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CRISTIANISMO AULA 1 Prof. Ivan Santos Rüppell Júnior 2 CONVERSA INICIAL Nosso conteúdo deseja refletir acerca dos contextos históricos, factuais e religiosos da origem e desenvolvimento do cristianismo, a fim de analisar a maneira como essa religião veio a se tornar um dos fundamentos culturais do Ocidente. Nesse propósito, iremos entrar em contato, nesta primeira aula, com os acontecimentos políticos e religiosos da Idade Antiga que vieram a influenciar a cultura do estabelecimento inicial do cristianismo, observando elementos da Mesopotâmia e Egito, Grécia Antiga e Império Romano, além do povo hebreu e a religião do judaísmo. Acerca de nosso curso, destacamos que estudiosos começaram a articular a formulação técnica da disciplina das ciências da religião ao final do século 18 e início do século 19. Conforme anota C. P. Tiele (1897), “o estudo das religiões assegurou um lugar permanente entre as diferentes Ciências Humanas” (Passos; Usarski, 2013, p. 19). As ciências da religião foram desenvolvidas em dois aspectos programáticos de orientação às suas análises – um histórico, e o outro, sistemático –, com ênfase na importância de que os fatos religiosos deveriam receber tanto uma compreensão conceitual quanto um estudo metodológico com objetivo de perceber a intencionalidade das experiências religiosas. O pesquisador alemão Max Muller (1882) orientava que o cientista religioso deveria “assumir posição neutra para entender como cada pensador ou praticante enxerga o que argumenta”. Por sua vez, James Houghton Woods (1906) defendia que era necessário “assumir o ponto de vista de um observador norteado pelo objetivo de colecionar, ordenar e categorizar os fatos” da religiosidade (Passos; Usarski, 2013, p. 20). Uma das ciências sociais mais utilizadas para abordar os elementos históricos e os fenômenos das religiões é a disciplina da “História das Religiões”. No século XX, vimos a produção de grande número de enciclopédias sobre esse tema, particularmente nas academias da Alemanha, Inglaterra, França e Itália; o Brasil desenvolveu estudos na área a partir da década de 1970, orientado pelas escolas francesa e italiana, as quais valorizam a autonomia da disciplina, segundo o olhar de dois pesquisadores, Rafaello Pettazzoni e Angelo Brelich – o último desenvolveu o entendimento do primeiro, vindo a observar que “as 3 religiões surgem no âmbito de processos históricos particulares, e que neles o religioso pode ter vários sentidos”. Vale ressaltar que ao mesmo tempo que “a História das Religiões” é autônoma, deve-se considerar que somente dará conta dos processos que deseja investigar mediante uma ampla cooperação com outras disciplinas (Passos; Usarski, 2013, p. 223). TEMA 1 – INTRODUÇÃO – A MESOPOTÂMIA E O EGITO A Idade Antiga compreende o período histórico desde o invento da escrita (4000 a.C. a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano (476 d.C.). Nesse tempo, houve o auge e o desenvolvimento da Mesopotâmia, do Egito Antigo, dos povos hebreus, da Grécia Antiga e da Roma Antiga, localizados na Europa e no Médio Oriente. Egito e Mesopotâmia são as civilizações que floresceram a partir de 4000 a.C. 1.1 Mesopotâmia A Mesopotâmia é considerada a primeira civilização da humanidade, pois, desde que deixamos de ser povos nômades para fixar residência a partir do controle de técnicas agrícolas, foi nessa região que houve o desenvolvimento da escrita e a invenção da roda, além do conhecimento da astronomia e da matemática. A civilização mesopotâmica estava situada entre os vales dos rios Tigres e Eufrates. Desde o ano 5000 a.C., ali conviveram diversos povos, como os sumérios e amoritas (babilônicos), os assírios e caldeus, que tiveram a oportunidade de integrar suas variadas culturas, o que ocasionou alguns elementos comuns, especialmente a partir da escrita, língua e religião. Um aspecto geográfico que aproxima a civilização mesopotâmica do Antigo Egito surge do fato que ambos aproveitavam as condições naturais e climáticas para promover a agricultura das terras; tanto as cheias dos rios mesopotâmicos quanto as do Rio Nilo transformavam as terras ao redor, permitindo seu uso para o cultivo. A religião mesopotâmica era politeísta, com divindades relacionadas à natureza, como Anu (deus do céu) e Enlil (deus do