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O ABC de um registro eletroencefalográfico Da teoria à prática clínica Loreto Ríos-Pohl Elza Márcia T. Yacubian O ABC DE UM REGISTRO ELETROENCEFALOGRÁFICO Da teoria à prática clínica Copyright © 2016 – Loreto Ríos-Pohl e Elza Márcia T. Yacubian Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou sistema, sem prévio consentimento da editora e dos autores, ficando os infratores sujeitos às penas previstas em lei. Este livro foi produzido por: Leitura Médica Ltda. Av. Brigadeiro Luís Antônio, 1.700 Bela Vista – São Paulo, SP CEP 01318-002 – Telefax: (11) 3151-2144 www.lmedica.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Impresso no Brasil 2016 Loreto Ríos-Pohl e Elza Márcia T. Yacubian O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica, 1ª edição – São Paulo: Leitura Médica, 2016. Vários colaboradores Bibliografia ISBN 978.85.8494.012.7 1. Neurologia 2. Epilepsia 3. Eletroencefalografia I. Ríos-Pohl, Loreto, II. Yacubian, Elza Márcia T. III. Título. Índice para catálogo sistemático: 1. Neurologia: Epilepsia: Eletroencefalografia 3 Loreto Ríos-Pohl Neuropediatra, professora adjunta da Universidade do Chile chefe do Laboratório de EEG do Centro Avanzado Clínica las Condes da Liga Chilena contra la Epilepsia, em Santiago (Chile). Elza Márcia T. Yacubian Professora adjunta livre-docente em Neurologia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Editoras 4 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Colaboradores Alicia Bogacz Neurologista, eletrofisiologista, diretora da Clínica Eletro - Dr. Jaime Bogacz e membro da Seção de Epilepsia do Instituto de Neurologia da Universidade da República do Uruguai, em Montevidéu Ana Carolina Dias Gomes Pós-graduanda do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ana Carolina Zetehaku Pós-graduanda do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da EPM/Unifesp Daniel Nariño González Neurologista, epileptologista, professor associado de Neurologia da Pontifícia Universidade Javeriana e coordenador do Laboratório de Neurofisiologia Clínica de Epilepsia e do Programa de Cirurgia de Epilepsia do Hospital Universitário San Ignacio e do Hospital Infantil de La Misericórdia, em Bogotá, Colômbia David Martinez Bravo Neurologista, epileptologista do Centro Avançado de Epilepsia da Clínica Las Condes e professor adjunto do Departamento de Ciências Neurológicas, Sede Oriente, da Universidade do Chile Elza Márcia T. Yacubian Professora adjunta livre-docente em Neurologia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da EPM/Unifesp Francesca Solari Bardi Neuropediatra, epileptologista e professora adjunta da Universidade do Chile, Centro Avançado de Epilepsia da Clínica Las Condes e do Hospital Dr. Félix Bulnes C. Santiago Guilca Contreras-Caicedo Neuropediatra e professora de Neurologia e Epilepsia do Centro Médico Docente La Trinidad de Caracas, Venezuela Horacio Sentíes Madrid Laboratório de Neurofisiologia Clínica do Departamento de Neurologia e Psiquiatria do Instituto Nacional de Ciências Médicas e Nutrição Salvador Zubirán, na Cidade do México, México 5 Julio José Macías Gallardo Laboratório de Neurofisiologia Clínica do Departamento de Neurologia e Psiquiatria do Instituto Nacional de Ciências Médicas e Nutrição Salvador Zubirán, na Cidade do México, México Larisa Fabres Oyarzo Neurologista, epileptologista e professora adjunta da Universidade do Chile, Centro Avançado de Epilepsia, Clínica Las Condes, em Santiago, Chile Loreto Olate Rosello Enfermeira do Centro Avançado de Epilepsia da Clínica Las Condes, em Santiago, Chile Loreto Ríos-Pohl Neuropediatra, epileptologista, professora adjunta da Universidade do Chile e chefe-coordenadora do Laboratório de EEG, Centro Avançado de Epilepsia, Clínica Las Condes, Liga Chilena contra a Epilepsia, em Santiago, Chile Luis Carlos Mayor Neurologista e epileptologista da Clínica de Epilepsia do Departamento de Neurologia do Hospital Universitário Fundação Santa Fe de Bogotá da Faculdade de Medicina Universidade dos Andes, em Bogotá, Colômbia Magda Lahorgue Nunes Neuropediatra e professora de Neurologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS) Nathália Stela Visoná de Figueiredo Pós-graduanda do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da EPM/Unifesp Neiby Yohana Rivera Rojas Residente de Neurologia do Programa de Pós-graduação em Neurologia da Pontifícia Universidade Javeriana, Hospital Universitário San Ignacio, em Bogotá, Colômbia Paula Natale Girotto Pós-graduanda do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da EPM/Unifesp Ximena Varela Estrada Neuropediatra, epileptologista e professora instrutora da Universidade do Chile, Centro Avançado de Epilepsia, Clínica Las Condes, Hospital Roberto del Rio, em Santiago, Chile Índice Introdução __________________________________________________________________________________________ 9 Capítulo 1 Introdução à realização do eletroencefalograma ___________________________________________________________ 13 Capítulo 2 Conceitos básicos de eletrogênese e revisão dos parâmetros técnicos __________________________________________ 35 Capítulo 3 Diretrizes gerais para a realização do eletroencefalograma ____________________________________________________ 43 Capítulo 4 Nomenclatura em eletroencefalografia ___________________________________________________________________ 77 Capítulo 5 Artefatos: tipos e importância do seu reconhecimento______________________________________________________ 115 Capítulo 6 Parâmetros para registro neonatal ______________________________________________________________________ 141 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Capítulo 7 Requisitos e procedimentos mínimos para registros de EEG em lactentes e crianças _______________________________ 153 Capítulo 8 Tipos de EEG, técnicas de ativação e protocolos de acordo com a síndrome epiléptica _____________________________ 165 Capítulo 9 Registro do paciente crítico adulto: EEG contínuo __________________________________________________________ 203 Capítulo 10 Protocolo de morte encefálica _________________________________________________________________________ 211 Capítulo 11 Considerações especiais para a realização de vídeo-EEG em pacientes na UTI. Registro de paciente crítico e de morte encefálica em pediatria ______________________________________________________________________________ 231 Capítulo 12 Criação do laudo do técnico e do médico ________________________________________________________________ 241 Capítulo 13 Primeiros socorros em crises epilépticas _________________________________________________________________ 249 Glossário de termos em eletroencefalografia _____________________________________________________________ 253 Índice remissivo ____________________________________________________________________________________ 260 9 Introdução Desde o descobrimento do eletroencefalograma humano por Hans Berger em 1929, essa técnica experimentou uma evolução progressiva, sendo hoje universalmente aceita e considerada insubstituível como método de avaliação da ati- vidade elétrica cerebral, tanto em situações normais, como no estudo da maturação cerebral em recém-nascidos e crianças, como em situações patológicas, como em encefalopatias, le- sões cerebrais focais, processos isquêmicos e, especialmente, em pacientes com epilepsia, nos quais seu uso tem grande im- portância para a definição diagnóstica, tomada de decisões te- rapêuticas, seguimento e determinação prognóstica. Ao longo do tempo, a tecnologia digital permitiu a avalia- ção do eletroencefalograma a baixo custo, de forma não inva- siva e indolor também em unidades de cuidados intensivos, soba forma de monitorização prolongada da atividade elétri- ca cerebral, hoje um instrumento imprescindível na detecção precoce de danos secundários ao sistema nervoso central em pacientes com vários tipos de doenças, possibilitando a inter- venção oportuna, evitando danos irreversíveis e, consequen- temente, melhorando o prognóstico. O eletroencefalograma é considerado ainda um exame padronizado, muito importante na constatação de morte encefálica. 10 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Por outro lado, a eletroencefalografia neonatal é muito útil na aferição da maturidade cerebral e no estabelecimen- to do prognóstico neurológico a longo prazo. Nas unidades de cuidados intensivos neonatais, o eletroencefalograma é utilizado para avaliar crises neonatais, patologia frequente nessa faixa etária que nem sempre apresenta correlato clí- nico. Para o diagnóstico de epilepsia, o eletroencefalograma tem especificidade superior a 95%, embora sua sensibilida- de seja variável, dependendo do momento da realização e da qualidade do exame, de sua execução seriada, da popu- lação estudada e da realização de técnicas de ativação ade- quadas a cada síndrome epiléptica. Um eletroencefalograma não apenas permite corroborar o diagnóstico da síndrome epiléptica mas também detectar padrões patognomônicos ou altamente sugestivos, definir a urgência do tratamento, como na síndrome de West, possibilitando, ainda, o diag- nóstico diferencial com outros distúrbios paroxísticos de na- tureza não epiléptica. Apesar de sua grande utilidade, é preciso considerar seu alcance e suas limitações. Sua obtenção deve sempre ser realizada por técnicos adequadamente treinados e sua inter- pretação deve basear-se no raciocínio clínico de profissio- nais especializados. Um exame tecnicamente inapropriado e/ou erroneamente interpretado pode levar a falsos diagnós- ticos e, como consequência, a efeitos devastadores ao pa- ciente e à sua família. Um bom registro é resultado de um trabalho em equipe com cooperação estreita entre o técnico e o médico respon- sável pelo serviço. O técnico, por seu lado, deve ser adequa- damente treinado, o que lhe possibilitará obter um exame de qualidade. Precisa ser experiente, pois será responsável pela informação necessária do paciente e de cuidadores para es- tabelecer qual a melhor técnica no momento da aquisição de cada exame específico. “O primeiro erro nasce da crença de que há um único tipo de eletroencefalograma”. O técnico é o primeiro elo para definir se o exame foi bem solicitado e se o paciente está preparado ou apresenta con- traindicações para permitir um exame adequado. Durante os 15 a 20 minutos nos quais prepara o paciente, pode obter in- formações precisas sobre o motivo da realização do exame, tipos de crises epilépticas, fatores precipitantes, frequência de ocorrência e outros aspectos particulares importantes. Tais in- formações, se consideradas relevantes, devem ser compartilha- das com o médico que realizará o laudo a fim de definir os procedimentos específicos a ser realizados durante o exame, como colocação de eletrodos adicionais, hiperventilação pro- longada, fotoestimulação a frequências específicas, reação de despertar etc. 11 Uma vez obtido um registro de excelente qualidade, a inter- pretação por um médico treinado e experiente é fundamental. As antigas escolas ensinavam que o eletroencefalograma de- veria ser lido de forma oculta, sem conhecimento da história clínica nem do motivo pelo qual o exame estava sendo reali- zado. Hoje, o médico deve interpretar os achados, ciente de todo o contexto clínico. Em exames evolutivos de epilepsia, a comparação do exame atual com os anteriores é fundamental na avaliação da resposta terapêutica. Na nossa realidade latino-americana, são poucos os centros que contam com equipe altamente qualificada e certificada para realizar e interpretar um eletroencefalograma, o que, em conjunção à elevada demanda, dificulta a qualidade técnica. Criamos este manual com duas pretensões específicas. Por um lado, entregar os instrumentos e as pautas básicos, “o ABC” na obtenção de um bom registro, e, por outro, uniformizar a lite- ratura, desejando que, no futuro, tenha impacto unificador na linguagem eletrofisiológica latino-americana. Loreto Ríos-Pohl Elza Márcia T. Yacubian Maio de 2016 13 Introdução à realização do eletroencefalograma Nathália Stela V. de Figueiredo Paula Natale Girotto Ana Carolina Zetehaku Ana Carolina Dias Gomes Elza Márcia T. Yacubian 1. Preparação da sala de eletroencefalografia As orientações para a preparação da sala de eletroencefalografia podem variar de acordo com cada país e seu órgão regulador, mas devem atender aos princípios básicos e universais para um registro de qualidade e adequada segurança para a realização do exame. A sala deve ser espaçosa e possuir um tamanho mínimo de 2,2 m2. A entrada de acesso deve ser suficiente para a coloca- ção de macas e deve ter também saída de oxigênio, ar compri- mido e suportes para soro e medicamentos. Deve conter uma pia para lavagem dos eletrodos e armários para guardar o mate- rial utilizado no exame. A higienização frequente da sala é es- sencial e recomendada, devendo-se utilizar papel descartável para cobertura do leito de exame1 (Figura 1). O ambiente deve ser calmo e tranquilo para permitir que o paciente possa relaxar e dormir. No planejamento estrutural desse ambiente pode haver a necessidade de colocação de iso- Capítulo 1 14 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica O controle de temperatura é importante tanto para o conforto do paciente quanto para a qualidade do traçado a ser obtido, já que artefatos de sudorese são frequentes, especialmente em lac- tentes e crianças, o que pode interferir na qualidade do registro. Deve-se, portanto, instalar um ar-condicionado potente que deixe as temperaturas em níveis de pelo menos 18°C1. Toda a estrutura da sala, especialmente quanto às instalações elétricas, deve ser planejada e, de preferência, realizada por um engenheiro elétrico, uma vez que um aterramento adequado é essencial para evitar artefatos de corrente elétrica2,3. Dispositivos eletrônicos, incluindo a cama, se elétrica, devem ficar desligados durante o exame, e fios não isolados não devem estar presentes no lugar de registo porque também podem gerar artefatos. É im- portante utilizar um estabilizador de energia (no break) para evitar sobrecargas elétricas e risco de perda da informação ainda não gravada caso a corrente de energia seja cortada repentinamente. Também é importante ressaltar a necessidade de ambientes agradáveis, como salas de espera para a recepção dos pacien- tes e de seus acompanhantes, que devem incluir banheiros com pias para realização de higiene adequada após o exame. 2. Aparelho de EEG O aparelho de EEG é um instrumento de diagnóstico mui- to importante em Neurologia, uma vez que registra a atividade elétrica do cérebro e permite sua avaliação. Esse aparelho pode Figura 1. A sala de eletroencefalografia. lamento acústico nas suas paredes. A iluminação também in- fluencia o nível de vigília do paciente, devendo ser controlada a fim de produzir penumbra ambiental. Alguns pacientes se be- neficiam da utilização de vendas para os olhos, que podem ser também usadas com o intuito de prevenir movimentos oculares frequentes, que geram artefatos no registro do eletroencefalo- grama (EEG). Além disso, a utilização de dispositivos eletrôni- cos portáteis, como celulares, deve ser proibida dentro da sala para evitar outros tipos de artefatos. 15 Figura 2. Eletrodos são fios recobertos de plástico com um disco de metal na extremidade. Figura 3. O cabeçote (jackbox) é o local no qual se acoplam os eletrodos nas aberturas (plugue) de cada entrada (grid). ser de dois tipos: analógico e digital. Atualmente, a maioria dos aparelhos de EEG é digital e usaum computador para registrar e processar os dados. O sinal analógico é capturado, amplificado e digitalizado por circuitos de um computador. Esses dispositivos substituem o EEG analógico que antes era gravado com penas de tinta para análise final do traçado obtido no papel4. O aparelho de EEG digital é constituído pelos seguintes componentes: - Eletrodos: são fios revestidos de plástico com um conector (plugue) em uma das extremidades e um disco de metal na outra, sendo capaz de capturar a atividade elétrica cerebral5. As caracte- rísticas de todos os eletrodos devem ser homogêneas6 (Figura 2). - Cabeçote (ou jackbox): é uma caixa contendo pelo menos 23 entradas, nas quais são acoplados os conectores de cada um dos eletrodos, permitido, assim, a passagem da corrente elétrica captada em direção ao amplificador7. Geralmente, em cada canal eletroencefalográfico, há duas entradas, chamadas por convenção de G1 e G2 – do inglês, grid (grade), também chamado de jack. Essa denominação se refere ao EEG analógico, no qual há uma “porta” móvel, logo após a entrada, que permite modificar a sele- ção dos eletrodos a serem utilizados na gravação, ou seja, possi- bilita o controle da passagem da corrente elétrica proveniente dos eletrodos à medida que é aberta ou fechada8. Chama-se deriva- ção o traçado resultante da combinação de um par de eletrodos. Atualmente, as denominações entrada 1 e entrada 2 devem ser preferidas aos termos G1 e G2. Antes que o impulso elétrico atinja o amplificador, há ainda um painel seletor que permite escolher individualmente os eletrodos que serão colocados em cada entra- da, permitindo a alteração dos eletrodos alocados nas entradas 1 e 2 e, por fim, dando origem aos diversos arranjos possíveis entre eles, o que é denominado montagem7 (Figura 3). 16 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Entrada 1 Eletrodo 1 AM PLIFICAD O R CALIBRADOR DERIVAÇÃO Entrada 2 Eletrodo 2 Figura 4. Amplificador e calibrador da máquina de EEG. No esquema, o amplificador é um triângulo, ao qual se ligam os eletrodos nas entradas 1 e 2. O calibrador, por sua vez, é representado como um retângulo. O sinal elétrico é registrado depois de passar através do amplificador e do calibrador, resultando em uma derivação do EEG. de 30 mm/s. No EEG digital, utiliza-se a tela do computador para exibir o traçado. É necessária uma boa resolução de tela para visualização adequada do traçado, evitando dis- torções na atividade elétrica cerebral4 (Figura 5). Para mais especificações, sugerimos que se consultem os manuais das Sociedades de Neurofisiologia Clínica. Figura 5. Monitor do aparelho de EEG digital. - Amplificador: conectado ao cabeçote por um cabo elétrico, amplifica as ondas cerebrais captadas pelos eletrodos, as quais são naturalmente muito pequenas, da ordem de microvolts7 (Figura 4). - Calibrador: é o responsável pela homogeneização das li- nhas de registro, para que não haja discrepâncias em um mes- mo circuito, o que poderia levar a erros de interpretação na leitura de traçado7 (Figura 4). - Outros componentes elétricos: fonte de energia, a qual ajusta a potência que chega através da rede elétrica do edifício, e o cabo de alimentação, composto de fios eletricamente isola- dos capazes de fornecer a eletricidade que alimenta o aparelho de EEG7. - Monitor: o papel do EEG analógico é normalmente de 30 cm de largura para gravar 10 segundos a uma velocidade 3. Fundamentos da eletrofisiologia clínica 3.1. Princípios básicos de neurofisiologia O corpo humano é constituído principalmente por água. Nesse ambiente aquoso existem moléculas com cargas elé- tricas positivas (cátions) e negativas (ânions) que estão diluí- 17 20 msec Sorvedouro Fonte EEG 70 mV 50 mV Dipolo PEPS Figura 6. A atividade elétrica cerebral é gerada pelos fluxos de corrente elétrica produzidos pelos potenciais excitatórios (PEPS) e inibitórios (PIPS) pós-sinápticos nos neurônios piramidais corticais, os quais estão dispostos de maneira perpendicular ao córtex cerebral. A chegada de um PEPS na árvore dendrítica apical promove a rápida entrada do íon sódio, um íon positivo, para o interior da célula. Assim, o meio extracelular se torna mais negativo em comparação com o meio intracelular. No corpo celular, em estado de repouso, continua o predomínio dos íons sódio no meio extracelular. Esse desequilíbrio de cargas resulta em um fluxo de corrente da fonte (corpo neuronal) ao sorvedouro (dendritos apicais), formando um dipolo (um polo positivo e um negativo), sendo o potencial negativo na superfície do córtex cerebral. A voltagem é captada como uma deflexão negativa pelo eletrodo no couro cabeludo que se encontra sobre esse campo elétrico. das em água e se movem conforme o tipo predominante de carga elétrica no meio ao redor (geralmente, cargas iguais se repelem e cargas opostas se atraem). É esse movimento constante dos íons que garante ao tecido a capacidade de gerar atividade elétrica. Os íons que mais frequentemente são encontrados em nossas células são o cátion sódio (Na+) e o ânion cloreto (Cl-). Os neurônios corticais estão agrupados em circuitos com- plexos que interagem uns com os outros através de sinapses, estimulando ou inibindo os neurônios vizinhos. Entre esses neurônios há fluxos de correntes iônicas (movimento das car- gas dos íons). Esses fluxos e as diferenças nas concentrações iônicas intra e extracelulares geram a diferença de potencial elétrico (diferença de sinal entre as cargas elétricas totais no interior e exterior dos neurônios). O campo elétrico no volume condutor, formado pelos componentes aquosos que rodeiam os neurônios, é o que gera a atividade elétrica cerebral. O somatório de potenciais excitatórios, chamados potenciais excitatórios pós-sinápticos (PEPS), e de potenciais inibitórios, chamados potenciais inibi- tórios pós-sinápticos (PIPS), resulta na formação da atividade elétrica cerebral, a qual pode ser mensurada no couro cabe- ludo ao se colocar eletrodos de escalpo que se comportam como transdutores de corrente iônica celular em corrente elé- trica9 (Figura 6). 18 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica O registro gráfico desses potenciais relacionados com a ativi- dade elétrica do cérebro é chamado de EEG, um método que proporciona tantas informações úteis sobre o cérebro e tem sido usado clinicamente desde 1929. A atividade fisiológica do cérebro muitas vezes, mas não necessariamente, tem reper- cussão no EEG. Ao contrário, uma alteração no tecido cerebral pode resultar em uma anormalidade no EEG. Aqui está a im- portância de EEG para o diagnóstico de doenças neurológicas. 3.2. Captação da atividade elétrica cerebral por eletrodos A propriedade de eletrólito é encontrada na pasta condutora e no gel condutor que são colocados diretamente sobre o cou- ro cabeludo em contato com os eletrodos. Ambos, pasta e gel condutor, como também o corpo humano, têm a propriedade de eletrólito – termo que designa o meio aquoso em que há íons em livre circulação5,6. Na interface eletrólito-eletrodo, ou seja, no ponto de encon- tro físico entre o eletrólito e o eletrodo, há cargas elétricas com sinais opostos entre si. Nessa interface, há um fluxo contínuo entre o couro cabeludo e a pasta ou gel condutor, permitindo a livre circulação de íons6 (Figuras 7 e 8). O eletrodo reflete a atividade do cérebro e será influenciado pelas cargas elétricas presentes no eletrólito. Por conseguinte, Figura 7. A interface eletrólito-eletrodo compreende o encontro entre o eletrodo e a pasta ou gel condutor (eletrólito), local em que as cargas elétricas são trocadas livremente, gerando sinal proveniente do paciente, que será captado pelo eletrodo e transmitido ao aparelho de EEG. PACIENTE I N T E R F A C E ELETRODO APARELHO DE EEG ELETRÓLITO (PASTA/ GEL CONDUTOR) o eletrodo tenderá a ter cargas elétricas com sinal oposto ao do eletrólitopara manter o equilíbrio elétrico. Nessa interface, as cargas elétricas geradas pelos íons não permanecem estáticas e sofrem mudanças segundo a segundo, de um lado ao outro e vice-versa, sempre com o propósito de manter o equilíbrio elétrico entre os lados. Na prática, isso pode gerar “ruído”, ou seja, um tipo de artefato inerente ao processo de captura da atividade elétrica cerebral pelo eletrodo6. 3.3. Princípios básicos de eletricidade Revisaremos alguns conceitos básicos de eletricidade, os quais devem ser considerados quando o EEG é registrado. 19 Figura 8. Uso da pasta condutora para criar a interface eletrólito-eletrodo e captar a atividade elétrica cerebral. Deve-se ter em conta que o cabelo não deve estar em contato com a pasta para evitar dificuldades na detecção das ondas cerebrais. A. Escarificação do couro cabeludo; B, C. Colocação da pasta condutora; D. Colocação dos eletrodos sobre a pasta; E. Fixação externa para evitar a soltura dos eletrodos (com uma gaze, tecido ou micropore). C. D. E. A. B. Os conceitos físicos fundamentais são: 1- Capacitor é o componente do circuito que armazena energia5. 2- Resistência é o componente de circuito que impõe resis- tência à passagem de corrente elétrica5. O princípio básico em eletricidade vem de uma lei fundamental chamada Lei de Ohm, em que a corrente elétrica é igual a uma voltagem dividida pela resistência. A corrente elétrica é a tendência de movimento das cargas elétricas e sua intensidade (I) é medida em Ampères (A). A voltagem (V), por sua vez, é a diferença total de sinal entre cargas elétricas em um meio, sendo medida em Volts (V). A resistência (R) é uma propriedade do meio que atua impedindo o movimento de cargas elétricas e é medida em Ohms5,10 (Figura 9). LEI DE OHM: I = V R Em que, I: corrente elétrica; V: voltagem; R: resistência Figura 9. Lei de Ohm. A resistência é oriunda da Lei de Ohm, em que a corrente elétrica é igual à voltagem dividida pela resistência. O aparelho de EEG utiliza corrente alternada com uma fre- quência 50 Hz na maioria dos países latino-americanos. No Brasil e nos Estados Unidos, utilizam-se 60 Hz6. A propriedade de reatância, encontrada em circuitos de corrente alternada, também impede o movimento das cargas elétricas, assim como a resistência, mas sem gasto de energia. O conjunto de resistência e reatância é chamado de impedân- cia. A impedância do eletrodo é relacionada com a carga resis- tiva total em um circuito de corrente alternada5. O aumento da impedância de um eletrodo pode promover uma série de consequências que prejudicam a obtenção do traçado, como: 20 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica - Redução da amplitude das voltagens no EEG, o que torna difícil diferenciar uma atividade elétrica cerebral normal de uma patológica. - Presença de artefato de corrente elétrica, ou seja, de 50 Hz ou 60 Hz, tornando difícil a observação da verdadeira morfologia das ondas da atividade elétrica cerebral (Figura 10). Por outro lado, se a impedância do eletrodo é muito baixa, é possível que uma “ponte de sal” apareça entre os eletrodos, ou, em outras palavras, que haja uma redução tão acentuada das voltagens em uma derivação que a resultante de registro tende a ser reta, indicando o encontro das pastas condutoras de dois eletrodos próximos6 (Figura 11). O eletrodo também funciona como um capacitor, pois armazena as cargas elétricas e impede que parte da corrente elétrica flua livremente ao passar por ele. Com isso, acaba ten- do uma certa quantidade de cargas elétricas que constituem o potencial residual do eletrodo, que varia de acordo com o material do qual é feito. Dependendo de como isso ocorre, o eletrodo pode funcionar como uma bateria, sendo capaz de ar- mazenar energia elétrica em si. Por conseguinte, é importante que os eletrodos sejam homogêneos, minimizando o efeito da bateria que poderia alterar a morfologia do traçado8. Finalmente, o posicionamento correto da interface etrólito- -eletrodo é fundamental para evitar que haja explosão (pop) de Figura 10. Artefato de 60 Hz. Indica que a corrente alternada que está presente no meio ambiente ao redor da máquina de EEG está interferindo no registro, o que pode trazer dificuldades para a interpretação correta do traçado. Como o exame está sendo obtido com o padrão de corrente elétrica do Brasil, este é um artefato de 60 Hz. A. Inicialmente, o filtro de 50 Hz ou 60 Hz (notch filter), que eliminaria o ruído elétrico gerado pela corrente da rede elétrica a 60/segundo, não está conectado. B. A ativação desse filtro elimina a frequência de 60 Hz. 21 Figura 11. Artefato de ponte de sal. Indica que os eletrodos estão virtualmente conectados e, embora sejam dois pontos físicos diferentes, se comportam eletricamente como um só eletrodo (a linha isoelétrica demonstra que os eletrodos têm exatamente a mesma voltagem). 22 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica eletrodos, o que pode ser evitado com a técnica adequada de aplicação destes6. A explosão (pop) de eletrodo significa que o contato entre os dois componentes da interface eletrólito-eletrodo é inadequado, com uma impedância no eletrodo anormalmente elevada, im- pedindo a livre circulação das cargas elétricas para a obtenção da atividade elétrica cerebral pelo aparelho de EEG (Figura 12). 3.4. Calibração do aparelho de EEG A atividade elétrica do cérebro tem voltagem muito baixa quando capturada sobre o couro cabeludo (de 1 a 1000 micro- volts) devido às muitas barreiras que se interpõem no caminho, o que aumenta a impedância final verificada na superfície11. Por se tratar de um método de gravação externo, é claro que a visualização se torna mais difícil. Portanto, é necessário aplicar certas características ao aparelho de EEG para permitir o me- lhor registro possível do traçado eletroencefalográfico. Os eletrodos, uma vez colocados no cabeçote em suas res- pectivas entradas 1 e 2 (G1 ou G2), devem ser selecionados pelo usuário. O amplificador, por sua vez, amplifica a atividade elé- trica do cérebro, permitindo a sua visualização. É chamado de amplificador diferencial, de modo ou rejeição comum, porque somente amplifica a diferença de voltagem entre os dois eletro- dos colocados nas entradas7. Essa propriedade do amplificador é uma vantagem, porque queremos amplificar a atividade elétrica do cérebro, a qual está geralmente fora de fase (ou seja, com diferentes valores em cada entrada). A atividade que estiver em fase será cancelada, ou seja, se for a mesma em ambas as entra- das, acabarão por se anular mutuamente, o que reduz a conta- minação com sinais provenientes do meio externo ao exame11. 3.4.1. Sensibilidade A sensibilidade mostra como o amplificador do EEG é capaz de aumentar ou reduzir a amplitude da atividade elétrica cere- bral. Por sua vez, a amplitude é o tamanho vertical medido da onda elétrica cerebral, ou partindo de sua base até o seu pico11,12. Um exemplo prático: no caso de uma sensibilidade de 10 microvolts/mm, são necessários 10 microvolts para que a onda tenha uma deflexão de 1 mm no traçado. Em geral, a sen- sibilidade é definida entre 7 e 10 microvolts/mm, consideran- do que a velocidade de gravação do registro é de 30 mm/s11. O fator amplificador ou ganho do amplificador é a capaci- dade do aparelho de EEG para amplificar a onda11,12. 3.4.2. Ondas elétricas e suas propriedades físicas A atividade elétrica, seja de origem biológica ou proveniente de equipamentos elétricos, se propaga através de corrente elé- trica. Nos seres vivos, essa corrente ocorre devido às mudanças nas cargas entre os íons presentes no meio aquoso das células. A energia elétrica é a força capaz de gerar corrente elétrica (cargas elétricas em movimento), a qual, em seres vivos, é deri- 23 Figura 12. Artefato de estouro de eletrodo (pop), que se produz quando há diferença de impedância entre eles,ou seja, maior dificuldade na passagem das cargas elétricas na interface eletrólito-eletrodo. 24 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica vada de estruturas celulares que conduzem o fluxo iônico (por exemplo, a bomba de sódio-potássio-ATPase). Portanto, a cor- rente se manifesta na aquisição do EEG como ondas elétricas. As ondas têm algumas propriedades físicas específicas. Sua velocidade de propagação é determinada matematicamente pela frequência de onda multiplicada por sua duração. Por con- seguinte, existe uma relação inversa entre a duração da onda e sua frequência para uma mesma velocidade de propagação12. Quanto maior a frequência, menor a duração da onda, e vice- -versa. Isso é fundamental para o entendimento dos filtros, já que com eles vamos manipular a frequência das ondas e, conse- quentemente, haverá alteração em sua duração (Figura 13). v = f x λ ... f = v λ v: velocidade de propagação da onda; f: frequência da onda; λ: duração da onda. Figura 13. Determinantes físicos da onda. Existe uma relação inversamente proporcional entre a frequência da onda e sua duração. representam muito mais frequentemente atividades e/ou distor- ções do ambiente, que não são de interesse do eletroencefalo- grafista. Atividade elétrica do cérebro inclui frequências entre 0,1 Hz e 30/35 Hz, que estão presentes nos quatro ritmos básicos13 (Figura 14): - Delta (0,1-3,5 Hz). - Teta (4-<8HZ). - Alfa (8-13 Hz). - Beta (14-30 Hz). Não há filtros que permitem somente a captação dessas frequências e, na prática, mesmo com a utilização dos filtros, ainda persistem frequências fora da faixa biológica11. Existem três tipos de filtros no aparelho de EEG. a) Filtro de alta frequência O filtro de alta frequência compreende um circuito elétrico no qual a entrada é composta de uma resistência e a saída, de um capacitor. Portanto, as ondas de frequência alta são retidas pela resistência. O filtro de alta permite a passagem de ondas de baixa frequência (filtro de passa baixa)11 (Figura 15). Ao eliminar as frequências altas, esse filtro pode ser muito útil na redução de artefatos musculares, por exemplo12 (Figura 16). 3.4.3. Filtros de EEG Os filtros são parte do amplificador e importantes para per- mitir que uma determinada faixa de frequências, com variação de 0,1 a 100 Hz, seja registrada no traçado eletroencefalográ- fico rotineiramente. Os filtros removem as faixas extremas, que 25 Figura 14. Ritmos fundamentais do EEG. Representação eletroencefalográfica das ondas quanto à frequência e à morfologia. Topografia, idades em que preferencialmente são encontrados (por exemplo, ritmo delta em crianças com menos de 1 ano, enquanto ritmo teta acima de 1 ano) e também o estado do ciclo vigília-sono em que esses ritmos estão presentes. RITMOS FUNDAMENTAIS TRAÇADO DO EEG OBSERVAÇÃO FRONTAL/CENTRAL Beta ß 14-30 Hz Alfa α 8-13 Hz Teta Θ 4-<8HZ Delta Δ 0,1-<4Hz Occipital Vigília Regiões posteriores Crianças > 1 ano Sonolência e sono leve Crianças < 1 ano Sono profundo 26 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 15. Esquema do filtro de alta frequência. Circuito resistência-capacitor que permite passar frequências baixas. RESISTÊNCIA CAPACITOR DIREÇÃO DA CORRENTE ELÉTRICA Esse filtro tende a manter cada derivação do EEG na posição adequada ao longo do traçado, sem desvios para cima ou para baixo, o que poderia causar sobreposição de derivações. É útil, por exemplo, quando há movimentos lentos do paciente e/ou artefatos de sudorese12 (Figura 18). No entanto, quando é manejado incorretamente, pode levar à remoção de atividades de baixa frequência, que podem per- tencer à atividade elétrica cerebral com perda de informações úteis do EEG12. O registro das frequências lentas varia de acordo com a cons- tante de tempo. Constante de tempo é o tempo necessário para que o capacitor se carregue em 63% da carga total gera- da pela diferença de potencial aplicada ao circuito12. Quanto maior a constante de tempo, mais fielmente serão reproduzi- das as frequências lentas. c) Filtro de corrente 50-60 Hz (notch filter) Este filtro é chamado de “filtro 50 ou 60 Hz”, dependendo do país de origem. Sua função é bloquear a frequência de corrente elétrica proveniente do ambiente externo, reduzindo os artefatos de corrente alternada ou artefatos de 50 ou 60 Hz11 (Figura 19). Em condições ideais, esse filtro não deve ser utilizado, mas é útil em ambientes com outros dispositivos elétricos ca- pazes de interferir no traçado, como em unidades de terapia intensiva11. No entanto, se usado de forma inadequada, pode reduzir globalmente as frequências excessivamente altas, dando lugar a uma atenuação (aliasing) do traçado, em que os sinais de entrada se tornam indistinguíveis entre si. Com isso, podem-se perder as frequências agudizadas do registro, transformando um possível grafoelemento epileptiforme em outro não patológico. O filtro de alta frequência “arredonda” a atividade elétrica cerebral12. b) Filtro de baixa frequência O filtro de baixa frequência compreende um circuito elétrico em que a entrada é composta de um capacitor e a saída, de por uma resistência. As ondas de baixa frequência são retidas pelo capacitor. Portanto, o filtro de baixa frequência permite a passa- gem das ondas de alta frequência (filtro de passa alta)11 (Figura 17). 27 Filtro de alta = 100 Hz Filtro de alta = 70 Hz Filtro de alta = 30 Hz Filtro de alta = 1 Hz Figura 16. Alterações no traçado quando se modifica o filtro de alta. EEG de adulto em vigília, com o uso de frequências gradualmente mais baixas no filtro: 100 Hz (A); 70 Hz (B); 30 Hz (C); 1 Hz (D). Além da atenuação progressiva do traçado, observa-se redução das frequências. Ao final, com o uso do filtro de 1 Hz, o traçado se converte em uma linha quase reta (aliasing). 28 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 17. Esquema do filtro de baixa frequência. Circuito capacitor-resistência que permite passar frequências altas. CAPACITOR RESISTÊNCIA DIREÇÃO DA CORRENTE ELÉTRICA 4. Segurança elétrica Embora o EEG seja um exame seguro, é necessário observar algumas regras para evitar ferimentos elétricos ao paciente ou ao técnico. O aparelho de EEG pode gerar correntes potencialmente prejudiciais por duas razões: 1- Falha de corrente elétrica ou curto-circuito. 2- Presença de corrente de fuga2,11. 4.1. Falha de corrente elétrica ou curto-circuito A corrente elétrica pode causar danos quando os tecidos biológicos são utilizados como parte do circuito elétrico. Nesse caso, a pele deve estar em contato, seja com uma fonte elétri- ca, seja com o solo. Desta forma, o corpo se comporta como um condutor, facilitando o fluxo da corrente de um ponto a outro do circuito elétrico. O perigo para a ocorrência de um ferimento elétrico é dependente da intensidade da corrente, e não somente de sua voltagem. Recordando a Lei de Ohm, descobrimos que quanto mais baixa a resistência do corpo, maior será a intensidade da cor- rente elétrica a passar por ele. Portanto, quando a resistência do corpo humano é mais baixa, como nos casos em que o paciente tem lesões na pele, cateteres invasivos ou implantes metálicos, além de outras condições comuns no ambiente hos- pitalar, haverá mais probabilidade de ferimentos por corrente elétrica no paciente2,3. O risco de lesão é dependente da intensidade elétrica da corrente10: - de 300 µA a 1 mA - o paciente pode sentir a corrente. - 1 mA a 5 mA - sensação de dor leve. - 10 mA a 30 mA - é incapaz de se soltar da fonte. - 40 mA - choque intenso ou paralisia muscular. - 100 mA - dificuldade respiratória. - acima de 100 mA - fibrilação ventricular. - acima de 200 mA - queimaduras graves com carbonização. 29 Filtro de baixa = 5,3 s Filtro de baixa = 1,0 s Filtro de baixa= 0,1 s Filtro de baixa = 0,01 s Figura 18. Alteraçõesno traçado quando se modifica o filtro de baixa. EEG de criança de 3 anos em sono. Observam-se um dos grafoelementos próprios do sono, a onda aguda do vértex (assinalada por um asterisco) e a presença de artefato de sudorese, que é responsável por ondas muito lentas e pela sobreposição entre derivações do traçado (A). O uso de frequências progressivamente mais baixas representadas em segundos com base na constante de tempo: 5,3 s (A); 1,0 s (B); 0,1 s (C); 0,01 s (D). O resultado é uma diminuição progressiva das ondas lentas e da sobreposição entre as derivações. Assim, é impossível (em D) a identificação da onda aguda do vértex antes identificada em A, B e C. 30 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica FREQUÊNCIAS PONTO DE CORTE 100 100100 600 0 0 Figura 19. Esquema do filtro de corrente 50-60 Hz (notch filter), que reduz as frequências em torno do valor correspondente à voltagem que se encontra no circuito-padrão da corrente elétrica, a qual é variável ao redor de 50-60 Hz. Portanto, há uma diminuição (representada pela seta preta) das frequências que passam através do filtro de corrente quando estão próximas de 50-60 Hz, e os extremos de frequência, abaixo ou acima desses valores, não são afetados por esse filtro (as curvas voltam a crescer do centro para as extremidades do gráfico). Para evitar que as correntes indevidamente geradas por um aparelho de EEG usem o corpo humano como um condutor, po- de-se criar uma resistência mais baixa do que a da pele, a qual é chamada terra. Isto é feito por um terceiro pino presente na toma- da, mais longo e mais grosso do que os demais, que é ligado a um fio colorido verde, que desce através da tubulação de metais da construção diretamente até o chão onde termina. Além disso, o aparelho de EEG contém um fusível que der- rete quando a corrente excede um valor crítico, que, em geral, varia entre 10 e 15 mA. No caso de um curto-circuito, o fusível, ao se derreter, interrompe o circuito, impedindo a passagem da corrente elétrica. No entanto, esse tipo de proteção não é instan- tâneo. Por isso, é muito importante que o técnico se assegure de que o fio terra está sempre presente e intacto2,10. 