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Problemas e distúrbios da aprendizagem W B A 0 0 4 6 _ V 2 .2 2/183 Problemas e distúrbios da aprendizagem Autoria: Eveline Tolonetto Barbosa Pott Como citar este documento: TONELOTTO BARBOSA POTT, Eveline. Problemas e distúrbios da aprendi- zagem. Valinhos: 2017. Sumário Apresentação da Disciplina 03 Unidade 1: Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olha- res e traçando horizontes 05 Unidade 2: Distúrbios da aprendizagem: características e problemas 29 Unidade 3: O TDAH e suas possibilidades de intervenção 52 Unidade 4: A dislexia e suas possibilidades de intervenção 75 2/201 Unidade 5: A discalculia e suas possibilidades de intervenção 96 Unidade 6: A disortografia e suas possibilidades de intervenção 120 Unidade 7: A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção 141 Unidade 8: Aprendizagem e a neurociência 162 3/183 Apresentação da Disciplina Nesta disciplina, temos como objetivo abordar o tema dos problemas e distúrbios da aprendizagem, apresentando uma visão atual e contextualizada do assunto. A de- manda por profissionais qualificados para atuarem com este tipo de queixa é cada vez maior e foi pensando nesta necessida- de que este curso foi desenvolvido, a fim de atender aos profissionais que trabalham com educação, como professores, gestores escolares e psicólogos. Abordaremos as influências da dificuldade de aprendizagem e os possíveis caminhos para lidar com este problema, destacando o papel da educação inclusiva neste proces- so. Também serão abordados alguns diag- nósticos que historicamente vêm sendo uti- lizados por profissionais para justificarem problemas da aprendizagem, como o Trans- torno de Déficit de Atenção com Hiperativi- dade (TDAH), dislexia, discalculia e disorto- grafia. E ainda, discutir-se-ão os problemas psicomotores e a contribuição da neuroci- ência na compreensão dos problemas da aprendizagem. Não obstante, destacaremos a necessidade de compreender a dificuldade de aprendi- zagem para além de seu diagnóstico, colo- cando em xeque as práticas que visam rotu- lar e patologizar o sujeito e que pouco têm ajudado a superar as dificuldades no pro- cesso de aprendizagem. Será demonstrado que tão mais importante que o diagnóstico é a busca de caminhos e soluções para en- frentar os problemas de aprendizagem. Assim, vamos abordar várias temáticas que 4/183 se relacionam aos problemas e aos distúr- bios da aprendizagem e esperamos que possamos contribuir com o seu aprendiza- do. Boa leitura! 5/183 Unidade 1 Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e tra- çando horizontes Objetivos • Discutir o contexto atual da educação escolar no Brasil. • Compreender quais são os fatores que influenciam os problemas da aprendizagem. • Compreender a proposta da educação inclusiva e educação especial. Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes6/183 Introdução Neste texto, temos como principal objetivo trazer informações importantes para você, profissional que trabalha ou trabalhará com os chamados problemas da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial. Assim como o processo de inclusão esco- lar, os chamados problemas e distúrbios da aprendizagem vêm se tornando cada vez mais comuns, o que tem aumentado a ne- cessidade de profissionais qualificados para atuarem nestas áreas. Antes mesmo de fa- lar sobre esses temas, é importante discutir e conhecer o cenário da educação escolar no Brasil, a fim de compreender as influên- cias que estão na base desse tipo de queixa e demanda profissional. 1. O contexto da educação esco- lar no Brasil Avaliações internacionais e nacionais apon- tam para problemas de aprendizagem em nossos alunos. O Programme for Interna- tional Student Assessment (Pisa) – Pro- grama Internacional de Avaliação de Estu- dantes –, por exemplo, é uma avaliação que ocorre a cada três anos e que tem como ob- jetivo avaliar os sistemas educacionais no mundo, envolvendo alunos de 15 anos de idade. No Pisa, realizado em 2015, foram avaliados 70 países, e o Brasil ocupou umas das últimas colocações, ficando em 68° lu- gar (PISA, 2015). Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes7/183 No âmbito nacional, podemos citar o Índi- ce de Desenvolvimento da Educação Bási- ca (Ideb) que foi desenvolvido para avaliar a qualidade do aprendizado dos alunos no Brasil, além de estabelecer metas de desem- penho escolar para melhoria do ensino. Em 2015, os resultados do estado de São Pau- lo apontaram a nota de 5,25 para os anos iniciais do ensino fundamental, caindo para 3,06 nos anos finais e para 2,25 no ensino médio. Nota-se que quanto maior o tempo do aluno na escola, menor é o seu desem- penho escolar. Para os estudiosos e pro- fissionais que conhecem os bastidores da educação, sobretudo do contexto público, estes resultados não são surpreendentes, entretanto, isto não diminui a preocupação quanto ao desempenho escolar desses es- tudantes (IDESP, 2015). Link Sobre esta avaliação e o desempenho do Brasil, você poderá acessar o relatório no link, disponí- vel em: <http://download.inep.gov.br/aco- es_internacionais/pisa/resultados/2015/ pisa2015_completo_final_baixa.pdf>. Aces- so em: 2 abr. 2017. Link Caso você queira encontrar o Ideb das escolas de seu estado ou cidade, basta consultar o link, dis- ponível em: <http://ideb.inep.gov.br/>. Acesso em: 2 abr. 2017. Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes8/183 Compreender estes resultados leva a refletir sobre suas causas: será que este desempe- nho é parte de uma dificuldade individual que remete exclusivamente à incapacida- de do aluno de se apropriar dos conteúdos escolares? Ou é uma dificuldade em relação aos processos de ensino-aprendizagem e como estes vêm ocorrendo nas escolas? Autores como Libâneo (2012) e Saviani (2013) apontam que o baixo desempenho escolar desses alunos é fruto de um contex- to social e politico que cada vez mais vem sendo fonte da precarização da educação escolar pública em nosso pais. Estes auto- res citam vários fatores que influenciam tal cenário, como: o baixo investimento finan- ceiro na educação, a falta de sentido dos alunos pelo conhecimento, a desmotivação dos profissionais quanto ao processo de en- sino-aprendizagem, a precarização da for- mação dos profissonais da educação, entre outros fatores. Assim, em meio a essa realidade na educa- ção, não é novidade a existência de tantos problemas e distúrbios da aprendizagem. Podemos pensá-los apenas como a ponta de um iceberg, ou seja, é o aparente, sen- do que há muitos fatores históricos e sociais que contribuem para sua manifestação e que não são vistos e considerados. Se a educação escolar pública vem nos pre- ocupando com o baixo desempenho dos alunos, no âmbito privado a lógica é total- mente oposta em vista da exigência para um melhor desempenho escolar dos alunos. É crescente a pressão das escolas para au- Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes9/183 mentar o número de aprovações nos vesti- bulares, com a promessa de que estes alu- nos serão bem-sucedidos e terão melhores condições de viver em nossa sociedade. Via de regra, quando não conseguem acompa- nhar o “ritmo” da escola, muitas vezes são encaminhados a profissionais especializa- dos com a queixa de dificuldade de apren- dizagem (LIBÂNEO, 2012). Sendo assim, tanto no âmbito público quan- to no privado, não podemos negar o papel do contexto social na produção dos proble- mas e distúrbios da aprendizagem e estas questões precisam ser levadas em conside- ração na compreensão deste tipo de queixa escolar, a fim de não minimizar os fatores que influenciamem seu diagnóstico. Para aprofundar e problematizar um pou- co esta questão, você já assistiu a um filme chamado “Contador de Histórias”? Caso não tenha assistido, deixo como indicação. Trata-se de uma história verídica que narra a vida de um menino chamado Roberto, en- tregue pela mãe à Fundação Estadual para o Bem-estar do Menor – FEBEM – aos seis anos de idade, e lá, em um determinado momento, passa por avaliações psicológi- cas, recebendo diagnóstico de dislalia, dis- lexia, discalculia, sendo visto como um caso irrecuperável aos olhos da instituição. En- tretanto, Roberto encontra uma pedagoga que oferece todo o suporte que ele precisa- va e que acreditava em sua capacidade de superação daquela condição que vivia. Ro- berto foi adotado por esta professora e hoje é pedagogo e considerado um dos maiores Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes10/183 contadores e escritores de histórias infantis do mundo. Este tipo de diagnósticos não mudou em nada a vida de Roberto, tampouco sua posi- ção em relação ao seu desempenho escolar. Neste sentido, muito sábio foi Roberto em não deixar que os diagnósticos determinas- sem quem ele era. Entretanto, será que esta mesma posição aplica-se a todos os casos? O foco da avaliação psicológica de Roberto concentrou-se tanto no diagnóstico, em lhe rotular, que se quer houve espaço para ana- lisar suas potencialidades e interesses. Tal- vez se tivessem focado na grande habilida- de de Roberto em contar histórias e guiado seu processo de aprendizagem por esta via, sua vida teria sido mais fácil no que se refe- re aos processos de aprendizagem. Portan- to, tão mais importante do que compreen- der os problemas e dificuldades do sujeito é Para saber mais O filme narra a história verífica de Roberto Carlos Ramoso, mais conhecido em sua cidade (Belo Ho- rizonte) por Roberto Carlos Contador de Histórias. A sigla FEBEM era a abreviação da Fundação Esta- dual para o Bem-estar do Menor, que atualmente alterou-se para Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente – Fundação Casa. A partir desta história questiono você: em que os diagnósticos mudaram a vida de Ro- berto? Eles trouxeram algo de bom para sua formação e dificuldade de aprendizagem? Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes11/183 compreender suas potencialidades, afim de tentar conduzir seu processo de aprendiza- gem por essas vias. Abordaremos sobre este tema ao longo deste curso. Assim, ao discutir sobre a questão da apren- dizagem e seus problemas, é importante, primeiramente, compreender a história do sujeito e o contexto no qual este está inse- rido, acessando sua lógica de pensamento e buscando caminhos diferentes para condu- zir seu processo de aprendizagem. Entretan- to, ainda nos deparamos com concepções que visam buscar as causas para a dificul- dade da aprendizagem no indivíduo (SCOZ, 1994). Artigos de revisão da literatura (AN- GELUCCI et al, 2004; LEONARDO; LEAL; ROSSATO, 2015) apontam que a maioria dos estudos sobre dificuldades da aprendi- zagem apresenta uma visão individualizan- te dos problemas e distúrbios da aprendiza- gem, atribuindo a causa a algo associado ao aluno, à escola ou à família. Pesquisas mais atuais apontam para a necessidade de su- perar estas concepções individualizantes da dificuldade de aprendizagem, colocando como necessário a existência de uma ava- liação mais contextualizada, que leve em consideração todo o processo histórico de escolarização do aluno, bem como as esfe- ras que participam de seu envolvimento es- colar. O fato de destacar a necessidade de uma análise contextualizada sobre os fatores que ocasionam a dificuldade de aprendiza- gem não exclui de modo algum a existência de casos em que por conta de alguma de- Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes12/183 ficiência, transtorno global do desenvolvi- mento ou outros fatores não relacionados a alguma deficiência, o aluno necessite de algum atendimento individualizado, a fim de favorecer seu processo de aprendiza- gem. Para estes casos, ele deve ser benefi- ciado com a modalidade da educação inclu- siva tão discutida nos dias atuais e que será aprofundada a seguir. 