Buscar

Cristianismo - aula 1

Prévia do material em texto

CRISTIANISMO 
AULA 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Ivan Santos Rüppell Júnior 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nosso conteúdo deseja refletir acerca dos contextos históricos, factuais e 
religiosos da origem e desenvolvimento do cristianismo, a fim de analisar a 
maneira como essa religião veio a se tornar um dos fundamentos culturais do 
Ocidente. 
Nesse propósito, iremos entrar em contato, nesta primeira aula, com os 
acontecimentos políticos e religiosos da Idade Antiga que vieram a influenciar a 
cultura do estabelecimento inicial do cristianismo, observando elementos da 
Mesopotâmia e Egito, Grécia Antiga e Império Romano, além do povo hebreu e 
a religião do judaísmo. 
Acerca de nosso curso, destacamos que estudiosos começaram a 
articular a formulação técnica da disciplina das ciências da religião ao final do 
século 18 e início do século 19. Conforme anota C. P. Tiele (1897), “o estudo 
das religiões assegurou um lugar permanente entre as diferentes Ciências 
Humanas” (Passos; Usarski, 2013, p. 19). As ciências da religião foram 
desenvolvidas em dois aspectos programáticos de orientação às suas análises 
– um histórico, e o outro, sistemático –, com ênfase na importância de que os 
fatos religiosos deveriam receber tanto uma compreensão conceitual quanto um 
estudo metodológico com objetivo de perceber a intencionalidade das 
experiências religiosas. 
O pesquisador alemão Max Muller (1882) orientava que o cientista 
religioso deveria “assumir posição neutra para entender como cada pensador ou 
praticante enxerga o que argumenta”. Por sua vez, James Houghton Woods 
(1906) defendia que era necessário “assumir o ponto de vista de um observador 
norteado pelo objetivo de colecionar, ordenar e categorizar os fatos” da 
religiosidade (Passos; Usarski, 2013, p. 20). 
Uma das ciências sociais mais utilizadas para abordar os elementos 
históricos e os fenômenos das religiões é a disciplina da “História das Religiões”. 
No século XX, vimos a produção de grande número de enciclopédias sobre esse 
tema, particularmente nas academias da Alemanha, Inglaterra, França e Itália; o 
Brasil desenvolveu estudos na área a partir da década de 1970, orientado pelas 
escolas francesa e italiana, as quais valorizam a autonomia da disciplina, 
segundo o olhar de dois pesquisadores, Rafaello Pettazzoni e Angelo Brelich – 
o último desenvolveu o entendimento do primeiro, vindo a observar que “as 
 
 
3 
religiões surgem no âmbito de processos históricos particulares, e que neles o 
religioso pode ter vários sentidos”. Vale ressaltar que ao mesmo tempo que “a 
História das Religiões” é autônoma, deve-se considerar que somente dará conta 
dos processos que deseja investigar mediante uma ampla cooperação com 
outras disciplinas (Passos; Usarski, 2013, p. 223). 
TEMA 1 – INTRODUÇÃO – A MESOPOTÂMIA E O EGITO 
A Idade Antiga compreende o período histórico desde o invento da escrita 
(4000 a.C. a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano (476 d.C.). Nesse 
tempo, houve o auge e o desenvolvimento da Mesopotâmia, do Egito Antigo, dos 
povos hebreus, da Grécia Antiga e da Roma Antiga, localizados na Europa e no 
Médio Oriente. Egito e Mesopotâmia são as civilizações que floresceram a partir 
de 4000 a.C. 
1.1 Mesopotâmia 
A Mesopotâmia é considerada a primeira civilização da humanidade, pois, 
desde que deixamos de ser povos nômades para fixar residência a partir do 
controle de técnicas agrícolas, foi nessa região que houve o desenvolvimento da 
escrita e a invenção da roda, além do conhecimento da astronomia e da 
matemática. 
A civilização mesopotâmica estava situada entre os vales dos rios Tigres 
e Eufrates. Desde o ano 5000 a.C., ali conviveram diversos povos, como os 
sumérios e amoritas (babilônicos), os assírios e caldeus, que tiveram a 
oportunidade de integrar suas variadas culturas, o que ocasionou alguns 
elementos comuns, especialmente a partir da escrita, língua e religião. 
Um aspecto geográfico que aproxima a civilização mesopotâmica do 
Antigo Egito surge do fato que ambos aproveitavam as condições naturais e 
climáticas para promover a agricultura das terras; tanto as cheias dos rios 
mesopotâmicos quanto as do Rio Nilo transformavam as terras ao redor, 
permitindo seu uso para o cultivo. 
A religião mesopotâmica era politeísta, com divindades relacionadas à 
natureza, como Anu (deus do céu) e Enlil (deus do ar). A sociedade valorizava 
bastante essa dimensão da existência e a época da juventude do ser, pois na 
morte os espíritos humanos iam viver em um mundo inferior, para sempre. Cada 
 
