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PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

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COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA - IPEMIG 
 
 
Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2 
 
SUMÁRIO 
 
 
A APRENDIZAGEM: O APRENDER A CONHECER .......................... 3 
APRENDIZAGEM: ASPECTOS FÍSICOS E AFETIVOS ..................... 6 
TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: CONTRIBUIÇÕES PARA A 
COMPREENSÃO DA APRENDIZAGEM .......................................... 11 
PAULO FREIRE: RELAÇÃO DIALÓGICA NA EDUCAÇÃO ............ 28 
AQUISIÇÃO DE LEITURA E ESCRITA: FASES DA 
ALFABETIZAÇÃO ............................................................................ 33 
O PROFESSOR E AS TEORIAS ...................................................... 37 
PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM: DIFICULDADES NAS 
INTERFACES ENTRE DESENVOLVIMENTO E ESPAÇO ESCOLAR
 .......................................................................................................... 41 
A RELAÇÃO PROFESSOR / ALUNO: ESCOLA E SOCIEDADE..... 54 
REFERÊNCIAS ................................................................................. 57 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 3 
 
A APRENDIZAGEM: O APRENDER A CONHECER 
 
 A aprendizagem se realiza em processos de constituição do conhecimento. 
Ela permite aos homens a experiência de transformação: aprendendo, eles se 
modificam e modificam o real. A construção de nossa sociedade e do mundo em 
que vivemos relaciona-se tanto aos processos de aprendizagem e às concepções 
acerca do conhecimento que formulamos quanto às concepções de educação 
advindas dessas noções. Como o processo de aprendizagem pode ser definido 
dentro da educação? Qual a relevância de compreender os processos de 
aprendizagem? O que se aprende e como se aprende? Qual a influência dos 
instrumentos pedagógicos no processo de aprendizagem? Qual a importância do 
processo de aprendizagem na construção de uma proposta de Educação? Essas 
questões devem acompanhar a prática e o estudo da aprendizagem a fim de 
possibilitar uma atuação crítica em Educação. 
 Para compreendermos melhor o que é aprendizagem, é importante 
resgatar a origem do termo. Aprendizagem deriva de aprender, que provém do 
latim apprehendere, o que significa segurar, apanhar, agarrar, tomar conta de 
algo, apoderar-se. Assim, leva-nos a compreender que a aprendizagem é o ato de 
tomar conhecimento e guardar na memória, mas também de apropriar-se de algo, 
segurando-o, de tomar conta de algo que passa a ser próprio. É importante, 
desse modo, não considerar a aprendizagem apenas como processo de 
memorização, e sim como construção e apropriação vivida do conhecimento. 
 A etimologia de duas outras palavras ligadas à aprendizagem, 
conhecimento e educação, pode ainda trazer mais esclarecimentos. A palavra 
conhecimento é formada pelos termos cognoscere (nascer com) e coire (coito) 
designando, segundo Morato (1999) “fusão para dar nascimento”. “Isto implica 
numa relação de conhecimento com penetrabilidade. Fusão da interioridade do 
sujeito com o objeto a ser apreendido” (p.67). Já educação é constituída pelo 
partitivo, que significa por e pelo termo ducere conduzir, denotando conduzir por, 
que implica uma concepção de educação como constituição de caminhos na 
relação com outros, ou seja, é através do percurso com aqueles que vieram antes 
de mim que minha educação se realiza. 
 4 
Embora as palavras conhecimento e educação designem, em seu sentido 
original, ações humanas constituídas na relação dos homens entre si e com o 
mundo, o desenvolvimento das teorias da aprendizagem, configurando-se em 
diferentes modos de compreender essas relações, muitas vezes, se constituiu 
com uma visão parcial do ato de aprender. O debate entre as primeiras teorias 
acerca da aprendizagem, denominadas inatismo e empirismo, ilustra a questão. 
Ele esteve presente ao longo do desenvolvimento das ciências e ainda hoje há 
representantes inatistas e empiristas, embora muito se questione a ausência de 
uma consideração ampla e além do fator biológico nessas posições. Como se 
expressa na etimologia das palavras anteriormente referidas, o aprender remonta 
às relações humanas, que não podem ser consideradas apenas de uma 
perspectiva biológico-evolucionista. 
 A concepção inatista entende que todo o conhecimento nasce conosco – é 
inato e adquirido a priori (anterior à experiência sensível). O precursor do inatismo 
foi Descartes (1596-1650), que fundamentou a teoria racionalista. Para ele, as 
idéias distintas “são idéias gerais que (...) já se encontram no espírito, como 
instrumentos de fundamentação para a apreensão de outras verdades. São idéias 
inatas e, portanto, não estão sujeitas a erro, pois vêm da razão (...)” (ARANHA, 
1996, p.129). A Teoria do Dom, muito popular na educação brasileira até a 
década de 30, concebe a aprendizagem como inata e baseia-se na idéia do 
desenvolvimento enquanto simples afloramento das potencialidades genéticas. 
O empirismo, por sua vez, entende que o conhecimento é adquirido pela 
experiência, através dos sentidos – ou seja, a posteriori (depois da experiência 
sensível). Entre os teóricos empiristas encontra-se Locke (1632-1704), que “critica 
as idéias de Descartes, afirmando que a alma é como (...) uma tábua em que não 
há inscrições (...) Dessa forma, o conhecimento somente começa após a 
experiência sensível. Daí, sua teoria ser conhecida como empirismo, termo cuja 
origem é a palavra grega empeiría, que significa experiência” (ARANHA, 1996, 
p.129). Uma das teorias empiristas mais famosas é a teoria do “learning”. Ela 
afirma que o conhecimento se forma através de respostas repetidas do organismo 
aos estímulos exteriores, consolidadas por reforços do ambiente, criando cadeias 
de associações e “modelos” funcionais. Essa concepção de aprendizagem ainda 
considera o conhecimento como “cópia” do real. Alguns de seus críticos afirmam 
 5 
que ela desconsidera o papel do próprio sujeito, concebido como elemento 
passivo do processo. 
 Atualmente, muitas concepções acerca da aprendizagem levam em 
consideração tanto o papel do indivíduo quanto a realidade à sua volta, entendida 
não apenas como “meio ambiente”, mas como uma teia de relações humanas em 
que também influenciam aspectos políticos, sociais, econômicos, institucionais, 
afetivos, etc. compreendendo a aprendizagem como um processo multiplamente 
engendrado. Essas concepções estão presentes muitos trabalhos importantes 
para a educação, como os de Piaget, Vygotsky, Wallon, Paulo Freire e outros. 
Podemos observar, desse modo, que o processo de aprendizagem não é 
um fenômeno simples. Para entender a aprendizagem, portanto, além das bases 
epistemológicas, devemos conhecer as fases de desenvolvimento do indivíduo, 
as condições sociais da realidade na qual o processo de aprendizagem se 
desenrola, os processos neurológicos relacionados à aprendizagem, os fatores 
psíquicos que permeiam as relações de aprendizagem, entre outros. 
 
Atividade de aprofundamento 
 
 Leia os textos seguintes e reflita sobre sua prática pedagógica. Como é 
possível considerar os saberes das crianças na relação de ensino-aprendizagem? 
Faça uma resenha do tema “Educar: ensinar e aprender” a partir dos textos. 
 
 A educação que se impõe (...) não pode fundar-se 
numa compreensão dos homens como seres “vazios” a 
quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se 
numa consciência espacializada, mecanicista, 
compartimentada, mas nos homens como corpos 
conscientes e na consciência intencionada do mundo.(...) 
Nesse sentido, a educação libertadora, ou problematizadora, 
já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de 
transferir, ou de transmitir ”conhecimentos” e valores aos 
educandos (...) Ninguém educa ninguém, ninguém educa a 
si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo 
mundo (...) Dessa maneira , o educador já não é o que 
apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em 
diálogo com o educando que, ao ser educado, também 
educa.Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em 
 6 
que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” 
já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, 
autoridade, se necessita estar sendo com as liberdades e 
não contra elas. (FREIRE, 2001, p. 67,68). 
 
 O saber não pode ser mais encarado como depósito enciclopédico, na 
medida em que ele não ocupa um ponto fixo, (...), nem pode o educador ser visto 
como aquele que detém o saber, mas antes, aquele que fará circular os saberes 
(BARTHES, s.d.), aí incluído o seu próprio. (CAMPOS & CURY, 1997, p. 1) 
 
 
APRENDIZAGEM: ASPECTOS FÍSICOS E AFETIVOS 
 
Alguns aspectos sensório-psico-neurológicos 
 
 Algumas funções neurológicas são essenciais para o desenvolvimento da 
criança e para a aprendizagem, pois se desenvolvem ao longo dos primeiros anos 
de vida. O ser humano, comparado aos outros animais, nasce prematuramente. 
Seus sistemas anatômicos ainda não adquiriram maturidade estrutural nem 
funcional. Isso porque o seu sistema nervoso central ainda está muito distante da 
completa maturação, e é esse sistema que irá regular o funcionamento de todos 
os outros sistemas do nosso organismo, associado aos hormônios fabricados 
pelas glândulas de secreção interna. O sistema nervoso central (SNC), está 
contido no interior de uma caixa óssea. É formado por três porções: cérebro e 
cerebelo, contidos na cabeça, na porção chamada neurocrânio; e medula 
nervosa, localizada no canal espinhal, formado pela superposição das vértebras. 
 Na primeira semana de vida, a visão da criança é imperfeita e as imagens 
se formam no cérebro invertidas. A audição é pouco desenvolvida, assim como o 
olfato, a gustação, as sensibilidades táteis, térmicas e dolorosas. O mesmo 
acontece com o seu centro de equilíbrio e seu reflexo postural. O recém-nascido 
não tem noção de sua posição no espaço, nem da posição de seus membros, das 
partes do corpo e da cabeça. Está, portanto, impossibilitado de se locomover. 
 Com o desenvolvimento físico da criança, o sistema nervoso central vai 
aos poucos entrando em maturação. Os sistemas dos sentidos, formados pelos 
 7 
receptores de estímulos do meio, os nervos e os seus respectivos centros 
nervosos – localizados no SNC – vão amadurecendo na estrutura e entrando em 
funcionamento. Só então a criança começa a tomar conhecimento do meio 
externo, de sua posição nesse meio e da posição das partes de seu corpo. Essas 
informações chegam a ela do meio exterior através dos órgãos dos sentidos. São 
seis os sistemas dos sentidos: sistema tátil térmico doloroso, sistema do equilíbrio 
associado ao reflexo postural, visão, audição, gustação, olfato. Para cada sistema 
sensorial existe um centro nervoso específico, localizado na camada periférica do 
cérebro (a córtex cerebral) ou no cerebelo. 
 
