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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM FACE DAS BARBÁRIES PRATICADAS NO HOSPITAL COLÔNIA NO SÉCULO XX

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1 
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM FACE DAS BARBÁRIES PRATICADAS NO 
HOSPITAL COLÔNIA NO SÉCULO XX 
Por 
 Ana Gabriela Sales, 26/04/2018. Fonte: https://jornalggn.com.br/artigos/responsabilidade-civil-
do-estado-em-face-das-barbaries-praticadas-no-hospital-colonia-no-seculo-xx-por-wilson-s-s-
neto/. Acesso em 11/03/2020 
 
1. Introdução 
No ano de 1615 o escritor espanhol Miguel de Cervantes publicou sua maior obra-prima, 
o livro “El ingeniosohidalgo Don Quixote de la Mancha.”, no qual escreveu: “A história é émula 
do tempo, repositório dos factos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do 
futuro” (CERVANTES, 1615). Mesmo após 400 anos de existência dessa frase, ela ainda é 
atemporal, no qual Cervantes denota a importância da história como um instrumento de 
advertência à humanidade para que não se pratique as mesmas atrocidades praticadas em 
outrora. 
É com base nesse entendimento que se justifica a importância da criação desse artigo, 
tendo em vista que tragédias como que ocorreu no Hospital Colônia nunca sejam esquecidas, 
tanto para que as vítimas e seus familiares tenham assegurados o direito de serem reparadas 
pelos danos sofridos quanto para que não se ocorra jamais episódios parecidos. 
Além do objetivo de tornar as barbáries cometidas no Hospital Colônia conhecidas pelo 
maior número de pessoas, para que tenham a ciência de que dentro do Brasil, durante 50 anos, 
foram praticadas as piores formas de violação aos direitos humanos sob a tutela estatal, o artigo 
tem o intuito maior de analisar e demonstrar a responsabilidade que o Estado tem para com as 
vítimas e seus familiares pelas torturas, abusos e mortes praticados dentro de um recinto sob 
custódia daquele, que, em tese, deveria resguardar a segurança, dignidade e saúde dos 
pacientes do hospital. 
Para se chegar ao objetivo principal foi necessária uma análise histórica sobre o que 
ocorria, quem praticava e quem ordenava a realização das sessões de torturas e mortes a 
pretexto da cura dos doentes mentais, que, muitas vezes, não apresentava nenhum transtorno 
psiquiátrico. Além disso, será realizado um demonstrativo dos principais direitos humanos 
violados, durante meio século de total desprezo a figura humana, entre os pavilhões que 
compunha o hospital. 
Utilizando-se de pesquisas bibliográficas, tendo como o livro primordial para a 
desenvoltura do trabalho a obra: “Holocausto Brasileiro: Genocídio: 60 mil mortos no maior 
hospício do Brasil” escrito pela jornalista Daniela Arbex, bem como outros artigo científicos, 
análise da legislação brasileira e documentários, o trabalho que será exposto a seguir tem como 
escopo responder a problemática de que se o Estado tem responsabilidade e qual seria frente 
as atrocidades cometidas no Hospital Colônia, e como resolveria a questão da prescrição. 
 