 
4 
cidade tinha uma divindade protetora, embora na Babilônia houvesse algumas 
dezenas de construções consagradas a deuses variados, e a liderança religiosa 
dos sacerdotes era bastante forte, exercendo grande influência sobre a política 
e a economia da comunidade. 
Os mesopotâmicos passaram a escrever seus valores religiosos e suas 
leis sociais a partir do terceiro milênio a.C. – o Código de Hamurabi, antigo rei 
babilônico, é o tratado legal mais antigo da humanidade, versando sobre família 
e casamento, comércio e crimes, promovendo a “lei de Talião”, segundo a qual 
a justiça deveria fazer a vítima realizar diante do agressor o mal que havia 
sofrido: “olho por olho, dente por dente”. 
Acerca da política e da religião, ao redor do segundo milênio a.C. surgiram 
as monarquias hereditárias, em que a autoridade do rei era transmitida aos 
parentes, com os monarcas sendo considerados seres enviados pelas 
divindades para assumir o governo dos homens. Esse fato fortaleceu o poderio 
dos reis sobre as atividades da sociedade, fazendo com que o povo viesse a 
trabalhar e servir ao rei nas mais diversas tarefas. 
1.2 Egito 
O Antigo Egito reúne referências entre o Alto, Médio e Baixo Egito em sua 
história, além de sua organização social, agricultura, arquitetura e arte terem se 
destacado pela escrita hieroglífica e as Pirâmides do Vale de Gizé. 
O Egito se situava ao redor do Rio Nilo em meio ao Deserto do Saara, e 
possuía uma mistura de raças com negroides, líbios, semitas e diversos povos 
ocidentais asiáticos. Sua cultura arquitetônica agregava motivos artísticos, e 
suas atividades laborais transformavam a pedra, o cobre e o couro de modo 
singular; também houve um bom desenvolvimento da irrigação na agricultura, 
com grande produção de grãos. 
O Império era absoluto e teocrático, em que o Faraó era um representante 
do deus vivo. Não havia separação entre Estado e Igreja, a religião era politeísta, 
e os deuses poderiam ser benéficos e protetores, ou maléficos e impiedosos em 
um círculo de dualismo. A principal divindade era o deus-sol, que representava 
a retidão, a justiça e a verdade, como protetor da ordem, da moral e do universo. 
Os egípcios acreditavam na ressurreição e no destino além desta vida e 
praticavam um culto dedicado aos mortos. A crença na vida além-túmulo exigia 
grande dedicação na conservação e prática de embalsamento dos corpos, 
 