Aprendizagem e memória 
 
 O sistema nervoso do bebê ainda não está morfológica e fisiologicamente 
completo. Nos primeiros anos de vida, ele aprende apenas pelos estímulos 
sensoriais e pelos movimentos, através de experiências práticas. Os processos 
de aprendizagem e memória envolvem várias áreas cerebrais, relacionando 
diferentes campos do sistema nervoso numa rede neuronal complexa. Algumas 
destas áreas são: sistema límbico, principalmente hipocampo, giro pára-
hipocampal, corpo amigdalóide, corpos mamilares e fórnix, o neocórtex, o córtex 
temporal e o córtex pré-frontal (MACHADO, 1993). Algumas das áreas 
relacionadas ao aprendizado e à memória estão ainda ligadas às emoções e a 
alguns reflexos viscerais. Desse modo, aprendizagem e memória se articulam a 
outras funções e regiões cerebrais, formando circuitos neuronais que podem 
envolver áreas muito distantes do cérebro, numa teia neuronal difusa e plástica. 
 É essa teia neuronal que se transforma e se amplia no processo de 
aprendizagem. Para que novas informações façam parte do mecanismo cerebral, 
novas sinapses são constituídas. Mesmo que não se construam a nível 
morfológico, elas se realizam no nível funcional: um circuito neuronal presente 
atua em determinada potência elétrica na transmissão da nova informação. Esse 
circuito pode também conectar-se a outros circuitos neuronais, formando cadeias 
associativas, que auxiliam na assimilação e armazenamento da nova informação. 
Quando a criança se defronta com um objeto ou um fato que já conhece e sobre o 
 8 
qual já aprendeu alguma coisa, o centro da memória ativa o circuito neuronal no 
qual está associada aquela informação. A arborização sináptica possui um papel 
importante na aprendizagem e se amplia no próprio processo de aprendizagem. 
Por isso, quanto mais o indivíduo exercita e é estimulado na aprendizagem, maior 
facilidade terá para aprender e armazenar informações no futuro. 
Em neurologia, se distinguem dois tipos de memória: a memória recente, 
que relaciona informações por um curto período (horas ou dias) e a memória 
remota, que armazena informações por muitos anos. Embora aparentemente 
nosso Sistema Nervoso seja capaz de armazenar todas as experiências pelas 
quais passamos, nem tudo o que é aprendido é armazenado na memória remota. 
A memória remota é estável e se mantém mesmo após danos cerebrais graves, 
enquanto a memória recente é mais lábil e comprometida mais facilmente em 
patologias. Acredita-se que a memória remota esteja localizada no neocórtex e 
sabe-se que a memória recente liga-se ao sistema límbico, que está envolvido 
nos processos de consolidação de novas informações, no armazenamento 
temporário ou permanente e é também associado às emoções. O corpo 
amigdalóide também é uma importante estrutura nos processos da memória. 
 
Aprendizagem e comunicação verbal e escrita 
 
 A criança começa a desenvolver a linguagem desde os primeiros tempos 
de vida. Para que ela possa falar, não bastam boas condições do aparelho 
auditivo e fonador, é preciso o desenvolvimento de ações reflexas em resposta às 
estimulações do ambiente. O ambiente é considerado pobre de estimulação 
quando é destituído de estímulos visuais, estímulos sonoros e, sobretudo, de 
oportunidades de diálogo com adultos. No início, a ação reflexa responderá à 
estimulação visual, tátil, auditiva e sinestésica (de movimentos). Essas ações vão 
evoluindo e criando experiências perceptivas, noções de conhecimento do próprio 
corpo e de postura, que permitem a articulação de sons com a boca. A criança vai 
ainda exercitando a motricidade e a linguagem gestual (movimentos articulatórios 
e a mímica, que vão estruturar as bases de aquisição da fala). Em seus exercícios 
de articulação de sons, a criança vai progressivamente articulando sílabas e, 
 9 
posteriormente, palavras. Nesse processo, a estimulação de adultos falantes é 
muito importante, principalmente ao conversar com a própria criança. 
 As noções do próprio corpo (esquema corporal) e da postura também são 
fundamentais para a comunicação. Para adquiri-las, a criança deve interagir com 
o meio exterior – o tempo, o espaço, outras pessoas e os objetos que a cercam – 
através das percepções, do contato corporal, da evolução dos gestos e da 
motricidade. Assim, a linguagem não pode ser considerada como uma função 
autônoma e isolada. Ela depende das mesmas funções motoras e perceptivas 
que lhe serviram de base e que ela ajuda a desenvolver e deve ser compreendida 
no contexto do processo contínuo do desenvolvimento. 
Se a criança tiver dificuldades em seu desenvolvimento que prejudiquem a 
aprendizagem, haverá provavelmente dificuldade na aquisição da linguagem 
falada, que é uma das tarefas mais difíceis do desenvolvimento. Uma criança que 
adquiriu a fala e aprendeu a andar tem boas condições para a aprendizagem da 
leitura e escrita, pois possui um bom desempenho da função simbólica 
(CAGLIARI, 1997). No entanto, podem também ocorrer dificuldades de 
alfabetização em crianças com desenvolvimento normal até a entrada na escola. 
Nesses casos,provavelmente as causas não se situarão no ambiente até então 
freqüentado pela criança ou a disfunções neurológicas, sendo preciso buscar as 
causas da dificuldade nas experiências da criança no próprio interior da escola. 
Assim, o preparo de uma criança para o processo de aprendizagem 
depende de uma complexa integração das funções neurológicas, que precisam 
ser exercitadas para amadurecerem em harmonia. Muitos trabalhos comprovam a 
influência do ambiente sobre o desenvolvimento perceptivo, lingüístico e cognitivo 
da criança, chegando a transformar crianças que possuíam potencialidade normal 
em crianças com dificuldade de aproveitamento da aprendizagem formal. Ao 
mesmo tempo, a plasticidade cerebral permite que mesmo crianças com 
disfunções neurológicas possam reconstituir, em algum grau, desempenhos ou 
funções cognitivas por meio de estimulação e exercício. Desse modo, todos os 
indivíduos são capazes de aprender, e seu desempenho refletirá as condições de 
estimulação e aprendizagem de seu meio social, principalmente escolar. 
 
 10 
Alguns elementos do aspecto afetivo-social 
 
 A subjetividade dos indivíduos vai se constituindo na interação das 
experiências que tiveram desde o nascimento, no entrecruzamento entre suas 
condições biológicas, as condições sociais e culturais do meio em que vivem, 
suas relações e interações afetivas, suas lembranças e compreensões de si, de 
sua história e do mundo. Por meio da linguagem, a criança vai instituindo uma 
organização simbólica do mundo e operando atos de reflexão e consciência sobre 
o mundo. Assim, a linguagem, enquanto ato de comunicar, pode ser 
compreendida como ato de tornar comum um sentido, socializando significados e, 
como mediadora do real, possibilita um ponto de referência de uma identidade, 
pelo distanciamento em relação à vivência. É através do distanciamento do vivido 
que se pode falar em eu (interno) em oposição a mundo (o externo a mim), 
permitindo ao sujeito ver-se como distinto do mundo. Assim, a constituição 
vivencial e simbólica da subjetividade se faz indissociavelmente, orientando os 
modos de olhar a si e ao mundo. Constituindo-se na teia de relações humanas, a 
subjetividade é permeada pelas relações nas quais se engendra. 
Portanto, quando a criança chega à escola, ela já possui vivências e modos 
de ação constituídas em sua história de vida, que podem ainda transformar-se, 
mas constituem seu quadro atual de referências quanto a si mesma e ao mundo. 
Por outro lado, o ambiente escolar, completamente novo e seguramente diferente 
de seu lar, passará também a influenciar na constituição de sua subjetividade. 
Trabalhando para a aquisição de uma linguagem específica sobre o mundo, a 
escola se constitui enquanto espaço de socialização. Assim, é na promoção de 
um bom espaço escolar, que considere a afetividade da criança, que a 
aprendizagem pode se desenvolver plenamente. 
 Na fase entre 6 e 7 anos, em que se dá a entrada na escola, a criança está 
saindo do período do egocentrismo, em que o espaço subjetivo e interno de suas 
imaginações e desejos não está totalmente diferenciado do espaço externo do 
mundo concreto. Assim, a criança não tem uma boa percepção do desejo, do 
pensamento e da perspectiva dos outros, pois relaciona os acontecimentos do 
mundo a seus próprios pensamentos e sentimentos. Com a diminuição do 
egocentrismo e o início da fase das operações concretas, a criança transfere seus 
 11 
interesses, antes dirigidos apenas a si própria, aos objetos e fatos que acontecem 
ao seu redor. Começa a preocupar-se com os outros e com o que eles pensam 
dela, a cooperar com os amiguinhos e fazer trabalhos em grupo. 
 A entrada da criança na escola significa um delicado período de transição. 
Ela perde a liberdade de ação, ficando sujeita a regras de disciplina e às ordens 
do professor. O contato com um ambiente desconhecido e a obrigatoriedade de 
cumprir regras que não correspondem ao seu desejo são fatores que podem 
contribuir para sua insegurança e exigirão dela um novo esforço de 
desenvolvimento no sentido da socialização. Será, portanto, necessário construir 
uma capacidade de adaptação que lhe permitia superar esse período de crise que 
é sua introdução a um espaço de socialização diferente do núcleo familiar. 
 
