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BIOQUÍMICA Fabiola Regina Stevan João Armando Brancher Tatiana Herrerias *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Imagens da capa: © Vitaliy Snitovets // Shutterstock; © everything possible // Shutterstock. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Copyright Universidade Positivo 2016 Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300 – Campo Comprido Curitiba-PR – CEP 81280-330 Superintendente Reitor Pró-Reitor Acadêmico Coordenador Geral de EAD Coordenadora Editorial Autoria Supervisão Editorial Parecer Técnico Validação Institucional Layout de Capa Prof. Paulo Arns da Cunha Prof. José Pio Martins Prof. Carlos Longo Prof. Renato Dutra Profa. Manoela Pierina Tagliaferro Profa. Fabiola Regina Stevan Prof. João Armando Brancher Profa. Tatiana Herrerias Aline Scaliante Coelho Livia Maria Andaló Tenuta Francine Ozaki e Regiane Rosa Valdir de Oliveira FabriCO KOL Soluções em Gestão do Conhecimento Ltda EPP Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Imagem de Capa, Design Gráfico e Revisão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da Universidade Positivo – Curitiba – PR S843 Stevan, Fabiola Regina. Bioquímica [recurso eletrônico]. / Fabiola Regina Stevan, João Armando Brancher, Tatiana Herrerias. – Curitiba : Universidade Positivo, 2016. 230 p. : il. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: <http://www.up.edu.br> Título da página da Web (acesso em 28 set. 2017). ISBN: 978-85-8486-278-8. 1. Bioquímica. I. Brancher, João Armando. II. Herrerias, Tatiana. III. Título. CDU 577.1 Ícones Afirmação Contexto Biografia Conceito Esclarecimento Dica Assista Curiosidade Exemplo Sumário Apresentação ..................................................................................................................13 Os autores ........................................................................................................................14 Capítulo 1 Mecanismos de homeostasia celular ..............................................................................17 1.1 pH e tampões ............................................................................................................18 1.1.1 A importância do H+ ...............................................................................................................................................19 1.1.2 Escala de pH ............................................................................................................................................................19 1.1.3 pK a .......................................................................................................................................................................... 20 1.1.4 Soluções tampões .................................................................................................................................................. 21 1.2 Equilíbrio ácido-básico ..............................................................................................23 1.2.1 Sistemas tampão do sangue humano ....................................................................................................................24 1.2.2 Controle pulmonar do equilíbrio ácido-base ........................................................................................................ 25 1.2.3 Controle renal do equilíbrio ácido-base ................................................................................................................ 26 1.3 Distúrbios do equilíbrio ácido-base ..........................................................................29 1.3.1 Acidose metabólica ................................................................................................................................................31 1.3.2 Acidose respiratória ................................................................................................................................................31 1.3.3 Alcalose metabólica .............................................................................................................................................. 32 1.3.4 Alcalose respiratória .............................................................................................................................................. 33 1.4 Bioenergética .............................................................................................................33 1.4.1 Introdução ao metabolismo................................................................................................................................... 34 1.4.2 Princípio geral da bioenergética ............................................................................................................................ 34 1.4.3 Energia livre de Gibbs (∆G) .................................................................................................................................... 35 1.4.4 Moléculas transportadoras de energia .................................................................................................................. 37 Referências ......................................................................................................................40 Capítulo 2 Proteínas e enzimas .........................................................................................................41 2.1 Aminoácidos, peptídeos e proteínas .........................................................................41 2.1.1 Classificação de aminoácidos ................................................................................................................................. 44 2.1.2 Comportamento dos aminoácidos em soluções aquosas ..................................................................................... 46 2.1.3 Ligação peptídica ................................................................................................................................................... 48 2.1.4 Classificação de proteínas ...................................................................................................................................... 49 2.2 Estrutura de proteínas ...............................................................................................51 2.2.1 Estrutura primária ..................................................................................................................................................51 2.2.2 Estrutura secundária ............................................................................................................................................. 52 2.2.3 Estrutura terciária e quaternária ........................................................................................................................... 53 2.2.4 Desnaturação ......................................................................................................................................................... 54 2.3 Enzimas .....................................................................................................................54 2.3.1 Funções e características das enzimas .................................................................................................................. 55 2.3.2 Mecanismos da catálise enzimática ...................................................................................................................... 56 2.3.3 Enzimas regulatórias ............................................................................................................................................. 58 2.3.4 Uso das enzimas na clínica ....................................................................................................................................60 2.4 Cinética enzimática ...................................................................................................61 2.4.1 pH e temperatura ...................................................................................................................................................61 2.4.2 Concentração de substrato .................................................................................................................................... 62 2.4.3 Inibição Enzimática ............................................................................................................................................... 64 Referências ......................................................................................................................66 Capítulo 3 Carboidratos e glicólise ....................................................................................................67 3.1 Monossacarídeos .......................................................................................................67 3.1.1 Estrutura química ................................................................................................................................................... 68 3.1.2 Funções dos monossacarídeos .............................................................................................................................. 71 3.1.3 Ciclização ............................................................................................................................................................... 71 3.2 Oligossacarídeos e polissacarídeos ............................................................................75 3.2.1 Formação da ligação glicosídica ............................................................................................................................ 75 3.2.2 Oligossacarídeos de interesse humano ..................................................................................................................76 3.2.3 Classificação dos polissacarídeos .......................................................................................................................... 