 
5 
nominados de múmias. O Livro do Mortos revela a forma básica e a reverência, 
a verdade e a justiça como um valor sobre os atos do indivíduo. 
A sua influência sobre a civilização ocidental ocorreu tanto na religião 
quanto nas artes e ciência, filosofia e moral, política e aparelhamento social e 
econômico. 
TEMA 2 – A GRÉCIA ANTIGA 
2.1 Organização política e social 
A Grécia Antiga não era um Estado unificado, pois cada cidade era um 
país com governo próprio. Atenas se dedicava mais ao comércio com outras 
cidades e outros países, e o exercício desse poder econômico pela população a 
tornou mais democrática, com seus representantes sendo eleitos. Já Esparta, 
um Estado belicoso e centralizado nas mãos de grandes proprietários de terras, 
utilizava o trabalho popular para desenvolver a agricultura e o militarismo. 
A civilização grega como um todo era humanista, e até na religião os 
deuses tinham as mesmasqualidades e defeitos dos homens, exceto pelo fato 
de as divindades serem poderosas e imortais. Toda a cultura, religião e filosofia, 
arquitetura e escultura, pintura e música, teatro e práticas esportivas se 
desenvolviam a partir do ser humano. Esse foco humanista foi posteriormente 
incorporado ao cristianismo e à civilização ocidental. 
2.2 A filosofia grega e o cristianismo 
2.2.1 O platonismo 
Os filósofos gregos Sócrates, Platão e Aristóteles lançaram as bases do 
pensamento ocidental, e suas reflexões exerceram grande influência no 
cristianismo e na civilização ocidental. A principal a se destacar teve origem no 
pensamento clássico, especialmente a filosofia platônica nos primeiros séculos 
de desenvolvimento da Igreja; é possível incluir o movimento do escolasticismo, 
que se organizou a partir de Santo Tomás de Aquino no século 13, período em 
que a filosofia aristotélica foi um pensamento marcante nos processos dos 
últimos séculos da Idade Média. 
O filósofo grego Platão fundou no século 4º a.C. a instituição de ensino e 
estudo denominada academia em Atenas, cidade que se tornou o emblema do 
 
 
6 
pensamento clássico. Houve diversos debates no círculo cristão nos primeiros 
séculos tratando do modo como deveria ocorrer um diálogo entre Atenas e 
Jerusalém, ou da filosofia platônica e da religião; particularmente pensadores 
cristãos avaliavam qual relação poderia surgir entre os métodos de pensamento 
e postulações da academia grega diante das doutrinas teológicas oriundas do 
pensamento de Jesus e apóstolos. 
“Qual é a relação que existe entre Atenas e Jerusalém? Ou entre a 
academia e a igreja? ”, perguntava Tertuliano no século 3º. Justino Mártir foi 
criticado por adotar amplamente o pensamento platônico em seu entendimento 
do valor do cristianismo, o qual ele percebia como sendo uma continuidade ou 
compreensão final das verdades antes observadas pela filosofia clássica. Já 
Agostinho viria a orientar uma utilização crítica do pensamento oriundo da 
filosofia, valorando mais a educação cultural do que as proposições de 
entendimento da existência que os clássicos ofereciam ao cristianismo e à 
civilização ocidental (McGrath, 2005, p. 269). 
Platão é considerado um dos maiores filósofos da Antiguidade, e o 
aspecto mais valorado de seu pensamento é a “teoria das formas”, pois estas 
devem ser consideradas como “princípios do ser no mundo”, de maneira que 
toda a realidade visível de nosso mundo poderá ser bem compreendida a partir 
de uma observação que reconheça sua relação com a imagem das formas. 
Platão entendia que a “forma do bem” e a noção do logos (“palavra”, em grego) 
explicavam a própria ordem do universo. O avanço do pensamento platônico no 
cristianismo inicial e posteriormente no desenvolvimento do pensamento 
intelectual do ocidente surgiu a partir do momento em que teólogos cristãos da 
patrística entenderam que os conceitos de Platão acerca do logos seriam 
importantes para abordar as doutrinas cristãs da revelação de Deus e da 
cristologia. Segundo McGrath (2005, p. 271), 
o conceito platônico do logos spermatikos era bastante utilizado para 
explicar o modo como a sabedoria do Deus cristão poderia ser 
discernida em contextos não cristãos, como o da filosofia grega. Da 
mesma forma, o papel de Cristo como o mediador de Deus para o 
mundo era visto como paralelo da função do logos no médio 
platonismo. 
A ideia do logos orientava um conhecimento metafísico da maneira como 
ocorria uma integração da realidade material deste mundo junto da realidade 
eterna da origem da humanidade; e do modo como esse conceito se tornara uma 
sabedoria percebível pelo homem para revelar conhecimentos da realidade da 
 