 
TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: CONTRIBUIÇÕES PARA A 
COMPREENSÃO DA APRENDIZAGEM 
 
As contribuições de Lev Vygotsky 
 
Para Vygotsky, o homem se constitui enquanto ser social, pois nasce num 
contexto saturado de valores culturais. Desse modo, para o homem transformar-
se de ser biológico em ser social, o convívio social é fundamental (VYGOTSKY, 
1991). A criança nasce com funções psicológicas elementares e, pelo 
aprendizado na cultura, estas se transformam em funções psicológicas superiores 
(VYGOTSKY, 1991). Esse processo é mediatizado pelas pessoas que interagem 
com ela e essa intermediação dá ao conhecimento um sentido social e histórico. 
Os significados culturais historicamente produzidos na palavra, na cultura, nos 
valores, são internalizados de forma individual e possuem um sentido pessoal, 
articulando-se à realidade, à vida e aos motivos de cada indivíduo. 
Nesse processo de constituição social e histórica do homem, a linguagem 
possui dupla relevância na construção do saber: ela simplifica e generaliza a 
experiência, organizando os fatos do mundo concreto em conceitos cujo 
significado pode ser partilhado pelos homens pela utilização da mesma língua. A 
 12 
linguagem intermedeia a relação entre os homens, o que implica duas funções 
básicas no desenvolvimento. A principal função é a de intercâmbio social: é para 
se comunicar com outros que o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem. 
Para que seja tornado comum (comunicado), o mundo da experiência, vivido de 
modo particular por cada indivíduo, tem que ser generalizado e traduzido em 
signos que possam ser transmitidos a outrem. 
No processo de comunicação, se institui a segunda função da linguagem: o 
pensamento generalizante. Para Vygotsky, um conceito expresso por uma palavra 
constitui um ato de generalização. A linguagem ordena o real, agrupando fatos ou 
objetos do mesmo tipo numa mesma categoria conceptual. Essa aptidão de 
generalizar e abstrair, incluindo os vários seres, objetos ou ações em certas 
categorias, nos liberta dos limites da experiência concreta. Não é preciso estar em 
contato direto com algo para referenciá-lo, e a linguagem torna-se ferramenta do 
pensamento: ela constitui conceitos e modos de organização, mediando a relação 
entre sujeito e objetos do mundo, e torna o homem um ser sócio-histórico ao 
instituir novos modos de ação e relação com o mundo e consigo mesmo. 
O significado da palavra se distende ao integrar novas conotações e 
sentidos. Segundo Vygotsky (1987:50), 
 
A formação de conceitos é o resultado de uma atividade 
complexa, em que todas as funções intelectuais básicas 
tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido 
à atenção, à associação, à formação de imagens, à 
inferência, ou às tendências determinantes. Todas são 
indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou 
palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossas 
operações mentais, controlamos o seu curso e as 
canalizamos em direção à solução do problema que 
enfrentamos. 
 
Assim, o desenvolvimento conceitual se dá gradualmente: se a princípio a 
criança formula conceitos na relação direta estabelecida com a realidade 
concreta, aos poucos circunscreve certos atributos do objeto, rumo a abstrações e 
generalizações cada vez mais complexas A escola deve levar a criança a 
entender que o signo da escrita não possui significado em si mesmo, é apenas 
uma representação do real (OLIVEIRA, 1993; VYGOTSKY, 1991). A 
compreensão do signo e seu significado deve se realizar por meio de ações que 
 13 
vinculem o mundo concreto e suas representações (OLIVEIRA, 1993), 
favorecendoa formação de conceitos. 
Vygotsky definiu dois tipos de conceitos: os "cotidianos" e os ”científicos". 
Conceitos cotidianos são aqueles que, durante o desenvolvimento, a criança vai 
formulando na medida em que utiliza a linguagem para nomear objetos e fatos 
presentes no cotidiano. Ao falar, ela vai se referindo à realidade exterior e, quanto 
mais interage dialogicamente com outros, mais se distancia da ligação direta 
entre o conceito e o concreto, tornando a designação da realidade cada vez mais 
abstrata e genérica. Já os conceitos científicos são aqueles formados na 
aprendizagem sistematizada da criança na escola. Os conceitos científicos 
derivam de um corpo articulado de conhecimento e aparecem nas propostas 
curriculares, compondo os conteúdos a serem trabalhados com os alunos. 
Para Vygotsky, existem três esferas importantes de aprendizagem da 
criança: a zona de desenvolvimento potencial (aquilo que a criança ainda não 
domina, mas pode vir a ser capaz de realizar), a zona de desenvolvimento real 
(tudo o que a criança já é apta a realizar sozinha) e a zona de desenvolvimento 
proximal (aquilo que a criança é capaz de realizar com ajuda de outras pessoas). 
É na zona de desenvolvimento proximal que a "interferência de outros indivíduos 
é mais transformadora. Isso porque os conhecimentos já consolidados não 
necessitam de interferência externa". (OLIVEIRA, 1993, p. 61). 
O ensino-aprendizagem deve ter como ponto de partida o desenvolvimento 
real da criança e como horizonte sua zona de desenvolvimento potencial. Desse 
modo, a aprendizagem ocorrerá na relação da criança com outros indivíduos à 
sua volta, principalmente na zona de desenvolvimento proximal, e a escola terá, 
em nossa sociedade, o papel de fazer a criança avançar em sua compreensão do 
mundo. O professor deve estimular a zona de desenvolvimento proximal, porém 
sua interferência não pressupõe uma pedagogia diretiva ou uma relação 
hierárquica e autoritária, mas a interação e o diálogo com a criança, estimulando 
a construção de hipóteses, conceitos e conhecimentos (VYGOTSKY, 1991). 
Para Vygotsky, o erro deve ser valorizado como parte do processo ensino-
aprendizagem. A consideração do desenvolvimento proximal recoloca a relação 
erro/acerto sob o prisma de que o erro deve ser percebido como indicador dos 
conhecimentos que precisam ser estimulados, e não como incapacidade. A 
 14 
correção possibilita ao aluno perceber quais conhecimentos ainda não domina e 
reorientar sua compreensão. Para que esse processo possa se consolidar, o 
diálogo deve integrar o trabalho escolar – para Vygotsky, a linguagem é a 
ferramenta psicológica mais relevante. Desse modo, o trabalho em grupo estimula 
a interação social, sendo ocasião para aprimorar conhecimentos e amadurecer 
idéias. Por outro lado, o contato individualizado entre professor e aluno será a 
situação em que o professor pode inferir seu desenvolvimento real e proximal 
(OLIVEIRA, 1993). Outro instrumento importante para Vygotsky é o brinquedo. As 
brincadeiras de "faz-de-conta" criam zonas de desenvolvimento proximal, pois 
levam a criança a situações de ensaio e invenção de valores e à imitação de 
papéis sociais. A escola deve criar situações de brincadeira, para ampliar as 
possibilidades de estímulo ao desenvolvimento e à interação social. 
Segundo Vygotsky, a Psicologia sempre se ocupou em detectar o 
desenvolvimento real do indivíduo, por exemplo, na utilização de testes ou 
escalas que visavam inferi-lo. Na escola, também se tende a valorizar, ainda hoje, 
apenas o nível de desenvolvimento real dos alunos: avaliações individuais, provas 
somente do tipo “múltipla escolha” ou a ausência de discussão das questões com 
o professor e os colegas, consideram apenas o produto, ou seja, o que os alunos 
conseguem responder, e não o modo pelo qual chegaram às respostas. Perde-se, 
então, a ocasião de observar o desenvolvimento de pontos ou temas nos quais os 
alunos apresentam dificuldade, mas que seriam passíveis de compreensão se 
realizados com a mediação de outros. Ou seja, se desconsidera conteúdos e 
articulações que estão em processo de compreensão pelo aluno e já contêm 
aspectos mais ou menos desenvolvidos de saberes, noções e conceitos. 
O conhecimento do processo mental realizado pela criança revela que o 
desempenho correto pode significar apenas uma resposta mecânica e atenta para 
o estímulo ao raciocínio, ao exercício e ao pensar próprio do aluno. Ciente do 
trajeto feito pela criança para chegar à resposta, o professor pode questionar, 
intervir, estimular e apoiar nas dificuldades, dedicando-se a aspectos ainda não 
consolidados e criando novos pontos de aprendizagem e curiosidade. Ao ressaltar 
a zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky destaca o papel da interação 
social, da escola e da consideração positiva do potencial da criança na 
 15 
aprendizagem e na prática pedagógica, pois a aprendizagem bem articulada deve 
consolidar e, principalmente, criar zonas de desenvolvimento proximal sucessivas. 
Nesse contexto, o professor não é situado no papel central de transmissor 
de informações para alunos passivos, nem no papel periférico de organizador de 
tarefas que os alunos devem realizar sem sua intervenção. Ele é o mediador do 
processo, propondo desafios aos alunos e ajudando-os a resolvê-los, trazendo e 
realizando com eles atividades em grupo, em que os diversos saberes podem ser 
cambiados na colaboração entre alunos, rompendo-se com a idéia de turmas 
homogêneas. Com sua intervenção, o professor contribui para aprimorar funções 
ainda não consolidadas, ou para criar zonas de desenvolvimento proximal. 
 A aprendizagem escolar implica apropriação de conhecimentos que exigem 
exercício constante e reconfiguração contínua de experiências significativas dos 
alunos. Desse modo, as atividades de aprendizagem devem considerar tanto o 
nível de desenvolvimento real do aluno (sua produção independente) e seu nível 
de desenvolvimento proximal (sua produção auxiliada) quanto seu percurso e 
raciocínio na realização de ambas as produções. Considera-se muito mais 
amplamente o processo de aprendizagem do aluno, o "curso interno de seu 
desenvolvimento" (VYGOTSKY, 1991), que orienta o planejamento pedagógico. 
 A relação do homem com o mundo, mediada por instrumentos e signos, 
orienta a constante reconfiguração humana, e a zona de desenvolvimento 
proximal, enquanto esfera de aprendizagem, se constitui nessa relação mediada 
de auxílio com outros. Assim, os conhecimentos são constituídos por meio de 
processos de mudança cognitiva e auto-regulação, em que o sujeito co-opera na 
construção da realidade e, nessa construção, aprende. Eles não emergem nem 
do sujeito nem do objeto, mas de uma fusão entre ambos, numa relação dialética 
em que o conhecedor participa dos atos de conhecer e entender, sendo sua 
atividade necessária à aprendizagem e o conflito cognitivo fundamental para 
provocar o desenvolvimento: o sujeito progride questionando suas construções. 
Para Vygotsky, o conceito é mais do que a soma de conexões associativas 
formadas pela memória, mas um ato real e complexo de pensamento que não se 
realiza pelo treino, mas apenas pelo exercício e abertura de novas experiências 
cognitivas nas relações de ensino. Vygotsky (1987) se opõe à acepção tecnicista 
de ensino, e afirma: 
 16 
Uma escola de pensamento acredita que os conhecimentos 
científicos não (...) passam por nenhum processo de 
desenvolvimento, sendo absorvidos já prontos (...) No 
entanto, é uma concepção que não resiste a um exame mais 
aprofundado. (p.71). 
 