2. Holocausto brasileiro: História de uma das maiores tragédias institucionalizadas do 
Brasil 
O termo “Holocausto Brasileiro” foi consolidado pela jornalista Daniela Arbex em seu livro 
de mesmo nome no qual ressuscita esse momento trágico da história brasileira que teve 
pouquíssima notoriedade. Este termo é designado diretamente ao Hospital Colônia que 
funcionou na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, no qual era destinado, em tese, para 
tratamento de pessoas com deficiências mentais e psiquiátricos. 
No ano de 1903 foi criado o primeiro hospital psiquiátrico de Minas Gerais, na cidade de 
Barbacena, que funcionava como um sanatório particular para tratamento de tuberculose. 
Poucos anos depois, em virtude da sua falência, instalou-se o Hospício de Barbacena, conhecido 
mais tarde como Hospital Colônia de Barbacena. O estabelecimento de tratamento psiquiátrico 
fica vinculado à Secretaria de Estado de Saúde do Estado de Minas Gerais (SES) pouco tempo 
depois de seu funcionamento, sendo, portanto, de natureza pública. Isto é, o Estado era 
responsável pela manutenção e funcionamento do hospital, tendo inclusive, a maioria dos 
funcionários ingressados através de concurso público e outros contratados diretamente pelo 
Estado, como os médicos em geral. 
As práticas desumanas dos tratamentos médicos, as condições degradantes em que os 
pacientes viviam e o total desrespeito à dignidade da pessoa humana que dominou o hospital 
em seu auge, entre os anos de 1930 a 1980, deixou um saldo de 60 mil mortos e milhares de 
vidas interrompidas por décadas, com marcas de torturas, abusos sexuais e de traumas 
 2 
irreversíveis que impediram das vítimas voltarem a vida normal. E é acerca do que aconteceu 
dentro dos muros do Hospital Colônia de Barbacena o que discorrerá a seguir. 
 
2.1 “Trem dos Loucos” e o perfil das vítimas 
Em 1962, o escritor Guimarães Rosa lançou seu livro “Primeiras Estórias” composto por 
vários contos, entre eles “Sorôco, sua mãe, sua filha”, no qual ele utilizou a expressão “trem de 
loucos” para representar os inúmeros trens que partiam de todo Brasil destinados a Barbacena 
e seu famoso hospital psiquiátrico. 
Na verdade, o trem utilizado para transportar os supostos “loucos” era uma das maneiras que 
tinha à época de chegar até o hospital. Entretanto, o que revelava, verdadeiramente, era o início 
do sofrimento daquelas pessoas que foram obrigadas a adentrar no trem. 
 
Quando a locomotiva desacelerava, já nos fundos do hospital colônia, 
os passageiros se agitavam. Acuados e famintos, esperavam a ordem 
dos guardas para descer, seguindo em fila indiana na direção do 
desconhecido. Muitos nem sequer sabiam em que cidade tinham 
desembarcado ou mesmo o motivo pelo qual foram despachados para 
aquele lugar. 
Eles abarrotavam os vagões de carga de maneira idêntica aos judeus 
levados, durante a segunda guerra mundial, para os campos de 
concentração nazista de auschwitz. (arbex, 2017, p. 27) 
 
O fim da viagem era a estação Bias Fortes, próximo ao hospital, que dava início a uma 
série de violações de direitos humanos, pois “ao receberem o passaporte para o hospital, os 
passageiros tinham sua humanidade confiscada” (ARBEX, 2017, p. 28). Logo na chegada, a 
triagem feita pelos servidores do hospital, separando os homens das mulheres, era 
constrangedor, despindo todos presentes, representando, para as mulheres à época, uma 
violação irreparável, além de os homens terem seus cabelos raspados. A identidade da maioria, 
ao entrar no hospital, inexistia, ganhando nomes dados pelos funcionários, devendo todos vestir 
uma farda azul que os rotulavam como loucos, confeccionado de um tecido fino, causando a 
morte de milhares de pacientes em virtude das baixas temperaturas do local, localizado na Serra 
da Mantiqueira, atingindo, não raramente, 8° celsius. 
O Hospital Colônia era o destino dos “loucos” da época. Entretanto esse conceito não 
está nada relacionado aos transtornos mentais ou psíquicos que os pacientes possuíam. Uma 
vez que, cerca de 70% dos pacientes do Hospital Colônia não tinha nenhuma doença mental 
diagnosticada, mas sim, eram alcoolistas, prostitutas, homossexuais, epiléticos, ou pessoas que 
se rebelavam contra os conceitos morais da época e eram tidas como ameaças à ordem pública. 
Entretanto, o que faz, principalmente, o Hospital Colônia ser comparado as mazelas ocorridas 
na Segunda Guerra Mundial pelos nazistas são os outros tipos de pacientes que chegaram até 
o hospital para serem torturados e, a maioria, mortos. 
Negros, mendigos, pessoas sem documentos, militantes políticos, desafetos ou rebeldes 
que incomodavam os coronéis que dominavam a política brasileira no início do século XX tinham 
como destino o hospital. Além disso, mães solteiras, meninas grávidas vítimas de estupros 
cometidos pelos seus patrões, filhas dos fazendeiros ricos que perdiam a virgindade antes do 
casamento, esposas que eram confinadas para que o marido pudesse viver com a amante, e, 
até mesmo, pessoas que apresentavam o “estado clínico” de tristeza tinham como semelhança 
o mesmo desfecho: serem internadas no Hospital Colônia. 
Percebe-se, portanto, que além de ser umlocal para castigar ou vingar alguém que 
pusesse em risco a reputação ou a imagem daquele que detinha algum poder, seja político, 
social ou familiar, o hospital servia como um “desinfetante” social que retirava da rua as pessoas 
consideradas pela sociedade como vadios e corruptas dos costumes sociais. “A teoria eugenista, 
que sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a 
sociedade da escória, desfazendo-se dela, de preferência, em local que a vista não pudesse 
alcançar” (ARBEX, 2017, p. 26). 
A consequência imediata da “limpeza social” foi a superlotação, que em trinta anos, 
passou a ocupar cinco mil pacientes onde era projetado caber duzentos. A partir disso, iniciou-
se as torturas desenfreadas, os tratamentos com choque desmedidos e o extermínio. 
 