 
7 
existência, igualmente a pessoa de Jesus Cristo veio ao mundo para tornar 
compreensíveis certos conhecimentos e realidades divinas. Para Clemente de 
Alexandria, Cristo é aquele que, conforme o modelo do logos, revela à 
humanidade verdades espirituais e transcendentais que de outro modo estariam 
inacessíveis a essa dimensão. Pois do mesmo modo que o logos permitia que 
algumas verdades fossem percebíveis como um conhecimento racional acerca 
da origem e propósito de tudo, de igual forma Jesus Cristo era uma pessoa 
visível que tornava percebíveis certos conhecimentos superiores. No entanto, 
Clemente utiliza os conceitos de Platão para afirmar que, no pensamento 
clássico do filósofo, a verdade jamais fora visível, algo que somente o logos 
encarnado, Cristo, foi capaz de oferecer à humanidade e trazer à nossa 
realidade. 
2.2.2 O aristotelismo 
Acerca da filosofia clássica grega, Aristóteles se tornou responsável pelo 
princípio racional e processo metodológico mediante o qual o cristianismo iria 
dialogar com os intelectuais a partir do século 13. As postulações entre ciência 
e fé, que têm crescido nas últimas décadas do século 20 e neste início do século 
21, igualmente carregam consigo as influências desse filósofo. Tomás de Aquino 
elaborou as cinco vias para argumentar com coerência a realidade da existência 
de Deus, utilizando o princípio aristotélico da física, que entendia que tudo o que 
existe e que se movimenta se origina de algo maior que lhe é anterior e que se 
tornará responsável por sua existência e desenvolvimento. 
Segundo González (2011), os cristãos do século 2º estavam sendo 
considerados incultos e bárbaros pela intelectualidade do Império, o que os 
obrigou a refletirem e orientarem a maneira pela qual fé e cultura iriam se 
relacionar. Havia um grupo que não aceitava interação alguma, por conceber 
toda e qualquer cultura como idolatria, e outro, que veio a adotar uma visão mais 
positiva da cultura secular. Justino, tido como o pensador cristão mais eloquente 
do século 2º, defendia que as proposições do cristianismo eram a “verdadeira 
filosofia”, razão pela qual buscou desenvolver os princípios e regras de uma 
“filosofia cristã”, que “consistia em descobrir e explicar as relações positivas entre 
o cristianismo e a sabedoria clássica”. 
Justino anotou a existência de vários pontos de contato entre a filosofia 
clássica e o pensamento cristão, para refletir sobre eles, destacando que: 
 
 
8 
filósofos reconheciam a existência de um ser supremo superior aos homens e 
do qual todos originamos; reconheciam a existência da vida espiritual após a 
morte física; reconheciam a existência de outra realidade além da existente neste 
mundo, a qual contém verdades eternas sobre a vida. A partir desses e outros 
elementos, houve o entendimento para os teólogos cristãos de que a filosofia 
clássica continha em suas proposições alguns “traços da verdade”. 
Algo que não deveria ser considerado somente uma coincidência de 
pensamentos, pois o logos da filosofia grega é uma razão universal da qual o 
homem partilha e que lhe dá real entendimento da existência. Portanto, a 
percepção que, para os gregos, é oriunda de uma ordem e conhecimento 
superiores, veio a ser um conhecimento amplamente revelado e compreensível 
aos cristãos a partir do momento em que Jesus veio ao mundo; pois o Cristo vivo 
é exatamente a plenitude dessa ordem e razão, conhecimento e verdade acerca 
da existência da humanidade. 
A partir dessa interação, houve o entendimento de que as verdades que 
os filósofos perceberam acerca da existência eram uma sabedoria que lhes havia 
sido dada por Cristo, ainda que de forma parcial. Tal entendimento fortaleceu o 
princípio cristão de que o cristianismo deveria utilizar tudo o que de bom pudesse 
perceber na cultura clássica, pois sempre fora um conhecimento oriundo da 
sabedoria de Deus, Cristo. Isso propiciou o desenvolvimento de uma relação de 
proximidade entre a fé e a cultura desde a Antiguidade (González, 2011, p. 62). 
TEMA 3 – O DESENVOLVIMENTO DA ROMA ANTIGA E O IMPÉRIO 
3.1 O Império Romano 
A Grécia foi subjugada e reduzida a uma província romana em 146 a.C. e 
seu grandioso legado cultural,nas mais diversas áreas, veio a ser transmitido a 
toda a Europa Ocidental e ao mundo contemporâneo. Acerca do modelo de 
autoridade política e social, a cidade de Roma se assemelhava no início de sua 
história a outras civilizações antigas, posto que o rei dominava os súditos e o 
homem fora definido como o chefe de família no lar. 
A religião era semelhante à dos gregos, pois os romanos eram politeístas, 
com suas divindades vivenciando desejos e defeitos humanos. Praticavam o 
culto oficial e familiar, e o culto doméstico venerava a alma dos antepassados, 
em um altar com pequenas imagens perante as quais se ofereciam alimentos. 
 
