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50 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Unidade II Passemos, então, para a unidade II, que apresentará as duas abordagens psicológicas que fornecem diferentes subsídios para a Pedagogia não diretiva: Abordagem Humanista e Abordagem Psicanalítica. A Abordagem Humanista se baseia em questionamentos feitos diretamente às duas Abordagens estudadas na unidade I, a Tradicional e a Comportamental, propondo um novo olhar para o tema do conhecimento e da aprendizagem, colocando o aluno no centro do processo, e que formará a base da Pedagogia não diretiva. Ela enfatizará as características necessárias ao estabelecimento de uma relação entre professor e aluno baseada em princípios democráticos, de valorização e respeito incondicionais aos potenciais humanos para o próprio crescimento, condenando qualquer tipo de controle e submissão deste ao ambiente externo. No caso da Abordagem Psicanalítica, tratada no segundo tópico, apresentaremos brevemente alguns conceitos formulados por Sigmund Freud que ajudarão a compreender de que forma ela pode contribuir com nosso tema, destacando os limites e tensões da relação entre o professor e seus alunos. Pautados em conceitos como inconsciente, sexualidade e transferência, iremos analisar suas importantes e inquietantes contribuições para o campo educacional. Na sequência, será possível compreender por que ela é incluída dentre as abordagens que inspiram uma Pedagogia não diretiva, com ênfase nas características próprias de cada indivíduo. 4 AbordAgem humAnistA Os nomes mais representativos da abordagem humanista são Carl Rogers (psicólogo americano) e Alexander Neill (educador escocês), sendo que o primeiro desenvolveu uma teoria, enquanto o segundo baseou suas ideias em uma experiência educativa na Inglaterra, existente até hoje. Para compreender melhor o significado dessas ideias, é importante destacarmos que elas se desenvolveram ao longo do século XX, em um movimento histórico que ia na contramão das práticas pedagógicas inspiradas em princípios empiristas e comportamentais que eram extremamente valorizadas. Até então, a imagem que se esperava encontrar nas escolas era a de um professor rígido, bem preparado tecnicamente e que exercesse sua autoridade mantendo-se superior e distante dos alunos. Ao mesmo tempo, havia a ideia de que os alunos, naturalmente bagunceiros e indisciplinados, precisariam ser conduzidos com mão firme, segundo a crença de que o medo e a submissão faziam parte necessariamente do sentimento de respeito. Assim, esses dois autores, de diferentes maneiras, baseavam-se na ideia comum de resgatar o aluno dessa condição de medo e dependência, restituindo-lhe o lugar de liberdade, independência e, assim, de prazer em aprender que levaria ao alcance da felicidade. Eles se contrapunham aos métodos tradicionais e comportamentais de ensino, como detalharemos a seguir. 51 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem De acordo com Mizukami (1986), na abordagem humanista a ênfase está nas relações interpessoais e no ensino centrado no aluno. O objetivo maior é o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, dos seus processos de construção e organização pessoal da realidade e da sua capacidade de atuar como uma pessoa integrada. Há preocupação constante com a vida psicológica e emocional do indivíduo, com a sua orientação interna, com o autoconceito. Em poucas palavras, a educação humanista almeja o desenvolvimento por cada aluno (pessoa) de uma visão autêntica de si mesmo, orientada para a realidade individual (subjetiva) e grupal, na qual está inserido. O homem, desse modo, não é determinado por modelos prontos, não é resultado de uma série de condicionamentos, mas cria-se a si próprio de maneira livre e se apresenta como um projeto permanente e inacabado. Encontra-se em processo de vir-a-ser. Por consequência, podemos afirmar que, de modo geral, essa perspectiva entende que o professor não deve centralizar a transmissão dos conteúdos, não deve ensinar nos moldes tradicionais, apenas cabe a ele criar condições para que os alunos aprendam, com base nos seus interesses e por meio das suas próprias experiências. O professor atuará como um facilitador da aprendizagem. Vamos conhecer um pouco mais das ideias do psicólogo norte-americano Carl Rogers (1902-1987). Formado em História e Psicologia, aplicou à educação princípios da psicologia clínica, atuando como psicoterapeuta por mais de 30 anos. Rogers é considerado o representante da terceira força na Psicologia (o humanismo), junto ao behaviorismo (de que tratamos anteriormente) e da psicanálise (que será abordada mais à frente). Esse autor concebe o ser humano como fundamentalmente bom, curioso e possuidor de uma “tendência atualizante, que consiste na aceitação do pressuposto de que cada pessoa pode desenvolver-se, crescer” (MIZUKAMI, 1986, p. 41). Entretanto, nesse processo de crescimento, precisará de ajuda para poder evoluir, e aqui entrará em ação tanto um psicoterapeuta quanto um educador. De acordo com Rogers (1977a), o homem é arquiteto de si mesmo. Deve tornar-se progressivamente consciente de sua incompletude interior e exterior, de que é um ser em transformação e um agente transformador da realidade. A ênfase está no processo e não nos estados finais de ser, por isso esse autor não aceita um projeto de planificação social, baseado no controle e manipulação das pessoas – e aqui podemos perceber uma crítica direta à máquina de ensinar de Skinner. Rogers refutava a ideia de que o comportamento individual seria resultado de um determinismo ambiental, uma vez que o indivíduo “não passa de um átomo numa cadeia ininterrupta de causa e efeito” (ibidem, p. 36). Compreendia o ser humano como capaz de traçar seu próprio destino, considerando, obviamente, as implicações de suas escolhas. A base para o desenvolvimento pleno de uma pessoa será, nessa teoria, a qualidade de relacionamento interpessoal que ela irá experienciar e que irá possibilitar aos indivíduos a autorrealização. O foco está na pessoa como um todo (sentimentos, atitudes, pensamentos, relacionamentos) e não apenas nos comportamentos. 52 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Lembrete Rogers desenvolve sua teoria psicológica e suas propostas educacionais baseado numa crítica a todo tipo de diretividade, como o uso de técnicas de condicionamentos nas relações humanas. 4.1 educação com ênfase no processo de crescimento O desenvolvimento é entendido como um processo integral, que deve envolver a pessoa inteira, não podendo acontecer de modo separado quanto aos aspectos intelectuais e emocionais, sendo que Rogers defende, inclusive, que os primeiros dependerão dos segundos. Vejamos, no trecho a seguir, como o autor esclarece essa questão: Aprender como pessoa inteira, diria que isso envolve aprendizagem de uma espécie unificada, a nível da cognição, dos sentimentos e das vísceras, além de uma percepção clara dos diferentes aspectos desse aprender unificador. [...] Contém muitos elementos cognitivos – o intelecto está funcionando à plena velocidade. Certamente, possui elementos de sentimento – curiosidade, vibração, paixão. Encerra elementos vivenciais – prudência, autodisciplina, autoconfiança, emoção da descoberta (ROGERS, 1977c, p. 145). Analisando as ideias de Rogers, percebemos que as fronteiras entre o ambiente da terapia e o da escola não são tão rígidas, pois essa aprendizagem de que ele fala no trechoanterior também acontece em uma relação terapêutica. Assim, o desenvolvimento de qualidades emocionais deverá ocorrer não apenas no consultório, mas dentro da sala de aula. Segundo Rachel Rosenber, psicóloga estudiosa e seguidora da teoria humanista, uma das maiores contribuições de Carl Rogers para o campo da educação é sua visão do aluno como “pessoa que pode e quer aprender, que busca sempre condições de crescimento pessoal, inclusive, mas não exclusivamente, por meio do domínio de informações e técnicas” (ROSENBERG, 1977, p. 19). Vemos, mais uma vez, que o autor possui um olhar essencialmente positivo e otimista frente ao ser humano. Por conta da ênfase que Rogers dá aos aspectos internos e subjetivos de cada um – condenando a busca por referências e padrões determinados externamente –, ele é incluído nas pedagogias não diretivas, com base inatista. No entanto, é importante enfatizar que ele não propõe um inatismo “puro”, pois considera de fundamental importância as interações com o meio, principalmente o meio social. Para ele, o que de fato importa é a percepção que cada um tem da realidade, e não a disseminação de uma realidade única, cientificamente correta. O conhecimento é sempre individual e a autoridade maior perante ele, que o legitima e lhe atribui valor e sentido, é o próprio sujeito. 