77 3.2.4 Polissacarídeos de interesse para a área de saúde ................................................................................................ 78 3.3 Via glicolítica .............................................................................................................79 3.3.1 Importância da via glicolítica ................................................................................................................................. 80 3.3.2 A via glicolítica ...................................................................................................................................................... 80 3.3.3 Regulação da via glicolítica ................................................................................................................................... 85 3.3.4 Entrada de outros monossacarídeos na via glicolítica .......................................................................................... 87 3.4 Fermentação ..............................................................................................................89 3.4.1 Destinos do piruvato .............................................................................................................................................. 89 3.4.2 Fermentação alcoólica ........................................................................................................................................... 89 3.4.3 Fermentação acética ............................................................................................................................................. 90 3.4.4 Fermentação lática ................................................................................................................................................ 90 Referências ......................................................................................................................92 Capítulo 4 Respiração celular ............................................................................................................93 4.1 Primeiro estágio da respiração celular .......................................................................94 4.1.1 Formação do acetil-CoA ......................................................................................................................................... 94 4.1.2 Regulação da piruvato desidrogenase ................................................................................................................... 96 4.2 Segundo estágio da respiração celular ......................................................................97 4.2.1 O ciclo do ácido cítrico ........................................................................................................................................... 97 4.2.2 Regulação do ciclo do ácido cítrico ......................................................................................................................102 4.2.3 Reações anapleróticas ......................................................................................................................................... 104 4.2.4 Papel anabólico do ciclo ...................................................................................................................................... 105 4.3 Fosforilação oxidativa ..............................................................................................106 4.3.1 Cadeia respiratória e ATP sintase ......................................................................................................................... 107 4.3.2 Transferência de elétrons do Complexo I ao Complexo IV ...................................................................................111 4.3.3 Transferência de elétrons do Complexo II ao Complexo IV ..................................................................................112 4.3.4 Teoria quimiosmótica ...........................................................................................................................................113 4.4 Rendimento energético ...........................................................................................115 4.4.1 Número de ATPs ...................................................................................................................................................115 4.4.2 Lançadeira malato-aspartato ...............................................................................................................................116 4.4.3 Lançadeira glicerol-fosfato ...................................................................................................................................117 Referências ....................................................................................................................119 Capítulo 5 Metabolismo de carboidratos .......................................................................................121 5.1 Gliconeogênese........................................................................................................121 5.1.1 Formação de glicose a partir de outras fontes ......................................................................................................121 5.1.2 A via gliconeogênica ............................................................................................................................................ 122 5.1.3 Regulação da gliconeogênese ..............................................................................................................................128 5.1.4 Ciclo de Cori ......................................................................................................................................................... 129 5.2 Glicogênese .............................................................................................................1315.2.1 Formação do nucleotídeo-açúcar.........................................................................................................................132 5.2.2 Formação da ligação α(1→4) .............................................................................................................................133 5.2.3 Formação da ligação α(1→6) .............................................................................................................................135 5.3 Glicogenólise ...........................................................................................................136 5.3.1 Atividade da glicogênio fosforilase ...................................................................................................................... 136 5.3.2 Atividade da transglicosilase ................................................................................................................................137 5.3.3 Atividade da α(1→6) glicosidase ....................................................................................................................... 138 5.3.4 Ação da fosfoglicomutase ....................................................................................................................................139 5.4 Regulação do metabolismo do glicogênio ..............................................................139 5.4.1 Regulação da glicogênio sintase ...........................................................................................................................139 5.4.2 Regulação da glicogênio fosforilase .................................................................................................................... 140 5.4.3 Regulação recíproca da síntese e degradação do glicogênio ...............................................................................141 5.4.4 Doenças relacionadas ao metabolismo do glicogênio .........................................................................................141 Referências ....................................................................................................................144 Capítulo 6 Lipídeos e lipoproteínas ................................................................................................145 6.1 Lipídeos de armazenamento ...................................................................................145 6.1.1 Ácidos graxos ....................................................................................................................................................... 146 6.1.2 Classificação dos ácidos graxos ............................................................................................................................147 6.1.3 Triacilgliceróis ........................................................................................................................................................149 6.2 Lipídeos estruturais e funcionais .............................................................................150 6.2.1 Fosfolipídeos ........................................................................................................................................................ 150 6.2.2 Glicolipídeos .........................................................................................................................................................152 6.2.3 Esteroides ............................................................................................................................................................ 153 6.2.4 Colesterol ............................................................................................................................................................. 154 6.3 Lipoproteínas ...........................................................................................................156 6.3.1 Estrutura de lipoproteínas ................................................................................................................................... 