 
9 
Os sacerdotes romanos e gregos se agrupavam em colégios, e havia os 
pontífices que dirigiam as cerimônias e os ritos do calendário romano. As vestais 
(ou sacerdotisas de Vesta) deveriam manter aceso o fogo sagrado da cidade, 
enquanto o clero interpretava a vontade dos deuses, analisando os presságios 
e oráculos, vindo a atuar como adivinhos oficiais do Estado. 
Os costumes eram baseados em tradições orais, o que fez a população 
exigir a composição de uma instrução de leis escritas, no objetivo de conter os 
abusos e gerar igualdade na resolução dos conflitos. A Lei das XII Tábuas (451-
450) foi escrita por legisladores e gravada em tábuas de bronze para ser 
expostas no Fórum, tendo sido inspiradas na obra jurídica de Sólon, quando o 
direito se tornou público para o povo. 
Segundo Bovo (2008), “em meados do século II a.C., Políbio assinala a 
religião como eixo do governo aristocrático do senado romano”. Foi a época em 
que o Estado romano se serviu da religião para implementar a autoridade política 
e a integração social do Império, utilizando elementos rituais e supersticiosos 
para controlar a população. Havia diversas divindades itálicas no panteão 
romano, e também ocorria uma dedicação conjunta de templos a deuses latinos 
e etruscos, o que facilitava a integração desses povos. As autoridades de Estado 
se utilizavam do serviço de sacerdotes que atuavam para desenvolver a 
religiosidade dos cidadãos diante das divindades – tanto para manter os templos 
e cultos em desenvolvimento quanto para interpretar os oráculos e sinais. 
Conforme a autora, 
se em todas as sociedades antigas e modernas, a religião possui 
influência política, em Roma a religião se distingue pela relevância 
especial de sua dimensão pública. A populi romani religio é, ao mesmo 
tempo, teoria religiosa e doutrina de Estado. O culto aos deuses se 
expressa através de algumas práticas que a sociedade herdou de seus 
antepassados, e não pode alterá-las sob pena de cair num culpado 
superstitio. (Bovo, 2008) 
Portanto, a religião romana não se baseava em crenças ou doutrinas, mas 
buscava interpretar a vontade dos deuses para apaziguar e solicitar suas 
benesses, o que oportunizou o surgimento de um panteão bastante numeroso e 
de uma série de atividades religiosas cada vez mais complexas. No período mais 
helênico do Império, esse valor político das atividades religiosas desenvolvidas 
pelos romanos se tornou subjetivo e emocional, com a prática de cultos mais 
pessoais diante das divindades, como aqueles dedicados à deusa itálica Ceres, 
 
