge de uma intenção, de uma necessidade de estabelecer a comunicação. Isto significa que se usa a linguagem para que algo que está na mente possa passar à consciência do interlocutor. Desta maneira, aprende-se a falar aprendendo a anunciar uma intenção e a compartilhar e comentar sobre um tema com um interlocutor (VILLA, 1995). 3939 39 Assim, podemos empregar a linguagem para regular a conduta de outra pessoa (venha; dê-me água; pegue a escova; chame-me às sete; etc.), para informar sobre algo referente a nós mesmos (não gosto de água; vou entrar em férias; estou cansado, etc.) ou para informar sobre algo que nos cerca (o carro é vermelho; Maria não vem; é um lápis; o trem está estragado; etc.). (VILLA, 1995b, p. 71) Por isso, uma boa competência comunicativa é adquirida se há um conjunto de habilidades e conhecimentos a respeito de quando falar e quando não falar, com quem falar, sobre o que falar, onde, quando e até mesmo de que maneira falar. Mas, além do desenvolvimento funcional constituir apenas uma parte, a criança necessita aprender o que é esperado de sua participação como interlocutora no contexto em que está imersa, diferenciando entre diversos contextos e interlocutores (VALMASEDA, 2004). O bebê pronuncia suas intenções por meio de gestos faciais ou corporais, balbucios ou mesmo através de ações, como ao arrastar o adulto até um objeto. Porém, os meios verbais permitem agilidade e economia de esforço na solução de seus problemas frente aos meios não verbais. Assim, o desenvolvimento da linguagem começa cedo. O recém-nascido, por exemplo, possui condutas específicas relacionadas à linguagem humana (distingue os sons pa e ba, reage com movimentos à voz humana, e outros). Os adultos, por sua vez, adequam suas condutas àquelas observadas nos bebês, estabelecendo-se uma protoconversação (conversação primitiva) (VILLA, 1995). A interação social que acontece na rotina do bebê conjuntamente com a regulação do adulto acrescida à sua percepção de objetos a partir dos três meses de idade, permite que a comunicação e suas regras se desenvolvam assim como que seja estabelecido um progresso cognitivo. Entre os seis e os doze meses, aparecem gestos, diversificação nas expressões faciais, uso do olhar para regular o intercâmbio e vocalizações (VILLA, 1995). 4040 Assim, a fala se desenvolve seguindo o seguinteritmo (VILLA, 1995): • Vocalizações podem ser observadas nas crianças praticamente desde o primeiro mês de vida (além dos sons típicos do choro, os quais se diferenciam aos poucos). • A partir de um mês e meio, qualquer fonema pode aparecer – fase do balbucio. • A partir dos seis meses, os bebês prestam cada vez mais atenção aos sons falados ao seu redor, os quais são imitados, ainda que imperfeitamente – fase da lalação. • A linguagem da criança se aproxima cada vez mais daquela falada em seu meio, quando aos 9-10 meses chega à fase da ecolalia. • Até os nove meses, as primeiras vogais são claramente pronunciadas (/a/ e /e/). • Aos doze meses pronuncia-se corretamente as primeiras consoantes (/p/, /t/, /m/). • Durante o segundo ano, a aprendizagem da entonação vai sendo incorporada pelas crianças, e observa-se o uso de expressões (mesmo que sem significado) com inflexões, ritmos e pausas – jargão expressivo. • Aproximadamente aos dois anos de idade, as vogais, boa parte das consoantes e alguns ditongos são pronunciados corretamente. O domínio completo do sistema fonológico pode demorar até os cinco anos. Desta forma, o Quadro 1 apresenta as etapas de construção do sistema linguístico, indicando o panorama de aquisição da fala. 4141 41 Quadro 1 – Níveis de estruturação linguística NÍVEL UNIDADEMÍNIMA ESTÁGIO DE DESENVOLVIMENTO EXEMPLO Fonético Som Pré-Fala (0 – 1;0) [ka], [dadadada][da ‘da] Fonológico Segmento Sonoro Primeiras Palavras (1;0 – 1;6) [ka] = CARRO [da] = DÁLexical Palavra Sintático Frase Estágio Telegráfico (1;6 – 2;0) DÁ CARRO CARRO PAPAI Morfológico Forma Organização e expansão dos subsistemas (a partir de 2;0) FAZI PICOLERES_ Discursivo Texto Narrativo(a partir de 4 anos) JÁ FAZI AMANHÃ (Protonarrativas) Fonte: Teixeira, 1995, p. 3 apud ALMEIDA, 2007, p. 34. No uso das primeiras palavras, as crianças se restringem ao contexto no qual o adulto geralmente as emprega, até que comecem a generalizar este