ar). A sociedade valorizava bastante essa dimensão da existência e a época da juventude do ser, pois na morte os espíritos humanos iam viver em um mundo inferior, para sempre. Cada 4 cidade tinha uma divindade protetora, embora na Babilônia houvesse algumas dezenas de construções consagradas a deuses variados, e a liderança religiosa dos sacerdotes era bastante forte, exercendo grande influência sobre a política e a economia da comunidade. Os mesopotâmicos passaram a escrever seus valores religiosos e suas leis sociais a partir do terceiro milênio a.C. – o Código de Hamurabi, antigo rei babilônico, é o tratado legal mais antigo da humanidade, versando sobre família e casamento, comércio e crimes, promovendo a “lei de Talião”, segundo a qual a justiça deveria fazer a vítima realizar diante do agressor o mal que havia sofrido: “olho por olho, dente por dente”. Acerca da política e da religião, ao redor do segundo milênio a.C. surgiram as monarquias hereditárias, em que a autoridade do rei era transmitida aos parentes, com os monarcas sendo considerados seres enviados pelas divindades para assumir o governo dos homens. Esse fato fortaleceu o poderio dos reis sobre as atividades da sociedade, fazendo com que o povo viesse a trabalhar e servir ao rei nas mais diversas tarefas. 1.2 Egito O Antigo Egito reúne referências entre o Alto, Médio e Baixo Egito em sua história, além de sua organização social, agricultura, arquitetura e arte terem se destacado pela escrita hieroglífica e as Pirâmides do Vale de Gizé. O Egito se situava ao redor do Rio Nilo em meio ao Deserto do Saara, e possuía uma mistura de raças com negroides, líbios, semitas e diversos povos ocidentais asiáticos. Sua cultura arquitetônica agregava motivos artísticos, e suas atividades laborais transformavam a pedra, o cobre e o couro de modo singular; também houve um bom desenvolvimento da irrigação na agricultura, com grande produção de grãos. O Império era absoluto e teocrático, em que o Faraó era um representante do deus vivo. Não havia separação entre Estado e Igreja, a religião era politeísta, e os deuses poderiam ser benéficos e protetores, ou maléficos e impiedosos em um círculo de dualismo. A principal divindade era o deus-sol, que representava a retidão, a justiça e a verdade, como protetor da ordem, da moral e do universo. Os egípcios acreditavam na ressurreição e no destino além desta vida e praticavam um culto dedicado aos mortos. A crença na vida além-túmulo exigia grande dedicação na conservação e prática de embalsamento dos corpos, 5 nominados de múmias. O Livro do Mortos revela a forma básica e a reverência, a verdade e a justiça como um valor sobre os atos do indivíduo. A sua influência sobre a civilização ocidental ocorreu tanto na religião quanto nas artes e ciência, filosofia e moral, política e aparelhamento social e econômico. TEMA 2 – A GRÉCIA ANTIGA 2.1 Organização política e social A Grécia Antiga não era um Estado unificado, pois cada cidade era um país com governo próprio. Atenas se dedicava mais ao comércio com outras cidades e outros países, e o exercício desse poder econômico pela população a tornou mais democrática, com seus representantes sendo eleitos. Já Esparta, um Estado belicoso e centralizado nas mãos de grandes proprietários de terras, utilizava o trabalho popular para desenvolver a agricultura e o militarismo. A civilização grega como um todo era humanista, e até na religião os deuses tinham as mesmasqualidades e defeitos dos homens, exceto pelo fato de as divindades serem poderosas e imortais. Toda a cultura, religião e filosofia, arquitetura e escultura, pintura e música, teatro e práticas esportivas se desenvolviam a partir do ser humano. Esse foco humanista foi posteriormente incorporado ao cristianismo e à civilização ocidental. 