 
10 
deusa da vida e morte, a qual dá vida por meio da vegetação enquanto também 
recebe os cadáveres (Bovo, 2008, p. 76). 
3.2 O desenvolvimento inicial do cristianismo e o Império Romano 
O cristianismo encontrou na organização política dos romanos e na 
intelectualidade dos gregos um ambiente cultural favorável para seu 
desenvolvimento a partir das raízes sociais e religiosas dos hebreus. No contexto 
dessa configuração histórica, o judaísmo abrigou o desenvolvimento inicial do 
cristianismo em um período de grandes transformações históricas e sociais. 
Entre os anos 27 a.C. até 476 d.C., o Império Romano foi governado por 
um imperador vitalício, período em que Roma alcançou enorme poder no 
Ocidente e grande parte das regiões orientais – chegou a atingir cerca de 7 
milhões de metros quadrados de território no auge de suas conquistas. 
Desde o seu início, a religião cristã sofreu inúmeras perseguições 
ocasionadas pelo Império Romano, até que no ano de 313 o Imperador 
Constantino publicou o Edito de Milão, que concedia a liberdade de culto aos 
habitantes do Império. Em 391, o Imperador Teodósio definiu o Edito de 
Tessalônica, transformando o cristianismo em religião oficial do Império 
Romano, procedimento que proporcionou uma conexão da estrutura política 
romana junto da Igreja Cristã. 
A oficialização do cristianismo como religião imperial propiciou uma 
conexão histórica com a formação e fundamentos da Igreja Católica, que 
consagrou a estrutura administrativa do Império Romano em suas tradições. O 
posterior período da Idade Média acabou sendo marcado pela tentativa de 
conciliar fé e razão, em uma tendência oriunda da Patrística e da Escolástica. 
Segundo o olhar das ciências da religião, devemos perceber como o 
período histórico e a cultura vieram a influenciar grandemente a organização e o 
desenvolvimento intelectual da religião, visualizando a relação do cristianismo 
com os modelos de governo e administração oriundos do Império Romano. 
TEMA 4 – OS HEBREUS E O NASCIMENTO DO CRISTIANISMO 
4.1 A plenitude dos tempos 
A Palestina se situa numa localidade que a transformou numa região 
utilizada por todas as rotas comerciais que integravam o Egito à Mesopotâmia, 
 
 
11 
a Arábia à Ásia menor. Por essa razão, foi invadida e dominada pelos líderes e 
impérios dessas regiões, até que no século 4º a.C. foi amplamente dominada 
por Alexandre o Grande, que pretendia desenvolver uma unidade entre todos 
esses povos a partir de uma civilização com elementos gregos. 
Nas questões religiosas, os gregos desejavam fundir os deuses dos 
diversos povos. Já os romanos vieram a ser mais tolerantes com os judeus assim 
que o Império começou a governar a região, embora a decisão judaica de adorar 
somente a um Deus e desprezar a outros, especialmente a figura do César, 
tenha sido uma questão sempre problemática e que gerava constantes 
rebeliões. 
Mas a realidade histórica era que a unificação geográfica e cultural que o 
helenismo trouxera para as regiões do Império, e que foram mantidas pelos 
romanos, iriam permitir que os fiéis do cristianismo e a mensagem do Evangelho 
pudessem chegar às mais distantes regiões e povos, e de maneira segura e 
possível, já que havia estradas e caminhos ligando todo o Império. A própria 
língua grega, escrita original do Novo Testamento, se tornou a linguagem comum 
dos mais diversos povos, inclusive os judeus que não residiam em Jerusalém. 
Essa situação estava dentro do contexto que se compreendia como sendo 
o modo pelo qual Deus preparara aquele tempo e época para que o nome e as 
obras de Jesus de Nazaré viessem a ser conhecidas na maior parte do mundo 
(González, 2011, p. 18-22). Nas palavras desse mesmo autor, 
o Império Romano havia dado à bacia do Mediterrâneo uma unidade 
política nunca antes vista... numa política de fomentar unidade sem 
muita violência... Os caminhos romanos uniam as mais distantes 
províncias... e o comércio florescia entre as regiões, com a mensagem 
do cristianismo chegando aos lugares mais distantes pelas mãos de 
mercadores, escravos e outras pessoas que viajavam pelas mais 
diversas razões [...]. (González, 2011) 
4.2 O cristianismo, os hebreus e o judaísmo 
O Antigo Testamento trazia consigo os ensinamentos fundamentados na 
lei mosaica, a Torah, que desenvolvia a fé judaica, relatando a criação e o 
compromisso de Deus com seu povo conforme fora revelado por Abraão e 
Moisés; seu conteúdo faz parte da Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, até os 
dias de hoje. Nesse contexto, se a religião do islamismo depende de seu 
fundador, Maomé, para obter dele o seu livro sagrado, o Alcorão, o cristianismo 
se inicia no advento do Messias, porém, com base nos textosdo Antigo 
 