uso em contextos não observados anteriormente, o que parece referir-se à primeira noção conceitual, que se relaciona ao significado da palavra. Neste processo, a criança entende cada vez mais o caráter instrumental da linguagem e que esta reflete a realidade. A partir daqui a memória é limitadora na aquisição de novas palavras (VILLA, 1995). PARA SABER MAIS “Quando nos referimos a conceito, estamos pensando em um tipo de representação mental” (p. 32). Conceito e categoria são frequentemente empregados como sinônimos, contudo, categoria é o conjunto de membros representados pelo conceito. Exemplo: conceito gato – representação mental; categoria gato – todos os gatos que já existiram, existem atualmente e existirão no futuro (LOMONACO, 2000). 4242 Desta forma, no trabalho pedagógico, o conhecimento que a criança já possui deve servir de base e seu vocabulário deve ser estendido e aperfeiçoado por meio de sua participação em atividades motivadoras e contextualizadas nas quais a negociação dos significados fornecidos pelo adulto aconteça (VILLA, 1995). 1.1 Comunicação e interações sociais Para dar prosseguimento ao entendimento da linguagem e da sua função comunicativa, é retomado que a linguagem seria um “sistema de signos que serve para expressar ideias e sentimentos” (VILLA, 1995, p. 150). Assim, além de sua forma (significantes) estudada na morfologia, a sua definição reconhece a sua função (significados). A linguagem torna-se então um instrumento da conduta, uma ferramenta culturalmente elaborada para que ocorra a comunicação no meio social. Função e forma integram um mesmo processo, são indissociáveis, são adquiridas e evoluem em conjunto (VILLA, 1995). Como também já visto em aulas anteriores, para haver comunicação os interlocutores devem conferir o mesmo valor a suas expressões linguísticas. Por isto que na aquisição da linguagem aprende-se a usá-la para regular interações com os outros. Isso é feito de forma cada vez melhor ao se conhecer e compartilhar os significados convencionais existentes na comunidade (VILLA, 1995). A aquisição e desenvolvimento da atividade linguística implica participação em situações e atividades sociais motivantes (alimentação, cuidado ou jogo), desde o início da vida. Nas interações sociais, a comunicação se torna cada vez mais convencional na sua forma. Assim, os significados elaborados socioculturalmente devem ser compartilhados. Fonemas, palavras e orações devem ser combinados em sequências compreensíveis aos demais e as regras gramaticais devem ser utilizadas, já que estruturam de forma convencional as relações forma-função na linguagem (VILLA, 1995). 4343 43 Com as experiências pré-escolares e o ingresso, mais adiante, na escola, dos quatro aos sete anos, a diversificação dos contextos da fala exige maior clareza e compreensibilidade do que se produz verbalmente (VILLA, 1995). Quando uma criança chega à escola, [se não antes] por volta dos quatro anos, já possui um conhecimento significativo das normas por trás da comunicação e da linguagem, adquirido paulatinamente nas interações em sua casa (VALMASEDA, 2004). Em seguida, dos sete aos doze anos de idade, novos modelos de uso da linguagem são apresentados, tanto pelas experiências na escola e com os amigos, quanto pelo acesso compreensivo aos meios de comunicação e à leitura, os quais proporcionam grande variedade de conhecimentos (VILLA, 1995a). Inicialmente, o veículo linguístico será a língua oral. Mais tarde, a aprendizagem da leitura e da escrita ampliará enormemente as possibilidades de conhecimento do mundo, ao mesmo tempo em que enriquecerá a própria linguagem oral, convertendo-se em um instrumento cada vez mais complexo. (VALMASEDA, 2004, p. 72) No meio social, usualmente, um modelo de uso da linguagem adaptado aos modos de vida e ao tipo de interações habituais em que ocorrem é oferecido. Já é um modelo apropriado para os hábitos e necessidades comunicativas existentes no meio, assim, contextos interativos diferentes apresentam estilos e modos de uso da linguagem distintos. É desta forma que dois grupos sociais compartilham as generalidades do código (são falantes da mesma língua), mas oferecem inputs linguísticos diferentes. Destaca-se, portanto, a relevância da exposição a diversificados ambientes sociais, nos quais há diferentes modelos, enriquecendo o input linguístico (VILLA, 1995). 