156 6.3.2 Apoproteínas ....................................................................................................................................................... 158 6.4 Metabolismo de lipoproteínas .................................................................................158 6.4.1 Digestão de lipídeos e formação de quilomícron .................................................................................................159 6.4.2 Formação do VLDL ...............................................................................................................................................161 6.4.3 LDL e HDL ............................................................................................................................................................ 162 6.4.4 Aterogênese ......................................................................................................................................................... 165 Referências ....................................................................................................................168 Capítulo 7 Metabolismo de lipídeos e proteínas ............................................................................169 7.1 Lipólise .....................................................................................................................169 7.1.1 Mobilização dos triacilgliceróis do tecido adiposo ................................................................................................170 7.1.2 β-oxidação dos ácidos graxos ...............................................................................................................................172 7.1.3 Regulação da lipólise .............................................................................................................................................176 7.1.4 Cetogênese ............................................................................................................................................................176 7.2 Lipogênese ..............................................................................................................179 7.2.1 Anabolismo dos ácidos graxos ............................................................................................................................. 180 7.2.2 Síntese dos triacilgliceróis .................................................................................................................................... 186 7.2.3 Regulação da lipogênese ..................................................................................................................................... 188 7.2.4 Síntese do colesterol ............................................................................................................................................ 189 7.3 Metabolismo de aminoácidos .................................................................................191 7.3.1 Digestão e absorção de proteínas .........................................................................................................................191 7.3.2 Oxidação de aminoácidos .....................................................................................................................................191 7.3.3 Ciclo de glicose-alanina ........................................................................................................................................193 7.3.4 Síntese de aminoácidos ....................................................................................................................................... 195 7.4 Destino do grupo amino ..........................................................................................197 7.4.1 Ciclo da ureia ........................................................................................................................................................ 198 7.4.2 Regulação do ciclo daureia ................................................................................................................................. 200 Referências ....................................................................................................................201 Capítulo 8 Mecanismo de ação hormonal e inter-relação metabólica ..........................................203 8.1 Mecanismo de ação hormonal ................................................................................203 8.1.1 Mecanismo de ação dos hormônios esteroides e tireoideanos ........................................................................... 204 8.1.2 Mecanismo de ação de hormônios peptídicos que utilizam segundos mensageiros ......................................... 206 8.1.3 Mecanismo de ação do receptor tirosina quinase ................................................................................................210 8.1.4 Controle por retroalimentação ..............................................................................................................................212 8.2 Bioquímica do estado alimentado ..........................................................................213 8.2.1 Fígado ...................................................................................................................................................................214 8.2.2 Músculo ................................................................................................................................................................214 8.2.3 Tecido adiposo .....................................................................................................................................................215 8.2.4 Obesidade .............................................................................................................................................................216 8.3 Bioquímica do jejum ...............................................................................................218 8.3.1 Jejum inicial ..........................................................................................................................................................219 8.3.2 Jejum prolongado ............................................................................................................................................... 220 8.4 Dieta, câncer e diabetes mellitus ..............................................................................223 8.4.1 Dieta ..................................................................................................................................................................... 223 8.4.2 Bioquímica do câncer .......................................................................................................................................... 224 8.4.3 Diabetes mellitus .................................................................................................................................................. 225 Referências ....................................................................................................................226 A Bioquímica é uma ciência fascinante. Ela é ministrada a todos os cursos da área da saúde, pois proporciona ao estudante uma visão geral do metabolismo celular. Seu prin- cipal propósito é descrever as estruturas, os mecanismos e as reações químicas celula- res em nível molecular. O conhecimento bioquímico serve de base para o aprendizado de diversas outras áreas do conhecimento, como a fisiologia, a patologia, a farmacologia, a genética e várias outras. As principais ferramentas da Bioquímica são as biomoléculas, compostos orgânicos presentes como componentes essenciais dos organismos vivos. Assim, ao longo deste livro, vamos estudar as três grandes classes de biomolécu- las: as proteínas, os lipídios e os carboidratos. Veremos os principais aspectos bioquími- cos relacionados às suas estruturas, conheceremos suas unidades formadoras e as reações metabólicas de síntese e degradação dessas biomoléculas. Por fim, estudaremos as alte- rações bioquímicas ocasionadas durante o estado de jejum, na obesidade, no câncer e no diabetes mellitus. Após concluir seus estudos, esperamos que você entenda melhor o que é a Bioquímica e como ela está presente no seu dia a dia. Boa leitura! Apresentação Aos meus filhos queridos, Felipe e Camila, que são a luz da minha vida. Ao meu amado Rodrigo Heitor, pela paciência, companheirismo e brincadeiras, sem os quais teria sido muito difícil esta caminhada. Os autores A Professora Fabiola Regina Stevan é Mestre e Doutora em Ciências (Bioquímica) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e possui graduação em Ciências Biológicas pela mesma instituição. Atualmente, é professora titular da Universidade Positivo, minis- trando as disciplinas de Bioquímica, Biofísica e Fisiologia Humana. Tem experiência na área de Bioquímica, atuando principalmente nos seguintes temas: química de carboidratos, en- zimologia e atividade biológica de princípios bioativos de plantas medicinais. Currículo Lattes: <lattes.cnpq.br/4059301448993607> A Professora Tatiana Herrerias é Mestre e Doutora em Ciências: Bioquímica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e possui graduação em Farmácia pela mesma ins- tituição. É docente na área de Bioquímica Geral e Clínica para diversos cursos da área de saúde e pesquisadora na área de Bioquímica Farmacológica na Universidade Positivo. Currículo Lattes: <lattes.cnpq.br/7122715065713153> O Professor João Armando Brancher é Doutor em Ciências da Saúde pela PUC/PR, Mestre em Bioquímica pela UFPR e Graduado em Odontologia pela PUC/PR. Atua como professor universitário desde 2001. Currículo Lattes: <lattes.cnpq.br/5460397708527612> Aos estudantes, estímulo maior para a busca contínua pelo aprendizado por parte de nós, professores. 