2.2 A filosofia grega e o cristianismo 2.2.1 O platonismo Os filósofos gregos Sócrates, Platão e Aristóteles lançaram as bases do pensamento ocidental, e suas reflexões exerceram grande influência no cristianismo e na civilização ocidental. A principal a se destacar teve origem no pensamento clássico, especialmente a filosofia platônica nos primeiros séculos de desenvolvimento da Igreja; é possível incluir o movimento do escolasticismo, que se organizou a partir de Santo Tomás de Aquino no século 13, período em que a filosofia aristotélica foi um pensamento marcante nos processos dos últimos séculos da Idade Média. O filósofo grego Platão fundou no século 4º a.C. a instituição de ensino e estudo denominada academia em Atenas, cidade que se tornou o emblema do 6 pensamento clássico. Houve diversos debates no círculo cristão nos primeiros séculos tratando do modo como deveria ocorrer um diálogo entre Atenas e Jerusalém, ou da filosofia platônica e da religião; particularmente pensadores cristãos avaliavam qual relação poderia surgir entre os métodos de pensamento e postulações da academia grega diante das doutrinas teológicas oriundas do pensamento de Jesus e apóstolos. “Qual é a relação que existe entre Atenas e Jerusalém? Ou entre a academia e a igreja? ”, perguntava Tertuliano no século 3º. Justino Mártir foi criticado por adotar amplamente o pensamento platônico em seu entendimento do valor do cristianismo, o qual ele percebia como sendo uma continuidade ou compreensão final das verdades antes observadas pela filosofia clássica. Já Agostinho viria a orientar uma utilização crítica do pensamento oriundo da filosofia, valorando mais a educação cultural do que as proposições de entendimento da existência que os clássicos ofereciam ao cristianismo e à civilização ocidental (McGrath, 2005, p. 269). Platão é considerado um dos maiores filósofos da Antiguidade, e o aspecto mais valorado de seu pensamento é a “teoria das formas”, pois estas devem ser consideradas como “princípios do ser no mundo”, de maneira que toda a realidade visível de nosso mundo poderá ser bem compreendida a partir de uma observação que reconheça sua relação com a imagem das formas. Platão entendia que a “forma do bem” e a noção do logos (“palavra”, em grego) explicavam a própria ordem do universo. O avanço do pensamento platônico no cristianismo inicial e posteriormente no desenvolvimento do pensamento intelectual do ocidente surgiu a partir do momento em que teólogos cristãos da patrística entenderam que os conceitos de Platão acerca do logos seriam importantes para abordar as doutrinas cristãs da revelação de Deus e da cristologia. Segundo McGrath (2005, p. 271), o conceito platônico do logos spermatikos era bastante utilizado para explicar o modo como a sabedoria do Deus cristão poderia ser discernida em contextos não cristãos, como o da filosofia grega. Da mesma forma, o papel de Cristo como o mediador de Deus para o mundo era visto como paralelo da função do logos no médio platonismo. A ideia do logos orientava um conhecimento metafísico da maneira como ocorria uma integração da realidade material deste mundo junto da realidade eterna da origem da humanidade; e do modo como esse conceito se tornara uma sabedoria percebível pelo homem para revelar conhecimentos da realidade da 7 existência, igualmente a pessoa de Jesus Cristo veio ao mundo para tornar compreensíveis certos conhecimentos e realidades divinas. Para Clemente de Alexandria, Cristo é aquele que, conforme o modelo do logos, revela à humanidade verdades espirituais e transcendentais que de outro modo estariam inacessíveis a essa dimensão. Pois do mesmo modo que o logos permitia que algumas verdades fossem percebíveis como um conhecimento racional acerca da origem e propósito de tudo, de igual forma Jesus Cristo era uma pessoa visível que tornava percebíveis certos conhecimentos superiores. No entanto, Clemente utiliza os conceitos de Platão para afirmar que, no pensamento clássico do filósofo, a verdade jamais fora visível, algo que somente o logos encarnado, Cristo, foi capaz de oferecer à humanidade e trazer à nossa realidade. 2.2.2 O aristotelismo Acerca da filosofia clássica grega, Aristóteles se tornou responsável pelo princípio racional e processo metodológico mediante o qual o cristianismo iria dialogar com os intelectuais a partir do século 13. As postulações entre ciência e fé, que têm crescido nas últimas décadas do século 20 e neste início do século 21, igualmente carregam consigo as influências desse filósofo. Tomás de Aquino elaborou as cinco vias para argumentar com coerência a realidade da existência de Deus, utilizando o princípio aristotélico da física, que entendia que tudo o que existe e que se movimenta se origina de algo maior que lhe é anterior e que se tornará responsável por sua existência e desenvolvimento. Segundo González (2011), os