4444 ASSIMILE O input linguístico seria o uso que os demais falantes fazem da linguagem em suas interações (VILLA, 1995), ou seja, o uso da linguagem que se ouve e observa em uma comunidade. O input linguístico identifica a comunidade ou o grupo falante e, do mesmo modo que veicula seus modelos socioculturais, exerce uma pressão socializadora sobre o uso individual da linguagem no interior dessa comunidade ou grupo. Normalmente o indivíduo é sensível a esta influência e adapta seu uso ao modelo tanto quanto for capaz. (VILLA, 1995, p. 157) Na escola, comumente é oferecido um input linguístico elaborado para a compreensão. Esse input apresenta similaridades com aquele comumente utilizado nas famílias de crianças de classes média e alta de forma a favorecê-las de forma diferenciada (VILLA, 1995). Esta é uma reflexão de peso para a realidade de escolas brasileiras, visto que as crianças com menos recursos linguísticos percebem uma dificuldade adicional para o êxito escolar no uso da linguagem. Frente a este dado, precisamos priorizar a consideração das diferentes bagagens de aprendizado de cada educando, assim como aproximar os diversos inputs linguísticos entre si e ao da escola, favorecendo a aquisição da linguagem e escrita formais, que possam ser compartilhadas e compreendidas por todos que fazem parte de uma sociedade. Assim, “o universo vocabular de cada criança vai diferir de acordo com a classe social e com os tipos de organização dos discursos orais com os quais ela convive em seu cotidiano” (TULESKI, CHAVES & BARROCO, 2012, p. 38).Ingressando na escola, a ampliação do vocabulário e o aperfeiçoamento da estrutura e da forma da linguagem oral podem e devem acontecer. Por isso é importante que o professor das séries 4545 45 iniciais, além de “contar” histórias para as crianças, diversifique a escolha dos autores da literatura infantil, de clássicos a contemporâneos, para que possa haver contato das crianças com estruturas linguísticas e vocábulos variados, com ajuda do professor para compreensão destes (TULESKI, CHAVES & BARROCO, 2012). O respeito pela diversidade e a oportunização de experiências enriquecedoras para aquelas crianças com universo vocabular mais empobrecido deve ser regra. Muito se fala nas escolas sobre a origem das crianças e, de fato, até mesmo as pesquisas revelam que há relação entre variáveis psicossociais familiares e desempenho em leitura/ escrita em crianças, sendo que a presença de transporte próprio na família, percepção dos familiares de que a criança teve dificuldades para aprender a ler e no desempenho da leitura, maior índice de repetência escolar e história familiar de dificuldade na leitura são algumas dessas variáveis psicossociais da família (ENRICONE & SALLES, 2011), ainda que não sejam determinantes. Por isso, o trabalho de parceria com as famílias, fazendo com que elas se sintam motivadas a trocarem com a escola e estimularem de forma adequada seus filhos, deve ser parte do cotidiano escolar. Isso, somado à oferta de experiências mais significativas e diversas, pode ajudar muito a superar a situação da educação das crianças, principalmente em relação aos desafios da aprendizagem da leitura e escrita. A temática abordada nesta Leitura Fundamental permite concluir que o uso da linguagem surge de uma intenção, que é a comunicação. Para uma comunicação eficaz, a criança necessita aprender o que é esperado de sua participação como interlocutora no contexto em que está imersa, diferenciando entre diversos contextos e interlocutores. Desta forma, observa-se um desenvolvimento da fala em diferentes fases: protoconversação, balbucio, lalação, ecolalia, jargão expressivo e fala. No uso das primeiras palavras, as crianças se restringem ao contexto no qual o adulto geralmente as emprega, até 4646 que comecem a generalizar este uso em contextos não observados anteriormente, o que parece referir-se à primeira noção conceitual. Assim, contextos interativos diferentes apresentam estilos e modos de uso da linguagem distintos. É importante ressaltar que a aquisição e desenvolvimento da atividade linguística implica participação de situações e atividades sociais motivantes. Por fim, observa-se que crianças com menos