4.2. Presença de corrente de fuga A corrente de fuga é um campo eletromagnético produzido a partir da corrente formada pela união dos cabos dos aparelhos elé- tricos. Esse fluxo de corrente intrínseca de qualquer aparelho elé- trico é absorvido pelo fio terra (verde) com o objetivo de prevenir ferimentos elétricos. Por conseguinte, se o fio terra é defeituoso, a corrente de fuga pode causar danos ao técnico ou ao paciente3,10. Deve-se notar que pacientes em hospitais frequentemente estão ligados a vários dispositivos elétricos, como monitores cardíacos, instrumentos relacionados ao uso prolongado de ca- teteres, além de implantes eletrônicos. Em tais casos, se todos eles estiverem conectados ao mesmo fio terra (referência elétri- ca), poder-se-á induzir a passagem de corrente elétrica através do circuito de menor resistência, o que pode ser potencialmen- te prejudicial ao paciente, uma vez que a corrente gerada por um dispositivo poderia reconhecer e converter parte do corpo humano em parte do circuito elétrico, com risco de eletrocus- 31 são, queima de parte do equipamento ou obtenção de infor- mação errônea (Figura 20). Para evitar isso, todos os aparelhos elétricos devem ser conectados a uma mesma tomada elétrica, na mesma parede e com um mesmo fio terra3,10. 4.3. Como fazer um exame seguro? Regras recomendadas: • Utilize sempre a saída de três pinos e nunca os trans- forme em dois. • Utilize sempre um único fio terra (o mesmo circuito elé- trico na mesma parede ou região) para todos os dispo- sitivos elétricos ligados ao paciente. • Evite o uso de cabos de extensão nos aparelhos elétri- cos, para não gerar corrente de fuga. • Evite a conexão direta do paciente com o solo, princi- palmente por meio de vias inadvertidas, como cateteres intracardíacos, os quais devem sempre ter material iso- lante ao seu redor. • Dado que os aparelhos de EEG não necessitam de co- nexão com a terra para funcionar, a única maneira de se identificar uma possível falha de corrente no circuito é mediante verificações programadas ao sistema. • Qualquer hospital ou clínica que possua aparelhos de EEG deve estabelecer um programa de segurança elétri- ca, que inclua o controle do aterramento e a integrida- de dos conectores, assim como a medição da corrente de fuga, tanto dos aparelhos de EEG como do ambiente, pelo menos duas vezes ao ano3,10. 32 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica PACIENTE APARELHO DE EEG PACIENTE – TERRA FIO DE CORRENTE ELÉTRICA ESCAPE DE CORRENTE ELÉTRICA FIO DE CORRENTE ELÉTRICA TOMADA 2TOMADA 1 TERRA CIRCUITO ELÉTRICO OUTRO EQUIPAMENTO ELÉTRICO NO AMBIENTE Figura 20. Quando o cabo terra não está funcionando corretamente, o paciente pode inadvertidamente estar conectado ao ponto de fuga de corrente da máquina de EEG, com risco de lesões que vão de leves a graves. 33 Referências 1. Ferreira LS. Sala de eletrencefalografia. In: Ferreira LS, De Oliveira PAL, Bonavides AS (eds.). Manual do técnico em EEG. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. p. 47-52. 2. Maus D, Litt B. Engeneering principles. In: Ebersole JS (ed.). Current prac- tice of clinical electroencephalography. Filadélfia: Wolters Kluwer Health, 2014. p. 65-71. 3. Langerlund TD. Electric safety in the laboratory and hospital. In: Daube JR, Rubin DI (eds.). Clinical neurophysiology. New York: Oxford University, 2009. p. 21-7. 4. Seneviratne U. Rational manipulation of digital EEG: pearls and pitfalls. J Clin Neurophysiol. 2014;31:507-16. 5. Duffy FH, Iyer VG, Surwillo WW. Eletrodos de registro. In: Duffy FH, Iyer VG, Surwillo WW (eds.). Eletroencefalografia clínica e mapeamento cerebral topográfico. 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Manual do técnico em EEG. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. p. 53-8. 12. Libenson MH. Filtros no eletroencefalograma. In: Eletroencefalografia: abor- dagem prática. Rio de Janeiro: DiLivros, 2011. p. 149-74. 13. Kane N, Acharya J, Benickzy S, et al. A revised glossary of terms most commonly used by clinical electroencephalographers and updated proposal for the report format of the EEG findings. Revision 2017. Clin Neurophysiol Practice 2017;2: 170-85 35 Conceitos básicos de eletrogênese e revisão dos parâmetros técnicos Daniel Nariño Gonzáles Neiby Yohana Rivera Rojas Capítulo 2 1. Introdução Este capítulo visa descrever os pontos-chave da eletrogêne- se, além dos parâmetros técnicos que devem ser sempre revisa- dos antes de se iniciar o registro eletroencefalográfico. 2. Eletrogênese Ao longo do tempo, a origem da atividade elétrica cerebral foi atribuída a três potenciais provenientes dos neurônios: 1. potenciais de membrana, os quais foram excluídos por não se propagarem pelo tecido neural, sendo mensurados apenas em nível local por um terminal de eletrodoextra e outro intraneuronal; 2. potenciais de ação, os quais têm duração de 1 ms, não se somam nem se propagam pelo meio externo; 3. muito provavelmente, a ativida- de elétrica registrada advém da soma dos potenciais excitatórios pós-sinápticos (PEPS) e potenciais inibitórios pós-sinápticos (PIPS) os quais, ao despolarizarem e repolarizarem a membrana por 10- 20 mseg., promoveriam fluxos de correntes ao longo da extensão 36 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica extracelular dos neurônios posicionados em colunas de direção ra- dial, sendo um exemplo clássico a camada de células piramidais no neocórtex1. Os PEPS e PIPS são pequenos potenciais de membrana que não chegam a produzir a resposta de ‘tudo ou nada’ na geração do potencial de ação, sendo, por esse motivo, chamados de potenciais neurotônicos. Ocorrem principalmente ao longo da árvore dendrítica. O EEG registra esses potenciais de múltiplos circuitos neuronais (também em diferentes profundidades, tan- to em nível cortical quanto subcortical), que estão promovendo despolarizações e repolarizações de forma contínua, resultan- do na formação de dipolos nas células nervosas (Figura 1). Esses dipolos produzem diferentes sentidos dos vetores e morfologia de ondas, fazendo que um segundo de registro ele- troencefalográfico nunca seja igual ao seguinte. Portanto, ao interpretar o registro eletroencefalográfico de rotina, deve-se ter em conta a profundidade da fonte geradora, o sentido e a morfologia das correntes em relação aos eletrodos colocados sobre o couro cabeludo2 (Figura 2). 3. Bases para o registro do eletroencefalograma Como os eletrodos de registro do EEG são grandes e es- tão longe dos geradores dos potenciais neuronais, detectarão a soma das atividades de um grande número de dipolos adjacen- tes, dispostos no mesmo eixo. Figura 1. Dipolos formados pelo fluxo de corrente das células piramidais do córtex cerebral. A. A ocorrência de um potencial excitatório pós-sináptico (PEPS) em camadas corticais profundas promove a despolarização do corpo neuronal, determinando a geração de um dipolo, cujo fluxo de corrente fluirá do polo positivo para o negativo, ou seja, dos dendritos apicais para o corpo do neurônio. B. Por outro lado, a chegada do mesmo PEPS à superfície cortical despolarizará a árvore dendrítica apical, também determinando a formação de um dipolo. No entanto, neste caso, a corrente será inversa e fluirá do corpo do neurônio em direção à superfície. PEPS PEPS A possibilidade de registro de uma camada de dipolos cor- ticais depende da disposição da camada de células neuronais em relação ao eletrodo posicionado no couro cabeludo, sendo determinado pelo ângulo formado entre o eletrodo captante e o gerador cortical, por meio do chamado teorema do ângulo sólido de Woodbury3 (Figura 3). A. B. 37 Figura 2. A. Registro com eletrodos de superfície sobre o couro cabeludo de PEPS que ocorrem nas camadas profundas do córtex cerebral. B. Registro de PEPS que ocorrem nas camadas superficiais. Observe que a polaridade da variação do potencial detectada na superfície do crânio depende da camada cortical onde o PEPS foi gerado. I II-III IV V VI A. B. De acordo com esse conceito, em um volume condutor uni- forme, a magnitude da campo elétrico (E) a uma dada distância (r) de uma carga elétrica (Q) é inversamente proporcional ao quadrado da distância (r2), que é maior em comparação com a extensão do dipolo. Portanto, o registro sobre o couro cabeludo é uma função direta do ângulo sólido (ω), obtido naquele ponto da superfície do dipolo, e sua magnitude é inversamente pro- porcional ao quadrado da distância (Figura 3). Figura 3. Teorema do ângulo sólido de Woodbury3. Definição do ângulo sólido (ω), que é medido pela área de ω1, cujo centro está no vértice de ω. E = Q/4πεr2 E = magnitude do dipolo medida por sua voltagem. ε = capacidade indutiva do meio. Isto implica que as voltagens vão diminuindo muito rapidamen- te à medida que nos afastamos da fonte geradora. Ao se registrar a partir do couro cabeludo, sempre estaremos relativamente distantes do gerador. Por essa razão, os eletrodos do couro cabeludo só po- dem reconhecer geradores relativamente grandes, localizados na convexidade do cérebro e responsáveis pela ativação síncrona de neurônios que cobrem uma área de pelo menos 6 cm2. Geradores 38 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica localizados na superfície mesial e basal do cérebro e, mais ainda, geradores profundos posicionados em sulcos ou fissuras estarão mais longe dos eletrodos do couro cabeludo e, portanto, seus cam- pos elétricos serão mais difíceis de serem detectados. Para resolver esses problemas, teremos que colocar eletrodos mais próximos aos geradores usando técnicas progressivamente mais invasivas, desde eletrodos semi-invasivos (como eletrodos esfenoidal e de forame oval) até eletrodos invasivos, como eletrodos epidurais, subdurais e profundos (Figuras 4 e 5). 4. Aspectos técnicos fundamentais É sempre importante explicar ao paciente e seus acompa- nhantes, durante a preparação e antes do início do exame, que a atividade elétrica cerebral será registrada desde o cére- bro até o aparelho de EEG, esclarecendo que não existe ne- nhum risco em relação a ele próprio que decorra do registro dessa eletricidade de origem biológica. 5. Preparação do paciente Para ser possível mensurar a atividade elétrica do cérebro de forma adequada, ou seja, correntes neurais originadas da ação de PEPS e PIPS, de tamanho muito pequeno, da ordem de mi- crovolts (µV.), é necessária uma considerável amplificação do sinal, ao contrário do que ocorre nas outras atividades de origem Figura 4. A. Em uma camada de dipolos perpendicular ao couro cabeludo, localizada em um giro cortical, um eletrodo posicionado sobre esse giro facilmente detectará as alterações, já que o ângulo sólido ω é relativamente grande. B. Diferentemente de A, a camada de dipolos está no interior do sulco e os eletrodos de superfície não detectarão o potencial, já que os ângulos sólidos ω1 e ω2 são relativamente pequenos. No entanto, um eletrodo profundo inserido nesse sulco permitirá a detecção do potencial, porque o ângulo ω3 será relativamente grande3. Eletrodo EletrodoEletrodo profundo Camada de dipolos paralela à superfície do córtex. Dipolos paralelos Couro cabeludo Osso Dura-máter Camada de dipolos perpendicular à superfície do córtex Dipolos perpendiculares (sobre os giros corticais). B. A. 39 A1 FP1 FP2 F4 F8 C4 T4 T6P4 O2 P3 O1 T5 F3F7 T3 C3 A2 Negativo 100% 90% 80% 70% 60% 50% ω Figura 5. Os eletrodos podem reconhecer somente os geradores localizados na convexidade cerebral, que consistam na ativação síncrona de uma área de neurônios de pelo menos 6 cm2. biológica, como eletrocardiográfica ou eletromiográfica, em que o potencial é medido em milivolts (mV.). Por ser assim um potencial tão pequeno, é imprescindível otimizar e facilitar ao máximo a condução dos potenciais até seu registro final pelo EEG. Por esse motivo, é necessário dimi- nuir a impedância, definida como a resistência à passagem da corrente elétrica de um meio ao outro, e isso requer: 5.1 Ótima higienização do couro cabeludo. É essencial realizar higiene cuidadosa no ponto de contato do eletrodo com o couro cabeludo. Tal procedimento deve ser feito lim- pando-se muito bem a oleosidade e as sujidades presentes no couro cabeludo, utilizando água e sabão, ou ainda substâncias específicas para essa finalidade, como pastas abrasivas (por exemplo, Nuprep®). O eletrodo deve ser aplicado diretamente sobre a pele, sem a interposição de fios de cabelo. 5.2. O uso de eletrodos apropriados. Para reduzir a impe- dância, devem ser utilizados eletrodos feitos com materiais de alta condutância elétrica. O melhor metal capaz de conduzir a atividade elétrica é o alu- mínio, o qual, no entanto,é pouco utilizado, uma vez que não é muito maleável nem permite ser moldado em fios. Outros metais de alta condutância elétrica são a prata e o ouro. A prata é maleá- vel, mas frequentemente produz reações alérgicas na pele e o sul- fato adicionalmente colocado é rapidamente oxidado, diminuin- do a condutância elétrica final. O ouro, por sua vez, é um bom condutor elétrico e altamente maleável, mas seu custo frequente- mente limita seu uso. Outro material utilizado é o cobre, que tem uma condutância intermediária e é muito maleável. Atualmente, a maioria dos discos dos eletrodos é formada a partir de ligas de co- bre com ouro ou prata. Os cabos são constituídos de fios de cobre, o que lhes confere alta resistência e mobilidade. 40 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 5.3 Aderência adequada do eletrodo na pele. Para aderir o eletrodo na pele de forma a reduzir a impedância é usada uma substância condutora (por exemplo, pasta condutora 10-20®) que ajuda na captação do sinal, ampliando-o discretamente e conduzindo-o do couro cabeludo para o eletrodo. 6. Facilitando a adequada captação dos sinais elétricos - É necessário obter uma impedância inferior a 10 KOhms para registros de rotina e inferior a 5 a 10 KOhms no caso de registros de morte encefálica. - Sugere-se sempre, anteriormente ao início do exame, a ve- rificação da impedância, bem como após a realização das provas de ativação. A média do sinal captado através dos eletrodos colocados em G1 e G2 é transmitida a um amplificador, que então emite outro sinal que corresponde à diferença de potencial entre os dois sinais recebidos. Esse amplificador pode ser encontrado no cabeçote (jackbox) ou estar a distância, no dispositivo que permite a entrada do sinal no computador (modem). Esse si- nal abarca não apenas a atividade do cérebro, a qual, como mencionado anteriormente, é muito pequena, mas também é influenciado por outros componentes ao redor, como osso, gordura, músculo e pele, que também possuem seus próprios sinais elétricos, os quais são maiores (em milivolts). Por isso, para que o registro da atividade elétrica cerebral seja adequa- do, é fundamental o uso de filtros para o correto processamen- to de todos esses sinais captados (de origem cerebral ou não). 7. Uso de filtros Existem três tipos de filtros: a) Filtro de alta. No EEG de rotina, ou padrão, este filtro é gra- duado em 70 Hz. Isso significa que os sinais com frequência maior que 70 Hz vão ter sua amplitude atenuada. Quanto mais rápida é a frequência, maior a sua atenuação. Já nos sinais com frequências menores que 70 Hz, sua amplitude original será mantida. Seu uso mais comum é para remover artefatos de origem muscular. b) Filtro de baixa. Atua da mesma maneira que o anterior, mas de modo oposto, reduzindo a amplitude das ondas nas frequências abaixo daquela escolhida como ponto de corte deste filtro. No EEG de rotina, ou padrão, este filtro gradua-se em 1 Hz, nas crianças e nos adultos. Em recém-nascidos, é graduado em 0,5 Hz (ver Capí- tulo 6). Seu uso mais comum é para remover artefatos de sudorese. c) Filtro de corrente 50-60Hz (notch filter). É usado para ate- nuar sinais produzidos pela rede elétrica de alimentação em que o computador está conectado. Na maioria dos países da América este filtro é de 60 Hz, no entanto em países da Europa, o filtro é de 50 Hz4. Seu uso mais comum é para remover artefatos de corrente elétrica (do tipo alternada) proveniente das edificações. 41 O sinal captado, amplificado e filtrado, é então transmi- tido para o computador através de um modem (dispositivo para transmissão de dados, com entrada e saída, ou seja, modulador-desmodulador), já que o sinal recebido é ana- lógico. Para que o computador possa interpretar a ativida- de elétrica captada, esse sinal deve ser então transformado pelo modem em um sinal digital, ou seja, 010101. O amplificador recebe dois sinais elétricos diferentes e é associado aos filtros que os modulam, sendo transmitidos à entrada do modem, resultando, individualmente, em um canal (Figura 6). A soma dos canais em um computador, que pode ser de 16, 32, 64, 128 ou mais, constitui a unidade básica do aparelho de EEG (Figura 6). Quando nomeamos os sinais recebidos de acordo com a posição dos dois eletrodos de escalpo que os capturam, por exemplo, Fp1-F3, e os registramos, temos uma derivação. A soma das derivações, de acordo com uma ordem pré-definida, constitui as montagens. Esse sinal binário ou digital pode voltar a ser amplificado em alguns equipamentos para ser armazenado no disco rígi- do do computador e para análise ulterior pelo eletroencefalo- grafista. Também pode ser convertido novamente em um sinal analógico para ser enviado ao monitor de vídeo, à impressora ou a um dispositivo de armazenamento de exame, como CD, DVD, pen drive etc. Nos equipamentos analógicos antigos, não Figura 6. Representação esquemática de um canal eletroencefalográfico. O sinal elétrico cerebral associado a sinais de outros tecidos e forças estáticas é captado pelos eletrodos G1 e G2 e amplificado com um sinal de saída igual à diferença de potencial dos dois sinais recebidos. Em seguida é modulado por filtros e recebido pelo computador via modem, para, em seguida, ser visto e analisado diretamente pelo monitor do computador e ser armazenado no disco rígido do computador ou em outros meios digitais, ou registrado em papel pela impressora. FAF: filtro de alta frequência; FBF: filtro de baixa frequência; FN: filtro notch; Modem: modulador-desmodulador; 010101: sinal digital; PC: computador. G1 G2 Amplificador 010101 PC Vídeo Modem FAF FBF FN era possível alterar o sinal após seu registro inicial; este era levado para um osciloscópio ligado a uma pena-tinteiro que desenhava o traçado em um rolo de papel. 8. Velocidade de registro do EEG A velocidade para a leitura do EEG preconizada nos Estados Unidos e na América Latina é de 30 mm/s e na Europa, 15 mm/s. Revisão dos filtros antes de se iniciar o registro: - Filtro de alta: 70 Hz. - Filtro de baixa: crianças e adultos: 0,5 ou 1 Hz; recém-nas- cidos: 0,5 Hz. Impressora Meios de armazenamento 42 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica - Filtro de corrente elétrica de 50-60 Hz: desligado, com exceção de ambientes com outros equipamentos elétricos ao redor (por exemplo, UTI). - Velocidade de registro correta nas Américas: 30mm/s, ou 10 segundos por página. Referências 1. Speckmann EJ, Elger CF, Altrup U. Neurophysiologic basis of the electroen- cephalogram. In: Willey E (ed.). Treatment of epilepsy, principles and prac- tice. 5. ed. Filadélfia: Lippincott Williams & Wilkins, 2011. p. 60-72. 2. Mayor LC, Burneo J, Ochoa G. Manual de electroencefalografía. Handbook of electroencephalography (edición académica y compilación). 1. ed. Bo- gotá: Ediciones Uniandes, 2013. p. 53-75. 3. Morris III HH, Luders H. Electrodes. In: Gotman J, Ives JR, Gloor P. Long- term monitoring in epilepsy (EEG suppl. n. 37). Filadélfia: Elsevier, 1985. p. 3-25. 4. Ebersole JS, Husain AM, Nordli DR. Current practice of clinical electroen- cephalography. 4. ed. Filadélfia: Wolters Kluwer Health, 2014. p. 78-90. 43 Diretrizes gerais para a realização do eletroencefalograma Capítulo 3 1. Preparação do paciente A falta de preparação adequada para realização do EEG pode inviabilizar o exame. Um exemplo dessa inadequação ocorre quan- do o paciente não realiza a limpeza do couro cabeludo, faz uso de substâncias oleosas ou tinge o cabelo em data próxima à realização do exame. Na prática, devem ser entregues as seguintes recomen- dações por escrito no momento do agendamento do exame1,2: - Explicar ao paciente as etapas do exame e ressaltar que a sua cooperação é essencial para um bom resultado. - Lavar o couro cabeludo com xampu, de preferência neutro, um dia antes do exame, sem usar condicionador ou qualquer outro produto.- O cabelo deve estar seco no momento do exame. - Privar-se de sono na noite anterior. A sonolência e o sono funcionam como métodos de ativação natural. Exceto os exames cujos pedidos médicos contraindicam a privação de sono, esta é realizada de rotina. Ana Carolina Zetehaku Paula Natale Girotto Ana Carolina Dias Gomes Nathália Stela V. de Figueiredo Elza Márcia T. Yacubian 44 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica - Fazer uma refeição leve antes do exame para evitar hipogli- cemia, pois essa condição pode alterar o traçado e lhe causar desconforto. - No dia do exame, o paciente deve vestir roupas confortá- veis para se sentir relaxado durante a sua realização. - Sugerir que o paciente traga xampu e toalha (caso não sejam fornecidos pela instituição) para uso pessoal após o exame, a fim de remover vestígios de pasta condutora do couro cabeludo. - No caso do uso de medicações, o paciente não se deve in- terrompê-las para o exame, ao contrário do que comumente se pensa. 1.1. Situação especial para a aquisição: sedação do paciente Deve-se preferir sono espontâneo à sedação. No entanto, algumas vezes não é possível fazer um bom registro sem a uti- lização de medicamentos para esse propósito. As principais razões para tentar evitar sedação são os efeitos adversos para o paciente, o risco de interferência no traçado com a elimina- ção de grafoelementos patológicos e o eventual alentecimento da atividade de base e/ou excesso de ritmos rápidos. Sedação é utilizada principalmente em lactentes e pessoas com atraso cognitivo que não cooperam ou possam ficar agitadas durante o exame e após duas tentativas de realização do exame sem sucesso, apesar da privação de sono adequada. Uma alterna- tiva satisfatória para evitar a sedação em lactentes e crianças é realizar o registro do EEG no colo da mãe. O sedativo deve ser prescrito apenas por médicos. A medicação mais utilizada é o hidrato de cloral por interferir menos no traçado, ter uma meia-vida curta e uma dosagem fácil e conveniente. A dose recomendada é de 30 mg/kg/dose, por via oral ou retal. Após o pro- cedimento, com o paciente em vigília, deve-se estimular a ingestão de água para uma melhor eliminação do fármaco. Antes da sua administração, deve-se reportar aos responsáveis do paciente seus efeitos adversos mais frequentes, como sonolên- cia excessiva e instabilidade na marcha. Náuseas e/ou vômitos são menos frequentes e dependentes da dose, além disso, muito raramente, podem ocorrer broncospasmo, erupções cutâneas, bradicardia, hipotensão, hipotermia e parada cardíaca. Outra alternativa cada vez mais utilizada, devido à sua boa tole- rabilidade e aos poucos efeitos adversos, é a melatonina, em doses de 3 a 6 mg, administrados por via oral 30 minutos antes do exame3. Em pacientes pouco colaborativos, a combinação de hidrato de cloral e melatonina pode representar uma alternativa segura. Em razão da proibição da comercialização do hidrato de cloral e da inexistência de melatonina no mercado brasileiro, a hidroxi- zina, um antagonista farmacológico do receptor H1 da histamina com ação depressora do sistema nervoso central, tem sido utiliza- da neste país com o objetivo de sedação na dose de 1 a 2 mg/kg. 45 A sedação deve ser sempre acompanhada de privação do sono para garantir a sua eficácia. Os pacientes que necessitam de medicação parenteral, como aqueles com doenças psiquiátricas ou comprometimen- to cognitivo, poderão receber uma dose de midazolam de 0,1 a 0,3 mg/kg (até 10 mg) por via intramuscular. Esse medicamento pode causar maior sedação, assim como confusão, alucina- ções, agressividade, depressão respiratória e até mesmo parada cardiorrespiratória de forma dose-dependente. O seu uso é res- trito a serviços hospitalares. Recomenda-se que o serviço tenha suporte com os mate- riais necessários para as possíveis reações adversas e para o manejo de crises prolongadas. Os materiais fundamentais são cateter de O2, cateter de sucção, ressuscitador manual e más- cara, estetoscópio, esfigmomanômetro, material para punção venosa, medicamentos básicos, como antieméticos, analgé- sicos, glicose, soro fisiológico, além dos principais antídotos (principalmente para benzodiazepínicos), adrenalina, mate- riais antialérgico e para intubação1. Para a privação de sono, recomenda-se: - < 1 ano: sem privação de sono; preferir o horário pós-pran- dial para realizar o exame. - 1 a 5 anos: despertar 2 horas antes na manhã do exame e sugerir realização do exame no período pós-prandial. - 6 a 15 anos: dormir 50% das horas que habitualmente se dorme, privilegiando a privação de sono da manhã. Por exemplo, caso o paciente durma 8 horas, será permitido dor- mir das 24 horas às 4 horas. - 15 anos: privação total de sono. Realizar o registro no pe- ríodo da manhã. - Sempre insistir para que o paciente não durma no trajeto ao laboratório antes da realização do exame. 2. Posicionamento dos eletrodos O posicionamento dos eletrodos no couro cabeludo requer a medição cuidadosa do crânio. Para esse fim, são utilizadas uma fita métrica com divisão em milímetros e uma caneta marcadora com a qual se marcará o posicionamento dos eletrodos. Muitas vezes é necessário usar prendedores para a separação do cabelo, para facilitar a marcação e a colocação dos eletrodos4 (Figura 1). No caso de registros prolongados, o melhor é usar gel condutor e colódio elástico no lugar da pasta condutora (Figura 2). Embora o tempo de aplicação seja maior, assegura a fixação dos eletrodos, permitindo a movimentação e a manipulação do paciente. 2.1. Sistema internacional 10-20 Em 1958, a Comissão da Federação Internacional da So- ciedade de Eletroencefalografia e Neurofisiologia Clínica re- 46 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica A. B. D.C. E. F. G. comendou um sistema único para a colocação dos eletrodos para a obtenção do EEG, conhecido como sistema interna- cional 10-205. Seu objetivo é a uniformização da forma de obtenção dos registros em diferentes laboratórios. Outra van- tagem desse sistema é o posicionamento de forma proporcio- nal, não fixa, a partir dos pontos de referência do crânio. O uso de medidas minimiza os erros de interpretação por má colocação dos eletrodos e o fato de que as medidas não são fixas permite seu uso em perímetros cefálicos de diferentes tamanhos. É chamado de sistema 10-20 porque todos os eletrodos são colocados a distâncias compreendidas entre 10% e 20% das re- ferências utilizadas no crânio. A posição de cada eletrodo sobre o couro cabeludo é designada por uma letra e por um número estabelecido. As letras correspondem aos nomes dos lobos cere- brais subjacentes, com exceção da região central, que representa a área nas proximidades do sulco central (ponto anatômico cen- tral no crânio), e da região frontopolar, que se refere à porção anterior do lobo frontal. Portanto, Fp é frontopolar, F, frontal, C, central, P, parietal, T, temporal e O, occipital. Quanto aos números, os pares correspondem ao hemisfério direito e os ímpares, ao esquerdo, aumentando sua numeração nas direções anteroposterior e médio-lateral. Casos especiais são os dos eletrodos da linha média que não são representados por números, mas apenas por letras. A. B. C. D. Figura 1. Colocação dos eletrodos. A, B, C. No EEG de rotina, seja em laboratório ou em ambiente hospitalar, colocação da pasta condutora entre o eletrodo e o couro cabeludo. São necessários os seguintes materiais: pente, acessórios para separação de cabelos, fita métrica, canetas marcadoras, álcool, gaze ou tecido TNT (tecido não tecido) ou fita adesiva e um objeto ligeiramente abrasivo. D. Depois de estabelecer as medidas, deve-se separar os cabelos previamente limpos e secos, para evitar interfaces entre o eletrodo e o couro cabeludo. Figura 2. A, B, C. Colocação de eletrodos com colódio para registros prolongados. Inicialmente, aplica-secolódio na musselina ou gaze de aproximadamente 2 cm2 para fixar o eletrodo sobre o couro cabeludo. D, E, F, G. Seca-se o colódio com ar comprimido e, através do orifício do eletrodo, introduz-se o gel condutor, de forma intermitente, com agulha de ponta romba. Para remover os eletrodos, utiliza-se acetona. 47 A primeira letra corresponde à região do cérebro subjacen- te e a segunda é z, que é a letra inicial do número zero e marca a localização central. Não se usa o número “0” (zero) nesses casos para evitar confusão com a letra O, que se refe- re ao lobo occipital. O sistema internacional 10-20 contém 21 eletrodos, incluindo 19 no couro cabeludo e dois nas regiões auriculares, os quais recebem a denominação de A5 (Figura 3). Assim, temos os seguintes eletrodos com sua respectiva denominação: Figura 3. O sistema internacional 10-20 de posicionamento de eletrodos. ESQUERDOS DIREITOS Fp1- frontopolar esquerdo Fp2- frontopolar direito F3- frontal esquerdo F4- frontal direito F7- temporal anterior esquerdo F8- temporal anterior direito T3- temporal médio esquerdo T4- temporal médio direito C3- central esquerdo C4- central direito P3- parietal esquerdo P4- parietal direito T5- temporal posterior esquerdo T6- temporal posterior direito O1- occipital esquerdo O2- occipital direito ELETRODOS DA LINHA MÉDIA Fz- frontal médio Cz- central médio Pz- parietal médio ELETRODOS AURICULARES A1- auricular esquerdo A2- auricular direito 48 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 2.2. Métodos de medida para posicionameto de eletrodos no sistema internacional 10-20 É a sistematização de como medir o crânio e, em seguida, prosseguir com a colocação dos eletrodos no couro cabeludo, com base no sistema internacional 10-206,7. 2.2.1. Pontos de referência Primeiramente, deve-se localizar os pontos de referência, consi- derados pontos-chave na mensuração do crânio8 (Figura 4). - Násio: ponto de união do nariz com a testa, representado por uma depressão. - Ínio: é a elevação do osso occipital na linha média, na porção posterior do crânio. - Pontos pré-auriculares: são representados por uma depressão anterior e superior ao trago (proeminência anterior do pavilhão auricular) na raiz do osso zigomático. Deve-se iniciar a marcação do crânio obedecendo às se- guintes medidas4,5,8,9: A. B. Figura 4. Pontos de referência no crânio. A. Násio e ínio. B. Pontos pré-auriculares. 49 2.2.2. Medida anteroposterior (plano sagital) Identificam-se os pontos do násio e ínio e mede-se a distân- cia entre eles no plano sagital (Figura 5). - O primeiro eletrodo que será localizado é o fronto-polar (Fpz), a uma distância de 10% da medida anteroposterior atrás do násio. Esse ponto não pertence ao sistema internacional 10-20, mas é comumente usado para colocar o eletrodo terra, por isso é importante determiná-lo. - O segundo eletrodo, frontal (Fz), está a 20% da distância anteroposterior atrás de Fpz. - Assim, sucessivamente, são posicionados os eletrodos central (Cz) e parietal (Pz) a 20% da distância anteroposterior atrás daquele que o precede. - O último eletrodo, occipital (Oz), encontra-se a 10% da distância anteroposterior em frente ao ínio. - Cz deve corresponder a 50% da distância entre o násio e o ínio. Figura 5. Medida anteroposterior (plano sagital). Posicionamento dos eletrodos Fpz, Fz, Cz, Pz e Oz, de acordo com os pontos de referência, násio e ínio. 50 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 2.2.3. Medida transversal laterolateral (plano coronal) Inicia-se a marcação dos pontos pré-auriculares e mede-se a distância entre eles no plano transversal (Figura 6). - Mede-se a distância entre os dois pontos pré-auriculares, pas- sando pelo vértex como ponto central - que já está estabelecido como eletrodo Cz. Estimam-se 10% e 20% da distância latero- lateral. - Os eletrodos temporais médios (T3-T4) em ambos os lados, esquerdo e direito, respectivamente, estão a 10% da distância laterolateral dos pontos de referência pré-auriculares. - A 20% da distância laterolateral, a partir de pontos temporais em direção ao vértex, estão os eletrodos centrais (C). Portanto, o eletrodo à direita depois de T4 é C4, enquanto à esquerda, seguindo T3, está o C3. - A 20% da distância laterolateral, a partir dos pontos centrais (C) direito e/ou esquerdo, em direção ao vértex, está o eletrodo Cz, previamente posicionado. - Note que Cz também está a 50% da distância entre os pontos pré-auriculares de referência. Figura 6. Medida transversal ou laterolateral (plano coronal) de T4, T3, C4 e C3, de acordo com os pontos de referência pré-auriculares. 51 2.2.4. Medida circunferencial Mede-se a distância entre os eletrodos Fpz e Oz, passando pelos eletrodos temporais T3 e T4, já posicionados. Calculam-se 10% e 20% da distância circunferencial (Figura 7). - A 10% da distância circunferencial à esquerda e posterior ao eletrodo Fpz está o eletrodo Fp1. - A 20% da distância circunferencial à esquerda e posterior ao eletrodo Fp1 está o eletrodo F7. - A 20% da distância circunferencial à esquerda e posterior ao eletrodo F7 está o eletrodo T3, previamente marcado. - A 20% da distância circunferencial à esquerda e posterior ao eletrodo T3 está o eletrodo T5. - O eletrodo O1 está a 10% à frente de Oz. Em áreas homólogas serão posicionados os eletrodos do he- misfério direito. Figura 7. Medida circunferencial partindo do eletrodo Fpz até Oz. Posicionamento dos eletrodos Fp1, F7, T3, T5 e O1 à esquerda. 52 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 2.2.5. Medida parassagital - Para marcar os eletrodos restantes (F3, F4, P3 e P4), utiliza-se a regra do eletrodo médio: F3 é o eletrodo médio entre Fp1 e C3 e, de maneira homóloga, F4 é o eletrodo médio entre Fp2 e C4 (Figura 8). - Por último, P3 é o ponto médio entre C3 e O1, en- quanto P4 é o ponto médio entre C4 e O2 (Figura 9). 2.3. Alguns detalhes especiais sobre o sistema internacional 10-20 - Os eletrodos auriculares (A1 e A2), situados nos lóbulos das orelhas esquerda e direita, respectivamen- te, estão presentes na definição inicial do sistema 10-20 e são amplamente utilizados como referência5. Porém, na prática, também se utiliza comumente a localização desses eletrodos na região mastóidea para o mesmo pro- pósito. - Os eletrodos cerebelares (Cbr1 e Cbr2) e faríngeos (Pg1 e Pg2), também descritos originalmente no sistema internacional 10-20, atualmente são pouco utilizados. - Embora os eletrodos Fpz e Oz sirvam como marcos de posicionamento no sistema internacional 10-20, não fazem parte dele. São eletrodos adicionais ou extras5. Figura 8. Posicionamento dos eletrodos homólogos F3 e F4 na linha parassagital. Figura 9. Posicionamento dos eletrodos P3 e P4 na linha parassagital. 53 A posição final dos eletrodos do sistema internacional 10- 20 pode ser verificada na figura 10. 2.4. Eletrodos adicionais Na prática clínica, pode-se adicionar eletrodos para estudar mais especificamente as diferentes regiões do córtex cerebral, embora não façam parte do sistema internacional 10-20 origi- nal. Esses eletrodos não são utilizados de forma rotineira. 2.4.1. Eletrodos temporais anteriores verdadeiros Embora usualmente os eletrodos F7 e F8 sejam denominados temporais anteriores, foram originalmente chamados por Jasper4 de “frontais inferiores”, já que não se encontram nos lobos tem- Figura 10. Eletrodos posicionados segundo o sistema internacional 10-20, com presença de um eletrodo de aterramento- eletrodo terra (seta). A. Projeção anteroposterior. B. Projeção lateral. A. B. porais, e sim no giro frontal inferior. Os eletrodos temporais ante- riores verdadeiros (denominados T1 e T2 ou FT9 e FT10, esses úl- timos definidos no sistema internacional 10-10 descrito a seguir), são importantes para o registro da atividade gerada pela porção anterior e mesial do lóbulotemporal. Situa-se 1 centímetro acima do ponto que separa os dois terços anteriores do terço posterior da linha traçada entre o ângulo externo do olho até o meato acústico externo ipsilateral. São utilizados para o estudo da epilepsia do lobo temporal10,11 (Figura 11). 2.4.2. Eletrodos basais Há vários tipos de eletrodos basais que se situam próximo da base do crânio: a) Eletrodo zigomático: é um eletrodo cutâneo que também tem importância na avaliação da atividade epileptiforme da re- gião temporal. Seu posicionamento é realizado próximo ao ân- gulo da mandíbula, acima do arco zigomático, sobre a incisura mandibular11 (Figura 12). b) Eletrodo esfenoidal: para a colocação desse eletrodo semi- -invasivo, utiliza-se uma agulha com fios de metal no seu interior, sendo o conjunto inserido perpendicularmente a 2,5 cm à frente do trago da orelha e a 2 mm abaixo do arco zigomático, na altura do ângulo da mandíbula a uma profundidade de 5 cm. Depois da inserção, retira-se a agulha, deixando o fio de metal implantado, o qual ficará localizado na superfície lateroinferior do lobo tem- 54 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 13. Posição anatômica do eletrodo esfenoidal. O eletrodo esfenoidal é utilizado na situação particular da avaliação dos pacientes com epilepsia do lobo temporal. É inserido debaixo do arco zigomático, guiado por uma agulha. T1 Meato acústico externoAB Canto externo do olho Arco zigomático Eletrodo zigomático 90º Abaixo da borda inferior do arco zigomático. Profundidade: 5 cm 2 mm 2,5 cm T1 Meato acústico externoAB Canto externo do olho Arco zigomático Eletrodo zigomático 90º Abaixo da borda inferior do arco zigomático. Profundidade: 5 cm 2 mm 2,5 cm Figura 11. Eletrodos temporais verdadeiros (T1 ou FT9 e T2 ou FT10). Figura 12. Posicionamento do eletrodo zigomático colocado sobre a pele, acima do arco zigomático, próximo ao ângulo da mandíbula. É utilizado no estudo da região temporal anterobasal. 90º Abaixo da borda inferior do arco zigomático. Profundidade: 5 cm 2 mm 2,5 cm poral, próximo ao forame oval. Deve ser conectado por um “pas- sador” na entrada do painel de eletrodos. Sua indicação é para os casos de monitorização por períodos prolongados em pacientes com suspeita de epilepsia do lobo temporal e em avaliação pré- -cirúrgica. Apresenta menos artefatos que os eletrodos basais, por ser um eletrodo com menos mobilidade11 (Figura 13). c) Eletrodo nasofaríngeo: consiste em um fio longo com uma pequena esfera de metal na extremidade, que se posiciona através de uma narina até chegar ao ponto de contato com a nasofaringe, onde será alojado. Essa localização está próxima a parte anterior e mesial do lobo temporal. Como não há fixação do eletrodo, movimentos de respiração e de deglutição tornam difícil a inter- 55 pretação do traçado devido à presença de artefatos12. Além disso, a sua localização o torna um eletrodo mal tolerado. d) Eletrodo timpânico: consiste em um fio de metal com uma esfera na extremidade. É inserido através do conduto au- ditivo externo para ser alojado próximo da membrana timpâni- ca, de tal forma que se aproxime a superfície inferior do lobo temporal. Pode-se utilizar em conjunto com o eletrodo nasofa- ríngeo para obter uma avaliação detalhada do lobo temporal, uma vez que está mais relacionado com a captura da atividade elétrica do cérebro da região lateral do lobo temporal12. e) Eletrodo etmoidal: como o eletrodo esfenoidal, é um con- junto de agulha com um fio de metal, que o médico insere através do septo nasal para perfurar a lâmina crivosa do osso etmoidal. Em seguida, a agulha é removida, deixando o fio um pouco acima da base do osso frontal. Sua função é permitir a avaliação do lobo frontal anterior e mesial inferior. Uma di- ficuldade importante é a inserção da agulha, já que existe o risco de sangramento, e, por isso, é indicado o uso de fármacos vasoconstritores durante o procedimento11. Os eletrodos nasofaríngeo, timpânico e etmoidal são utili- zados excepcionalmente12. 2.5. Sistema internacional 10-10 Para o estudo mais detalhado da atividade elétrica cerebral, a Sociedade Americana de Eletroencefalografia7 propôs o siste- ma internacional 10-10 que inclui mais eletrodos, reduzindo o intervalo entre os pontos obtidos no sistema 10-20 no couro cabeludo, de tal forma que a distância entre os eletrodos é de apenas 10% entre eles (Figura 14). Figura 14. Sistema 10-10 para a colocação de eletrodos proposto pela Sociedade Americana de Eletroencefalografia7. No total, são 75 eletrodos, 11 dispostos na linha média do plano sagital e 13, no plano coronal na linha auricular, passando por Cz. Os eletrodos estão dispostos em fileiras, 4 anteriores e 4 posteriores ao plano coronal. Portanto, apresenta mais linhas sagitais e coronais que as do sistema 10-20, chamadas linhas intermediárias, nas quais se posicionam novos eletrodos. Para a sua denominação, utili- za-se também um sistema de nomenclatura alfanumérico me- diante a combinação de letras e números. 