2. Inclusão escolar e educação especial: caminhos para uma educação para todos É de extrema importância ampliar o olhar em relação à inclusão escolar e à dificuldade de aprendizagem. É preciso compreender estas questões para além da deficiência, visto que muitas vezes a inclusão é associada a algum tipo de deficiência física ou cognitiva. Começo a reflexão deste tema com algumas perguntas para você refletir: os alunos des- critos no início deste texto, que apresentam um baixo desempenho escolar, segundo as avaliações sobre a escola pública, não esta- riam excluídos em relação a seus direitos em acessar uma educação de qualidade? E os alunos com superdotações? Jovens e adul- tos que não conseguiram concluir a educa- ção escolar no tempo correto, também não precisam de um atendimento educacional especializado? Claro que sim! Não restam dúvidas de que todos esses alunos preci- sam ser incluídos no contexto da educação escolar. Portanto, os desafios da educação inclusiva são mais amplos e complexos, en- Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes13/183 volvendo não só o aluno com alguma defi- ciência, mas todos aqueles que possuem al- guma necessidade educacional especial. Apesar desta ampla visão sobre a inclusão escolar, via de regra, em estudos e no co- tidiano escolar a inclusão geralmente está associada à pessoa que apresenta alguma deficiência, seja ela fisica e/ou cognitiva, por meio da oferta de uma educação especial. Este processo de escolarização das pessoas com necessidades educacionais especiais é uma modalidade da educação conhecida como educação especial. A educação especial é compreendida como um foco da educação escolar que trabalha com crianças, jovens e adultos que não se beneficiam com o sistema convencional de ensino. Ela pode ser exercida tanto em es- colas quanto em centros especializados. Em 2008, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência incorporou à legislação brasileira os postulados da con- venção da Organização das Nações Unidas – ONU – sobre os direitos das pessoas com deficiência, assegurando sua acessibilida- de em toda esfera social. No que se refere à educação, o referido documento, em seu artigo 24, assegura à pessoa com deficiên- cia o seu direito à educação, postulando seu direito de frequentar o ensino regular gra- tuito, destacando claramente o dever do estado em assegurar este direito por meio da organização física do espaço escolar e da contratação de profissionais qualificados para facilitar este processo (BRASIL, 2012). Entretanto, os profissionais que trabalham Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes14/183 com educação inclusiva, sobretudo no con- texto público, sabem que estes direitos nem sempre são ofertados pelo estado e as di- ficuldades encontradas neste processo são inúmeras (BARBOSA; SOUZA, 2010). de que insiste em se camuflar em meio a alguns discursos. Para exemplificar, ao tra- balhar com educação inclusiva, é frequente o seguinte questionamento: “meu filho que não possui nenhuma deficiência não será prejudicado com a inclusão, pois os conteú- dos serão ofertados de modo mais lento?”. É importante refletir sobre esta questão, porque você certamente lidará com ela em algum momento. Costumamos dizer que os alunos da educa- ção regular são os que mais se beneficiam com o processo de inclusão, isto porque na prática com educação especial vivencia-mos momentos em que a interação entre os alunos com necessidades especiais e os demais alunos favorece o aprendizado de muitas formas. Por exemplo, ao conviver Link Convido você a se aprofundar no tema da in- clusão escolar, basta consultar o artigo a se- guir, disponível em: <http://pepsic.bvsalud. org/scielo.php?script=sci_arttext&pi- d=S1516-36872014000300013>. Acesso em: 13 abr. 2017. Apesar da expansão do processo de inclu- são escolar, ainda é frequente deparar-se com a barreira do preconceito da socieda- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000300013 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000300013 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000300013 Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes15/183 com alunos com necessidades especiais, os demais aprendem a lidar com a diversidade e isto é um valor importante que precisa ser trabalhado na escola, uma vez que é a base para a formação de uma sociedade justa e humanizada. Pais e familiares que apoiam a educação inclusiva no ensino regular estão proporcionando aos seus filhos a possibili- dade de aprenderem a respeitar as pessoas e conviverem com a diversidade. Portanto, a aprendizagem no contexto escolar vai mui- to além da apreensão de conceitos cientí- ficos. Quanto ao conteúdo oferecido, habitual- mente é apenas adaptado para que o alu- no com necessidade educacional especial consiga aprender. Para isto, o professor na maioria das vezes conta com a ajuda de pro- fissionais para o auxiliarem neste processo. Para saber mais Conceitos científicos são aqueles aprendidos principalmente na escola; que exigem certa abs- tração do pensamento e a mediação de uma ou- tra pessoa para serem aprendidos. Exemplos de conceitos científicos: seres vivos, reino animal, sistema digestivo etc. Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes16/183 A inclusão escolar no ensino regular não ex- clui de modo algum o fato de que este aluno não possa/deva receber atendimento es- pecializado e individualizado. Muitas vezes é preciso que o sujeito tenha um trabalho individualizado para ser incluído no ensino regular. Esta é a base do conceito de equi- dade que sustenta os princípios da educa- ção inclusiva que significa tratar as pessoas de modo diferente, a partir de suas necessi- dades, para que todos consigam acessar os mesmos horizontes e possibilidades de de- senvolvimento (SAMPAIO; FREITAS, 2011). Para saber mais estes profissionais que auxiliam no processo de in- clusão podem ser contratados pela escola, como professores de educação especial ou auxiliares de inclusão; ou no caso de algumas escolas privadas, estas indicam aos pais a contratação de um me- diador que pode ser professor ou psicólogo. Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes17/183 Glossário Educação escolar: trata-se do processo de escolarização realizado no sistema regular de ensino. Iceberg: bloco de gelo que se desprendeu de alguma plataforma de gelo e vaga pelo mar. No iceberg somente uma pequena parte emerge à superfície, sendo que 90% de seu tamanho encontra-se sub- merso na água. Rotular: sinônimo de classificar, etiquetar, marcar uma pessoa ou objeto com determinada caracterís- tica de qualquer natureza. Questão reflexão ? para 18/183 Como você viu, é muito importante realizar uma avalia- ção cuidadosa e contextualizada sobre os problemas e distúrbios da aprendizagem e, neste sentido, convido-o a pensar: quais são os aspectos que devem ser conside- rados na avaliação do aluno com a queixa de dificuldade e distúrbio da aprendizagem? 19/183 Considerações Finais • Necessidade da avaliação cuidadosa quanto aos problemas de aprendiza- gem, destacando a necessidade de considerar o contexto escolar, social, fa- miliar e individual de cada aluno. • Importância de compreender o aluno, sua história de vida, buscando acessar os sentidos sobre o seu processo escolar. • Para além da preocupação com o diagnóstico e rótulo de um aluno com pro- blema ou distúrbio da aprendizagem, é importante compreender suas capa- cidades, potencialidades e buscar estratégias de ação guiadas por estas vias. • A inclusão escolar como forma de oferecer uma educação de qualidade para todos. Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes20/183 Referências ANGELUCCI, C. B. et al. O estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar (1991-2002): um estudo introdutório. Revista Estudo e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 51-72, 2004. BARBOSA, E. T.; SOUZA, V. L. T. A vivência de professores sobre o processo de inclusão: um estu- do da perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural. Rev. psicopedagia, São Paulo, v. 27, n. 84, p. 352-362, 2010. BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 4. ed. 2012. Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopes- soascomdeficiencia.pdf>. Acesso em: 1 abr. 2017. IDESP. Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo. Secretária de Educação do Estado de São Paulo. 2015. Disponível em: <http://idesp.edunet.sp.gov.br/>. Acesso em: 17 jul. 2017. LEONARDO, N. S. T.; LEAL, Z. F. R. G.; ROSSATO, S. P. M. A naturalização das queixas escolares em periódicos científicos: contribuições da psicologia histórico-cultural. Psicol. Esc. Educ., Maringá, v. 19, n. 1, p. 163-171, abr. 2015. LIBANEO, José Carlos. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, mar. 2012. Unidade 1 • Problema da aprendizagem, educação inclusiva e educação especial: ampliando olhares e traçando horizontes21/183 PISA. Programme for International Student Assessment. Organization for economic co-ope- ration and development, 2015. Disponível em: <http://www.oecd.org/pisa/>. Acesso em: 2 abr. 2017. SAMPAIO, S.; FREITAS, I. B. (Orgs.). Transtornos e dificuldades de aprendizagem: entendendo melhor os alunos com necessidades educativas especiais. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011. SAVIANI, Dermeval. Vicissitudes e perspectivas do direito à educação no Brasil: abordagem his- tórica e situação atual. Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 124, p. 743-760, set. 2013. SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. Pe- trópolis, RJ: Vozes, 1994. Referências 22/183 1. No diagnóstico dos problemas e distúrbios da aprendizagem, é importan- te o profissional avaliar: a) O contexto social, político, familiar e o próprio desenvolvimento do aluno. b) Somente o desenvolvimento individual. c) Os contextos familiar e individual. d) O contexto político. e) O desenvolvimento afetivo. Questão 1 23/183 2. No texto, faz-se uma crítica quanto aos procedimentos de avaliação dos problemas e distúrbios da aprendizagem que folocalizam somente o âm- bito: Questão 2 a) Político. b) Afetivo. c) Indivídual. d) Social. e) Familiar. 24/183 3. A educação inclusiva deve beneficiar o aluno: a) Que possui qualquer tipo de necessidade educacional especial. b) Que possui alguma deficiência física. c) Que possui algum transtorno global do desenvolvimento. d) Que possui algum déficit cognitivo. e) Que possui deficiência cognitiva e /ou motora. Questão 3 25/183 4. A educação especial pode ser oferecida: a) Preferencialmente no ambiente familiar. b) No ambiente familiar e na instituição especializada. c) Nas escolas e centros especializados. d) Somente na educação regular. e) Somente em instituição especializada. Questão 4 26/183 5. O que significa o conceito de equidade?a) Trabalhar com todas as pessoas com deficiências de modo diferente, colocando limitações para sua inserção no contexto social. b) Direitos perante a lei. c) Aprofeitar as oportunidades. d) Tratar as pessoas de modo diferente a partir de suas necessidades, a fim de que todos aces- sem as mesmas condições de aprendizado e desenvolvimento. e) Tratar todas as pessoas deficientes de modo igual. Questão 5 27/183 Gabarito 1. Resposta: A. Os problemas e distúbios da aprendizagem precisam ser pensados a partir de uma ava- liação ampla, que considera todas as ins- tâncias formadoras do sujeito, como: o con- texto social, político, familiar e o próprio de- senvolvimento do aluno. 