 
12 
Testamento hebreu, que também prometiam a vinda de um salvador. Pois os 
primeiros cristãos – judeus professos – consideravam Jesus de Nazaré como 
sendo o mestre e o Profeta designado por Deus como o Messias, o qual fora 
enviado aos homens segundo as profecias do Antigo Testamento de Israel, 
intitulado de Ungido (Christos, em grego). 
TEMA 5 – OS PRIMEIROS SÉCULOS DO CRISTIANISMO E O PERÍODO 
PATRÍSTICO 
5.1 Cristianismo – desenvolvimento inicial 
Assim que as perseguições das lideranças judaicas e dos governantes 
romanos acabaram promovendo a fuga dos discípulos de Jerusalém para os 
territórios mais distantes do Império, a mensagem do Evangelho também 
começou a encontrar guarida no coração dos gentios, os quais foram 
evangelizados especialmente pelo Apóstolo Paulo. 
As epístolas (cartas pessoais) de Paulo para as igrejas que fundou e/ou 
orientou como autoridade espiritual autorizada são uma amostra do 
desenvolvimento da nova religião ainda no século 1º, tendo alcançado grande 
número de regiões e cidades situadas entre a Jerusalém da Palestina e a Roma 
do Ocidente. 
Segundo Fortino (2014, p. 202), 
desde seu início na Judeia romana [...] o cristianismo moldou a cultura 
de grande parte da civilização ocidental. Os primeiros cristãos foram 
perseguidos tanto por autoridades judaicas quanto pelo Império 
Romano, e muitos foram mortos. Mesmo assim, a religião resistiu, sob 
a liderança da primeira Igreja. Gradualmente, o cristianismo passou a 
ser tolerado pelos líderes romanos e, após o Concílio de Niceia [...] foi 
adotado como religião oficial do Império Romano em 380 d.C. 
5.2 A consolidação das doutrinas cristãs na Patrística 
Conforme comenta Fortino (2014, p. 202), 
Os cristãos dão muita importância à história da crucificação, 
ressurreição e ascensão de Jesus. Jesus sofreu, morreu e foi 
sepultado, ressuscitando para salvar aqueles que acreditavam nele e 
ascendendo aos céus para governar o mundo ao lado de Deus Pai. 
A mensagem do Evangelho (boas novas) do cristianismo anuncia que 
para os seres humanos serem considerados “justos”, a fim de conseguirem se 
 