56 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Nas linhas sagitais, haverá sempre o mesmo número em cada linha. As linhas procedem em ordem numérica ascendente de medial a lateral (à esquerda, 1-11; à direita, 2-12). Já nas linhas coronais, sempre haverá as mesmas letras que designam a região cerebral correspondente a esse eletrodo. A seguir, observe as li- nhas coronais intermediárias com a sua nomenclatura. Linhas coronais intermediárias - Primeira linha: frontal anterior (AF). - Segunda linha: frontotemporal (FT) e frontocentral (FC). - Terceira linha: temporoparietal (TP) e centroparietal (CP). - Quarta linha (final): parieto-occipital (PO). Quando se utiliza o sistema internacional 10-10, há uma ligeira modificação na nomenclatura de alguns eletrodos origi- nalmente presentes no sistema 10-206,7. - Os eletrodos T3 e T4 serão renomeados como T7 e T8, res- pectivamente. - Os eletrodos T5 e T6, por sua vez, como P7 e P8. - A letra “P” representa o lobo parietal quando é seguida dos números 1 a 6; porém, se é superior ou igual a 7, correspon- derá ao lobo temporal. - Também é aceitável o uso da nomenclatura original de T3 e T4, T5 e T6 do sistema internacional 10-20 devido ao uso habitual dela. 3. Conceito de polaridade O traçado do EEG é uma representação gráfica da diferen- ça entre dois eletrodos ao longo de um determinado período de tempo. Esses eletrodos denominam-se G1 e G2. Por con- venção, toda atividade acima da linha de base tem polaridade negativa, enquanto aquela abaixo dessa linha apresenta polari- dade positiva13 (Figura 15). Figura 15. A. Polaridade negativa (para cima); B. Polaridade positiva (para baixo). A. B. A figura 16 explica a representação eletroencefalográfica dos campos elétricos segundo a carga dos eletrodos (G1 e G2). A ocorrência de atividade elétrica anormal do cérebro conduz à formação de um campo eletromagnético pela tro- 57 ca da polaridade das cargas elétricas dos neurônios, for- mando um ponto de máxima eletronegatividade, com pro- gressiva redução da carga total na região ao redor deste, chamado de campos de isopotencial ou equipotencial e sua resultante, mapas de isopotencial ou mapas de equipoten- cial14,15 (Figura 17A). Na maioria dos casos, a atividade elétrica cerebral anormal tem polaridade negativa, que, no traçado do EEG, se apresenta, de acordo com a convenção internacional, com uma deflexão negativa, isto é, com um grafoelemento para cima, enquan- to a polaridade positiva está representada com uma deflexão positiva (para baixo). A razão pela qual a maioria da atividade elétrica anormal do cérebro se apresenta com uma deflexão negativa é que a soma dos potenciais excitatórios pós-sináp- ticos (PEPS) e potenciais inibitórios pós-sinápticos (PIPS) tem, mais comumente, um resultado negativo14. 3.1. Entendendo o conceito de polaridadenas montagens bipolares Nas montagens bipolares, que consistem na medida da di- ferença de potencial entre os eletrodos colocados nas entradas G1 e G2 do painel de eletrodos, o ponto de máxima eletro- negatividade tende a ser reconhecido graficamente no traça- do como o ponto de encontro entre uma deflexão negativa ou positiva, que se denomina reversão de fase7,16,17 (Figura 17 B). Do mesmo modo, quando temos grafoelementos com vol- tagens muito similares em dois eletrodos consecutivos, estes tendem a se cancelar mutuamente pela intervenção da rejeição comum dos amplificadores do aparelho de EEG (Figura 18). Este é o princípio do cancelamento, muito importante para a interpretação do traçado na montagem bipolar, a qual é parti- cularmente suscetível a sua presença7,16,17. Nas montagens transversas bipolares, a interpretação dos grafoelementos é similar à das montagens longitudinais bipo- lares (Figura 19). 3.2. Entendendo o conceito de polaridade nas montagens referenciais Nas montagens referenciais, a atividade de cada eletrodo será comparada individualmente a um eletrodo de referência ou “padrão”, o qual atua na atividade elétrica cerebral de for- ma similar na maioria dos eletrodos. Assim, o traçado mostrará a atividade individual (entrada G1) em comparação com a re- ferencial (entrada G2). Por essa razão, é importante eleger uma referência distante e não contaminada pelo grafoelemento que se pretende avaliar (Figura 20). Enquanto as montagens bipolares servem para localizar a área do cérebro que gera o grafoelemento com base na re- versão de fase, as montagens referenciais servem para loca- lizá-la com base em sua amplitude6,7,17. 58 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Para que a resultante G1-G2 seja negativa, G1 deve ser negativo com relação a G2, ou… … G2 deve ser positivo com relação a G1. Para que a resultante G1-G2 seja positiva, G1 deve ser positivo com relação a G2, ou… G1 – G2 G1 – G2 G1 – G2G1 – G2 … G2 deve ser negativo com relação a G1. Figura 16. A convenção internacional para a interpretação dos grafoelementos do EEG. 59 Negativo 100% 90% 80% 70% 60% 50% A. B. A1 FP2 F4 F8 C4 T4 T6P4 O2O1 A2 P3T5 F3F7 T3 C3 ω FP1 Figura 17. Neste exemplo, uma onda aguda é observada na região temporal média esquerda. B. 1. Derivação Fp1-F7: a onda aguda resultante está abaixo da linha de base, portanto positiva. Como neste caso se está buscando o eletrodo mais eletronegativo, pode-se dizer que a polaridade positiva se deve a uma maior negatividade do eletrodo G2 que, neste caso, é F7 (F7 é mais negativo do que Fp1). Derivação F7-T3: a onda aguda resultante está abaixo da linha de base, portanto positiva. A polaridade positiva se deve a uma maior eletronegatividade do eletrodo G2 que, neste caso, é T3 (T3 é mais negativo do que F7). 3. Derivação T3-T5: a onda aguda resultante está acima da linha de base, portanto negativa. A polaridade negativa se deve a uma maior negatividade do eletrodo G1 que, neste caso, é T3 (T3 é mais negativo do que T5). 4. Derivação T5-O1: a onda aguda resultante está acima da linha de base, portanto negativa. A polaridade negativa se deve a uma maior negatividade do eletrodo G1 que, neste caso, é T5 (T5 é mais negativo do que O1). A análise do conjunto de dados permite definir que o eletrodo T3 (temporal médio esquerdo) é aquele em que a onda aguda observada tem maior eletronegatividade. Portanto, pode-se dizer que a descarga epileptiforme observada é máxima na região temporal média esquerda (T3), ponto em que ocorre reversão de fase. 60 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 18. Montagem bipolar: composta de pares de eletrodos ativos sequenciais em uma cadeia longitudinal ou transversal, em que os eletrodos sucessivos modificam-se em cada canal. Assim, em cada cadeia, tem-se um eletrodo comum entre dois adjacentes. O campo de máxima eletronegatividade se apresenta com uma reversão de fase, que é uma deflexão simultânea em sentidos opostos, em dois canais que partilham um eletrodo comum. Existe uma possibilidade de que o campo seja maior, com equipotencialidade em um canal (destacado; equipotencialidade da derivação F7 -T3). 61 Figura 19. Montagem transversa: mesma página da figura 18. Observe a máxima eletronegatividade no eletrodo F7 (destacado). 62 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 20. Montagem referencial: mesmas páginas das figuras 18 e 19. Observe a máxima amplitude no eletrodo F7, que é maior que T3, e este, maior que T5 (destacado). 63 4. Montagens Inicialmente, é essencial voltar a ideia de que a representa- ção gráfica no traçado do EEG é a diferença de potencial entre dois pontos no cérebro, que é captado a partir dos eletrodos ad- jacentes e se conectam nas entradas G1 e G2 do amplificador. Portanto, o modo em que os pares de eletrodos do sistema 10-20 se combinam denomina-se derivação, representada por letras e números separados por um hífen (por exemplo, Fp1-F7). O con- junto de derivações é chamado de montagem18. A escolha correta das montagens pode revelar achados ele- troencefalográficos que não estavam óbvios anteriormente e tem como objetivo determinar a topografia desses achados. Para a sua escolha adequada, é necessário discutir algumas noções básicas. Os 21 eletrodos do sistema 10-20 estão localizados nos di- ferentes lobos cerebrais e devem ser dispostos nas montagens obedecendo a uma lógica. - No registro analógico (registro no papel), o técnico é responsável pela aquisição do EEG e a ele cabe escolher as diferentes montagens com diferentes pares de eletrodos para mapear o cérebro. Nesse tipo de registro, o traçado impresso é imutável e a interpretação do EEG deverá ser realizada unicamente com as montagens selecionadas pelo técnico durante a aquisição. - A tecnologia digital oferece vantagens nesse sentido, uma vez que a escolha das montagens poderá ser feita após a aquisição por parte do médico ao analisar o traçado7,17. 4.1. Normas gerais para a definição das montagens de EEG Há dois tipos básicos de montagens chamadas bipolares e referenciais. Em geral, as montagens devem ser totalmente bipolares ou totalmente referenciais e devem ser facilmente compreendidas. Sempre se recomenda que todos os traçados de EEG sejam realizados em ambas as montagens, porém cada uma delas individualmente. - Como seu uso está destinado a comparar áreas homólogas, a escolha de uma montagem não é arbitrária e deve seguir uma lógica anatômica de modo que a análise resultante tenha sentido. Não é apropriada uma comparação de pares aleatórios de eletrodos. Um exemplo de mau uso de pares de eletrodos seria comparar a área frontal esquerda (Fp1) com a região occipital direita (O2), resultando na derivação Fp1-O2. Seu resultado provavelmente não revelaria uma atividade mais localizada ou poderia demonstrar uma alteração localizada em qualquer parte entre ambos os eletrodos, não permitindo sua localização. - Estabeleceu-se que as derivações do hemisfério esquerdo devem ser inseridas primeiramente e as regiões mais anteriores, antes das mais posteriores. - Deve-se utilizar os 21 eletrodos do sistema internacional 10-20, o que deve originar, no mínimo, 16 derivações. 64 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica - Se houver necessidade e disponibilidade das entradas adicionais/extras no painel de eletrodos, outras derivações poderão ser acrescentadas na montagem. Deve-se registrar simultaneamente o eletrocardiograma (ECG) em uma das entradas, uma vez que este ajudará a interpretar o EEG por registrar arritmias cardíacas, verificar as alterações de ritmo cardíaco durante as crises epilépticas e definir melhor o artefato eletrocardiográfico no traçado de EEG. 4.1.1. Princípios das montagens bipolares As montagens bipolares são compostas de pares de eletro- dos ativos sequenciadosem uma cadeia longitudinal ou trans- versal, nas quais os eletrodos sucessivos se modificam em cada canal. Desta forma, em cada cadeia, tem-se um eletrodo co- mum entre os adjacentes. O campo de máxima eletronegativi- dade se apresenta como uma reversão de fase, que é a deflexão simultânea, em direções opostas, nos canais que compartilham um eletrodo em comum. Existe a possibilidade de que o campo seja mais amplo, com equipotencialidade em um dos canais, como se pode verificar na derivação F7-T3 na figura 17. Há três tipos de montagens bipolares: longitudinal, transver- sal e circunferencial. Montagem bipolar longitudinal ou dupla-banana: devido ao desenho formado nesta montagem, é comum chamá-la de dupla-banana. Esta é formada por duas cadeias longitudinais, uma lateral e outra medial, se apresentam no formato de bana- na, em cada hemisfério (Figura 17). Montagem bipolar transversal (Figura 18): nesta montagem, mantêm-se as convenções da disposição das derivações em sen- tido anteroposterior e da esquerda para a direita. Observe o uso de EEG digital, que permite, em tempo específico, a análise com diferentes montagens. Montagem bipolar circunferencial: é a montagem cuja dis- posição das derivações é orientada segundo a linha circunfe- rencial do crânio. As montagens circunferenciais bipolares não adicionam informação às demais montagens bipolares, porém podem ser utilizadas em situações especiais. 4.1.2. Princípios das montagens referenciais A montagem referencial consiste em pares de eletrodos, onde o primeiro é ativo e o segundo não necessariamente ativo. O eletrodo de referência ideal seria aquele que captasse o míni- mo de atividade elétrica cerebral - poderia ser um eletrodo loca- lizado, por exemplo, entre a clavícula e o esterno. No entanto, essas referências estão muito expostas a artefatos. Essa é a prin- cipal razão pela qual as referências usadas são do próprio couro cabeludo. É importante que a referência esteja longe da região a ser analisada, minimizando a sua relação com o fenômeno em estudo. No exemplo da figura 19, o eletrodo referencial comum é Pz, distante da descarga em F7. 65 Na montagem referencial promediada a referência é o resulta- do da média de dois ou mais eletrodos. Os eletrodos auriculares podem somar-se, estabelecendo uma média que pode ser coloca- da como um eletrodo referencial comum. Pode-se também esta- belecer uma média da soma de todos os eletrodos ativos chamada referência promediada (AVG: Average). Recomenda-se excluir dessa soma os eletrodos que captam potenciais de grande am- plitude, como os de movimento ocular (Fp1 e Fp2), assim como aqueles mais envolvidos no campo de interesse7,17 (Figura 21). 5. Procedimentos de ativação em eletroencefalografia Há manobras que podem ativar as respostas anormais du- rante o registro de EEG, chamadas coletivamente de métodos ou procedimentos de ativação. Os procedimentos de ativação consistem em estímulos ou condições externas realizados com a finalidade de se obter uma resposta mais esclarecedora. Os estímulos externos mais comumente aplicados são os visuais e a hiperventilação, além da privação do sono19. 5.1. Estimulação luminosa intermitente A estimulação luminosa intermitente é o método mais utili- zado para desencadear respostas anormais aos estímulos visuais no EEG. É especialmente útil na investigação dos pacientes com epilepsias generalizadas, uma vez que o método pode provocar paroxismos epileptiformes em indivíduos fotossensíveis. 5.1.1. Técnica de estimulação luminosa Utiliza-se internacionalmente o protocolo para a realização da estimulação luminosa intermitente do Comitê Europeu da Liga Internacional contra a Epilepsia20. Recomendações a seguir: a) O paciente deve estar desperto, sentado na sala de exa- me em penumbra, com luz suficiente para identificar as clonias palpebrais, a resposta mais comum a este tipo de estimulação. O estado de vigília e o contraste com os lam- pejos brilhantes, proporcionados pelo ambiente escureci- do, facilitam a resposta a essa prova de ativação. b) Deve-se realizar a prova após assinado o termo de consen- timento, o qual deve incluir a possibilidade de esse proce- dimento causar crises epilépticas, incluindo convulsões. c) A estimulação deve começar depois de três minutos do final da hiperventilação. d) Antes de iniciar a fotoestimulação, deve-se registrar dois minutos e meio os olhos abertos e dois minutos e meio os olhos fechados, com o objetivo de verificar a sensibilidade ao fechamento palpebral e o fenômeno de fixation-off (des- cargas nas regiões occipitais por perda da fixação visual). 66 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 21. Montagem referencial promediada: mesmas páginas das figuras 18, 19 e 20. Observe a máxima amplitude no eletrodo F7, que é maior que T3, e este é maior que T5. 67 e) Deve-se utilizar um refletor com lâmpada circular que possa proporcionar lampejos com, no mínimo, 0,7 jou- les de intensidade e oferecer frequências entre 0,5 e 60 Hz. O objetivo do refletor circular é garantir a excitação de todas as regiões da retina de maneira homogênea, no entanto nem todos os equipamentos atuais o possuem. f) O fotoestimulador é colocado a 30 cm do násio do pacien- te, ao qual se orienta que olhe no centro do refletor e feche os olhos quando solicitado. Observa-se a resposta fotopa- roxística com uma frequência maior no momento imediato após o comando de fechamento palpebral. - Deve-se realizar, de forma separada, o estímulo fótico intermitente em três condições diferentes: 1. ao fechamento palpebral; 2. com olhos fechados e, finalmente, 3. com olhos abertos. Registram-se cinco segundos em cada frequência de estimulação com cinco segundos de intervalo entre cada uma delas nas três condições. Caso não haja tempo suficiente para realizar todas as condições, deve-se escolher o fechamento palpebral (deve-se instruir o paciente que feche os olhos no momento do início do estímulo fótico e expandir o período de estimulação por sete segundos). - As frequências de lampejos utilizados são 1 Hz, 2 Hz, 8 Hz, 10 Hz, 15 Hz, 18 Hz, 20 Hz, 25 Hz, 40 Hz, 50 Hz, 60 Hz, nesta sequência. - O paciente deve, por exemplo, fechar os olhos no início de cada frequência, segundo o comando do técnico de EEG. Caso haja uma resposta fotoparoxística generalizada a uma frequência particular, omitem-se as frequências restantes e recomeça-se a sequência de forma decrescente, iniciando com 60 Hz, 50 Hz, 40 Hz, 25 Hz, 20 Hz, 18 Hz, 10 Hz, 8 Hz, 2 Hz, 1 Hz. Aplicam-se as frequências em ordem decrescente até que se produza outra resposta fotoparoxística generalizada. - Deve-se repetir o procedimento com os olhos fechados e, depois, com os olhos abertos, nesta ordem. Com isso, pode-se determinar a faixa de fotossensibilidade de cada indivíduo, para cada estado (fechamento palpebral, olhos fechados e olhos abertos). - Deve-se observar e anotar os sinais e sintomas clínicos observados e reportados pelo paciente, como vibração das pál- pebras, clonias faciais, aparecimento de cefaleia, tonturas ou náuseas. Deve-se descontinuar o estímulo imediatamente após a ocorrência de uma resposta fotoparoxística generalizada tipo 3 ou 4 da classificação de Waltz21, mostrada abaixo: Classificação das respos- tas fotoparoxísticas Descrição Waltz tipo 1 Espículas nas regiões occipitais Waltz tipo 2 Espículas e ondas lentas bifásicas parieto-occipitais 68 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Classificação das respos- tas fotoparoxísticas Descrição Waltz tipo 3 Espículas bifásicas com propaga- ção para as regiões frontais Waltz tipo 4 Poliespícula ou complexos de espícula-onda generalizados Há três respostas possíveis durante fotoestimulação inter- mitente. Duas delas são fisiológicas: o arrastamento fótico e a resposta fotomiogênica, e uma patológica, que é a resposta fotoparoxística,que envolve a geração de paroxismos epilepti- formes focais ou generalizados, uni ou bilaterais22. 5.1.2. Arrastamento fótico (photic driving) É uma resposta fisiológica que consiste no aparecimento de atividade rítmica nas regiões posteriores do cérebro, que segue a mesma frequência ou está harmonicamente relaciona- da com a frequência do estímulo (Figura 22). Em geral, é iden- tificado quando as frequências do estímulo utilizam as faixas alfa, beta ou gama, porém pode ser observado nas frequências de estímulo fótico de 5 a 30 Hz23. A resposta aos lampejos visuais pode ser verificada horas após o nascimento, mas a atividade é limitada até os seis anos de idade. Nas crianças maiores e adultos jovens, o arrastamento fótico é mais amplo, sendo identificado principalmente nas frequências de estimulação média, entre 8 e 20 Hz. As respostas de maior magni- tude são obtidas geralmente quando a frequência de estimulação se aproxima da frequência do ritmo posterior do paciente22. 5.1.3. Resposta fotomiogênica (antigamente denominada resposta fotomioclônica) A resposta fotomiogênica consiste no registro de potenciais dos músculos faciais durante a fotoestimulação, identificados em sua maioria nas regiões anteriores (Figura 23). Registram-se potenciais eletromiográficos no músculos da testa, das pálpe- bras, da face e do pescoço, os quais tendem a aparecer quando a pessoa tem tensão muscular. A resposta fotomiogênica é desencadeada principalmente em adultos quando se aplica a frequência de lampejos entre 12 e 18 Hz. Nas crianças, a identificação desse fenômeno é mais rara. Em alguns tipos de epilepsia podem ser identificados po- tenciais eletromiográficos relacionados com os piscamentos das pálpebras (mioclonias das pálpebras observadas na síndrome de Jeavons e também em algumas epilepsias generalizadas genéti- cas) ou relacionados com clonias faciais das crises focais22. 5.1.4. Resposta fotoparoxística A resposta fotoparoxística é o registro de paroxismos epileptifor- mes gerados durante a fotoestimulação, na maioria das vezes iden- tificados nas regiões posteriores do cérebro. Podem ser registrados 69 Figura 22. Resposta do arrastamento fótico (photic driving) com estímulo luminoso a 6 Hz. O arrastamento fótico é uma resposta fisiológica, rítmica, desencadeada pela estimulação nas regiões posteriores do cérebro. Trata-se de atividade associada temporalmente ao estímulo e de frequência idêntica e harmonicamente relacionada à frequência do estímulo luminoso, cujo final é determinado pela interrupção da estimulação. 70 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 23. Resposta fotomiogênica. É uma resposta caracterizada pelo aparecimento de potenciais eletromiográficos breves e repetitivos sobre as regiões anteriores (Fp1-F7, Fp2-F8, Fp1-F3 e Fp2-F4) da cabeça durante a estimulação luminosa intermitente. Esses potenciais geralmente aumentam em amplitude, de forma gradual, à medida que o estímulo luminoso continua e cessam no momento em que o estímulo é retirado. Essa resposta também é bloqueada com a abertura ocular. 71 paroxismos uni ou bilaterais, focais no lobo occipital ou de distri- buição generalizada, predominantemente nas regiões anteriores. As descargas generalizadas têm, na maioria dos casos, a morfologia de complexos de espícula-onda ou poliespícula generalizados21. Para padronizar a descrição das respostas fotoparoxísticas, uma das classificações utilizadas é a de Waltz, descrita no pro- tocolo de fotoestimulação21. Neste estudo, a resposta tipo 4 foi mais prevalente em indivíduos com epilepsia e seus respectivos familiares em comparação com os indivíduos sem epilepsia24 (Figura 24). Na série descrita por Waltz et al., 80% dos pacien- tes com resposta fotoparoxística tipo 4 apresentavam crises epi- lépticas, enquanto nos outros tipos de resposta fotoparoxística essa porcentagem caiu para 2%25. A identificação das respostas fotoparoxísticas ocorre es- pecialmente quando se aplicam frequências de lampejos entre 12 e 18 Hz, que representam uma gama mais alta de fotossensibilidade. 5.2. Hiperventilação ou hiperpneia A hiperventilação é um dos métodos mais importantes de ativação durante o registro do EEG. Foi o primeiro mé- todo utilizado para desencadear crises epilépticas e já era utilizado na era pré-EEG. A revisão de literatura mostra que o procedimento é muito mais eficaz nas epilepsias genera- lizadas, chegando a promover o aparecimento de comple- xos de espícula-onda ritmados a 3 Hz em 88% dos pacien- tes com epilepsia ausência da infância26. Porém, também é importante como método ativador para epilepsias focais27. São contraindicações absolutas para realização da hiperventilação: - Acidente cerebrovascular ou infarto agudo do miocárdio recente (dentro dos últimos 12 meses). - Doença cardíaca significativa com angina instável ou mal controlada. - Doença pulmonar. - Anemia falciforme (ou traço falciforme). - Doença de Moya-Moya. São contraindicações relativas: - Doença cerebrovascular estável. - Infarto agudo do miocárdio ou angina prévia. - Asma. - Gestação de mais de três meses. Em tais casos, o risco-benefício desse procedimento deve ser avaliado com o médico do paciente28. Observadas as contraindi- cações, a hiperventilação é um procedimento que raras vezes se associa a eventos adversos28, mas deve ser suspensa caso o pa- ciente apresente dor no peito, mudança no segmento ST ou no ritmo do ECG registrado simultaneamente ao EEG. 72 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 24. Resposta fotoparoxística do tipo 4 de Waltz et al.21 provocada com uma frequência de 12 lampejos/segundo. Esse termo é preferível ao seu sinônimo, resposta fotoconvulsiva, pois esse último implicaria manifestações clínicas motoras. Trata-se de uma resposta anormal à estimulação luminosa intermitente, caracterizada por descargas epileptiformes generalizadas que continuam por alguns segundos depois da interrupção do estímulo luminoso. Somente essa resposta generalizada de espícula–onda mostra uma forte correlação com epilepsia, particularmente quando se sustenta e continua após a interrupção do estímulo. 73 5.2.1. Técnica de hiperventilação Parâmetros técnicos das diretrizes da ANS/BSCN (2013)29,30 para a realização da prova de hiperventilação. - Deve-se realizar a hiperventilação com o paciente desperto, sentado, em um ambiente com iluminação adequada. Deverão ser disponibilizadas informações sobre o método e o paciente deverá assinar o formulário de consentimento apropriado. O consentimento deve incluir a possibilidade de que esse procedimento cause crises epilépticas. - Deve-se realizar inspirações profundas por 3 a 5 minutos, preferencialmente através do nariz, para adequada sensibilização dos receptores da mucosa nasal. Esse tipo de respiração é mais associado com o aparecimento de descargas epileptiformes. - A frequência respiratória deve se manter regular entre 20 e 30 inspirações por minuto. - O EEG deve ser registrado durante todo o procedimento e durante 3 minutos após sua realização, para a leitura exata da recuperação após a hiperventilação. - Em alguns casos, pode ser necessário o uso de cata- ventos ou outros dispositivos, especialmente em crianças. - Em adultos, o método promove um intercâmbio de gases de 20 a 50 L/min e redução na pressão parcial de dióxido de carbono entre 4 e 7 mmHg. Há várias hipóteses para a fisiopatologia do alentecimento suscitado durante a hiperventilação, incluindo vasoconstrição causada por hipocapnia, ativação do sistema parassimpático e aumento da sincronização talamocortical. Atualmente, a importância real de cada um desses mecanismos de ativação ainda não está bem definida. Há dois parâmetros que devem ser observados durante a hiperventilação. O primeiro é o alentecimento do traçado e o segundo, o aparecimento de paroxismos epileptiformes. 5.2.2. Alentecimento do traçadoA resposta fisiológica esperada característica na hiperven- tilação é mais proeminente nas crianças e consiste em um aumento da atividade lenta bilateral e síncrona e no alenteci- mento dos ritmos alfa e beta. Em adultos normais, a atividade lenta em geral não é marcada, mas existe uma grande varia- bilidade entre os indivíduos. A resposta mais evidente ocorre entre os 8 e 12 anos, e nessa idade as zonas mais afetadas pelo alentecimento dos ritmos são as regiões occipitais com extensão gradual a outras regiões mais anteriores do cérebro (Figura 25). O alentecimento cessa aproximadamente 30 se- 74 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 25. Alentecimento acentuado do EEG em uma criança de 8 anos de idade. 75 gundos depois do final da hiperventilação, mas a manutenção dessa atividade não deve ser considerada anormal caso per- sista por menos de dois minutos28,29. A resposta anormal é o alentecimento focal ou unilateral do tra- çado do EEG. Essas anormalidades focais podem estar presentes de forma precoce27 ou persistir depois do final da hiperventilação. É importante destacar que a hipoglicemia provavelmente aumentará o contingente de ondas lentas em adultos durante a hiperventilação. 5.2.3. Paroxismos epileptiformes A resposta fisiológica à hiperventilação não deve apresentar-se como uma morfologia espicular ou como paroxismos epileptifor- mes característicos. Como resposta patológica, a hiperventilação pode induzir paroxismos epileptiformes do tipo onda aguda ou, mais habitualmente, complexos de espícula-onda de grande am- plitude, especialmente nas epilepsias generalizadas. Referências 1. Ferreira LS. Preparo do paciente e sedação. In: Ferreira LS, Oliveira PAL, Bonavides AS (eds.). Manual do técnico em EEG. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. p. 59-64. 2. Oliveira DS. Como eu faço o EEG. In: Ferreira LS, Oliveira PAL, Bonavides AS (eds.). Manual do técnico em EEG. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. p. 117-33. 3. Eisermann M, Kaminska A, Berdougo B, et al. Melatonin: experience in its use for recording sleep EEG in children and review of the literature. Neuro- pediatrics. 2010;41(4):163-6. 4. Tyner FS, Knott JR, Mayer WB. Electrode placement. 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Atividade de vigília normal Ritmo alfa: também chamado de ritmo dominante posterior.Em condições normais é a atividade predominante nas regiões parieto-occipitais, quando um indivíduo está acordado (vigília), relaxado e com os olhos fechados (Figura 1). Esse ritmo em adul- tos tem uma frequência de 8 a 13 Hz ou ciclos por segundo1. 78 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 1. Observe o ritmo alfa posterior em paciente em vigília com os olhos fechados. 79 Ritmo beta: atividade entre 14 e 30 Hz, observada de for- ma característica nas regiões frontocentrais quando o indivíduo está em vigília (Figura 2)2. Ondas lambda: atividade bifásica que consiste em ondas positivas de morfologia lambdoide observada de forma simé- trica ou assimétrica nas regiões occipitais, quando o paciente encontra-se com os olhos abertos e está observando uma ima- gem ou figura. Essas ondas são frequentemente observadas durante a vigília em estudos de vídeo-EEG, quando os pacien- tes estão lendo ou assistindo à televisão (Figura 3). 2.2. Atividade normal do sono Ondas agudas do vértex: ondas de morfologia aguda e de carga negativa que podem ser vistas com amplitude máxima na região do vértex (eletrodo Cz), mas que também são observa- das em ambas as regiões centrais (eletrodos C3 e C4). Seu apa- recimento fisiológico é observado desde os 5 meses de vida. Marcam o início do sono NREM (estágio N1) (Figura 4). Fusos de sono: atividade rítmica de poucos segundos de du- ração, localizada nas regiões centrais (eletrodos Cz, C3, C4) com frequência de 10 a 15 Hz em média. Aparecem desde os 2 a 3 me- ses de vida e caracterizam o estágio N2 do sono NREM (Figura 5). Complexos K: são ondas bifásicas de alta amplitude com um componente inicial negativo, seguido de um componente posi- tivo de menor magnitude, com máxima amplitude nas regiões anteriores2. O complexo K é acompanhado dos fusos de sono. Observado principalmente na fase N2 do sono NREM a partir dos 5 meses de vida (Figura 6). Transientes agudos positivos occipitais do sono: atividade de morfologia aguda, positiva em relação a outras áreas do cé- rebro, localizada nas regiões occipitais durante o sono N1 e N2. Seu uso comum é a sigla de sua denominação em inglês, POSTs (Positive Occipital Sharp Transients) (Figura 7). 2.3. Variantes da normalidade Denominam-se de variantes da normalidade aqueles gra- foelementos de aspecto epileptiforme que não têm significância clínica. Essas variantes podem levantar dúvidas eletroencefalo- gráficas importantes e levar a erros que resultam no diagnóstico de epilepsia1,3,4. Ritmo mu: atividade a 7 a 11 Hz em regiões centrais de morfologia arciforme, de média amplitude, manifestando-se como surtos curtos, uni ou bilaterais em vigília e de forma síncrona ou assíncrona. Não desaparece com a abertura dos olhos, sendo caracteristicamente bloqueado pela atividade mo- tora da mão contralateral (ou pensamento da ação de executar movimentos com a mão contralateral), evidenciando sua es- treita relação com a função do córtex rolândico. Estima-se que tenha variações semelhantes às do ritmo alfa, desaparecendo na sonolência; descreve-se que o ritmo mu também poderia 80 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 2. Ritmo beta em regiões anteriores. 81 Figura 3. Ondas lambda. 82 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 4. Ondas agudas do vértex com eletronegatividade máxima no vértex (eletrodo Cz). 83 Figura 5. Fusos de sono. Fase N2 do sono NREM. 84 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 6. Complexo K. Fase N2 do sono NREM. 85 Figura 7. Ondas agudas occipitais positivas do sono na fase N1 do sono NREM. 86 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica aparecer nos estágios N1 e N2 e até mesmo durante o sono REM (Figura 8). Atividade teta rítmica temporal média da sonolência ou "descargas rítmicas temporais médias": anteriormente chamada de variante psicomotora. É caracterizada por salvas de atividade teta a 4 a 7 Hz, de morfologia entalhada, observada durante a so- nolência, uni ou bilateralmente sobre a região temporal média. Seu caráter rítmico pode se assemelhar a um padrão recrutante ictal, porém seu caráter é invariável (Figura 9). Tipicamente, essa variante é encontrada em adolescentes e adultos1,3. Atividade rítmica temporal de morfologia arqueada ou ar- ciforme também conhecida como wicket spikes: corresponde a salvas de atividade negativa monofásica de morfologia arqueada que remete a descargas tipo espículas, sem que sejam observadas alterações na frequência entre elas e sem ser acompanhada de atividade lenta (Figura 10). Essa atividade é observada nas regiões temporais médias, tipicamente durante a sonolência e sono su- perficial em adultos ou idosos5. Descargas de espícula-onda fantasmas (em inglês, phantom spike-wave): salvas de complexos de espícula-onda em torno de 4 a 7 Hz, com amplitude relativamente baixa (40 µV.). Normal- mente a espícula de cada complexo tem menor amplitude do que a onda lenta. Apresenta-se frequentemente de forma síncrona, em paroxismos de menos de um segundo de duração. Ocorre na so- nolência ou na vigília com os olhos fechados. Esse padrão é mais frequentemente visto em adultos jovens. São descritos dois tipos, um de máxima amplitude na região occipital claramente não rela- cionado a crises epilépticas e um segundo com máxima amplitude sobre a região frontal, que merece uma análise mais cuidadosa com relação ao seu caráter epileptiforme (Figura 11). Em inglês, essas descargas são conhecidas pelos acrônimos: WHAM (Wake- fulness, High amplitude, Anterior, Male) e FOLD (Female, Occipital, Low amplitude, Drowsiness). Pequenas espículas do sono (em inglês, small sharp spikes): são espículas de baixa amplitude e duração muito breve (< 65 milissegundo), bifásicas, usualmente não são seguidas de onda lenta. Aparecem nas regiões temporais anteriores ou médias, de forma unilateral, bilateral, síncrona ou independente duran- te a sonolência e o sono NREM, em adolescentes e adultos (Figura 12). Sem significância patológica1. Espículas positivas a 14 e 6 Hz: esta variante da normalida- de tem como peculiaridade a polaridade positiva. Apresenta- -se, geralmente, na sonolência e sono, com máxima amplitude nas regiões temporais posteriores, como breves surtos de espí- culas positivas que contêm atividade com frequência de 6 e 14 Hz superimpostas. Em alguns casos, somente um dos compo- nentes é observado (6 ou 14 Hz) e em outros, uma mistura de ambos. Na maioria das vezes, manifesta-se em ambos os lados, mas alternadamente; raramente ocorre de forma exclusivamen- te unilateral. Descreve-se mais frequentemente em crianças e 87 Figura 8. Ritmo mu na região central ocorrendo de forma bilateral e síncrona em vigília. 88 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 9. Atividade rítmica temporal média (anteriormente denominada variante psicomotora). Observe o entalhe característico. 89 Figura 10. Atividade rítmica temporal de morfologia arqueada (wicket spikes). 90 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 11. Descargas de espícula-onda fantasmas. 91 Figura 12. Pequenas espículas do sono. 92 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica adolescentes (1-15 anos), sendo menos observada em adultos. É mais bem visualizada usando grandes distâncias entre os ele- trodos ou nas montagens referenciais (Figura 13). 3. Atividade anormal 3.1. Atividade epileptiforme A atividade anormal está relacionada com epilepsia. Existem dois termos na literatura inglesa para se referir a estes grafoelementos: espículas e ondas agudas. Ambos são relacionados à atividade epileptiforme. Apresentam diferenças quanto a duração e morfologia2. Espícula: o termo inglês spike é traduzido como espícula. É um grafoelementoagudizado de carga negativa, claramente destaca- do da atividade de base, que compromete dois ou mais eletrodos. Usualmente, sua ascensão e queda são igualmente pronunciadas. Pode ser seguida de uma onda lenta e sua forma é relativamente si- métrica (Figura 14). Sua duração é de menos de 70 milissegundo2,6. Complexo de espícula-onda: este complexo é formado por dois componentes, uma espícula e uma onda que a acompanha, ambas negativas, compromentedo dois ou mais eletrodos. Para mensurar sua frequência, contabiliza-se o complexo. Exemplo: descargas generalizadas de complexos de espícula-onda lenta ritmados a 3 Hz (Figura 15). O uso do hífen facilita sua utiliza- ção no plural: complexos de espícula-onda. Onda aguda: o termo inglês sharp wave é traduzido como onda aguda. Trata-se de um grafoelemento agudizado de car- ga negativa, claramente destacado da atividade de base, que compromete dois ou mais eletrodos. Usualmente, a ascensão é rápida e a queda é mais inclinada, sendo seguida de uma onda lenta, e sua amplitude é variável. A duração é de 70 a 200 mi- lissegundo (Figura 16). Poliespícula: o termo polyspike é traduzido como polies- pícula. Refere-se à presença de duas ou mais espículas que podem ser ou não seguidas de onda lenta, sendo, neste caso, denominado complexo de poliespícula-onda. Em diferentes locais da América Latina, diversas termi- nologias são utilizadas. Assim, em alguns países, utili- za-se o termo pontas para designar tanto espículas (du- ração inferior a 70 milissegundo) como ondas agudas (duração entre 70 e 200 milissegundo). Isto torna esse termo confuso. Quando o termo ponta for utilizado, re- comenda-se definir seu significado, uma vez que espícu- las são mais frequentemente observadas no contexto de epilepsias generalizadas, enquanto ondas agudas no de epilepsias focais. Quanto ao momento de ocorrência, a atividade epileptifor- me pode ser dividida em: 93 Figura 13. Espículas positivas de 14 a 6 Hz. Neste caso, observam-se espículas a 14 Hz na montagem Average. 94 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 14. Espícula seguida de onda lenta de projeção generalizada. Neste caso, associa-se a um fuso de sono. Na sua fisiopatologia é aventado o conceito de disormia, segundo o qual impulsos talâmicos normais, ao encontrarem um córtex hiperexcitável, produzem grafoelementos epileptiformes, mais comumente espiculares. 95 Figura 15. Complexos de espícula-onda lenta ritmados a 3 Hz. 96 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 16. Descarga de onda aguda. Observe sua ascensão rápida e sua queda mais inclinada, o que confere um aspecto assimétrico ao grafoelemento. Observe também sua eletronegatividade máxima no eletrodo temporal anterior direito (F8). 97 Atividade epileptiforme interictal: atividade de poucos segundos de duração, sem manifestações clínicas associadas, nem evolução eletroencefalográfica. Atividade epileptiforme ictal: atividade de maior duração, que consiste em salvas de atividade epileptiforme com duração de segundos, a qual apresenta frequentemente evolutividade (incremento e decremento de frequência e amplitude), com ou sem propagação para áreas vizinhas. Essa atividade pode ser elétrica ictal (somente anormalidade eletroencefalográfica) ou eletroclínica ictal (com manifestação clínica associada). Atividade epileptiforme focal: atividade epileptiforme limi- tada a uma parte do cérebro7. Atividade epileptiforme generalizada: atividade epileptifor- me que ocorre simultaneamente em amplas áreas de ambos os hemisférios cerebrais, podendo ser simétrica ou assimétrica. 3.2. Atividade lenta anormal Os alentecimentos correspondem a atividade teta ou delta em uma região cerebral na qual se espera uma frequência de ocorrência maior. Os alentecimentos não são específicos de epilepsia, mas a sua persistência pode denotar lesão estrutural (alentecimento focal) e/ou disfunção sistêmica (alentecimento generalizado). Por isso, é importante reconhecê-los e descre- vê-los. Os alentecimentos focais devem comprometer dois ou mais eletrodos. Neles, como nos grafoelementos epileptiformes, também é possível evidenciar a reversão de fase (Figura 18). Os alentecimentos devem ser caracterizados também em relação a sua frequência e localização, morfologia (agudizada, variável, mono ou polimórfica), ritmicidade (rítmica, intermi- tente), amplitude, propagação e persistência. Atividade monomórfica: ondas de morfologia similar (Figura 19). Atividade polimórfica: consiste em atividade na qual as on- das se apresentam de forma e duração diferentes6 (Figura 20). Atividade periódica: grafoelementos que se destacam do traçado de base, de morfologia uniforme, que se apresentam a intervalos de tempo relativamente regulares. Tipicamente ob- servados em salvas de ao menos seis ciclos de duração ou de maneira contínua (Figura 21). Atividade quase periódica: termo recomendado para des- crever atividades periódicas cujo intervalo entre as descargas não é estritamente regular, apresentando uma variação entre 25% e 50%. Para padrões cujo intervalo varie menos de 25%, é apropriado não usar o termo quase periódico, já que este deve ser considerado periódico per si. Para aqueles padrões cujo in- tervalo entre as descargas é maior que 50%, o termo periódico não deve ser utilizado (Figura 22). 