2. Resposta: C. É necessário a superação da concepção dos problemas e distúrbios da aprendizagem que parte da concepção individualizante desta queixa, visto que suas causas envol- vem outros aspectos da vida do sujeito. 3. Resposta: A. A educação inclusiva envolve uma modali- dade de educação que contempla todas as pessoas que possuem alguma dificuldade com a adaptação ao ensino regular, envol- vendo as pessoas com e sem deficiências. 4. Resposta: C. Com a ampliação dos postulados da educa- ção inclusiva, a educação especial passou a ser oferecida não mais unicamente em ins- tituições especializadas, mas também na educação regular. 28/183 5. Resposta: D. O conceito de equidade dentro dos postula- dos da educação inclusiva veio para romper com a ideia de que todos devem ser trata- dos da mesma forma no processo de inclu- são, objetivando a necessidade de um tra- tamento diferenciado a depender da neces- sidade de cada pessoa com o intuito de que todos consigam aprender e se desenvolver. Gabarito 29/183 Unidade 2 Distúrbios da aprendizagem: características e problemas Objetivos • Apontar as diversas áreas do conhecimento que buscam respostas para os distúrbios da aprendizagem. • Definir o conceito de aprendizagem, assim como seus distúrbios. • Favorecer a reflexão sobre os processos de patologização da aprendizagem e da vida. • Refletir sobre a concepção médica dos distúrbios da aprendizagem. • Destacar a necessidade da compreensão contextualizada e avaliação cuidadosa dos dis- túrbios da aprendizagem. Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas30/183 Introdução Neste texto, temos como objetivo caracte- rizar os chamados distúrbios da aprendiza- gem, bem como problematizar sua abran- gência e variações quanto à sua definição. Ao abordar este assunto, o seguinte para- doxo emerge: se por um lado os diagnósti- cos de distúrbios da aprendizagem crescem cada vez mais, por outro, também aumen- tam suas definições e conceituações, apre- sentando concepções distintas e contradi- tórias entre si, o que dificulta um consenso quanto à sua definição. Na história das dificuldades de aprendiza- gem são muitos os campos de interesse que buscam explicar tal fenômeno envolvendo, por exemplo, professores, psicólogos, médi- cos, nutricionistas e neurocientistas, o que resulta nas mais diversas teorias e modos de conduzir tal queixa. Portanto, para caracte- rizar a dificuldade de aprendizagem, muitos são os caminhos possíveis. E neste desafio, buscamos caracterizar as dificuldades e dis- túrbios da aprendizagem começando pelo conceito de aprendizagem, conforme você verá a seguir. 1. O que é aprendizagem? Bus- cando caminhos para compre- ender os distúrbios da aprendi- zagem Inspirado nas ideias de Vygotsky (1991, 2001), compreende-se o conceito de apren- dizagem como a capacidade humana de apreender a realidade material e simbóli- ca, em um processo contínuo que ocorre ao Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas31/183 longo da vida. Para Vygotsky (1991, 2007, 2001), a apren- dizagem se dá a partir da necessidade apre- sentada pelo sujeito em sua relação com o contexto social. O surgimento desta carên- cia ocorre no momento em que o repertó- rio de conhecimento do sujeito já não é su- ficiente para lidar com a realidade na qual está inserido. E este processo é acompanha- do por momentos de crises, de sentimentos negativos, visto que o sujeito entra em con- tato com o seu “não saber”, com sua falta e dificuldade de compreensão e adaptação ao meio. Isto é acentuado, quanto maior a complexidade dos conceitos que o sujeito precisa aprender. Vygotsky (1991), inspirado nas ideias de Marx, vai relacionar a questão da aprendi- zagem ao processo de trabalho, dizendo que aprender é trabalhoso, visto que exige um grande esforço do sujeito. Portanto, é neces- sário desconstruir a ideia de que aprender é algo somente prazeroso, discurso bastante Link Vygotsky é um autor que enfatiza a importân- cia das mediações sociais na constituição hu- mana. Caso você queira aprofundar mais sobre este assunto indico o seguinte texto, disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/ a05v2171.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2017. http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a05v2171.pdf http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a05v2171.pdf Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas32/183 O que quero destacar com esta reflexão, é que aprender é trabalhoso, exige esfor- ço e a dificuldade de aprendizagem é algo extremamente comum e esperado a qual- quer pessoa. Ela tanto faz parte do desen- volvimento como o promove, uma vez que quanto maior a dificuldade, maior é o de- senvolvimento do pensamento. No entan- to, a dificuldade de aprendizagem torna-se realmente um problema quando é genera- lizada, envolvendo vários âmbitos, a saber: escola, família, relacionamento com amigos e as atividades práticas do dia a dia. Além disso, outro importante fator a ser considerado sobre o processo de aprendi- zagem é que ele ocorre, segundo Vygotsky (1991), nas interações que tem a fala como principal instrumento mediador. Como um proclamado nos dias de hoje. Obviamente que a aprendizagem é acompanhada, mui- tas vezes, de emoções positivas, entretanto isto não é a regra. Geralmente o que ocorre é que a emoção positiva acompanha o re- sultado da aprendizagem, ou seja, quando o sujeito consegue apreender o conceito, am- plia sua visão de mundo. Para saber mais Karl Marx (1818-1883) foi um filósofo que cons- truiu uma vasta teoria sobre sociedade, econo- mia e política, revolucionando o modo de pensar de várias pessoas e estudiosos. Nos dias atuais, os trabalhos de Marx ainda são amplamente utiliza- dos como referência teórica para explicar sobre a vida cotidiana, como a estrutura da vida no capi- talismo e as relações de poder no trabalho. Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas33/183 exemplo deste processo, citamos um caso descrito há muitos anos sobre um garo- to conhecido como Victor de Aveyron, que foi encontrado já adolescente na floresta, vivendo em meio aos animais. Victor não falava, emitia somente alguns grunhidos, andava em quatro apoios, não vestida rou- pas e demonstrava comportamentos mui- to próximos aos de um animal. Ele foi ado- tado por um cientista chamado Jean Marc Gaspard Itard, responsável por lhe ensinar habilidades e comportamentos caracterís- ticos da espécie humana, como tomar ba- nho, usar roupas e dizer algumas palavras. Este caso ilustra o fato de que Victor apren- deu as habilidades que faziam parte de seu contexto, pois na ocasião em que viveu na floresta aprendeu comportamentos e ha- bilidades dos animais para, em seguida, em seu processo de socialização na cultura hu- mana aprender os comportamentos e cos- tumes humanos. Este exemplo mostra que aprendemos aquilo que faz parte do nosso meio, de nossas interações, apropriando- -nos de conceitos e características que fo- ram construídos ao longo dos anos, em um processo histórico. Para saber mais É por meio da fala humana em suas várias expres- sões, como a escrita e falada, que nos apropria- mos da cultura, do conhecimento e, por conse- guinte, nos desenvolvemos. Unidade 2 • Distúrbiosda aprendizagem: características e problemas34/183 Portanto, se a aprendizagem ocorre nas in- terações sociais e é fruto de um processo histórico, isto significa que ao olhar para a dificuldade de aprendizagem é preciso vi- sualizar também estes dois fatores como elementos fundamentais. Ao pensar na dificuldade de aprendizagem, é importante analisar o contexto no qual este processo ocorre, levando em conside- ração o ambiente escolar, a relação fami- liar, o conceito aprendido e o aluno. A se- guir apresentamos algumas questões im- portantes que precisam ser investigadas no processo de compreensão da dificuldade de aprendizagem: • Como é a estrutura escolar na qual o aluno está inserido? • Como é a relação dos professores com o aluno? • Como é a relação familiar deste aluno? • Quais são os sentidos que o aluno atribui ao conteúdo escolar? • De que modo este conteúdo, fonte da dificuldade de aprendizagem, é ensi- nado? • Já foi tentado ensinar este mesmo conteúdo de uma outra forma? • O aluno possui dificuldade de apren- dizagem em uma determinada área do conhecimento ou é uma dificulda- de generalizada? • Este aluno apresenta a mesma dificul- dade de aprendizagem em casa ou na Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas35/183 relação com os amigos? Estas são algumas questões importantes a serem consideradas no diagnóstico da difi- culdade de aprendizagem, buscando iden- tificar suas causas e avaliar se é algo comum ao desenvolvimento, conforme abordado anteriormente, ou se a dificuldade é gene- ralizada, caracterizando-se como um pro- blema ou distúrbio do desenvolvimento. Portanto, ressalto a importância de uma análise contextualizada da dificuldade de aprendizagem, uma vez que na maioria das vezes ela remete a um obstáculo em rela- ção aos processos de ensino-aprendizado e como eles ocorrem na escola. Segundo Leonardo, Leal e Rossato (2015), a escola é acostumada a ensinar a um padrão mui- to específico de aluno, e quando o padrão é desviado, a escola geralmente encaminha este aluno a um profissional (psiquiatra, psicólogo, psicopedagogo) com a queixa de dificuldade ou transtorno de aprendizagem. Moyses e Collares (2013) apontam que o “não saber/conhecer” sobre as reais causas da dificuldade de aprendizagem favorece encaminhamentos e tratamentos bastan- te preocupantes, como a utilização de me- dicamentos que visam tratar o aluno con- cebido como aquele que é culpado por seu fracasso escolar. Sobre este assunto apro- fundaremos a seguir. Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas36/183 2. O normal versus patológico nas dificuldades e distúrbios da aprendizagem Na sociedade ocidental, a busca pela padro- nização das pessoas é cada vez mais recor- rente. Lidar com a diversidade e a diferença parece ser algo mais difícil, sendo atribuí- do a algumas instâncias sociais o poder de fiscalizar e tratar os indivíduos que social- mente não se enquadram nos padrões de normalidade (MOYSES; COLLARES, 2013). Quais são estes padrões? No que eles con- sistem? Quem dita o que é normal e anor- mal? Estas são questões de difícil resposta, visto sua fluidez e inconstância que se mo- difica o tempo todo a depender do período histórico e social em que se vive. Por muitos anos a religião foi a instância que fiscalizava e era responsável pela or- dem social, entretanto, nos dias atuais cada vez mais a medicina vem ocupando este lu- gar, colocando-se na função social de res- ponder ao que é anormal e normal, ao que é saúde e doença. Neste campo, psiquiatras e neurologistas sofisticaram e desenvol- veram mecanismos para explicar o desen- Link Convido você a acessar o link sobre a história do fracasso escolar. Indicamos a leitura de um arti- go, disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ ep/v30n1/a04v30n1.