53 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem Sendo assim, na terapia, como na escola, o adulto deve atuar com o objetivo de ajudar cada indivíduo (paciente ou aluno) a encontrar seu próprio esquema referencial, a tornar-se uma pessoa verdadeira e autêntica. O único caminho para a plena realização e para a felicidade deve passar por um desenvolvimento emocional, na forma de sentir, de perceber, de aceitar a si mesmo e aos outros. 4.2 relação professor-aluno: afetiva e horizontal Para destacar as contribuições de Rogers ao campo pedagógico, formulamos um quadro com base nos comentários feitos pelo próprio autor no artigo A política da educação (ROGERS, 1977a). Nele, o autor afirma suas convicções ao mesmo tempo em que faz críticas ao ensino tradicional, como você verifica a seguir. Quadro 7 Ensino tradicional Ensino centrado na pessoa Professor possuidor do saber; aluno suposto recipiente. Professor acredita na capacidade de os alunos aprenderem por si mesmos. Privilegia a aula ou instrução verbal, transmissão de conteúdos. Pessoa facilitadora compartilha com outros (estudantes, pais e membros da comunidade) a responsabilidade pelo processo de aprendizagem. Avaliação incide sobre o que o aluno recebeu. A pessoa que aprende é quem melhor avalia a extensão e a significância da aprendizagem. Professor possuidor do poder; estudante é aquele que obedece. Facilitador provê recursos de aprendizagem (seus e de sua experiência, material didático etc.). Prática da sala de aula: professor rege pela autoridade. Estudante desenvolve seu próprio programa de aprendizagem (sozinho ou em cooperação). Grau de confiança é mínimo. Clima facilitador de aprendizagem. Estudantes mais bem-governados se sob medo constante ou intermitente. Valorização da autodisciplina. Sistema valoriza o intelecto e não a pessoa como um todo. Foco no favorecimento do processo contínuo de aprendizagem integral. Democracia e seus valores tratados com descaso e escárnio. Direção autoescolhida, aprendizagem autoiniciada, mais rápida, mais abrangente. Analisando as informações do quadro 7, vemos que Rogers propunha mudanças radicais frente ao ensino tradicional, o que ele mesmo chamou de “uma revolução completa. Não se trata de um modo de remendar o ensino convencional, mas de colocar a política da educação em total rebuliço” (ibidem, p. 141). Examinemos mais de perto essas ideias. A primeira condição para uma relação pedagógica efetiva é a crença incondicional no aluno, na sua capacidade para aprender e na sua tendência para o crescimento. Isso parece simples, mas Rogers buscava justamente a simplicidade e as condições mais essenciais para entender os processos e fenômenos humanos. Nesse ponto, inclusive, emergia uma crítica sua à psicanálise, a qual, segundo Rogers, baseava-se em construções teóricas mais complexas e abstratas e pouco comprováveis (ROGERS, 1977a). 54 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Como para Rogers a experiência pessoal e subjetiva forma a base para a construção do conhecimento no processo de vir-a-ser da pessoa, a educação terá como finalidade a criação de condições para que isso ocorra. Educação está diretamente relacionada a tudo aquilo que envolve o crescimento pessoal, interpessoal e intergrupal, por meio da autodescoberta. Assim, a educação deve visar à autoaprendizagem tanto intelectual como emocional, criando condições para que o aluno se torne capaz de tomar iniciativa, ter responsabilidade, autodeterminação e discernimento; que saiba aplicar os conhecimentos construídos, adaptar-se às novas situações, aos problemas, colaborar com os outros sem deixar de ser si mesmo. Fica claro, portanto, que a educação humanista está pautada em um ensino não diretivo do professor, pois o processo é conduzido pelo aluno. Porém, diante de tantas mudanças em relação à pedagogia diretiva, como podemos qualificar o professor facilitador? Em síntese, o que Rogers aponta como essencial é que o professor precisa ter um self adequado, o que implica tanto o desenvolvimento de formas fidedignas de percepção de si mesmo e dos outros como a habilidade de ensinar conteúdos quando isso for necessário. observação Em seu sentido geral, self – um termo amplamente presente nas teorias psicológicas – significa “si mesmo”, a dimensão interna de cada um de nós que nos faz ser quem somos. É função do professor ser facilitador da aprendizagem do aluno e, como o próprio termo sugere, não é ele quem centraliza o processo, nem o dirige como nas abordagens diretivas e de inspiração empirista. Para isso, é preciso desenvolver três qualidades especiais, que podem ser chamadas de condições facilitadoras da aprendizagem: congruência, empatia, respeito. Congruência / Autenticidade / Veracidade Significa que o professor deve buscar ser sempre autêntico e honesto para com o aluno. Ele será uma pessoa viva, inteira, perante o educando, sem se apoiar ou esconder em uma imagem ou modelo definido. Ser si mesmo, promovendo um encontro pessoa-a-pessoa, direto e pessoal com o aprendiz. Podemos pensar em um exemplo relacionado à postura do professor diante do seu próprio erro. Em uma proposta humanista, considerando que o professor deva ser congruente e autêntico, ele deverá ser capaz de reconhecer seu erro perante os alunos, mostrando-se tão humano e falível quanto eles, sem medo de perder a autoridade: o mais importante é ser verdadeiro, sem tentar se esconder dos alunos ou iludi-los em uma posição idealizada de perfeição. Empatia Corresponde a uma condição afetiva interpessoal por meio da qual nós nos colocamos no lugar do outro. Explicando melhor, ela sugere a habilidade de sentirmos e percebermos o mundo a partir 55 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem da perspectiva de outra pessoa. Pressupõe o abandono de uma posição de julgamento e avaliação em favor de uma posição de compreensão genuína. No caso do professor, podemos pensar em como ele lida com o erro do aluno. Unindo ao que dissemos anteriormente, se ele for autêntico para consigo, reconhecendo-se como falível,ele terá mais condições de se mostrar empático ao erro do aluno. O que se vê normalmente em uma posição tradicional é muito diferente: o aluno é desqualificado (reprovado) quando erra, colocado em uma posição inferior, pois só é reconhecido plenamente quando acerta e reproduz aquilo que fora determinado pelo professor. Respeito Respeito é uma palavra largamente utilizada, mas que muitas vezes chega a ser banalizada. Nessa teoria, ele se refere à capacidade de aceitação e consideração positiva incondicional do aluno. Isso significa o professor prezar, aceitar e confiar no aluno. Respeitar envolve ter estima e precisa ser pensado de forma articulada às duas outras condições já mencionadas. Ou seja, podemos pensar que o respeito ao aluno e sua aceitação é inseparável do respeito e da aceitação de si mesmo. Significa, por exemplo, aceitar a apatia ocasional do estudante, seus desejos desordenados de explorar vias secundárias de conhecimento e também seu empenho disciplinado para alcançar metas relevantes. Significa tratá-lo com dignidade quando acerta; quando corresponde ao que se espera de um “bom” aluno e quando assume o lugar do “mau” aluno. Figura 6 – Espírito de grupo Um aspecto importante dessa teoria é que não apenas o aluno está em um processo inacabado de construção de si, mas o próprio professor também vive essa condição. Assim, será um fator extremamente crucial ao processo de aprendizagem que o aluno reconheça e perceba as atitudes descritas anteriormente no facilitador. Nesse sentido, selecionamos uma afirmação de Rogers (1977c, p. 150) que indica quão difícil é essa mudança de posição, uma vez que, tradicionalmente, a desconfiança e o distanciamento entre o professor e os alunos foram a regra: 56 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Estudantes são ainda mais desconfiados que clientes em terapia. O estudante foi por tanto tempo “embrulhado” que, durante certo período, geralmente, vê no professor que é verdadeiro para com ele apenas a ostentação de uma nova marca de impostura. Que um professor o estime sem julgamento desperta a mais profunda descrença. Para que esse quadro possa mudar, o autor sublinhou também a necessidade de mudança no clima institucional. Não é suficiente mudar a postura do professor em sala de aula, até porque essa mudança dependerá de como tais mudanças serão recebidas por toda a equipe escolar. Rogers insiste que as inovações não devem ser temidas e que as capacidades criativas dos gestores, professores e alunos devem ser estimuladas e não abafadas. Ou seja, a mudança proposta transcende os limites da relação pedagógica para atingir todas as relações escolares, inclusive o modo como o professor será considerado na hierarquia institucional. Não por acaso o nome do artigo a que nos referimos, de Carl Rogers, inclui a palavra política, pois suas ideias vão além da relação dual com o aluno, o que, em uma aproximação superficial à sua obra, pode parecer suficiente. Além disso, podemos verificar que o autor não defendia romanticamente suas ideias, mas reconhecia as resistências, o medo e o desconforto que elas poderiam provocar. Em suas palavras: Gradualmente, vim