1 Mecanismos de homeostasia celular A Bioquímica é a ciência que relaciona o estudo das diversas moléculas presentes nas células e nos organismos vivos com as suas respectivas reações químicas. Dessa forma, busca explicações para a interação que ocorre entre essas moléculas e como essa interação contribui para a manutenção da vida. Ela está associada a todas as formas de vida, desde vírus e bactérias até os se- res humanos. Em todas as espécies, a saúde depende de um equilíbrio harmonioso das reações bioquímicas que ocorrem no organismo, pois várias doenças ocorrem por anormalidades nessas reações ou em biomoléculas. Assim, um conhecimento adequa- do da Bioquímica e de outras disciplinas básicas correlatas é essencial para todos os cursos da área da saúde. Para iniciarmos o entendimento da Bioquímica, a definição de homeostasia é im- portante. A homeostasia é a capacidade que o organismo possui de manter o equilí- brio dinâmico, ou seja, o funcionamento correto do metabolismo. Quando falamos em homeostasia celular, é necessário compreender que o funcionamento da célula está relacionado a suas reações químicas e todas elas ocorrem no meio aquoso. Se deter- minada reação não ocorre, o funcionamento celular é modificado e dependendo da reação que for interrompida, pode provocar a morte celular. Por isso, algumas propriedades físicas da água (por exemplo, o ponto de fusão, de ebulição e de calor de vaporização altos) ajudam a manter esse solvente no estado líqui- do, na temperatura ambiente, o que permite mais interação entre a água e os solutos. Além disso, a capacidade da água de interagir por ligação de hidrogênio e interação ele- trostática complementa as qualidades que facilitam a ocorrência das reações químicas. Apesar de muitas propriedades do solvente serem explicadas pela molécula de água, não carregada, o pequeno grau de ionização também é importante. As moléculas de água apresentam a tendência de se ionizarem levemente, produzindo íons hidrogênio e um íon hidróxido, gerando o equilíbrio, como mostra a reação a seguir: H2O H ++ OH– O grau de ionização da água no equilíbrio é de duas moléculas de água ionizadas para cada 109 moléculas sem ionização, na temperatura de 25ºC. No entanto, o fato de esta si- tuação acontecer faz com que a concentração de H+ livres seja um parâmetro importante para ser acompanhado. A concentração de H+ livres é referida como pH da solução. A partir dessas informações, este capítulo focará nos mecanismos de homeosta- sia celular, explicando como o pH é controlado na célula e a importância de sua manu- tenção. Além disso, vamos abordar as soluções tampão, o equilíbrio ácido-básico, os distúrbios do equilíbrio ácido-básico e a bioenergética. O próximo tópico tratará dos conceitos de pH e tampões. Bioquímica 18 1.1 pH e tampões Para iniciar nossos estudos, precisamos primeiramente compreender o que é o pH de uma solução e como ele influencia nas reações químicas e na estrutura celular e do organismo. Desta forma, pH é o termo utilizado para definir potencial de hidrogênio, ou seja, a concentração de H+ livre na solução e é obtido pela conversão matemática mostrada a seguir: pH = log 1 [H+] – log [H+] Para manter o pH dos compartimentos do organismo, é necessário que o meio aquoso possua um ou mais tampões. Os tampões são soluções que possuem um ácido fraco e sua base conjugada em proporções definidas e, por isso, conseguem manter o pH com poucas variações. Para entender melhor esse conceito, podemos iniciar analisando a constante de equilíbrio da água: Keq = [H+][OH–] [H2O] Conforme a fórmula, podemos perceber que a constante de equilíbrio da água (Keq) é calculada pela multiplicação das concentrações de H + e de OH–. O resultado, então, é dividido pela concentração do total de moléculas de H2O, ou seja, de água. Considerando-se a água pura, sua concentração corresponde a 55,5 molar (M), o que equivale a (1000 g/L) / (18,015 g/mol). Tendo em vista a pequena taxa de ioni- zação da água, o valor de 55,5 M pode ser substituído na expressão da constante de equilíbrio: Keq = [H+][OH–] [55,5] Ao fazer esse rearranjo, temos: [55,5 M][Keq] = [H +][OH–] = Kw Portanto, Kw corresponde ao produto iônico da água a 25ºC e essa constante é a base para a escala de pH. Kw terá um valor final de 10 –14; ou seja, a concentração de H+ multiplicada pela de OH– é 10 –14. Nessa condição, a concentração de H+ e a concen- tração de OH– são iguais a 10 –7 M, o que resulta em um pH = 7, pois, para uma solução aquosa com concentração de 1 × 10 –7 M, o pH é calculado da seguinte forma: pH = log 1 [1 × 10 –7] = 7,0 Bioquímica 19 Perceba que a concentração de H+ é expressa em molar (M) e que o cálculo equi- valente para a concentração de OH– resulta na expressão do pOH. 1.1.1 A importância do H+ A concentração de H+ pode interferir diretamente na ionização das moléculas, in- cluindo as proteínas. Essa diferença na ionização pode afetar a função das molécu- las na célula, no sangue e em diversas outras partes do corpo. Por isso, o controle da concentração de H+, ou seja, do pH, é fundamental para assegurar a estabilidade das moléculas, possibilitar que as reações químicas aconteçam e manter a atividade enzi- mática, além de algumas atividades biológicas, como a atividade cardíaca, a atividade pulmonar, a do sistema nervoso e a de todos os tecidos. Portanto, é necessária a exis- tência de tampões, ou seja, sistemas de ácidos e bases que possam liberar e segurar prótons, evitando variações bruscas de pH (NELSON; COX, 2014). Devemos lembrar que, como descrito por Brönsted-Lowry, ácido é todo com- posto que libera prótons, e base é qualquer substância que se liga ao próton. Um doa- dor de prótons e seu correspondente aceptor formam um par ácido-base conjugado (NELSON; COX, 2014). Analise o exemplo a seguir: HA H+ + A– É importante lembrar de que HA é a molécula do ácido; H+ é o próton liberado; e A– é a base conjugada liberada depois da dissociação do ácido. Porém, é muito impor- tante atentar para o fato de que “a acidez é exercida pelo íon H+, e não pela molécula do ácido” (HENEINE, 2010, p. 140). Em relação à classificação dos ácidos, eles são categorizados em fortes e fracos. Os ácidos fortes são aqueles que liberam totalmente o H+ que está em sua estrutura. Portanto, a presença de um ácido forte em uma solução altera muito o pH. Já ácidos fracos liberam parcialmente o H+ e, por isso, o efeito do ácido se manifesta fracamente na solução aquosa. Os ácidos fracos também funcionam como tampões. Essa questão será explorada melhor a seguir. 1.1.2 Escala de pH Considerando o Kw da água, entre as concentrações de 1 M de H+ e 1 M de OH–, o pH constitui uma forma de determinar a concentração de H+ e também de OH– livres na solução aquosa por meio de uma escala, considerando a relação: pH + pOH = 14 Dessa forma, seguindo cálculos semelhantes, pode-se calcular a concentração de H+ nas mais variadas soluções e atribuir um valor que varia de 0 até 14, como mostra a tabela a seguir. Bioquímica 20 Tabela de Escala de pH [H+] (M) pH [OH–] (M) pOH 100 (1) 0 10–14 14 10–1 1 10–13 13 10–2 2 10–12 12 10–3 3 10–11 11 10–4 4 10–10 10 10–5 5 10–9 9 10–6 6 10–8 8 10–7 7 10–7 7 10–8 8 10–6 6 10–9 9 10–5 5 10–10 10 10–4 4 10–11 11 10–3 3 10–12 12 10–2 2 10–13 13 10–1 1 10–14 14 100 (1) 0 Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 60. (Adaptado). Observe que a última coluna da tabela apresenta o pOH. Esse índice é utilizado para determinar a alcalinidade da solução, sendo que a expressão pOH = – log [OH–] é semelhante à expressão do pH. Perceba também que os valores de pH apresentam re- lação direta com as concentrações de H+ de uma solução aquosa e, portanto, não são aleatórios. É importante observar que a escala de pH é expressa em logaritmo e que a variação de uma unidade equivale a uma diferença na concentração de H+ de aproxi- madamente dez vezes. 1.1.3 pK a O grau de modificação ocasionado pela solução aquosa é uma característica de cada ácido ou base fracos, sendo expresso pela constante de equilíbrio, da mesma forma que a equação de equilíbrio da água: [H+][A–] [HA] Keq= = Ka Ácidos fracos são aqueles compostos que liberam apenas parte dos hidrogênios que estão em sua estrutura, ou seja, dissociam-se pouco. Bases fracas são as que recebem pouco H+. Bioquímica 21 A força relativa de um ácido é expressa pela seguinte equação: pKa= log = – log KaKa 1 Essa expressão mostra que, quanto mais forte o ácido, maior será o valor de Ka e menor é seu valor de pKa. Por outro lado, quanto mais fraco o ácido, maior o valor de pKa. O valor de pKa corresponde ao valor de pH quando a concentração de ácido e de base conjugada está exatamente igual. Isso é importante para determinar a região de variação do pH de uma solução, a chamada região de tamponamento. Ela vai de 1,0 ponto acima até 1,0 ponto abaixo do valor de pKa do ácido. Em termos práticos, uma solução ácido-base dentro dessa região de tamponamento protege a solução contra variações drásticas de pH. 1.1.4 Soluções tampões A solução tampão é formada por um ácido fraco e sua base conjugada. Além dis- so, quando está em sistema aquoso, essa solução tende a resistir a pequenas adições de ácido ou base, mantendo o pH mais estável. Um exemplo é o sistema tampão fosfa- to, que para a ionização do ácido H2PO4– na base conjugada HPO4 2–, apresenta um pKa de 6,86, o que significa que esse tampão controla o pH desde 7,86 até 5,86, ou seja, de 1,0 ponto acima até 1,0 ponto abaixo do pKa, conforme indicado anteriormente. A análise da curva de titulação de uma solução tampão mostra que, se o pH da so- lução estiver dentro dessa faixa, pequenas adições de H+ ou OH– têm pouco efeito sobre o pH em relação ao que acontece com a adição da mesma quantidade fora dessa zona. A figura a seguir apresenta a curva de titulação de uma solução tampão. Perceba