cristãos do século 2º estavam sendo considerados incultos e bárbaros pela intelectualidade do Império, o que os obrigou a refletirem e orientarem a maneira pela qual fé e cultura iriam se relacionar. Havia um grupo que não aceitava interação alguma, por conceber toda e qualquer cultura como idolatria, e outro, que veio a adotar uma visão mais positiva da cultura secular. Justino, tido como o pensador cristão mais eloquente do século 2º, defendia que as proposições do cristianismo eram a “verdadeira filosofia”, razão pela qual buscou desenvolver os princípios e regras de uma “filosofia cristã”, que “consistia em descobrir e explicar as relações positivas entre o cristianismo e a sabedoria clássica”. Justino anotou a existência de vários pontos de contato entre a filosofia clássica e o pensamento cristão, para refletir sobre eles, destacando que: 8 filósofos reconheciam a existência de um ser supremo superior aos homens e do qual todos originamos; reconheciam a existência da vida espiritual após a morte física; reconheciam a existência de outra realidade além da existente neste mundo, a qual contém verdades eternas sobre a vida. A partir desses e outros elementos, houve o entendimento para os teólogos cristãos de que a filosofia clássica continha em suas proposições alguns “traços da verdade”. Algo que não deveria ser considerado somente uma coincidência de pensamentos, pois o logos da filosofia grega é uma razão universal da qual o homem partilha e que lhe dá real entendimento da existência. Portanto, a percepção que, para os gregos, é oriunda de uma ordem e conhecimento superiores, veio a ser um conhecimento amplamente revelado e compreensível aos cristãos a partir do momento em que Jesus veio ao mundo; pois o Cristo vivo é exatamente a plenitude dessa ordem e razão, conhecimento e verdade acerca da existência da humanidade. A partir dessa interação, houve o entendimento de que as verdades que os filósofos perceberam acerca da existência eram uma sabedoria que lhes havia sido dada por Cristo, ainda que de forma parcial. Tal entendimento fortaleceu o princípio cristão de que o cristianismo deveria utilizar tudo o que de bom pudesse perceber na cultura clássica, pois sempre fora um conhecimento oriundo da sabedoria de Deus, Cristo. Isso propiciou o desenvolvimento de uma relação de proximidade entre a fé e a cultura desde a Antiguidade (González, 2011, p. 62). TEMA 3 – O DESENVOLVIMENTO DA ROMA ANTIGA E O IMPÉRIO 3.1 O Império Romano A Grécia foi subjugada e reduzida a uma província romana em 146 a.C. e seu grandioso legado cultural,nas mais diversas áreas, veio a ser transmitido a toda a Europa Ocidental e ao mundo contemporâneo. Acerca do modelo de autoridade política e social, a cidade de Roma se assemelhava no início de sua história a outras civilizações antigas, posto que o rei dominava os súditos e o homem fora definido como o chefe de família no lar. A religião era semelhante à dos gregos, pois os romanos eram politeístas, com suas divindades vivenciando desejos e defeitos humanos. Praticavam o culto oficial e familiar, e o culto doméstico venerava a alma dos antepassados, em um altar com pequenas imagens perante as quais se ofereciam alimentos. 9 Os sacerdotes romanos e gregos se agrupavam em colégios, e havia os pontífices que dirigiam as cerimônias e os ritos do calendário romano. As vestais (ou sacerdotisas de Vesta) deveriam manter aceso o fogo sagrado da cidade, enquanto o clero interpretava a vontade dos deuses, analisando os presságios e oráculos, vindo a atuar como adivinhos oficiais do Estado. Os costumes eram baseados em tradições orais, o que fez a população exigir a composição de uma instrução de leis escritas, no objetivo de conter os abusos e gerar igualdade na resolução dos conflitos. A Lei das XII Tábuas (451- 450) foi escrita por legisladores e gravada em tábuas de bronze para ser expostas no Fórum, tendo sido inspiradas na obra jurídica de Sólon, quando o direito se tornou público para o povo. Segundo Bovo (2008), “em meados do século II a.C., Políbio assinala a religião como eixo do governo aristocrático do senado romano”. Foi a época em que o Estado romano se serviu da religião para implementar a autoridade política e a integração social do Império, utilizando elementos rituais e supersticiosos para controlar a população. Havia diversas