a reconhecer a enorme ameaça política representada por uma posição centrada na pessoa. Requer do professor que enfrente os aspectos temíveis do deslocamento de poder e controle das suas mãos para todo o grupo daqueles que aprendem, incluindo o antigo professor, agora facilitador-aprendiz. A cessão do poder surge como apavorante para certas pessoas. Numa escola, um único professor centrado na pessoa constitui uma ameaça a todos os outros professores (ROGERS, 1977b, p. 140). Vimos que nessa abordagem a aprendizagem deve ser significativa para o aluno: mas o que isso significa? Uma aprendizagem significativa deve provocar mudança no aluno e não apenas, nem necessariamente, um acúmulo de conhecimentos. Essa mudança deve estar articulada com sua vida futura, sua existência para além da escola, afetando suas atitudes e, no fundo, sua personalidade. Ela deve ser penetrante e atingir não somente o intelecto, mas diversas camadas da pessoa do aluno. Ela deve ser, também, autoiniciada, ou seja, basear-se na motivação intrínseca do aluno, seguindo seus interesses e direcionando-se para aquilo que ele quer saber (e não o mantendo preso a um planejamento prefixado). Aparece aqui a ideia de que, para uma aprendizagem ser significativa, ela deve ser automotivada. Rogers critica duramente a escola tradicional que acaba por retirar do aluno seu prazer natural pelo conhecer e pelo aprender. Para isso, o professor facilitador deve buscar prover o maior número e variedade de recursos para que a curiosidade dos alunos não seja perdida e para que os temas tratados tenham vinculação com situações reais e práticas, sem privilegiar excessivamente o raciocínio abstrato e formal, características do ensino tradicional. 57 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem Por fim, concorde à ideia de que o aluno ocupa o centro do processo educativo, a avaliação do que foi aprendido deve ter a participação direta do educando. Rogers defende a abolição de exames, notas, diplomas, enfim, dos controles externos para a aprendizagem. Quanto aos métodos de ensino, Rogers (1977b) acredita, assim como em relação aos conteúdos a serem aprendidos, que cada professor é único e, portanto, soluções padronizadas estão fadadas a serem malsucedidas. Dessa forma, cada um deverá desenvolver seu próprio repertório, baseado em um processo de autoconhecimento e das próprias experiências pessoais. Lembrete Características da aprendizagem significativa: envolve toda a pessoa do aluno; é autoiniciada e automotivada; é penetrante; direciona-se para aquilo que o aluno quer saber; é avaliada pelo educando. Veremos a seguir alguns dos frutos que a aprendizagem significativa e a educação centrada na pessoa devem produzir. Um deles é o desenvolvimento no aluno da sua iniciativa. Se no ensino tradicional – e mesmo, em certo sentido, na abordagem comportamental – o aluno era passivo e receptor de informações, aqui, ele deve tornar-se ativo durante o processo, estendendo essa atitude para sua vida em geral. Além disso, ao participar ativamente de sua aprendizagem, espera-se que o aluno seja incentivado a assumir responsabilidades, a se comprometer com suas tarefas (ainda mais se considerarmos que ele pôde opinar e decidir sobre quais elas seriam). Como o adulto deve atuar apenas como facilitador, o aluno deve ser encorajado a ser autodeterminado, automotivado e, junto a isso, deve ter discernimento ao fazer suas escolhas. Não se trata, portanto, de mero espontaneísmo, de atitudes empreendidas em qualquer direção. A ação espontânea, que forma a base da aprendizagem significativa, deve ser combinada com o reconhecimento e a consideração das consequências das nossas ações. A valorização da responsabilidade do aluno pela própria aprendizagem no ambiente escolar tem o intuito de favorecer que ele consiga tomar decisões e busque adaptar-se a outros contextos. Para isso, a noção de liberdade pessoal deve estar atrelada ao respeito à liberdade do outro; a colaboração é incentivada, desde que ela permita a cada um ser como é. Lembrete Atitudes a serem desenvolvidas no aluno: iniciativa, responsabilidade, autodeterminação, discernimento, aplicar os conhecimentos construídos, adaptar-se às novas situações, colaborar com os outros sem deixar de ser si mesmo. 58 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do -C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 A educação, na concepção humanista, também é conhecida como educação democrática, pois ela se contrapõe a todo tipo de autoritarismo e violência e também acredita na capacidade de autogestão dos indivíduos, o que pode e deve ser estimulado nas escolas. Essa valorização do indivíduo corresponde à meta central da educação que é favorecer a capacidade de autoaprendizagem do aluno, tanto intelectual como emocional. Ao trilhar seus caminhos pelo conhecimento, o aluno deverá ser fortemente estimulado a construir seu significado pessoal, ao invés de se apegar à exposição de conclusões prontas. Essa construção será alimentada pelo debate com colegas, pois as trocas são valorizadas (e não somente a relação com o professor-facilitador). Vemos, portanto, que o diretivismo no ensino, característico nas abordagens tradicional e comportamental, é substituído pelo não diretivismo: as relações verticais e impostas, por relações eu-tu e nunca eu-isto; as avaliações de acordo com padrões prefixados pela autoavaliação dos alunos (MIZUKAMI, 1986). Em síntese, podemos destacar três contribuições centrais da teoria rogeriana para a educação: 1. habilidade básica do professor: compreender-se e compreender os outros; 2. educação compreende tudo aquilo que envolve o crescimento pessoal, interpessoal e intergrupal, por meio da autodescoberta e da liberdade; 3. educação implica crescimento tanto do aluno quanto do professor. No interessantíssimo texto de José Coelho Sobrinho (2001), Do que somos capazes? Relato de uma experiência pedagógica (tese de livre-docência), o autor descreve sua experiência em uma universidade portuguesa, na qual vivenciou diretamente as propostas de Carl Rogers para a educação. “Do que somos capazes?” é um relato de quatro experiências acadêmicas vividas pelo autor na Universidade Fernando Pessoa, na cidade do Porto, em Portugal. Os princípios pedagógicos que orientaram o planejamento das disciplinas oferecidas aos alunos dos últimos anos do curso de Relações Públicas daquela Instituição foram baseados nos estudos taxionômicos de Benjamin S. Bloom, para os objetivos educacionais nos domínios afetivo e cognitivo, e na proposta de Carl Rogers sobre o ensino centrado no estudante. O trabalho conclui que a proposta pedagógica baseada nos princípios citados, além de facilitar o aprendizado, aumenta a participação dos estudantes na consecução das metas propostas. saiba mais Indicamos a leitura completa desse texto: COELHO SOBRINHO, J. Do que somos capazes? Relato de uma experiência pedagógica. Tese (livre- docência). São Paulo: Escola de Comunicação e Artes/USP, 2001. Antes de finalizar a apresentação do pensamento de Carl Rogers, é importante frisarmos um aspecto que ele próprio destacou: embora tenha desenvolvido suas ideias inicialmente no campo da 59 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem psicoterapia, o impacto causado na educação foi ainda maior. No contexto brasileiro, temos em Paulo Freire um dos grandes educadores que defenderam os mesmo princípios humanistas de uma educação para a liberdade. Atualmente, um dos mais importantes educadores que seguem nessa mesma direção é Moacir Gadotti, educador, escritor e diretor-geral do Instituto Paulo Freire. Reproduzimos a seguir uma breve entrevista que concedeu à Revista Educação (Edição 100), na qual você pode identificar alguns desses princípios. Entrevista concedida por Moacir Gadotti à Revista Educação Revista Educação – Qual o diagnóstico que você faz da educação básica no Brasil? Quais os principais problemas, avanços e retrocessos que a educação vive? Moacir Gadotti – Considero a educação básica como o lugar de produção da liberdade, da criação do destino de cada um, de cada uma. Por isso, não cuidar da escola básica é não cuidar da nação, do destino da sociedade, da libertação de cada um. Para muitos, a escola básica é o único espaço público e democrático de que dispõem. Apesar do avanço na matrícula de crianças e jovens de 7 a 14 anos no Ensino Fundamental no Brasil, ainda existe o problema grave do abandono e da defasagem série/idade. As crianças pobres podem estar matriculadas na escola, mas sua cultura aí não está. Não basta incluir crianças na escola; é preciso incluí-las com uma nova qualidade. RE – Da forma como o Ensino Superior está sendo administrado atualmente, como você avalia a formação dos professores do ensino básico? Eles estão preparados para a sala de aula? MG – Para mudar o mundo, é preciso primeiro pensá-lo de outra forma; para mudar a educação, é preciso enxergá-la de outra forma. Na formação do educador, é preciso enxergar o lado belo, a boniteza de sua