que ela tem um local relativamente plano. Essa é a região de tamponamento, que resulta do equilíbrio entre duas reações reversíveis e ocorreem uma solução com pro- porções que variam de 1:10 até 10:1 do doador e do aceptor de prótons. Bioquímica 22 Curva de titulação da solução tampão acetato 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 0 50 100% OH– adicionado (equivalentes) Região de tamponamento pH 5,76 pH 3,76 pH pH = pKa = 4,76 [CH3COOH] = [CH3COO –] CH3COO – CH3COOH Percentagem titulada Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 62. (Adaptado). O gráfico anterior explica como uma solução tampão funciona: quando o pH tende a baixar, devido à produção excessiva de ácido, a base segura prótons, ocasionando uma alteração mínima no pH; da mesma forma, quando o pH tende a subir, devido à eliminação excessiva de H+, o ácido libera prótons para baixar o pH, também ocasio- nando uma alteração mínima. É importante verificar que, para cada ácido (HA) e sua base conjugada (A–), existe um pKa diferente e, por consequência, uma região na qual esse tampão é efetivo. Além disso, se um ácido possui mais do que um hidrogênio ionizável, cada forma química apresenta um pKa diferente, como mostrado na tabela a seguir. pK a para alguns tipos de ácidos e suas bases conjugadas Ácido HA A– pKa Ácido acético CH3COOH CH3COO – 4,76 Ácido lático CH3CHOHCOOH CH3CHOHCOO – 3,86 Ácido carbônico – I H2CO3 HCO3 – 3,77 Ácido carbônico – II HCO3 – CO3 –2 10,20 Ácido fosfórico – I H3PO4 H2PO4 – 2,14 Ácido fosfórico – II H2PO4 – HPO4 –2 6,86 Ácido fosfórico – III HPO4 –2 PO4 –3 12,40 Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 61. (Adaptado). © F ab ri CO Bioquímica 23 Para descrever a curva de titulação de qualquer ácido ou base, é possível utilizar a equação de Henderson-Hasselbalch. Essa expressão é descrita da seguinte forma: pH = pKa + log [A–] [HA] Essa equação relaciona o pKa, o pH e a concentração do tampão, sendo uma forma de reescrever a equação da constante de ionização de um ácido. Ela é usada para avaliar as propriedades da relação ácido-base conjugada utilizada para controlar o pH de uma solução. Analisando a equação, é possível perceber que o pH da solução será próximo ao pKa do ácido fraco quando possuir quantidades iguais de ácido e de sua base conjugada. Se a concentração do ácido for igual à da base conjugada, na equação será igual a 1; log de 0 é igual a 1; portanto, na condição de pH = pKa, a concentração de A – e HA é igual. 1.2 Equilíbrio ácido-básico A conservação do pH nos líquidos corporais é fundamental para a preservação da vida. Para manter o pH fisiológico, que na maioria dos seres vivos está em torno de 7,0, existem vários tipos de substâncias. Grandes mamíferos não toleram variações no pH dos líquidos corporais, em especial do sangue. No ser humano, por exemplo, o pH san- guíneo pode variar apenas entre 7,35 e 7,45. Outro exemplo é o pH do sangue arterial dos cães, que sofre variação entre 7,451 e 7,463. Para ter uma ideia melhor sobre os pHs em compartimentos corporais dos seres humanos, analise a tabela a seguir e observe que, quanto maior a concentração de H+ li- vre, menor o pH. Um excelente exemplo é o suco gástrico, que contém ácido clorídrico (HCl), um ácido forte e que libera grande concentração de próton, deixando a solução com pH ácido. pH e concentração de H+ em compartimentos corporais Concentração de H+ (mmol/L) pH Suco gástrico 160 0,8 Urina 3,0 × 10–2 a 1,0 × 10–5 4,5 a 8,0 Líquido intersticial 4,5 × 10–5 7,35 Sangue pobre em O2 4,5 × 10 –5 7,35 Sangue rico em O2 4,0 × 10 –5 7,4 Fonte: HALL, 2011, p. 402. (Adaptado). A manutenção do pH correto para cada compartimento corporal – como o cito- sol da célula ou o lúmen do estômago – é muito importante para a manutenção da homeostase do organismo. Por esse motivo, cada compartimento possui um ou mais sistemas tampões. Bioquímica 24 1.2.1 Sistemas tampão do sangue humano Nos seres humanos, o pH do sangue e do líquido intersticial varia entre 7,35 e 7,45. Variações de ± 0,3 além desses valores correspondem a alterações graves no equilíbrio ácido-base, assim, as concentrações de ácidos fracos e suas bases conjugadas devem ser suficientes para controlar o pH. Vamos ver o exemplo do par do sistema tampão fosfato, H2PO4 –/HPO4 –2, que apresenta pKa 6,86. No citosol das células, a quantidade desses compostos é grande e isso faz com que esse sistema tampão seja o principal para o controle do pH quan- do comparado a outros tampões, como o bicarbonato. Porém, no sangue, o sistema tampão bicarbonato está em maior quantidade do que o tampão fosfato; por isso, esse tampão é o que melhor controla o pH no sangue. Além desse sistema, as células possuem grandes quantidades de proteínas, que apresentam grupos funcionais com capacidade de liberar ou captar prótons. Esse é o caso do grupo radical da histidina, que apresenta pKa igual a 6,0. Portanto, na célula, as proteínas que possuem esse grupamento se tornam tampões efetivos quando o pH está próximo ao neutro (NELSON; COX, 2014). No sangue, o principal tampão é o sistema bicarbonato / ácido carbônico total, que apresenta um pKa de 6,1. Esse sistema tampão é mais complexo do que outros porque se origina do dióxido de carbono (CO2) dissolvido em água. Porém, a reação da união de dióxido de carbono e água é lenta, necessitando do auxílio da enzima anidrase carbônica no interior da hemácia. Veja a fórmula que exemplifica esse processo: CO2 + H2O Anidrase carbônica H2CO3 H + + HCO3 – Essa reação ocorre dentro da hemácia e o H+ liberado no final liga-se à hemoglo- bina. Com isso, o pH do citosol da hemácia não se altera. O HCO3 – liberado sai para o plasma sanguíneo pela troca com um Cl–. Essa reação, ao acontecer na hemácia, libera apenas o bicarbonato, contribuindo para o aumento da concentração dessa base con- jugada no plasma sanguíneo. A manutenção do pH do sangue depende da concentração de ácido carbôni- co e de bicarbonato, que são, respectivamente, doador e aceptor de prótons. A con- centração de H2CO3, o doador de prótons, é de aproximadamente 1,25 × 10 –3 M e de HCO3– é de aproximadamente 25 × 10 –3 M. Colocando-se esses dados na equação de Henderson-Hasselbalch, o pH obtido é o seguinte: pH = 6,1 + log = 6,1 + log = 6,1 + log 20 = 7,4 [HCO3 –] 25 × 10 –3 1,25 × 10 –3[H2CO3] Bioquímica 25 Observe que, nessa equação, não foi acrescentada a concentração de CO2. Porém, como a formação de H2CO3 depende da dissolução de gás carbônico em água, o au- mento da pressão parcial de CO2 (pCO2) ocasiona um aumento da concentração de H2CO3 e, consequentemente, de sua dissolução, originando mais prótons livres e HCO3–. Ou seja, quanto maior a concentração de CO2, maior a de H + livre na solução. Devemos analisar também que o pH sanguíneo está próximo do final da faixa de tamponamento do sistema tampão bicarbonato. No entanto, não é somente esse tampão que controla o pH do fluido de forma efetiva. Para que isso ocorra, é necessá- rio haver uma eliminação do CO2 produzido pelos tecidos e do excesso de H + livre no sangue. Para eliminar o CO2, o organismo ativa o processo de ventilação pulmonar e, para eliminar o H+ livre, o sistema renal é ativado. 1.2.2 Controle pulmonar do equilíbrio ácido-base O gás carbônico produzido pelas células teciduais durante a respiração celular ae- róbica deve ser continuamente liberado. Isso ocorre por meio da hematose realizada pelos pulmões. Normalmente, é encontrada uma pCO2 de 40 milímetros de mercúrio (mmHg) nos alvéolos pulmonares, o que corresponde a uma concentração de 1,2 mol/L. Entretanto, se a concentração de CO2 aumentar em virtude do metabolismo celular, a pCO2 também cresce no líquido extracelular e no plasma sanguíneo, diminuindo o pH. Por consequência, a taxa de ventilação pulmonar deve aumentar, eliminando mais CO2. Essa eliminação maior de CO2 é responsável pelo controle do pH, uma vez que provoca a diminuição desse gás no líquido extracelular. O gráfico a seguir apresenta esse processo, mostrando a relação entre a ventilação alveolar e a variação do pH no sangue.Alteração do pH ocasionada por modificação na ventilação alveolar 4 3 2 1 0V en til aç ão a lv eo la r ( no rm al = 1 ) 7,0 7,1 7,2 7,3 7,4 7,5 7,6 pH do sangue normal arterial Fonte: HALL, 2011, p. 407. (Adaptado). © F ab ri CO Bioquímica 26 Como discutido anteriormente, se ocorrer um aumento na concentração de CO2 no sangue, também haverá um aumento na quantidade de H2CO3 e H +. Naturalmente, o pH do sangue diminuirá. Agora, observe o gráfico anterior. Verifique que, à medi- da que o pH vai diminuindo, a ventilação alveolar aumenta. Ora, se a ventilação alveo- lar aumenta, mais CO2 será eliminado do plasma sanguíneo e, consequentemente, o pH tenderá a voltar à normalidade. Dessa forma, o aumento da ventilação alveolar é uma maneira eficaz de manter o equilíbrio do pH sanguíneo, especialmente quando o pH diminui. Talvez o principal exemplo para que você entenda esse mecanismo de compensa- ção desempenhado pelos pulmões seja a atividade física. Quando uma pessoa se exer- cita, ocorre um aumento da produção de CO2 em virtude do metabolismo aeróbico realizado pelas células. O aumento do CO2 no sangue poderia provocar diminuição do pH. Entretanto, se a pessoa não apresentar nenhum problema respiratório, o CO2 será rapidamente eliminado pelos pulmões, fazendo o pH voltar para os parâmetros corre- tos, ou seja, para o pH 7,4. Um detalhe importante que deve ser destacado é que quando o pH sanguíneo aumenta, a taxa de ventilação não diminui na mesma proporção. Isso acontece por- que existem outros fatores, como a pressão de O2, que interfere no processo de mo- vimentação dos músculos respiratórios e, consequentemente, na ventilação pulmonar. Portanto, a resposta respiratória ao aumento do pH não é tão efetiva quanto a res- posta dada pelos pulmões durante a diminuição do pH. A eficiência do sistema respiratório no controle do pH está entre 50% e 75%, o que significa que, se houver uma queda abrupta de pH de 7,4 para 7,0, a ventilação pul- monar sozinha consegue elevar o pH para 7,2 ou 7,3. Essa modificação ocorre no perío- do de 3 a 12 minutos e impede a variação abrupta do pH sanguíneo, possibilitando que um segundo sistema corrija a alteração do pH: o sistema renal. 