98 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 17. Paroxismo tipo poliespícula-onda. 99 Figura 18. Observe o alentecimento focal temporal esquerdo com máxima negatividade temporal anterior (equipotencialidade na derivação F7-T3). 100 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 19. Atividade delta monomórfica. Observe a semelhança das ondas. 101 Figura 20. Atividade delta polimórfica. 102 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 21. Descargas focais periódicas nos eletrodos F4 e F8. Observe a marcada estereotipia dos grafoelementos epileptiformes com uma frequência fixa. 103 Figura 22. Atividade quase periódica em paciente em coma. 104 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Recomenda-se erradicar os termos semi e pseudo e utilizar o termo quase, para substituir “quasi”, termo recomendado pela Academia Americana de Neurofisiologia8. Atividade rítmica: ondas de morfologia similar que se repe- tem por um período de tempo, sem intervalo entre elas. O termo pode ser utilizado tanto para atividade normal quanto anormal. 4. Outros termos utilizados Dipolo: refere-se à polaridade e à projeção que uma ativida- de elétrica apresenta, com um extremo negativo e outro positivo (Figura 23). Pode-se referir a uma atividade normal ou anormal. Reversão de fase: este termo se aplica às montagens bipo- lares e, em terminologia inglesa, é denominado phase reversal. Essa reversão de fase pode ser de carga negativa em condições normais e também nas com caráter epileptiforme. A reversão de fase de carga positiva é quase sempre um artefato (Figura 24), mas pode ser encontrada nas hemorragias intraventricula- res dos recém-nascidos e nos traumatismos cranianos. Máxima negatividade: refere-se ao eletrodo ou eletrodos de maior negatividade, entre os quais se produz a reversão de fase. Pode ou não ser anormal9 (Figura 25). 5. Outros padrões generalizados anormais Padrão surto-supressão: consiste em períodos de ativida- de eletroencefalográfica nos quais podem haver atividade de qualquer frequência (usualmente teta e delta), frequentemente associada a descargas de espículas e ondas agudas, de poucos segundos de duração, que se alternam com períodos de ate- nuação ou supressão da atividade cerebral menor que 10 µV. por vários segundos10 (Figura 26). Padrão hipsarrítmico: caracteriza-se por um padrão caótico, anárquico, sem regularidade cronológica, de amplitude elevada (maiorque 250 µV.), constituído por ondas lentas, espículas e ondas agudas multifocais que variam a todo momento (Figura 27). Carac- terístico do padrão eletrográfico interictal da síndrome de West. Padrão de onda aguda-onda lenta ritmado a menos de 3 Hz: caracteriza-se por complexos generalizados de onda aguda-onda lenta ritmados a menos de 3 Hz, observados em vigília, que apa- recem de forma isolada ou em salvas irregulares em frequência, amplitude e morfologia. Nem todas as ondas são precedidas por uma onda aguda, sendo por vezes difícil definir um início e um tér- mino claro. Pode existir certa assimetria em diferentes paroxismos, porém a presença de assimetria persistente focal ou lateralizada orienta para a presença de uma lesão estrutural. Quando a duração do paroxismo é superior a vários segundos, pode ser associado a um correlato comprometimento da consciência, caracterizando uma crise de ausência atípica (Figura 28). Esse padrão é caracte- rístico da síndrome de Lennox-Gastaut. Nela são também obser- vados, principalmente no sono NREM, paroxismos de ritmos rápi- dos (10-20 Hz), difusos e bilaterais, de duração variável, síncronos 105 Figura 23. Montagem referencial em Cz. Conformação do dipolo fronto-occipital em uma criança com epilepsia rolândica. Observe a positividade do grafoelemento nos eletrodos F4 e Cz e a negatividade em amplas áreas, desde T4 até O2. 106 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 24. Nesta figura, observam-se dois tipos de grafoelementos: um anormal, epileptiforme, e outro normal. Observe a máxima negatividade da onda aguda patológica no eletrodo temporal anterior esquerdo (F7) e a reversão de fase de um grafoelemento normal, a onda aguda do vértex em Cz. 107 Figura 25. Observe a máxima negatividade em C4-P4, na montagem referencial Average. 108 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 26. Padrão surto-supressão em paciente adulto em coma. 109 Figura 27. Padrão hipsiarrítmico clássico. 110 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 28. Padrão de complexos de onda aguda-onda lenta ritmados a menos de 3 Hz em paciente com síndrome de Lennox-Gastaut. 111 ou assíncronos, sendo considerados por alguns autores essenciais para o diagnóstico desta síndrome epiléptica11 (Figura 29). Padrão periódico com descargas de morfologia trifásica (previamente conhecido apenas como “ondas trifásicas”): consiste em um padrão periódico de atividade delta de alta voltagem, que possui três fases, e, algumas vezes, quatro. A primeira fase da onda é um componente de curta duração, negativo, visto usualmente como uma onda com deflexão para cima; o segundo componente é mais proeminente e resulta em uma deflexão positiva para baixo; finalmente, o terceiro componente é uma onda negativa de maior duração. Sua distribuição é bilateral, síncrona, de predomínio anterior a 1,5 a 2,5 Hz. Embora este padrão não se relacione a uma etiologia específica, associa-se usualmente a encefalopatias metabólicas ou tóxicas, mais frequentemente de natureza he- pática. Uma característica das ondas trifásicas é um retardo temporal (time lag) progressivo (25 a 140 milissegundo) das regiões anteriores para as posteriores do componente positi- vo. Essa característica já foi considerada mais específica da etiologia hepática, embora estudos mais recentes mostrem que esse retardo temporal não é específico das ondas trifá- sicas nem do tipo de encefalopatia metabólica (Figura 30). 112 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 29. Ritmo rápido difuso e bilateral em paciente com síndrome de Lennox-Gastaut. Observe a co-ocorrência de descargas de ondas agudas nas áreas anteriores. 113 Figura 30. Observe o padrão periódico com ondas de morfologia trifásica, em paciente de 39 anos com encefalopatia hepática, e o característico time lag (25 a 140 milissegundo) do componente positivo da onda trifásica das derivações anteriores para as posteriores do cérebro. 114 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Referências 1. Mayor LC, Burneo J, Ochoa JG. Electroencefalograma normal. In: Manual de electroencefalografía – Handbook of electroencephalography. Bogotá: Edi- ciones Uniandes, 2013. p. 77-130. 2. Noachtar S, Binnie C, Ebersole J, et al. A glossary of terms most commonly used by clinical electroencephalographers and proposal for the report form for the EEG findings. Recommendations for the practices of clinical neurophysiolo- gy: guidelines of the International Federation of Clinical Neurophysiology. Elec- troencephalogr Clin Neurophysiol Suppl. 1999;52:S21-S40. 3. Tatum WO. Normal “suspicious” EEG. Neurology. 2013;80(suppl. 1):S4-S11. 4. 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Muitos desses artefa- tos podem ser confundidos com atividades patológicas e levar a um diagnóstico errôneo se não interpretados corretamente1,4. A tarefa de identificação dos artefatos deve ser realizada pelo técnico que efetuou o registro e pelo médico que o interpretará. A esse respeito, é essencial que o técnico esteja atento ao registro e ao ambiente em que este é feito para corrigir esses artefatos e indicar na ficha do paciente tudo o que foi realizado para esse fim, bem como o que aconteceu no ambiente durante o exame. O médico que interpreta o registro deve estar alerta à possibilidade de encontrar artefatos que simulem atividade cerebral e não os julgar a priori como sinais patológicos. 116 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Os artefatos podem ser divididos entre aqueles que advêm de sinais biológicos gerados pelo próprio paciente de forma fi- siológica e aqueles não biológicos que advêm de causas exter- nas e instrumentais. Neste capítulo, serão descritos os artefatos mais comuns e algumas das medidas que podem ser utilizadas para sua eliminação. Todo o tempo gasto em corrigir artefatos, mesmo não sendo contado dentro do tempo exigido para o registro, é ganho em qualidade e eficácia diagnósticas. 2. Artefatos biológicos Estes artefatos são gerados pelo paciente,mas provêm de fontes extracerebrais. Os mais comuns são: - artefatos oculares, - artefatos eletromiográficos, - eletrocardiograma (ECG). 2.1. Artefatos oculares 2.1.1. Movimentos dos olhos e pálpebras: ao fechar as pál- pebras, há desvio dos globos oculares para cima, e ao abri-las, para baixo. A fonte deste artefato é a diferença das cargas elétricas entre as partes anteriores e posterio- res dos globos oculares, já que suas porções anteriores são positivas em relação à retina1,2,5. Artefatos oculares são observados nos eletrodos frontopolares e frontais, podendo se estender aos eletrodos temporais de acordo com os movimentos que os olhos realizam. Movimen- tos verticais são registrados pelos primeiros, enquanto movimentos laterais, pelos últimos. Caracteristicamen- te, são nítidos, rítmicos e simétricos. Movimentos de oscilação dos globos oculares como diferentes tipos de nistagmo podem ser observados mesmo com as pál- pebras fechadas. Antes de iniciar o registro, deve-se solicitar ao paciente que permaneça relaxado, com as pálpebras fechadas, evitando piscamentos. Caso não atenda a essa instrução, pode-se segurar delicadamen- te os olhos com tampões ou gazes sobre estes, visando ao desaparecimento de tal atividade. Em caso de per- sistência, pode ser útil a colocação oblíqua de um par de eletrodos nas bordas superior e inferior das órbitas para observar os movimentos2-4. Isto deve facilitar a di- ferenciação entre uma fonte de atividade frontal lenta de origem cerebral e os movimentos oculares, pois a primeira nunca está em fase, ao contrário dos movi- mentos oculares (Figura 1)5. 2.1.2. Piscamento rápido (eye flutter): consiste em pisca- mento repetitivo, observado como uma sequência de ondas de amplitude elevada que se assemelha a uma atividade delta rítmica (Figura 2). 117 Figura 1. Artefato de piscamento. 118 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 2. Artefato de piscamento rápido. 119 2.1.3. Mirada lateral: o artefato de mirada lateral afeta prin- cipalmente os eletrodos F7 e F8. Durante a mirada la- teral para a esquerda, a polaridade positiva do globo ocular se move em direção a F7 e se distancia de F8. Na montagem bipolar longitudinal, a polaridade posi- tiva máxima será verificada no eletrodo F7 e a negati- vidade será máxima no eletrodo F8, porque a córnea é positiva e a retina, negativa. A forma didática para lembrar como interpretar esse tipo de registro é que o lado de máxima positividade indica a direção da mo- vimentação dos olhos (Figura 3). 2.1.4. Movimentos oculares lentos erráticos (slow roving eyes movements): corresponde a um artefato originário do movimento lateral dos olhos, que mostra uma inversão de fase lenta, geralmente verificada na sonolência. 2.1.5. Espículas do reto lateral: durante os movimentos ocu- lares laterais rápidos, podem ser vistos transientes agu- dos de baixa amplitude que correspondem a poten- ciais de ação musculares dos músculos retos laterais, denominados espículas do reto lateral. Este artefato pode ser seguido por um movimento ocular lento si- mulando um complexo de espícula-onda lenta. 2.1.6. Movimentos oculares rápidos do sono REM: este ar- tefato tem a mesma localização e morfologia similar à mirada lateral em vigília. É observado no sono REM, como ondas assimétricas com uma elevação mais rá- pida que o descenso (Figura 4). 2.2. Artefatos musculares 2.2.1. Artefatos eletromiográficos: são os artefatos mais fre- quentes, observados em quaisquer eletrodos, porém mais comuns nos eletrodos frontais e temporais. São potenciais breves, de alta frequência, geralmente repe- titivos, localizados ou difusos. Podem ser determinados pela ansiedade do paciente diante do procedimento e, para eliminá-la, deve-se dedicar o tempo que for neces- sário para fornecer todas as explicações necessárias e tentar deixar o paciente relaxado2. Pode-se solicitar que ele abra a boca e diga uma palavra longa, por exemplo, “Constantinopla”, visando ao relaxamento dos múscu- los faciais, como recomendaram Gibbs e Gibbs1. Outra técnica consiste em solicitar que a língua seja colocada entre os dentes transitoriamente, o que facilitará o rela- xamento dos músculos masseteres e temporais. Para sua eliminação, não é recomendável o uso de filtros, já que poderão modificar a morfologia característica desses ar- tefatos e gerar confusão com paroxismos epileptiformes do tipo ondas agudas3,6. Nos pacientes com tremor ou nos lactentes que exibem movimentos de sucção, há a combinação de artefatos de movimentos lentos, repe- titivos e de potenciais musculares rápidos que podem 120 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 3. Artefato de mirada lateral. Observe que há inversão de fase positiva em F8 e negativa em F7, o que indica que a mirada lateral está se fazendo para a direita (a positividade ocorre no lado que se olha). 121 Figura 4. Artefato de movimentos oculares rápidos do sono REM. Nos eletrodos frontopolares (Fp1 e Fp2), observe a ascensão rápida e o descenso mais lento. 122 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica causar confusão com paroxismos epileptiformes do tipo complexos de espícula-onda lenta3 (Figura 5). 2.2.2. Artefato glossocinético: os movimentos da língua e da orofaringe, algumas vezes rítmicos e repetitivos, po- dem gerar ondas lentas de distribuição difusa, frequen- temente com amplitude máxima nas regiões tempo- rais, especialmente quando a boca se mantém fechada durante os movimentos linguais2,3. Pode ser uni ou bi- lateral, dependendo da posição da língua. Este artefato é causado pela diferença de potencial entre a base, positiva, e a ponta da língua, negativa (Figura 6). 2.2.3. Resposta fotomiogênica: este termo atualmente utiliza- do na descrição desta resposta sem significado clínico substituiu a denominação anterior, resposta fotomio- clônica, que poderia ser confundida com uma anor- malidade. Consiste em contrações musculares breves geradas pela exposição aos feixes de luz em pessoas susceptíveis enquanto os olhos são fechados. A con- tração envolve principalmente os músculos frontais e orbiculares, podendo acometer ainda outros músculos da face e do pescoço (Figura 7). 2.3. Artefatos cardíaco e de pulso Os artefatos gerados pelo ECG podem ser de dois tipos: elé- tricos ou mecânicos. 2.3.1. Artefatos elétricos: os potenciais gerados pelo coração po- dem ser registrados no EEG, especialmente quando se uti- lizam montagens com distâncias amplas entre os eletrodos e o paciente tem pescoço curto2-4. Podem manifestar-se em todos os eletrodos ou ser limitados a uns poucos (Figura 8). Em geral, são reconhecidos facilmente por sua frequência e morfologia, mas, em caso de arritmias, a variabilidade do intervalo R-R ou a aparição intermitente do artefato pode gerar confusão deste com paroxismos epileptiformes do tipo espículas ou ondas agudas intermitentes5. Diferen- temente de outros, este artefato não pode ser eliminado pelo reposicionamento dos eletrodos; por esse motivo, é aconselhável que sempre seja reservado um canal de EEG para registro da atividade cardíaca2-5. A maioria dos equi- pamentos modernos conta com um canal especial para esse fim. Contudo, caso não o tenha, pode-se lançar mão de um canal de EEG com modificação da sensibilidade, de modo a permitir o registro do ECG, permitindo a dife- renciação de elementos mais ou menos rítmicos de origem cerebral ou cardíaca. 2.3.2. Artefato mecânico do ECG: o artefato de pulso é obser- vado quando um eletrodo é colocado nas proximida- des de uma artéria. É reconhecido por sua correlação temporal com a sístole cardíaca e pode ser corrigido pelo reposicionamento do eletrodo2-5. Pode aparecer 123 Figura 5. Artefato muscular assimétrico. Observe a atividade rápida em regiões frontotemporais mais expressivas à esquerda. 124 O ABC de um registro eletroencefalográfico- Da teoria à prática clínica Figura 6. Artefato glossocinético advindo do ato da deglutição. 125 Figura 7. Artefato fotomiogênico. Observe a atividade rápida em regiões frontopolares durante a fotoestimulação intermitente. 126 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 8. Artefato de ECG assimétrico sobre o hemisfério esquerdo. 127 em qualquer local, mas é mais frequentemente visto nas regiões temporais e frontais. 2.4. Transpiração A transpiração pode modificar a resistência dos eletrodos e gerar potenciais cutâneos que se observam como ondas muito lentas, em geral com 1 Hz ou menos (Figura 9). São mais co- muns nos eletrodos frontais, mas podem se estender a outros eletrodos. O uso de ventilador ou ar-condicionado pode redu- zi-lo ao promover o resfriamento da cabeça do paciente. Caso essa conduta não promova sua resolução, podem ser necessárias remoção dos eletrodos e limpeza do couro cabeludo com álcool ou acetona, seguidas da secagem e recolocação dos eletrodos2-4. 3. Artefatos não biológicos São artefatos gerados por interferências cujas origens estão fora do corpo. São muito frequentes em registros hospitalares em unidades de cuidados intensivos, onde os pacientes estão conec- tados a vários tipos de máquinas com diferentes tipos de ruído. Esses artefatos são subdivididos em: - artefatos de eletrodos; - artefatos de equipamentos externos. 3.1. Artefatos de eletrodos Artefatos produzidos pelos eletrodos podem ser facilmente reconhecidos por serem gerados em canais que compartilham um eletrodo em comum (Figura 10). Alguns podem ser agudos e parecer ser oriundos da atividade cerebral (por exemplo, o pop ou popping de eletrodo). Por esse motivo, durante o registro, a integridade dos con- tatos e dos cabos deve ser verificada, a pasta condutora ou gel não devem estar secos e a impedância deve ser checada. Ar- tefatos no traçado podem advir da caixa de eletrodos e, para averiguar essa suspeita, pode-se mudar a posição do eletrodo em questão para outra cujo funcionamento é sabidamente adequado e a correção do artefato corroborará a suspeita. 3.1.1. Artefato de estouro de eletrodo (pop ou popping de eletrodo): transiente espontâneo que reflete a capaci- dade do eletrodo de armazenar cargas elétricas na in- terface formada entre o eletrodo, a pasta condutora e a fixação do eletrodo ao couro cabeludo. A morfologia desses artefatos pode simular espículas ou ondas agu- das, mas diferenciam-se dessas últimas por serem confi- nados a um único eletrodo, enquanto os grafoelementos epileptiformes geralmente mostram um campo elétrico claro que envolve eletrodos vizinhos (Figura 11). 3.1.2. Contato de eletrodo: quando existe um mau contato no eletrodo devido à fixação ruim, ocorre instabilida- de na resistência do eletrodo, levando à produção de grafoelementos agudos e ondas de morfologia e ampli- tude variáveis (Figura 12). Essas ondas podem adquirir 128 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 9. Artefato produzido por transpiração nos eletrodos frontais. 129 Figura 10. Artefato nos eletrodos F3 e O2. 130 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 11. Artefato no eletrodo C3 por movimento popping de eletrodo. 131 Figura 12. Artefato pelo mau contato do eletrodo. 132 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica um caráter rítmico no contexto de pacientes com mo- vimentos anormais (por ex., tremores). 3.1.3. Movimento dos cabos dos eletrodos: este artefato tem uma morfologia desorganizada que não parece ati- vidade eletroencefalográfica. Os grafoelementos fre- quentemente apresentam reversão de fase, mas esta não é compatível com uma polaridade ou um campo elétrico de origem cerebral (Figura 13). 3.1.4. Ponte de sal: quando há transpiração, um eletrodo pode interagir com o gel ou a pasta condutora de outro ou outros vizinhos e produzir uma ponte salina. 3.2. Artefatos de dispositivos externos Os artefatos de dispositivos externos com frequência pro- duzem ondas muito diferentes das geradas pelo cérebro. É papel do técnico em EEG reconhecer esses artefatos, mar- cá-los, descobrir a sua origem e, idealmente, sempre que possível, corrigi-los. Tais artefatos podem simular um padrão ictal. São basicamente quatro: 3.2.1. Ruído do ambiente elétrico 50/60 Hz: o artefato ambiental mais frequentemente encontrado é o de 50 ou 60 Hz, dependendo do tipo de corrente alternada de cada país. Os equipamentos de EEG possuem filtros que permitem removê-los, mas só devem ser usados após as medidas utilizadas para melhorar o aterramento do aparelho e do ambien- te terem falhado, uma vez que podem alterar o re- gistro4,6. Os artefatos podem ser gerados quando o paciente está conectado a mais de uma terra com valores diferentes5. Ainda esses artefatos gerados por campos eletromagnéticos produzidos por equi- pamentos como ventiladores, ar-condicionado, lâmpadas fluorescentes ou outros dispositivos pró- ximos ao paciente são mais difíceis de eliminar e deve-se tentar evitar que estejam ligados durante o registro2,3. Tais artefatos são geralmente observados em todos os canais, mas, quando a resistência dos eletrodos não é similar, podem estar restritos a um ou mais canais3 (Figura 14). A diferenciação de ar- tefatos de 50 Hz ou 60 Hz com artefatos muscula- res pode ser facilitada pela compressão do registro quando se observará que os artefatos musculares têm conformação sinusoidal, a qual não é observa- da em artefatos de corrente alternada4. 3.2.2. Gotejamento intravenoso: a carga eletrostática das go- tas pode produzir um ruído elétrico no EEG semelhan- te a uma espícula associada com a regularidade do gotejamento. 133 Figura 13. Artefato de movimento dos cabos. Nota-se que a sua morfologia e polaridade têm uma lógica. Além disso, o ECG está alterado. 134 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 14. Artefato de corrente alternada de 50 a 60 Hz. É corrigido ativando-se o filtro notch. 135 3.2.3. Dispositivos elétricos (bombas de infusão, celulares etc.): qualquer equipamento com um motor elétrico pode produzir artefatos de grande amplitude e morfo- logia espicular. O artefato é produzido pela atividade motora e pode ser constante ou intermitente, como é o caso de bombas de infusão. 3.2.4. Efeitos mecânicos: dispositivos mecânicos, como venti- ladores e bombas de circulação, muitas vezes produzem artefatos com componentes mais lentos do que os de ou- tros dispositivos elétricos. O artefato é gerado pelo movi- mento dos eletrodos ou do corpo e pode ter um aspecto enganosamente evolutivo ou recrutante (Figuras 15 a 17). 3.2.5. Movimentos de pessoas: o movimento das pessoas no ambiente de registro pode causar artefatos gerados pelo seu movimento ou com as roupas que usam em sua passagem perto dos cabos de registro. Por isso, é importante evitar que as pessoas se desloquem no am- biente durante o registro2,3. 3.2.6. Artefatos de registro por falha de equipamento: apa- recem abruptamente e, geralmente, comprometem todos os canais. A sua forma é muito diferente da ati- vidade cerebral e, por esse motivo, são facilmente re- conhecidos, mas podem impossibilitar a interpretação do traçado ou requerer apoio técnico especializado3. 136 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 15. Artefato mecânico de compressão rítmica do tórax durante cinesioterapia respiratória. 137 Figura 16. Artefato mecânico pelo ato de coçar o couro cabeludo. 138 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 17. Artefato mecânico por golpes no tórax posterior após a alimentação em um lactente de 3 meses. 139 Referências 1. Gibbs FA, Gibbs EL. Extraneous potentials and artifacts. In: Atlas of elec- troencephalography. Vol. 1.Cambridge: Addison-Wesley, 1950. p. 158-62. 2. Saunders M. Artifacts: activity of noncerebral origin in the EEG. In: Klass DW, Daly DD (eds.). Current practice of clinical electroencephalography. New York: Raven, 1981. p. 37-67. 3. Spehlmann M. Artifacts. In: EEG primer. Amsterdã: Elsevier Biomedical, 1981. p. 105-18. 4. Delamonica EA. Técnica del registro y bases de la interpretación del EEG en electroencefalografía. Electroencefalografía. 2a. ed. Buenos Aires: El Athe- neo, 1984. p. 63-86. 5. Reilly EL. EEG recording and operation of the apparatus. In: Niedermeyer E, Lopes da Silva F (eds.) Electroencephalography. Basic principles, clinical applications, and related fields. 3rd Edition. Baltimore: Williams & Wilkins, 1993. p. 121-122. 6. Ebner A, Sciarretta G, Epstein CM, et al. EEG instrumentation. The Interna- tional Federation of Clinical Neurophysiology. Electroencephalogr Clin Neu- rophysiol Suppl. 1999;52:S7-S10. 141 Capítulo 6 Parâmetros para registro neonatal 1. Técnicas de monitorização A polissonografia neonatal deve ser feita em um ambien- te favorável ao neonato, sem prejuízo ao seu cuidado e ali- mentação. O comportamento do recém-nascido (RN) deve ser observado em tempo real ou por meio de videomonitoramen- to por um observador treinado em reconhecer os diferentes estados de um RN. A observação clínica talvez seja a única maneira de reconhecer o estado de vigília e distingui-lo dos períodos de agitação relacionados a diferentes situações du- rante o sono. A tabela 1 mostra a caracterização das fases de sono e vigília mediante a observação comportamental de acordo com Prechtl1. Magda Lahorgue Nunes 142 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Tabela 1. Reconhecimento do comportamento no sono e na vigília de recém-nascidos1 Estado Comportamento Estado sono/vigília 1 Respiração regular, ausência de movimentação, olhos fechados NREM 2 Respiração irregular, movi- mentos leves, olhos fechados REM 3 Respiração regular, criança tran- quila, olhos abertos, não chora Vigília 4 Respiração irregular, movi- mentos bruscos, olhos aber- tos, não chora Vigília 5 Respiração irregular, movi- mentos bruscos, olhos abertos ou fechados, chorando Vigília O registro polissonográfico pode ser realizado tanto em papel como em dispositivos digitais. Os requisitos técnicos de registro são os mesmos em ambos os casos. A duração mínima deve ser a necessária para observar um ciclo completo de sono, incluindo um episódio completo de sono REM - NREM - REM (no período neonatal, o sono REM é também chamado sono ativo e o sono NREM, sono passivo), ou seja, com duração ao redor de 40 a 60 minutos. De acordo com o objetivo do estudo, podem ser utilizadas di- ferentes combinações de eletrodos e técnicas. O local de fixação dos eletrodos deve ser limpo com álcool para reduzir a resistência elétrica da pele, que é elevada em recém-nascidos. A impedância deve ser inferior a 10 KOhms. Os eletrodos devem ser posicionados de acordo com o sis- tema 10-20, abrangendo toda a extensão do crânio, embora seja utilizado um número reduzido de eletrodos que devem ser posicionados com distância dupla entre si. A velocidade do registro deve ser ajustada para 15 mm/s. Para a realiza- ção do registro se exigem, pelo menos, oito canais de EEG, devendo ser incluídos os eletrodos Fp1 (ou F1), Fp2 (ou F2), C3, C4, T3, T4, O1, O2 e Cz. No sistema 10-20 modificado para RN, os eletrodos Fp1 e Fp2 têm suas posições altera- das, ou seja, deverão ser colocados a meia distância entre Fp1-F3 e Fp2-F4, sendo chamados F1 e F2 (Tabela 2) (Figura 1). A razão para o reposicionamento dos eletrodos Fp1 e Fp2 é que, em decorrência da imaturidade, os lobos frontais não se estendem tão anteriormente no crânio como em crianças mais velhas. Assim, os eletrodos Fp1 e Fp2 devem ser deslo- cados 10% para trás da sua localização normal, ou seja, 20% a partir do násio em relação à distância total násio-ínio e a 10% da linha média da medida circunferencial, passando a chamar-se F1 e F2. 143 Figura 1. Colocação dos eletrodos no couro cabeludo. 1) F1-C3; 2) C3-O1; 3) F2- C4; 4) C4-O2; 5) F1-T3; 6) T3-O1; 7) F2-T4; 8) T4-O22. 31 75 426 8 F2F1 Tabela 2. Exemplo de montagem neonatal. Montagem neonatal Montagem neonatal modificada Fp1- T3 F1- T3 T3-O1 T3-O1 Fp1-C3 F1-C3 C3-O1 C3-O1 Fp2-T4 F2-T4 T4- 02 T4- 02 Montagem neonatal Montagem neonatal modificada Fp2-C4 F2-C4 C4-O2 C4-O2 T3-C3 T3-C3 C3- Cz C3- Cz Cz-C4 Cz-C4 C4- T4 C4- T4 EOG esquerdo EOG esquerdo EOG direito EOG direito EMG mento EMG mento Respiração Respiração ECG ECG Para registros neonatais, deve-se preferir eletrodos ovais de clo- reto de prata com um diâmetro de 5 a 7 mm, fixados por meio de pasta adesiva condutora. O registro com montagens bipolares facilita a detecção de assincronias fisiológicas dos grafoelementos próprios do RN prematuro e auxilia a reduzir potenciais artefatos. Deve-se considerar que a atividade eletroencefalográfica neonatal é muito lenta, devendo-se utilizar filtros com as seguintes característi- cas: filtro de alta de 70 Hz, filtro de baixa de 0,53 Hz e constante de tempo de 1 a 1,2 segundo. Além disso, sempre que possível devem 144 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica ser monitorados parâmetros poligráficos: eletromiograma, EOG, ECG, monitoração do fluxo aéreo nasal, além dos movimentos res- piratórios abdominais. Na impossibilidade de registro desta nature- za, a observação visual e o registro das ocorrências, realizados de forma permanente por um técnico em EEG com experiência, são obrigatórios. Os movimentos oculares podem ser registrados por detec- tores mecânicos (piezoelétricos), por observação direta ou pela eletro-oculografia (EOG). Os eletrodos destinados ao registro eletro-oculográfico devem ser independentes e não se deve uti- lizar os eletrodos Fp1 e Fp2. Um eletrodo é posicionado abaixo e lateralmente ao rebordo externo do olho, o outro, ligeiramen- te lateral ao násio e o outro, em áreas homólogas contralaterais (Figura 2). O registro da respiração fornece informações sobre o ritmo respiratório (detecção de pausas respiratórias) e identifica arte- fatos de movimentos da cabeça e pescoço associados com a respiração. Lembre-se de que a respiração do RN é abdominal, de modo que a cinta de respiração deve ser colocada 2 cm acima do umbigo. Se são utilizados eletrodos para o registro, estes devem ser colocados com 2 cm de distância entre si (Figura 3). Figura 2. Posição dos eletrodos bipolares para registro de EOG. Figura 3. Posição da cinta ou dos eletrodos para registro da respiração. O ECG fornece informações sobre o ritmo cardíaco e per- mite a identificação de artefatos dos batimentos cardíacos no EEG. O ECG pode ser registrado usando eletrodos semelhantes aos utilizados no EEG ou por meio de um cardioneumógrafo. As mudanças do tônus muscular relacionadas com os dife- rentes estágios do sono são avaliadas pela EMG submentual do RN, que é captada por eletrodos semelhantes aos utilizados no 145 EEG ou com eletrodos cutâneos. Os eletrodos de registro devem ser fixados na protuberância do queixo e a referência (que pode ser ligada à terra), a 1,5 cm da mandíbula. A técnica de regis- tro é semelhante à utilizada durante a EMG dos músculos res- piratórios (diafragma, genioglosso, abdominal). A detecção dos movimentos corporais fornece informações sobre a atividade motora e permite a identificação de artefatos nos outros canais da poligrafia. Esses movimentos podem ser detectados utilizan- do diferentes técnicas: observação visual ou assistida por vídeo com anotação em papel, actímetro (que no neonato deve ser utilizado apenas se através de um aparelho pequeno e leve) e transdutores piezoelétricos, como os empregados para detectar movimentos oculares. Os artefatos detectados no EEG também podem ser usados para avaliar a atividade motora. As figuras4A, 4B, 5A, 5B e 5C mostram as características neurofisiológicas do sono REM (ativo) e NREM (passivo) de acordo com a idade gestacional do RN3. 2. Regras básicas de interpretação Para uma análise correta do EEG neonatal, é necessário que o eletroencefalografista conheça os diferentes aspectos da ontogênese do sono e seja capaz de identificar tanto os padrões anormais quanto os grafoelementos normais próprios dessa faixa etária. É essencial que o neonatologista ou o neu- rologista que solicitou o exame informe a razão do pedido, forneça um relatório da história clínica do paciente e indique a idade gestacional. A idade concepcional ou corrigida, cal- culada no dia do exame, é obtida a partir da soma da idade gestacional e dos dias de vida. Por exemplo, um RN com ida- de gestacional de 32 semanas realizando seu EEG com 14 dias de vida tem idade concepcional de 34 semanas. Estabe- leça uma metodologia e tente seguir a mesma dinâmica em todos exames analisados4. 3. Pontos fundamentais para interpretação adequada 1) Caracterização das fases do sono. Descrever a ordem de aparecimento dos vários estados e sua duração. No final do exame, informar se o despertar foi espontâneo ou es- timulado. 2) Descrição do ritmo de base. 3) Cálculo da idade eletroencefalográfica: esse dado informa o grau de maturidade da atividade bioelétrica do cérebro. Em nosso laboratório, usamos os seguintes parâmetros para avaliar a idade gestacional/concepcional: a) número de fu- sos delta contados no mesmo canal durante o sono NREM e REM; b) porcentagem de sincronização inter-hemisférica durante os sonos NREM; c) duração do maior intervalo en- tre picos de atividade durante o sono NREM3-5. 146 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 4A. Sono NREM. Verifique o traçado descontínuo com longos intervalos intersalvas, observados até a semana 34 da idade gestacional. 147 Figura 4B. Sono REM (sono ativo) em RN com idade gestacional inferior a 34 semanas. Note o traçado descontínuo com intervalos intersalvas de duração mais curta do que no sono passivo (NREM). 148 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 5A. Sono REM (sono ativo) em RN com idade gestacional superior a 34 semanas. Note traçado contínuo com mistura de frequências e média amplitude. 149 Figura 5B. Sono NREM. Traçado de RN com idade gestacional entre 34 e 44 semanas. Observe o padrão contínuo com traçado alternante. 150 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 5C. Sono NREM. Observe o padrão contínuo de ondas lentas de alta voltagem em RN com mais de 40 semanas de idade concepcional. 151 4) Descrição da presença/ausência de atividade paroxística anormal ictal. 5) Se houver registro de atividade ictal, compará-la com sua manifestação clínica (tipo de crise). 6) Se houver registro de crise eletrográfica sem manifesta- ção clínica, descrever sua duração e localização. 7) No caso de registro poligráfico, descrever as variáveis fisiológica extracerebrais registradas. 8) Caracterizar o padrão respiratório descrevendo quan- tidade, tipo e duração de apneias. Correlacionar as pausas respiratórias com as fases do sono, frequên- cia cardíaca, saturação de oxigênio, despertar, ge- midos e movimentos corporais bruscos. Verificar o tempo total de respiração periódica, descrevendo-o como uma porcentagem do tempo total de sono. 9) A conclusão do relatório deve incluir comentários sobre: a) a organização do sono; b) a atividade eletroencefalográfica normal, incluindo a comparação da idade determinada pelo EEG com a idade concepcional e o padrão respiratório. Para que o resultado do exame seja útil para o pediatra/ neonatologista/neurologista que o solicitou, é essencial ten- tar estabelecer uma correlação clínico-eletroencefalográfica. Lembre-se de que o EEG neonatal é um método importante de investigação, não invasivo e de fácil obtenção, que possui forte correlação com o prognóstico neurológico. Recomenda-se como leitura complementar o artigo: Regis- tro electroencefalográfico normal y anormal del RN. Revista Chilena de Epilepsia. 2015;2:12-35. Referências 1. Prechtl HFR. The behavioral states of the newborn infant (a review). Brain Res. 1974;76:183-212. 2. De Weerd AW, Despland PA, Plouin P. Neonatal EEG. In: Deuschl G, Eisen A (eds.) Recommendations for the practice of clinical neurophysiology: guide- lines of the International Federation of Clinical Neurophysiology. Amsterdam: Elsevier, 1999. p.149-157. 3. Nunes ML, Da Costa JC. Manual de EEG e polissonografia neonatal: atlas de traçados. Porto Alegre: Edipucrs, 2003. 4. Nunes ML, Da Costa JC. Polisomnografia neonatal. In: Davi P, Blanco M, Pedemonte M, et al. (eds.). Medicina del sueño. Santiago: Mediterraneo, 2008. 5. Curzi-Dascalova L, Mirmiran M. Manual of methods for recording and an- alyzing sleep-wakefulness states in preterm and full-term infant. Paris: In- serm, 1996. 153 Capítulo 7 Requisitos e procedimentos mínimos para registros de EEG em lactentes e crianças Guilca Contreras-Caicedo 1. Introdução Os princípios para realização do eletroencefalograma (EEG) em crianças são basicamente os mesmos dos adultos (ver capítulo 3). No entanto, existem recomendações especiais para essa faixa etária, especialmente em relação à fixação dos eletrodos, provas de ativação, técnicas de privação de sono específicas para cada idade e sedação. Cabe destacar que a agilidade do técnico em fazer um exa- me divertido e não assustador para a criança é a chave para a obtenção adequada do registro. Neste capítulo, são fornecidas as informações básicas que o técnico deve anotar na ficha técnica do registro e, muito bre- vemente, os principais marcos da maturação que devem ser identificados pelo eletroencefalografista e pelo técnico, muitas vezes mal interpretados como anormalidades a olhos inexpe- rientes. 154 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 2. Visão geral O registro do EEG é realizado com os mesmos padrões apresentados nos capítulos 2 e 3. A seguir, são descritas as di- ferenças pontuais da faixa etária pediátrica. 2.1. Número de eletrodos Devem ser utilizados todos os 21 eletrodos e suas respecti- vas posições conforme a recomendação da Federação Interna- cional de Neurofisiologia Clínica. O sistema 10-20 é o único sistema de colocação de eletrodos oficialmente recomendado e utilizado em todos os pacientes com circunferência da cabe- ça maior que 36 cm. Em recém-nascidos e em pacientes com microcefalia, pode ser usada a montagem para recém-nascido (ver capítulo 6). Se for necessário inserir eletrodos adicionais, estes devem ser fixados de acordo com o sistema 10-10 (para mais detalhes, ver o capítulo 3). 2.2. Colocação dos eletrodos Já que as crianças, especialmente as mais jovens, tendem a se movimentar durante a maior parte do registro, a colocação dos eletrodos no local correto é difícil e deve ser feita com mui- to cuidado. Podem ser aplicados com pasta condutora ou gel condutor e colódio. No caso de registros prolongados (mais de 24 horas de duração), o uso de colódio é preferível em pacien- tes com idade superior a 1 ano, a fim de melhorar a fixação e evitar que os eletrodos se soltem pela inquietação da criança. O uso de colódio não é recomendado para idades mais jovens, sendo contraindicado a recém-nascidos por sua elevada toxici- dade e risco de laceração do couro cabeludo. Em alguns laboratórios, o colódio foi substituído por creme de eletrodos (por exemplo, Genuine grama EC2®) cuja vantagem é não ser abrasivo e ser hidrossolúvel, portanto facilmente removido com água. Sua desvantagem é que a pasta requer tempo de seca- gem mais longo e, assim, maior atraso na fixação dos eletrodos. A cabeça deve ser envolvida com um curativo para assegu- rar que os eletrodos permaneçam no local. Uma outra alterna- tiva é o uso de malha tubularelástica (por exemplo, Surgifix®), que, por ser elástica e não conter tecido grosso, permite a fi- xação dos eletrodos sem perda da visibilidade, possibilitando alterar ou recolocar um eletrodo se este se soltar durante o re- gistro (Figura 1). 