 A consciência de conceitos surge apenas tardiamente no desenvolvimento, 
após sua utilização e prática inconsciente e espontânea, muitas vezes, a criança 
opera corretamente relações entre objetos ou conceitos de que ela ainda não tem 
consciência. Para Vygotsky, o aprendizado escolar induz a percepção 
generalizante,tendo notável papel na conscientização da criança em relação a 
seus processos mentais. 
 A compreensão de conceitos e significados implica o desenvolvimento de 
várias funções intelectuais (memória, atenção, abstração, etc). A constituição de 
conceitos não-espontâneos – advindos do contato com o adulto e, portanto, 
também na escola – deve considerar o pensamento da criança em cada nível de 
desenvolvimento, numa interação dinâmica com suas atividades e experiências 
de aprendizagem. A constituição de conceitos espontâneos e não espontâneos se 
relaciona e influencia, partilhando o mesmo processo de formação de conceitos. A 
criança enfrenta problemas diferentes ao assimilar conceitos espontâneos e não-
espontâneos, gerando caminhos de desenvolvimento diversos, pois esses diferem 
quanto à relação com a experiência da criança e quanto à atitude da criança face 
ao objeto. Quando se transmite um conhecimento sistemático, ensina-se coisas 
que a criança não pode ver ou vivenciar diretamente. 
Dessa forma, Vygotsky destaca o papel da linguagem e da formação de 
conceitos na construção da realidade e na organização do real e do pensamento. 
Ao mesmo tempo, resgata a importância da interação social na formação dos 
conceitos e da linguagem, ressaltando tanto o papel dos espaços de socialização, 
principalmente a escola, quanto o papel fundamental do próprio educando na 
construção de seu conhecimento. Ao longo desta construção estão presentes as 
experiências, os hábitos, as atitudes, os valores e a própria linguagem daqueles 
que interagem com a criança, em seu grupo familiar, bem como a história e a 
cultura de outros indivíduos com quem a criança se relaciona e em outras 
instituições próximas, como a escola, ou contextos mais distantes da própria 
cidade, estado, país. Ao mesmo tempo, a criança participa ativamente da 
 17 
construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-se e provocando 
transformações nos demais sujeitos que com ela interagem. Assim, a importância 
da cultura, da linguagem e das relações sociais na teoria de Vygotsky embasa 
uma educação na qual o homem seja visto na sua totalidade: na multiplicidade de 
suas relações com outros; na sua especificidade cultural; na sua dimensão 
histórica, ou seja, em um processo de construção e reconstrução permanente. 
 
 As contribuições de Jean Piaget 
 
Para Piaget, a inteligência é um comportamento adaptativo desenvolvido 
desde os primeiros anos de vida, e “suas funções básicas consistem em 
compreender e inventar, em outras palavras, construir estruturas estruturando o 
real” (1980, p. 36). O conhecimento construído pelo homem resulta do seu 
esforço de entender e dar significado ao mundo. Interagindo com o ambiente, a 
criança organiza-o, orienta-o e nele se orienta. Para esta construção e nessa 
construção, ela constitui estruturas e modos de compreender e atuar, 
aprimorando processos neurológicos e intelectuais. A aprendizagem ocorre na 
estrutura cognitiva de modo similar à organização do organismo na adaptação 
dos alimentos que podem ser úteis e na sua assimilação para satisfazer as 
necessidades do corpo. A cognição “seleciona” e “organiza” informações e 
estímulos, numa dinâmica de contínua interação entre homem e ambiente, por 
meio da apreensão do que é útil à adaptação do homem no mundo. Ela se 
desenvolve através de processos de assimilação (compreensão) e acomodação 
(invenção), em estágios ou fases sucessivas, que têm uma idade esperada, mas 
que, dependendo do ritmo do indivíduo, podem ser alçados em idades diferentes. 
O processo de aprendizagem se dá então com toda criança, mesmo com 
deficiência mental, considerando-se, porém, que seu desempenho não 
corresponderá ao esperado para a idade. 
O processo de organização, adaptação e assimilação de um novo 
conhecimento depende de esquemas assimilativos como a generalização e a 
repetição. As ações, reflexões e representações, ao se repetirem em situações 
diversas, tornam-se novos conhecimentos e novas estruturas. Portanto, a 
repetição reforça conhecimentos assimilados, ou prévios, tornando-os mais 
 18 
consistentes e facilitando a aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência. 
Para Piaget, a estrutura cognitiva vai se construindo concomitantemente à 
construção de novos conhecimentos, pela busca do homem de se adaptar ao 
ambiente. Logo, o homem é ativo dentro do processo de aprendizagem, pois ele 
constrói conhecimento na ação no mundo e na interação com objetos do mundo, 
construindo a si mesmo e ao real numa relação simultânea e indissociável. 
 As diferenças de ritmo de aprendizagem ocorrem em virtude da 
estimulação do meio ambiente cultural e social, da motivação, das diferentes 
potencialidades de cada criança (herança genética) e, ainda, do exercício dessas 
potencialidades. Por exemplo, crianças nascidas cegas sofrem um atraso na 
constituição de operações gerais (generalizações), que não ocorre em cegos 
tardios, o que sugere insuficiência de exercício dos esquemas de deslocamento e 
da noção de localização relativa no espaço durante o estágio sensório motor. Mas 
essa diferença é compensada até o final da adolescência, permitindo a formação 
da inteligência formal (PIAGET, 1985). Uma criança nascida cega precisará então 
de maior assistência para a compreensão das noções de espaço e deslocamento, 
a fim de constituir posteriormente as estruturas formais de generalização e 
análise. Ocorrem, ainda, inúmeros casos de crianças que possuem desempenho 
abaixo do esperado para sua idade em função de um ambiente pouco propício 
para a aprendizagem ou de conflitos com o ambiente escolar, ou de crianças que 
não possuem um potencial normal, mas conseguem um bom desempenho devido 
à estimulação e orientação ao exercício de suas habilidades pelos adultos. 
 