profissão. Ser professor hoje não é nem mais difícil nem mais fácil do que era há algumas décadas. É diferente. Diante da velocidade com que a informação se desloca, envelhece e morre, diante de um mundo em constante mudança, seu papel vem mudando, senão na essencial tarefa de educar, pelo menos na tarefa de ensinar, de conduzir a aprendizagem e na sua própria formação que se tornou permanentemente necessária. Por isso, na sua formação universitária, falta prepará-los para serem menos lecionadores e mais organizadores da aprendizagem. RE – Existe hoje algum modelo no Brasil em Ensino Fundamental e Médio? MG – O único modelo aceitável para a educação básica é o modelo participativo, que incentiva o companheirismo e a cooperação em oposição à competição e que viabilize as condições de efetiva aprendizagem de professores e de alunos. Quando o professor não aprende, o aluno não aprende. Sucesso gera sucesso. Fracasso não é fator de ensino. A repetência faz o aluno ser pior. Para o aluno que passou, o próximo ano será um desafio, e, para o que ficou, o próximo ano será de desânimo. Nos países onde a educação é mais avançada, a repetência está próxima de zero. A criança aprende de mil maneiras. Por isso, é preciso criar um ambiente 60 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 estimulador, motivador. Conhecimento é informação contextualizada, com sentido. A criança só aprende o que tem sentido para ela. Ficar mais tempo na escola não significa aprender mais. Nosso modelo educacional deve ser aquele no qual a criança aprende. Fonte: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=11026>. Um dos pontos mais frisados por Gadotti nessa entrevista é a liberdade como elemento fundamental para que a aprendizagem tenha sentido para o aluno, o que é condição para que ele efetivamente aprenda. Com isso em mente, vamos em frente com nossos estudos. 4.3 educar para a liberdade e para a felicidade O segundo representante do pensamento humanista em educação que apresentaremos é Alexander Neill (1883-1973). Esse educador e escritor escocês ficou famoso por ter idealizado e conduzido uma escola democrática na cidade de Suffock, na Inglaterra, chamada Summerhill. O principal pilar da educação, para Neill, é a liberdade. Para ele, os alunos só aprendem verdadeiramente, e com isso só poderão se tornar felizes em suas vidas, se exercitarem a liberdade de escolha, aprendendo a conciliar seus interesses com os alheios, de modo que o respeito ao outro é um princípio fundamental. Diferentemente da escola tradicional, sustentada no medo dos alunos, em Summerhill os alunos escolhem os cursos que farão e participam de assembleias regulares nas quais se decide todo tipo de assunto, como as regras e as sanções, havendo debates com espaço para as opiniões de todos, igualmente. Eis aqui mais um ponto importante dessa proposta: os adultos não exercem a autoridade assimetricamente,mas auxiliam no cumprimento daquilo que é fruto das decisões coletivas. Exemplos de punições definidas na assembleia podem ser que o aluno envolvido em um caso de bullying deva ficar por último nas filas e seja proibido de usar computador, ou que todo o grupo contribua financeiramente para o concerto da bicicleta de um aluno quebrada por um dos seus colegas. Figura 7 – Homem mirando o mar Outra crítica feita por Neill aos moldes tradicionais refere-se à posição fixa das carteiras alinhadas e voltadas para o professor. Elas favoreceriam antes alunos dóceis, submissos, do que alunos criativos 61 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem e participativos. Os trabalhos na escola realizam-se normalmente em pequenos grupos, sem separação rígida entre diferentes idades, o que também serve de estímulo à troca, à colaboração e ao exercício do respeito às diferenças. saiba mais No site da escola Summerhill, você encontra fotos e textos sobre a pedagogia de Alexander Neill. Acesse: <http://www.summerhillschool. co.uk>. Um dos autores que influenciou seu pensamento foi o psicanalista Wilhelm Reich, seu amigo pessoal e também seu analista. A psicanálise critica os efeitos da repressão social sobre os indivíduos, que se tornam mais infelizes, apáticos, passivos, em última instância, mais neuróticos. Neill baseia-se nessa ideia para defender uma educação que não tenha na frustração e na repressão seus pontos fortes, mas que valorize e estimule a participação, a responsabilidade e a autonomia dos alunos. Uma frase de Neill que sintetiza seu pensamento é “gostaria antes ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico”, deixando claro que, para se atingir a felicidade, as habilidades intelectuais são secundárias e podem até produzir uma condição de sofrimento e frustração. As posições de Neill são mais radicais do que as de Rogers, chegando a afirmar que considera os livros sem grande importância, enquanto as relações interpessoais e as experimentações são centrais para o desenvolvimento de uma pessoa íntegra e feliz. No livro Liberdade sem medo, Neil (1963, p. 24 apud MIZUKAMI, 1986, p. 55) afirma que: Só os pedantes declaram que o aprendizado livresco é educação… Os livros são o material menos importante da escola. Tudo quanto a criança precisa saber é ler, escrever e contar. O resto deveria compor-se de ferramentas, argila, esporte, teatro, pintura e liberdade. Diante de uma afirmação tão radical, somos levados a pensar: qual o papel dos livros na educação? Parece haver certo fundamento nessa crítica, quando pensamos na submissão exagerada que, por vezes, percebemos dos educadores perante o “saber verdadeiro” dos livros. Interessante destacar que Neill inclui esportes, artes, trabalhos manuais no mesmo grau de importância que os conhecimentos básicos de leitura, escrita e matemática. 62 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 saiba mais No site da revista Nova Escola, da editora Abril (<http://www.novaescola. com.br>), você encontra inúmeros artigos e reportagens sobre diversas temáticas educacionais. Com relação aos temas tratados nesta unidade, indicamos a leitura de uma entrevista com Yves De La Taille sobre educação, valores e princípios, como liberdade e ética. Acesse: <http://revistaescola. abril.com.br/crianca-e-adolescente/comportamento/fala-mestre-yves-la- taille-466838.shtml>. No exemplar de n° 24 da revista Nova Escola (2011), o repórter Rodrigo Ratier relata sua viagem à escola Summerhill, em matéria intitulada: “Nesta escola, aluno pode (quase) tudo”. A escola, fundada em 1921, fica em um sítio com 48.000 m², com muito verde e casas de uso coletivo e dormitórios. Lá, o repórter encontrou um casal de brasileiros que trabalham, respectivamente, como professor de Ciências e como “mãe-da-casa”. Esta função é a de cuidar dos alunos, pois a instituição funciona em regime de internato. Zoe Readhead, filha de Neill, é quem dirige a escola, seguindo os passos do pai quanto ao valor supremo da liberdade. Às vésperas de completar 90 anos, ela aguarda apreensiva a segunda visita da agência governamental que avalia as escolas britânicas, que ameaçou fechá-la em função de o currículo ser optativo. Ela teme que isso ocorra e considera que há desconhecimento das ideias mais profundas da sua proposta, e afirma que muitos de seus alunos alcançam notas acima da média nacional em exames unificados, semelhantes ao Enem brasileiro. Em relação ao currículo, o que ocorre é que cada aluno estabelece um plano de estudos, e a frequência às aulas é sempre voluntária, não havendo punição caso decidam não comparecer, uma vez que estar motivado para a aula é condição para frequentá-la. Caso isso ocorra repetidamente, a conversa baseia-se na implicação do aluno nas consequências de suas ausências. As metodologias seguidas pelos professores são individuais e definidas por cada um deles. Pode haver práticas mais ou menos convencionais, desde que o interesse dos alunos esteja presente, pois a base do método é não diretiva e não pretende impor uma didática única aos docentes. Uma das críticas principais às ideias de Neill é seu caráter utópico, difícil de ser expandido em redes públicas com alto número de alunos em sala. Não é a única escola democrática existente, mas certamente uma das mais célebres. Discutir os efeitos de escolas democráticas nos coloca diante de outra reflexão: sobre as contradições tão profundas das sociedades atuais que se dizem democráticas, mas mantêm um abismo social e cultural entre seus cidadãos. Enfim, questionar as escolas democráticas leva-nos necessariamente a questionar os valores das nossas sociedades. 