2.3. Manobras de ativação 2.3.1. Manobra de abertura e fechamento palpebral A comparação do que acontece com o registro de uma de- terminada atividade durante a abertura e o fechamento palpebral é um importante método de avaliação em eletroencefalografia. Alguns ritmos podem ser mascarados pela atividade alfa e só se tornam visíveis quando o ritmo alfa é atenuado pela abertura dos 155 Figura 1. Uso de malha tubular elástica que permite a fixação segura de eletrodos, sem perda da visualização, possibilitando a eventual correção deles durante o exame. olhos. Certos movimentos oculares podem assemelhar-se com a atividade delta ou teta frontal e a abertura ocular pode auxiliar na sua diferenciação. Além disso, uma atividade paroxística pode manifestar-se somente quando os olhos estão abertos ou apenas quando fechados ou, ainda, no momento da transição, de modo que a não realização da abertura e do fechamento palpebrais como um processo de rotina durante o registro pode reduzir a possibilidade de se obter informações muito importantes. Esse procedimento é tão simples que é injustificável não o realizar. Em crianças com mais de 3 meses de idade e até que haja cooperação delas, recomenda-se que os olhos sejam mantidos fechados manualmente pelos pais ou técnico, durante cinco segundos, sendo esse um tempo geralmente eficaz para de- monstrar o ritmo posterior dominante. A técnica de jogo com o paciente de “onde está”, “achou” ou “peek-a-boo” também pode ser uma alternativa divertida e menos ameaçadora para a criança (Figura 2). Figura 2. Técnica de jogo para obter o fechamento palpebral da criança, a fim de definir o ritmo posterior. Jogo "Onde está?" ou “Peek-a-boo”. 156 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 2.3.2. Fotoestimulação ou estimulação luminosa intermitente Em pacientes pediátricos, a manobra de fotoestimulação é realizada em uma sala de EEG escura e com o paciente prefe- rencialmente sentado. As crianças pequenas podem ser enco- rajadas a sentar-se no colo de um dos pais, porém como este também será exposto ao estímulo de luz e fotossensibilidade é um traço reflexo genético, deverá sempre ser questionado antecipadamente se tem ou não epilepsia e se é ou não fotos- sensível. Nesse caso, deverá ser obtido o consentimento para acompanhar a criança, pelas consequências indesejáveis que podem ocorrer durante a estimulação luminosa. A fotoestimulação deve ser realizada três minutos depois ou antes da hiperventilação. Realizada ao final do registro e tendo sido efetuada a ativação pela hiperventilação no início, facili- ta-se a obtenção de um sono espontâneo durante o estudo, es- pecialmente em crianças. No entanto, é muito importante que, nesses casos, o técnico assegure o registro de vigília satisfatório antes de iniciar a prova. O procedimento de estimulação luminosa intermitente ava- lia respostas específicas que ocorrem em vigília, por isso deve ser sempre realizado em vigília, e não em sono, exceto em pacientes com comprometimento de consciência, nos quais rotineiramente essa prova é realizada para avaliar a reatividade dos ritmos. A estimulação luminosa produz o arrastamento fótico fisio- lógico desde o período neonatal no RN a termo, no entanto não é utilizada nessa faixa etária. Recomenda-se realizar esse procedimento de ativação após os 3 meses de idade, sendo sua resposta mais evidente após os 6 anos de idade. Para que a criança olhe para o centro da lâmpada, pode-se colocar um brinquedo um pouco acima e por trás da lâmpada de estimulação. Como é ideal que a fotostimulação seja realizada durante o fechamento palpebral, com os olhos fechados e os olhos abertos, em crianças menores de 4 anos ou naquelas que não cooperam (pacientes com incapacidade cognitiva ou distúrbios comportamentais), os olhos devem ser fechados passivamente pelos pais ou pelo técnico (com cuidado para permitir a passagem do estímulo luminoso). Normalmente, as crianças acima de 4 anos colaboram para o fechamento dos olhos. 2.3.3. Hiperventilação Deve ser realizada de rotina, a não ser que existam razões médicas ou outros motivos que a contraindiquem (ver capítulo 3). A prova de hiperventilação também deve durar três minutos, como nos adultos, porém deve ser realizada por mais tempo (cin- co minutos) nos pacientes que estão em investigação por crises de ausência. 157 Para avaliar o efeito dessa técnica de ativação, deve ser realizado um registro de pelo menos um minuto prévio à hiperventilação com a mesma montagem que será utilizada durante o procedimento. É fundamental que o técnico espe- cifique no traçado ou em folha avulsa a qualidade do esforço do paciente durante a prova (bom esforço, regular ou ruim). A hiperventilação em crianças pode ser realizada a partir do momento que elas colaborem com a manobra, geralmente a partir dos 3 anos de idade. Utiliza-se o recurso de soprar uma folha de papel, que deve ser mantida elevada ou, de forma mais lúdica, com um cata-vento (Figura 3), explicando-se pre- viamente à criança como ela deverá proceder e reforçando que o catavento deve ser mantido girando durante todo o pro- cedimento. O alentecimento progressivo, intermitente e em salvas do tra- çado de base durante a infância pode ser muito intenso e não é infrequente que seja confundido com atividade epileptiforme por olhos inexperientes (Figura 4). 2.3.4. Registro de sono Sempre se deve tentar registrar sonolência e sono, dado que muitas informações adicionais podem ser obtidas durante esses estágios, reconhecidamente mais sensíveis para a detecção de atividade epileptiforme. Por outro lado, em crianças inquietas ou que não cooperam, o traçado de vigília pode conter muitos artefatos, os quais impossibilitarão sua análise. Figura 3. O cata-vento permite que a criança realize uma hiperventilação mais lúdica, imprimindo maior qualidade de esforço. A obtenção do sono natural é desejável e, para que isso ocorra, aplicam-se regras básicas de privação de sono. Se a criança necessitar de sedação, deve ser utilizada a me- nor dose necessária e sempre associada à privação de sono, a fim de evitar efeitos adversos. Por outro lado, será necessário despertar o paciente no final do registro com o objetivo de ob- ter a reação de despertar, o registro em vigília e a realização da prova de estimulação fótica no final do estudo. 158 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 4. Marcada lentificação do traçado de base ante a prova de hiperventilação. 159 3. Sedação para o EEG de crianças A realização do EEG exige a cooperação do paciente, de modo que manter as crianças quietas e imóveis, especialmen- te as mais jovens e aquelas com deficiências cognitivas e/ou transtornos do espectro autista, pode ser difícil e desafiador. O treinamento antes do estudo pode ser um método eficaz, porém mesmo assim algumas crianças necessitam de sedação para realizar o exame. É importante ressaltar que, independen- te da idade, o registro de sono natural é preferível ao induzido por um fármaco hipnótico. Idealmente, no procedimento de sedação para o EEG, devem ser utilizados agentes que não alterem o registro, por exemplo, que não induzam marcada impregnação farmacoló- gica ou supressão da atividade epiléptica. Além disso, devem ter um início e final de ação rápida e previsível, com depres- sões respiratória e cardiovascular mínimas. O uso de qualquer fármaco sedativo em crianças deve ser precedido por uma breve, mas clara, explicação do procedimen- to a ser realizado para os pais, qual a duração do efeito e possí- veis efeitos adversos. Todos os pais que autorizarem a sedação devem assinar um consentimentoinformado, o qual deve ser parte dos protocolos no laboratório de EEG. Os medicamentos mais utilizados para sedação são hidrato de cloral e melatonina2. 3.1. Hidrato de cloral O hidrato de cloral é um halogênio orgânico que foi sin- tetizado pela primeira vez por Justin Liebig em 1832 e é uti- lizado como sedativo e hipnótico desde 1869. Apesar da sua utilização durante anos como método de escolha no EEG em crianças, o seu mecanismo de ação no sistema nervoso central ainda é desconhecido. É administrado principalmente por via oral ou retal. Para ad- ministração VO, usa-se o xarope preparado em 5% (adoçado e aromatizado), em uma dose de 0,5 a 1 ml por kg de peso cor- poral (25 a 50 mg/kg), com um máximo de 30 ml (1,5 g), admi- nistrados 30 minutos antes do registro. O pico de concentração plasmática é alcançado em 60 a 180 minutos após a administra- ção, seu efeito hipnótico ocorre em 20 a 60 minutos e dura entre 60 e 120 minutos. Embora o uso em doses adequadas e bem monitorado o torne um fármaco seguro, é importante conhecer as suas desvantagens e potenciais efeitos adversos. Entre os mais im- portantes, destacam-se sabor desagradável, náuseas, vômitos, ataxia, agitação, irritação gástrica e depressão respiratória (em superdosagem). O hidrato de cloral é contraindicado em casos de úlcera péptica, insuficiência hepática, porfiria, insu- ficiência respiratória, ingestão de anticoagulantes e hipersen- sibilidade3,4. 160 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 3.2. Melatonina A melatonina (5-metóxi-N-acetiltriptamina) é uma indola- mina, um hormônio produzido pela glândula pineal, cuja sín- tese é controlada por vários fatores externos, incluindo a luz ambiental. A melatonina é um indutor natural do sono de fácil administração oral, que desempenha um papel na modulação do ritmo circadiano do sono. A dose recomendada é de 0,3 mg/kg por via oral, 0,5 a 1 hora antes do registro (3 a 6 g, VO, é a dose usual). O pico de concentração plasmática é alcançado em 20 a 120 minutos após a administração, o início da ação ocorre em 30 a 120 minutos e a meia-vida de eliminação é de 30 a 50 minutos. Os principais efeitos adversos da melatonina incluem sono- lência diurna, tonturas e cefaleia. Tem sido relatado que a melatonina pode ter efeitos ne- gativos sobre a coagulação, a pressão arterial e o índice glicêmico, por isso deve ser utilizada com precaução em doentes de risco, como aqueles com distúrbios hemorrá- gicos, hipertensão arterial e diabéticos, bem como em pa- cientes transplantados, dado que aumenta a resposta imu- nológica5,6. Em crianças difíceis, por exemplo, pacientes com distúrbios do espectro autista, retardo mental, distúrbio de comportamen- to grave etc., pode até mesmo se combinar o uso de hidrato de cloral e melatonina quando os pais advertirem que a coopera- ção será muito difícil. A sedação não substitui a privação parcial do sono, que deve ser exigida dos cuidadores sempre que se utilizar seda- ção, a fim de requerer dose mínima e reduzir os riscos de efei- tos adversos. 4. Informações clínicas que devem ser obtidas pelo técnico para a gravação de EEG em pediatria 1. As informações clínicas devem incluir aspectos relevantes do nascimento (idade gestacional, Apgar, período neonatal). 2. Antecedentes do desenvolvimento neurológico da criança. 3. Motivo da solicitação do exame (dados importantes da doença atual, sinais e sintomas clínicos que estabeleçam o tipo de crise e epilepsia ou síndrome epiléptica). 4. Estabelecer, de acordo com a síndrome epiléptica estuda- da, se são necessárias manobras específicas de ativação (ver capítulo 8). 5. Antecedentes mórbidos pessoais: doenças subjacentes que possam contraindicar a hiperventilação, fármaco(s) que re- cebe, data e hora da última crise epiléptica (se houver). 6. Frequência de crises epilépticas e o momento em que se apresentam (por exemplo, se são crises ao despertar, 161 sempre realizar o registro do EEG durante a reação de despertar, o qual deverá ser mantido pelo menos 15 mi- nutos após). 7. Perguntar se existe um desencadeante específico para as crises epilépticas. 8. Hora da última refeição ou ingestão hídrica. 9. Perguntar sobre a presença de alergias a fármacos, es- pecialmente se é necessário sedar ou usar qualquer me- dicamento no caso de uma crise epiléptica durante o exame. 5. Preparação adicional para registro do EEG em lactentes e crianças 1. As crianças devem comparecer com roupas confortá- veis para realizar o EEG, mantendo-se em temperatura confortável, sem frio e evitando a transpiração por ex- cesso de roupas ou casacos. Levar uma muda de roupa, se possível. 2. Os lactentes devem ser alimentados antes ou durante o registro, a fim de facilitar o sono. 3. Lembre-se sempre de solicitar que a criança vá ao ba- nheiro antes de começar o exame. 4. Para facilitar o sono, os cuidadores devem ser aconse- lhados a evitar sonecas ao levar a criança para a sala de monitorização. Em lactentes e crianças jovens, o ideal é registrar o exame na parte da manhã, a fim de evitar a fadiga da criança e obter mais colaboração. 5. Assim como para os adultos, deve se evitar jejuns de mais de quatro horas de duração. 6. Aspectos essenciais da maturação do EEG a serem reconhecidos no traçado de lactentes e crianças A análise do EEG a partir de 2 meses de idade é diferen- te da utilizada na avaliação dos traçados durante o período neonatal (ver capítulo 6). Na maturação do EEG, há certos grafoelementos que aparecem em determinadas idades e as respostas do traçado perante diferentes provas de estimula- ção, próprias da criança, são importantes para reconhecer e diferenciar daquelas da atividade anormal. A partir dos 12 anos de idade, o EEG da criança é muito semelhante ao do adulto7. 6.1. Atividade de base Ritmo posterior de vigília O ritmo posterior da vigília é um dos principais parâmetros para análise da atividade de base do EEG em qualquer idade. A 162 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica criança distingue grandes mudanças na frequência, morfologia e amplitude ao longo do desenvolvimento. Tais variações depen- dentes da idade são tão características que é possível, para os eletroencefalografistas mais experientes, inferir qual é a idade da criança com base na análise do ritmo posterior de vigília. Até o final do primeiro mês, o EEG de um recém-nascido a termo apresenta, durante a vigília tranquila, atividade rítmica de 1 a 2 Hz. Aos 2 meses de idade, 3 a 4 Hz. Ao longo do pri- meiro ano de vida, sofre aumento da frequência, atingindo 5 a 6 Hz de frequência com 1 ano de idade. Entre 1 e 3 anos, observa-se uma aceleração gradual, che- gando o ritmo posterior em vigília a uma frequência de 8 Hz. No entanto, a regulação dessa frequência varia entre os indivíduos, havendo um grupo de crianças normais de 3 anos com um rit- mo posterior de vigília a 8 Hz bastante estável, enquanto outras apresentam partes do registro com essa frequência e outras par- tes com frequências de 6 a 7 Hz. Aos 3 anos, a reatividade do ritmo alfa à abertura palpebral está bem estabelecida (Figura 5). Ritmo alfa posterior com frequência superior a 8 Hz é obri- gatório após os 4 anos de idade. Modulação lenta juvenil As ondas lentas no EEG em vigília durante a infância se apre- sentam de forma fisiológica predominantemente nas regiões posteriores. Observa-se uma sobreposição do ritmo alfa sobre Hz 4 meses 75% 4 Hz 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 3 anos 80% 8 Hz 9 anos 65% 9 Hz 15 anos 65% 10 Hz Idade em anos 10 9 8 7 6 5 4 1 Figura 5. Evolução da frequência de ritmo alfa com a idade7. essas ondas delta, adquirindo a forma de “dedos de luva” com amplitude e frequência irregulares, chamada de modulação len- ta juvenil. É comumente encontrada ao longo da adolescência e não deve ser confundida com um ritmo alfa lento (Figura 6). 6.2.Sonolência e sono Hipersincronia hipnagógica Consiste em surtos de atividade monomórfica, lenta, na frequên- cia teta (4-6 Hz), de amplitude elevada e projeção difusa, de expres- são máxima nas regiões centroparietais e sagitais. É característica de sonolência e tende a desaparecer quando o sono é consolidado 163 Figura 6. Observe atividade delta superposta ao ritmo alfa posterior, com variação da amplitude, dando um aspecto de “dedos de luva”, característico da infância, e denominada modulação lenta juvenil. 164 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica no estágio N2, com fusos do sono e complexos K. A hipersincronia hipnagógica é mais pronunciada em crianças e ainda é evidente na criança pré-escolar, tendendo a desaparecer na idade escolar. É importante que esse elemento normal não seja confun- dido com surtos de ondas lentas anormais nem fenômenos paroxísticos que, para o avaliador inexperiente, podem gerar dúvida. É importante destacar a natureza fisiológica desse gra- foelemento que não deve ser registrado em vigília nem durante o sono, apenas na sonolência. Hipersincronia hipnopômpica O despertar da criança durante o registro de EEG pode cau- sar um surto de atividade delta ou teta monorrítmica, seme- lhante à hipersincronia hipnagógica, que consiste na chama- da hipersincronia hipnopômpica. Deve ser entendida como o mesmo fenômeno da hipersincronia hipnagógica, mas em uma sequência inversa, ou seja, ocorre quando se superficializa o sono, na transição de um sono mais profundo para a fase N1. Fusos de sono O aparecimento de fusos de sono após o nascimento a ter- mo ocorre a partir de 2 meses de idade. Os fusos de sono na criança são assíncronos e com o desenvolvimento, se tornam síncronos. Sua assincronia é comum antes dos 3 anos de idade. Se os fusos de sono continuam assíncronos depois dos 3 anos de idade, este achado deverá ser considerado anormal. Ondas agudas do vértex As ondas agudas do vértex são observadas a partir de 5 me- ses de idade, porém seu aparecimento precoce não deve ser considerado anormal. Referências 1. Jasper HH. Report of the Committee on Methods of Clinical Exam- ination in Eletroencephalography. The ten-twenty electrode system of the international federation. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1958;10:371-5. 2. Ashrafi MR, Mohammadi M, Tafarroji J, et al. Melatonin versus chloral hy- drate for recording sleep EEG. Eur J Paediatr Neurol. 2010;14(3):235-8. 3. López MEB, Lopez IS, Troncoso LA, et al. Hidrato de cloral y midazolam en sedación para electroencefalograma en niños de 1 a 5 años. Rev Chil Pediatria. 1995;66(4):204-8. 4. Gauillarad J, Cheref S, Vacherontrystram MN, et al. Chloral hydrate: a hyp- notic best forgotten? Encephale. 2002;28:200-94. 5. Wassmer E1, Carter PF, Quinn E, et al. Melatonin is useful for record- ing sleep EEGs: a prospective audit of outcome. Dev Med Child Neurol. 2001;43(11):735-8. 6. Eisermann M, Kaminska A, Berdougo B, et al. Melatonin: experience in its use for recording sleep EEG in children and review of the literature. Neuro- pediatrics. 2010;41(4):163-6. 7. Kellaway P. An orderly approach to visual analysis: characteristics of the normal EEG of adults and children. In: Daly D, Pedley T (eds.). Current practice of clinical electroencephalography. 2. ed. New York: Raven, 1990. p. 139-99. 165 Capítulo 8 Tipos de EEG, técnicas de ativação e protocolos de acordo com a síndrome epiléptica Loreto Ríos-Pohl 1. Introdução Especialmente em crianças, existem padrões de eletroencefalo- grama que podem ser patognomônicos ou altamente sugestivos de uma síndrome epiléptica. É importante reconhecer os diferentes pa- drões, não só para auxiliar o clínico na sua orientação diagnóstica, mas também para que o técnico saiba as características eletroence- falográficas específicas de cada síndrome epiléptica, para escolher o melhor exame e executar as manobras de ativação necessárias. Os tipos de EEG, técnicas de ativações específicas e acha- dos eletroencefalográficos característicos das síndromes epi- lépticas mais frequentes estão detalhados a seguir, sem uma análise profunda de suas características clínicas, que excede os objetivos do presente capítulo. 1.1. Síndrome de West Encefalopatia epiléptica idade-dependente (3-12 meses), caracterizada por espasmos epilépticos e padrão de eletroen- cefalograma com anormalidade característica, chamado de pa- 166 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica drão hipsarrítmico. São descritas, além do padrão hipsarrítmico clássico, cinco variantes1. O padrão hipsarrítmico pode aparecer primeiramente apenas no sono NREM, com padrões de vigília e sono REM relativa- mente normais ou alterações focais (Figuras 1 e 2). Os espasmos epilépticos geralmente são observados ao despertar. Tipo de EEG EEG em sono com reação de despertar e vigília. - Sempre deve ser registrado o sono NREM, com a rea- ção do despertar e vigília. - O exame deve durar pelo menos 15 minutos depois do despertar para tentar registrar os espasmos epilépticos. - O uso de eletrodos de registro adicionais, como EMG dos deltoides, é recomendável, já que facilita a de- tecção das características da contração dos espasmos musculares. 1.2. Epilepsia focal benigna da infância com descargas centrotemporais Esta síndrome é também dependente da idade e seu selo são as descargas de ondas agudas centrotemporais, que se caracterizam por serem ondas agudas bifásicas, estereotipadas, localizadas nas regiões centrais ou centrotemporais de forma bilateral síncrona e/ou independente, inicialmente em salvas, que podem ocorrer apenas no sono NREM, estando ausentes ou presentes muito ocasional- mente quando em vigília e durante o sono REM. Essa atividade é o achado intercrítico característico e peculiar dessa síndrome epilép- tica (Figuras 3 e 4). A morfologia dessas descargas é sempre este- reotipada e consiste em uma ampla onda aguda negativa (mais de 200 µV.), de duração superior a 80 ms, precedida por uma espícula positiva de baixa amplitude (0,5 e 0,8 µV.), seguida de uma maneira inconstante por uma onda lenta de amplitude sempre menor que a da onda aguda. É por isso que a denominação correta desse gra- foelemento deveria ser complexos de onda aguda-onda lenta e não espículas centrotemporais (centrotemporal spikes). Após o despertar é frequentemente observada uma diminui- ção dramática na atividade epileptiforme. Outra característica também peculiar desse padrão de EEG é que a estimulação soma- tossensitiva pode induzir a ocorrência de descargas evocadas nas mesmas áreas em que ocorrem as descargas interictais (Figura 5)2. Tipo de EEG EEG com privação parcial de sono. - Deve ser sempre registrados vigília e sono NREM. - Testes somatossensitivos: pedir que a criança bata os dedos polegar e indicador das mãos em interva- los aleatórios e com frequência variável. Esta é uma maneira fácil de induzir o surgimento das descargas somatossensitivas evocadas. Se o paciente não coo- perar, o técnico poderá percutir com um martelo de reflexos os dedos das mãos ou dos pés da criança. 167 Figura 1. Paciente de 16 meses com esclerose tuberosa. EEG em vigília evidencia atividade epileptiforme focal interictal parietal direita (P4). 168 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 2. EEG do mesmo paciente da figura 1, em sono NREM com padrão hipsarrítmico. 169 Figura 3. Paciente do sexo masculino com 5 anos de idade. Observe no sono NREM, fase N2, ondas agudas de morfologia característica localizadas nas regiões centro- temporais bilaterais, com maior expressão à esquerda. 170 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 4. EEG do mesmo paciente da figura 3 após o despertar, na transição sonolência-vigília. EEG evidencia redução significativa da atividade epileptiforme, observada apenas na região centrotemporalesquerda. 171 Figura 5. EEG de paciente de 7 anos com epilepsia com descargas centrotemporais. Observe como aparecem ondas agudas centrais esquerdas quando se indica a percussão dos dedos da mão direita (teste somatossensitivo). 172 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 1.3. Epilepsia occipital idiopática São descritos dois tipos de epilepsia occipital idiopática: a síndrome de Panayiotopoulos com início na primeira infância (3-6 anos) e a epilepsia idiopática occipital tipo Gastaut, de início tardio (6-15 anos). Nelas se observa que as descargas são acentuadas durante o sono e ativadas pela remoção da visão central e da fixação, fenômeno denominado sensibilidade à perda da fixação visual (fixation-off sensitivity) (Figuras 6 a 8). Fixation-off sensitivity (FOS): a eliminação da visão central e da fixação deve ser obtida por meio do fechamento dos olhos, no es- curo ou com lentes +10 esféricas, que é um estímulo precipitante específico que induz o aparecimento de descargas focais occipitais ou de paroxismos generalizados de voltagem elevada, os quais per- sistem enquanto o estímulo é mantido, mesmo na presença de luz2. Tipo de EEG EEG com privação parcial de sono. - Devem ser sempre registrados vigília e sono NREM. - Se a criança é pequena, é recomendável iniciar o re- gistro em sono leve (a atividade epileptiforme pode ser observada somente durante sono) e realizar as mano- bra de ativação no final do exame, após o despertar. - Manobra fixation-off sensitivity: com essa manobra, espera-se desencadear o aparecimento de descargas occipitais em salvas: Executar abertura e fechamento dos olhos. No paciente não cooperante, realizar manobra de eliminação da visão central com escureci- mento do quarto ou colocação de uma lente +10 esférica. 1.4. Epilepsia ausência da infância Também idade-dependente, esta síndrome epiléptica tem seu pico de manifestação entre os 6 e 7 anos e os pacientes afetados apresentam predisposição genética. Seu curso é be- nigno, sendo mais frequente no sexo feminino. As crises epilépticas se caracterizam por ausências bre- ves que ocorrem com frequência elevada durante o dia (ca- ráter picnoléptico), com alterações eletroencefalográficas que acompanham as ausências clínicas, caracterizadas por um padrão de complexos de espícula-onda lenta generaliza- dos, bilaterais e síncronos, ritmados a 3 Hz, facilitados pela hiperventilação em 90% dos casos (Figura 9). A atividade de base é normal2. 173 Figura 6. EEG de paciente do sexo masculino, 6 anos, em vigília. Observe a escassa atividade epileptiforme occipital direita após o fechamento ocular. 174 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 7. EEG do mesmo paciente da figura 5, ao entrar no sono NREM, evidencia um aumento significativo da atividade epileptiforme focal occipital bilateral, com predomínio à direita. 175 Figura 8. EEG de paciente de 5 anos, sexo feminino, com epilepsia occipital benigna. Observe o bloqueio das descargas occipitais esquerdas ante a abertura palpebral (fixation-off), as quais se reiniciam poucos segundos após voltar a fechar os olhos (imagem comprimida à velocidade: 20 mm/s; sens: 7 µV; HF: 70; LF: 1,6). 176 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 9. EEG de paciente de 9 anos, sexo feminino, consulta por episódios de ausência e baixo rendimento escolar. Observe o padrão de complexos de espícula-onda generalizados ritmados a 3 Hz, 1 minuto e 40 segundos após o início da hiperventilação. 177 Tipo de EEG EEG padrão (em vigília, sem privação de sono), com hiper- ventilação prolongada de 5 minutos. - Durante a hiperventilação, deve-se estar atento aos sinais clínicos e, caso o paciente coopere, pode-se solicitar que eleve ambos os braços e que conte as incursões respiratórias em voz alta. - Ao solicitar que a criança assopre um cata-vento, a ma- nobra se torna mais divertida, o que possibilita uma me- lhor cooperação. 1.5. Epilepsia mioclônica juvenil Esta síndrome é uma das mais prevalentes dentre as epilepsias generalizadas, correspondendo a 5% do total de todas as epilep- sias e 25% das epilepsias generalizadas idiopáticas ou genéti- cas. Clinicamente se caracteriza por início na adolescência pela tríade de ausências, abalos mioclônicos e crises tônico-clônicas generalizadas. O selo do EEG é o aparecimento das descargas poliespícula-onda generalizadas a 3 a 6 Hz, com presença de fotossensibilidade em 30% dos pacientes (Figura 10). Nesta síndrome, há fatores precipitantes claros, como a pri- vação do sono e fadiga, além da ingesta excessiva de álcool. O estresse mental e as emoções (concentração, hiperexcitação, frustração) também podem induzir mioclonias. Ainda é descrita a indução das mioclonias nas extremidades superiores por praxia e das mioclonias perorais ao falar/ler3. Tipo de EEG EEG com privação parcial de sono, despertar e estimulação fótica intermitente. Idealmente com EMG de deltoides. - O registro após ao despertar deve se estender por 15 minutos para registrar mioclonias. - A indução de mioclonias focais específicas, através de estímulos neuropsicológicos ou praxia não são realizados de maneira rotineira. 1.6. Epilepsias reflexas Estas epilepsias correspondem aproximadamente a 5% de todas as epilepsias e se caracterizam por apresentar crises quase exclusivamente em resposta a estímulos específicos, que podem ser externos ou, com menos frequência, por processamentos mentais internos. As crises podem ser focais ou generalizadas. Os fatores desencadeantes mais comuns são os estímulos visuais ou sensoriais (somatossensoriais, auditivos, olfativos ou proprioceptivos). Fatores desencadeantes mais complexos como ler, escutar música ou atos práxicos são mais raros. Tipo de EEG Nestes casos, o EEG deve ser realizado com a aplicação de estí- mulos desencadeantes específicos. É desejável adicionar vídeo. 178 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 10. EEG de paciente de 14 anos, consultado por mioclonias matinais. Observe a resposta fotoparoxística generalizada, autossustentável, acompanhada de mioclonias nas extremidades superiores, registradas nos eletrodos adicionais de deltoides esquerdo e direito. Ao gerar essa resposta, o técnico suspende imediatamente o estímulo fótico. 179 1.7. Epilepsia com mioclonias palpebrais e ausências ou síndrome de Jeavons Representa aproximadamente 3% das epilepsias e 13% das epilepsias generalizadas com ausências. Observa-se predomínio do sexo feminino. As crises têm início na infân- cia, em uma idade média de 6 anos, sendo caracterizadas pela tríade4: 1) Mioclonias palpebrais frequentes acompanhadas de elevação dos globos oculares com ou sem ausên- cias, induzidas pelo fechamento palpebral em um ambiente luminoso e que desaparecem em ambiente escuro. 2) Correlato elétrico de poliespícula/poliespícula-onda generalizadas ou de predomínio posterior de voltagem elevada a 3 a 6 Hz, de duração breve (1 a 6 segundos), com latência de aparecimento de 0,5 a 2 s (Figura 11). 3) Resposta fotoparoxística em 100% dos pacientes (Figura 12). 4) Deterioração da atividade de base do EEG após o des- pertar. Vídeo-EEG é o procedimento mais importante para o diagnóstico dessa síndrome (ou a observação direta pelo médico). Tipo de EEG EEG com privação parcial de sono. - Registrar primeiro a vigília, com a manobra de aber- tura e fechamento palpebral em ambiente luminoso e depois em ambiente escuro. Os paroxismos de po- liespícula são desencadeados principalmente pelo fechamento palpebral em ambiente iluminado, com desaparecimento deles perante o mesmo procedi- mento em um ambiente de escuridão total. - Reação de despertar: é descrito um aumento da ati- vidade epileptiforme após o despertar. - A fotoestimulação é obrigatória, devendo ser rea- lizada apósa obtenção do traçado em sono, dado que pode desencadear crises e invalidar o restante do exame, ou induzir angústia no paciente pela res- posta fotoparoxística intensa, provendo a perda da cooperação dele. 2. Padrões de EEG fortemente sugestivos de patologias neurológicas específicas São descritos alguns padrões de EEG específicos, caracte- rísticos de certas doenças neurológicas, cuja detecção se torna importante na condução do diagnóstico e/ou do seguimento evolutivo. 180 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 11. Síndrome de Jeavons. Ao pedir que o paciente feche os olhos em ambiente iluminado, são observadas mioclonias palpebrais com elevação dos globos oculares (EOG) com correlato de poliespícula/poliespícula-onda generalizadas de predomínio posterior de voltagem elevada a 3 a 6 Hz de breve duração (1,5 s), com latência de aparecimento aproximada de 0,5 s. Esse fenômeno desaparece quando a prova é realizada da mesma forma, em ambiente escuro. 181 Figura 12. Síndrome de Jeavons. Resposta fotoparoxística Waltz tipo 4. 182 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 2.1. Síndrome de Angelman A síndrome de Angelman foi descrita pela primeira vez em 1965 pelo Dr. Harry Angelman. Tem prevalência de 1 em 15 mil e etiologia genética heterogênea envolvendo o cromosso- mo 15q11-13. Fenotipicamente é caracterizada por retardo mental grave, ausência de linguagem, ataxia, dismorfias craniofaciais (estrabis- mo, boca grande, dentes espaçados, microcefalia, braquicefalia, prognatismo, protrusão lingual) e comportamento característico em que se destacam surtos de riso imotivado, aparência de fe- licidade e personalidade facilmente excitável (“fantoche feliz”). Esta síndrome cursa com epilepsia em 70% a 90% dos ca- sos. O início das crises epilépticas é principalmente antes dos 3 anos, especialmente entre 1 e 3 anos. São descritos três padrões de EEG interictais característicos, que aparecem precocemente na vida a partir de quatro meses, sem ter uma correlação com o aparecimento clínico das crises. Assim, trata-se de um instrumento valioso para suspeitar do diag- nóstico clínico de forma precoce. Os padrões são verificados em vigília e sono, seja de forma isolada ou combinada, não sendo incomum encontrar mais de um padrão no mesmo paciente5. 2.1.1. Padrão tipo 1 Observa-se atividade rítmica persistente a 4 a 6 Hz de volta- gem elevada (> 200 µV.), frequentemente generalizada, não as- sociada à sonolência e que persiste em grande parte do registro. Não é bloqueada pelo fechamento palpebral. Esse padrão é mais comum em crianças com menos de 12 anos (Figura 13). 2.1.2. Padrão tipo 2 Este padrão é o mais frequente, observado em crianças e adultos. Consiste em atividade delta rítmica a 2 a 3 Hz (200-500 µV.) generalizada, mais proeminente nas regiões anteriores com descargas epileptiformes interictais interpostas do tipo espículas e ondas agudas e, por vezes, complexos de espícula-onda irregula- res de amplitude moderada e distribuição multifocal. O selo desse padrão é que a atividade lenta predomina sobre a atividade epilep- tiforme. É o mais frequentemente descrito em crianças e adultos. Laan et al.6 descreveram uma variação desse padrão que consiste na substituição da atividade delta rítmica de voltagem elevada por salvas rítmicas ou contínuas de ondas trifásicas a 2 a 3 Hz, com amplitude muito alta (200 a 500 µV.), entremea- das por atividade epileptiforme interictal de predominância frontal. Essas ondas trifásicas diferem daquelas habitualmente descritas em pacientes com alterações metabólicas, já que são observadas em crianças e adultos alertas e responsivos e que não apresentam variações na vigilância (Figura 14). 2.1.3. Padrão tipo 3 Atividade delta de voltagem elevada (>200 µV.) a 3 a 4 Hz de predomínio posterior, com espículas e ondas lentas entremeadas, 183 Figura 13. Padrão 1 da síndrome de Angelman. Atividade rítmica persistente a 4 a 6 Hz generalizada, de voltagem elevada, sem associação com a sonolência e que persiste em grande parte do registro. Esse padrão é mais frequente em menores de 12 anos. 184 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 14. Padrão 2 da síndrome de Angelman. Observe a atividade delta rítmica a 2 a 3 Hz generalizada, mais proeminente nas regiões anteriores, com descargas epileptiformes interpostas, porém não predominantes. 185 a qual é facilitada ou identificada apenas com o fechamento pal- pebral (Figura 15). Tipo de EEG EEG com privação de sono. Registrar sono e vigília. - Se necessitar de sedação, utilizar a mínima possível. - Programar EEG prolongado de, no mínimo, duas horas, capaz de obter registro de vigília. - Recomenda-se iniciar o EEG no sono e, após o des- pertar, registrar a vigília. Avaliar abertura e fecha- mento palpebral. Se o paciente não cooperar, solicite ao seu cuidador que feche as pálpebras do paciente ativamente por alguns segundos. - Marcar essa ativação no registro. 2.2. Síndrome de Rett Descrita em 1966 pelo Dr. Andreas Rett, é um distúrbio do desenvolvimento de caráter dominante ligado ao cromos- somo X, que afeta de 10 a 15 mil nascidos do sexo feminino no mundo e é a segunda causa mais comum de atraso mental em mulheres. Grande parte dos casos de síndrome de Rett se deve à mutação do gene MeCP2 (Methyl-CpG Binding Protein 2), que codifica um regular epigenético presente em todas as células do corpo. A proteína MeCP2 se encontra em concentrações elevadas nos neurônios, sendo necessárias para seu desenvolvimento e maturação ambas característi- cas relacionadas com os principais sintomas observados em pacientes com síndrome de Rett. As pacientes são aparen- temente normais nos primeiros meses de vida, para depois desenvolver microcefalia, deterioração cognitiva e social, perda de linguagem e das habilidades manuais, estereotipias manuais do tipo “lavagem das mãos” na linha média. Crises epilépticas, escoliose, apraxia de marcha e alterações respi- ratórias também são comuns. A epilepsia é um dos sintomas principais e afeta entre 70% e 90% dos pacientes e se torna refratária em 50% dos casos. Distinguem-se quatro etapas da enfermidade: (1) estádio inicial (6-18 meses); (2) estádio de regressão (até os 3 anos); (3) estádio pseudoestacionário; (4) estádio de deterioração motora tardia7. 2.2.1. Padrão do EEG O EEG na síndrome de Rett frequentemente apresenta pa- drões estereotipados que progridem ao longo das quatro etapas da enfermidade. - Estádio 1 ou inicial (6-18 meses): o Nesta época da doença, as crises não são uma ca- racterística proeminente. o O EEG é normal ou evidencia apenas alentecimen- to do ritmo de base posterior. 186 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 15. Padrão 3 da síndrome de Angelman (sens: 30 µV./mm; HF: 70; LF: 1,6; 15 seg/página). 187 - Estádio 2 ou período de regressão (18 meses-3 anos): o Se não está presente desde a etapa inicial, a instala- ção da lentificação do ritmo de base posterior é de regra em vigília. o Aparecimento de descargas centrotemporais. O pa- drão de EEG lembra o da epilepsia parcial benigna da infância com ondas agudas centrotemporais que apa- recem na sonolência e aumentam no sono NREM. Esse padrão pode persistir no estádio 3. O compro- metimento da área motora (área rolândica) correla- ciona-se com o início da deterioração motora. o Início da perda da arquitetura do sono NREM. - Estádio 3 ou pseudoestacionário (2-10 anos): o É a etapa com maior frequência de crises. o A estrutura do sono se deteriora de forma significa- tiva com desaparecimento dos fusos de sono e das ondas agudas do vértex. o Presença de salvas síncronas de atividade delta pseudoperiódicas e aparecimento de paroxismos generalizados de espículas rítmicas durante o sono. - Estádio 4 ou período de deterioração motoratardia: o Nesta etapa, as crises não são uma característica proeminente. o Há marcado alentecimento da atividade de base com ritmos delta. o Atividade teta rítmica (4-6 Hz) em regiões fronto- -centrais ou centrais é o selo desta etapa. o A atividade epileptiforme pode desaparecer ou ainda estar presente sob a forma de descargas multifocais em vigília e paroxismos generalizados de espícula- -onda durante o sono. o Um achado interessante é a incidência elevada de encefalopatia com estado de mal epiléptico durante o sono NREM, o qual, se não detectado, pode trazer consequências ainda mais catastróficas para o desen- volvimento cognitivo da paciente (Figuras 16 e 17). Tipo de EEG EEG com privação de sono. - O registro de vigília e sono NREM é obrigatório. - Não requer manobras de ativação especiais. 2.3 Síndrome do X-frágil É a síndrome genética que mais frequentemente causa defi- ciência mental hereditária e uma das formas mais bem caracte- rizadas de transtorno do espectro autista. Afeta principalmente crianças do sexo masculino que apresentam um fenótipo ca- 188 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 16. Paciente de 3 anos, com a postura típica de lavagem das mãos e EEG característico do estágio 2 da síndrome de Rett. Observe ocasionais espículas centrais no traçado em vigília. 189 Figura 17. A mesma paciente da figura 16. Observe o aumento acentuado da atividade epileptiforme interictal no sono em regiões centrais com persistência dos fusos de sono. 190 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica racterístico. É transmitido, fundamentalmente, por mulheres. Seu nome se deve a um estreitamento da extremidade distal do cromossomo X (Xq27.3) que aparece no cariótipo dos indiví- duos afetados e que se denominou “local frágil”. Sua prevalência é de 1:4.000 e 1:6.000. A cifra para o sexo feminino é aproximadamente a metade (1:8.000 a 1:12.000). Na maioria dos casos é decorrente de uma expansão anômala do trinucleotídeo composto de cistina-guanina-guanina (CGG) no gene FMR1 (Fragile X Mental Retardation 1) em uma zona não codificante situada no início do gene (extremo 5´). Fenotipicamente se caracteriza por retardo mental, face alargada com fronte ampla e mento proeminente, orelhas grandes e descola- das, hiperfrouxidão articular e macro-orquidia antes da puberdade. A epilepsia ocorre em 10% a 40% dos indivíduos com síndrome do X-frágil. É excepcional que os portadores apresentem crises nos pri- meiros dois anos de vida, assim como o aparecimento da primeira crise após os 10 anos de idade. Apesar de serem descritos todos os tipos de crises, as mais frequentes são as parciais complexas (85%). Diferentemente das outras síndromes, o controle destas parece ser satisfatório com a medicação antiepiléptica habitual. Há tendência ao desaparecimento das crises na adolescência. 