recursos linguísticos percebem uma dificuldade adicional para o êxito escolar no uso da linguagem. É preciso superar essa adversidade e ofertar experiências mais significativas e diversas nas escolas. TEORIA EM PRÁTICA No trabalho junto a instituições educacionais ou escolas, é possível que você se depare com o apontamento de outros profissionais sobre aquelas crianças que possuem menos recursos linguísticos e a percepção de suas dificuldades adicionais para o êxito escolar no uso da linguagem. Este é um desafio que precisa ser enfrentado em conjunto, ao mesmo tempo que experiências mais significativas e diversas devem ser promovidas. Enquanto profissional interessado nos processos de aprendizagem, você não pode se acomodar com a situação dessas crianças, mas deve favorecer o engajamento de todos os envolvidos para superar essa adversidade. Elenque as variáveis apontadas no texto que podem ajudar você a desenvolver um trabalho interdisciplinar de estimulação adequada dessas crianças com possíveis resultados satisfatórios no uso da linguagem. 4747 47 VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. Em relação à comunicação e linguagem, em meados dos anos setenta, atentou-se também para o conhecimento sobre como usar regras fonológicas, semânticas e sintáticas, ou seja: a. A dialógica. b. A pragmática. c. A morfologia. d. A ontogenética. e. A filogenética. 2. O bebê pronuncia sua intenção por meio de gestos, balbucios ou arrastando o adulto até esse objeto, mas reconhece que há um meio mais econômico e eficaz. Qual seria esse meio? a. A linguagem. b. A protoconversação. c. A comunicação. d. A fala. e. A lalação. 4848 3. No processo de aquisição da linguagem, além do desenvolvimento da comunicação, qual outro progresso se observa na criança? a. Pragmático. b. Cognitivo. c. Fonológico. d. Semântico. e. Sintático. Referências bibliográficas ALMEIDA, R. L. Aquisição das primeiras palavras: um estudo sobre aspectos linguísticos em interação com ações intelectuais. Dissertação, Universidade Federal da Bahia, 2007. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/28727/1/ DISSERTA%c3%87%c3%83O%20Risonete%20Lima%20de%20Almeida.pdf. Acesso em: 5 nov. 2019. ENRICONE, J. R. B.; SALLES, J. F. Relação entre variáveis psicossociais familiares e desempenho em leitura/escrita em crianças. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. v. 15, n. 2, 2011. p. 199-210. LOMONACO, J. F. B. et al. Desenvolvimento de conceitos: o paradigma das descobertas. Psicologia Escolar e Educacional, Campinas, v. 4, n. 2, p. 31-39, dez. 2000. TULESKI, S. C., CHAVES, M.; BARROCO, S. M. S. Aquisição da linguagem escrita e intervenções pedagógicas: uma abordagem histórico-cultural. Fractal: Revista de Psicologia, v. 24, n. 1, p. 27-44, 2012. VALMASEDA, M. Os problemas de linguagem na escola. In: COLL, C.; MARCHESI, Á.; PALACIOS, J. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Porto Alegre: Artmed, 2004. vol. 3. p. 72-89. VILLAVILLA, I. Aquisição da linguagem. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995b. v. 1. pp. 69-80. ______. Desenvolvimento da linguagem. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995a. v. 1. p. 149-164. 4949 49 Gabarito Questão 1 – Resposta: B Resolução: Em meados dos anos setenta, atentou-se também para o conhecimento sobre como usar regras fonológicas, semânticas e sintáticas, ou seja, a pragmática. Aprende-se a falar aprendendo a anunciar uma intenção e a compartilhar e comentar sobre um tema com um interlocutor. Feedback de reforço: Atenção foi dada à linguagem em diferentes situações comunicativas. Questão 2 – Resposta: D Resolução: O bebê pronuncia sua intenção por meio de gestos, balbucios ou arrastando o adulto até esse objeto antes de falar, mas reconhece que a fala é mais econômica e eficaz do que os métodos não verbais. Feedback de reforço: Aprendemos a dizer as coisas em trocas verbais, facilitando o entendimento das nossas intenções e o atendimento das nossas necessidades.. Questão 3 – Resposta: B Resolução: A interação social que acontece na rotina do bebê, com regulação do adulto, e sua percepção de objetos a partir dos três meses de idade, separados das pessoas, permitem que a comunicação e suas regras se desenvolvam, assim como que haja um progresso cognitivo. Feedback de reforço: Os ganhos desenvolvimentais no processo de aquisição da linguagem são percebidos para além desta área. 5050 Metodologia e didática: competências linguísticas e ensino Autora: Nancy Capretz Batista da Silva Objetivos • Observar o ensino, enfatizando as competências linguísticas envolvidas neste processo. • Relacionar pensamento, linguagem oral, linguagem escrita e comunicação. • Enumerar possíveis condições para que tais aspectos possam ser estimulados de forma apropriada e utilizados a fim de promover melhor aproveitamento dos alunos. 