63 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem Lembrete Como já fizemos anteriormente neste livro-texto, sugerimos que você pesquise livros, filmes e outras obras literárias que possam ajudá- lo a ilustrar e refletir sobre aspectos da aprendizagem que estamos estudando. saiba mais Sociedade dos poetas mortos. EUA. Peter Weir. 129 minutos, 1989. Indicamos esse filme no tópico da abordagem tradicional e nós o retomamos aqui pois, justamente, a história central envolve a chegada de um professor com uma pedagogia humanista em uma escola inglesa tradicional, na qual, inclusive, ele estudara. Os conflitos entre suas propostas e as práticas instituídas na escola, as reações dos seus colegas, tudo isso mostra alguns dos contrastes entre estas abordagens que apresentamos aqui. Vale a pena assistir inclusive com um olhar crítico a um possível exagero, ou ingenuidade, na ação do professor humanista, que não percebe os conflitos mais profundos que um de seus alunos estava vivendo e cuja história acaba tendo um desfecho trágico. Mr. Holland: adorável professor. EUA. Dir. Stephen Herek. 140 minutos, 1995. Nesse filme, o protagonista é um músico que decide começar a lecionar para ter mais dinheiro e, assim, dedicar-se a compor uma sinfonia. Na escola, ele vive diversos confrontos com seus alunos que não se interessam pela música. Paralelamente à vida escolar, o filme retrata os dramas de sua vida pessoal, com o nascimento de um filho surdo, o que causa grande sofrimento e rejeição por parte do protagonista. Aos poucos, o filme mostra a mudança na sua relação com os alunos, que se torna acima de tudo humana indo muito além da sua postura pedagógica tradicional no início. Um filme emocionante, sensívele que nos permite refletir sobre o sentido de ser professor. A seguir, apresentamos trechos de um texto de Rubem Alves, escritor, psicanalista, educador. O texto original foi publicado no jornal Correio Popular, de Campinas (SP), em que o escritor mantém coluna bissemanal. Durante a leitura, reflita sobre o papel do professor na atualidade. 64 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 A pipoca Rubem Alves A culinária me fascina. De vez em quando eu até me atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas. [...] As comidas, para mim, são entidades oníricas. Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu. A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas ideias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível. A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético [...]. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a ideia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado. Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas! [...] O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. 65 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem [...] Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: Puf!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante. [...] Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. Ignoram o dito de Jesus: “Quem preservar a sua vida perdê-la-á”. A sua presunção e o seu medo é a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira... “Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu”. Fonte: <http://www.releituras.com/rubemalves_pipoca.asp>. Acesso em: 27 jan. 2011. Nesse texto, Rubem Alves, de maneira metafórica, nos permite refletir sobre as diferentes formas de transformação pelas quais passa o professor ao longo de sua formação: o professor pode deixar de ser milho e se transformar em uma linda pipoca, ou o professor pode ser sempre um “piruá”. Em sua opinião, quais das teorias psicológicas aplicadas à educação, estudadas até este momento, possibilitariam a segunda transformação? Na abordagem tradicional, o professor é aquela pessoa que não aceita as mudanças, está preso aos padrões, às convenções, será sempre um “piruá”. Nas palavras de Rubem Alves: “[...] por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar, elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem”. O professor, em uma perspectiva humanista, será sempre incomodado pelo “calor” da relação humana, verdadeira, com seus alunos; será instigado a procurar estratégias que possibilitem a transformação de si mesmo, bem como de seus alunos. Isso mesmo, de seus alunos também, pois nunca se sentirá plenamente realizado em seu trabalho docente quando perceber, ao final do ano letivo, que seus alunos se tornaram “piruás”. Você já pensou nisso? 66 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Após estudarmos as bases teóricas de uma educação humanista e o sentido que ela dá a uma aprendizagem significativa, vamos comentar brevemente um artigo chamado Aprendizagem significativa, sob o enfoque da psicologia humanista, no ensino de Ciências do 2º ciclo do Ensino Fundamental. Esse artigo relata a experiência concreta de três educadoras, Rosa, Laporta e Gouvêa (s/d), professoras do Centro Universitário Fundação Santo André (FSA). As autoras relatam um projeto de ensino de Microbiologia, desenvolvido com professoras de Ciências de duas escolas públicas e seus alunos de 7º e 8º anos do Ensino Fundamental. O foco do trabalho foi a aprendizagem significativa, na expectativa de contribuir para a transformação da relação pedagógica, valorizando as pessoas que aprendem e aquelas que ensinam. saiba mais Você pode encontrar, na íntegra, esse artigo de Rosa, Laporta e Gouvêa no seguinte endereço: <http://www3.fsa.br/proppex/radar/Artigos%20 em%20PDF/Aprendizagem%20significativa.pdf>. No projeto, foram realizadas, durante seis meses, seis oficinas. Cada uma delas era relativa a diferentes temas da área: células, vírus, bactérias, algas microscópicas, protozoários e fungos e eram realizadas tanto com os professores das escolas como com os alunos. A ideia principal foi partir de materiais simples e de fácil acesso, como sucata, material de padaria e material plástico, e provocar os participantes das oficinas a construírem jogos, miniaturas, modelos tridimensionais. Ou seja, promover vivências e experiências que os levassem a agir e criar enquanto aprendiam. Foram realizados questionários e entrevistas com os professores, e duas avaliações de desempenho dos alunos: antes e após a realização das oficinas. Segundo as autoras, os resultados obtidos a partir da aplicação da escala de diagnósticode desempenho foram submetidos ao teste de correlação linear de Spearman que mostrou forte correlação positiva, de 0,66, entre as avaliações do pré e pós-teste, denotando aprendizagem a partir das vivências oferecidas pelas diferentes oficinas. Além disso, os professores de Ciências relataram que, para realizar as tarefas, os alunos precisaram ser curiosos, fazer perguntas, observar e comparar. O trabalho coletivo tornou-se uma necessidade. Houve a oportunidade para o estabelecimento da relação com o outro, a partir de vínculos afetivos, permitindo construção do conhecimento em parceria. A confecção de parte do material utilizado nos jogos pelos próprios alunos proporcionou uma oportunidade ímpar de interação humana. A construção dos diferentes modelos propostos permitiu ao aluno visualizar as células, compará-las entre si e com as descrições dos textos de apoio. Nas discussões, a contextualização dos temas possibilitou a integração das experiências vividas no dia a dia dos alunos. Como conclusão, Rosa, Laporta e Gouvêa (s/d) consideram que, em sua pesquisa, puderam verificar a ocorrência de aprendizagem significativa nos alunos, acompanhada de mudanças nos 67 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem próprios professores, o que também é um aspecto considerado essencial na teoria humanista. As oficinas promoveram um ambiente de abertura às experiências, e não de exposição pronta, fechada de conceitos, e o professor manteve-se flexível, em uma postura de orientar a aprendizagem e não de controlá-la. À medida que os alunos construíam, interagiam, jogavam e criavam, eles se envolviam por inteiro no processo, atribuindo sentido aos conteúdos aprendidos, e, por conseguinte, sentiram-se valorizados. Como nesta disciplina nossa intenção é, além de fornecer subsídios teóricos e práticos para sua ação futura como educador, levar você, aluno, a refletir criticamente sobre os temas abordados, apresentamos, a seguir, uma crítica feita por Dermeval Saviani, estudioso de Filosofia e História da Educação. Saviani (2000) examina as consequências geradas pela grande influência que a psicologia de inspiração humanista ocasionou nas escolas. Ele reconhece que, inicialmente, ela teve um propósito válido, ao se contrapor ao modelo tradicional de ensino – o qual acabava alimentando uma escola elitista e seletiva –, valorizando os indivíduos como únicos e diferentes. O ambiente austero, sombrio, opressor e silencioso, dava lugar a um ambiente alegre, movimentado, diversificado, barulhento. Embora o movimento a que ele se refira – a Escola Nova – não tenha sido liderada especialmente por Carl Rogers (que estamos estudando nesta disciplina), suas ideias também reforçaram esse movimento. Outros educadores como Decroly e Montessori contribuíram ativamente para ele, e mesmo as ideias de Jean Piaget também serviram de inspiração para o movimento escolanovista. Um aspecto da crítica de Saviani que nos parece pertinente abordar neste momento do texto é que, politicamente, essas ideias podem acabar realimentando a discriminação na escola. Por demandarem maiores investimentos (dada a formação do professor e a atenção mais individualizada aos alunos), no caso da sociedade brasileira, por exemplo, não havia recursos suficientes, de modo que sua implantação nas redes públicas de ensino se deu de forma precária, prejudicando o ensino. Nas palavras de Saviani (2000, p. 10): Provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou por rebaixar o nível de ensino destinado às camadas populares as quais muito frequentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida, a “Escola Nova” aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites. Com essas questões colocadas, nós vemos, mais uma vez, que a adoção de um determinado método de ensino não é uma escolha neutra pelo educador; ela envolve concepções filosóficas, epistemológicas, políticas, sobre o sentido da aprendizagem, o papel da escola e do professor e como elas se relacionam com os valores sociais mais amplos. E reconhecer essas dimensões, embora não seja um processo fácil, é fundamental na formação do educador – desde o momento da graduação como na sua formação continuada –, como um desafio a ser enfrentado diariamente. 