Estágios de desenvolvimento da inteligência 
 
 Piaget denomina o primeiro estágio de desenvolvimento da inteligência de 
sensório-motor, de 0 a 2 anos de idade em média. Nesse estágio, a inteligência é 
prática, utiliza apenas movimentos e percepções dos órgãos dos sentidos, sem 
pensamentos ou representações. A criança puxa, empurra, aperta, manipula, leva 
objetos à boca e, por meio dessas ações, constitui esquemas de ação que irão 
servir de subestruturas às estruturas posteriores. Por exemplo, os esquemas de 
permanência dos objetos, organização dos deslocamentos, retornos e desvios, 
serão importantes para a formação ulterior de noções de reversibilidade, relações 
 19 
causais, conservação, noções de espaço e tempo. O movimento da criança no 
espaço e sua experiência com objetos a auxilia ainda a perceber-se como objeto 
entre objetos, a compor um universo espaço-temporal e a adquirir uma percepção 
sinestésica de si mesma. Esse estágio se finda por volta dos dois anos de idade, 
com a formação da função simbólica, que permite representar objetos ou eventos 
na sua ausência, por meio de sinais – a imagem mental, o desenho, a linguagem. 
Com o advento da função simbólica, inicia-se a fase pré-operatória, que vai 
dos 2 aos 7 ou 8 anos, junto às experiências escolares iniciais. Nessa fase 
configura-se uma interiorização das ações motoras em pensamento e a formação 
contínua de uma descentralização na qual a criança gradualmente será capaz de 
compreender os objetos e relações entre coisas e pessoas como constituindo 
uma rede de relações que a supera. 
A terceira fase é a das operações concretas, que vai de 7 a 11/12 anos em 
média. Após implementar as interiorizações, coordenações e descentralizações, a 
criança adquire os dois princípios fundamentais para a aprendizagem formal. O 
princípio da invariância, ou seja, a capacidade de perceber a reciprocidade e 
constância de relações entre quantidades, e que uma mudança de aspecto não 
as altera. Por exemplo: a distância entre A e B é a mesma que entre B e A; um 
líquido num vidro B teráquantia igual se despejado num frasco A, mais estreito ou 
menor. Já pelo princípio da reversibilidade, a criança constrói a noção de que as 
sucessivas fases de um evento podem ser reconstruídas no pensamento, e de 
que as ações podem ser completadas e depois desmanchadas, feitas em sentido 
inverso ou reiniciadas. Essas noções são a base da classificação, da seriação 
(A>B>C...), das divisões espaciais e deslocamentos ordenados. Quando a criança 
maneja palavras, sílabas, letras, ela lida com essas noções, pois compõe e 
decompõe signos e torna a arranjá-los, formando novas palavras com os mesmos 
elementos. Nessa fase, é preciso voltar-se a um ensino concreto, com atividades 
em que a criança exercite praticamente as habilidades e conteúdos escolares. 
 A última é a fase das operações formais, que ocorre dos 11 a 12 anos em 
diante, e a criança torna-se capaz de formular hipóteses (proposições que se 
deduz como causa ao avaliar as conseqüências), realizar implicações (se...então), 
disjunções (ou...ou), incompatibilidades, conjunções, etc. Essas relações não só 
comportam um agrupamento de classes, como uma combinatória, mais distante 
 20 
da ação e voltada ao pensamento, de modo que relações e operações diversas 
funcionam num sistema conjunto, constituindo o pensamento lógico. 
A interação social que ocorre em nosso cotidiano é um elemento definidor 
das ações e comportamentos sociais. Piaget pensa o ser social como um 
indivíduo que se relaciona com os outros de forma equilibrada. Contudo, Piaget 
pondera que a relação equilibrada apenas pode existir entre pessoas que estão 
na mesma fase de desenvolvimento. Ou seja, 
a maneira de ser social de um adolescente é uma, porque é 
capaz de participar de determinadas relações (...) e a 
maneira de ser social de uma criança de cinco anos é outra, 
justamente porque ainda não é capaz de participar de 
relações sociais que expressam e que demandam um 
equilíbrio de trocas intelectuais. (T AILLE, 1992, p.14). 
 
Portanto, em razão do estágio em que a criança esteja, ela se encontrará 
num grau diferente de socialização. Para Piaget, a socialização começa no grau 
zero, quando a criança é recém-nascida, e evolui até o grau máximo, que 
configura o momento de autonomia do indivíduo, quando ele já superou o 
egocentrismo e consegue estabelecer uma relação de trocas intelectuais 
recíprocas com os outros. Visto que a moral e a socialização vão sendo 
consolidadas ao longo da infância, o trabalho coletivo em Piaget tem o papel de 
mediador das relações e de instigador da capacidade de participação, cooperação 
e respeito mútuo. A ação coletiva socializa, estabelece laços de afetividade e 
permite à criança perceber-se como parte de uma coletividade. 
Piaget atribui, ainda, grande importância à atividade do aluno em sala de 
aula, privilegiando-a em relação à mera exposição de conceitos e conteúdos pelo 
professor, pois considera que o exercício e a verificação de hipóteses por parte do 
aluno, bem como sua atividade prática, formam a esfera fundamental na qual se 
dá a aprendizagem. Pode-se privilegiar, ainda, a solução de problemas, para 
facilitar o exercício de conteúdos pelo aluno, buscando níveis de interpretação de 
acordo com a idade, e verifica-se uma maior dificuldade na compreensão dos 
conteúdos sociais e históricos, em comparação à aquisição de noções do mundo 
físico, pois que são de alta complexidade e supõem um domínio de conceitos que 
não têm tradução direta na realidade empírica, não sendo assim favorecidos pela 
ação prática e concreta da criança. 
 21 
Considerando a importância do exercício e da ação prática pela criança, no 
construtivismo piagetiano, o educador não é detentor do saber, mas facilitador do 
processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de conhecimento, 
mas agente ativo que o constrói. O conhecimento deve ser compreendido como 
uma construção em constante processo, no qual a criança pode criar, recriar e 
experimentar de forma autônoma, impulsionando seu próprio desenvolvimento. 
Nesse sentido, o ato de errar não pode ser visto como falha, e sim como um 
momento necessário da aprendizagem: a ausência do erro denuncia a ausência 
da experimentação e, portanto, ausência de aprendizagem. 
 
 
As contribuições de Henri Wallon 
 
Para Wallon, o organismo e pensamento se constituem de modo conjunto e 
dialético, visto que toda função psíquica supõe um componente orgânico e que o 
homem produz seu ambiente e seu meio de vida ao interagir no mundo: o sujeito 
é determinado fisiológica e socialmente. Wallon procurou entender a pessoa 
completa, integrada ao meio em que está imersa, com os seus aspectos afetivos, 
cognitivos e motores integrados. Ele denominou Psicogênese seus estudos sobre 
a origem da pessoa na sua totalidade, enquanto ser biológico, afetivo, social e 
intelectual, considerando o sujeito como "geneticamente social". 
Para ele, o início do desenvolvimento se dá na relação do organismo do 
recém-nascido com o meio humano, a partir das reações das pessoas a seus 
reflexos e movimentos impulsivos. A criança não consegue precisar seu estado 
fisiológico e o adulto deve interpretar a expressão de suas manifestações 
viscerais. Interpretando-as, ele insere a criança no mundo cultural, que irá 
permear as situações de natureza biológica. Nessa inserção, criança passa a 
atuar no meio humano, formando o que Wallon denomina motricidade expressiva, 
ou dimensão afetiva do movimento. A ação motriz orienta o surgimento e o 
desenvolvimento das funções mentais: o movimento espontâneo transforma-se 
em gesto que, ao ser realizado intencionalmente, reveste-se de significado. Antes 
 22 
do início da fala, a motricidade tem grande relevância: a imitação revela as 
origens do ato mental, precedendo a palavra e integrando a criança na cultura. 
Em Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista 
da construção da pessoa quanto do conhecimento. A emoção, enquanto 
exteriorização da afetividade, é tanto um fato fisiológico que se expressa no 
humor e nos atos quanto um comportamento social na sua função de adaptação 
do homem ao meio. A emoção, antes da linguagem, é o meio utilizado pelo 
recém-nascido para estabelecer uma relação com o mundo externo. Os 
movimentos de expressão evoluem de fisiológicos a afetivos, em que a emoção 
cede terreno aos sentimentos e, depois, às atividades intelectuais. Assim, a 
emoção é veículo para o afeto e anterior à consciência de si. No psiquismo inicial, 
não há diferenciação entre a criança e o mundo exterior: afetos e necessidades 
se confundem no e com o mundo. Nesse processo de tomada de consciência, a 
criança vai aprendendo e sua consciência se constitui de modo vinculado ao 
movimento de afirmação em direção à autonomia. 
As várias fases pelas quais passa a criança em seu desenvolvimento se 
assinalam por mudanças em que se alternam os focos de atenção que dirigem 
sua atividade, e ela se concentra ou em si mesma ou no outro. Nas palavras de 
Wallon, 
As diferentes idades em que se pode decompor a evolução 
psíquica da criança opõem-se como fases à orientação 
alternativamente centrípeta e centrífuga, orientada para a 
edificação cada vez maior do próprio indivíduo ou para o 
estabelecimento das suas relações com o exterior, para a 
assimilação ou para a diferenciação funcional e adaptação 
subjetiva. (WALLON, 1975 p.105-106). 
 
Nesse percurso, alternam-se momentos de tristeza e alegria, expectativa e 
surpresa, contenção e abertura para o mundo, etc. Essas variações possibilitam à 
criança se situar gradualmente na relação com o outro, do qual ela se distingue 
progressivamente, circunscrevendo e afirmando a si mesma: o indivíduo se 
constitui no esforço em se diferenciar da sociedade. Embora se alternem, afeto e 
cognição mantêm entre si uma relação de horizontalidade e reciprocidade. Para 
Wallon, sob a orientação global “é possívelencontrar componentes mais 
elementares, que compreendem este vaivém e reconhecem mesmo em cada um 
desses períodos uma ambivalência que lhe faz assumir (...) quer a função da 
 23 
elaboração íntima, quer o de reação relativa ao meio” (WALLON, 1975 p.106). 
Assim, conquistas no transcorrer de uma fase dominada pelo afeto são 
incorporadas pela cognição, cuja dinâmica passa a atuar em bases 
qualitativamente diferentes. 
Por meio da assimilação dos signos sociais pelo sujeito (fala, escrita, etc.), 
a comunicação motora vai sendo substituída por outros meios, constituindo a 
disciplina mental, ou seja, o controle do sujeito sobre suas próprias ações. No seu 
desenvolvimento, o sujeito vai articulando os sentimentos e idéias, antes vividos 
de forma genérica e confusa, clareando sua compreensão do mundo e dos fatos 
que se apresentam. A linguagem é indispensável ao progresso do pensamento: 
ela exprime o pensamento e ao mesmo tempo o estrutura. Para Wallon, o 
desenvolvimento humano não é linear e contínuo, mas, sim, uma integração: as 
novas funções/aquisições somam-se a outras, adquiridas anteriormente. 
Para Wallon, a pessoa deve ser vista como parte integrante do meio em 
que está inserida. O processo de socialização ocorre pelo contato com o outro e, 
também, pelo contato com a produção do outro (texto, pintura, música etc.). Por 
isso, Wallon afirma que a cultura geral aproxima os homens, pois permite a 
identificação de uns com os outros. Para ele, o meio social e a cultura constituem 
as condições, as possibilidades e os limites do desenvolvimento do sujeito. Por 
isso, a criança precisa ser entendida em seu contexto, e seu desenvolvimento 
como resultado de sua interação com esse meio: o desenvolvimento é histórico, 
dialético, portanto, é também descontínuo. 
 