5151 51 1. Competência linguística, desenvolvimento e aprendizagem Esta Leitura Fundamental apresenta uma breve discussãosobre como a competência linguística se relaciona aos processos de desenvolvimento e aprendizagem no sentido de estimular propostas de ensino condizentes com o papel da escola, que é ensinar aquilo que o estudante ainda não sabe. A aquisição da linguagem e da escrita se dá num processo contínuo e pode se desenvolver a partir de diferentes elementos pedagógicos. Você viu ao longo desta disciplina como pensamento e linguagem estão interligados e como se desenvolvem o pensamento verbalizado e a fala intelectual. Na sequência, aprofundou-se na aquisição da escrita enquanto uma forma de linguagem que se diferencia da linguagem oral, especialmente no seu aspecto culturalmente determinado. Então, foi discutida uma das funções primordiais da linguagem: a comunicação. Mais uma vez, neste ponto, as interações sociais foram postas em destaque e agora cabe identificar o que é e como se dá a competência linguística e sua relação com o ensino. Desta forma, entende-se como competência linguística: [...] o conhecimento que o falante/ouvinte possui de sua língua, o qual lhe permite, em princípio, produzir e compreender o número infinito de sentenças ou expressões linguísticas daquela língua, assim como distinguir enunciados correspondentes ou não a sentenças da mesma. (CORRÊA, 2006, p. 27) Mas como a competência linguística pode ser adquirida, desenvolvida, em um país onde se identificam práticas de leitura e escrita circunscritas ao cumprimento de exigências escolares? Em uma pesquisa realizada em três escolas de formação de professores, constatou-se que, de maneira geral, os alunos, ainda que incumbidos da tarefa de aprender a ler e a escrever, não tinham oportunidade de experimentar a leitura e a escrita reais, ou seja, com autoria e fruição (KRAMER, 2001). 5252 Para entender como é possível modificar esta realidade e trabalhar de forma apropriada junto à aprendizagem de um indivíduo (que é o foco de atenção de profissionais da educação), precisa-se ir mais a fundo nas relações entre o ensino e a linguagem. Aprendizagem e desenvolvimento são conceitos bastante conflitantes entre as diferentes linhas de pesquisa. Para alguns, a aprendizagem da linguagem escrita vem depois do desenvolvimento: se as funções estão desenvolvidas, se a memória permite lembrar os nomes das letras do alfabeto, se a atenção permite concentração durante certo período em um assunto que não é do seu interesse, então o pensamento amadureceu e a criança pode entender a relação entre os sinais escritos e os sons que eles simbolizam, ou seja, o ensino da escrita pode começar. Para outros teóricos os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem são um só, sendo que para ambas as teorias, a aprendizagem não muda nada no desenvolvimento. Uma terceira teoria concebe aprendizagem como processo estrutural e conscientizado, ou seja, não só agrega o novo conhecimento, mas esse novo conhecimento pode modificar todo o conjunto de conhecimentos previamente adquiridos influenciando mais fortemente no desenvolvimento e não apenas na aprendizagem em si (VYGOTSKY, 2000). Em relação ao desenvolvimento do pensamento infantil no processo de aprendizagem escolar, ou seja, na aquisição de conceitos científicos, o princípio é o mesmo: ensinar novos conceitos e formas da palavra ao aluno permitiria o desenvolvimento de conceitos já constituídos na criança. Assim, ao investigarmos o nível de desenvolvimento do pensamento é possível verificar o nível do pensamento para o início da aprendizagem (VYGOTSKY, 2000). Acontece que, para teóricos como Vygotsky, a aprendizagem está sempre à frente do desenvolvimento. Dessa