2.2 Os horrores entre os pavilhões da Colônia 
 3 
O Hospital Colônia era formado por dezesseis pavilhões independentes, no qual cada 
um abrigava um tipo de pacientes. Porém, em todos, a condição de viver era degradante e 
desumana, morrendo milhares de pacientes pelo ambiente insalubre que viviam, pelo frio que 
deviam suportar nas noites da Serra da Mantiqueira e de fome e sede no qual eram mal supridas. 
A escritora Daniela Arbex descreve como era a tentativa dos pacientes de se esquentarem, que 
quase sempre, no outro dia, haviam mortos: 
 
Observou quando dois homens de jaleco branco embrulharam o morto 
num lençol, o décimo naquele dia, embora muitos outros agonizassem. 
Na tentativa de se aquecerem durante a noite, os pacientes dormiam 
empilhados, sendo comum que os debaixo fossem encontrados 
mortos, como naquele dia 7. (arbex, 2017, p. 23) 
 
Alimentação pobre em nutrientes e escassez de água levava a muitos pacientes a 
desenvolverem problemas de saúde. A imagem dos pacientes bebendo água que corria pelos 
esgotos era comum, bem como os ratos e outros animais dessa natureza serem consumidos 
pelos moradores do hospital. “Fome e sede eram sensações permanentes no local onde esgoto 
que cortava os pavilhões era fonte de água. Nem todos tinham estômagos para se alimentar de 
bichos, mas os anos no Colônia consumiam os últimos vestígios de humanidade” (ARBEX, 2017, 
p. 47). 
Além das péssimas condições de moradia que os pacientes tinham, eles eram 
submetidos à sucessivas sessões de eletrochoques como forma de tratamento médico para 
reverter o quadro clínico dos “loucos”. Entretanto, o que parecia ser tratamento médico – admitido 
na medicina psiquiátrica – configurou-se como tortura, haja vista as inúmeras vezes no qual os 
pacientes passavam por essa situação, muitas vezes provada a desnecessidade, além da 
intensidade no qual era feita, sem tomada as devidas orientações necessárias para a sua 
realização por parte dos mandantes médicos, que, mesmo contra a vontade, os servidores do 
hospital eram obrigados a fazer o procedimento. Isto porque, participar dessas sessões de 
torturas serviam como promoção aos funcionários que almejavam melhorar sua situação dentro 
do hospício. Observa-se como ocorria, segundo a narração da escritora Daniela Arberx, após 
entrevista com os funcionários que trabalharam no hospital: 
 