68 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 5 AbordAgem psicAnALíticA Sigmund Freud (1856-1939) formulou a teoria da psicanálise que, desde então, tem influenciado o modo como as sociedades ocidentais compreendem o funcionamento e a constituição do psiquismo e suas relações com o universo familiar e cultural. Vamos sintetizar alguns elementos de sua biografia e da construção inicial da sua teoria, por entendermos que serão úteis para formar uma ideia do estudante e pesquisador por trás da teoria. Freud nasceu em Freiberg, Morávia (hoje República Tcheca), em 6 de maio de 1856. Por problemas financeiros, sua família mudou-se para Viena em 1860, quando tinha apenas quatro anos, e lá Freud viveu até 1938, aos 82 anos, um ano antes de emigrar para Inglaterra onde morreu aos 83 anos. De família judia humilde, vivia em um pequeno apartamento, e, por ser o primogênito e excelente aluno, possuía regalias como ter seu próprio quarto e uma lâmpada a óleo para estudar, enquanto os demais tinham apenas velas. Isso nos mostra como, tanto em seu ambiente familiar como para o próprio Freud, o estudo tinha importância central, além das expectativas que pairavam sobre ele. O jovem Freud decidiu estudar Medicina na Universidade de Viena, e é interessante mencionar que demorou três anos a mais do que o habitual para concluir o curso, não por dificuldades pessoais, mas pelo seu interesse em acompanhar os grandes cientistas e pensadores da universidade. Entre eles, frequentou os cursos de Filosofia do filósofo alemão Franz Brentano (1838-1917), possibilitando com isso, posteriormente, uma base humanística para a psicanálise. Aos 26 anos, forma-se em Medicina, começa a clínica particular, mas continua realizando atividades de pesquisa científica. Dedica-se aos estudos de Neurologia e Psiquiatria, tendo interesse pelas relações entre sintomas mentais e distúrbios físicos. Isso faz com que consiga uma bolsa de estudos para estudar com Jean-Martin Charcot (1825-1893), em Paris. Este o recebe como um estudante capaz e o autoriza à tradução de seus escritos para o alemão ao voltar para Viena. Esse psiquiatra e pesquisador francês tornou-se famoso por desenvolver o método da hipnose para o tratamento de distúrbios histéricos. A histeria é um tipo de neurose que se caracteriza predominantemente, pela transformação da ansiedade subjacente em um estado físico. A palavra vem do termo grego hystéra, que significa útero. A própria palavra nos revela o caráter feminino da doença, já que era atribuída a uma disfunção uterina. As pessoas que sofrem de histeria apresentam uma situação de pânico intensa, apresentada sobre a forma de sintomas físicos, como por exemplo, paralisia, cegueira, surdez etc., perdendo assim seu autocontrole. saiba mais Para saber mais sobre a histeria, acesse: <http://www.mundoeducacao. com.br/psicologia/histeria.htm>. 69 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem Portanto, a ideia central de Charcot, que foi fielmente seguida por Freud, era que tais perturbações físicas não eram expressões de um foco lesional (neurológico),mas de um processo sugestivo, emocional, traumático, que desencadeava uma sintomatologia física. Exemplos de sintomas de histeria: paralisa nos braços, cegueira, crise convulsiva etc. Assim, para Freud, a histeria tratava-se de uma doença psíquica cuja origem requeria uma explicação psicológica, e os estudos com Charcot levaram-no a utilizar inicialmente a hipnose como instrumento terapêutico. Lembrete Jean-Martin Charcot, psiquiatra e cientista francês, foi o fundador da neurologia moderna. Foi o criador do método da hipnose para tratamento de perturbações psiquiátricas, em especial a histeria. Freud teve outro grande mestre, o médico e fisiologista austríaco Joseph Breuer (1842-1925), com quem explorou amplamente a dinâmica da histeria por meio da utilização do método catártico. Tais experiências foram publicadas e serviram de origem para a teoria psicanalítica que Freud continuaria a construir por mais de 50 anos. Um passo importante de Freud, que possibilitou a originalidade de sua teoria, foi ser capaz de ir contra as ideias de seus mestres, propondo algo novo ao encorajar seus pacientes a falarem livremente e a relatarem seus sintomas. Não se tratava mais de colocar os pacientes em transe hipnótico, mas de fazê-los falar sem censura sobre seus sintomas e sobre sua vida, associando livremente. Será, pois, em 1896, que ele irá utilizar pela primeira vez a palavra psicanálise para descrever seus métodos. Por volta de 1900, forma-se à volta de Freud um grupo de médicos interessados em seus estudos entre eles: o psicólogo austríaco Alfred Adler (1870-1937), o psicanalista húngaro Sándor Ferenczi (1873-1933), o psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), o psicanalista austríaco Otto Rank (1884-1939), o psicanalista alemão Karl Abraham (1877-1925) e o psicanalista galês Ernest Jones (1879-1958). O grupo formou uma sociedade, documentos foram escritos, uma revista foi publicada e o começo do movimento psicanalítico começou a se expandir. No entanto, alguns membros abandonam o grupo pelas divergências teóricas com Freud e mais tarde cada um deles fundou sua própria teoria, sendo Carl Jung o mais conhecido em nosso meio. saiba mais Para você saber mais sobre a vida e a obra de Sigmund Freud, sugerimos duas biografias. A primeira, de seu biógrafo oficial, Ernest Jones, A vida e a obra de Simund Freud (editora Imago), e a segunda, escrita por Peter Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo (editora Companhia das Letras). 70 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Freud passou o resto de sua vida dedicando-se a ampliar e a elucidar a psicanálise. Suas obras completas compõem 24 volumes. Morreu em 1939, após lutar durante 15 anos contra um câncer na boca e mandíbula, tinha dores continuas e sofreu 33 cirurgias para deter a doença que cada vez mais se expandia. A seguir, vamos apresentar alguns conceitos da psicanálise com dois objetivos. Em primeiro lugar, este material fornece elementos necessários para o entendimento da evolutiva humana em uma perspectiva psicanalítica. Em segundo lugar, buscamos permitir a você, futuro professor, uma compreensão geral sobre a teoria e, principalmente, as suas implicações na educação. Três conceitos centrais da psicanálise, e que nos interessam aqui, são: inconsciente, sexualidade e transferência. Vejamos os aspectos principais de cada um deles. Junto com o astrônomo Nicolau Copérnico e o biólogo Charles Darwin, Freud revolucionou os paradigmas das ciências sobre o homem. Os dois primeiros nos reposicionaram frente ao mundo físico e animal: teoria heliocêntrica, substituindo a geocêntrica, e a teoria da evolução das espécies, atestando a continuidade entre os homens e outros animais. Freud, por sua vez, retirou o poder supremo que era atribuído à nossa consciência (por exemplo, aquele atribuído por meio do racionalismo cartesiano: “penso, logo existo”), demonstrando que todos nós possuímos uma dimensão inconsciente que provoca efeitos reais em nossas vidas. Ele estudou, além dos sintomas psiquiátricos, os sonhos, os chistes e os atos falhos como manifestações do funcionamento mental inconsciente. Como os sonhos, os chistes (que podemos entender como as zombarias ou ironias cotidianas) e os atos falhos (esquecimentos e trocas nas falas) ocorrem com qualquer pessoa – e não somente com doentes mentais – sua teoria acaba por tratar do funcionamento psíquico humano em geral. Isso será importante para pensarmos, inclusive, tanto o professor como o aluno segundo as lentes que ele propõe. Figura 8 – Sigmund Freud (1856-1939) 71 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem Em um primeiro momento da sua teoria, Freud construiu um modelo teórico sobre o inconsciente chamado de topológico. Ele tratava das relações entre três níveis de consciência da mente: • consciente: fenômenos que podem ser percebidos conscientemente pelo sujeito (por exemplo: nosso nome, o lugar onde estamos); • pré‑consciente: fenômenos que não estão conscientes, mas podem se tornar (por exemplo: lembrar-se de um número telefônico ou o que comemos no almoço de ontem); • inconsciente: fenômenos que não são conscientes e somente com um trabalho especial podem tornar-se (conteúdos e sentimentos mais profundos, que se revelam nos sonhos e durante uma análise). Freud ilustrava esse modelo com a figura de um iceberg: assim como sob uma pequena parte visível e emersa sobre as águas, sabemos que há uma massa muito maior de gelo, o mesmo pode servir para entendermos que o consciente é somente uma pequena parte (aquela visível ou perceptível por nós) sobre uma quantidade muito maior que permanece submersa em nossa mente (o pré-consciente e o inconsciente). Aqui, temos a repressão como uma força que supervisiona e controla as fronteiras entre esses níveis, principalmente entre o inconsciente e os demais. Com o desenrolar de sua teoria, sempre baseada na prática clínica, Freud desenvolveu outro modelo para o inconsciente chamado de modelo dinâmico. Nele, encontramos conceitos que fazem parte hoje em dia da linguagem cotidiana: id, ego e superego, que representam instâncias, dimensões do nosso mundo mental: • id: é a fonte de prazer (libido); é formado pelos instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes; ele é regido pelo principio do prazer; • ego: cuida de nossa vida cotidiana, dos relacionamentos sociais e é regido pelo principio da realidade, ou seja, ele consegue retardar a possibilidade de prazer, visando à harmonia entre o id, as exigências do superego e os interesses do próprio ego; • superego: corresponde à parte moral da mente humana e representa os valores da sociedade. Aqui, ganha destaque um aspecto importante: o inconsciente, para Freud, é mais do que um adjetivo, uma característica de alguns sentimentos ou pensamentos; ele corresponde a uma dimensão da nossa mente que possui um modo típico de funcionamento diferente do funcionamento da mente consciente, ou da mente em vigília (acordada). Tal funcionamento corresponde ao princípio do prazer, ou seja, ele não possui censura, ele busca a satisfação a todo custo, não segue nosso tempo cronológico, nem nosso julgamento racional e moral. Nossos sonhos, que nos parecem quase sempre absurdos quando acordamos, funcionam segundo esse princípio e, assim, apresentam imagens e ideias que sofreram condensações e deslocamentos. O mecanismo de condensação significa, como o nome diz, que um elemento do sonho (por exemplo: uma pessoa, Sr. P) representa vários elementos e significados que nele 72 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09/0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 ficaram reunidos, condensados (por exemplo a profissão do Sr. P, o nome do Sr. P, a cor da roupa do Sr. P no sonho). O mecanismo de deslocamento opera no sentido de, por exemplo, sonharmos que estamos irritados com uma pessoa (por exemplo: o mesmo Sr. P), quando, na realidade, esse afeto (raiva) deveria ser direcionado para outra pessoa, como o irmão da pessoa com quem sonhamos (irmão do Sr. P), que pode nem aparecer no sonho. Refazer esse caminho através das condensações e deslocamentos de um sonho é um processo que realizamos em análise, com o auxílio de um psicanalista. Esses mecanismos integram os chamados mecanismos de defesa do ego e têm como função principal favorecer que nossos desejos inconscientes possam ser expressos (afinal são uma parte nossa!), porém que o façam de modo a não desestruturar nossa mente consciente, causando um sofrimento insuportável. E por que causariam sofrimento? Porque nossa mente consciente, comandada pelo ego, também sofre pressão do superego, da nossa moralidade, a qual poderia julgar, reprovar e condenar duramente tais desejos, os quais, portanto, precisam passar por essas transformações, ou esses disfarces. Em uma análise, esses processos tornam-se conhecidos e podem ser elaborados ou receberem outros significados, o que proporcionará alívio e condições para que vivamos melhor. Ou seja, o que devemos salientar aqui é que, para Freud – e isso nos será útil para pensarmos no sentido dado à educação por ele – a mente vive em permanente conflito entre essas instâncias que não poderão ser suprimidas, mas devem encontrar formas de coexistirem e permitirem o desenvolvimento e a realização de cada um de nós. Ou seja, ele nos impulsiona a construir formas possíveis e próprias a cada um de viver e conviver conosco e com as outras pessoas. A teoria freudiana busca sempre dois princípios que se opõem, lutam e movimentam com isso o desenvolvimento do indivíduo. Para frente ou para trás, é o conflito e o movimento dele resultante que fazem o indivíduo sair do lugar. Caso contrário, estaria fadado à permanência e à imutabilidade (KUPFER, 1995, p. 54). Quando esses conflitos são muito intensos ou a repressão é muito rígida, pode ocorrer o desenvolvimento de neuroses e psicoses. De modo sucinto, no primeiro caso, ocorrem sintomas (como crises de pânico, comportamentos compulsivos e ideias obsessivas), mas não há um rompimento da relação com a realidade. Já nas psicoses, essa ruptura ocorre, podendo haver, por exemplo, a produção de delírios e alucinações. Lembrete Inconsciente para Freud é mais do que uma característica (adjetivo): refere-se a uma dimensão do psiquismo que possui modos específicos de funcionamento, diferentes do funcionamento consciente. O conceito do inconsciente foi tratado em vários momentos na obra de Freud, sendo reformulado e ampliado. Neste texto, apenas destacamos algumas ideias gerais para nossos objetivos. Passemos, então, ao segundo conceito que mencionamos no início: a sexualidade. 73 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem As ideias de Freud a respeito da sexualidade sofreram, e ainda sofrem, críticas e geram intensos debates. De qualquer forma, é necessário que tratemos delas aqui, ainda que brevemente, pois se articulam diretamente com a questão do aprender. Em primeiro lugar, é fundamental que façamos uma distinção: para o fundador da psicanálise, a sexualidade vai além do ato sexual entre duas pessoas adultas. Ele vai demonstrar que, desde bebês, já possuímos uma sexualidade, vivemos excitações sensoriais e sexuais que possuem características diferentes desse ato. Ele vai propor o que ficou conhecido como as fases psicossexuais do desenvolvimento, entendendo por sexualidade, como mencionamos, todas as ligações afetivas estabelecidas pelo sujeito desde o nascimento à idade adulta. A libido (energia afetiva que mobiliza o sujeito na perseguição de seus objetivos) se apoia e busca satisfação em diferentes partes do corpo ao longo do crescimento. Essas partes são chamadas de “zonas erógenas” e caracterizarão cada fase de desenvolvimento infantil: fase oral, fase anal, fase fálica, período de latência e fase genital. Vejamos isso com mais atenção. À medida que ocorre o desenvolvimento orgânico, todos nós sabemos que determinadas regiões do corpo permanecem naturalmente em evidência com intensa inervação neurológica, sendo também alvo de ações educativas da família e da sociedade (lembramos, por exemplo, do controle esfincteriano envolvido no momento de retirada das fraldas). Com isso, além da maturação física que se encontra em curso, podemos concluir que essas regiões corporais serão mais estimuladas pela exploração do próprio corpo pela criança e pela atenção do ambiente, de maneira que, como o desenvolvimento físico não se separa do psíquico, esse processo mobilizará sentimentos, ideias e fantasias nos indivíduos. Freud utilizou o termo erógeno para se referir a essas partes do corpo, pois ele queria frisar que a elas se associavam experiências de prazer e/ou desprazer, para além de um exercício apenas funcional e mecânico. No quadro a seguir, sintetizamos as partes do corpo associadas a cada zona erógena, a idade aproximada em que ela está em evidência e o nome da fase psicossexual freudiana correspondente. Quadro 8 Fases do desenvolvimento psicossexual Idade aproximada Zona erógena corporal Fase oral 0 a 1 ano e 6 meses Boca/dentes Fase anal 1 ano e 6 meses a 3 anos Esfíncteres Fase fálica 3 anos a 4 anos Genitais Período de latência 5 anos a 12 anos Relacionamento social/escolar Fase genital 12 anos em diante Genitais/estrutura final da personalidade Cada uma das fases, portanto, terá como característica principal das relações afetivas estabelecidas o modelo das zonas erógenas correspondentes. Por exemplo, na fase oral, o bebê vive intensamente a 74 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 relação com o mundo por meio da boca. Seja no movimento mais passivo e receptivo da amamentação, seja em um movimento agressivo, ao ter de usar os dentes para mastigar (destruir) a comida. É importante sublinhar que as características de cada fase não desaparecem de nossas vidas, embora não devam ocupar mais