divindades itálicas no panteão romano, e também ocorria uma dedicação conjunta de templos a deuses latinos e etruscos, o que facilitava a integração desses povos. As autoridades de Estado se utilizavam do serviço de sacerdotes que atuavam para desenvolver a religiosidade dos cidadãos diante das divindades – tanto para manter os templos e cultos em desenvolvimento quanto para interpretar os oráculos e sinais. Conforme a autora, se em todas as sociedades antigas e modernas, a religião possui influência política, em Roma a religião se distingue pela relevância especial de sua dimensão pública. A populi romani religio é, ao mesmo tempo, teoria religiosa e doutrina de Estado. O culto aos deuses se expressa através de algumas práticas que a sociedade herdou de seus antepassados, e não pode alterá-las sob pena de cair num culpado superstitio. (Bovo, 2008) Portanto, a religião romana não se baseava em crenças ou doutrinas, mas buscava interpretar a vontade dos deuses para apaziguar e solicitar suas benesses, o que oportunizou o surgimento de um panteão bastante numeroso e de uma série de atividades religiosas cada vez mais complexas. No período mais helênico do Império, esse valor político das atividades religiosas desenvolvidas pelos romanos se tornou subjetivo e emocional, com a prática de cultos mais pessoais diante das divindades, como aqueles dedicados à deusa itálica Ceres, 10 deusa da vida e morte, a qual dá vida por meio da vegetação enquanto também recebe os cadáveres (Bovo, 2008, p. 76). 3.2 O desenvolvimento inicial do cristianismo e o Império Romano O cristianismo encontrou na organização política dos romanos e na intelectualidade dos gregos um ambiente cultural favorável para seu desenvolvimento a partir das raízes sociais e religiosas dos hebreus. No contexto dessa configuração histórica, o judaísmo abrigou o desenvolvimento inicial do cristianismo em um período de grandes transformações históricas e sociais. Entre os anos 27 a.C. até 476 d.C., o Império Romano foi governado por um imperador vitalício, período em que Roma alcançou enorme poder no Ocidente e grande parte das regiões orientais – chegou a atingir cerca de 7 milhões de metros quadrados de território no auge de suas conquistas. Desde o seu início, a religião cristã sofreu inúmeras perseguições ocasionadas pelo Império Romano, até que no ano de 313 o Imperador Constantino publicou o Edito de Milão, que concedia a liberdade de culto aos habitantes do Império. Em 391, o Imperador Teodósio definiu o Edito de Tessalônica, transformando o cristianismo em religião oficial do Império Romano, procedimento que proporcionou uma conexão da estrutura política romana junto da Igreja Cristã. A oficialização do cristianismo como religião imperial propiciou uma conexão histórica com a formação e fundamentos da Igreja Católica, que consagrou a estrutura administrativa do Império Romano em suas tradições. O posterior período da Idade Média acabou sendo marcado pela tentativa de conciliar fé e razão, em uma tendência oriunda da Patrística e da Escolástica. Segundo o olhar das ciências da religião, devemos perceber como o período histórico e a cultura vieram a influenciar grandemente a organização e o desenvolvimento intelectual da religião, visualizando a relação do cristianismo com os modelos de governo e administração oriundos do Império Romano. TEMA 4 – OS HEBREUS E O NASCIMENTO DO CRISTIANISMO 4.1 A plenitude dos tempos A Palestina se situa numa localidade que a transformou numa região utilizada por todas as rotas comerciais que integravam o Egito à Mesopotâmia, 11 a Arábia à Ásia menor. Por essa razão, foi invadida e dominada pelos líderes e impérios dessas regiões, até que no século 4º a.C. foi amplamente dominada por Alexandre o Grande, que pretendia desenvolver uma unidade entre todos esses povos a partir de uma civilização com elementos gregos. Nas questões religiosas, os gregos desejavam fundir os deuses dos diversos povos. Já os romanos vieram a ser mais tolerantes com os judeus assim que o Império começou a governar a região, embora a decisão judaica de adorar somente a um Deus e desprezar a outros, especialmente a figura do César, tenha sido uma questão sempre problemática e que gerava constantes rebeliões. Mas a realidade histórica era que a unificação geográfica e cultural que o helenismo