Recordava-se sempre do início das sessões, quando era segurado 
pelas mãos e pelos pés para que fosse amarrado ao leito. Os gritos de 
medo eram calados pela borracha colocada à força entre os lábios, 
única maneira de garantir que não tivesse a língua cortada durante as 
descargas elétricas. […] 
Para conseguir crescer profissionalmente dentro do hospital, os 
interessados precisavam passar por todas as etapas de atendimento 
na área de saúde, desde a aplicação de injeção até a realização de 
curativo e do temido eletrochoque. […] 
A colega maria do carmo, que também era da cozinha, foi a primeira a 
tentar. Contou mentalmente, um, dois, três e aproximou os eletrodos 
das têmporas de sua cobaia, sem nenhuma anestesia. Ligou a 
engenhoca na voltagem 110 e, após nova contagem, 120 de carga. O 
coração da vítima não resistiu. O paciente morreu ali mesmo, de 
parada cardíaca, na frente de todos. […] 
Imediatamente, os atendentes do hospital embrulharam o coitado num 
lençol, como se aquele não fosse cadáver. […] 
A segunda candidata se aproximou de outra cama e, trêmula iniciou a 
prova. O paciente escolhido era mais novo que o primeiro. Apresentava 
ter menos de vinte anos. […] não resistiu. Era a segunda morte da 
noite, e as aulas estavam só começando. (arbex, 2017, p.35-37) 
 
Os usos dos eletrochoques eram tão desproporcionais que moradores da cidade de 
Barbacena e funcionários do hospital relataram que “a energia elétrica da cidade não era 
suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves.” (ARBEX, 2017, 
p. 36). Além disso, os entrevistados ressaltaram a forma do procedimento, que era feito a seco, 
forçado, estando o paciente amarrado, sem poder esboçar nenhuma reação, assemelhando-se 
bastante a prática de tortura. 
 4 
Sem mais se estender quanto a narrativa dos fatos que se sucederam no Hospital 
Colônia, é necessário frisar que muitos dos pacientes eram forçados a trabalhar nas plantações 
de milho, batata-doce, feijão, também nos consertos de vias públicas, limpeza de pastos, 
preparação de doce. Há registros que no ano de 1916, a metade da receita do hospital foi 
garantida pelo trabalho dos pacientes, que não contava com nenhum tipo de segurança na 
realização das atividades e muito menos remuneração. “Não pareciam doentes, mas escravos, 
embora a escravatura no Brasil tivesse terminado havia quase trinta anos” (ARBEX, 2017, p. 61). 
No auge do hospital, entre 1930 a 1980, o período de maior lotação, não era raro a morte 
de pelo menos dezesseis pessoas por dia, pelos motivos variados já expostos nesse subtítulo. 
Os cadáveres geravam lucros, sendo vendidos para universidades de medicina de todo Brasil, 
sem nenhuma instituição de ensinou ou outro setor da sociedade questionar a sua procedência. 
Estipulam-se que cerca de 1.853 corpos foram comercializados entre 1969 a 1980. Ao final 
desses 50 anos de atrocidades cometidos pelo Hospital Colônia, que cessou quando as mídias 
e psiquiatras denunciaram o que ocorria entre os pavilhões do hospício, já se contabilizavam 60 
mil mortes. Atualmente restam cerca de 200 sobreviventes do Holocausto Brasileiro. 
 