1.2.3 Controle renal do equilíbrio ácido-base Você deve lembrar que inúmeras funções são atribuídas aos rins, entretanto, quan- do você é questionado sobre a fisiologia renal, talvez a sua primeira resposta seja que “os rins são responsáveis pela formação da urina”. Sim, isso é verdade e podemos acrescentar que a excreção de uma urina mais ácida ou básica afeta diretamente o pH sanguíneo. Os rins filtram, reabsorvem e secretam continuamente grande quantidade de substâncias e contribuem decisivamente para a manutenção do equilíbrio do pH no sangue. Diariamente, o organismo produz grande quantidade de ácidos não voláteis que não podem ser eliminados pelos pulmões. Sendo assim, cabe aos rins a tarefa de manter o equilíbrio entre ácidos e bases no corpo. De maneira geral, o sistema renal reabsorve o HCO3 – em situações de acidose e o elimina em caso de alcalose. Bioquímica 27 Pense na seguinte situação: um indivíduo, em decorrência de alguma patologia ou em virtude do metabolismo celular, começa a acumular ácidos no plasma sanguíneo. Ele desenvolverá acidose. Nesse caso, todo o bicarbonato que chega aos rins e é filtrado de- verá ser reabsorvido. Obviamente, os H+ deverão ser excretados na urina. Perceba que a figura indica aumento de H+ no espaço intersticial. Esse H+ rapidamente reage com o tampão HCO3 – formando CO2 e H2O. O CO2 difunde-se pela membrana e entra nas célu- las tubulares onde se combina novamente com H2O. O resultado dessa reação é a forma- ção de HCO3 – e H+, só que agora dentro das células tubulares. O HCO3– é trocado por Cl – e reabsorvido para o espaço intersticial, enquanto o H+ é lançado para o lúmen do ducto coletor e eliminado pela urina. Resultado: urina ácida e pH sanguíneo tendendo a voltar à normalidade, ou seja, básico. Veja os detalhes na figura a seguir. Mecanismo de reabsorção de HCO 3 – nas células tubulares durante a acidose Células intercalares do tipo A Lúmen do ducto coletor Espaço intersticial K+ filtrado K+ Sa ng ue excretado na urina H2O + CO2 Anidrase carbônica HCO3 –H+ + K+ [H+] alta (a) Função das células do tipo A na acidose HCO3 – Cl– H+ H+ H+ CO2 HCO3 –+ H+ atua como um tampão para [H+] reabsorvido [K+] HCO3 – ATP ATP Células tubulares Alta [K+] Fonte: SILVERTHORN, 2010, p. 678. (Adaptado). © F ab ri CO Bioquímica 28 Dois detalhes interessantes devem ser observados na figura anterior: a. para manter a eletroneutralidade, quando o H+ é secretado no lúmen, o K+ é reabsorvido. Portanto, a eliminação de H+ aumenta a reabsorção de K+. Apesar disso, a eliminação de prótons na acidose não provoca aumento da quantidade de potássio no plasma, ou hipercalemia, de forma significativa. b. tanto K+ e H+ quanto HCO3– e Cl– movimentam-se através da membrana em sen- tidos opostos. Essa modalidade de transporte é denominada antiporte. Simporte é a passagem de duas moléculas para o mesmo lado da membrana por meio de uma mesma proteína transportadora. Já antiporte é a passagem de duas moléculas por uma mes- ma proteína transportadora para lados contrários da membrana. Agora vamos pensar que a pessoa está desenvolvendo alcalose. Lembre que a al- calose se caracteriza pela diminuição da concentração de ácidos ou pela elevação de bases no plasma e as respostas compensatórias serão basicamente opostas à acidose. Analise a figura abaixo e perceba que a concentração de H+ no espaço intersticial está baixa. Nesse caso, dentro das células tubulares, a reação H2O + CO2, catalisada pela enzima anidrase carbônica, será essencial para repor o H+. Veja a equação: H2O + CO2 H2CO3 HCO3 – + H+ O H+ formado durante essa reação será reabsorvido para o espaço intersticial. Consequentemente, sua concentração aumentará nesse local, enquanto o HCO3 – será trocado por Cl– e lançado no lúmen do ducto coletor. Portanto, a resposta compensa- tória para uma alcalose é a secreção de HCO3 – no lúmen do ducto coletor e excreção na urina. Para finalizar, observe o comportamento do K+. Ele é trocado por H+ na membra- na da célula tubular e também é lançado no lúmen do ducto coletor. Bioquímica 29 Mecanismo de secreção de HCO 3 – e reabsorção de H+ nos túbulos do néfron durante a alcalose Células intercalares do tipoB Lúmen do ducto coletor Espaço interstical H+ H+ K+ Sa ng ue excretado na urina H2O + CO2 Anidrase carbônica HCO3 – + H+ K+ ATP [H+] baixa (b) Função das células do tipo B na alcalose HCO3 – Cl– H+ ATP Células tubulares Fonte: SILVERTHORN, 2010, p. 678 (Adaptado). Você deve ter percebido que o mecanismo compensatório renal para equilibrar o pH sanguíneo depende essencialmente da eliminação ou reabsorção de H+ e HCO3 –. Esses dois eventos ocorrem praticamente em todos os túbulos renais, com exceção das por- ções finas descendentes e ascendentes da alça de Henle e, em conjunto, contribuem decisivamente para a manutenção do equilíbrio ácido-base e também das concentra- ções de íons no plasma sanguíneo. 1.3 Distúrbios do equilíbrio ácido-base Quando o pH sanguíneo está fora da faixa de referência, ocorre um distúrbio do equilíbrio ácido-base, que é dividido classicamente em acidose metabólica, acidose respiratória, alcalose metabólica e alcalose respiratória. © F ab ri CO Bioquímica 30 Para fazer a distinção dessas alterações, é necessário observar os sinais e sin- tomas apresentados pela pessoa, que podem ser confundidos entre si. Para diferen- ciar corretamente, é preciso fazer a análise de um exame laboratorial denominado gasometria. Esse exame consiste na análise da pO2, da pCO2, do pH sanguíneo, da concentração de HCO3 – e de outros componentes, além de avaliar o déficit ou exces- so de bases. Esses parâmetros juntos indicam a alteraçãoapresentada pela pessoa e, a partir desses indicadores, é possível avaliar o melhor tratamento. O tipo de san- gue mais adequado para averiguar os dados de gasometria é o arterial, entretanto, em alguns casos, é requerida a avaliação do sangue capilar. Nesse caso, é importante observar que os dados de pO2 não são completamente confiáveis (VIEGAS, 2002). Algumas situações podem interferir nas medições e modificar a validade da gasome- tria. Entre elas, estão a mistura de sangue arterial e venoso, bolhas de ar na seringa, atraso no envio da amostra, heparinização excessiva na amostra arterial, má perfusão e subaquecimento do sangue capilar (DONN; SINHA, 2006). Para a análise dos parâmetros de gasometria, pode-se utilizar o normograma re- presentado na figura a seguir. Normograma ácidobásico 60 56 52 48 44 40 36 32 28 24 20 16 12 8 4 0 40 35 25 30 20 15 10 120 100 90 80 70 60 60 7,0 7,1 7,2 7,3 7,4 7,5 7,6 7,7 7,8 pH [HCO3 – ] Normal Acidose respiratória crônica Alcalose metabólica Alcalose respiratória aguda Alcalose respiratória crônica Acidose metabólica Acidose respiratória aguda PCO2 Fonte: PAULA et al., 2012, p. 27. (Adaptado). © F ab ri CO Bioquímica 31 O círculo central do normograma mostra os valores normais e os desvios que ain- da podem ser considerados normais. As áreas identificadas com cores diferentes apre- sentam limites de confiança de 95% das compensações metabólicas e respiratórias para as alterações ácido-base primárias. Para analisá-lo, é necessário olhar primeiro os eixos x, que representa o pH, e y, que mostra a concentração de bicarbonato [HCO3 –] seguida da análise das linhas oblíquas que cruzam o gráfico e indicam a PCO2. Desse modo, localiza-se qual é o distúrbio ácido-base do indivíduo. 1.3.1 Acidose metabólica A acidose metabólica é um distúrbio do pH sanguíneo e aparece quando a pro- dução de H+ supera sua eliminação. Algumas causas metabólicas são relatadas como sendo as principais. São elas: excesso de produção de ácido lático denominada acido- se lática, diarreia grave e drenagem intestinal devido à perda excessiva de bicarbonato, insuficiência renal e diabetes mellitus, por conta da produção excessiva de cetoácidos. Além disso, substâncias como o metanol, o ácido acetilsalicílico e o etilenoglicol tam- bém ocasionam a acidose metabólica. Analisando a reação do tampão bicarbonato, quando há acidose, ocorre um aumento na concentração de H+ sanguíneo, que reage com o HCO3 –, provocando a sua diminuição. A reação então desloca-se para a direita, o que provoca um aumento do CO2 sanguíneo. Veja isso na equação abaixo. H+ + HCO3 – H2CO3 H2O + CO2 O aumento da quantidade de CO2 pode causar acidose, entretanto uma ma- neira eficiente para compensar essa elevação é aumentar o ritmo respiratório, situa- ção denominada de taquipneia. A taquipneia faz com que o CO2 sanguíneo diminua e proporciona o rápido equilíbrio do pH desde que o indivíduo não apresente doenças pulmonares. 1.3.2 Acidose respiratória A acidose respiratória ocorre quando o paciente apresenta pH abaixo de 7,35, sen- do que a causa está relacionada a problemas respiratórios. Esse problema pode ser ocasionado por algumas doenças, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a poliomielite ou a esclerose múltipla ou outras doenças que ocasionam a fraqueza dos músculos respiratórios. Além disso, a depressão do sistema respiratório devido a me- dicamentos ou drogas pode ocasionar a acidose respiratória. Bioquímica 32 Pessoas que estejam acometidas por doenças pulmonares não eliminam eficiente- mente o CO2, o que ocasiona um aumento desse gás no sangue. Naturalmente, por ação da enzima anidrase carbônica, o CO2 reagirá com água, formando ácido carbônico que se dissocia em HCO3 – e H+. Essa situação já foi discutida anteriormente nesse livro e você deve lembrar que, em decorrência disso, há um aumento na concentração de H+ com consequente queda no pH ou acidose respiratória. Perceba isso na equação abaixo. CO2 + H2O H2CO3 HCO3– + H+ Nesse caso, como o problema é respiratório, o sistema renal faz a compensação, li- berando H+ para a urina. Essa eliminação de prótons aumenta o pH sanguíneo, porém apenas moderadamente, não revertendo o pH para a faixa normal. Por isso, tanto o valor de HCO3 – quanto de H+ estarão aumentados na acidose respiratória descompensada. 