forma, a criança adquire certos hábitos e habilidades antes de aprender a aplicá-los de forma 5353 53 consciente e arbitrária. Isso indica que teríamos o processo de aprendizagem escolar e o desenvolvimento das funções correspondentes sempre discrepantes e nunca se observaria o paralelismo (VYGOTSKY, 2000). As pesquisas mostram que há uma interação entre as diferentes matérias do ensino escolar no processo de desenvolvimento da criança. Seu desenvolvimento intelectual não se divide de acordo com o sistema de matérias (aritmética, escrita e outros), mas em alguma parte elas têm um fundamento psicológico comum. “O pensamento abstrato da criança se desenvolve em todas as aulas, e esse desenvolvimento de forma alguma se decompõe em cursos isolados de acordo com as disciplinas em que se decompõe o ensino escolar” (VYGOTSKY, 2000, p. 325). Em colaboração a criança pode propiciar melhores condições de aprendizagem do que observar-se-ia sozinha (simplesmente direcionada pelos limites determinados pelo estado do seu desenvolvimento e pelas suas potencialidades intelectuais), porém, o limite é o desenvolvimento. Isto significa que a criança resolve com mais facilidade tarefas situadas mais próximas do nível de seu desenvolvimento, até que a dificuldade da solução cresça e se torne insuperável mesmo havendo colaboração. A possibilidade de a criança passar do que sabe fazer sozinha para o que sabe fazer em colaboração (zona de desenvolvimento imediato) caracteriza a dinâmica do desenvolvimento (VYGOTSKY, 2000). Para Vygotsky a imitação é a base para a aprendizagem da fala e para a aprendizagem na escola. Neste contexto é preciso dizer que a criança não vai à escola para aprender o que já sabe fazer sozinha, mas para aprender o que ainda não sabe, que o professor dá acesso em colaboração e sob sua orientação (VYGOTSKY, 2000). 5454 Figura 1.1 | O professor dá acesso ao que a criança ainda não sabe fazer sozinha Fonte: SolStock/iStock.com. Neste sentido, as propostas de ensino-aprendizagem deveriam estabelecer uma relação entre as “ideias das crianças” e os “requisitos do ensino”, os quais seriam, respectivamente, “os processos psicológicos de apropriação do conhecimento” e “o imperativo do professor para fazer as crianças avançarem em uma área particular” (TEBEROSKY, 1991, p. 13). Desta forma, para proporcionar situações de ensino-aprendizagem, saber quais expectativas se pode ter deve vir antes da discussão sobre o que os professores podem e devem ensinar (TEBEROSKY, 1991). Assim, a colaboração se dá de forma mais eficaz. E para saber quais expectativas se pode ter, é preciso conhecer mais sobre desenvolvimento. 5555 55 1.1 Linguagem, ensino e propostas de trabalho Retomando, então, a questão da linguagem, é interessante que para Teberosky (1991), a unidade da linguagem é o texto ou o discurso, visto que grande parte dela não se desenvolve por meio de uma palavra ou frase. Em povos, como os brâmanes, em que a cultura predominante é de uma pedagogia oral, os analfabetos existem, mas os textos são transmitidos entre as gerações, tornando-os não ignorantes quanto à linguagem. E essa pedagogia oral está presente também na sociedade atual, na qual as crianças aprendem a falar e realizar outras coisas por meio da pedagogia de transmissão oral, a qual mantém sua força pela televisão, cinema e rádio. É importante ter esse conceito em mente, pois educadores precisam reconhecer os múltiplos aspectos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, inclusive “recuperar uma pedagogia de transmissão oral para ensinar a escrever” (TEBEROSKY, 1991, p. 26), sabendo que as crianças não são ignorantes quanto à linguagem escrita. Na verdade, como aponta Zorzi (2003), em uma sociedade letrada, de modo diverso do que acontece em uma sociedade oralizada, chama-se de analfabetismo a falta de oportunidades de aprender a ler e escrever. Por isso, para compreender a evolução da escrita nas crianças é importante compreender a distinção entre os planos da grafia (quantidade e forma) e da forma interna (de uma ideografia pura passa ao fonetismo ou escrita silábica). Como já visto em aulas passadas, para as crianças, primeiramente, a palavra é parte do objeto e não constitui um signo, é uma propriedade, palavra-objeto, mais que um símbolo do objeto. 5656