3. Direitos humanos transgredidos no Hospital Colônia 
O intuito desse tópico será restritamente de listar alguns direitos fundamentais que foram 
violados no decorrer dos anos de funcionamento do Hospital Colônia, levando em consideração, 
principalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), no qual, mesmo não 
vinculando diretamente os países, os direitos proclamados foram concebidos como inerentes à 
pessoa humana, devendo o Estado respeitar e salvaguardar os direitos humanos, independente 
da sua vinculação social e/ou ideológico que possui, não se esgotando os direitos na atuação 
deste, devendo ser utilizados instrumentos internacionais que podem ser acionados para 
assegurar a todos a eficácia dos diretos humanos (TRINDADE apud TOLENTINO, OLIVEIRA, 
2009). 
O Brasil assinou a DUDH no dia da realização da Assembleia da ONU que criou o 
respectivo documento, tornando-se um dos signatários da Declaração, assumindo a 
responsabilidade de assegurar todos os direitos individuais e sociais previstos perante a 
sociedade brasileira. O efeito jurídico da Declaração só teve repercussão no Brasil a partir da 
promulgação da Constituição Brasileira de 1988, no qual os direitos escritos foram tratados como 
direito fundamental a todos os brasileiros, protegidos com status de clausula pétrea. Entretanto, 
é importante afirmar que a dignidade da pessoa humana, encarada como princípio máximo do 
ordenamento jurídico brasileiro, independe da criação de norma que o legitime, assim como 
explica Wallace Feijó Costa, ao afirmar que “[…] a dignidade da pessoa humana não é criação 
da Lei Maior de 1988, ainda que tutelada por ela. Pelo Contrário, trata-sede um direito inato ao 
ser humano, independente de qualquer formalização para fins de seu reconhecimento […]” 
(FEIJÓ, 2014, p. 296). 
Assim, independente de estar previsto nas Constituições em vigor na época em que 
ocorreu as transgressões aos direitos humanos, o Estado Brasileiro tinha o total dever de 
assegurar a todos os cidadãos os seus direitos. 
O direito de maior importância violado pelo Hospital Colônia foi o presente no art. 3°, do 
DUDH: o direito à vida, tendo sido o local responsável pela morte de 60 mil pessoas. Ele está 
diretamente relacionamento ao princípio da dignidade humana e a outros direitos violados, no 
qual preserva-se não somente o direito de sobreviver, mas o de viver bem, com integridade física, 
moral e mental respeitada. Porém, no Hospital Colônia não houve um mínimo de respeito à vida 
e os outros direitos que partem dele, como liberdade, saúde e segurança, estando os pacientes 
expostos a todos os tipos de torturas, abusos e restrições de sua liberdade. Nesse sentindo, 
Wallace Feijó explica: 
 
Não havia qualquer respeito à vida naquele local. Como consequência 
inevitável, também não haveria que se falar em direito à vida. Os seres 
humanos internados no colônia foram totalmente despidos de seu 
caráter humano. Eram tratados como objetos a mercê das vontades 
daqueles que exerciam uma função pública e representava o estado. 
Difícil argumentar que se tratava apenas da aplicação dos métodos de 
tratamento disponíveis na época, e não de tortura e homicídio realizado 
sob o manto do poder público. (feijó, 2017, p. 299) 
 
 5 
Concomitantemente a violação do direito à vida, no qual decorre muitos outros a partir 
dele, deve-se ressaltar que o art. 4°, do DUDH foi também desrespeitado, uma vez que os 
pacientes trabalhavam de forma escrava, sem remuneração ou condição digna para exercer a 
atividade no qual eram obrigados; o art. 9°, do mesmo dispositivo, que proíbe a prisão, exílio ou 
detenção injusta, foi totalmente contrariado, pois a maioria dos pacientes foram internados de 
forma inexplicável e sem apresentar nenhum transtorno mental, apenas no ímpeto de saciar a 
vontade de algum terceiro que marginalizava tal pessoa; além desses, pode-se citar quase todos 
os 30 artigos da DUDH como violados, demonstrando, portanto, a perversidade no qual 
funcionou o Hospital Colônia, sem nenhuma demonstração, em mais de 50 anos de práticas 
contrárias aos direitos humanos, de respeito para com o ser humano e a seus direitos inerentes. 
Portanto, se listar todos os direitos violados, à luz da Declaração Universal dos Direitos 
Humanos e da Constituição Federal em vigor, fugiria do tema proposto por esse artigo. 
Entretanto, o tópico tem o intuito de demonstrar que, direitos básicos assegurados à todos desde 
1948, quando foi assinado a Declaração, não foram respeitado, mesmo após 30 anos de sua 
feitura, tendo o Estado ciência dos acontecimentos e conhecimento do seu dever. 
 