As contribuições de Philippe Perrenoud 
 
O aspecto central da teoria de Perrenoud (1999) é o conceito de 
competência. Para esse autor, competência é a faculdade de mobilizar um 
conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para 
solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações. 
Segundo Perrenoud, os seres humanos não vivem todos as mesmas 
situações, eles desenvolvem competências adaptadas a seu mundo. Sendo a 
competência a capacidade de resolver determinados problemas através de 
 24 
conhecimentos acumulados e de outras habilidades desenvolvidas pelas 
experiências no mundo. Para o autor, a educação deve caminhar no sentido de 
que alunos e professores se conscientizem de suas capacidades, respeitando as 
diferenças que emergem das diferenças culturais. 
Nessa perspectiva, é fundamental diferenciar competência de habilidade. A 
competência é um conjunto de esquemas de percepção, pensamento, avaliação e 
ação, enquanto a habilidade é menos ampla e pode servir a várias competências. 
Perrenoud (1999, p.7) acredita que "para enfrentar uma situação da melhor 
maneira possível deve-se, via de regra, pôr em ação e em sinergia vários 
recursos cognitivos complementares, entre os quais estão os conhecimentos". 
Assim sendo, as competências são construídas na mesma medida em que 
evolui a formação dos esquemas mentais que mobilizam os conhecimentos 
adquiridos, num determinado tempo ou circunstância. A mobilização dos recursos 
cognitivos, numa determinada situação, é garantida através das experiências 
acumuladas. As competências não devem ser apenas assimiladas à medida que 
se adquirem novos conhecimentos, é preciso internalizar reflexivamente, 
tornando-as uma prática pertinente às situações de existência. 
A discussão a respeito das competências traz à tona a discussão sobre o 
currículo escolar. O trabalho com as competências exige de todos os agentes 
envolvidos no processo educativo uma mudança de visão integrada do 
conhecimento e, por conseguinte, um permanente trabalho pedagógico integrado, 
no qual todas as práticas sejam apreciadas em um processo contínuo de 
avaliação. Através do currículo, pode-se conduzir o processo pedagógico para 
além dos conteúdos e disciplinas, transformando-o em uma totalidade que articula 
os diversos saberes. O currículo deve permitir uma relação entre a construção de 
novos conhecimentos e uma postura reflexiva diante da realidade. Para tanto, a 
escola deve repensar suas formas de conduzir a educação, buscando modos 
alternativos de trabalhar com as competências. (PERRENOUD,1999). 
É um grande desafio para a educação e seus agentes ressignificar e 
repensar sua prática pedagógica, assim como sua proposta político-pedagógica. 
Para tanto, a formação dos educadores precisa ser potencializada para fomentar 
o desenvolver das competências no processo de ensino-aprendizagem; ou seja, 
para potencializar as competências dos alunos, o professor precisa, antes, ter 
 25 
suas próprias competências potencializadas. Rever algumas práticas e ampliar as 
competências em diversas outras áreas do processo educativo é fundamental 
para atingir-se uma ampla formação educacional. 
 
 
Teorias do desenvolvimento: divergências e aproximações entre 
os teóricos 
 
 Ao relacionar, comparativamente, as idéias dos principais teóricos do 
interacionismo construtivista – Wallon, Piaget, Vygotsky – não se expressa um 
confronto entre as posições teórico-práticas de cada um. Embora possuam 
diferenças teóricas importantes, esses autores compartilham muitas idéias e, em 
alguns aspectos, completam-se. No tocante à perspectiva sobre o conhecimento, 
suas oposições não estão situadas na oposição filosófica entre empirismo e 
racionalismo/inatista, ampliando essa duplicidade e colocando-se entre o ser 
biológico e o mundo concreto ao compreender sujeito e contexto da experiência 
como entrelaçados e indissociáveis. Para eles, o conhecimento não decorre 
somente das capacidades inatas do homem, nem apenas do meio externo, mas é 
fruto das interações homem-mundo. Por isso, Wallon, Vygotsky e Piaget não são 
inatistas ou empiristas, são interacionistas. 
 Suas divergências, por outro lado, apontam diferentes acepções acerca do 
modo de articulação das interações humanas, trazendo em seu bojo diferentes 
concepções acerca do homem e da sociedade. Por exemplo, ao tomar a 
linguagem como anterior ao pensamento e o pensamento como reflexo da 
linguagem, Vygotsky atribui às redes de significação constituídas socialmente 
uma grande importância em termos das possibilidades de desenvolvimento e 
conhecimento de cada indivíduo, bem como da própria constituição de sua 
história e seu modo de ser. Por outro lado, ao situar a linguagem como reflexo do 
pensamento, Piaget parte da concepção de uma estrutura originária de 
pensamento, no contexto lógico e inicialmente atrelado à ação motriz, que 
intensifica a relação do pensamento com o mundo concreto em relação ao mundo 
social. Para Wallon, no entanto, não há pensamento sem linguagem e nem 
 26 
linguagem sem pensamento, a relação entre esses elementos não é hierárquica, 
porque eles somente existem na complementaridade, no desenvolvimento mútuo, 
dialético. Essa compreensão está relacionada à importância que Wallon atribui à 
afetividade e sua relação com a cognição, enquanto escopo dinâmico no qual 
ocorrem as relações recíprocas entre diferentes dimensões do desenvolvimento. 
Outra diferença entre Wallon e Piaget diz respeito ao objeto de estudo: 
para Piaget, interessava entender o desenvolvimento do conhecimento e, para 
chegar a isso, precisou compreender o desenvolvimento da criança; Wallon, por 
sua vez, buscou entender desde o início o desenvolvimento psicológico da 
criança e, em conseqüência disso, o desenvolvimento do conhecimento (MATUÍ, 
1995). A teoria de Wallon apresenta outros subsídios à reflexão pedagógica, pelo 
fato de buscar entender o desenvolvimento da pessoa completa, em suas 
dimensões emotivas, motoras, biológicas e cognitivas. 
Desse modo, embora ambos considerem os múltiplos aspectos– culturais, 
biológicos, práticos, semânticos – em que se dá o desenvolvimento, as ênfases 
atribuídas nas diferentes teorias do desenvolvimento se modificam. Wallon e 
Vygotsky trazem uma maior ênfase na dimensão cultural. Esses autores 
entendem a produção do conhecimento como resultado das teias de relações 
sociais, estabelecidas pelo homem num tempo histórico; para eles, tudo quanto 
há no mundo é cultura, é obra humana. Assim, para Vygotsky, a aprendizagem, 
enquanto interação humana, favorece o desenvolvimento das funções mentais: "O 
aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e 
põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, 
seriam impossíveis de acontecer." (VYGOTSKY, 1987, p.101). 
Pode-se, inclusive compreender as teorias construtivistas a partir dos 
diferentes aspectos abordados e enfatizados por cada autor, a fim de possibilitar 
uma visão mais global do desenvolvimento: Piaget dá grandes contribuições 
sobre os aspectos cognitivos, Vygotsky contribui com os aspectos sócio-históricos 
e Wallon, com os aspectos afetivos da personalidade (MATUÍ, 1995). Os três 
autores são dialéticos, embora isso seja mais intenso e declarado em Vygotsky e 
Wallon, e mais velado em Piaget. No entanto, alguns pesquisadores piagetianos 
têm ressignificado o conceito de conflito cognitivo em Piaget, referindo um conflito 
 27 
sócio-cognitivo, que se dá nas relações sociais e interpessoais do indivíduo com 
seus semelhantes, no sentido sócio-interacionista. (CHAKUR, 2005). 
O referencial histórico-cultural apresenta uma nova maneira de entender a 
relação entre sujeito e objeto na construção do conhecimento. Enquanto no 
referencial construtivista de Piaget o conhecimento se dá a partir da ação do 
sujeito sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo), para Vygotsky, esse 
mesmo sujeito é, sobretudo, interativo, pois se constitui e constitui conhecimentos 
a partir de relações intra- e interpessoais. É na troca consigo e com outros que se 
vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite formar 
conhecimentos e a própria consciência, num processo que parte do plano social – 
relações interpessoais – para o plano individual interno – relações intrapessoais. 
Por sua concepção multireferenciada, o construtivismo é considerado 
sócio-histórico, ou seja, percebe a realidade como sendo produto da mudança e 
em que o homem é o sujeito principal. Esses autores contribuem de forma 
fundamental para uma educação na qual a realidade seja tomada como histórica, 
portanto, mutável; na qual o homem seja visto como sujeito histórico, portanto, 
construtor de sua própria história. Ora, se o homem e a realidade são históricos, o 
mundo, o homem e o conhecimento são inacabados, estão em constante 
processo de construção. Como diz Becker, citado por Matuí (1995, p.46), 
 
O construtivismo significa que o conhecimento não é dado 
como algo terminado. Ele se constitui pela interação do 
indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo 
humano, com o mundo das relações sociais; e constitui-se 
por forças de sua ação e não por qualquer dotação prévia, 
na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que 
podemos afirmar que, antes da ação, não há psiquismo nem 
consciência e, muito menos, pensamento. 
 