trouxera para as regiões do Império, e que foram mantidas pelos romanos, iriam permitir que os fiéis do cristianismo e a mensagem do Evangelho pudessem chegar às mais distantes regiões e povos, e de maneira segura e possível, já que havia estradas e caminhos ligando todo o Império. A própria língua grega, escrita original do Novo Testamento, se tornou a linguagem comum dos mais diversos povos, inclusive os judeus que não residiam em Jerusalém. Essa situação estava dentro do contexto que se compreendia como sendo o modo pelo qual Deus preparara aquele tempo e época para que o nome e as obras de Jesus de Nazaré viessem a ser conhecidas na maior parte do mundo (González, 2011, p. 18-22). Nas palavras desse mesmo autor, o Império Romano havia dado à bacia do Mediterrâneo uma unidade política nunca antes vista... numa política de fomentar unidade sem muita violência... Os caminhos romanos uniam as mais distantes províncias... e o comércio florescia entre as regiões, com a mensagem do cristianismo chegando aos lugares mais distantes pelas mãos de mercadores, escravos e outras pessoas que viajavam pelas mais diversas razões [...]. (González, 2011) 4.2 O cristianismo, os hebreus e o judaísmo O Antigo Testamento trazia consigo os ensinamentos fundamentados na lei mosaica, a Torah, que desenvolvia a fé judaica, relatando a criação e o compromisso de Deus com seu povo conforme fora revelado por Abraão e Moisés; seu conteúdo faz parte da Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, até os dias de hoje. Nesse contexto, se a religião do islamismo depende de seu fundador, Maomé, para obter dele o seu livro sagrado, o Alcorão, o cristianismo se inicia no advento do Messias, porém, com base nos textosdo Antigo 12 Testamento hebreu, que também prometiam a vinda de um salvador. Pois os primeiros cristãos – judeus professos – consideravam Jesus de Nazaré como sendo o mestre e o Profeta designado por Deus como o Messias, o qual fora enviado aos homens segundo as profecias do Antigo Testamento de Israel, intitulado de Ungido (Christos, em grego). TEMA 5 – OS PRIMEIROS SÉCULOS DO CRISTIANISMO E O PERÍODO PATRÍSTICO 5.1 Cristianismo – desenvolvimento inicial Assim que as perseguições das lideranças judaicas e dos governantes romanos acabaram promovendo a fuga dos discípulos de Jerusalém para os territórios mais distantes do Império, a mensagem do Evangelho também começou a encontrar guarida no coração dos gentios, os quais foram evangelizados especialmente pelo Apóstolo Paulo. As epístolas (cartas pessoais) de Paulo para as igrejas que fundou e/ou orientou como autoridade espiritual autorizada são uma amostra do desenvolvimento da nova religião ainda no século 1º, tendo alcançado grande número de regiões e cidades situadas entre a Jerusalém da Palestina e a Roma do Ocidente. Segundo Fortino (2014, p. 202), desde seu início na Judeia romana [...] o cristianismo moldou a cultura de grande parte da civilização ocidental. Os primeiros cristãos foram perseguidos tanto por autoridades judaicas quanto pelo Império Romano, e muitos foram mortos. Mesmo assim, a religião resistiu, sob a liderança da primeira Igreja. Gradualmente, o cristianismo passou a ser tolerado pelos líderes romanos e, após o Concílio de Niceia [...] foi adotado como religião oficial do Império Romano em 380 d.C. 5.2 A consolidação das doutrinas cristãs na Patrística Conforme comenta Fortino (2014, p. 202), Os cristãos dão muita importância à história da crucificação, ressurreição e ascensão de Jesus. Jesus sofreu, morreu e foi sepultado, ressuscitando para salvar aqueles que acreditavam nele e ascendendo aos céus para governar o mundo ao lado de Deus Pai. A mensagem do Evangelho (boas novas) do cristianismo anuncia que para os seres humanos serem considerados “justos”, a fim de conseguirem se 13 relacionar espiritualmente com Deus Pai Altíssimo, mesmo que envoltos em seus pecados, todos devem crer que foram perdoados em Jesus. Afinal, Jesus Cristo morreu na cruz, vindo a receber sobre si a penalidade extrema do pecado; a morte espiritual da humanidade que surge factualmente na morte física que rege a existência humana na Terra. Segundo McGrath (2005), enquanto as lideranças cristãs da cidade de Roma fortaleciam suas influências sobre as igrejas no grande território do Império – o que também gerava as primeiras tensões