 
13 
relacionar espiritualmente com Deus Pai Altíssimo, mesmo que envoltos em seus 
pecados, todos devem crer que foram perdoados em Jesus. Afinal, Jesus Cristo 
morreu na cruz, vindo a receber sobre si a penalidade extrema do pecado; a 
morte espiritual da humanidade que surge factualmente na morte física que rege 
a existência humana na Terra. 
Segundo McGrath (2005), enquanto as lideranças cristãs da cidade de 
Roma fortaleciam suas influências sobre as igrejas no grande território do 
Império – o que também gerava as primeiras tensões entre Roma e 
Constantinopla –, alguns centros de estudos doutrinários eram organizados em 
outras regiões, como: a cidade de Alexandria, situada no Egito; a cidade de 
Antioquia, situada na atual Turquia; e a região norte da África, atual Argélia, 
sendo a localidade de importantes escritores cristãos como Tertuliano e Santo 
Agostinho. E no pensamento desse mesmo autor, “o termo “patrístico”1 [...] tanto 
designa o período referente aos pais da igreja quanto as ideias características 
que se desenvolveram ao longo desse período”. (McGrath, 2005, p 39-41) 
O período patrístico representa um dos mais empolgantes e criativos 
da história do pensamento cristão [...]. Todos os principais ramos da 
igreja cristã – incluindo as igrejas anglicanas, ortodoxa oriental, 
luterana, reformada e católica romana – consideram o período 
patrístico como um marco decisivo na evolução da doutrina cristã. 
Cada uma dessas igrejas se considera como uma continuação, uma 
extensão e, naquilo que for necessário, uma crítica às visões dos 
escritores da igreja primitiva. (McGrath, 2005, p. 42) 
O símbolo teológico de unidade que identifica as mais diversas igrejas e 
denominações consideradas pertencentes ao cristianismo no decorrer da 
história recebeu sua forma fixa no período patrístico, ainda no decorrer do século 
4º, por meio da finalização do conteúdo do “Credo Apostólico”. 
NA PRÁTICA 
Vimos como o “Credo Apostólico” definido no século 4º se tornou o maior 
símbolo doutrinário dos fundamentos essenciais do pensamento religioso do 
cristianismo, agregando sobre seu conteúdo um grande número de 
denominações históricas. A observação das influências do cristianismo na 
cultura ocidental pode ser visualizada ao notarmos a quantidade de 
 
1 O termo patrístico origina-se da palavra pater, que significa pai, em referência tanto aos pais 
da Igreja quanto ao pensamento teológico por eles desenvolvido nos primeiros séculos do 
cristianismo. 
 
 
14 
manifestações que recorrem a esse credo no propósito de invocar as bênçãos 
de Deus em nossa civilização. 
FINALIZANDO 
A Política e Religião nas civilizações antigas. 
Acerca da maneira como as civilizações antigas vieram a influenciar o 
cristianismo e igualmente o Ocidente, importa ressaltar que o estabelecimento 
das primeiras civilizações na Antiguidade requeria instituições políticas fortes, 
com a definição da personalidade e dos poderes da autoridade soberana da 
nação. O objetivo era superar os questionamentos e conflitos, especialmente os 
oriundos da própria população daquela nação. Um passo importante nesse 
sentido foi unificar ou aproximar as autoridades política e religiosa, aspecto que 
posteriormente gerou a própria “divinização” do chefe político, conforme veio a 
ocorrer na Mesopotâmia e Egito antigos, e igualmente com Alexandre o Grande 
e o César Augusto romano. 
Eis o modo como as religiões se tornaram práticas culturais essenciais da 
organização política nas nações antigas, sendo um aspecto que se tornou 
bastante influente nas civilizações ocidentais, pois o poder político autorizava o 
poder religioso, e vice-versa. Essa experiência se tornou preponderante no 
desenvolvimento da Igreja cristã na Idade Média, tanto porque a Igreja Católica 
Ortodoxa Romana utilizou a organização territorial do Império Romano em sua 
organização eclesial quanto porque serviu-se de seu modelo de administração 
regional hierárquico, centrado na figura do papa. (Claval: as ligações entre poder 
e religião). 
 
 
 
15 
REFERÊNCIAS 
ARANTES, B. Mesopotâmia: saiba tudo sobre esse berço da civilização. 
<https://www.stoodi.com.br>. Acesso em :22 jan. 2020. 
BOVO, E. História das religiões: origem e desenvolvimento das religiões, 2008, 
p. 55 
CLAVAL, P. Política, espaço e cultura: as ligações entre poder e religião. 
<https://journals.openedition.org>. Acesso em :22 jan. 2020. 
FORTINO. O livro das religiões. São Paulo, 2014. 
GONZÁLEZ, J. L. História ilustrada do cristianismo. A era dos mártires até a 
era dos sonhos frustrados. 2. ed. Tradução de Key Yuasa e Hans Udo Fuchs. 
São Paulo: Vida Nova, 2011. v. 1. 
MCGRATH, A. Teologia sistemática, histórica e filosófica. Tradução de 
Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd Publicações, 2005. 
PASSOS, J. D.; USARSKI, F (Org.). São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013.

Continue navegando