2.3.1. Padrão do EEG É observado em cerca de 50% dos pacientes. Como na sín- drome de Rett, o EEG assemelha-se ao da epilepsia rolândica8. - Presença de ondas agudas bifásicas ou trifásicas de voltagem elevada, com escasso desenvolvimento de onda lenta, de projeção em regiões centrotemporais, em focos independen- tes, em salvas breves, com aumento significativo durante o sono NREM (Figuras 18 A e B). - Essas descargas epileptiformes tendem a desaparecer na idade adulta. - Descreve-se também atividade teta rítmica bilateral em re- giões centrais, frontais ou temporais em 50% dos casos. - Alentecimento da atividade de base é observado em 28% dos casos. Tipo de EEG EEG com privação de sono - O registro de vigília e sono NREM é obrigatório. 2.4. Síndrome do cromossomo 20 em anel Cromossomopatia de baixa prevalência, menor que 1 em 1.000.000. Foi descrita pela primeira vez em 1972, em um pacien- te com epilepsia, déficit intelectual e alteração de comportamento. A síndrome do cromossomo 20 em anel representa o exem- plo mais assombroso de uma alteração cromossômica na qual a epilepsia pode ser a única expressão do distúrbio, com au- sência de características dismórficas ou apenas dismorfias mí- nimas e desenvolvimento neuropsicomotor normal até o início 191 Figura 18. A e B. Síndrome do X frágil. Paciente do sexo masculino, 7 anos, em avaliação por dificuldade de aprendizagem sem antecedente de crises epilépticas. Solicitado EEG que evidenciou padrão sugestivo de epilepsia benigna com descargas centrotemporais. Seu fenótipo e EEG levaram a realizar estudo genético que confirmou diagnóstico de síndrome do X frágil. 192 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica das crises. Ulteriormente, podem ocorrer diferentes graus de deterioração cognitiva e do comportamento. Epilepsia ocorre em 90% a 100% dos casos, é de gravidade variável, com início das crises antes dos 10 anos em 90% dos afetados (1-20 anos). Caracteriza-se por crises epilépticas de origem frontal em vigí- lia, de segundos a horas de duração, sob a forma de estado de mal não convulsivo, em que os pacientes permanecem imóveis, olham fixamente, têm automatismos complexos e podem até deambular. Podem estar associadas a automatismos ou mioclonias palpebrais ou perorais. Esses eventos frequentemente não são diferenciados de um início de transtorno de base comportamental. As crises noturnas frontais ocorrem na forma de despertares confusionais com estira- mento, atrito e rotação. Temores de início recente, que aparecem de maneira concomitante às crises epilépticas, assim como aluci- nações aterrorizantes, que muitas vezes imitam terrores noturnos e que podem ser mal interpretados como paroxismos não epilépti- cos sobretudo em crianças, a não ser que sejam documentados por vídeo-EEG podem ocorrer. Esta epilepsia é altamente resistente a fármacos antiepilépticos e não remite na idade adulta9,10. 2.4.1. Padrão do EEG - Interictal: não específico, com atividade de base normal ou lentificação difusa, com ou sem atividade epileptiforme interictal de predomínio frontal. - Ictal: estado de mal não convulsivo. Observa-se atividade delta rítmica a 2 a 3 Hz de alta voltagem, com espículas e descargas de espícula-onda lenta sobrepostas em regiões frontais, de início e término abruptos (Figuras 19 e 20). Tipo de EEG Vídeo-EEG prolongado com privação parcial de sono. - O técnico deve estar atento a mudanças eletroen- cefalográficas bruscas, que sugerem atividade ictal frontal a fim de realizar interação com o paciente e avaliar o nível de consciência. 2.5. Síndrome da tetrassomia do cromossomo 15 A tetrassomia 15q, também encontrada na literatura como “invdup 15” ou “tetrassomia parcial do cromossomo 15”, é uma cromossomopatia infrequente com incidência estimada de 1 em 30 mil recém-nascidos vivos, que, como a síndrome do cromossomo 20 em anel, também é rara e apresenta um padrão eletroencefalográfico altamente sugestivo e orientador. Do ponto de vista fenotípico, as dismorfias não são muito cha- mativas e podem passar despercebidas: incluem ângulo palpebral caído, epicanto, orelhas de implantação baixa e clinodactilia. Os pacientes afetados apresentam, desde a lactância, hipotonia, atra- so do desenvolvimento psicomotor e comportamento autista. As crises epilépticas têm início em idades variadas, evo- luindo frequentemente para epilepsia refratária com ausências 193 Figura 19. Síndrome do cromossomo 20 em anel. Paciente de 12 anos, sem dismorfias, com epilepsia refratária e alentecimento cognitivo flutuante. Observe crise eletrográfica frontal bilateral não convulsiva caracterizada por atividade delta rítmica a 2 a 3 Hz de voltagem elevada, com interposição de espículas e ondas agudas. 194 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 20. Síndrome do cromossomo 20 em anel. Continuação da crise eletrográfica da figura 19. Observe sua evolução em frequência e voltagem, neste caso sem término abrupto, dado que seapresenta de forma subentrante compatível com estado focal frontal não convulsivo. Estudo cromossômico confirmou o diagnóstico, depois de suspeita baseada na clínica e no padrão do EEG. 195 atípicas, crises atônicas e crises de desvio do olhar para cima durante o sono NREM. Essas últimas são o selo da enfermidade e sua presença orienta para o diagnóstico. O padrão eletroencefalográfico se caracteriza por padrão desorganizado com alentecimento do traçado de base, descar- gas multifocais com predominância hemisférica, paroxismos generalizados de complexos de espícula-onda e ondas agudas de grande amplitude de 10 a 20 segundos de duração, em sua maioria associados a ausências atípicas. O selo eletroclínico obriga a suspeita diagnóstica e a apre- sentação de surtos de poliespícula generalizados durante o sono NREM com ruptura da arquitetura do sono, associados à rotação dos olhos para cima com componente tônico do corpo e/ou taquipneia11 (Figura 21). Tipo de EEG EEG prolongado que registre o sono NREM. - Recomenda-se, se possível, registrar vídeo-EEG pro- longado noturno com registro adicional de EOG para detectar eventos oculares. 2.6. Monossomia parcial 4p (4p ou síndrome Wolf- -Hirschhorn) Esta cromossomopatia é causada pela perda parcial da porção distal do braço curto do cromossomo 4 (4p16.3). Cal- cula-se frequência de 1 em 50 mil recém-nascidos, com pre- dileção pelo sexo feminino de 2:1. Caracteriza-se fenotipica- mente por microcefalia, ponte nasal larga e plana, fronte alta (aparência de “escudo de guerreiro grego”), olhos grandes e protuberantes, filtro curto, micrognatia, boca formando uma parábola para baixo, orelhas malformadas, assimetria facial e defeitos de linha média. Todos os afetados apresentam an- tecedente de restrição de crescimento intrauterino, hipotonia congênita, atraso grave no crescimento, atraso da idade óssea, retardo mental; a epilepsia está presente em mais de 70% dos casos. As crises começam nos primeiros três anos de vida, exce- tuando-se o período neonatal, com incidência máxima entre os 6 e 12 meses. São desencadeadas em uma grande porcen- tagem por febre (> 70% dos casos), têm padrão na maioria das vezes tônico-clônicas generalizadas ou focais, e essa última característica obriga sempre a fazer o diagnóstico diferencial com a síndrome de Dravet. O tipo de crise mais característi- co, porém não o mais frequente (aproximadamente 30%), são as ausências atípicas, que se desenvolvem entre 1 e 6 anos, acompanhadas de um componente mioclônico palpebral e de ambas as mãos. Pode-se observar em até 50% dos pacientes estado de mal convulsivo desencadeado por febre. A evolu- ção da epilepsia é favorável, desaparecendo com o passar dos anos12. 196 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 21. Síndrome da tetrassomia do cromossomo 15. No sono NREM, observa-se paroxismo generalizado poliespicular com ruptura da arquitetura do sono, associado à rotação de ambos os olhos para cima. 197 2.6.1. Padrão do EEG Somente 10% apresentam EEG normal. O padrão do EEG é alterado em 90% dos casos e se carac- teriza por: 1) Complexos de espícula-onda irregulares a 2 a 3,5 Hz, generalizados ou de lateralização hemisférica al- ternante, de alta voltagem, de ocorrência em salvas prolongadas de até 25 segundos, ativados pelo sono NREM. Esse padrão interictal pode ser visto, também, em pacientes sem crises clínicas. 2) Frequentes complexos de espícula e poliespícula-on- da a 4 a 6 Hz sobre a região temporoparieto-occipital (quadrantes posteriores), facilitados pelo fechamento palpebral. Tipo de EEG Vídeo-EEG com privação de sono. - Registrar sono e vigília. Se necessitar de sedação, utilizar a menor dose possível. - Se possível, colocar EOG e EMG das extremidades su- periores. - Programar EEG prolongado de, no mínimo, duas horas a fim de obter registro adequado da vigília. - Recomenda-se iniciar o EEG em sono leve e pos- teriormente o despertar, registrar a vigília e avaliar abertura e fechamento palpebral. Se o paciente não cooperar, solicitar a seu cuidador que feche as pál- pebras do paciente ativamente por alguns segundos. Marcar a prova de ativação no registro eletroencefa- lográfico. 2.7. Lipofuscinose ceroide neuronal tipo infantil tardia (doença de Jansky-Bielschowsky) Faz parte do grupo das lipofuscinoses ceroides neuronais, que constituem o grupo mais frequente de doenças neurode- generativas em crianças. Tem herança autossômica recessiva e início entre 2 e 4 anos. Caracteriza-se, do ponto de vista clí- nico, por crises mioclônicas e mioclono-atônicas associadas a uma grande variedade de outros tipos de crise, como crises tônico-clônicas generalizadas, ausências atípicas e crises fo- cais, deterioração intelectual e perda progressiva de visão. O paciente falece com aproximadamente 10 anos. O padrão eletroencefalográfico revela deterioração progres- siva, lentificação e desorganização do ritmo de base, com ativi- dade epileptiforme do tipo espícula e poliespícula-onda lenta, generalizada e multifocal, especialmente em regiões posterio- 198 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica res. A principal característica da variante infantil tardia é o apa- recimento de espículas gigantes occipitais, seguidas de ondas lentas induzidas pela estimulação fótica intermitente de baixa frequência (1-4 Hz), correspondendo a componentes iniciais de potenciais evocados visuais13 (Figuras 22 e 23). Além disso, o eletrorretinograma e os potenciais evocados visuais geralmente mostram respostas anormais dentro do primeiro ano após o iní- cio dos sintomas, devido à perda de cones e bastonetes. Tipo de EEG EEG em vigília relaxada com estimulação fótica entre 1 e 4 Hz. 199 Figura 22. Doença de Jansky-Bielschowsky. Observe o padrão de sono desorganizado sem grafoelementos fisiológicos do sono e com atividade epileptiforme multifocal. 200 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 23. Doença de Jansky-Bielschowsky. Fotoestimulação a 1 Hz. Evidenciam-se descargas de espícula seguida de onda lenta levemente fora de fase do estímulo, compatíveis com potenciais evocados visuais. 201 Referências 1. Kramer U, Sue WC, Mikati MA. Hypsarrhythmia: frequency of variant patterns and correlation with etiology and outcome. Neurology. 1997;48(1):197-203. 2. Panayiotopoulos CP. The epilepsies. Seizures, syndromes and manage- ment. Oxfordshire: Bladon Medical, 2005. p. 235-65. 3. Da Silva Sousa P, Lin K, Garzon E, et al. Language and praxis-induced jerks in patients with juvenile myoclonic epilepsy. Epileptic Disord. 2005;7(2):115-21. 4. Jeavons PM. Nosological problems of myoclonic epilepsies in childhood and adolescence. Dev Med Child Neurol. 1977;19(1):3-8. 5. Laan LA, Vein AA. Angelman syndrome: is there a characteristic EEG? Brain Dev. 2005;27(2):80-7. 6. Laan LA, Renier WO, Arts WFM, et al. Evolution of epilepsy and EEG find- ings in Angelman syndrome. Epilepsia. 1997;38(2):195-9. 7. Dolce A, Ben-Zeev B, Naidu S, et al. Rett syndrome and epilepsy: an update for child neurologist. Pediatric Neurol. 2013;48:337-45. 8. Musumeci SA, Hagerman RJ, Ferri R, et al. Epilepsy and EEG findings in males with fragile X syndrome. Epilepsia. 1999;40(8):1092-9. 9. Canevini MP, Sgro V, Zuffardi O, et al. Chromosome 20 ring: a chromo- somal disorder associated with particular electroclinic pattern. Epilepsia. 1998;39(9):942-51. 10. Radhakrishnan A, Menon R, Hariharan S, et al. The evolving electro- clinical syndrome of ‘‘epilepsy with ring chromosome 20’’. Seizure. 2012;21:92-7. 11. Pavlov J, Solari F, Cortes F, et al. Patrón electroencefalográfico característi- co en síndrome inv dup (15): dos casos clínicos. 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Os pacientes com encefalopatia também podem se bene- ficiar do EEGc, mesmo na ausência de uma lesão cerebral co- nhecida4. A falta de variabilidade e reatividade eletroencefalo- gráfica pode indicar lesão cerebral grave e de mau prognóstico. O uso crescente de EEGc mostrou que é possível encontrar atividade epileptiforme clinicamente indetectável em 10% a 67% 204 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica dos pacientes críticos5, permitindo uma maior taxa de registro de crises subclínicas do que no EEG de rotina. Na tabela 1 é possível verificar a taxa de ocorrência de crises e o estado de mal epilépti- co (EME) em diferentes grupos de pacientes críticos. Tabela 1. Taxa de ocorrência de crises e estado de mal epiléptico6 Taxas de ocorrência Pacientes Crises Estado de mal epiléptico Pacientes críticos não neurológicos 4-15% 0,4% Acidente vascular isquêmico 5% 1-10% Hemorragia subaracnoidea 4-16% 10-14% Hemorragia intracerebral 10-30% 1-2% Encefalopatia hipóxico-isquêmica 5-40% 30% Traumatismo cranioencefálico 12-50% 8-35% Com a monitorização por EEGc, 56% das crises epilépticas são detectadas na primeira hora e até 88%, nas primeiras 24 horas. Um estudo recente mostrou que crises ocorrem em 27% dos pacientes sob monitorização com EEGc, sendo a primeira registrada de forma bastante precoce (dentro dos primeiros 30 minutos de monitorização) em 58% dos casos7,8. A evidência para o uso de EEGc centrou-se sobre as taxas de detecção de crises em populações específicas e o significado de padrões particulares de EEG9. Em 2015, a American Society of Neurophysiology10 de- senvolveu recomendações com base em um consenso de es- pecialistas para uso de EEGc em pacientes adultos e crianças criticamente doentes. As recomendações sugerem que o EEGc também é útil na identificação de isquemia em pacientes de alto risco, na avaliação do nível de consciência naqueles sub- metidos ao coma induzido e no estabelecimento do prognósti- co de pacientes após parada cardiorrespiratória. Este consenso recomenda o EEGc para o diagnóstico de cri- ses epilépticas não convulsivas, estado de mal epiléptico não convulsivo, outros eventos paroxísticos, bem como para avaliar a eficácia do tratamento antiepiléptico e ainda para o acompa- nhamento do estado de mal epiléptico (Tabela 2). Tabela 2. Recomendações de EEGc10,11 Diagnóstico de crises não convulsivas Diagnóstico do estado de mal epiléptico não convulsivo Diagnóstico diferencial com outros eventos paroxísticos Avaliação da eficácia do tratamento de crises não convulsivas Avaliação da eficácia do tratamento do estado de mal epiléptico 205 Identificação de isquemia cerebral em pacientes de alto risco Avaliação do nível de consciência em pacientes submetidos a coma induzido Prognóstico após parada cardiorrespiratória Na segunda parte11, descreve as exigências e responsa- bilidades do pessoal envolvido no registro de um EEGc, in- cluindo os técnicos que o registram e os médicos que o inter- pretam. É recomendável verificar o equipamento necessário para o registro de EEGc, incluindo eletrodos, aparelhos de EEG, estações de revisão de EEG e vídeo, equipamentos de controle central e de rede, acesso remoto e equipamentos de armazenamento de dados, entre outros. 2. Padrões de eletroencefalograma e sua utilidade 2.1. Artefatos A aquisição e interpretação de um EEG nas unidades de tra- tamento intensivo (UTI) para pacientes críticos são frequente- mente comprometidas por uma série de fatores, como ferimen- tos e curativos que limitam a colocação dos eletrodos, além de sudorese, atividade muscular e movimentos, como é o caso de pacientes agitados ou com delirium. Pode haver interferência elétrica de ventiladores mecânicos, máquinas de diálise e bom- bas de infusão, entre outros. Deve ser feito um esforço para controlar e eliminar esses artefatos6. 2.2. Paroxismos periódicos Os paroxismos epileptiformes periódicos, incluindo as des- cargas periódicas (periodic lateralized discharges [PLDs]) e as descargas lateralizadas bilaterais independentes e generalizadas (generalized periodic discharges [GPDs]), são padrões encontra- dos muitas vezes em pacientes críticos de UTIs. Também não é raro observar padrões lentos, delta, contínuos ou variáveis12. Na avaliação de crises eletrográficas, é essencial a aplica- ção do conceito de evolução ou progressão dos ritmos ictais, porque está associada à probabilidade de que realmente se trate de verdadeiros fenômenos ictais, ou seja, crises epilépticas12. Esse conceito de evolução ou progressão dos ritmos ictais re- quer pelo menos duas mudanças inequívocas sequenciais, quer no tempo, na morfologia ou na distribuição espacial deles. Essas modificações podem ocorrer: - Na frequência: pelo menos duas mudanças consecutivas na mesma direção de pelo menos 0,5 Hz, por exemplo de 2 para 2,5 ou 3/s, ou de 3 para 2 ou 1,5/s. - Em morfologia: pelo menos duas mudanças consecutivas para uma morfologia diferente. - Em localização: propagação sequencial para ao menos dois canais adjacentes do sistema 10-20. Cada um desses “es- 206 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica tados” deve se manter por pelo menos três ciclos. Por outro lado, esse padrão não deve permanecer inalterado em frequên- cia, morfologia nem em amplitude por cinco minutos ou mais. 3. Dificuldades na interpretação do EEG Apesar dos esforços para unificar critérios e dos inegáveis progressos nas definições dos padrões eletroencefalográficos que correspondem a crises epilépticas (padrões ictais), a inter- pretação incorreta é um problema comum. É fundamental que o médico responsável pelo laudo esteja familiarizado com os critérios para distinguir descargas epilép- ticas de ondas mais agudas que não representam grafoelemen- tos ictais e também de variantes normais. Os paroxismos epileptiformes interictais e a má interpreta- ção de certos padrões podem levar a erros de diagnóstico e, assim, ao tratamento inadequado. 4. Indicações e valor prognóstico do EEGc Em UTIs, EEG e EEGc são usados frequentemente para ava- liar um comprometimento de consciência de causa desconhe- cida. Nesses pacientes, o EEG pode detectar padrões consisten- tes com encefalopatias ou crises epilépticas. Nessas situações, os sinais clínicos de crises epilépticas não convulsivas podem estar ausentes ou ser sutis, representados ape- nas por movimentos breves de um membro, desvios oculares e nistagmo. A monitorização por EEG e EEGc também pode ser útil no caso de intoxicação medicamentosa como as decorrentes de doses elevadas de antidepressivos tricíclicos e benzodiazepínicos. Os pacientes criticamente enfermos com septicemia e encefa- lopatia também podem apresentar crises epilépticas ou descargas periódicas, que têm sido associadas com prognóstico ruim a cur- to prazo. Vários relatos descrevem estado de mal não convulsivo (EENC) ou crises epilépticas em 27% dos pacientes com compro- metimento da consciência em UTIs e em 8% dos pacientes em coma, sem histórico de epilepsia ou crises epilépticas prévias13,14. 5. Coma Até 30% dos pacientes críticoscom mais de 65 anos estão em coma na admissão e cerca de 10% evoluirão para o coma durante sua internação15. Os paroxismos epileptiformes ou periódicos são frequentemente observados em pacientes em coma. Considera-se que a atividade epiléptica pode ser a causa, embora, mais frequen- temente, constitua um epifenômeno. Nesses casos, a atividade de base é lenta e não há reatividade. O valor prognóstico do EEG no paciente em coma depende do contexto clínico. Um estudo realizado por Young et al.16 mostrou que a mor- talidade em paciente comatoso está fortemente associada com a idade (mais de 65 anos), etiologia anóxica, padrão de surto- -supressão no EEG e falta de reatividade do EEG16. 207 6. Estado de mal epiléptico Em pacientes com epilepsia, a ocorrência de EME pode ser parte da história natural da doença ou decorrente de mudanças ou descontinuação do tratamento com fármacos antiepilépticos. Em pacientes sem epilepsia, EME ocorre no contexto de diferentes etiologias, como as mencionadas na tabela 1. O EENC está associado a sinais clínicos sutis que podem muitas vezes ser ignorados13. Nesses casos, o EEG se torna um instrumento fundamental de diagnóstico. Em centros ter- ciários, quase metade dos pacientes criticamente enfermos com EME também apresenta crises epilépticas não convul- sivas17. O prognóstico do EENC é determinado principalmente pela etiologia, no entanto o tempo de evolução também é conside- rado um fator prognóstico importante. O atraso no diagnóstico está associado a um aumento da mortalidade em pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE) e acidente vascular encefáli- co (AVE)18. 7. Acidente vascular encefálico isquêmico Crises não convulsivas e EENC devem ser considerados em todo paciente que tenha sofrido um AVE isquêmico ou infarto cerebral e apresentado uma mudança repentina e inexplicável no comportamento ou na consciência. Em dois terços dos casos, as crises manifestam-se nas primeiras 24 horas depois do AVE. A incidência de EME depois de um AVE alcança 9% ao lon- go de um período de 3,7 anos. O EENC pode explicar até 85% do início de crises precoces pós-isquemias. O EME ocorre nos primeiros sete dias após o AVE e é associado com alta mortali- dade em comparação às crises tardias. As PLDs são alterações eletroencefalográficas comuns, ob- servadas na fase aguda de um AVE isquêmico19. O EEGc mostra esse padrão em 17% dos pacientes com AVE, sendo associado a crises epilépticas em 2%. Não está claro se esse padrão con- tribui para agravar os danos cerebrais. Nesse momento, os da- dos são ainda insuficientes para estabelecer o valor prognóstico do EEGc no AVE9. 8. Hemorragia subaracnóidea Um grande estudo retrospectivo de EEGc demonstrou incidên- cia de cerca de 20% de crises na hemorragia sunaracnóidea (HSA) e determinou que o grau de comprometimento da consciência e idade mais jovem são preditores de EENC15. Nesses quadros, quan- do o EENC persistiu além do quinto dia, o prognóstico foi ruim e a mortalidade se aproximou de 100%. Esse estudo apoia a utilidade do EEGc no diagnóstico e tratamento desses pacientes. Padrões de EEGc associados com mau prognóstico são a ocorrência de descar- gas periódicas, EME e perda da arquitetura do sono15,20. 208 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 9. Hemorragia intracerebral A incidência de crises epilépticas em pacientes com hemor- ragia intracerebral (HIC) é de 10% a 30%, ocorrendo sob a for- ma de EME em 1% a 21%. Padrões anormais ao EEGc têm sido relatados em 18% a 28% dos pacientes com HIC. Quando ocor- rem crises epilépticas em um paciente com HIC, estas podem promover aumento da área hemorrágica e ocorrência de descar- gas periódicas nesses casos é indicativa de mau prognóstico21,22. 10. Traumatismo cranioencefálico O EEGc demonstra 10% de crises não convulsivas nos pa- cientes pós-TCE. Podem ser observadas descargas periódicas em 11%, sempre acompanhadas de outras alterações, como espí- culas ou padrões de ondas agudas de alta voltagem23. Dos 94 pacientes com TCEs moderados a graves e submetidos a EEGc, foram observadas crises não convulsivas em 21 e a ocorrência de EME foi associada a 100% de mortalidade24. O TCE é associado com um risco elevado de atividade epileptiforme e a ocorrência de EME aumenta o potencial de danos cerebrais. 11. Encefalopatia hipóxico-isquêmica É uma indicação comum de EEGc nas UTIs, sendo utilizada como instrumento para o tratamento e prognóstico. São detectadas crises epilépticas em 5% a 40% dos pacien- tes após recuperação de parada cardiorrespiratória23. O EEGc registra uma atividade rítmica na forma de espícu- las não progressivas em uma atividade de base hipoatenuada, achados que não deveriam ser considerados EME. Outros pa- drões também podem ser encontrados, como surto-supressão ou ondas lentas com morfologia trifásica. Entre os padrões preditores de mau prognóstico, figuram o de surto-supressão, ausência de reatividade ou atenuação da atividade de base25. 12. Conclusões Recomenda-se EEGc após EME convulsivo ou crise clínica recente a todo paciente que não recupera o estado basal de consciência. Indica-se também EEGc para descartar crises não convulsivas ou EENC, especialmente a pacientes que tenham sofrido anóxia cerebral (TCE, HSA e HIC) e a pacientes em coma com a consciência comprometida de forma persistente ou inexplicável. O EEG é útil em detectar isquemia em pacientes em estado de coma com HSA e melhora o prognóstico do coma após pa- rada cardiorrespiratória. Recomenda-se o registro de EEGc quando no EEG inicial de 30 minutos são detectadas descargas epileptiformes ou padrões periódicos. Finalmente, considera-se que o EEGc é útil no tratamento do EME refratário. 209 Referências 1. Kilbride RD, Costello DJ, Chiappa KH. How seizure detection by continuous electroencephalographic monitoring affects the prescribing of antiepileptic medications. Arch Neurol. 2009;66:723-8. 2. De Vos Cc, Van Maarseveen SM, Brouwers PJ, et al. Continuous EEG mon- itoring during thrombolysis in acute hemispheric stroke patients using the brain symmetry index. J Clin Neurophysiol. 2008;25:77-82. 3. Jordan KG. Emergency EEG and continuous EEG monitoring in acute isch- emic Stroke. J Clin Neurophysiol. 2004;21:341-52. 4. Kamel H, Betjemann JP, Navi BB, et al. Diagnostic yield of electroenceph- alography in the medical and surgical intensive care unit. Neurocrit Care. 2013;19(3):336-41. 5. Sutter R, Fuhr P, Grize L, et al. Continuous video-EEG monitoring increas- es detection rate of nonconvulsive status epilepticus in the ICU. Epilepsia. 2011;52:453-7. 6. Sutter R, Stevens RD, Kaplan PW. Continuous electroencephalographic monitoring in critically ill patients: indications, limitations, and strategies. Crit Care Med. 2012;41(4):1-10. 7. Claassen J, Mayer SA, Kowalski RG, et al. Detection of electrographic sei- zures with continuous EEG monitoring in critically ill patients. Neurology. 2004;62:1743-8. 8. Westover MB, Shafi MM, Bianchi MT, et al. The probability of seizures during EEG monitoring in critically ill adults. Clin Neurophysiol. 2015;126(3):463-71. 9. Alvarez V, Oddo M, Rossetti AO. Stimulus-induced rhythmic, periodic or ict- aldischarges (SIRPIDs) in comatose survivors of cardiac arrest: characteris- tics andprognostic value. Clin Neurophysiol. 2013;124:204-8. 10. Herman ST, Abend NS, Bleck TP, et al. Consensus statement on continuous EEG in critically ill adults and children, part I: indications. J Clin Neurophysi- ol. 2015;32:87-95. 11. Herman ST, Abend NS, Bleck TP, et al. Consensus statement on continuous EEG in critically ill adults and children, part II: personnel, technical specifica- tions, and clinical practice. J Clin Neurophysiol. 2015;32:96-108. 12. Hirsch LJ, Laroche SM, Gaspard NN, et al. American Clinical Neurophysiolo- gy Society’s standardized critical care EEG terminology: 2012 version. J Clin Neurophysiol. 2013;30(1):1-27.13. Privitera M, Hoffman M, Moore JL, et al. EEG detection of non tonic-clon- ic status epilepticus in patients with altered consciousness. Epilepsy Res. 1994;18(2):155-66. 14. Towne AR, Waterhouse EJ, Boggs JG, et al. Prevalence of nonconvulsive status epilepticus in comatose patients. Neurology. 2000;54(2):340-5. 15. Mcnicoll L, Pisani MA, Zhang Y, et al. Delirium in the intensive care unit: occurrence and clinical course in older patients. L Am Geriatr Soc. 2003;51:591-8. 16. Young GB, Kreeft JH, McLachlan RS, et al. EEG and clinical associations with mortality in comatose patients in a general intensive care unit. J Clin Neurophisiol. 1999;16:354-60. 17. Rudin D, Grize L, Schindler C, et al. High prevalence of nonconvulsive and subtle status epilepticus in an ICU of a tertiary care center: a three-year ob- servational cohort study. Epilepsy Res. 2011;96(1-2):140-50. 18. Young GB, Jordan KG, Doig GS. An assessment of nonconvulsive seizures in the intensive care unit using continuous EEG monitoring. Neurology. 1996;47:83-9. 19. Lesser RP, Luders H, Dinner DS, et al. Epileptic seizures due to throm- botic and embolic cerebrovascular disease in older patients. Epilepsia. 1985;26:622-30. 20. Dennis LJ, Claassen J, Hirsch LJ, et al. Nonconvulsive status epilepticus after subarachnoid hemorrhage. Neurosurgery. 2002;51:1136-43. 21. Bladin CF, Alexandrov AV, Bellavance A, et al. A prospective multicenter study. Arch Neurol. 2000;57:1617-22. 210 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 22. Vespa PM, O’Phelan K, Shah M, et al. Acute seizures after intracerebral hemorrhage: a factor in progressive midline shift and outcome. Neurology. 2003;60(9):1441-6. 23. Ronne-Engstrom E, Winkler T. Continuous EEG monitoring in patients with traumatic brain injury reveals a high incidence of epileptiform activity. Acta Neurol Scand. 2006;114:47-53. 24. Vespa PM, Nuwer MR, Nenov V, et al. Increased incidence and impact of nonconvulsive and convulsive seizures after traumatic brain injury as de- tected by continuous electroencephalographic monitoring. J Neurosurg. 1999;91(5):750-60. 25. Rossetti AO, Oddo M, Liauder L, et al. Predictors of awakening from post-anoxic status epilepticus after therapeutic hypothermia. Neurology. 2009;72:744-9. 211 Julio José Macías Gallardo Horacio Sentíes Madrid Capítulo 10 Protocolo de morte encefálica 1. Introdução O conceito de morte encefálica (ME) se apresenta como um produto do progresso dos cuidados médicos e, na década de 1950, os primeiros casos de lesões cerebrais graves na presen- ça da função cardíaca preservada se tornaram evidentes. A pri- meira descrição detalhada desse fenômeno veio da França em 1959, onde Mollaret e Goulon1 cunharam a denominação le coma depassé (um estado além do coma). Com o crescimento das unidades de terapia intensiva, o es- tabelecimento da ventilação mecânica e avanços na cirurgia de transplante de órgãos, ficou evidente a necessidade do diag- nóstico de ME de maneira prática e oportuna, a fim de poder determinar os candidatos à doação de órgãos. Um indivíduo morre quando o cérebro morre e não por consequência de uma parada cardiorrespiratória; os suportes ventilatório e cardiovascular devem cessar quando se institui o diagnóstico de ME. 212 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Na maioria dos países, o EEG é um exame complemen- tar utilizado no diagnóstico de ME; em alguns, como exame obrigatório e em outros, apenas para suporte. A principal característica é um EEG sem atividade de origem cortical igual ou superior a 2 µV., observada em montagens com a distância intereletrodos > 10 cm e sensibilidade ≥ 2 µV./ mm. Esse padrão é conhecido como inatividade elétrica cerebral. 2. Definição Desde a década de 1960, comitês em diferentes países têm publicado protocolos2-4 para definir morte no contexto de con- tinuidade dos cuidados em pacientes com danos cerebrais ir- reversíveis. A determinação da morte deve ser realizada seguindo-se regras médicas aprovadas. Em 1995, a Academia Americana de Neurologia (AAN)5 publicou uma diretriz clínica baseada em evidências, que enfatizou os parâmetros clínicos para de- terminar ME, na qual foram considerados três parâmetros que apontam para a determinação da interrupção irreversível de to- das as funções do cérebro e tronco encefálico: coma de causa conhecida, ausência de reflexos do tronco encefálico e apneia. Essa diretriz também estabeleceu o papel de EEG como um método diagnóstico auxiliar (Tabela 1). Tabela 1. Diretriz para a determinação da morte encefálica da AAN Pré-requisitos Estabelecer uma causa de coma irreversível Normotermia: > 36°C. Pressão normal: pressão arterial sistólica > 100mm/Hg Avaliação neurológica Coma com falta de resposta a estímulos Ausência de reflexos do tronco encefálico Ausência de resposta pupilar bilateral ao estímulo luminoso Ausência de movimentos oculares nos reflexos oculocefálicos ou oculovestibulares Ausência do reflexo corneano Ausência de movimentos faciais ao estímulo nociceptivo Ausência de reflexos de faringe ou traqueia Apneia Ausência de esforço respiratório PaCO2 > 60 mmHg ou aumento > 20 mmHg em relação à linha de base após teste de apneia Estudos complementares EEG, angiografia cerebral, USG doppler transcraniano ou SPECT, se houver dúvida no diagnóstico neurológico ou de acordo com a lei 213 É importante notar que os conceitos de morte do tronco en- cefálico (brain stem death) e morte cerebral (brain death) ou neo- cortical são diferentes, uma vez que a ausência de sinais de tron- co encefálico não exclui a presença de atividade cortical, a qual pode estar presente no EEG. A presença de atividade cortical na ausência de reflexos do tronco encefálico exclui o diagnóstico de ME e destaca o conceito de morte cerebral total (MCT) (whole brain death), uma vez que lesões do tronco isoladas poderiam resultar em tal situação. O conceito de ME resulta no diagnóstico prático e acertado e conseguiu ser aceito na sociedade ociden- tal. No entanto, algumas legislações aceitam ME como sinônimo de ausência de reflexos do tronco encefálico (por exemplo, a legislação do Reino Unido)6. Portanto, o melhor termo a ser empregado é “morte encefá- lica”, devendo ser evitado o uso de “morte cerebral”. Atualmente, nos Estados Unidos, o diagnóstico de ME ba- seia-se nos parâmetros práticos da AAN 20107, que é uma revi- são das diretrizes clínicas publicadas em 1995. 3. Fisiopatologia Independentemente da causa do coma, há uma via final comum em todos os casos fatais. O mecanismo crucial con- siste em elevação da pressão intracraniana até atingir os ní- veis da pressão arterial sistêmica. Uma vez que essas duas pressões se equalizam, cessam o fluxo sanguíneo, a perfusão e a atividade elétrica cerebrais8 (Figura 1). Limiar de isquemia Comprometimento da função elétrica Falência elétrica celular, edema celular Morte celular 60 50 40 30 20 10 0 Fl ux o sa ng uí ne o/ m et ab ol ism o ce re br al RELAÇÃO ENTRE O FLUXO SANGUÍNEO/METABOLISMO CEREBRAL E A ATIVIDADE ELÉTRICA CEREBRAL Figura 1. Relação entre o fluxo sanguíneo cerebral/metabolismo e o EEG. Com um fluxo regional <20 ml /100 g/min, a função elétrica cerebral é afetada. Com fluxo <10 ml/100 g /minuto, o potássio intracelular é liberado e ocorre edema celular. Se essa condição estende-se ao longo do tempo, provoca a morte celular neuronal. A lesão primária expõe o tecido cerebral à redução da con- centração de oxigênio, à formação de radicais livres e aos danos celulares, gerando edema e aumento da pressão intracraniana. Essas alterações são decorrentes de cascatas de complexos pro- 214 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica cessos bioquímicos de excitotoxicidade, principalmente indu- zidas pela liberação do neurotransmissor excitatório glutamato. Pode haver um dano secundáriode reperfusão nos casos nos quais a parada cardiorrespiratória é revertida tardiamente, sendo o mecanismo exato não conhecido com precisão. 4. Diagnóstico Para determinar a cessação de todas as funções cerebrais, os médicos devem determinar a presença de um coma que não responde a estímulos, ausência de reflexos de tronco encefáli- co e de intenção respiratória após um teste de apneia. O médico que realiza o diagnóstico de ME deve estar fami- liarizado com o protocolo e os critérios, devendo-se notar que não está provado que tipo de especialista deve ser o médico que deve fazê-lo. A lei nos EUA prevê que qualquer médico pode fazer o diagnóstico. Na revisão de Greer9, o diagnósti- co foi feito por um neurologista ou neurocirurgião em apenas 42% dos casos. Na revisão de Wijdicks6, em alguns casos, uma enfermeira realizou o diagnóstico inicial com confirmação mé- dica em 24 horas. 5. Exames complementares Os exames mais comumente utilizados são o EEG, o estudo de imagem de fluxo vascular cerebral e o de medicina nuclear, mas qualquer um dos três pode ser considerado adequado como auxi- liar no diagnóstico de ME. O médico solicitante de um exame complementar deve estar ciente de que este não substitui o exame clínico, que pode haver discrepâncias em cada um dos testes e há riscos de falso-positivos ou falso-negativos. Há também argumentos contra o seu uso10. O tempo de ME deve ser documentado no registro médico, assim como se foi feito teste de apneia, devendo-se escrever o horário em que foi obtido o resultado > 60 mm/Hg de PaCO2 e, no caso de o teste de apneia ter sido inconclusivo, o horário em que o exa- me complementar foi interpretado deve ser documentado. 6. EEG e morte encefálica O EEG é um estudo não invasivo, reprodutível e de fácil aquisição no ambiente hospitalar. O termo para se referir à ausência de atividade é “inativida- de elétrica cerebral” ou “silêncio elétrico cerebral”, que é defi- nido como a ausência de atividade eletroencefalográfica ≥2 µV. quando registrada com eletrodos separados ≥10 cm na super- fície craniana com impedâncias <10.000 Ω, porém > 100 Ω. A diferenciação de silêncio elétrico no EEG e EEG com mui- to baixa amplitude é difícil. As principais dificuldades são de ordem técnica e relativas à interpretação dos artefatos, e a pre- sença de ondas cerebrais no EEG exclui o diagnóstico de ME (Figuras 2 a 5). Antes de realizar o EEG, deve-se registrar dados clínicos essenciais, como nome completo, data de nascimento, cir- 215 Figura 2. EEG na morte encefálica e artefato de ECG nos eletrodos Fp1-C3 e Fp1-T3. 216 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 3. EEG de mulher de 41 anos, neuromilelite óptica, mielite longitudinal extensa, evento vascular cerebral isquêmico da artéria cerebral média bilateral. Coma e ausência de reflexos de tronco encefálico. São observados artefato de ECG e silêncio elétrico cerebral. 217 Figura 4A. EEG mostrando artefato de ECG e silêncio elétrico cerebral sem reação aos estímulos dolorosos. 218 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 4B. EEG mostrando silêncio elétrico cerebral. Ausência de reatividade à fotoestimulação intermitente a 20 Hz. Artefato fotoelétrico mostrado nos eletrodos frontopolares bilaterais e artefato de ECG. 219 Figura 4C. Silêncio elétrico cerebral. Ausência de reatividade no EEG aos estímulos sonoros. 220 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 5A. Um surto generalizado de atividade delta de 2 segundos de duração durante a fotoestimulação intermitente. O paciente não está em silêncio elétrico cerebral. 221 Figura 5B. EEG em que se observa atividade delta polimórfica de baixa amplitude predominantemente no hemisfério direito entremeada com artefatos de contração muscular e ECG. A paciente não está em silêncio elétrico cerebral. 222 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Figura 5C. O estímulo nociceptivo novamente promove um surto de atividade delta generalizada predominantemente à direita. 223 cunstâncias e origem do coma, principalmente a hora e o dia do evento, etiologia do coma e resultados de exames de ima- gem que tenham sido feitos, hora, dia e local do registro, con- dições do crânio, medicamentos administrados nas últimas 24 horas (no caso de tiopental, 36 horas), exames toxicológi- cos realizados no soro ou na urina, assim como temperatura corporal e parâmetros hemodinâmicos, especialmente pres- são arterial11. Deve-se descartar qualquer suspeita de efeito tóxico, me- tabólico ou farmacológico como causa de coma; se houver suspeita, deve-se preferir estudos de angiorressonância, já que o resultado deste estudo não é afetado pelo efeito dessas subs- tâncias. O relatório só pode ser escrito por um médico especialista em EEG e os resultados só devem ser comunicados a médicos qualificados para o diagnóstico. 6.1. Requisitos técnicos A confiabilidade do silêncio elétrico como um auxílio no diagnóstico de ME é baseada em padrões técnicos aplicados durante o registro. Diferentes Sociedades de Neurofisiologia têm publicado recomendações11,12 focadas principalmente na interpretação do EEG, utilizando alta sensibilidade e o reco- nhecimento de artefatos. As principais recomendações técnicas são as seguintes: 1) Utilizar um conjunto de eletrodos que cubram a maior área possível do crânio O registro das áreas temporais, centrais, occipitais e frontais é necessário. Um eletrodo terra deve estar incluído. Já que inicialmente não há nenhuma garantia de encontrar o silêncio elétrico, o sistema internacional 10-20 é recomen- dado para começar o exame e, mais tarde, deve-se fazer alte- rações para cumprir as distâncias de 10 cm preconizadas para o registro de ME. Deve-se incluir os eletrodos de linha média (Fz, Cz, Pz), pois são úteis para detectar a atividade residual de baixa amplitude e relativamente livres de artefatos. 