4. Responsabilidade civil do Estado pelos atos cometidos no Hospital Colônia 
A responsabilidade civil do Estado, ou seja, o dever de indenizar por algum ato praticado 
pelos agentes estatais, no exercício do seu dever, que lese o direito de um cidadão é discutido 
desde a era dos Estados absolutistas, quando, na época vigorava a irresponsabilidade do 
Estado, em que este não seria jamais responsabilizado pelos seus atos, tendo em vista que 
detinha o poder absoluto advindo de um poder divino. 
Entretanto, a concepção de irresponsabilidade do Estado com o surgimento dos 
pensamentos iluministas e ideias republicanas invalidaram tal posicionamento. É importante 
frisar que “o mecanismo de responsabilidade civil visa, essencialmente, à recomposição do 
equilíbrio econômico desfeito ou alterado pelo dano ” (AGUIAR DIAS apud BRAGA NETTO, 
2017, p. 35). Logo, qualquer ente ou pessoa que cause algum dano ao patrimônio, à moral, à 
estética de outrem deve ter o dever de reparar. E seguindo esse entendimento, surgiu a 
responsabilidade subjetiva, explicado por Felipe Braga Netto: 
 
É a responsabilidade clássica, tradicional, amplamente conhecida. A 
responsabilidade civil subjetiva, de índole clássica, atualmente regida 
pelo art. 186 do código civil, tem quatro pressupostos: a) ação ou 
omissão; b) dano; c) nexo causal; d) culpa. Quando falamos em culpa, 
em responsabilidade subjetiva, estamos nos referindo tanto a dolo 
quanto à culpa em sentido estrito (negligência, imperícia e 
imprudência). (braga netto, 2017, p. 109). 
 
Dessa forma, o Código Civil de 1916 adotou a responsabilidade civil subjetiva – também 
denominado culpa civilista – como teoria que regeria os atos comissivos praticados pelo Estado 
que causaria dano a outrem. Logo, para alguém, que houve um direito lesado pelo Estado, 
conseguisse indenização, deveria provar que aquela atitude estatal possuía culpa, sendo 
bastante difícil de ocorrer na prática. 
Por fim, houve a criação da responsabilidade civil objetiva, no qual, diferentemente do 
que se exige na responsabilidade subjetiva, naquela não necessita comprovação de culpa para 
que o Estado possa indenizar. Carlos Roberto Gonçalves explica que: 
 
Não se exige, pois, comportamento culposo do funcionário. Basta que 
haja o dano, causado por agente do serviço público agindo nessa 
qualidade, para que decorra o dever do estado de indenizar. […] 
Essa responsabilidade abrange as autarquias e as pessoas jurídicas 
de direito privado que exerçam funções delegadas do poder público, 
como as permissionárias e concessionárias do serviço público. 
(gongalves, 2017, p. 156) 
 
O Código Civil de 2002 consolidou tanta a responsabilidade subjetiva quanto objetiva, 
estando as duas em vigor atualmente, porém sendo utilizadas em determinados tipo de casos. 
Entretanto, quanto a responsabilidade do Estado, o Código Civil consolida como sendo objetiva, 
conforme em seu art. 43, verbis: 
 6 
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente 
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem 
danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores 
do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. 
 
Além disso, a Constituição Federal de 1988, transcreve em ser art. 37, §6°, o texto do 
artigo citado acima, porém acrescenta que a responsabilidade objetiva do Estado é 
fundamentada na Teoria do Risco Administrativo, no qual afasta a obrigação de reparar, desde 
que se configure as excludentes de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro e caso fortuito ou 
força maior. 
Portanto, sabido que a responsabilidade do Estado é objetiva, à luz do Código Civil e 
Constituição Federal, inicia-se a abordagem do tema sobre os atos cometidos pelos funcionários 
públicos no Hospital Colônia, buscando compreender qual a responsabilidade do Estado sobre 
as vítimas. 
 