1.3.3 Alcalose metabólica Alcalose metabólica é definida como o aumento do pH sanguíneo. Caracteriza-se pela diminuição de H+ e aumento de bicarbonato no plasma sanguíneo com consequente aumento do pH. Entre as causas mais comuns da alcalose, destacam-se vômitos, inges- tão excessiva de bicarbonato, no caso de ingestão de antiácidos, e hipocalemia. Vamos imaginar a seguinte situação: uma pessoa apresenta vômitos recorren- tes. O vômito do conteúdo gástrico causa perda de ácidos e resulta em alcalose. Uma maneira eficiente para compensar essa situação seria envolver o sistema respirató- rio. Como isso é possível? Pense: se o ritmo respiratório diminuir, situação chamada de bradipneia, haverá retenção de CO2 no corpo que reagirá com água, repondo o H+ que foi perdido durante os vômitos. Veja isso na equação abaixo. CO2 + H2O H2CO3 HCO3–+ H+ Você deve estar pensando: entendi que o H+ foi reposto, mas o HCO3 – também aumentou. O que o ocorre com ele? Normalmente, a resposta dos rins a essa eleva- ção é a sua eliminação. No que diz respeito ao H+, a compensação renal é a sua reten- ção. Isso só não acontece na hipocalemia, pois a falta de potássio gera a eliminação de prótons, ocasionando a alcalose. Esse cenário ocorre quando diminui a quantidade de potássio no sangue e as proteínas tubulares reabsorvem esse íon, porém fazendo an- tiporte do K+ com o H+, o que provoca a eliminação de próton e, consequentemente, a alcalose metabólica (HALL, 2011). Bioquímica 33 1.3.4 Alcalose respiratória A alcalose respiratória é caracterizada pela diminuição da quantidade de H+ por eli- minação excessiva de CO2. Inúmeras são as causas da alcalose respiratória, entre elas destacam-se a hiperventilação, normalmente associada a quadros de ansiedade e ane- mia. Na anemia, a diminuição da quantidade de eritrócitos promove um aumento de ventilação, porque é necessário que as hemácias do sangue passem mais vezes pelos pul- mões para carregar a mesma quantidade de oxigênio que uma pessoa sem anemia. A compensação desse distúrbio é desempenhada pelo sistema renal, com a elimi- nação do bicarbonato excedente e com a reabsorção do próton, o que ajuda a corrigir a alcalose. 1.4 Bioenergética Para que a vida possa acontecer, é necessário haver transformações energéticas nas células. Para tanto, os organismos vivos desenvolveram duas estratégias básicas para produzir energia: absorvem energia da luz solar ou captam combustíveis do meio no qual estão inseridos e os oxidam. Entre os nutrientes que precisam ser transfor- mados para fornecer energia à célula estão os carboidratos, as proteínas e os lipídios. Além disso, não basta somente transformar os nutrientes. As células precisam contro- lar e direcionar a energia produzida para sintetizar as suas próprias estruturas e arma- zenar suas próprias moléculas. Por definição, a bioenergética estuda as transformações ou trocas de energia realizadas pelas células das quais os organismos vivos dependem (NELSON; COX, 2014). Para a compreensão dessas transformações, é necessário que você analise alguns conceitos da termodinâmica. Anteriormente, essa ciência estudava as alterações que o calor ocasionava nos sistemas. No entanto, com o passar do tempo, os cientistas perceberam que essa análise não era suficiente. Por esse motivo, o conceito de termo- dinâmica foi modificado e o consenso agora é de que essa área estuda toda e qualquer mudança que ocorra no universo. A primeira lei da termodinâmica estabelece que “a energia não pode ser cria- da ou destruída, mas somente convertida de uma forma emoutra” (HENEINE, 2010, p. 57). Um exemplo prático da primeira lei é o que ocorre no músculo estriado esque- lético quando está na situação de movimento. Ele faz transformações na molécula de glicose durante a respiração celular e utiliza e energia proveniente da degradação des- ta molécula para produzir adenosina trifosfato (ATP). O ATP é quebrado (energia quí- mica) para possibilitar o movimento muscular (energia cinética). Como a conversão da energia química em cinética não tem rendimento de 100%, parte da energia dessa transformação é liberada como calor, razão pela qual, ao fazer um exercício, o corpo todo acaba esquentando. Bioquímica 34 A segunda lei, que pode ser enunciada de diferentes formas, estabelece que o universo tende a apresentar uma desordem crescente, ou seja, em todos os proces- sos que ocorrem espontaneamente, a entropia total de um sistema deve aumentar. (MURRAY et al., 2013). A entropia é conceituada como a energia contida em um sistema que não é capaz de realizar trabalho. Essas duas leis regem todas as transformações que ocorrem no universo e, por consequência, nos seres vivos. A partir dessas definições, vamos entender agora como funciona o metabolismo e o que caracteriza a bioenergética. 1.4.1 Introdução ao metabolismo O metabolismo é caracterizado pela soma de todas as reações químicas na cé- lula, sejam reações de síntese ou reações de degradação de moléculas. Nesse cená- rio, existem dois processos metabólicos diferentes: o catabolismo e o anabolismo. O catabolismo ocorre quando as macromoléculas são transformadas em produtos finais menores, mais simples, liberando energia. Reações catabólicas podem ser chamadas de reações de quebra ou degradação. Já no anabolismo, moléculas menores são uti- lizadas para síntese ou formação de moléculas maiores. Porém, para que essas rea- ções de síntese ocorram, é necessário obter energia de outra fonte, como o ATP ou mesmo transportadores de elétrons, como a nicotinamida adenina dinucleotídeo fos- fato (NADPH). Assim, para resumir, o catabolismo libera energia enquanto o anabolis- mo gasta energia. Uma observação importante é o fato de que o anabolismo e o catabolismo se- guem vias metabólicas distintas e, portanto, não acontecem simplesmente pelo pro- cesso inverso um do outro (NELSON; COX, 2014). Para entender melhor, torna-se necessário discutir o princípio geral da bioenergética. 1.4.2 Princípio geral da bioenergética Como foi mencionado anteriormente, o processo de quebra de moléculas orgâ- nicas realizado durante o catabolismo libera a energia que será utilizada nas reações anabólicas. Na análise do princípio geral da bioenergética, percebe-se que existe uma conexão íntima entre os dois metabolismos, como mostrado na figura a seguir. Bioquímica 35 Anabolismo versus Catabolismo Anabolismo Macromoléculas Proteínas Polissacarídeos Lipídios Moléculas precursoras Aminoácidos Açúcares Ácidos Graxos Catabolismo Nutrientes liberadores de energia Carboidratos Gorduras Proteínas Produtos finais pobres em energia CO2 H2O ADP + Pi NAD+ NADP+ FAD Energia química ATP NADH NADPH FADH2 Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 28. (Adaptado). Em todos os processos metabólicos, como os transportes de membrana, a cria- ção de um impulso elétrico nos neurônios ou mesmo o transporte de moléculas dentro da própria célula requerem energia. A quebra de nutrientes que ocorre no cata- bolismo promove a liberação energética, e, portanto, é caracterizada como uma reação exergônica. Nesse tipo de reação, a energia liberada deve ser armazenada em molécu- las ricas em grupos fosfato ou outras que transportam elétrons. Por outro lado, essas moléculas levam a energia para os processos de síntese de outras moléculas. As rea- ções de síntese são endergônicas, ou seja, armazenam energia (NELSON; COX, 2014). 1.4.3 Energia livre de Gibbs (∆G) Para compreender corretamente os processos energéticos das células, é necessá- rio recordar alguns conceitos importantes, como entropia (S), entalpia (H) e variação de energia livre de Gibbs (∆G). A entropia, conceituada como a energia que não é ca- paz de realizar trabalho, caracteriza-se pela análise quantitativa da desordem de um sistema; a entalpia é outra grandeza que compreende o conteúdo de calor de um siste- ma. Já a energia livre corresponde à quantidade de energia capaz de realizar trabalho, sempre considerando que não exista alteração de temperatura e pressão (HENEINE, 2010). Nesse sentido, temos a seguinte fórmula: ∆G = ∆H – TDS © F ab ri CO Bioquímica 36 Sendo que: ∆H = variação da entalpia; ∆S = variação da entropia; T = temperatura absoluta. Quando uma reação química ocorre espontaneamente, os produtos formados têm menos energia livre do que os reagentes, assim, a reação libera energia livre que pode ser utilizada para realizar trabalho. Nesse caso, a reação é exergônica e o ∆G apresenta valor negativo. Por outro lado, se o ∆G for positivo, a reação é endergônica, necessitando de energia de outra fonte; por isso, não é espontânea. Se o ∆G for igual a zero, a reação está em equilíbrio químico. Observe na tabela a seguir as principais ca- racterísticas das reações exergônicas e endergônicas. Natureza da Reação Sentido da Reação ∆H ∆G Positivo Reação endergônica Não espontânea Consome energia ∆G Negativo Reação exergônica Espontânea Libera energia ∆G = Zero Equilíbrio -- -- Para melhor fixar o conceito dessas reações, analise as figuras a seguir. E ne rg ia le ve E ne rg ia li vr e Curso de reação Curso de reação (B) Reação endergônica (A) Reação exergônica Reagentes Produtos Quantidade de energia liberada Produtos Reagentes Quantidade de energia liberada Fonte: SADAVA et al., 2009, p.122. © F ab ri CO Bioquímica 37 Observe que nas reações exergônicas os reagentes descem espontaneamente a ladeira, liberando energia durante a reação. Tal energia deve ser armazenada em mo- léculas transportadoras de energia para serem utilizadas posteriormente. Por outro lado, para que as reações endergônicas ocorram, há necessidade de adicionar energia. Perceba na figura que a esfera não sobe a ladeira se não for adicionada energia sufi- ciente para que isso ocorra. Você deve estar se perguntando como utilizará esses conceitos gerais na bioquí- mica. Pense que as reações celulares que ocorrem em organismos vivos podem ser exergônicas, endergônicas ou ainda acopladas umas às outras. 