2) As impedâncias intereletrodos devem ser <10.000 Ω (10 KΩ) e > 100 Ω (0,1 KΩ) As discrepâncias nas impedâncias podem distorcer o sinal do EEG. Quando um eletrodo tem uma impedância elevada em comparação com outro, a amplificação de um sinal estará desequilibrada, resultando em artefatos de grande amplitude. Há uma queda acentuada na amplitude <100 Ω e não haverá amplificação de sinal algum se as impedâncias chegarem a zero, por isso a recomendação de manter as impedâncias > 100 Ω. 3) Verificar a integridade de todo o sistema de registro A integridade do registro deve ser checada eletrodo por ele- trodo, pressionando-o com uma compressa para criar um artefa- to e verificar a sua presença no registro, assim como a colocação 224 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica adequada do eletrodo na localização no crânio. Embora o siste- ma de calibração de teste avalie a função dos amplificadores e da unidade de digitalização, não exclui a possibilidade de co- municação intereletrodo por pontes de corrente ou anomalias na caixa de eletrodos ou no cabo de entrada. 4) A distância intereletrodos deve ser > 10 cm A distância média entre os eletrodos no sistema internacional 10-20 é 6-6,5 cm, por isso, se fossem utilizadas montagens longi- tudinais ou transversais com o dobro da distância entre os eletro- dos seriam alcançadas distâncias entre os eletrodos > 10 cm (por exemplo, Fp1-C3, F3-P3 etc.). Com o aumento da distância inter- -eletrodos, é possível observar atividade elétrica cerebral de baixa amplitude que não seria observada com distâncias normais. Não se recomenda usar a referência na mastoide pela possibilidade de interferência do eletrocardiograma (ECG). Tem sido sugerida a utilização de montagens que excluam os eletrodos occipitais pela maior susceptibilidade a artefatos de movimento por ventiladores. Essa consideração deve ser feita por quem vai interpretar o EEG. 5) A sensibilidadedeve ser aumentada de 7µV./mm a 2 µV./mm por pelo menos 30 minutos de registro com calibrações apropriadas. 6) Deve-se realizar um registro de 30 minutos É importante saber que pode haver períodos de inatividade cerebral até de 20 minutos em registros de muito baixa am- plitude e, por isso, deve-se documentar 30 minutos de silên- cio elétrico cerebral. A velocidade do papel recomendada na América Latina é de 30 mm/seg (10 segundos por tela). Escolas europeias utilizam 20 segundos por tela (15 milímetros/seg). 7) Os filtros devem ser adequadamente ajustados para um re- gistro de inatividade elétrica cerebral. Com a intenção de evitar atenuação da atividade rápida ou lenta de baixa amplitude, o filtro de alta não deve ser < 30 Hz nem o filtro de baixa > 1 Hz, isto é, deve manter o registro da faixa de frequências dentro de um intervalo de 1 a 30 8) Técnicas de monitorização adicionais devem ser usadas quando necessário O registro de inatividade cerebral é difícil de ser executado, principalmente por causa da sua elevada sensibilidade, o que aumenta a probabilidade de artefatos no registro de maneira acentuada. A melhor estratégia para evitar essa situação é um conjunto de eletrodos estáveis com impedância baixa. No en- tanto, apesar de todos os esforços, por vezes não é possível evitar o aparecimento de artefatos, de modo que é sugerido utilizar um monitor de ECG que permita a visualização da ati- vidade cardíaca e sua possível presença como um artefato no registro de EEG. Se houver um artefato pela ventilação e não for possível re- movê-lo, pode-se desligar o ventilador brevemente, para garantir a origem desse artefato e documentá-lo devidamente no registro. 225 Em algumas ocasiões, um monitor adicional com registros de eletrodos na mão do paciente pode ajudar a documentar artefatos provenientes do paciente ou de algo ao seu redor. É comum encontrar alguma contaminação por artefatos musculares persistente em pacientes com ME. Se esses poten- ciais musculares dificultarem a interpretação do EEG, torna-se necessária a aplicação de um bloqueador neuromuscular sob a supervisão de um anestesista. É importante reconhecer que mesmo utilizando a melhor técnica possível, às vezes a alta sensibilidade desse registro tor- na difícil interpretá-lo. Por isso, se o médico responsável pela interpretação do exame tiver dúvida no diagnóstico de ME, apesar de ter feito todo o possível, a dúvida diagnóstica deverá ser documentada. 9) Não deve haver nenhuma reatividade a estímulos somatos- sensoriais, auditivos ou visuais Como critério para estabelecer o diagnóstico, não deve ha- ver reatividade a qualquer um destes estímulos e deve-se fazer esforços para distinguir a possível reatividade do EEG de arte- fatos durante algumas manobras, como aspiração de secreções ou outros procedimentos. 10) O registro deve ser executado por equipe qualificada Em diversos estudos12,13 demonstrou-se a sensibilidade de um único registro para o diagnóstico de ME. No entanto, em casos nos quais existem dificuldades técnicas ou de outra na- tureza que deixem dúvidas no diagnóstico de ME, todo o pro- cedimento deve ser repetido pelo menos seis horas mais tarde para confirmação do diagnóstico. Tabela 1. Critérios de inatividade cerebral no EEG pela Socie- dade Internacional de Neurofisiologia Clínica Ausência de atividade > 2 µV. durante 30 minutos com um registro realizado sob as seguintes condições: 1. Utilização de pelo menos oito eletrodos sobre a superfície craniana. 2. Impedância intereletrodos <10 KOhms. 3. A integridade do sistema de registro deve ser verificada. 4. As distâncias intereletrodos devem ser ≥ 10 cm. 5. A sensibilidade do registro deve ser ≥ 2µV./mm durante 30 minutos. 6. Filtros de alta a 30 Hz e de baixa a 1 Hz. 7. Técnicas de monitorização adicionais devem ser usadas, se necessário. 8. Não deve haver reatividade eletroencefalográfica a estímulos aferentes. 9. O registro deve ser feito por equipe qualificada. 10. Deve-se repetir o registro se houver dúvida no diagnóstico de inatividade cerebral. 226 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 6.2. Sensibilidade e especificidade A sensibilidade do método relatada em diferentes estu- dos oscila entre 50% e 95%. A especificidade do EEG tem sido confirmada desde 1960. A Academia Americana de Ele- troencefalografia, por meio da Comissão para Determinação de ME, publicou que dentre 2.650 casos de coma com um EEG aparentemente isoelétrico, apenas três dos que cumpri- ram as recomendações da Comissão mostraram alguma re- cuperação e, mais tarde, foi demonstrado que isso se deveu ao uso de medicamentos12. No entanto, para melhorar a especificidade do EEG, deve-se descartar o efeito de medicamentos ou de outras circunstâncias. 6.3. Medicamentos O EEG é altamente sensível a medicamentos, particular- mente a barbitúricos, que podem gerar depressão da ativida- de elétrica ou silêncio elétrico cerebral. Essa situação requer que se postergue a realização do EEG até que os medica- mentos sedativos sejam removidos do paciente (pelo menos 24 horas no corpo; 36 horas no caso do tiopental). A AAN afirma: ‘’Se medicamentos tóxicos, como barbitúricos, ben- zodiazepínicos ou opiáceos, estiverem presentes, os níveis não deverão ser iguais a zero, mas sim estar numa gama que normalmente não se espera que interfira significativamente na consciência”15. 6.4. Hipotermia Coselli et al.14 tentaram correlacionar o aparecimento de um “EEG isoelétrico’’ com a temperatura periférica do cor- po em 56 pacientes operados sob hipotermia. Eles observa- ram uma variabilidade para o início do registro isoelétrico com valores que variaram de 12,8°C a 28,6°C (temperatura retal). De acordo com esse estudo, a hipotermia < 30°C não pode causar inatividade elétrica cerebral, no entanto, na ausência de dados validados, a maioria das orientações exi- ge temperatura > 35°C. O uso de avaliações consecutivas do EEG, as quais foram sugeridas para melhorar a acurácia diagnóstica do EEG, ainda é controverso. Poucos dados na literatura indicam mudanças observadas entre dois EEGs e a maioria das sociedades cien- tíficas, incluindo a AAN, não o considera obrigatório. Parece improvável que um EEG com inatividade elétrica cerebral, realizado em condições adequadas, será significativamente alterado depois de um período de quatro horas. No entanto, a prova deve ser realizada a um tempo considerável da condi- ção inicial que levou ao diagnóstico clínico de ME. Na Fran- ça, para identificar e validar o diagnóstico, a lei exige dois EEGs realizados no prazo de quatro horas de observação, os quais devem mostrar silêncio elétrico cerebral ou ausência de fluxo cerebral em angiorressonância cerebral15. 227 6.5. Legislação na América Latina A utilidade e a necessidade do EEG no diagnóstico de ME é diferente, dependendo da legislação de cada país. As princi- pais diferenças nos critérios entre diferentes países encontram- -se nos seguintes itens: o número de médicos necessários para realizar o diagnóstico confirmatório de ME, o nível de conhe- cimentos que estes devem ter, a necessidade ou não de exames subsequentes e o período de observação após o diagnóstico. Na tabela 2, as principais diferenças são mostradas nos di- ferentes países latino-americanos. Tabela 2. Principais diferenças no diagnóstico de morte encefá- lica em países da América Latina Legis- lação Orien- tação clínica Prova da apneia Número de médicos Tempo de ob- servação (horas) Teste con- firmatório Argentina16 P P RV 1 6 Necessário Brasil P P RV 1 6 Opcional Chile17 P P RV 2 A Necessário Colômbia18 P P A 2(N) A Opcional Costa Rica P P PaCO2 1 24 Opcional Equador A A A A 4 Opcional Legis- lação Orien- tação clínica Prova da apneia Número de médicos Tempo de ob- servação (horas) Teste con- firmatório El Salvador A P A 1 6 Necessário Guatemala A A A A A Desconhe- cidoHonduras A A A A A Desconhe- cido México19 P P A A 24 Necessário Paraguai A P PaCO2 1 24 Opcional Uruguai P P PaCO2 1 A Opcional Venezue- la20 P P PaCO2 2(N) 12 Opcional Estados Unidos7 P P PaCO2 2 6 Opcional Canadá21 P P PaCO2 1 6 Opcional P: presente; A: ausente; PaCO2: prova da apneia com limite estabelecido de PaCO2; RV: retirada do ventilador. N: neurologista. 228 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Algoritmo de diagnóstico de morte encefálica Coma de causa conhecida A avaliação neurológica indica ME? - Parâmetros fisiológicos 1. Normotensão 2. Normotermia - Sem resposta a estímulos externos - Prova da apneia positiva *A legislação vigente no México diz ser mandatório ter um estudo de imagem ou EEG. É necessário verificar a legislação vigente em cada país. **O EEG em crianças é solicitado em caso de dúvida diagnóstica ou para abreviar o tempo de observação. Uma vez que se tenham uma avaliação e um exame positivo para ME, a segunda avaliação pode ser realizada em qualquer momento. - Continuar observação e manejo - Considerar exames complementares: EEG ou estudos de medicina nuclear ou imagem NÃO SIM Efeitos tóxicos de medicamentos ou metabólicos foram excluídos? Adulto (> 18 anos) Uma avaliação neurológica Um exame complementar* Criança (30 dias -18 anos) Duas avaliações neurológicas separadas por 12 horas EEG ou imagem** Neonato 37 semanas- 30 dias Duas avaliações neurológicas separadas por 24 horas EEG ou imagem** 229 Referencias 1. Mollaret P, Goulon M. Le coma dépassé. Rev Neurol. (Paris) 1959;101:3-15. 2. Uniform Determination of Death. Act 12 Uniform Laws Annotated 589 (West 1993 and West Supp. 1997), 706 U.S.C. 3. Guidelines for the determination of death. Report of the medical consultants on the diagnosis of death to the president’s commission for the study of ethical problems in medicine and biochemical and behavioral research. JAMA. 1981;246:2184-6. 4. Report of the ad hoc Committee of the Harvard Medical School to examine the definition of brain death. A definition of irreversible coma. JAMA. 1968;205:337-40. 5. Wijdicks EF. Practice parameters for determining brain death in adults (sum- mary statement). 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Szurhaj W, Lamblin MD, Kaminska A, et al.; Société de Neurophysiologie Cl- inique de Langue Française. EEG guidelines in the diagnosis of brain death. Clinical Neurophysiol. 2015;45:97-104. 12. American Clinical Neurophysiology Society. Guideline 3: minimum technical standards for EEG recording in suspected cerebral death. Am J Electroneu- rodiagnostic Technol. 2006;46:211-9. 13. Lustbader D, O’Hara D, Wijdicks EF, et al. Second brain death examination may negatively affect organ donation. Neurology. 2011;76:119-24. 14. Coselli JS, Crawford ES, Beall Jr AC, et al. Determination of brain tempera- tures for safe circulatory arrest during cardiovascular operation. Ann Thorac Surg. 1988;45:638-42. 15. Orban JC, Ferret E, Jambou P, et al.; Azurea Group. Confirmation of brain death diagnosis: a study on French practice. Anaesth Crit Care Pain Med. 2015;34:145-50. 16. Decreto 30011 de Octubre. Boletín Oficial (Octubre 13, 1977); Art. 21, República Argentina Ley 21, 541 (Marzo 2, 1977); Boletín Oficial, Art. 21 (Marzo 18, 1977). 17. Ley de Transplantes 19.451. Chile, 1997. Disponível em: www.ispch.cl/ ley20285/t_activa/marco_normativo/7c/dec_656_1996.pdf 18. Ministerio de Salud Pública, Republica de Colombia. Decreto número 1.172, de 1989 junio 6 (Colombia). Transplante de órganos y tejidos, ley n. 14.005 (agosto 29, 1971). 19. Ley General de Salud en Materia de Trasplantes y Donación de Órganos. Diario oficial de la federación, articulo 17bis, fracciones IV y V, 343, 344 (2009). México. 20. Gaceta oficial de la República de Venezuela. ANOCXX-Mes II, Caracas, jueves 3 de diciembre de 1992, n. 4.497 extraordinario (1992). 21. Canadian Congress Committee on Brain Death. Death and brain death: a new formulation for Canadian Medicine. Can Med Assoc J. 1988;138:405-6. 231 Capítulo 11 Considerações especiais para a realização de vídeo-EEG em pacientes na UTI. Registro de paciente crítico e de morte encefálica em pediatria Francesca Solari Bardi Ximena Varela Estrada Este capítulo tem como objetivo normatizar e auxiliar na realização de EEG em UTI pediátrica (não incluindo neonato- logia). O procedimento é diferente de um estudo de EEG em pacientes ambulatoriais, requerendo experiência e constante acompanhamento pelo técnico de EEG e pelo neuropediatra. 1. Introdução Quando uma criança entra em uma unidade de terapia inten- siva pediátrica com insulto neurológico agudo, tem um risco ele- vado de desenvolver convulsões ou estado de mal epiléptico. Em muitas dessas crianças, os parâmetros clínicos de avaliação de seu estado de consciência são perdidos pelo uso de sedativos ou anestésicos, e também os parâmetros de seu padrão motor, pelo uso de medicações que promovem bloqueio neuromuscular. Pouco a pouco, a utilização do EEG contínuo (EEGc) tem se mostrado um instrumento importante no seguimento de alguns dos pacientes críticos, tornando-se essencial para otimizar o tratamento empregado. 232 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 2. Indicações e parâmetros teóricos A intervenção precoce em crianças tem proporcionado melho- res resultados prognósticos do que em adultos. É por esse motivo que o monitoramento com EEGc em crianças é fundamental tão logo quanto possível1. As indicações atuais de EEGc incluem não só a manipula- ção ou a detecção das crises epilépticas agudas, mas também a avaliação de potencial risco de dano no sistema nervoso central da criança. Esse risco potencial de dano neurológico não é in- comum em pacientes internados na UTI, mas é ainda mais im- portante se o paciente tem uma patologia neurológica de base. As alterações da consciência, sejam primárias e/ou secundá- rias, modificam a avaliação dos sintomas, uma vez que o exame clínico neurológico estará limitado. Nesse caso, o EEG torna-se uma extensão do exame clínico neurológico. Portanto, é essen- cial contar com dados clínicos do paciente e detalhes das indi- cações médicas, pois tais dados afetam a interpretação do EEG e, mais ainda, exigem adaptação da técnica de EEG de acordo com os antecedentes e com definição da sua indicação2. A Sociedade Europeia de Medicina Intensiva recomenda realizar o monitoramento com EEGc no seguimento do es- tado de mal epiléptico (convulsivo e não convulsivo) com o objetivo de: 1) descartar a presença de crises epilépticas em pacientes com insulto neurológico agudo; 2) em pacien- tes com comprometimento persistente do sensório de causa desconhecida; 3) a fim de detectar isquemia associada com hemorragia subaracnóidea; 4) para avaliar o prognóstico na anóxia cerebral após parada cardiorrespiratória3. A ocorrência de crises no acompanhamento de longo prazo em UTI varia entre 7% e 47% (média de 30%) em diferentes estudos. Em uma pesquisa realizada por Abend et al.4, emque foram segui- das 100 crianças com insultos neurológicos agudos de diferentes causas, verificou-se a presença de crises epilépticas em 46 crian- ças, incluindo 19 com estado de mal epiléptico não convulsivo e 27 com crises subclínicas. Existe uma relação entre estado de mal epiléptico não convulsivo e maior taxa de mortalidade5. Em relação ao traçado de base, o encontro de uma arqui- tetura normal durante o sono é um fator de bom prognóstico. As depressões e atenuações de voltagem são associadas a le- sões cerebrais de origem isquêmica após terapia com sedativos anestésicos ou hipotermia mais agressiva. O prognóstico dessas crianças depende da etiologia primária. Aquelas que apresentam esse padrão secundário à parada cardíaca e à hipóxia têm pior prognóstico e sobrevida mais baixa, e muitas delas evoluem com sequelas importantes. Por outro lado, aquelas cujos registros mostram o referido padrão, estando submetidas à hipotermia ou após a administração de fármacos, normalmente se recuperam, desenvolvendo menor número de sequelas neurológicas6. Finalmente, o EEG de baixa voltagem é definido como um traçado contínuo de ondas delta e teta, com amplitude inferior 233 a 20 µV., na ausência de estimulação, que é muitas vezes cau- sado pelo comprometimento extenso corticossubcortical devi- do a uma lesão cerebral isquêmica e/ou trauma grave, fatores que frequentemente predizem um mau prognóstico7. Em relação às crianças com trauma cerebral agudo, tanto as crises clínicas como as sutis ou subclínicas estão associa- das com pior prognóstico e maior morbidade. Ao acompanhar essas crianças, verificou-se que 30% apresentaram crises epi- lépticas durante sua evolução e 51% dos casos das crises epi- lépticas ocorreram dentro das primeiras 12 horas8,9. 3. Registro de EEG em UTI pediátrica EEG em UTI é uma entidade especial, que necessita de estreita coordenação e trabalho em equipe entre técnicos de EEG, eletrofisiologista, médico intensivista e enfermagem. O traçado de base pode ser alterado ou modificado por fármacos que podem ter sido administrados ou, ainda, por di- ferentes intervenções realizadas, devendo-se anotar no regis- tro o momento em que foram executadas. Por isso, a equipe deve também ser treinada para saber registrar esses eventos no exame. Por outro lado, as múltiplas intervenções e equipamentos em uso podem gerar artefatos que, se não registrados, podem levar a suspeitas que resultam em possível interpretação incor- reta pelo revisor do EEG. A interpretação do registro deve ser contínua, para detectar e quantificar as crises epilépticas clínicas e subclínicas em tempo in- tegral, assessorando se há alguma alteração nas funções corticais. 3.1 Requerimentos técnicos 3.1.1. Montagem: na maioria das vezes, o paciente crítico pode necessitar do uso concomitante de uma série de equipamentos de apoio, incluindo aparelhos elétri- cos, além daqueles habitualmente presentes no pró- prio ambiente de urgência em que se encontra. Assim sendo, é importante em cada caso definir os tipos de eletrodos e as montagens que serão usados de acordo com as características específicas para cada paciente. O ideal é que o traçado seja associado ao registro de vídeo, o que ajuda a diagnosticar estado de mal epi- léptico não convulsivo e distinguir uma série de artefa- tos externos que se interpõem à atividade elétrica cere- bral por procedimentos médicos e/ou de enfermagem que possam ocorrer durante a obtenção do registro eletroencefalográfico nesses pacientes10,11. 3.1.2. Revisão do registro: o traçado deve ser revisado a cada quatro a seis horas pelo técnico para verificar ou corrigir artefatos e fazer a avaliação de reatividade do paciente. A disponibilidade de técnicos é variável, mas independen- temente dos recursos disponíveis, é preciso obter um EEG de qualidade técnica satisfatória. 234 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 3.1.3. Parâmetros para se utilizar na UTI: utilizam-se os mes- mos parâmetros do EEG de rotina. - É importante assegurar sempre que o fio terra seja único (ou seja, parte do mesmo circuito elétrico, na mesma parede ou re- gião) para todos os aparelhos elétricos conectados ao paciente. - O uso do filtro notch é recomendável para reduzir a corrente alternada proveniente de outros equipamentos elétricos em uso. - A fixação de eletrodos com colódio e o uso de gel condu- tor são recomendados, mas em crianças com menos de 1 ano a fixação de eletrodos deve ser realizada apenas com pasta con- dutora. Em crianças maiores, recomenda-se o uso de colódio, com a verificação da condição da pele e mudança dos eletro- dos a cada 72 horas. Se lesões estiverem presentes, o eletrodo deverá ser instalado lateralmente a estas e a mudança de po- sição ocorrida deverá ser definida e especificamente descrita, devendo ser relatada como um evento adverso. - Eletrodos adicionais e poligráficos (por exemplo, EMG, cinta de respiração etc.) podem ser úteis e a equipe médica define o seu uso, mas não são rotineiramente utilizados. 3.2. Avaliação da reatividade do paciente É importante avaliar as alterações do traçado em relação à aplicação de estímulos específicos, que devem ser descritos no registro, especificando o tipo de estímulo realizado. Se houver dúvida na resposta ao estímulo, este deverá ser repetido para esclarecer qual foi a resposta gerada. Avaliam-se as alterações no padrão de base quanto à fre- quência e à amplitude em relação aos seguintes estímulos: (1) tátil: estímulos feitos com toque em diferentes partes do corpo. (2) auditivos: deve ser um ruído forte e abrupto (bater pal- mas no lado do ouvido, por exemplo). (3) fóticos: recomenda-se, mesmo quando o paciente apre- senta comprometimento da consciência. (4) nociceptivos: durante a permanência na UTI, os pacientes estão sujeitos a procedimentos de enfermagem, como perfura- ções venosas ou arteriais para a aplicação de medicações en- dovenosas, mudança de cateteres ou aspiração de vias aéreas, que são úteis para avaliar a nocicepção (reatividade a estímulos dolorosos). 3.3. Outras respostas Resposta às medicações usadas: durante o registro, pode ser necessária a administração de medicações, as quais devem ser descritas (tipo de medicação e doses utilizadas) pela equipe da UTI, observando-se, ainda, as alterações que ocorrem no traça- do de base durante a após a sua administração. 4. Interpretação O eletrofisiologista deve ser contatado por quem solicita o exame para informar as condições do paciente, as medicações em uso e a finalidade do EEGc. 235 As alterações de doses e medicamentos em uso devem ser cuidadosamente listadas no registro, bem como quando da sua administração, o nome dele e a dose usada. É recomendável que o primeiro relatório seja feito após a primeira hora do registro para identificar eventos críticos e de- cidir sobre a necessidade de continuar a monitorização de EEG de acordo com a indicação clínica inicial. Caso se opte por continuar, devem ser liberados relatórios a cada quatro a seis horas ou de acordo com critérios estabelecidos com o médico intensivista. Deve ser elaborado um relatório por escrito com- pleto a cada 24 horas. O tempo total de gravação ainda é indefinido, mas existem estudos que descrevem que a maioria das crises ocorre nas pri- meiras 24 horas do registro. Deve-se ter um sistema de comunicação ao qual tenham acesso todas as pessoas que assistem o paciente. Pontos-chave • Se o EEG-padrão não fornece informações suficien- tes para explicar o estado do paciente em relação ao nível de consciência, o EEG contínuo pode fornecer informações úteis que ajudam a avaliar a gravidade do comprometimento da consciência, seu prognósti- co e também detectar a presença de crises não con- vulsivas. • Deve incluir pelo menos oito eletrodos (escolher os de superfície ou escalpo em relação aos invasivos) e ECG. • Deve ser realizado por técnicos treinados em registrodo exame de UTI. • Testes de reatividade devem ser sempre feitos em todos os pacientes com comprometimento da consciência. • O registro do tipo de medicações usadas previamente e durante o registro, além de sua dosagem, sempre deve ser informado ao eletroencefalografista. • Idealmente, o EEG deve ser sincronizado com o vídeo. • A interpretação deve ser feita em condições ideais, seja no local do exame, seja por acesso remoto. 5. Morte encefálica 5.1. Introdução Morte encefálica (ME) é definida como a morte do indiví- duo que é aceita na legislação da maioria dos países, sendo especificamente detalhada na lei sobre doação e transplante de órgãos12. Existem diferenças importantes de país para país em rela- ção aos critérios clínicos de ME, quanto ao tempo de obser- vação, tempo de realização da avaliação clínica e repetição de exames complementares. As atualizações realizadas em 2011 pela Academia Americana de Pediatria (AAP)13,14 espe- 236 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica cificaram e determinaram que o diagnóstico deve ser essen- cialmente clínico (presença de coma irreversível, ausência de reflexos de tronco encefálico e teste de apneia positivo para ME), estabeleceram mais precisão para os pré-requi- sitos para realizar o exame neurológico e consideraram o teste de apneia obrigatório. O EEG é considerado um dos estudos complementares para diagnóstico de ME com o es- tudo de fluxo sanguíneo cerebral por Doppler transcraniano e potenciais evocados. Os estudos complementares são de suporte diagnóstico, mas não são considerados obrigatórios para determinar a ME segundo a AAP15. Consulte as regras específicas para cada país. Com o objetivo de unificação, a AAP publicou uma atuali- zação de diretrizes de 198713, estabelecendo que a ME "é um diagnóstico clínico, baseado na ausência de funções neuroló- gicas, com uma etiologia conhecida, que determina um estado de coma irreversível, detalhando que o coma e a apneia devem coexistir"14. A AAP recomenda estudos complementares nos seguintes casos14: 1. Quando o exame neurológico ou o teste de apneia não puder ser feito na íntegra devido a uma condição médica sub- jacente do paciente. 2. Se existirem dúvidas em relação ao exame neurológico. 3. Quando há efeito de medicação. 4. Para reduzir o período de observação. O EEG deve ser executado de acordo com as normas esta- belecidas pela Sociedade Americana de Eletroencefalografia e ser realizado e interpretado por equipe qualificada e trei- nada16. Antes de se realizarem os estudos complementares, bem como o exame neurológico, o paciente deve estar hemodi- namicamente compensado, com temperatura adequada (nor- motermia) e sem efeitos de medicamentos que poderiam in- fluenciar a interpretação desses testes, sendo, em alguns casos, necessário determinar as concentrações séricas de fármacos quando clinicamente indicados. Níveis séricos baixos a mode- rados de barbitúricos não deveriam excluir o registro de EEG para diagnóstico de ME17. O termo recomendado no Glossário da Federação Interna- cional de Neurofisiologia Clínica18 para traçados isoelétricos é “inatividade elétrica cerebral” (IEC), definida como a ausência de atividade cerebral no EEG de amplitude superior a 2 µV., com uma distância entre os eletrodos de 10 cm ou mais e im- pedâncias dos eletrodos entre 0,1 e 10 KOhms. Requisitos para o registro do EEG: 1. O registro deve ser executado somente por um técnico qua- lificado. 237 2. Uma calibração adequada e apropriada é essencial. A sensi- bilidade (responsável pela amplitude das ondas no traçado a partir do sinal captado pelo EEG. O EEG deve ser registrado com sensibilidade entre 2 e 5 µV. 3. A montagem deve cobrir a maior parte da superfície ce- rebral para descartar que a ausência de atividade não se deva somente a um fenômeno local. Os eletrodos frontais, centrais, temporais e occipitais são recomendados como requisitos mínimos para o registro. 4. Em um registro inicial, recomenda-se usar a montagem 10-20, incluindo os eletrodos de linha média (Fz, Cz e Pz) que são úteis para detectar a atividade fisiológica residual de baixa voltagem e geralmente estão livres de artefatos. Exceção ocorre quando não é possível o aces- so a todo o crânio devido a trauma cranioencefálico ou cirurgia recente. 5. A distância entre os eletrodos deve ser de pelo menos 10 cm. No sistema de Internacional 10-20, a distância mé- dia entre os eletrodos em adultos é de 6 a 6,5 cm. Com essa distância e uma sensibilidade habitual é possível que alguns potenciais cerebrais não sejam observados, sendo, por isso, recomendado realizar distância dupla entre os eletrodos nas montagens bipolares transversais e longitudi- nais. Na tabela 1, descreve-se a montagem recomendada. Tabela 2. compara orientações para determinar morte encefáli- ca no paciente pediátrico Montagem para registro de morte encefálica Fp1- T3 T3-O1 Fp1- C3 C3-O1 Fp2-T4 T4-O2 Fp2-C4 C4-O2 Fz-Cz Cz-Pz ECG 6. A impedância deve ser inferior a 10 KOhms. 7. Recomenda-se utilizar a referência Cz ou outra de linha média, uma vez que a referência auricular (na orelha) pode estar contaminada com artefato de ECG. 8. A sensibilidade deve ser aumentada para 2 µV. 9. Duração do exame: 30 minutos. 10. Filtro de alta: não deve ser inferior a 30 Hz. Filtro de baixa: não deve ser superior a 1 Hz. Filtro notch: ligado (on). 11. Sempre deve ser adicionada a derivação de ECG. 238 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 12. Realizar manobras de reatividade elétrica aos estímulos soma- tossensoriais, auditivos e visuais (fotoestimulação intermitente). 13. O registro do EEG deve ser feito assegurando-se que a tempe- ratura corporal do paciente no início do exame esteja entre 32 e 35OC, de acordo com a norma vigente em cada país12. 14. Em caso de dúvidas de IEC, recomenda-se repetir o EEG em 24 horas. Quando se aumenta a sensibilidade do EEG, os artefatos tam- bém são acentuados, o que torna altamente recomendadas moni- torizações adicionais durante o registro. Se o artefato de respiração não puder ser excluído, este deverá ser objetivamente monitorado através da respiração e, se ainda assim, não for possível identificá- -lo, recomenda-se realizar uma breve desconexão do ventilador. Frequentemente, um outro monitor para artefatos prove- nientes do paciente ou do ambiente torna-se necessário, sendo o mais conveniente instalar um par de eletrodos separados por 6 a 7 cm na parte dorsal da mão. Se não está claro e se há contaminação de origem muscular, é possível reduzi-la ou eliminá-la utilizando agentes de blo- queio neuromuscular, prescritos por um médico treinado para o manejo dessas medicações. O ruído do aparelho e a interferência externa podem ser verificados por um “paciente manequim”, com uma resistência de 10 KOhms entre os terminais G1 e G2 de um canal. A tabela 2 compara orientações para determinar morte encefá- lica no paciente pediátrico13,14: 5.2. Aspectos legais Há uma grande variabilidade na execução das orientações em relação ao diagnóstico jurídico que é aplicado em diferentes paí- ses, ainda mais no que se refere ao grupo de idade pediátrica. Tais diferenças ocorrem tanto em países europeus19 como Ibero-ameri- canos. Em uma pesquisa sobre o diagnóstico médico e jurídico de ME, dentre os 21 países que formam o RED/Conselho Ibero-ameri- cano de Doação e Transplante de Órgãos, observou-se uma gran- de diversidade de critérios, tanto do ponto de vista clínico como legal12, excedendo os objetivos do presente manual, mas que são recomendados para leitura e aplicação de acordo com cada país. 239 Tabela 2. Comparação de orientações para determinar morte encefálica no paciente pediátrico Guia clínico 1987 2011 Tempo entre causa e avaliação inicial Não especificado 24 horas Temperatura corporal Não especificado > 35 °C Número de avaliações Duas avaliações. No grupo etáriode 2 a 12 meses, a segunda avaliação não é necessá- ria se a avaliação inicial de fluxo cerebral e EEG for compatível com ME Duas avaliações independentes do resul- tado do EEG em todos os grupos de idade Número de examinadores Não especificados Dois examinadores diferentes para exe- cutar a primeira e a segunda avaliação Intervalo entre as avaliações Idade-dependente - 7 dias a 2 meses: 48 h - 2 a 12 meses: 24 h - Maior que 1 ano: 12 h ou 24 h no caso de encefalopatia anóxico- -isquêmica Idade-dependente - Menor que 37 semanas a 30 dias: 24 h - 1 mês a 18 anos: 12 h Auxiliares no diagnóstico Idade-dependente - 7 dias a 2 meses: 2 EEGs separados por 48 h. - 2 a 12 meses: dois EEGs. O estudo do fluxo cerebral pode substituir a necessi- dade do segundo EEG - Maior que 1 ano: estudo complemen- tar não é necessário São apenas necessários quando o teste de apneia ou a avaliação clínica não foram feitos ou o resultado não foi confirmatório No grupo de idade de 37 semanas a 1 mês: o EEG é pouco sensível, sendo recomenda- do estudo do fluxo cerebral > 30 dias a 18 anos: EEG e estudos de fluxo cerebral têm a mesma sensibilidade 240 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Referências 1. Nishisaki A, Sullivan J 3RD, Steger B, et al. Retrospective analysis of the prog- nostic value of electroencephalography patterns obtained in pediatric in-hospital cardiac arrest survivors during three years. Pediatr Crit Care Med. 2007;8(1):10-7. 2. Nguyen THE, Tich S, Cheliout-Heraut F. Continuous EEG monitoring in chil- dren in the intensive care unit (ICU). Neurophysiol Clin. 2015;45(1):75-80. 3. Claassen J, Taccone FS, Horn P, et al. Recommendations on the use of EEG monitoring in critically ill patients: consensus statement from the neurointensive care section of the ESICM. Intensive Care Med. 2013;39:1337-51. 4. Abend NS, Gutierrez-Colina AM, Topjian AA, et al. Nonconvulsive seizures are common in critically ill children. Neurology. 2011;76:1071-7. 5. Abend NS, Arndt DH, Carpenter JL, et al. Electrographic seizures in pe- diatric ICU patients: cohort study of risk factors and mortality. Neurology. 2013;81(4):383-91. 6. Young GB, Gilbert JJ, Zochodne DW. The significance of myoclonic status epilepticus in postanoxic coma. Neurology. 1990;40(12):1843-8. 7. Sanchez SM, Arndt DH, Carpenter JL, et al. Electroencephalography moni- toring in critically ill children: current practice and implications for future study design. Epilepsia. 2013;54:1419-27. 8. Sanchez SM, Arndt DH, Carpenter JL, et al. Electroencephalography moni- toring in critically ill children: current practice and implications for future study design. Epilepsia. 2013;54:1419-27. 9. O’Neill BR, Handler MH, Tong S, et al. Incidence of seizures on continuous EEG monitoring following traumatic brain injury in children. J Neurosurg Pe- diatr. 2015;16(2):167-76. 10. Abend NS, Gutierrez-Colina A, Zhao H, et al. Interobserver reproducibility of electroencephalogram interpretation in critically ill children. J Clin Neuro- physiol. 2011;28(1):15-9. 11. Kaminska A, Cheliout-Heraut F, Eisermann M, et al. EEG in children, in the laboratory or at the patient’s bedside. Neurophysiol Clin. 2015;45(1):65-74. 12. Escudero D, Matesanz R, Soratti CA, et al. Muerte encefálica em Iberoaméri- ca. Med Intensiva. 2009;33(9):415-23. 13. American Academy of Pediatrics, Task Force on Brain Death in Children. Report of special task force: guidelines for determination of brain death in children. Pediatrics. 1987;80(2):298-300. 14. Nakagawa TA, Ashwal S, Mathur M, et al.; Child Neurology Society. Clinical report. Guidelines for the determination of brain death in infants and children: an update of the 1987 task force recommendations. Pediatrics. 2011;128:e720-740. 15. Casado Flores J. Diagnóstico de muerte cerebral en niños y neonatos. Par- ticularidades diagnósticas, monográfico muerte encefálica en UCI (II). Me- dicina Intensiva. 2000;24(4):167-75. 16. American Electroencephalographic Society. Guideline three. Minimum tech- nical standards for EEG recording in suspected cerebral death. J Clin Neu- rophysiol. 1994;11(1):10-3. 17. Lopez-Navidad A, Caballero F, Domingo P, et al. Early diagnosis of brain death in patients treated with central nervous system depressant drugs. Transplantation. 2000;70(1):131-5. 18. Chatrian GE, Bergamini L, Dondey M, et al. A glossary of terms most com- monly used by clinical electroencephalographers. Electroencephalography Clin Neurophysiol. 1974;37:538-48. 19. Szurhaj W, Lamblin MD, Kaminska A, et al. EEG guidelines in the diagnosis of brain death. Neurophysiol Clin. 2015;45(1):97-104. 241 Capítulo 12 Criação do laudo do técnico e do médico David Martinez Bravo 1. Introdução O presente capítulo tem o objetivo de estabelecer alguns pontos mínimos de consenso em relação à elaboração do lau- do do eletroencefalograma1-3. Para isso, é importante não per- der de vista que o intuito final do laudo é colaborar no proces- so de análise do caso que motiva o estudo. Devem ser incluídos os seguintes tópicos: • Laudo técnico • Laudo médico. 2. Laudo técnico O laudo técnico permite o acesso às informações relaciona- das ao paciente e às circunstâncias em que o exame foi realizado. Um bom laudo técnico é tão importante quanto um laudo médi- co, sendo fundamental para a avaliação e interpretação do EEG. 242 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Neste laudo, deve-se considerar a boa comunicação e o trabalho em equipe entre o técnico e o eletroencefalografista. 2.1. Na primeira parte, deve-se destacar os dados que identificam o exame: o Nome do paciente. o Idade do paciente. o Dominância manual do paciente: destro ou sinistro. o Data de realização do exame. o Código de identificação do exame. o Duração do exame. o Nome do técnico que realizou o exame. o Nome do médico solicitante. o Nome do médico que elaborou o laudo do exame. 2.2. Na segunda parte, deve-se incluir informações associadas às circunstâncias clínicas que envolvem a obtenção do registro: Diagnóstico ou motivo pelo qual o exame foi solicitado. o Data e hora da última crise (caso exista alguma). o Frequência e tipo de crises. o Condições em que foi realizado o exame: • Estado de consciência no momento do registro (vígil orientado, vígil confuso, sonolento, torpo- roso, coma). • Com ou sem privação de sono. Em caso de pri- vação de sono, deve-se registrar o tipo de priva- ção (parcial ou total) e a hora em que o paciente dormiu e acordou. • Com ou sem sedação. Caso tenha sido utilizada sedação, registrar qual foi usada. o Medicamentos em uso no momento do registro. o Pré-medicação para realizar o exame (caso exista alguma). o Outros antecedentes médicos relevantes: antece- dentes perinatais, neurocirurgias, déficit neurológi- co etc. o Registrar e, idealmente, destacar cicatrizes ou lesões do couro cabeludo. o Antecedentes familiares de epilepsia. 2.3. A terceira parte se relaciona às técnicas de ativação: o O técnico deve perguntar se o paciente tem algum tipo de contraindicação para realizar as manobras de ativação e registrá-la na folha de identificação (ver capítulo 3). o Qualidade do esforço: em relação à ativação pela hiperventilação, é importante registrar a duração da prova e a qualidade de esforço (satisfatório, re- gular e insatisfatório). 243 Laboratório de Eletroencefalografia Folha de identificação Data: Hora: Técnico: ID ou código de identificação: Dados do Paciente: Nome: Data de nascimento: Idade: _____ anos_____ meses Idade gestacional: Sexo: M F Dominância: Destro: ___ Sinistro: ___ Tipo de EEG: Médico solicitante: Médico que lauda: Diagnóstico: Informações gerais: Última alimentação: Estado de couro cabeludo: Hora em que dormiu: Hora em que despertou: Antecedentes perinatais: Antecedentes familiares de epilepsia: Tipo de crises: Frequência de crises: Data da últimacrise: Medicações: Medida da circunferência craniana: Coronal: ___ Sagital: ___ Horizontal: ___ Hiperventilação: Estimulação fótica intermitente: Realizada___ Não realizada___ Motivo: _____________________ Duração: _____________________ Qualidade do esforço: Bom___ Regular___ Mau____ Comentário técnico: Anexo I. Modelo de folha de registro técnico recomendado. 244 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica o Registrar a realização de técnicas de ativação adicio- nais específicas para cada síndrome. 