entre Roma e Constantinopla –, alguns centros de estudos doutrinários eram organizados em outras regiões, como: a cidade de Alexandria, situada no Egito; a cidade de Antioquia, situada na atual Turquia; e a região norte da África, atual Argélia, sendo a localidade de importantes escritores cristãos como Tertuliano e Santo Agostinho. E no pensamento desse mesmo autor, “o termo “patrístico”1 [...] tanto designa o período referente aos pais da igreja quanto as ideias características que se desenvolveram ao longo desse período”. (McGrath, 2005, p 39-41) O período patrístico representa um dos mais empolgantes e criativos da história do pensamento cristão [...]. Todos os principais ramos da igreja cristã – incluindo as igrejas anglicanas, ortodoxa oriental, luterana, reformada e católica romana – consideram o período patrístico como um marco decisivo na evolução da doutrina cristã. Cada uma dessas igrejas se considera como uma continuação, uma extensão e, naquilo que for necessário, uma crítica às visões dos escritores da igreja primitiva. (McGrath, 2005, p. 42) O símbolo teológico de unidade que identifica as mais diversas igrejas e denominações consideradas pertencentes ao cristianismo no decorrer da história recebeu sua forma fixa no período patrístico, ainda no decorrer do século 4º, por meio da finalização do conteúdo do “Credo Apostólico”. NA PRÁTICA Vimos como o “Credo Apostólico” definido no século 4º se tornou o maior símbolo doutrinário dos fundamentos essenciais do pensamento religioso do cristianismo, agregando sobre seu conteúdo um grande número de denominações históricas. A observação das influências do cristianismo na cultura ocidental pode ser visualizada ao notarmos a quantidade de 1 O termo patrístico origina-se da palavra pater, que significa pai, em referência tanto aos pais da Igreja quanto ao pensamento teológico por eles desenvolvido nos primeiros séculos do cristianismo. 14 manifestações que recorrem a esse credo no propósito de invocar as bênçãos de Deus em nossa civilização. FINALIZANDO A Política e Religião nas civilizações antigas. Acerca da maneira como as civilizações antigas vieram a influenciar o cristianismo e igualmente o Ocidente, importa ressaltar que o estabelecimento das primeiras civilizações na Antiguidade requeria instituições políticas fortes, com a definição da personalidade e dos poderes da autoridade soberana da nação. O objetivo era superar os questionamentos e conflitos, especialmente os oriundos da própria população daquela nação. Um passo importante nesse sentido foi unificar ou aproximar as autoridades política e religiosa, aspecto que posteriormente gerou a própria “divinização” do chefe político, conforme veio a ocorrer na Mesopotâmia e Egito antigos, e igualmente com Alexandre o Grande e o César Augusto romano. Eis o modo como as religiões se tornaram práticas culturais essenciais da organização política nas nações antigas, sendo um aspecto que se tornou bastante influente nas civilizações ocidentais, pois o poder político autorizava o poder religioso, e vice-versa. Essa experiência se tornou preponderante no desenvolvimento da Igreja cristã na Idade Média, tanto porque a Igreja Católica Ortodoxa Romana utilizou a organização territorial do Império Romano em sua organização eclesial quanto porque serviu-se de seu modelo de administração regional hierárquico, centrado na figura do papa. (Claval: as ligações entre poder e religião). 15 REFERÊNCIAS ARANTES, B. Mesopotâmia: saiba tudo sobre esse berço da civilização. <https://www.stoodi.com.br>. Acesso em :22 jan. 2020. BOVO, E. História das religiões: origem e desenvolvimento das religiões, 2008, p. 55 CLAVAL, P. Política, espaço e cultura: as ligações entre poder e religião. <https://journals.openedition.org>. Acesso em :22 jan. 2020. FORTINO. O livro das religiões. São Paulo, 2014. GONZÁLEZ, J. L. História ilustrada do cristianismo. A era dos mártires até a era dos sonhos frustrados. 2. ed. Tradução de Key Yuasa e Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2011. v. 1. MCGRATH, A. Teologia sistemática, histórica e filosófica. Tradução de Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd Publicações, 2005. PASSOS, J. D.; USARSKI, F (Org.). São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013.
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