o centro dela, como na infância, e podemos identificar sua presença em atividades e relacionamentos posteriores. Em um exemplo rápido, nós muitas vezes estabelecemos relações de dependência com algumas pessoas (como com professores), diante das quais adotamos uma posição passiva e receptiva, como se quiséssemos ser “amamentados” por elas. Neste livro-texto, como já dissemos, não iremos nos aprofundar na teoria psicanalítica, mas extrair dela elementos que nos auxiliem a refletir sobre o tema do conhecimento e da aprendizagem. Sendo assim, queremos nos ater um pouco sobre a fase da latência. Como indicado no quadro, nessa fase, não existe uma zona erógena corporal específica associada: por que será? Após os primeiros anos nos quais a excitação corporal era a tônica, há um período no qual a libido deverá ser redirecionada a outros fins, dentre os quais o pensamento e o conhecimento são os mais importantes. A curiosidade e o desejo de saber, antes, estavam associados às funções corporais (“para que serve esta parte do meu corpo?”) e às funções de vida e reprodução (“de onde eu vim?”, “de onde vêm os bebês?”). Todos reconhecemos alguns momentos até embaraçosos quando somos alvo de perguntas de crianças nessas direções. Freud chamou a atenção da sociedade para que talcuriosidade das crianças não fosse sufocada por atitudes e valores moralistas excessivamente repressores (por exemplo, ameaçando cruelmente as crianças quando mostravam necessidade de conhecer e manipular seu corpo, incluindo os órgãos genitais). Ele entendia que a mesma curiosidade sobre si, sobre o próprio corpo e sobre os corpos de outras pessoas (principalmente as diferenças entre os sexos) iria servir de motor para a curiosidade posterior diante de conteúdos escolares, de tal modo que se a criança fosse excessivamente tolhida no início isso poderia refletir em um bloqueio no aprendizado futuro. Vejamos que não se trata de estimular os pensamentos infantis sobre temas sexuais, mas de compreender que eles fazem parte de um desenvolvimento saudável, de todo e qualquer indivíduo, e que ser curioso, algo tão fundamental para a vida escolar, começa desde o momento em que somos ainda bebês. Aqui, surge outro conceito freudiano: a sublimação. Esse conceito se refere justamente ao mecanismo psíquico que permite modificar o objeto para o qual nossa libido se direciona, extraindo o conteúdo sexual e substituindo-o por outros fins socialmente aceitos e necessários: como redirecionar a curiosidade corporal para o conhecimento e a arte. Na fase de latência, as principais curiosidades e interesses das crianças devem dirigir-se para o universo da educação e da cultura, o que será abalado, mais adiante, com o advento da puberdade e da adolescência. Isso porque, nesse momento, um novo salto na maturação física genital própria 75 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 Psicologia do desenvolvimento e teorias da aPrendizagem da puberdade levará a libido e se reencontrar com temas sexuais, os quais desaguarão, no futuro, na escolha afetiva que será feita por cada indivíduo. saiba mais Para você conhecer melhor a história de Freud e da formação da psicanálise de uma forma envolvente e dinâmica, assista ao filme clássico: Freud além da alma. Dir. John Huston. EUA. 139 minutos, 1962. O filme relata fatos importantes de uma fase inicial da vida profissional do psicanalista Sigmund Freud (de 1885 a 1890). Relata experiências pessoais e profissionais do “pai” da psicanálise, mostrando as resistências e a recusa do meio acadêmico em aceitar suas novas ideias e teorias. Os elementos iniciais de sua teoria basearam-se no tratamento de pacientes histéricas, que eram, à época, tratadas com descaso por seus colegas. Algumas das ideias retratadas no filme foram reformuladas durante os anos seguintes, em que sua prática psicanalítica ganhou força e, inclusive, reconhecimento. Dica: você pode assistir ao filme, acessando o link a seguir: <http:// www.archive.org/details/Pfilosofia-freud383-4>. 5.1 educação como “relação impossível” Para prosseguirmos com o último conceito anunciado – a transferência – e, com isso, desenvolvermos mais a fundo as ideias de Freud sobre a educação, nós recorreremos principalmente a um livro bastante difundido nos meios pedagógicos: Freud e a educação: o mestre do impossível (KUPFER, 1995). De acordo com Kupfer (1995), embora Freud não tenha escrito um volume específico sobre a educação, esse tema permeou toda a sua obra, uma vez que, para ele, o funcionamento psíquico pode ser fruto direto das influências educativas recebidas pelo indivíduo. Dessa forma, para a autora, as ideias de Freud sobre a educação encontram-se em conexão com seus conceitos para compor a teoria psicanalítica. No início de sua obra, Freud mostra-se otimista no sentido do papel profilático que a educação poderia desempenhar frente à saúde mental dos indivíduos. Para ele, a educação deveria auxiliar a criança a aprender a dominar seus instintos, sendo capaz de reprimi-los e redirecioná-los. Muito embora, Freud também condenasse uma repressão excessiva da sexualidade, como ocorria nos anos de passagem do século XIX para o século XX. No início do desenvolvimento, como mencionamos anteriormente, o conhecimento ocorre por meio das “investigações sexuais infantis”, ou seja, na busca da criança em compreender seu lugar sexual no mundo (menino/menina; feminino/masculino). A compreensão da diferença entre os sexos causa angústia e confere um golpe na onipotência infantil, mas essa mesma angústia acabará por impulsionar a criança 76 Unidade II Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do - C or re çã o: F áb io /M ár ci o - 12 /0 1/ 20 12 a querer saber mais sobre si e sobre o mundo. E, mais do que isso, na teoria freudiana “o desejo de saber associa-se com o dominar, o ver e o sublimar” (ibidem, p. 81). Ou seja, é necessária certa agressividade no ato de conhecer: é comum ouvirmos expressões metafóricas sobre isso, como quando dizemos que precisamos “mastigar e absorver” as informações recebidas pelos nossos mestres, não é mesmo? Exemplo de aplicação Você já tinha parado para pensar na agressividade necessária ao ato de aprender e em como esse ato tem semelhanças com a digestão alimentar? Ao longo de sua vasta obra, Freud vai deixando mais claros os limites da ação pedagógica entre proibir e permitir ao aluno a realização de seus desejos, em função da complexidade da psique humana, dos muitos obstáculos interiores ao processo de amadurecimento, do conflito entre o desejo individual e as exigências da vida em comunidade. Ele vai se dar conta de que esse processo de constituição da nossa personalidade não é passível de controle e determinação externos, pois dependerá de um processo interno e de uma combinação única e pessoal de cada indivíduo. De acordo com Kupfer (1995), sobre a aprendizagem propriamente dita, Freud não tem escritos específicos, mas gostava de pensar nos determinantes psíquicos que levam alguém a ser um “desejante de saber”, como os cientistas e as crianças pequenas. Em outras palavras, estudar esse tema em uma perspectiva freudiana significa entender o processo ou a razão pela qual um sujeito se sente motivado para o conhecimento: o que reafirma a propriedade de estudarmos tais ideias nesta disciplina. Além da perspectiva interna e subjetiva envolvida no desejo de saber e conhecer, que foi enfocada até aqui, o ato de aprender pressupõe uma relação com outra pessoa, a que ensina. Mesmo lendo um livro, nós nos relacionamos com um alguém imaginário – o autor – que ocupa esse lugar. Mesmo nas descobertas que fazemos sozinhos, em uma condição de autodidatismo, realizamos um diálogo interior entre nós, como aprendizes, e uma outra parte em nós, que ocupa esse lugar de suporte para nosso diálogo. Para aprender é necessária a presença de um outro – que, depois dos pais, se concentra na figura do professor – colocado em determinada posição que pode ou não propiciar a aprendizagem: “Por isso, a pergunta ‘o que é aprender?’ envolve a relação professor-aluno. Aprender é aprender com alguém” (ibidem, p. 84). 5.2 relação professor aluno: o lugar da transferência Freud insistirá que, para que um professor seja ouvido por seu aluno, ele precisará estar revestido de uma importância especial, de modo que a relação entre um professor e um aluno não esteja no valor dos conteúdos cognitivos transmitidos e sim no campo estabelecido entre os dois. Esse campo é formado pelas relações afetivas entre ambos, semelhantes à relação afetiva primitivamente dirigida ao pai (a primeira figura de autoridade, de poder, de admiração, de conhecimento para uma criança). É esse campo que estabelece as condições para o aprender, sejam quais forem os conteúdos transmitidos. Em psicanálise esse campo chama-se transferência, uma manifestação do inconsciente (ibidem). 77 Re vi sã o: G er al do - D ia gr am aç ão : F ab io /M ar ci o - 09 /0 1/ 12 // 2 º r ev isã o: G er al do -
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