 Já o mérito da teoria de Perrenoud é discutir, pela problematização do 
termo competência, questões sobre profissionalização dos professores, avaliação 
dos alunos e currículo escolar. Para ele, a escola deveria desenvolver um modelo 
de avaliação mais capaz de identificar as dificuldades do aprendizado e no qual 
alunos e professores tivessem melhores condições de agir e corrigir. Para tanto, 
os professores precisariam estar em formação permanente, compreendendo a 
aprendizagem como atrelada a vários saberes (Centro de Referência Educacional 
 28 
– CRE, 2002). Além disso, esse autor enfoca o mister de a escola compreender a 
educação como processo transdisciplinar, de modo que os saberes se articulem, 
complementem-se e não se excluam. Nesse sentido, o respeito às experiências 
dos alunos que Perrenoud enfatiza alinha-se à idéia de zona de desenvolvimento 
proximal de Vygotsky, já que para ambos o ensino-aprendizagem deve partir dos 
conhecimentos e vivências dos alunos, mesmo quando tais saberes não sejam 
totalmente desenvolvidos. O conceito de competências, em Perrenoud, articula-se 
ainda à idéia de pessoa completa de Wallon, pois as competências podem ser 
entendidas como capacidades motoras, afetivas e cognitivas que o homem 
desenvolve nas relações que estabelece com os outros e com o mundo concreto. 
 
PAULO FREIRE: RELAÇÃO DIALÓGICA NA EDUCAÇÃO 
 
Em sua proposta, Paulo Freire (1987) ressalta a experiência do educando 
como ponto de partida na aprendizagem e o diálogo como forma de refletir sobre 
esta experiência e construir um conhecimento que lhe seja próprio, destacando o 
papel do aluno como agente da aprendizagem. Assim, Freire critica a 
aprendizagem compreendida apenas de modo técnico, que ele denomina 
“educação bancária”, pois privilegia interesses econômicos em prejuízo do 
movimento de constituição do homem como sujeito de si e do mundo. Freire 
propõe a educação como prática da liberdade e uma pedagogia na qual o 
educando tenha condições de descobrir-se e conquistar-se, reflexivamente, como 
sujeito da própria destinação histórica. 
Aprender é aprender a dizer a sua palavra e alfabetizar é aprender a 
escrever a sua vida, como autor e testemunha de sua história e de sua trajetória. 
Assim, a pedagogia se vincula ao processo de constituição histórica da própria 
existência humana e às contradições da aventura histórica: a pedagogia é 
conectada à antropologia e à política. Aprendizagem não é apenas conhecimento 
ou reconhecimento, mas direcionamento, opção e compromisso. Dado que as 
palavras do universo vocabular do educando são significações constituídas ou 
reconstituídas em suas ações, configuram situações existenciais ou nelas se 
configuram. Na educação, o alfabetizando ganha distância para ver sua própria 
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experiência e reconhecê-la, e esse processo lhe permite começar a descodificar e 
possibilita o movimento pelo qual “Essas palavras, oriundas do próprio universo 
vocabular do alfabetizando, uma vez transfiguradas pela crítica, a ele retornam 
em ação transformadora do mundo.” (FIORI, apud FREIRE, 1987, p.12). 
Essa descodificação é análise, bem como reconstituição do vivido e, assim, 
é reflexo, reflexão e abertura de possibilidades de ultrapassagem. Mediada pela 
objetivação, a experiência antes imediata torna-se lúcida interiormente, podendo 
refletir a si mesma. Nessa abertura, a consciência se constrói como consciência 
crítica, já que “passa a escutar os apelos que a convocam além de seus limites” 
(p. 13). Assim, pela descodificação do representado e comunicado pela palavra, 
na educação, Freire percebe uma abertura para o sujeito refletir e reconstruir a si 
e ao mundo, tornando o conhecimento aí engendrado próprio na medida em que 
possui relação direta com a realidade e a experiência daquele que conhece e que 
possibilita a ampliação das reflexões e ações no mundo, ampliando a liberdade e 
a autonomia. Aprendendo, o homem redescobre a possibilidade de refazer aquilo 
que fez de si, pela e na redescoberta do movimento que o faz e refaz, pois o que 
fala e escreve constitui expressão de si mesmo. 
A palavra designa o mundo, e pode recriar-se para expressar novos juízos 
e compreensões. O educando se faz consciente dessa conexão na 
descodificação crítica, que permite não se aprisionar nos mecanismos de 
composição vocabular. Nesse prisma, Freire ressalta o papel da palavra e da 
linguagem, a um só tempo organizadora e perspectivante. Pensar o mundo é 
julgá-lo e o educando não copia palavras, mas expressa juízos, inventando novas 
experiências com o mundo e reproduzindo o movimentode sua própria 
experiência. Ele assume, ao dar-lhe forma escrita, a consciência de autor e 
testemunha de sua história. A linguagem matiza o mundo em sua organização 
semântica e fonêmica e a educação pode favorecer, pela conscientização desse 
agir, a reapropriação da palavra como dizer de si mesmo e como instrumento de 
construção de história e de cultura. 
Para Freire, essa conscientização é fundamental, pois “os homens se 
propõe a si mesmos como problema e descobrem que pouco sabem de si, de seu 
lugar no mundo.” (p.29) Essa constatação implica reconhecer a desumanização, 
não apenas como possibilidade, mas como realidade histórica. Quando Freire faz 
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referência à desumanização, está colocando a questão da humanidade na 
consciência de si mesmo, no fazer-se dos homens como “seres para si”. Para ele, 
as possibilidades de humanização e desumanização histórica são conseqüência 
dos homens como seres inconclusos e conscientes dessa inconclusão. 
Dado que a humanização só ocorre ao retomar a construção do homem 
como “ser para si”, o diálogo assume importância capital na proposta freiriana. Ao 
afirmar que “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se 
educam entre si, mediatizados pelo mundo.” (p.68). Freire considera a educação 
como prática recíproca, em que a formação não se dá de modo unilateral, mas no 
intercâmbio como condição de cada homem fazer a si mesmo. Etimologicamente, 
diálogo se origina dos termos gregos dia (dois) e logos, que é originário do verbo 
grego leigen, que significa dizer, e opõe-se a monólogo, no qual apenas um 
elemento é portador da palavra. Assim, a construção da educação no diálogo 
aponta uma imersão na linguagem que é, também, sua tessitura: denota a mesma 
condição de ouvintes e falantes para todos os participantes da relação. Para que 
esse processo, que é compromisso, ocorra, implica decisão e busca. É preciso 
que o próprio educando, como agente dessa construção, comprometa-se com sua 
educação. A motivação subjacente à educação como escolha faz parte da ação, 
precisa permear o próprio ato e estar “dentro do conhecimento, pelo estudante, da 
importância que o conhecimento tem para ele”. (FREIRE & SHOR, 1986, p. 15). 
 
Paulo Freire e a educação: o universo do aluno na sala de aula 
 
A partir da articulação da educação ao contexto em que ela está implicada 
e da importância da palavra do educando para a constituição do conhecimento no 
processo de aprendizagem, configuraram-se, para Paulo Freire, alguns momentos 
na prática pedagógica, visando contemplar o contexto e experiência do educando 
no processo de aprendizagem. Em seu livro Educação como Prática da Liberdade 
Freire propõe algumas práticas que possibilitam a ação e reflexão do educando a 
partir do contexto, e por meio das quais se compreendem os diversos momentos 
que devem se cerzir a fim de que a aprendizagem se articule de modo global. 
Primeiramente, Freire aponta a importância do levantamento do universo 
vocabular dos educandos, numa investigação temática de seu contexto. Esse 
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universo expressa, para além das palavras, a percepção do educando sobre sua 
realidade, superando a simples constatação de fatos, e abarcando a investigação 
e o entrelaçamento de significados e ações numa teia de relações humanas. A 
investigação e conhecimento do grupo e seu contexto aproximam educador e 
educando, numa relação matizada pela afetividade, e permite a aproximação com 
a linguagem expressiva e típica de tal grupo. Esse mergulho na vida do educando 
fornecerá condições para interagir no processo, ajudando-o a definir seu ponto de 
partida, e se traduzirá no tema gerador geral, que se configura numa perspectiva 
interdisciplinar e global, como esfera de discussão sobre a realidade concreta. 
Por meio do tema gerador geral é possível avançar para além do limite de 
conhecimento que os educandos têm de sua própria realidade, ampliando sua 
compreensão para nela intervir criticamente. A partir do tema gerador geral sairá 
o recorte para cada área do conhecimento ou para palavras geradoras, ou seja, 
palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado. Essa seleção deve ser 
conjunta, porém cabe ao educador a seleção gradual das dificuldades fonéticas. 
Considera-se então a riqueza e as dificuldades fonéticas, numa seqüência 
gradativa dessas dificuldades, de maneira que a seqüência englobe todos os 
fonemas da língua. Além disso, as palavras geradoras devem possuir um teor 
pragmático, ou seja, devem estar inseridas no seu contexto social e abrigar uma 
pluralidade de engajamento em sua realidade social, cultural, política etc... 
Cada palavra geradora deve ter sua ilustração, que permitirá suscitar novos 
debates. Essa ilustração (desenho, fotografia), ligada ao tema, tem como objetivo 
a "codificação": a representação de um aspecto da realidade, de uma situação 
existencial construída pelos educandos em interação com os elementos dela. Por 
meio da seleção de temas e palavras geradoras, realiza-se ainda a decodificação 
desses temas, buscando o seu significado social, ou seja, a consciência do vivido. 
Freire relata uma situação de codificação, na qual se pode compreender a 
importância do debate sobre o significado da palavra na constituição do 
pensamento crítico e no resgate e reinterpretação da experiência do educando: 
 
certa vez, uma alfabetizanda nordestina discutia, em seu 
círculo de cultura, uma codificação que representava um 
homem que, trabalhando o barro, criava com as mãos um 
jarro. Discutia-se, através da "leitura" de uma série de 
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codificações que, no fundo, são representações da realidade 
concreta, o que é cultura. O conceito de cultura já havia sido 
apreendido pelo grupo através do esforço da compreensão 
que caracteriza a leitura do mundo e/ou da palavra. Na sua 
experiência anterior, cuja memória ela guardava no seu 
corpo, sua compreensão do processo em que o homem, 
trabalhando o barro, criava o jarro, compreensão gestada 
sensorialmente, lhe dizia que fazer o jarro era uma forma de 
trabalho com que, concretamente, se sustentava. Assim 
como o jarro era apenas o objeto, produto do trabalho que, 
vendido, viabilizava sua vida e a de sua família. Agora, 
ultrapassando a experiência sensorial, indo mais além dela, 
dava um passo fundamental: alcançava a capacidade de 
generalizar que caracteriza a "experiência escolar". Criar o 
jarro como o trabalho transformador sobre o barro não era 
apenas a forma de sobreviver, mas também de fazer cultura, 
de fazer arte. Foi por isso que, relendo sua leitura anterior do 
mundo e dos que-fazeres no mundo, aquela alfabetizanda 
nordestina disse segura e orgulhosa: "Faço cultura. Faço 
isto". (FREIRE , 2001, P. 29). 
 