1.4.4 Moléculas transportadoras de energia Para que a célula possa realizar seu metabolismo, é necessária a existência de moléculas cujo envolvimento em processos posteriores possibilite gerar reações exer- gônicas. Existem dois tipos de moléculas que apresentam esta função: aquelas com fosfato rico em energia e as transportadoras de elétrons e hidrogênios (NELSON; COX, 2014). As primeiras são nucleotídeos que contêm ribose e são essenciais para o funcio- namento da célula, pois operam como uma moeda de troca, como é o caso da adeno- sina trifosfato ou ATP. Veja na figura a seguir a estrutura da molécula de ATP. Ela é um nucleotídeo composto por adenina, D-ribose e três grupos fosforilas. Os dois últimos grupos fosforilas estão unidos entre si por ligações de alta energia (anidrido). Por isso, o processo de hidrólise do ATP apresenta ∆G negativo, enquanto o processo de síntese é muito complexo e apresenta ∆G positivo. Existem várias reações bioquímicas enzimáticas que utilizam a energia armaze- nada no ATP para realizar seu trabalho na célula. Um exemplo poderia ser o transporte de íons através das proteínas da membrana celular contra o gradiente de concentra- ção. Para que isso ocorra, é necessário acoplar a reação de hidrólise do ATP, que libe- ra energia para que a proteína possa fazer o transporte. Porém, para que essa reação ocorra, é necessária a presença de enzimas, pois a energia de ativação da hidrólise do ATP é alta. Bioquímica 38 Para algumas reações químicas, como as de oxidorredução, que fazem a trocade elétrons, é preciso haver a presença de outro tipo de transportador de energia: as mo- léculas transportadoras de elétrons e hidrogênios. Estas moléculas originam-se de vi- taminas hidrossolúveis, como a nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) e a nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP+), que são derivados da niacina, e a flavina adenina dinucleotídeo (FAD), que provém da riboflavina. O NAD+ é considerado o carreador de elétrons mais importante. Seu anel de nico- tinamida é a parte reativa da estrutura molecular e, quando ocorre a oxidação de de- terminado substrato, o anel aceita um H+ e dois elétrons. NAD+ Oxidado Reduzido H O NH2 H H O CH2 HO OH O PO PO O O O O N NH2 N N N H O CH2 HO OX H H N R O NH22[H +] H+ Nicotinamida (derivado de piridina) Adenosina NAD+: X = H NADP+: X = PO32- Ribose + Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 533. (Adaptado). © F ab ri CO Bioquímica 39 Nas reações de desidrogenação, um H– do substrato é transferido para a molécu- la do NAD+, reduzindo a estrutura e formando NADH, enquanto o outro H+ aparece no solvente. No entanto, a equação de semi-reação é a seguinte: NAD+ + 2 H+ + 2 elétrons NADH + H+ Reação parecida ocorre no caso do NADP+. Essa molécula é semelhante ao NAD+, porém apresenta mais um grupo fosforila. Enquanto o NAD+ é utilizado em reações de catabolismo, o NADP+ é utilizado em reações de anabolismo. Outra molécula carregadora de elétrons e prótons é a FAD e a sua porção reati- va é o anel iso-alaxazina. Assim como o NAD+, o FAD pode aceitar dois elétrons e dois prótons, porém os dois H+ são captados diretamente pelo anel, formando a molécula reduzida FADH2. FAD Dimetilisoaloxazina H3C C H3C C C C C C H H C C NH C N N N C O 2 e– + 2 H+ CH2 HC OH HC OH HC OH H2C O P O O+ P O O– O O Ribose Adenina FAD H3C C H3C C C C C C H H C C NH C N N N C O CH2 HC OH HC OH HC OH H2C O P O O+ P O O– O O Ribose Adenina FADH2 H H O Fonte: NELSON; COX, 2014, p. 536. (Adaptado). O FAD está presente em proteínas na forma de grupo prostético, ou seja, faz par- te de uma proteína conjugada. As proteínas que contêm FAD são chamadas de flavo- proteínas e estão presentes tanto no anabolismo quanto no catabolismo. Nesse capítulo, foram discutidos os diversos mecanismos que contribuem para a manutenção do equilíbrio ácido básico nos líquidos corporais, especialmente no san- gue. Vimos também que as moléculas transportadoras de energia possibilitam que a energia retirada da quebra de macromoléculas possa ser usada no processo de síntese de outras moléculas. © F ab ri CO Bioquímica 40 Referências CAMPBELL, M. K; FARRELL, S. O. Bioquímica Combo. 5. ed. São Paulo: Thomson Cengage Learning, 2007. DEVLIN, T. M. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 7. ed. São Paulo: Blucher, 2011. DONN, S. M.; SINHA, S. K. Neonatal Respiratory Care. 2. ed. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2006. HALL, J. E. Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. HENEINE, I. F. Biofísica Básica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. MURRAY, R. K. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 29. ed. Porto Alegre: AMGH/ Artmed, 2013. NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. PAULA, J. M. P. de et al. Alteraciones del equilibrio ácido-base. Diálisis y Trasplante, [s.l.], v. 33, n. 1, p.25-34, jan. 2012. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j. dialis.2011.06.004. SADAVA, D. et al. Vida: a ciência da biologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed 2009. (v. 1: Célula e hereditariedade). SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. VIEGAS, C. A. A. Gasometria arterial. Jornal Brasileiro de Pneumologia, Brasília, v. 28, supl. 3, p. S333-S338, out. 2002. Disponível em: <www.jornaldepneumologia.com. br/PDF/Suple_138_45_1212%20Gasometria%20arterial.pdf>. Acesso em 2 dez. 2015. VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica: a vida em nível molecular. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. 2 Proteínas e enzimas As proteínas são as moléculas mais abundantes nas células vivas e estão presen- tes em todos os organismos da natureza. A palavra proteína é derivada do grego protos e significa primeiro, primitivo, o mais importante. Essa classe de biomoléculas é respon- sável pela maior diversidade de funções nos organismos vivos e corresponde ao produto final da expressão do nosso código genético. As proteínas também são constituintes bá- sicos das estruturas celulares, como o colágeno, promovem o armazenamento de ener- gia em alguns organismos – como a ovoalbumina, principal proteína presente na clara do ovo; e têm função regulatória – como a insulina e o glucagon, dois importantes hor- mônios que regulam o metabolismo. Além disso, proteínas especializadas, denominadas enzimas, podem catalisar reações bioquímicas. Mas o que são as proteínas? Proteínas são macromoléculas complexas e orga- nizadas cujas unidades estruturais são aminoácidos. Neste capítulo, estudaremos as principais características dos aminoácidos e das proteínas. Além disso, veremos com detalhes como trabalham as enzimas, uma classe de proteínas que possui atividade ca- talítica. Nosso estudo iniciará pelo entendimento das unidades básicas formadoras das proteínas: os aminoácidos. 2.1 Aminoácidos, peptídeos e proteínas Os aminoácidos são as unidades estruturais que formam os peptídeos e as proteí- nas. Você pode fazer a seguinte analogia: da mesma forma que tijolos são utilizados para construir a parede de uma casa, os aminoácidos são utilizados na construção de proteínas. Além disso, alguns aminoácidos apresentam funções importantes, como neurotransmis- sores (glicina e glutamato), precursores de neurotransmissores (triptofano e tirosina) ou transportadores de amônia no sangue (glutamato, glutamina e alanina). Todos os aminoá- cidos apresentam uma estrutura geral comum e conhecer suas propriedades químicas nos permite compreender as propriedades e as características de uma proteína. Na natureza, todas as proteínas são sintetizadas a partir da combinação de ape- nas 20 tipos de aminoácidos. Todos eles são formados por um carbono central, chamado de carbono alfa (α), ao qual estão ligados quatro substituintes: grupamento amino, de característica básica; grupamento carboxila, de característica ácida; cadeia lateral ou grupamento R variável, que diferencia um aminoácido de outro; e hidrogênio. A ilustra- ção a seguir mostra a estrutura geral dos aminoácidos. Bioquímica 42 Estrutura geral dos aminoácidos átomo de hidrogênio grupo amino básico grupo carboxila acídico cadeia lateral H2N C H R C O OH Mas como identificamos os aminoácidos? Eles podem ser categorizados de duas formas: a partir de uma abreviação de três letras, que formam uma sigla do nome do aminoácido em inglês, ou por meio de símbolos de uma única letra. Observe o quadro a seguir. Ele revela o nome, a abreviação e o símbolo dos 20 aminoácidos. Identificação de aminoácidos Nome Abreviação Símbolo Nome Abreviação Símbolo Glicina Gly G Serina Ser S Triptofano Trp W Treonina Thr T Alanina Ala A Cisteína Cys C Prolina Pro P Asparagina Asn N Valina Val V Glutamina Gln Q Leucina Leu L Lisina Lys K Isoleucina Ile I Histidina His H Metionina Met M Arginina Arg R Fenilalanina Phe F Aspartato Asp D Tirosina Tyr Y Glutamato Glu E Os aminoácidos também podem ser identificados por meio de algumas proprie- dades químicas, como a estereoisomeria. Na natureza, os compostos químicos que contêm quatro ligantes diferentes no mesmo carbono apresentam uma propriedade química muito especial, chamada de quiralidade. Esse carbono é chamado de quiral ou assimétrico, pois existem dois arranjos espaciais possíveis dos quatro grupamentos ao seu redor. Esses arranjos são chamados de estereoisômeros
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