2.4. Outros dados relevantes ou comentários o Estado do couro cabeludo. o Alimentação prévia ao exame. o Comentários do técnico que sejam relevantes: artefatos registrados, causa, correção ou intenção de correção etc. 3. Laudo médico O laudo médico deverá conter, no mínimo, as seguintes partes: 3.1. Introdução. 3.2. Descrição do traçado. 3.3. Interpretação. 3.1. Introdução Em um parágrafo breve, deve-se mencionar: • Montagem utilizada na gravação original. • Utilização de eletrodos adicionais aos utilizados tradi- cionalmente. • Detalhar se existe algum tipo de preparação (privação de sono, jejum). • Condições do paciente observadas pelo avaliador ao rever o exame. • Existência de algum fármaco que poderia alterar a in- terpretação do registro. • Local onde o exame foi realizado: ambulatório, hospi- tal, cuidados intensivos. 3.2. Descrição do traçado Cada laudo deve possuir uma descrição dos achados, sejam de caráter normal ou anormal. Uma boa descrição deve permi- tir que um avaliador externo imagine o traçado, sem necessa- riamente ter as amostras dele. Sugere-se começar com uma caracterização dos achados de significado fisiológico, sem se estender excessivamente na descrição deles, para, em seguida, dar ênfase especial aos achados de caráter patológico. Primeiramente devem ser descritas as características da atividade de base observadas em vigília, identificando o rit- mo dominante, sua frequência, continuidade (intermitente, contínuo), localização, amplitude e simetria. A frequência deve ser relatada em Hertz ou ciclos por segundo, a amplitu- de deve ser medida em montagens usando eletrodos adjacen- tes (por exemplo: bipolar longitudinal) e, idealmente, deve ser expressa em microvolts, para evitar o uso de termos de in- terpretação diferentes, como “baixa”, “média” ou “elevada”. Em seguida, é aconselhável registrar os estímulos realiza- dos (abertura e fechamento palpebral, estimulações auditiva, 245 tátil ou dolorosa) e observar as respostas diante das manobras implementadas para avaliar a reatividade do traçado. Essas res- postas devem ser descritas em termos de simetria e persistência (sustentada ou não sustentada). Caso haja uma marcada assimetria inter-hemisférica, suge- re-se descrever, separadamente, a atividade observada em cada hemisfério. Descreve-se, então, o registro dos achados em sono. Deve-se informar se o registro foi realizado em sono espontâneo ou induzi- do e caracterizar os elementos que definem cada fase, em termos de simetria, morfologia, frequência e distribuição topográfica. Após a descrição dos achados fisiológicos, descrevem-se os achados que sugerem anormalidade, de acordo com o julgamen- to do médico responsável pela elaboração do laudo. Para caracte- rizar esses achados, recomenda-se especificar a sua natureza (epi- leptiforme ou não epileptiforme), distribuição topográfica (para a qual, quando focal, idealmente, deve ser destacado o eletrodo de máxima expressão), sincronia ou assincronia, amplitude em mi- crovolts, simetria e quantidade, essa última entendida como uma avaliação subjetiva, que busca expressar a magnitude do fenôme- no anormal em todo o registro. Quando um achado anormal é observado episodicamente, deve-se descrever sua duração e es- pecificar se constitui ou não um padrão de descargas periódicas. Em seguida, deve-se descrever as manobras de ativação rea- lizadas. No caso da hiperventilação, deve-se especificar se esta foi ou não realizada de maneira adequada e o tipo de resposta observada. Para a fotoestimulação, deve-se especificar as fre- quências da estimulação utilizadas e se as respostas observadas foram simétricas ou não. Uma vez que a hiperventilação e a fotoestimulação são provas de ativação realizadas rotineira- mente, caso alguma delas não tenha sido realizada, deve-se justificar o motivo. A existência de artefatos somente deve ser mencionada caso estes tenham gerado algum tipo de questionamento em relação à sua natureza, ao caráter excessivo e à dificuldade na interpretação do traçado ou em casos em que forneçam infor- mação clínica relevante (por exemplo, o artefato de movimento ocular que traduza um nistagmo ocular). Não é aconselhável incluir na descrição a ausência de cer- tos achados (por exemplo, “nenhuma atividade epileptiforme observada”), uma vez que as informações devem ser relevantes. Isto deverá ser incluído na impressão do traçado e em nenhum caso constituir parte da descrição. 3.3. Interpretação Nesta última seção do laudo, há grandes diferenças de es- tilo entre os médicos responsáveis por sua elaboração, razão pela qual se torna muito importante estabelecer orientações gerais com o propósito de se obter um maior grau de homoge- neidade, fato observado atualmente. É aconselhável dividir a interpretação em duas partes: 246 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica 3.3.1. Impressão a. O primeiro ponto a ser destacado é se o resultado do eletroencefalograma é normal ou anormal. Isto deve sempre ser caracterizado, pois um laudo que não o des- creve é um laudo incompleto. b. Em seguida, deve-se mencionar, de forma clara e sucin- ta, os achados considerados anormais. Caso as anorma- lidades sejam numerosas, deve-se citar apenas as prin- cipais e por ordem de importância para tornar este item breve. 1. Atividade ictal focal e/ou generalizada, elétrica ou ele- troclínica. 2. Anormalidade epileptiforme interictal focal. 3. Anormalidade epileptiforme interictal generalizada. 4. O alentecimento pode ser do ritmo de base posterior ob- servado em vigília, focal (especificar o local) ou difuso. 5. Anormalidades do registro de base. 6. Efeito de fármacos: por exemplo, impregnação far- macológica. c. Se os exames anteriores estiverem disponíveis, é aconse- lhável estabelecer uma relação com eles. d. Não é aconselhável o uso dos termos “discretamente anormal” e “moderadamente anormal”, pois consti- tuem características de interpretação subjetiva. O termo “intensamente anormal” deve ser usado apenas em caso de padrões que exijam intervenção urgente (exs.: padrões hipsarrítmicos ou de encefalopatias, registros ictais etc.) ou de padrões que impliquem mau prognóstico (exs.: traçados arrea- tivos com baixa voltagem, periódicos etc.). 3.3.2.Correlação clínica Nesta parte, o médico responsável pela elaboração do laudo deve tentar determinar se os achados podem ou não explicar o quadro clínico pelo qual o paciente foi encaminhado para o exame. Sugere-se que haja extremo cuidado em relação a isso. Possíveis cenários a serem considerados: • O achado descrito pode ser efetivamente encontrado em um paciente com o diagnóstico de referência. Nes- te caso, sugere-se destacar que “os achados apoiam ou são consistentes com o diagnóstico de referência”. De- saconselha-se o uso da frase “compatível com”, dado que os achados eletroencefalográficos podem, even- tualmente, ser compatíveis com muitos diagnósticos. 247 • O achado eletroencefalográfico é fortemente sugesti- vo de uma condição não mencionada no diagnóstico de referência. Nesta situação, aconselha-se utilizar frases como “o achado descrito encontra-se fortemente associado com 'X' condição clínica”, sem necessaria- mente a indicar. Não é aconselhável fornecer uma lis- ta de possíveis diagnósticos diferenciais associados ao achado e o diagnóstico somente deve ser mencionado emlaudos com achados patognomônicos. • Exame anormal, porém a anormalidade descrita pode ser explicada por alguma modalidade terapêutica ou intervenção médica. Isto deve ser mencionado. Finalmente, não esqueça que o eletroencefalograma so- mente será “diagnóstico” de uma situação clínica se esta for testemunhada durante o registro. Por exemplo, um eletroence- falograma será diagnóstico de crises de ausência somente em um cenário em que o paciente apresente uma crise de ausência durante a aquisição do traçado. Sob nenhuma circunstância, deve-se recomendar ou sugerir mudanças na terapia do paciente por meio do laudo, no entan- to pode-se recomendar a realização de um seguimento do EEG se o médico considerar uma estratégia útil. • Deve-se sempre incluir amostras conforme a descrição do laudo. Estas devem ser cuidadosamente seleciona- das, pois deverão ser capazes de mostrar as condições em que o exame foi realizado e as amostras das anor- malidades encontradas devem ser indubitáveis, com- patíveis com a conclusão do laudo. Referências 1. American Clinical Neurophysiology Society. Guideline 1: minimum technical requirements for performing clinical electroencephalography. J Clin Neuro- physiol. 2006;23(2):86-91. 2. American Clinical Neurophysiology Society. Guideline 7: guidelines for writ- ing EEG reports. J Clin Neurophysiol. 2006;23:118-21. 3. Kaplan PW, Benbadis SR. How to write an EEG report. Dos and dont’s. Neurology. 2013;80(suppl. 1):S43-S46. 249 Loreto Olate Rosello Capítulo 13 Primeiros socorros em crises epilépticas 1. Introdução Os primeiros socorros para as crises epilépticas são muito simples. No entanto, entre as pessoas envolvidas no cuidado de pacientes que podem apresentá-las há falta de conhecimento e um nível elevado de ansiedade em relação ao fato de pode- rem ser confrontados com uma convulsão; em muitas ocasiões, essa reação é desproporcional à gravidade da situação1. Independentemente do tipo de crise que uma pessoa apre- sente, um aspecto fundamental dos primeiros socorros é que ela deve ser protegida de possíveis lesões secundárias à crise. As crises podem provocar alteração parcial ou total da cons- ciência, de modo que o paciente se encontra vulnerável. A conduta adequada em uma crise dependerá do seu tipo, do contexto em que ocorre e se há ou não o comprometimento 250 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica da consciência. A maioria das crises é autolimitada e cessará espontaneamente, portanto não corresponde a uma emergên- cia médica que exigiria assistência imediata. No entanto, cri- ses prolongadas ou recorrentes podem indicar estado de mal epiléptico. Neste caso, a intervenção destina-se à pessoa que auxi- lia um paciente a agir antes da evolução para estado de mal epiléptico, o que requer rápida administração de fármacos antiepilépticos de emergência. A janela recomendada para administrar medicamentos para abortar uma crise é de cinco a dez minutos. Por conseguinte, a administração de fármacos antiepilépticos entre dois e cinco minutos após o início da crise e antes de o paciente chegar ao hospital corresponde ao tempo de intervenção ótimo2. 2. Primeiros socorros em diferentes tipos de crise 2.1. Crises focais com alteração do nível de consciência • Observe a pessoa com cuidado. • Proteja-a de quedas e/ou acidentes. • Não a deixe mover objetos potencialmente perigosos. • Nunca a deixe só ou a perca de vista. • Registre com detalhes os fenômenos observados du- rante a crise. • Caso a crise ocorra na unidade de vídeo-EEG, deve-se registrá-la e avaliar a deterioração da consciência com protocolos estabelecidos por cada laboratório. • Registre o início e o final clínicos. • Não cubra a câmera em que a crise está sendo gravada. 2.2. Crises focais sem alteração do nível de consciência • Tranquilize o paciente e explique-lhe o que está acon- tecendo. • Não é necessário de assistência especial. • Registre em detalhes o que foi observado durante a crise. • Caso ocorra na unidade de vídeo-EEG, interaja com o paciente de acordo com protocolos de testagem esta- belecidos por cada laboratório. • Registre o início e o final clínicos. • Não cubra a câmera em que a crise está sendo gravada. 2.3. Crises tônico-clônicas generalizadas3 2.3.1. Recomendações gerais • Mantenha a calma, pois a maioria das crises dura pou- cos minutos (<2 minutos) e cede espontaneamente. • Nunca deixe o paciente sozinho ou o perca de vista (Figura 1). 251 • Proteja a cabeça de possíveis lesões, remova objetos perigosos e afrouxe roupas apertadas (Figura 2). Figura 1. Posição lateralizada do paciente deve ser em direção ao auxiliar para facilitar a observação. Figura 2. Medidas básicas para evitar complicações ou acidentes. • Lateralize o paciente para manter pérvias as vias aéreas; é necessário cuidado ao realizar a lateralização para não agravar uma possível luxação do úmero a qual o paciente está sujeito durante a fase tônica da crise. • Descubra o paciente. • Registre o tempo de duração da crise com um relógio. • Interfira o menos possível nos movimentos do pa- ciente. • Mantenha sempre as laterais da cama levantadas. • Não tente abrir a boca à força, nem introduza objetos nela. Forçar a boca pode causar ferimentos graves nos dentes ou na mandíbula. • Peça ajuda, mas sem abandonar o paciente. • Se o paciente está em uma unidade de vídeo-EEG, certifique-se de que a câmera está registrando correta- mente o evento, tomando cuidado para não obstruir a visão dela ao ajudar o paciente. 252 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Crise tônico-clônica generalizada Solicitar ajuda Medidas gerais Administração de oxigênio por máscara (1,5 l/min a 50%) • Administrar medicamento de emergência indicado • Manter as vias aéreas pérvias • Medidas gerais • Manter vigilância contínua do paciente • Nunca deixar o paciente só • Manter o paciente numa posição lateralizada • Avaliar: • Parâmetros clínicos: FC, PA, FR, saturação de O2, coloração da pele, características das crises • Nível de consciência • Registrar detalhadamente características clínicas 2 minutos Crise cessou Crise continua Crise cessou Crise continua Transporte para serviço de urgência Fluxograma de atenção Referências 1. O’Hara K. First aid for seizures: the importance of education and appropriate response. J Child Neurol. 2007;22 (suppl. 5):S30-S37. 2. Pellock J, Marmarou A, De Lorenzo R. Time of treatment in prolonged sei- zures episodes. Epilepsy Behav. 2004;5(2):192-6. 3. Epilepsy Foundation of America. First aid. Disponível em: http://www.epilep- sy.com/get-help/seizure-first-aid. Acesso em: 20 jan. 2016. 253 Glossário de termos em eletroencefalografia Amplitude: voltagem das ondas do EEG. É normalmente ex- pressa em microvolts (µV.). Define-se como: a. < 20 µV. (“muito baixa”); b. 20-49 µV. (“baixa”); c. 50-199 µV. (“média”); d. > 200 µV. (“elevada”). Arrastamento fótico: resposta fisiológica que consiste em ati- vidade rítmica induzida em regiões posteriores em resposta à fotoestimulação repetitiva com frequências que variam entre 5 e 30 Hz, idêntica ou harmonicamente relacionada com a frequên- cia de estimulação. Artefato: qualquer diferença de potencial registrada no EEG, devida à fonte extracerebral. As fontes extracerebrais podem ser fisiológicas, do equipamento de EEG ou do ambiente. Assimetria: diferença de amplitude da atividade registrada no EEG entre áreas homólogas de lados opostos da cabeça. Assincronia: ocorrência não simultânea de uma atividade EEG sobre regiões do mesmo lado ou de lados opostos da cabeça. Atenuação: redução na amplitude da atividade de EEG. No caso particular de monitorização com EEG contínuo de pacientes críti- cos, considera-se atenuação a diminuição de voltagem até 10 µV. de amplitude (se inferior a 10 µV., é considerada supressão). Pode ser fisiológica e transitória (porexemplo, bloqueio do ritmo alfa) ou patológica (por exemplo, crises epilépticas eletrodecrementais). Ativação: qualquer procedimento usado para desencadear ou induzir atividade eletroencefalográfica normal ou anormal. Exemplos: hiperventilação, fotoestimulação, privação do sono. Atividade de base: atividade de fundo sobre a qual se destaca um achado qualquer, que pode ser de caráter normal ou anormal. Atividade epileptiforme: atividade cerebral claramente distin- guível da atividade de base, que tipicamente pode ser encon- trada em pacientes com diagnóstico de epilepsia (sem ser limi- tada a este diagnóstico), a qual, caracteristicamente, apresenta morfologia agudizada, seguida ou não por uma onda lenta. Atividade epileptiforme ictal: padrão rítmico ou epileptiforme cla- ramente evolutivo em frequência, morfologia ou distribuição topo- gráfica. Atividade epileptiforme interictal: qualquer padrão eletrográ- fico claramente distinguível da atividade de base e de caráter anormal, observado fora da ocorrência de uma crise epiléptica. Atividade focal: atividade restrita a uma região do cérebro. Atividade generalizada: que acontece em todas as regiões do cére- bro simultaneamente, em geral com expressão máxima na região frontal. Atividade rápida: atividade de frequência maior do que a faixa alfa. Bilateral: em ambos os hemisférios cerebrais. Bilateralmente síncrono: que ocorre simultaneamente em áreas homólogas de ambos os hemisférios. Complexo K: elemento fisiológico do sono que é constituído por uma onda principal de polaridade negativa, seguida por uma segunda onda positiva de menor voltagem geralmente associada a um fuso de sono. Ocorre na fase N2 do sono NREM e pode ser visto de forma espontânea ou desencadeada por um estímulo sensorial. Complexos: sequência de duas ou mais ondas com uma forma característica e se diferencia do padrão de fundo. Ex.: complexo de espícula-onda/complexo de onda aguda-onda lenta. 254 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Crise eletroclínica: descarga rítmica ou do tipo espícula/onda aguda, que claramente evolui em morfologia, frequência ou distribuição topográfica, acompanhada por sintomas ictais. Crise eletrográfica: situação na qual a atividade epileptiforme adquire um padrão eletrográfico característico na ausência de sinais clínicos sugestivos de crises. Para considerar que um pa- drão eletrográfico constitui uma crise eletrográfica, os seguin- tes itens precisam estar presentes: 1. duração de pelo menos 10 segundos; e 2. ser constituído por um dos seguintes itens: 2.1. atividade epileptiforme (espículas, poliespícula, ondas agudas ou complexos de espícula-onda ou de onda aguda-onda lenta) com frequência superior a 2,5 Hz; 2.2. atividade epileptiforme com frequência igual o menor do que 2,5 Hz ou ondas lentas ritmadas a mais de 0,5 Hz, que preencham pelo menos um dos seguintes critérios: 2.2.1. evolutividade eletrográfica; 2.2.2. melhora clínica e eletrográfica observada após a administração de benzodiazepínicos; 2.2.3. presença de manifestações clíni- cas sutis sugestivas de crises epilépticas durante esta atividade. Descargas periódicas bilaterais independentes (BiPDs - Bilate- ral Periodic Discharges, antes BiPLEDs- Bilateral Periodic La- teralized Discharges): padrão de descargas periódicas observa- das sobre ambos os hemisférios cerebrais de forma assíncrona. Descargas periódicas generalizadas (GPDs - Generalized Periodic Discharges, antes GPLEDs- Generalized Periodic Lateralized Epi- leptiform Discharges): padrão de descargas periódicas observadas de maneira bilateral, síncrona e simétrica, independentemente de a atividade descrita ter um campo reduzido sobre cada hemisfério. • Em relação a esses achados, cabe ressaltar que no caso de a morfologia das ondas periódicas corres- ponder a uma morfologia trifásica, essa característica deverá ser mencionada (por exemplo, descargas pe- riódicas de morfologia trifásica com expressão máxi- ma nas regiões anteriores). Porém, não é aconselhá- vel se referir a elas como “ondas trifásicas”, já que não existe uma relação etiológica consistentemente ligada a tal morfologia. Descargas periódicas lateralizadas (LPDs - Lateralized Periodic Discharges, antes PLEDs - Periodic Lateralized Epileptiform Dis- charges): padrão de descargas periódicas observadas de forma unilateral ou bilateral, no último caso com clara assimetria in- ter-hemisférica. Descargas rítmicas: ondas de morfologia e duração relativa- mente uniformes, que se repetem de maneira constante por pelo menos 6 ciclos, sem interrupção entre elas. Desorganização do traçado: alteração grave de frequência, for- ma, topografia e/ou quantidade dos ritmos eletroencefalográfi- cos de base fisiológica. Dipolo: fenômeno eletroencefalográfico a que se refere quando a projeção do extremo positivo e negativo de um campo elétri- co é registrada no EEG. Não tem um caráter necessariamente patológico, no entanto os dipolos mais conhecidos são carac- terísticos de certos tipos de epilepsia, como o dipolo presente na epilepsia com descargas centrotemporais da infância (dipolo horizontal). 255 Eletrocorticografia: técnica de registro da atividade elétrica cortical mediante aplicação direta dos eletrodos sobre o córtex cerebral. Eletrodo subdural: eletrodo localizado sobre o cérebro e abai- xo da dura-máter. Eletrodos profundos: eletrodos localizados no parênquima ce- rebral. Espícula: atividade de carga negativa, que claramente se distingue da atividade de base, que compromete dois ou mais eletrodos, cuja duração é de 20 a 70 mseg. Usualmen- te suas fases ascendente e descendente são pronunciadas. Pode ou não ser seguida de uma onda lenta, mas sua forma é relativamente simétrica. É sinônimo de ponta, do francês pointe. No entanto, recomenda-se o uso do termo espícula, do inglês spike. Evolutividade eletrográfica: padrão eletrográfico de início abrupto com término progressivo que apresenta pelo menos duas modificações inequívocas em três características: 1. Fre- quência: duas alterações consecutivas de pelo menos 0,5 Hz no mesmo sentido; 2. Morfologia: duas alterações consecuti- vas para uma nova morfologia; 3. Localização: propagação se- quencial para, pelo menos, dois canais adjacentes do sistema 10-20. Faixa de frequência beta: ondas de frequência entre 14 e 30 Hz. Faixa de frequência delta: ondas de frequência inferior a 3,5 Hz. Faixa de frequência teta: ondas de frequência entre 4 e 7,5 Hz. Filtro de alta frequência: circuito que reduz a sensibilidade do eletroencefalograma para frequências altas. Filtro de baixa frequência: circuito que reduz a sensibilidade do eletroencefalograma para frequências baixas. Filtro de notch ou de 50-60 Hz: circuito que atenua seletiva- mente a sensibilidade do eletroencefalograma para frequências específicas que, em determinadas condições, podem causar graves distorções do registro. É tipicamente utilizado em regis- tro de pacientes críticos para filtrar frequências de 50-60 Hz. Fotoestimulação: aplicação de lampejos de luz intermitente aos olhos do paciente. Frequência: número de ciclos completos de ondas observadas em um segundo. É medido em Hertz (Hz) ou ciclos por segundo (c/s). Frequência alfa: ondas de frequência entre 8 e 13 Hz. Frequência teta: ondas de frequência entre 4 e 7 Hz. Fusos do sono: grupo de ondas rítmicas de morfologia fusifor- me, com frequência de 12 a 14 Hz e menos de 50 µV. de am- plitude, tipicamente observado na fase N2 do sono em regiões centrais ou frontocentrais. Hertz (Hz): ciclos por segundo (c/s). Hipersincronia hipnagógica: salvas de atividade teta ou delta rítmica de alta voltagem, observadas em ambos os hemisférios em crianças e adolescentes, durante a transição vigília-sono. Hipersincronia hipnopômpica: salvas de atividade teta ou delta rítmica de alta voltagem, observadas em ambos os hemisférios em crianças e adolescentes, durantea transição sono-vigília no despertar. Hiperventilação: prova de ativação que consiste em fazer com que o paciente realize incursões respiratórias de forma profun- da e regular, durante um período de três a cinco minutos. 256 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Hipsarritmia: padrão eletroencefalográfico caótico, anárquico e sem regularidade cronológica, de voltagem elevada (> 250 µV.), constituído por ondas lentas, espículas e ondas agudas multifocais que variam a todo momento. Impedância do eletrodo: resistência total ao fluxo da corrente alternada. É expressa em Ohms. Lateralizado: que compromete principalmente o lado direito ou esquerdo do cérebro. Modulação lenta juvenil do ritmo posterior: ondas lentas pos- teriores, isoladas ou em série, impostas sobre o ritmo alfa nor- mal. São mais proeminentes entre 8 e 14 anos, mas podem manifestar-se entre 2 e 21 anos. São atenuadas na vigília. Montagem: disposição particular da organização dos pares de eletrodos, para realizar a análise dos achados eletroencefalo- gráficos. Montagem bipolar: arranjo formado por pares de eletrodos em que não existe um eletrodo comum a todos os canais. Normal- mente, a segunda entrada de um canal coincide com a primeira entrada do canal imediatamente adjacente da montagem, uma vez que esse tipo de montagem abrange regiões adjacentes da superfície do crânio. Nesse tipo de montagem, os eletrodos li- gados formam uma cadeia longitudinal ou transversal. Montagem referencial: arranjo formado por eletrodos em pares, em que um deles se repete em todos os pares. Sua leitura é por amplitude. Multifocal: dois ou mais focos espacialmente separados. Onda: qualquer mudança na diferença de potencial entre os dois eletrodos no registro do EEG. Onda aguda: atividade com carga negativa, de conotação anormal epileptiforme, que perturba claramente a atividade de base e compromete dois ou mais eletrodos, cuja duração varia de 70 a 200 mseg. Usualmente a fase ascendente é levemente inclinada e a fase descendente ainda mais incli- nada, o que confere assimetria ao grafoelemento. É seguida de uma onda lenta e sua amplitude é variável. Sinônimo de ponta lenta (do francês, pointe lente). No entanto, recomen- da-se o termo onda aguda (do inglês, sharp wave). Ondas lambda: ondas difásicas de morfologia aguda, positivas em relação a outras áreas cerebrais, observadas na região occi- pital de indivíduos acordados durante a varredura visual. Ondas lentas: onda com duração menor que a onda alfa (cerca de 1/8 s). Ondas ou transientes agudos do vértex: potenciais agudos, cuja negatividade máxima se encontra e tipicamente define a fase N1 do sono. Podem ser únicos ou repetitivos e de ampli- tude variável. Padrão ictal eletrodecremental: atenuação súbita da voltagem, associada a espasmos infantis ou a crises tônicas. Padrão periódico: descargas disruptivas do traçado de base, de morfologia estereotipada que ocorrem a intervalos de tempo re- lativamente regulares e que devem permanecer por pelo menos 6 ciclos. Se a coincidência dos intervalos entre as descargas não é completa, um padrão aparentemente periódico deve ser defi- nido pelos seguintes critérios: 1. flutuação entre 0-25%: trata-se de um padrão periódico; 2. flutuação entre 25-50%: trata-se de um padrão quase periódico; 3. se a flutuação for superior a 50% o padrão eletrográfico não deve ser considerado periódico. 257 Paroxismo: fenômeno de início súbito, que rapidamente atinge seu pico máximo e termina abruptamente distinguindo-se da ati- vidade de base, comumente usado para se referir à atividade epileptiforme. Poliespícula: duas ou mais espículas. Ponta: atividade de carga negativa, que claramente pertur- ba a atividade de base e compromete dois ou mais eletro- dos. Dependendo da região, utiliza-se o termo ponta como sinônimo de espícula (menor que 70 mseg), mais frequen- temente presente em epilepsias generalizadas ou como si- nônimo de onda aguda (entre 70 e 200 mseg), mais fre- quentemente presente em epilepsias focais, o que o torna um termo confundidor ao tentarmos unificar os critérios. Por isso, caso seja utilizado, recomenda-se definir o seu significado. POSTS (Positive Occipital Sharp Transients of Sleep): transien- tes occipitais positivos do sono; grafoelementos fisiológicos da sonolência e estágio N1 do sono, localizados nas regiões pos- teriores. Prevalência: percentual específico de duração em segundos de um padrão específico ao longo de um registro. Pode ser: a. > 90% (contínuo); b. 50% a 89% ( “abundante”); c. 10% a 49% (“frequen- te”); d. 1% a 9% (“ocasional”); e. < 1% (“raro”). Reatividade: alteração do padrão EEG de base, observada em resposta a estímulos sensoriais ou outras de ações fisiológicas. Resposta fotomiogênica: artefato do movimento palpebral e atividade miogênica anterior, associada com a manobra de fo- toestimulação. Resposta fotoparoxística: aparição de atividade epileptiforme associada à estimulação fótica intermitente. Pode ser autolimi- tada ou exceder a duração do estímulo. Ritmo: atividade EEG que consiste em ondas de frequência re- lativamente constante. Ritmo alfa: atividade do EEG na faixa alfa, posterior, sinusoidal e bloqueada ou atenuada pela abertura dos olhos. Ritmo de base: ver atividade de base. Ritmo mu: atividade fisiológica na faixa alfa, localizada nas re- giões centroparietais, de morfologia arciforme, bloqueada pelo movimento ou estimulação tátil do membro superior contrala- teral e não bloqueada pela abertura dos olhos. Corresponde a um ritmo normal. Salvas: grupo de ondas com início e término paroxísticos, cla- ramente distinguível da atividade de base, seja por sua ampli- tude, frequência ou morfologia. Esse termo não implica anor- malidade e nem é sinônimo de “paroxismo” (ver paroxismo). Sensibilidade: relação entre voltagem e desvio da atividade EEG basal. É medida em µV./mm. Silêncio elétrico cerebral: ausência completa de atividade ele- troencefalográfica de origem cortical. Para usar esse termo, o traçado deve ter sido registrado com sensibilidade de 2 µV./mm, durante pelo menos 30 minutos. Sistema internacional 10-20: sistema convencional para a co- locação de eletrodos em pontos específicos do couro cabeludo. Sono ativo: corresponde ao sono REM do recém-nascido, que é observado a partir de 30 semanas de idade gestacional. Cor- responde à primeira fase de sono nessa idade, na qual se ob- 258 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica servam respiração irregular, movimentos oculares, movimentos fásicos de membros e da mímica facial. Ele representa 60% do tempo total de sono da criança nesta idade. Sono estágio N1: estágio do sono caracterizado pela presença de POSTS, hipersincronias e ondas agudas do vértex. Sono estágio N2: estágio do sono caracterizado pela presença de fusos do sono e complexos K. Sono estágio N3: estágio do sono caracterizado pela predomi- nância da atividade delta, ocupando mais de 20% do traçado. Sono indeterminado: sono do recém-nascido que não atende às características do sono ativo ou sono quieto. Sono NREM: sono sem movimentos rápidos dos olhos (REM- rapid eyes movements ou movimentos rápidos dos olhos) é um sono reparador no qual se produz um funcionamento fisiológi- co que permite a reparação de tecidos e órgãos. O sono NREM abrange as fases N1 a N3, de menor a maior profundidade. Sono quieto ou passivo: corresponde ao sono NREM do recém- -nascido. É um sono relaxado, em que estão ausentes movi- mentos e grunhidos, com a respiração regular. Sono REM: estágio do sono associado a movimentos rápidos dos olhos. É normalmente apresentado aos 70 a 100 minutos após o adormecimento. Nele é observada diminuição ou au- sência de tônus muscular, excetuando-se o do diafragma e os dos músculos responsáveis pelos movimentos dos olhos. Esta fase também é chamada de sono paradoxal, já que a atividade elétrica cerebralé semelhante à vigília. A maior parte da ativi- dade onírica é produzida neste estágio do sono. Supressão: registro no qual ha atividade eletroencefalográfica inferior a 10 µV. de amplitude. Geralmente este termo é usado para descrever o padrão de surto-supressão. Surto-supressão: padrão eletroencefalográfico caracteriza- do por paroxismos de atividade teta-delta com atividade rápida sobreposta que são interrompidos por períodos de atividade eletrográfica menor que 10 µV. de amplitude. Normalmente é relacionado a danos cerebrais significati- vos ou aos efeitos de fármacos anestésicos. Este termo tam- bém pode ser encontrado como padrão de paroxismo-su- pressão. Traçado alternante: visto em recém-nascidos desde 36 sema- nas de idade concepcional, persistindo até três a quatro sema- nas após o nascimento. Este padrão é caracterizado por surtos de ondas lentas (1-3 Hz, 50-100 µV.) que ocorrem aproxima- damente a cada 4 a 5 s, intercalados por períodos de atividade teta de baixa voltagem (inferior a 50 µV.). Transiente: qualquer onda ou complexo isolado que se destaca da atividade de base. Normalmente usado na descrição de gra- foelementos não patológicos. Transientes agudos (sharp transients): onda de qualquer duração com aparência pontiaguda. É recomendada somente para descri- ção de grafoelementos do EEG neonatal. Variantes normais: padrões de baixa incidência caracterizados por atividade aguda ou rítmica de morfologia específica, com localização particular, geralmente associados a sonolência ou sono e dependentes da idade, sendo considerados normais. 259 Referências 1. Fish BJ. Spehlmann’s EEG primer. 3. ed. Amsterdã: Elsevier, 1990. 2. Niedermeyer E, Lopes da Silva F. Electroencephalography: basic principles, clinical applications, and related fields. 5. ed. Filadélfia: Lippincott Williams & Wilkins, 2005. 3. Noachtar S, Binnie C, Ebersole J, et al. A glossary of terms more commonly used by clinical electroencephalographers and proposal for the report form for the EEG findings. The International Federation of Clinical Neurophysiolo- gy. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1999;52(suppl.):S21-S41. 4. Beniczky S, Aurlien H, Brogger JC, et al. Standardized computer-based or- ganized reporting of EEG: score. Epilepsia. 2013;54(6):1112-24. 5. Hirsch LJ, Laroche SM, Gaspard NN, et al. American Clinical Neurophysi- ology Society’s standardized critical care EEG terminology: 2012 version. Copyright 2012 American Clinical Neurophysiology Society. J Clin Neuro- physiol. 2013;30(1):1-27. 260 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Índice remissivo A Alfa ______________ 24, 25, 55, 68, 73, 77, 78, 79, 154, 162, 163, 253, 255, 256 Amplificador diferencial ______________________________ 22 Arrastamento fótico ______________________68, 69, 156, 253 Artefato cardíaco e de pulso ____________________ 122, 126 Artefatos de dispositivos externos _________________ 132,134 Artefatos de eletrodos _______________________________127 Artefatos musculares ____________________24, 119, 132, 225 Artefatos oculares __________________________________116 Atividade lenta anormal ______________________________ 97 Atividade rítmica temporal de morfologia arqueada ou arciforme _______________________________________86, 89 Atividade teta rítmica temporal média da sonolência _____ 86 B Beta 24, 25, 68, 73, 79, 80, 254 _________________________ C Calibração do aparelho de EEG ________________________ 22 Campos de isopotencial ______________________________ 57 Capacitor _____________________________19, 20, 24, 26, 28 Coma _________________103, 108, 204, 205, 206, 208, 211, 212, 213, 214, 216, 223, 226, 228, 229, 236, 239, 242 Complexo de espícula-onda __________________92,119, 253 Complexos K ______________________________ 79, 164, 257 Constante de tempo _________________________ 26, 29, 143 Corrente elétrica de fuga __________________________30, 32 Crises eletrográficas ________________________________205 D Delta ____________ 24, 25, 97, 100, 101, 104, 111, 116, 145, 155, 162, 163, 164, 182, 184, 187, 192, 193, 205, 220, 221, 222, 232, 254, 255, 257 Descargas periódicas _________205, 206, 207, 208, 245, 254 Dipolo_________________________ 17, 36, 37, 104, 105, 254 Disormia ___________________________________________ 94 E Eletrodo esfenoidal ___________________________ 53, 54, 55 Eletrodo etmoidal ___________________________________ 55 Eletrodo nasofaríngeo _____________________________54, 55 Eletrodos __________________________10, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 33, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 60, 63, 64, 65, 75, 79, 92, 97, 102, 104, 105, 116, 119, 121, 122, 127, 128, 129, 132, 135, 142, 143, 144, 145, 153, 154, 155, 166, 178, 205, 212, 214, 215, 218, 223, 224, 225, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 244, 254, 255, 256, 257 Eletrodos basais __________________________________53, 54 Eletrodos temporais anteriores verdadeiros ______________ 53 Eletrodo timpânico __________________________________ 55 Eletrodo zigomático ______________________________53, 54 Eletrogênese ________________________________________ 35 Encefalopatia hipóxico-isquêmica _______________ 204, 208 Epilepsia focal benigna da infância com descargas centro- temporais _________________________________________166 261 Epilepsia mioclônica juvenil ____________________ 177, 257 Epilepsia occipital idiopática ____________________ 172, 257 Epilepsias reflexas _____________________________ 177, 257 Espícula __ 68, 71, 72, 75, 86, 90, 92, 94, 95, 119, 122, 132, 166, 172, 176, 182, 187, 192, 195, 197, 200, 253, 254, 256 Espículas-onda fantasmas __________________________86, 90 Espículas positivas a 14 e 6 Hz ________________________ 86 Estado de mal epiléptico _ 187, 204, 207, 231, 232, 233, 250 Estimulação luminosa intermitente __________65, 70, 72, 156 F Filtro de alta _________24, 26, 27, 40, 41, 143, 224, 237, 254 Filtro de baixa _______ 26, 28, 29, 40, 41, 143, 224 237, 254 Filtro de corrente 50-60 Hz ____________________ 26, 30, 40 Fusos de sono _____________________ 79, 83, 164, 187, 189 H Hemorragia intracerebral _______________________ 204, 208 Hemorragia subaracnóidea _____________________ 207, 232 Hidrato de cloral _______________________44, 159, 160, 164 Hidroxizina ________________________________________ 44 Hipersincronia hipnagógica _________________ 162, 164, 255 Hipersincronia hipnopômpica ___________________ 164, 255 Hiperventilação _10, 65, 71, 73, 75, 156, 157, 158, 160, 172, 176, 177, 242, 243, 245, 253, 255 Hipotermia ________________________________ 44, 226, 232 I Impedância ______________19, 20, 22, 23, 39, 40, 127, 142, 223, 224, 225, 237, 255, 206 Infarto cerebral ____________________________________207 Interface eletrólito-eletrodo _________________ 18, 19, 22, 23 L Laudo médico ________________________________ 241, 244 Laudo técnico _____________________________________241 Lei de Ohm _____________________________________19, 28 M Melatonina ____________________________________ 44, 160 Midazolam ____________________________________ 45, 164 Modulação lenta juvenil ____________________ 162, 163, 255 Monossomia parcial 4p _____________________________195 Montagens ______________41, 57, 63, 64, 92, 104, 122, 143, 212, 224, 233, 237, 244 Montagens bipolares ________________ 57, 64, 104, 143, 237 Montagens referenciais ________________________ 57, 64, 92 Morte encefálica _______________ 9, 40, 211, 212, 213, 214, 215, 227, 228, 231, 235, 237, 238 O Onda aguda _____________29, 59, 75, 92, 96, 104, 106, 110, 166, 253, 255, 256 Ondas agudas do vértex _____________ 79, 82, 164, 187, 257 262 O ABC de um registro eletroencefalográfico - Da teoria à prática clínica Ondas lambda ______________________________ 79, 81, 256 Ondas trifásicas ___________________________ 111, 182, 254 P Paciente crítico ___________________________ 203, 231, 233 Padrão hipsarrítmico __________________ 104, 165, 166, 168Padrão surto-supressão _________________________ 104, 108 Painel de eletrodos ___________________________ 54, 57, 64 Pequenas espículas do sono _______________________86, 91 Polaridade _____ 37, 56, 57, 59, 86, 104, 119, 132, 133, 253 Poliespícula _____________________________________92, 98 Ponte de sal ________________________________ 20, 21, 132 Potenciais excitatórios pós-sinápticos ____________ 17, 35, 57 Potenciais inibitórios pós-sinápticos _____________ 17, 35, 57 Potenciais neurotônicos ______________________________ 36 Primeiros socorros em crises epilépticas _______________249 Princípio do cancelamento ___________________________ 57 Protocolo de morte encefálica ________________________211 R Reatância __________________________________________ 19 Regra do eletrodo médio _____________________________ 52 Resposta fotomiogênica __________________68, 70, 122, 256 Reversão de fase _________ 57, 59, 60, 64, 97, 104, 106, 132 Ritmo alfa _________77, 78, 79, 154, 162, 163, 253, 255, 256 Ritmo beta ______________________________________79, 80 Ritmo mu _______________________________79, 86, 87, 256 S Sedação _____ 44, 45, 75, 153, 157, 159, 160, 185, 197, 242 Segurança elétrica ________________________________28, 31 Síndrome da epilepsia ausência da infância _______ 172, 175 Síndrome da tetrassomia do cromossomo 15 ______ 192, 196 Síndrome de Angelman _______________ 182, 183, 184, 186 Síndrome de Jeavons _____________________68, 179, 180, 18 Síndrome de Rett __________________________ 185, 188, 190 Síndrome de West __________________________ 10, 104, 165 Síndrome do cromossomo 20 em anel ___ 190, 192, 193, 194 Síndrome do X frágil ________________________________191 Sistema internacional 10-10 __________________________ 56 Sistema internacional 10-20 _______________________47, 75 T Técnica de estimulação luminosa ______________________ 65 Terra _______________30, 31, 32, 49, 53, 132, 145, 223, 234 Teta ______________ 24, 25, 86, 97, 104, 155, 162, 164, 187, 190, 232, 254, 255, 257 Transientes agudos positivos occipitais do sono __________ 79 Traumatismo cranioencefálico ________________________208 Agradecemos à Dra. Ana Paula Hamad e ao Dr. Luis Otávio Caboclo que produziram algumas das imagens utilizadas neste livro. “O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autore(s) e produtor(es), não refletindo necessariamente a opinião da Abbott”.