Portanto, codificação e descodificação estão profundamente articuladas à 
problematização, ou seja, à busca da superação de um olhar ingênuo por um 
olhar crítico, capaz de transformar o contexto vivido. A problematização vincula-se 
à consciência que os homens adquirem de si mesmos, em sua inconclusão e em 
seu pouco saber de si, que os leva a se transformar e a colocar a si mesmos 
como problema. É nesse sentido que se dá a construção de situações existenciais 
típicas do grupo de educandos, pois são desafiadoras, codificadas e carregadas 
de elementos que serão descodificados pelo grupo com a mediação do educador. 
São situações locais que, discutidas, abrem horizontes para analisar problemas 
regionais e nacionais, compondo a análise e síntese de temas e palavras. 
Os fonemas trabalhados numa aula devem ser registrados para que o 
educando, em casa, seja desafiado a construir novas palavras (uma vez que 
algumas já foram criadas pelo grupo), comparar com as já criadas, descobrindo 
semelhanças e/ou diferenças entre elas. Nesse processo de construção de novas 
palavras, leitura e escrita acontecem simultaneamente, permitindo sua fixação. O 
educador deve ainda mostrar a articulação oraldos valores das vogais nos 
fonemas para facilitar o reconhecimento sonoro de cada uma das vogais. 
Pode ainda auxiliar os educadores a elaboração de fichas-roteiro, que irão 
servir não como roteiro rígido a seguir, mas como subsídio, e aos educandos a 
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elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonéticas correspondentes 
aos vocábulos geradores, que poderão ser confeccionadas de diversas formas. A 
proposta de utilização dessa metodologia na alfabetização de jovens e adultos foi 
inovadora, pois partiu da problematização e não da mera adaptação de cartilhas 
infantis e possibilitou uma aprendizagem que, contrariamente à visão mecanicista 
da educação, demanda e permite posicionar-se frente aos problemas do contexto 
em que ocorre. Assim, integra, abrange e impede a fragmentação dos diversos 
aspectos da realidade, promovendo a horizontalidade na relação pedagógica, e 
ainda a valorização da cultura, da oralidade e da ação do educando. 
 
AQUISIÇÃO DE LEITURA E ESCRITA: FASES DA 
ALFABETIZAÇÃO 
 
A alfabetização é um processo de compreensão do mecanismo de 
articulação dos signos da linguagem. Ao aprender a ler e escrever, a criança na 
verdade reinventa a escrita, passando pelo mesmo processo de desenvolvimento 
que originou a escrita entre os homens. Ou seja, do processo de utilização de 
signos simples, a criança passa à constituição de signos articulados, e através de 
sua articulação, à mediação cada vez mais complexa de signos para chegar aos 
significados. Assim, a compreensão de que uma letra representa um fonema, que 
a articulação de fonemas representa a palavra e de que a articulação de palavras 
constitui o significado da mensagem a ser comunicada requer a progressiva 
mediação de signos, em que a criança passará da representação simples do 
desenho, da palavra, do gesto ou de outro tipo de signo direto à representação 
complexa de signos que representam outros signos (por exemplo, o conjunto de 
letras articulado de determinada forma, que representa uma palavra escrita que, 
por sua vez, representa uma palavra falada que, enfim, representa um objeto). 
 
Fase pré–silábica 
 
A fase pré-silábica, também denominada fase de garatuja ou escrita 
indecifrável, está bastante vinculada à primeira forma de representação gráfica 
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realizada pela criança: o desenho. A criança, nessa fase, já tem consciência de 
que a escrita é uma forma de representação, e muitas vezes pode conhecer e 
lidar com as letras, porém não reconhece na escrita e nas letras um valor sonoro, 
mas um valor gráfico. Desse modo, ela compreende a escrita em sua relação 
direta de signo e significado, sem passar pela codificação e decodificação sonora. 
Como para a criança nessa fase qualquer letra tem o mesmo valor, ela realiza 
uma variação de letras (ela pode, por exemplo, utilizar EEE para designar “leão” 
e, em outra ocasião, utilizar ALSI para o mesmo objeto) e organiza as letras em 
quantidade (mínimo e máximo de letras para ler). 
Pela mesma forma de compreender a escrita, ela relaciona o tamanho da 
palavra com o tamanho do objeto, preservando a relação entre o objeto e sua 
representação gráfica, e não fonética. Por exemplo, para escrever “elefante”, ela 
utiliza muitos traços ou letras, enquanto para escrever “formiga”, utiliza traços 
pequenos ou poucas letras. Ao familiarizar-se mais com as letras, ela não é capaz 
de ler ou escrever fonema por fonema, nem sílaba por sílaba, e considera mais 
importante a letra inicial do que as demais ao escrever. É importante, nesse 
período, tanto estimular a criança ao conhecimento das letras quanto questionar 
suas hipóteses e exercitar com ela o valor sonoro das letras, individualmente, 
articulando-as progressivamente em palavras e sílabas curtas. Do mesmo modo, 
é preciso compreender que o raciocínio da criança está vinculado à sua 
experiência simbólica e de representação, não constituindo um erro, mas um 
outro modo de compreensão da representação simbólica que, no entanto, deverá 
ser ampliado pelo exercício e compreensão da representação escrita. 
 
Fase silábica 
 
Nessa fase, a criança consegue perceber a relação entre o som e a grafia 
das palavras, passando a compreender a escrita como representação de uma 
representação, ou seja, como representação de sons e fonemas que, por sua vez, 
representam objetos ou elementos do mundo. Ela desvincula, dessa forma, a 
escrita da representação gráfica direta, porém relaciona a letra, enquanto unidade 
fundamental da escrita, ao som silábico, que considera como unidade fonética 
fundamental. Desse modo, para representar o fonema silábico, em geral a criança 
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irá optar pela vogal ou pela consoante que compõe a sílaba, correspondendo 
cada sílaba a uma letra, como no exemplo seguinte: 
Ex: CA VA LO 
 C V O 
Pode ocorrer também, embora com menos freqüência, que a criança utilize 
outras letras que não as que compõe a silaba que deseja representar, ou que ela 
mescle vogais e consoantes nesta representação. 
 
Ex: CA VA LO 
 S A I 
 C A L 
No auge dessa fase, a criança relaciona sua representação com o valor 
sonoro convencional, começando a articular a letra ao fonema. No exercício 
contínuo dessa metodologia de escrita, a criança se defronta com problemas. No 
aspecto quantitativo, o número de letras utilizado em cada palavra não 
corresponde ao número de letras que ela própria utiliza. No aspecto qualitativo, 
ela compreende a necessidade de repetição da mesma letra para sua utilização 
como signo, porém a escrita silábica acaba por gerar a mesma representação 
para objetos diferentes. 
 
 Ex: CA VA LO = MA CA CO 
 
 A A O causa conflito A A O 
 
Desse modo, a criança passa a acrescentar mais letras e buscar novas 
hipóteses, passando para a fase seguinte, silábica alfabética. 
 
Fase silábica alfabética 
 
A hipótese silábica foi descartada pela criança e ela começa a acrescentar 
letras. Nessa fase, muitos professores afirmam que a criança “troca letras” ou 
“come letras”, chegando algumas vezes a acreditar que sua escrita é um indício 
de dislexia ou discografia. Na verdade, a criança está testando a hipótese 
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alfabética, porém ainda não abandonou completamente a hipótese silábica 
anterior. Assim, ela alterna entre a representação de uma letra por uma sílaba e 
de uma letra por um fonema, construindo palavras em que as duas hipóteses se 
mesclam. 
 
 SAPATO TOMATE CAJU 
 
 2ª fase - S A O TOMTE C J 
 3ª fase SA TO TOMT CJUA 
 
Após exercitar as duas hipóteses, a criança percebe como uma boa 
solução representar a letra pelo fonema e passa a escrever na fase alfabética. 
 
Fase alfabética 
 
Essa fase está relacionada ao desenvolvimento da consciência fonética, ou 
seja, da capacidade de a criança compreender a escrita como representação do 
som, reconhecendo o valor sonoro das letras. A partir deste reconhecimento, a 
criança passa a querer representar cada fonema. Nesta fase, a criança ainda irá 
enfrentar problemas ligados à ortografia, pois em nenhuma língua escrevemos 
exatamente do modo como falamos. Assim, do ponto de vista fonético, a 
representação de “casa” com a letra z não é incorreta. É o exercício e o contato 
com a língua que permitirá à criança, gradualmente, ampliar seu arcabouço de 
palavras, compreender exceções da língua e utilizar a articulação entre palavras e 
sentidos de modo criativo, porém respeitando as regras de articulação de signos 
de modo a se fazer compreensível e comunicar. 
Na construção da base alfabética, o contato com a narrativa, por exemplo, 
é imprescindível. Mesmo inconscientemente, a criança

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