4.1 Reparação quanto aos atos comissivos e omissivos do Estado 
É necessário que haja a divisão para que se melhor entenda a responsabilidade do 
Estado em cada caso que ocorreu no Hospital Colônia. Quanto aos atos comissivos praticado 
pelo Estado, este muitas vezes, em sua defesa alega que não havia conhecimento sobre as 
atrocidades que ocorria dentro do hospital, devendo não ser responsabilizado. Entretanto, esse 
argumento é totalmente refutável quando se observa que muitos dos pacientes que foram 
torturados e mortos no hospício foram levados pelas próprias autoridades – servidores e 
representantes do Estado -, como delegados que exigiram a ida de vadios, mendigos e pobres 
ao hospital, fundamentado na interpretação conturbada da Lei das Contravenções Penais. 
Ademais, a ação do Estado também é notável nas práticas, cometidos pelos seus 
agentes públicos, de tratamentos cruéis, como o uso discriminado de eletrochoques, a prática 
de estupro recorrente contra as pacientes mulheres, agressões físicas, entre outros abusos que 
levaram a morte de 60 mil pessoas. 
Portanto, quanto a essas práticas, é claro afirmar que o Estado tem dever de indenizar, 
com base na responsabilidadeobjetiva, aos familiares das vítimas mortas e as vítimas 
sobreviventes, devendo reparar todos os danos morais, estéticos que sofreram. Além disso, o 
Estado é provável devedor de indenização por perda de uma chance, uma vez que se configura 
que, a maioria dos pacientes, tiveram as suas vidas perdidas, planos que estavam próximo a se 
concretizarem foram desfeitos. Dessa forma, pessoas que passaram 15, 20, 30 anos 
aprisionados no Hospital sem nenhuma justificativa, no qual desses muitos possuíam empregos 
e perspectivas de vida, fazem jus a receberem, além de indenização por danos morais, estéticos, 
as indenizações por perda de uma chance. 
Entretanto, quando se discorre sobre os atos omissivos do Estado, nasce uma grande 
polêmica quanto a sua responsabilidade, se objetiva ou subjetiva. Isso ocorre porque, conforme 
a doutrina e jurisprudência majoritária, em alguns casos de omissão estatal, como a omissão 
genérica, que é aquela que o Estado tem o dever de agir, mas se ausenta (poder de polícia e 
fiscalização) a responsabilidade deve ser subjetiva, logo deve-se provar a culpa para que ocorra 
a indenização. 
Porém, o caso do Hospital Colônia é diferente, uma vez que o Estado tinha o dever de 
salvaguardar aqueles pacientes que estavam sob sua custódia, através do poder de guarda, e 
não o fez. A ausência de condições mínimas de sobrevivência, como vestimentas adequadas 
para o clima local, alimentos básicos e água potável, condições de higiene retrata o total 
abandono daqueles pacientes que estavam sob a guarda e proteção do Estado. E é nesse 
sentido que surge a figura da omissão específica, no qual, nesses casos de total desprezo do 
Estado sobre seus assistidos, a responsabilidade é objetiva, independendo de culpa para gerar 
o dever indenizatório, como explica Felipe Braga Netto: 
 
A pergunta fundamental nos parece esta: sem omissão estatal o dano 
teria ocorrido? Não precisa ser culposa a omissão; de omissão 
culposa, como de indenização, trata o artigo 186 do código civil, em 
cláusula geral da ilicitude culposa. O estado responde sem culpa, 
agindo ou se omitindo, desde que configurado o nexo causal entre o 
dano e sua atividade (braga netto, 2008, p. 248) 
 7 
Nesse sentido, a jurisprudência se declina para condenar o Estado a pagar indenização, 
independe de sua culpa, nos casos em que ocorre algum dano às pessoas que estavam sob sua 
tutela, como, por exemplo, na morte de presos dentro dos presídios. 
O Agravo Regimental no Agravo Instrumental n°. 1393002/RJ, no caso de morte de uma 
mulher em um hospital psiquiátrico, a União foi condenada a pagar 1.962.000,00 de reais a mãe 
da vítima. O acórdão demonstra a responsabilidade que o Estado possui em resguardar o 
paciente, dando-o segurança e condições básicas de sobrevivência e higiene. E, caso isso não 
ocorra, ou venha o paciente a morrer, deve ser totalmente responsável por eventuais 
indenizações. Abaixo está um trecho do acórdão: 
 
os elementos carreados aos autos não deixam dúvidas de que houve 
falha na prestação do serviço hospitalar prestado à paciente, eis que a 
administração pública deixou de tomar as precauções que lhe 
competiam, falhando claramente em seu dever de vigilância. ao receber 
um paciente para tratá-lo, a administração está obrigada a preservar sua 
integridade física, a atendê-la com diligência e prudência, devendo, para 
isso, empregar todos os meios necessários. descumprida a obrigação, 
que não se dissocia do dever de vigilância e proteção da equipe de 
médicos e funcionários do hospital, exsurge o dever de indenizar. 
 
Dessa forma, é evidente que o Estado, independente de provar sua culpa, tem o dever 
de indenizar, tanto pelos atos comissivos praticados contra os pacientes quanto pelos atos 
omissivos que degradaram a integridade física e levaram até a morte desses. Observando-se os 
fatos, não há que se fala em nenhum tipo de excludente para afastar a obrigação de reparar os 
eventuais danos. 
 
4.2. Imprescritibilidade da pretensão indenizatória pela tortura e morte 
É necessário abordar sobre a provável prescrição do direito indenizatório que se pode 
pleitear na justiça, uma vez que, segundo art. 206, §3°, do Código Civil, prescreve em 3 anos a 
pretensão de reparação civil. Entretanto, o tema no qual está se abordando no artigo vai muito 
além do que qualquer reparação civil, uma vez que foi o próprio Estado que violou os direitos 
humanos e praticou milhares de mortes e torturas. Wallace Feijó discorre sobre afirmando: 
 
Assim, não há que se falar em prazo prescricional nos casos de afronta 
aos direitos fundamentais, sobretudo nos casos de tortura. Deve-se 
analisar a questão dos pacientes mentais submetidos à tortura em 
consonância com o previsto para perseguidos políticos torturados 
durante o período de exceção no brasil. […] 
O mesmo raciocínio, por óbvio, se aplica aos seres humanos 
internados e submetidos a práticas semelhantes pelos torturados 
políticos, sob o engodo de que estariam recebendo tratamento médico. 
(feijó, 2017, p. 306). 
 
Com base nesse pensamento e em consonância com a Constituição que de forma expressa 
proíbe a tortura e eleva a dignidade da pessoa humana como primazia do Estado Democrático 
de Direito, o STJ já reconheceu a “inviabilidade da aplicação do instituto da prescrição em face 
de atos de tortura cometidos durante o regime de exceção (ditadura) pelo fundamento de se 
configurar uma violação dos diretos fundamentais, dentro os quais, a título de exemplo, o AgRg 
no Ag 131062/RS” (FEIJÓ, 2014). 
 
5. Conclusão 
A responsabilidade do Estado frente aos crimes e atrocidades praticados dentro do 
Hospital Colônia é inegável, tendo em vista que, da mesma forma como foi no período ditatorial 
brasileiro, em um certo lapso temporal e em um local específico foi permitido a prática de tortura 
e homicídio. Além disso, o Estado não cumpriu com seu dever de resguardo e proteção aos 
internados, deixando-os morrer de frio, fome e sede, retirando-os a dignidade no qual possuíam. 
Independente da Constituição Federal de 1988 no qual consolidou todos os direitos 
fundamentais, os direitos humanos estão inerentes a pessoa e independe de qualquer 
legitimação em dispositivo normativo. Portanto, os atos praticados dentro do Colônia foram 
crimes institucionalizados, tendo como responsável o próprio Estado, sendo imprescritíveis em 
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razão da gravidade e das consequências dos atos, devendo ser todos os familiares e 
sobreviventes do Holocausto Brasileiro reparados, pecuniariamente e com pedidos formal de 
desculpa do Estado, para minimizar, mas nunca apagar, esse capítulo triste da história brasileira. 
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ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro: Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil. 
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*Wilson Seraine da Silva Neto é estudante do curso de Direito do Institutode Ciências Jurídicas 
e Sociais Professor Camillo Filho (ICF).