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2017. http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n1/a04v30n1.pdf http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n1/a04v30n1.pdf Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas37/183 volvimento humano, especializando-se em casos em que há um desvio em relação ao padrão comportamental normal. Neste ce- nário, é crescente a transformação de pro- blemas inerentes à vida, que tem em sua base aspectos sociais e políticos, distúr- bios individuais, de ordem biológica, como ocorre em alguns casos de diagnóstico de distúrbios da aprendizagem. Ainda, ao atri- buir as dificuldades e distúrbios da aprendi- zagem a uma doença orgânica inerente ao sujeito, o caminho mais utilizado para so- lucionar este problema é a medicalização – fenômeno crescente que atinge crianças e adolescentes em idade escolar (MOYSES; COLLARES, 2013). Sobretudo a partir dos anos 1980, é obser- vado um crescente número de enfoques te- óricos, bem como sua consolidação, que vão concebem as dificuldades e distúrbios da aprendizagem como problemas neurológi- cos, envolvendo certa limitação das sinap- ses cerebrais, sustentando a construção dos seguintes diagnósticos: dislexia, trans- torno e déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), entre outros (MOYSES; COLLARES, 2013). Link Para saber mais sobre o processo de medicaliza- ção da vida, indico o seguinte texto, disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/desi/v1/ es_n1a02.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2017. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/desi/v1/es_n1a02.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/desi/v1/es_n1a02.pdf Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas38/183 Para exemplificar este problema, em relação ao TDAH nos últimos dez anos, cresceu es- pantosamente o número de casos de crian- ças e adolescentes diagnosticados, bem como o uso de metilfenidato como trata- mento medicamentoso (MOYSES; COLLA- RES, 2013). A associação entre aprendizagem e desen- volvimento neurológico é algo bastante discutido pela neurociência e não há dú- vidas de sua relação. É consenso na litera- Para saber mais Sinapses são as conexões entre os neurônicos que promovem o desenvolvimento cerebral. Para saber mais O mecanismo de ação do metilfenidato é seme- lhante ao da cocaína, sendo um poderoso psico- estimulante. Aumenta-se o nível de dopamina no cérebro, neurotransmissor responsável pela sen- sação de prazer. Muitos são os riscos deste au- mento da dopamina na infância e adolescência, como: dependência e busca de outras fontes de prazer artificias, como as drogas, o efeito conhe- cido como “zombie-like”, em que a pessoa fica contida, obediente, tranquila (MOYSES; COLLA- RES, 2013). Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas39/183 tura científica atual que a aprendizagem agiliza as sinapses cerebrais, e o contrário também, que a “não aprendizagem” limi- ta o desenvolvimento neurológico (CAPO- VILLA; VALLE, 2011, ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2006). Entretanto, atualmente a grande dificuldade é que via de regra apre- ende-se este conhecimento para justificar a dificuldade de aprendizagem, tendo como causa uma disfunção neurológica, e aí resi- de o problema na grande maioria dos casos: transformam-se problemas sociais em do- enças. É importante para você profissional que tem interesse por este tipo de queixa esco- lar envolvendo dificuldades e distúrbios da aprendizagem, conhecer estas questões de transformação de dificuldades normais em doenças. O desenvolvimento de um pensa- mento crítico, que afinal está cada vez mais em extinção, sobre as dificuldades e distúr- bios da aprendizagem, não exclui de modo algum a existência de deficiências e doen- ças que afetam o desenvolvimento cogni- tivo do sujeito e limitam seu processo de aprendizagem. No entanto, estes são casos raros, não correspondendo à quantidade de alunos que encontramos hoje sendo diag- nosticados com distúrbios da aprendiza- gem e em tratamento medicamentoso. Desta forma, destaco dois tipos de proble- mas de aprendizagem: o específico, que refere-se àquele aluno que possui algu- ma dificuldade em determinada área,por exemplo, em matemática ou português; e o generalizado em que a criança apresenta Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas40/183 dificuldade em múltiplas áreas, envolvendo os conteúdos escolares, os valores e normas da sociedade, o uso das diversas tecnolo- gias etc. Para exemplificar e demarcar esta diferença, trazemos um caso ilustrativo, mas bastante frequente, que envolve o alu- no com dificuldade de aprendizado na es- cola, sendo incapaz de atingir a média ne- cessária, porém que em casa joga videoga- me, conversa com os amigos normalmente e consegue acompanhar suas séries e filmes favoritos. Aí perguntamos a você: este alu- no possui uma dificuldade específica ou ge- neralizada? Certamente, a dificuldade deste aluno é do tipo específica, restringindo-se às atividades e conceitos escolares, não afetando as suas atividades cotidianas e, portanto, não se caracterizando como um distúrbio da aprendizagem. Geralmente, a dificuldade de aprendizagem generalizada é associada ao déficit cogniti- vo que algumas crianças possuem em vista de alguma deficiência orgânica, transtorno global do desenvolvimento ou algum ou- tro tipo de doença que afeta suas possibi- lidades cognitivas. Portanto, o distúrbio da aprendizagem só pode ser considerado a partir da dificuldade generalizada de apren- dizado, e nunca a partir de uma dificuldade específica. Saber caracterizar os tipos de dificuldade de aprendizagem é importante para que você, profissional, realize uma avaliação adequa- da e estabeleça planos de intervenção que favoreçam o desenvolvimento pleno do alu- no. Entretanto, apesar da diferença entre Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas41/183 os tipos de dificuldade de aprendizagem, a conduta profissional sempre será múltipla, envolvendo um trabalho com o aluno, com a escola e com a família. Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas42/183 Glossário Realidade material: é aquilo que consigo sentir, ver ou tocar. Realidade simbólica: é aquela que meus sentidos não conseguem apreender, como os valores e ide- ologias que permeiam nossa cultural. Emoções positivas: são aquelas que causam certa sensação de bem-estar no sujeito, como a alegria, satisfação, felicidade etc. Psicoestimulantes: são drogas que ativam o sistema nervoso central, aumentando a atividade moto- ra e cognitiva, além de acentuar o estado de vigília, alerta e atenção do usuário. Questão reflexão ? para 43/183 Como você pode observar na leitura do texto, há uma di- ferença entre dificuldade e distúrbio de aprendizagem e neste sentido convidamos você a pensar em estratégias de ações para estes dois tipos de dificuldades de apren- dizagem. Como você planejaria uma intervenção envol- vendo um caso de dificuldade e um outro de distúrbio de aprendizagem? 44/183 Considerações Finais • Nem toda dificuldade de aprendizagem deve ser vista como um problema, uma vez que sua presença é importante e normal ao desenvolvimento humano. • O aprendizado ocorre nas interações sociais, portanto, na queixa de dificuldade de aprendiza- gem também é necessário considerar o contexto social no qual os processos de ensino-apren- dizagem são realizados. • A dificuldade de aprendizagem pode ser um distúrbio quando é generalizada, envolvendo to- dos os âmbitos sociais do sujeito, como família, escola, relacionamento com amigos e tarefas do dia a dia. • Na maioria das vezes a dificuldade de aprendizagem generalizada está associada a um quadro de deficiência cognitiva, transtorno global do desenvolvimento ou outro tipo de doença que afeta o funcionamento cognitivo. • Independentemente do tipo de dificuldade de aprendizagem (específica ou generalizada), é importante que o profissional englobe em seu processo de avaliação e intervenção todo o contexto social do aluno. Unidade 2 • Distúrbios da aprendizagem: características e problemas45/183 Referências CAPOVILLA, F. C.; VALLE, L. E. L. R. Neuropsicologia e aprendizagem. 3. ed. Ribeirão Preto: Novo Conceito, 2011. LEONARDO, N. S. T.; LEAL, Z. F. R. G.; ROSSATO, S. P. M. A naturalização das queixas escolares em periódicos científicos: contribuições da Psicologia Histórico-Cultural. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. v. 19, n. 1, p. 163-171, 2015. MOYSÉS, M. A. A.; COLLARES, C. A. L. Control y medicaliación de la infancia. Desidades, n. 1, p. 11-21, 2013. ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobio- lógica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Organizadores Michael Cole et al. Tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. (Original publicado em 1935) ______. Obras escogidas II. Madrid: Vysor Aprendizaje y Ministerio de Cultura y Ciencia, 2001. (Original publicado em 1932) ______. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. (Original publicado em 1934). 46/183 1. Em relação à definição e caracterização dos problemas da aprendizagem há um consenso? a) Sim, existe apenas uma teoria científica para caracterizar os problemas da aprendizagem. b) Sim, principalmente em relação ao encaminhamento psicopedagógico. c) Não, sendo possível encontrar várias teorias distintas que explicam os problemas da apren- dizagem. d) Não, entretanto, tal cenário está mudando. e) Sim, principalmente na educação. Questão 1 47/183 2. O que é aprendizagem? Questão 2 a) É um processo orgânico. b) É a capacidade humana de apreender a realidade material e simbólica. c) É prestar atenção. d) É a capacidade do aluno em permanecer em silêncio na sala de aula. e) É tirar boas notas. 48/183 3. A dificuldade de aprendizagem torna-se um problema quando: Questão 3 a) É uma dificuldade generalizada, envolvendo vários âmbitos sociais do sujeito. b) O aluno não consegue alcançar a média necessária na escola. c) A família é culpabilizada. d) Associa-se a uma dificuldade cognitiva. e) Ocorre um problema escolar. 49/183 Questão 4 a) Uma análise do contexto familiar. b) Uma avaliação escolar. c) Uma avaliação neurológica. d) Uma avaliação afetiva. e) Uma avaliação contextualizada. 4. Na avaliação da dificuldade de aprendizagem, é importante realizar: 50/183 5. Quais são os dois tipos de dificuldade de aprendizagem? Questão 5 a) Geral e específica. b) Familiar e escolar. c) Afetiva e cognitiva. d) Individual e social. e) Ampla ou complexa. 51/183 Gabarito 1. Resposta: C. Atualmente há muitas teorias e áreas do conhecimento que visam explicar os pro- blemas da aprendizagem, não encontrando um consenso. 2. Resposta: B. A aprendizagem refere-se à capacidade hu- mana de apreender a realidade em que se vive. 3. Resposta: A. A dificuldade de aprendizagem só pode ser considerada como um problema a partir da dificuldade generalizada. 4. Resposta: E. Na avaliação da dificuldade de aprendiza- gem, é importante realizar uma avaliação contextualizada que leve em consideração o contexto escolar, familiar, social e indivi- dual de cada aluno. 5. Resposta: A. Há dois tipos de dificuldade de aprendiza- gem, a específica e a geral, sendo que esta última se refere a um déficit de aprendiza- gem. 52/183 Unidade 3 O TDAH e suas possibilidades de intervenção Objetivos • Caracterizar o TDAH. • Problematizar as causas e linhas de tratamento do TDAH. • Destacar a importância da construção de outros modos de compreender o TDAH. • Favorecer a reflexão sobre possibilidades de intervenção. Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção53/183 Introdução Na história do Transtorno do Déficit de Aten- ção com Hiperatividade (TDAH) muitas são as teorias que buscam explicar suas causas e seu tratamento. Via de regra, o enfoque maior sãosuas alterações orgânicas, expli- cadas pelo olhar neurológico, colocando em demanda a necessidade de outras áreas do conhecimento também se posicionarem a respeito deste problema. Portanto, é funda- mental olhar o TDAH a partir de várias óti- cas, dispondo-se a compreender este pro- blema pela conduta multiprofissional (CA- POVILLA; VALLE, 2011; ROTTA, OHLWEILER; RIESGO, 2006). 1. Em busca da compreensão do TDAH Segundo a Associação Brasileira do Défi- cit de Atenção (ABDA), o TDAH tem como principal causa alterações neurobiológicas que podem afetar o desenvolvimento da pessoa por toda a vida. Link As informações sobre o TDAH a partir da compre- ensão da Associação Brasileira de Déficit de Aten- ção (ABDA) foram acessadas em seu site, disponí- vel em: <http://www.tdah.org.br/>. Acesso em: 1 abr. 2017. Há estudos que buscam comprovar que o TDAH afeta algumas regiões do cérebro em Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção54/183 especial a região frontal, responsável pela regulação do comportamento, principal- mente no que se refere ao controle da aten- ção, memória, autocontrole, planejamen- to e organização. Estes estudos também apontam para a existência de várias teorias que buscam explicar a causa do TDAH, apre- sentando diferentes fontes do problema: questões hereditárias, substâncias ingeri- das durante a gravidez, fatores ambientais e orgânicos que levaram a sofrimento fetal, exposição ao chumbo, entre outras causas (ABDA, 2017). Não obstante, a ABDA descreve no TDAH a presença de alguns sintomas como: desa- tenção, inquietude e impulsividade, sobre- tudo no contexto escolar. Na maioria das vezes, o TDAH é pensado como hipótese diagnóstica em situações em que a crian- ça apresenta dificuldades na escola, prin- cipalmente no que se refere à capacidade de concentração nas atividades, resultando em um baixo desempenho escolar. Em adul- tos tal transtorno também pode estar pre- sente, entretanto, na maioria das vezes seu diagnóstico é realizado ainda na infância ou na adolescência, quando seu desempenho escolar é acompanhado de modo mais pró- ximo por educadores e pais. Estima-se que 3 a 5% das crianças no mundo são afetadas pelo TDAH. Em relação ao seu diagnóstico, não há ne- nhum exame específico que comprove sua existência, sendo realizado com base em al- guns indícios e exclusão de outras causas. A ABDA aponta que somente o profissional Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção55/183 médico é habilitado para realizar o diagnós- tico do TDAH e sugere como principal via de tratamento a utilização de medicamentos. A partir destas informações, cabe reali- zar alguns questionamentos: por que atri- buir somente problemas de ordem biológi- ca como causa do TDAH? Qual o papel da sociedade, da educação, neste processo? Como o profissional médico saberá diferen- ciar um problema escolar de um problema neurobiológico já que não existe um exame específico para o diagnóstico? Qual o posi- cionamento de áreas como a pedagogia e a psicologia que estudam os processos de aprendizagem e desenvolvimento humano? Alguns pesquisadores (MOYSÉS; COLLA- RES, 2013) tanto do campo da medicina quanto da pedagogia têm questionado as afirmações hegemônicas sobre o TDAH, in- serindo outras possibilidades de compreen- são deste problema cada vez mais crescen- te. Para saber mais Maria Aparecida Affonso Moysés é medica e li- vre-docente em Pediatria. Atualmente é profes- sora titular em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Nos últimos anos tem produzido mui- tos estudos científicos questionando o proces- so de patologização da vida e dos problemas de aprendizagem. Cecília Azevedo Lima Collares é pedagoga e livre- -docente em Psicologia Educacional. É profes- Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção56/183 Para você, profissional que trabalha com os processos de aprendizagem, seja profes- sor, gestor ou psicólogo, pouco sentido faz apresentar o enfoque neurológico do TDAH, sendo necessário pensar e discorrer sobre o que, no âmbito de sua prática profissio- nal, pode ser desenvolvido para melhorar as condições de aprendizagem de seu aluno ou paciente. Portanto, destacamos a impor- tância de uma compreensão para além da lógica médica (que visa buscar o problema, a doença e tratar com a utilização de medi- camentos ou intervenções cirúrgicas), que incorpore uma compreensão educacional do TDAH. Tal forma de compreender o TDAH consiste na construção de ideias que ofereçam sub- sídios para a prática de educadores e de- mais profissionais no geral, preocupando- -se muito mais com o “devir”, com as pos- sibilidades de desenvolvimento do sujeito. Neste sentido, muito mais importante do que questionar sobre as causas e consequ- ências do déficit de atenção, é pensar em caminhos para seu desenvolvimento. Como a atenção se desenvolve? Quais são as vias Para saber mais sora aposentada pela faculdade de Educação da UNICAMP. Sua produção científica volta-se prin- cipalmente para temas como fracasso escolar e medicalização dos processos de ensino-aprendi- zagem. Também é militante no movimento pela despatologização da vida. Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção57/183 ção, assunto que abordaremos a seguir. 2. O desenvolvimento da atenção e possibilidades de intervenção Segundo Vygotsky (1991b), a atenção é uma função psicológica que o sujeito possui ao nascer, são as condições biológicas neces- sárias para seu desenvolvimento. Portanto, a atenção só pode se desenvolver a partir de um arcabouço biológico que é próprio da espécie humana. Entretanto, a atenção no início da vida é muito volátil, sendo que na criança quanto menor sua idade maior é a dificuldade de permanecer atenta a algo. para sua potencialização? Portanto, nesta compreensão educacional o foco não é tan- to o déficit de atenção, mas, sim, o desen- volvimento da atenção. Entretanto, adiantamos que abordar o TDAH por este viés não é o caminho mais fácil, tampouco confortável, visto exigir empe- nho do profissional com o aluno, bem como o desenvolvimento de pensamentos criati- vos que possibilitem pensar em estratégias de ensino para encontrar a melhor forma de favorecer o desenvolvimento da atenção. Também, não é o caminho mais rápido, vis- to que as mudanças são lentas e demoram para ocorrer, porém não há dúvidas de que são as ações mais efetivas! Para isto, é importante que você compreen- da como ocorre o desenvolvimento da aten- Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção58/183 Com o processo de inserção na cultura, a criança aprende a significar o mundo, ou seja, cada vez mais consegue reconhecer e nomear os objetos, processo este que se dá em função do desenvolvimento da fala. Na criança, quanto maior sua capacidade de significar o mundo, maior será sua capa- cidade de regular a atenção, ou seja, maior será sua capacidade de manter-se atenta a uma determinada situação. Portanto, a capacidade de significação e o desenvolvi- mento da atenção estão interligados e são interdependentes (VYGOTSKY, 1991b). Link Para que você possa aprofundar seus conheci- mentos sobre função psicológica superior, você poderá acessar o artigo disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art- text&pid=S0101-73302000000200002>. Acesso em: 26 abr. 2017. Para saber mais Para Vygotsky (1991a), é por meio da fala humana (que envolve a fala oral, gestual e a escrita) que o homem se apropria da cultura, ao mesmo tempo que também a produz. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302000000200002 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302000000200002 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302000000200002 Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção59/183 Explicamos o que foi dito com um exemplo: imagine que você estáassistindo a uma pa- lestra sobre determinado assunto e desco- nhece totalmente o idioma do palestrante e não há nenhum tipo de tradução. Prova- velmente, sua atenção nesta palestra não se sustentará nem por cinco minutos e ra- pidamente pensará em outros assuntos (na família, em seu emprego, em alguma tarefa que ficou pendente, por exemplo). Portanto, toda vez que você estiver dian- te de alguma situação que não consegue atribuir nenhum sentido e significado, sua atenção dificilmente será regulada. O in- verso também ocorre, imagine esta mesma palestra só que agora há uma pessoa que faz a tradução (ou seja, agora você conse- gue compreender o que está sendo dito), entretanto, o conteúdo abordado não lhe traz muitos conhecimentos novos, visto que a maioria já são de seu domínio. Também, nesta condição sua atenção não se manterá por muito tempo (BARBOSA, 2017). Então, Para saber mais A significação é o processo de atribuição de senti- dos e significados pelo sujeito a situações da vida ou a algum conhecimento. Os sentidos são da or- dem do privado, cada sujeito atribui um sentido único ao que vivencia. Já o significado é da ordem do público, refere-se à definição dicionarizada da palavra. Por exemplo: a palavra casa, todas as pes- soas vão saber descrever o que é uma casa (isto é o significado), entretanto cada pessoa atribuirá um sentido para esta palavra (afeto, medo etc.). Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção60/183 em quais situações a atenção permanece ativa? outra que é desconhecida (que não faz par- te da experiência do sujeito). Esta relação se apresenta como um conflito a ser vivido e superado pelo sujeito, visto a necessidade de transformar o desconhecido em conhe- cido. E é a partir do surgimento deste con- flito que a atenção permanece constante e se desenvolve cada vez mais (BARBOSA, 2017). Você lembra que no começo deste curso disse que no processo de aprendi- zagem muitas são as dificuldades vividas? Pois é, no processo de aprendizagem o su- jeito está em conflito o tempo todo. Portanto, isto permite dizer que a aten- ção ocorre a partir do vínculo que o sujei- to faz entre sua experiência (ou seja, aquilo que conhece) e o desconhecido, ou seja, é a consideração do conhecido que garante Link Sobre esta relação entre o desenvolvimento da atenção e o processo de significação, você pode- rá aprofundar seus conhecimentos pela leitura do seguinte artigo, disponível em: <http://revis- ta.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/ view/2735>. Acesso em: 20 abr. 2017. A atenção é mantida por um período mais longo quando há o equilibro entre os ele- mentos que o aluno conhece e aqueles que desconhece. Em outras palavras, nas inte- rações sociais em que a atenção está pre- sente há sempre uma parte que é conhecida (que faz parte da experiência do sujeito), e http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/2735 http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/2735 http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/2735 Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção61/183 o desconhecido como possibilidade, como “devir”. Vamos explicar com um exemplo: imagine que você está na mesma palestra que des- crevemos anteriormente, em que há um bom sistema de tradução e que agora mudou o assunto da palestra, sendo apresentado um tema do seu interesse e que traz muitos ele- mentos que até então eram desconhecidos por você. Agora, consegue compreender o que está sendo dito, há elementos que es- tão sendo aprendidos, e, por conseguinte, sua atenção permanecerá constante na pa- lestra toda. Assim, é na síntese entre o que faz parte de minha experiência (conhecido) com aquilo que ainda não experienciei (des- conhecido) que a atenção é desenvolvida e regulada. Tal concepção rompe com a ideia de que para produzir a atenção do aluno é neces- sário ficar no mundo dele, incorporando a necessidade de inserir elementos que o alu- no desconhece e que se relacionam de cer- ta forma com sua experiência, promovendo assim seu aprendizado. Diante desta exposição, o que você, como profissional, pode fazer para promover o de- senvolvimento da atenção de seu aluno/pa- ciente? A seguir trazemos algumas suges- tões que consideramos muito importantes: • Pensar em atividades que sejam do in- teresse do aluno/paciente. • Propor atividades que exigem a regu- lação da atenção de modo gradativo, respeitando sempre o limite de cada aluno. Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção62/183 • Estabelecer relações entre a vida do aluno/paciente e o conhecimento que será apresentado. • Na escola, utilizar estratégias diferen- ciadas de ensino. • Ouvir a opinião do aluno/paciente so- bre o conteúdo. • Sugerir ao aluno a apresentação de um seminário sobre determinado as- sunto. • Pedir que o aluno/paciente explique com suas palavras determinado as- sunto. Estes são apenas alguns encaminhamen- tos a serem pensados nas situações em que há a necessidade de desenvolvimento da atenção, mas que em sua prática poderão envolver outros que ajudem a potencializar o desenvolvimento da atenção no aluno/ paciente. Em uma escola havia um grupo de alunos que apresentavam a queixa de desatenção. A partir desta queixa foram realizados vários encontros de intervenção a fim de promover atividades que favorecessem o desenvolvi- mento da atenção desses alunos. Para isto, foram realizados encontros de contação e produção de histórias, trabalhados contos clássicos da literatura, sendo os preferidos pelos alunos os contos de Edgar Allan Poe e Clarice Lispector. As atividades de conta- ção de histórias eram organizadas a fim de despertar maior interesse nos alunos, orga- nizando a sala do seguinte modo: estendia- -se um pano no chão, sugerindo que os alu- Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção63/183 nos sentassem em círculo, colocava-se uma música de fundo e também apagavam-se as luzes. O envolvimento dos alunos com a intervenção surpreendeu toda a escola, principalmente pela capacidade de conse- guir prestar atenção em contos clássicos, narrados em muitas páginas, com certa di- ficuldade gramatical e densidade poética. Este é apenas um exemplo de uma ativida- de que se bem elaborada e planejada, com a intencionalidade de promover o interesse e a participação dos alunos, pode levar ao sucesso da aprendizagem e ao desenvolvi- mento da atenção. Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção64/183 Glossário Hegemonia: palavra utilizada para afirmar que determinada concepção é mais preponderante, possui um maior destaque e aceitação. Função psicológica: são todas aquelas funções que compõem e constituem o sistema psicológico, como: atenção, fala, imaginação, pensamento, emoção, entre outras. Cultura: refere-se a tudo aquilo que foi construído pelo homem, por exemplo: o conhecimento, as leis, os valores, as instituições sociais. Devir: processo permanente de vir a ser algo. Questão reflexão ? para 65/183 Você como profissional especializado em distúrbios da aprendizagem, qual atividade proporia para favorecer o desenvolvimento da atenção de alunos, tanto em aten- dimento individual quanto coletivo? 66/183 Considerações Finais • Necessidade de compreender o TDAH a partir de múltiplas concepções, não se limitando à vi- são biológica deste distúrbio. • Mais importante do que a caracterização do TDAH, é pensar em possibilidades de intervenção tanto em contextos institucionais, como na clínica. • Necessidade de buscar estratégias de desenvolvimento da atenção pela via da ampliação das possibilidades de significação. • Oferecer atividades que promovam o interesse e a participação dos alunos. • Pensar em estratégias diferenciadas para promover a aprendizagem. Unidade 3 • O TDAH e suas possibilidades de intervenção67/183 Referências ABDA. Associação Brasileira de Déficit de Atenção. Sobre o TDAH. Disponível em:<http://www. tdah.org.br/>. Acesso em: 20 abr. 2017. BARBOSA, Eveline Tonelotto. Os “donos da imaginação”: a contação e produção de histórias promovendo o interesse e a participação de adolescentes em atividades escolares. Tese (Douto- rado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Campinas, 2017. CAPOVILLA, F. C.; VALLE, L. E. L. R. Neuropsicologia e aprendizagem. 3. ed. Ribeirão Preto: Novo Conceito, 2011. MOYSÉS, M. A. A.; COLLARES, C. A. L. Control y medicaliación de la infancia. Desidades, n. 1, p. 11-21, 2013. ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobio- lógica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991a. ______. Obras escogidas I. Madrid: Vysor Aprendizaje y Ministerio de Cultura y Ciencia, 1991b. 68/183 1. Segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), o TDAH é resultado de uma alteração: a) Ambiental. b) Afetiva. c) Neurobiológica. d) Intelectual. e) Social. Questão 1 69/183 2. Quais são as principais características do TDAH? a) Desmotivação, atenção e concentração. b) Agressividade, fraqueza e retardo no desenvolvimento motor. c) Desatenção, inquietude e impulsividade. d) Desinteresse pela escola, impulsividade e bom desempenho nos estudos. e) Agressividade, desatenção e desmotivação. Questão 2 70/183 3. Em relação ao diagnóstico do TDAH, ele é realizado nas seguintes condi- ções: Questão 3 a) Não há um exame específico, sendo que seu diagnóstico é realizado com base na exclusão de outras causas. b) A partir de um exame específico realizado por um médico. c) A partir da aplicação de um teste psicológico. d) Atualmente há vários exames neurológicos que favorecem o diagnóstico preciso do TDAH. e) A partir de uma avaliação socioeconômica. 71/183 4. O desenvolvimento da atenção está relacionado: Questão 4 a) Ao nível socioeconômico. b) À vontade. c) Ao estímulo sensorial. d) Ao desenvolvimento afetivo. e) À capacidade de significação. 72/183 5. Em relação ao TDAH, é mais importante: Questão 5 a) Realizar seu diagnóstico. b) Buscar estratégias a fim de promover o desenvolvimento da atenção. c) Conversar com a família. d) Utilizar medicamentos. e) Realizar exames. 73/183 Gabarito 1. Resposta: C. A ABDA concebe os problemas envolvidos no TDAH como causa neurobiológica, a partir de algu- mas evidências científicas que ainda não possuem um consenso na literatura científica. 2. Resposta: C. Segundo a definição da ABDA (2017), as principais características do TDAH são desatenção, in- quietude e impulsividade, principalmente no contexto escolar. 3. Resposta: A. Ainda não há um consenso na literatura sobre a forma de realizar o diagnóstico do TDAH, sendo que seu diagnóstico é considerado como hipótese a partir da exclusão de outras causas, como ambiental, pedagógica etc. 4. Resposta: E. A atenção é desenvolvida na relação com o processo de significação, ou seja, quanto mais o su- jeito conhece o mundo, atribuindo sentidos e significados, maiores serão suas possibilidades de regulação da atenção. 74/183 5. Resposta: B. Vários estudos apontam que é necessário a superação de práticas que visam apenas diagnos- ticar os problemas, colocando-se a necessidade de pensar em intervenções que promovam sua superação, no caso do TDAH em práticas que promovam o desenvolvimento da atenção. Gabarito 75/183 Unidade 4 A dislexia e suas possibilidades de intervenção Objetivos • Caracterizar a dislexia. • Discorrer sobre as dificuldades e limitações em relação ao diagnóstico de dislexia. • Favorecer uma reflexão sobre os processos de ensino da leitura e da escrita. • Descrever como ocorre o processo de desenvolvimento da leitura e da escrita. • Apontar estratégias de atuação profissional para trabalhar com problemas de leitura e es- crita. Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção76/183 Introdução A dislexia é um tipo de transtorno da apren- dizagem que afeta principalmente as habi- lidades de leitura e escrita, dificultando, na maioria das vezes, o processo de escolariza- ção. Entretanto, muitas são as ações pos- síveis para superar este tipo de problema, despertando a necessidade de criar novas práticas de alfabetização e de estímulo à leitura e à escrita. Para além das questões neurobiológicas que sustentam as causas da dislexia, é importante pensar e repensar os modos como a escola habitualmente vem trabalhando com os processos de leitura e escrita, a fim de pensar em novas práticas para superar este problema que é cada vez mais frequente, em especial em relação aos alunos que frequentam o ensino público. 1. Em busca da compreensão da dislexia Segundo a Associação Brasileira de Disle- xia (ABD), a dislexia trata-se de um distúr- bio de aprendizagem que tem como origem fatores neurobiológicos, que acarretam di- ficuldade em reconhecer de modo preciso a palavra, sobretudo, em sua decodificação e soletração. Tal transtorno afeta o compo- nente fonológico da fala, dificultando o re- conhecimento e diferenciação de algumas letras. Neste sentido, a dislexia pode resul- tar dificuldades com a leitura e a escrita. Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção77/183 Entretanto, para a realização do diagnósti- co de dislexia, é necessário que a criança já tenha sido alfabetizada, visto que os sinto- mas característicos da dislexia são comuns em pessoas que estão em processo de alfa- betização. Segundo a ABD, na idade escolar, quan- do o diagnóstico da dislexia se torna mais aceitável perante a literatura, comumente a criança ou adolescente apresenta os se- guintes sinais: • Dificuldade na leitura e escrita. • Problema no conhecimento de sons iguais no final e início das palavras. • Desatenção e dispersão em ativida- des de leitura e escrita. • Troca de algumas letras na escrita. • Dificuldade em cópia de textos. • Dificuldade na coordenação motora. • Confusão para identificar direções como esquerda e direita. • Dificuldade em manusear dicionários, mapas etc. • Vocabulário pouco desenvolvido. Link Caso queira saber mais sobre a visão da Associa- ção Brasileira de Dislexia (ABD) sobre o proble- ma da dislexia, você pode acessar o seguinte link, disponível em: <http://www.dislexia.org.br/>. Acesso em: 1 maio 2017. Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção78/183 A dislexia é um diagnóstico bastante co- nhecido e utilizado para justificar os proble- mas em relação ao desenvolvimento da lei- tura e da escrita. Entretanto, é importante considerar que nem todos os problemas em relação à leitura e à escrita remetem a um quadro patológico, visto que muitas pes- soas em processo de apropriação da leitu- ra e escrita ou que foram mal alfabetizadas apresentam as mesmas características des- critas pela ABD. Estudos e avaliações nacionais apontam para um percentual significativo de pesso- as com dificuldades em relação à leitura e à escrita, em especial aqueles provenien- tes de escolas públicas. Isto é tão verdade que cada vez mais aumenta o número dos chamados analfabetos funcionais, que são aquelas pessoas que passaram pelo proces- so de escolarização, mas que possuem mui- tas dificuldades em relação à leitura e, por conseguinte, na escrita (MARSIGLIA; SA- VIANI, 2017; SILVIA; TULESKI, 2014, SCOZ, 1994). Assim, cabe o seguinte questiona- mento: como pensar que aquelas pessoas que estão em processo de escolarização (ou que já concluíram) não possuem o domínio da leitura e da escrita por um problema in- dividual? Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção79/183 Portanto, alguns estudos (MARSIGLIA; SA- VIANI, 2017; SILVIA; TULESKI, 2014) vão de- fender que os problemas relacionados à di- ficuldade de aprendizagem, como o caso da dislexia, são considerados muito maispro- blemas de escolarização ou ensino do que individuais. Tal afirmação é comprovada pe- los vários casos de problemas de aprendiza- gem que são superados com uma eficiente intervenção pedagógica. Assim, é muito importante que você, pro- fissional, faça uma avaliação bastante cui- dadosa sobre as reais causas da dificuldade de leitura e escrita, buscando considerar o modo como o aluno foi ou está sendo alfa- betizado, seu contexto social e familiar. Além disto, é importante considerar que as dificuldades que caracterizam a dislexia são passíveis de serem superadas, uma vez que não há um comprometimento do siste- ma cognitivo da pessoa. Atualmente, temos vários gênios da nossa história que quando crianças apresentaram um quadro bastante próximo à dislexia, por exemplo, Albert Eins- tein, pai da Teoria da Relatividade e um dos Para saber mais O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é uma avaliação bienal que avalia o desempenho de estudantes, sendo que em seus resultados demonstram pouca melhora no de- sempenho de estudantes ao longo dos últimos 15 anos na disciplina de Língua Portuguesa, em que a prática da leitura e da escrita é exigida de modo mais intenso. Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção80/183 maiores intelectuais da nossa história, que começou tarde a falar e foi alfabetizado so- mente por volta dos nove anos, apresentan- do inúmeras dificuldades em seu processo inicial de escolarização. Então, para que as dificuldades em relação à leitura e à escrita sejam superadas, é im- portante compreender como ocorre o de- senvolvimento da leitura e da escrita, tema este que será abordado a seguir. 2. O desenvolvimento da leitura e da escrita Segundo Vygotsky (1991), a fala é o que ca- racteriza o homem como um ser social, visto que é por meio dela que se constrói a histó- ria, os valores, o conhecimento, ao mesmo tempo em que também nos apropriamos destes elementos que passam a nos cons- tituir. É por meio das diversas formas de re- gistros (desenho, escrita) que temos acesso ao que aconteceu no passado, na história da humanidade, e é em função deles que conseguimos nos apropriar dos aconteci- mentos de determinada época ou período histórico. Este conhecimento regulará as ações e o modo de pensar sobre si e a rea- lidade. Por exemplo, é o meu conhecimento sobre os valores da sociedade socialista ou capitalista que me fará questionar e pensar sobre os modos de vida da sociedade atual. Para saber mais Entende-se por fala qualquer forma de lingua- gem, como a oral, a escrita, a gestual. Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção81/183 Vygotsky (1991) vai destacar que a fala e o pensamento se constituem mutuamente, uma vez que não é possível falar sem pen- samento e pensar sem a fala. Faça um exer- cício você mesmo tentando pensar em algo sem ser por meio da palavra. Dificilmente isto será possível. Entretanto, ao longo do desenvolvimento nem sempre pensamento e fala estão liga- dos. Aproximadamente antes dos dois anos de idade, fala e pensamento são funções que percorrem separadamente, isto porque muitas vezes a criança aprende a falar por meio da repetição de palavras, sem se apro- priar de seu significado (ou seja, sem a pre- sença do pensamento). Este é um primei- ro nível de aprendizado da fala, que ocorre pela repetição, pela cópia, para só depois a criança ser capaz de apropriar o significa- do. Um exemplo é a criança bem pequena que aprende a falar a palavra “não” e para várias situações utiliza esta palavra. Neste caso, será pela repetição da palavra, inse- rida em um contexto social (com a ajuda de outras pessoas de seu convívio) que a crian- ça irá se apropriar do significado da palavra. No momento em que a criança for capaz de compreender as palavras, não somente re- peti-las, é porque pensamento e fala estão interligados, processo este que ocorre apro- ximadamente a partir dos dois anos de ida- de. Após esta ligação entre pensamento e fala, um passa a constituir o outro e devem caminhar juntos no processo de desenvol- vimento. Compreender a importância da ligação en- Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção82/183 tre fala e pensamento leva a questionar as práticas escolares que muitas vezes se pau- tam na repetição, na cópia de textos da lou- sa, por exemplo, sem exigir a atuação do pensamento, da reflexão. Este tipo de prá- tica não favorece o processo de aprendiza- gem, em especial no que se refere aos pro- cessos de leitura e escrita. Nos processos de aprendizagem da leitu- ra e escrita, é importante que o aluno não apenas aprenda a repetir as palavras, co- piando-as de modo repetitivo ou lendo de modo mecânico. É necessário a atuação do pensamento, em que o aluno seja capaz de pensar sobre o que está lendo e escrevendo. Portanto, para além da repetição das pala- vras, o aluno deve compreendê-las, proces- so este que exige a mediação de um profis- sional qualificado. Diferentemente da fala oral que é apreen- dida nas práticas sociais, a escrita depende de uma ação intencional, pedagógica, para seu desenvolvimento. Tal apropriação exige um grande esforço tanto por parte do alu- no quanto do profissional que precisará re- correr a diversas estratégias para ensiná-lo (VYGOTSKY, 2007). Na apropriação da escrita e da leitura, é importante superar a concepção de que se trata de um processo linear, constante e ir- reversível, ou seja, que o aprendizado da leitura e escrita uma vez alcançado perma- necerá para sempre nesta mesma condição. As habilidades da leitura e escrita percor- rem um longo processo de dificuldades que deverão ser superadas, uma vez que se am- Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção83/183 plia a complexidade dos conceitos (VYGOT- SKY, 2007). SKY, 2007). Para que me servem a leitura e a escrita? Qual a diferença de assistir a um fil- me e ler um livro de história? O mesmo vale para a escrita: por que preciso me comuni- car sem ser pela fala oral? Qual a função da escrita? Estas são questões que precisam ser trabalhadas e focalizadas no processo de alfabetização. Portanto, a escola precisa oferecer um es- paço para os alunos exercitarem a escrita e a leitura, focalizando especialmente em temas que sejam do interesse deles. Via de regra, a escola trabalha com temas prontos, fechados, de escrita, o mesmo ocorre com a leitura, oferecendo obras que são determi- nadas previamente. Claro que há algumas obras clássicas que precisam ser socializa- das no processo de escolarização, entre- Para saber mais As habilidades de escrita e leitura acontecem muito antes da criança aprender a escrever e a ler suas primeiras palavras. Por exemplo, em relação à escrita, sua origem está nos gestos, nos rabiscos e desenhos das crianças. Para Vygotsky (2007), a criança primeiro aprende a desenhar coisas para depois aprender a desenhar palavras. A leitura e a escrita só são desenvolvidas a partir da necessidade da criança. Neste sentido, a criança deve ter alguma necessi- dade para se apropriar da escrita, existindo alguma relevância para sua vida (VYGOT- Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção84/183 tanto, é importante também considerar os interesses de leitura dos alunos e contem- plá-los nas práticas de ensino. Isto porque, no processo de leitura e escrita, o aluno es- tabelecerá muitas relações com sua vida e o interesse pela leitura e a escrita será desen- volvido. Marsiglia e Saviani (2017) destacam a im- portância de criar um espaço estético para o conhecimento, o que significa pensar em situações diferenciadas para conduzir as atividades de leitura e escrita. Há várias es- tratégias para desenvolver essas ativida- des, tais como modificações na sala (como apagar as luzes, sentar em roda no chão, colocar música de fundo) ou até mesmo ir a outros espaços da escola, além disso, po- de-se sugerir que os alunos criem suashis- tórias, sem oferecer um tema específico, e que após vários momentos de correção e reescrita, com ajuda da professora de Lín- gua Portuguesa as histórias que forem cria- das pelos alunos sejam organizadas em um livro. Dessa forma, é possível que a relação desses alunos com o processo de leitura e escrita surpreenda a toda a escola e tenham bons resultados. Estes são somente alguns exemplos de prática que podem ser pen- sados e desenvolvidos, a fim de promover o interesse e a participação em atividades de leitura e escrita. Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção85/183 Entretanto, considero também que há casos em que a dificuldade de leitura e escrita exige um atendimento mais individualizado e o acompanhamento de outros profissionais, como fonoau- diólogo, psicólogo ou psicopedagogo. Portanto, a atuação multiprofissional é necessária e im- portante para superar este problema (ROTTA; OHWEILER; RIESGO, 2006). Link Para aprofundar seus conhecimentos sobre a importância da estética, entendida com a forma com que o conhecimento é trabalho, você pode acessar o seguinte artigo, disponível no link: <http://periodi- cos.uem.br/ojs/index.php/PsicolEstud/article/view/31815/pdf>. Acesso em: 3 maio 2017. Um outro exemplo de prática de sucesso na apropriação da leitura e da escrita, você po- derá encontrar no artigo disponível no link: <http://www.scielo.br/scielo.php?pi- d=S2175-62362014000300013&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 4 maio 2017. http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/PsicolEstud/article/view/31815/pdf http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/PsicolEstud/article/view/31815/pdf http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-62362014000300013&script=sci_abstract&tlng=pt http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-62362014000300013&script=sci_abstract&tlng=pt Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção86/183 Glossário Decodificação: ação de interpretação da palavra. Soletração: pronúncia de letras, sílabas e palavras. Estético: refere-se à forma como o conhecimento é trabalhado. Questão reflexão ? para 87/183 Você como profissional que possui um conhecimento sobre problemas e distúrbios de aprendizagem, qual atividade faria em sala de aula (caso seja professor) ou sugeriria para a escola (caso seja um profissional clínico) para favorecer o interesse e a participação de alunos em atividades de leitura e escrita? 88/183 Considerações Finais • Importância de uma avalição cuidadosa em relação ao diagnóstico da dis- lexia. • Necessidade de conhecer o contexto e histórico escolar do aluno/paciente, a fim de não tratar um problema de alfabetização como um distúrbio indi- vidual, orgânico. • Necessidade de pensar em práticas que favoreçam o interesse e a participa- ção em atividades de leitura e escrita. • Em casos mais específicos, em que há uma necessidade de um trabalho mais individualizado, considerar a importância de um trabalho multiprofissional, envolvendo: fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo, entre outros. Unidade 4 • A dislexia e suas possibilidades de intervenção89/183 Referências MARSIGLIA, A. C. G.; SAVIANI, D. Práticas pedagógicas alfabetizadoras à luz da psicologia histó- rico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Psicologia em Estudos, 22 (1), p. 3-13, 2017. ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobio- lógica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006. SCOZ, B. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. Petrópo- lis, RJ: Vozes, 1994. SILVIA, M. A. S.; TULESKI, S. C. Dificuldades de aprendizagem em cena: o que o cinema e a psico- logia histórico-cultural têm a dizer sobre a dislexia. Interfaces da Educação, 5(14), p. 177-199, 2014. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. ______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 90/183 1. A dislexia é uma dificuldade relacionada: a) Ao reconhecimento e à diferenciação de algumas letras. b) A atividades envolvendo cálculos. c) À capacidade de concentração. d) À dificuldade em manter-se concentrado em determinada atividade. e) Ao processo de aprendizagem. Questão 1 91/183 2. Quais são os principais problemas em relação ao diagnóstico da disle- xia? a) Não há nenhum problema quanto ao seu diagnóstico. b) Trata-se de um problema que afeta as pessoas em processo de alfabetização ou que foram mal alfabetizadas. c) Criança não consegue se concentrar nos testes. d) É necessário um relatório da equipe escolar. e) É necessário a aplicação de vários testes. Questão 2 92/183 3. Em relação ao tratamento da dislexia, é possível afirmar que: a) Não tem cura. b) Tem duração de três anos. c) Não há tratamento específico. d) É importante o uso de medicação. e) São possíveis de serem superadas suas dificuldades a partir de uma efetiva intervenção pe- dagógica. Questão 3 93/183 4. Nos processos de leitura e escrita, quais são as funções psicológicas principais? a) Consciência e memória. b) Atenção e percepção. c) Pensamento e fala. d) Significado e atenção. e) Pensamento e memória. Questão 4 94/183 5. No processo de aprendizagem da leitura e da escrita, além da repetição das palavras, é importante que o aluno: a) Compreenda as palavras. b) Grave as palavras. c) Repita as palavras. d) Copie as palavras. e) Desenhe as palavras. Questão 5 95/183 Gabarito 1. Resposta: A. A dislexia é um problema que afeta o reco- nhecimento e a diferenciação de algumas letras, dificultando o processo de leitura e escrita. 2. Resposta: E. Um dos problemas em relação ao diagnósti- co da dislexia é que seus sintomas são tam- bém presentes em pessoas em processo de alfabetização ou que foram mal alfabetiza- das. 3. Resposta: E. A dislexia é um problema possível de ser re- solvido a partir de uma efetiva intervenção pedagógica e quando necessário com o au- xílio e outros profissionais. 4. Resposta: C. No processo de escrita e leitura as principais funções são o pensamento e a fala. 5. Resposta: A. No processo de leitura e escrita, muito mais importante do que a repetição das palavras, é que o aluno as compreendam, exigindo a atuação do pensamento. 96/183 Unidade 5 A discalculia e suas possibilidades de intervenção Objetivos • Caracterizar a discalculia. • Realizar uma compreensão crítica sobre as definições e intervenções nos casos de discal- culia. • Apontar alguns caminhos para a intervenção. • Discutir a importância do conhecimento numérico no desenvolvimento do psiquismo. Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção97/183 Introdução A discalculia é um problema relacionado à aprendizagem de conhecimentos que exi- gem habilidades numéricas. Estudos apon- tam (LONGAREZI; FRANCO, 2016; KRANZ; HEALY, 2013) que sua principal causa não pode ser restrita a fatores neurológicos ape- nas, como defendem a maioria dos estudos sobre o tema, sendo importante levar em consideração todo o processo de escolari- zação do sujeito. Portanto, ainda não há um consenso na literatura em relação às causas da discalculia, no entanto pensar em estra- tégias e formas de intervenção que visam superar este tipo de problema é de extre- ma importância e relevância (TOPCZEWSKI, 2000). 1. A discalculia e sua caracteri- zação Atualmente, entre os problemas específi- cos de aprendizagem, a discalculia é a que possui menor índice de diagnóstico, sendo pouco citada em comparação a outros pro- blemas de aprendizagem como a dislexia e o TDAH. Também, diferentemente da disle- xia e do TDAH, a discalculia não possui uma associação responsável por divulgar sua caracterização e seu critério diagnóstico. No entanto, é descrita e caracterizada nos dois manuais de classificação de doenças, o CID-10 e o DSM-V, apresentando algumas variações em relação à sua terminologia e definição. No CID-10, a dislexiaenquadra-se no códi- Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção98/183 go F81.2 cuja nomenclatura refere-se a transtorno específico da habilidade em aritmética (OMG, 1997). Segundo sua definição trata-se de um: Transtorno que implica uma alteração específica da habilidade em arit- mética, não atribuível exclusivamente a um retardo mental global ou à escolarização inadequada. O déficit concerne no domínio de habilidades computacionais básicas de adição, subtração, multiplicação e divisão mais do que as habilidades matemáticas abstratas envolvidas na álgebra, trigo- nometria, geometria e cálculo. (OMG, 1997). Link Sobre a clarificação do CID-10, você poderá acessar o manual no link, disponível em: <http://www.da- tasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm>. Acesso em: 11 maio 2017. http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção99/183 Tal definição presente no CID-10 não engloba os casos de dificuldade em habilidades aritméticas associados à acalculia e inadequação do ensino. Para a classificação presente no DSM-5, elabo- rada pela Associação Americana de Psiquiátrica, a: Discalculia é um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades caracterizado por problemas no processamento de informa- ções numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de cálcu- los precisos ou fluentes. (APA, 2014, p. 67). Link Sobre a clarificação do DSM-5, você poderá acessar o manual no link, disponível em: <https://psicova- lero.files.wordpress.com/2014/06/dsm-v-manual-diagnc3b3stico-y-estadc3adstico-de-los- -trastornos-mentales.pdf>. Acesso em: 11 maio 2017 A partir destas definições, nota-se que a discalculia é concebida como uma doença que ocasiona um déficit em relação à capacidade da pessoa em aprender conhecimentos associados a diver- https://psicovalero.files.wordpress.com/2014/06/dsm-v-manual-diagnc3b3stico-y-estadc3adstico-de-los-trastornos-mentales.pdf https://psicovalero.files.wordpress.com/2014/06/dsm-v-manual-diagnc3b3stico-y-estadc3adstico-de-los-trastornos-mentales.pdf https://psicovalero.files.wordpress.com/2014/06/dsm-v-manual-diagnc3b3stico-y-estadc3adstico-de-los-trastornos-mentales.pdf Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção100/183 sas formas e modalidades numéricas. En- tretanto, estas definições não esclarecem sobre as causas deste tipo de dificuldade de aprendizagem. Em um estudo de revisão da literatura (KRANZ; HEALY, 2013), constatou-se que a maioria dos estudos sobre discalculia a compreende como um déficit relacionado ao desenvolvimento da pessoa, associado a uma disfunção neurológica, inata, relacio- nada ao funcionamento biológico. A partir desta forma de compreender a dis- calculia, na maioria das vezes seu diagnósti- co é realizado pela aplicação de testes que avaliam a capacidade da pessoa na resolu- ção de cálculos, envolvendo diferente níveis de dificuldade. Uma das limitações em re- lação à utilização de testes padronizados, é que muitas vezes eles são utilizados como única fonte de informação para o diagnósti- co, desconsiderando todo o contexto social e educacional do aluno ou paciente. Por- tanto, a utilização de testes pode ser uma das estratégias de busca de informações, sendo necessário também conhecer o sujei- to que está sendo avaliado, seu processo de escolarização, seu contexto familiar, indivi- dual, entre outros aspectos (KRANZ; HEALY, 2013). Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção101/183 Por trás desta forma de compreender os problemas de aprendizagem e realizar seu diagnóstico, permeia uma concepção de educação que vem sendo utilizada há mui- to tempo para compreender os processos de ensino, que se refere à ideia de que a aprendizagem é um processo que depende unicamente da pessoa, em que há a neces- sidade de um amadurecimento orgânico e funcionamento “normal” das capacidades cognitivas para que o aprendizado ocorra (KRANZ; HEALY, 2013). Esta ideia susten- ta algumas correntes teóricas da educa- ção, como é o caso do construtivismo, que tem como principal representante Piaget que defendia que primeiro é necessário um amadurecimento do sujeito para depois ocorrer o aprendizado. Desta forma, para esta concepção teórica, o desenvolvimento ocorre antes da aprendizagem, o que sig- nifica que primeiro é necessário o desen- volvimento neurológico e psicológico para somente depois ser possível o processo de aprendizagem (VYGOTSKY, 2003). Para saber mais Atualmente, há alguns testes validados que tra- zem como proposta avaliar o desempenho em habilidades envolvendo números, por exemplo, o ZAREKI-R, bateria de testes neurológicos para processamento numérico e cálculo em crianças e o Discalculia Butterworth Screender. Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção102/183 Para contrapor esta ideia, Vygotsky (2003) defende que será pelo processo de apren- dizagem que ocorrerá o desenvolvimento neurológico e a ampliação das funções psi- cológicas, compreendendo que o processo de aprendizagem é que impulsiona o desen- volvimento. Neste sentido, a aprendizagem antecede o processo de desenvolvimen- to psicológico e neurológico (LONGAREZI; FRANCO, 2016). Portanto, nessa forma de entender o desen- volvimento humano, a discalculia não pode se restringir apenas a uma disfunção neu- rológica e biológica, desconsiderando toda e qualquer influência social e educacional que envolve este tipo de problema. Outro fator importante associado à com- preensão unicamente orgânica da discalcu- lia é que uma vez que suas causas se asso- ciam às disfunções neurológicas, as pesso- as enquadradas neste tipo de diagnóstico estão fadadas ao fracasso e à incapacidade de aprendizagem em relação a diferentes formas numéricas. Esta forma de compre- ensão pode ocasionar tanto o não investi- mento por parte da pessoa diagnosticada, que se vê como incapaz de aprender concei- Para saber mais Um dos principais representares do construtivis- mo é Jean William Fritz Piaget, biólogo e psicólogo que viveu entre 1896 e 1980, considerado um dos maiores pensadores do século XX, sendo bastan- te referenciado em estudos atuais do campo da educação e da psicologia. Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção103/183 tos relacionados à abstração numérica, não se motivando a apreendê-los, quanto por parte de quem ensina (no caso o professor) (LONGAREZI; FRANCO, 2016; KRANZ; HE- ALY, 2013). Na perspectiva teórica da Psicologia His- tórico-Cultural ou da Pedagogia Crítica, a mediação do social ganha destaque para explicar os problemas de aprendizagem, oferecendo uma visão esperançosa sobre o desenvolvimento humano, acreditando no importante papel da superação e da trans- formação no processo de aprendizagem. Portanto, tão mais importante do que bus- car compreender as causas individuais que ocasionam a discalculia, é buscar formas de compreender como ocorre o desenvol- Para saber mais A Psicologia Histórico-cultural tem como princi- pal representante Lev Semenovitch Vygotsky, que viveu entre 1896 a 1934 no contexto da União Soviética e tornou-se um dos maiores pensadores no campo da psicologia e da educação. A Pedagogia Crítica tem como principal represen- tante Paulo Freire, que viveu entre 1921 e 1997, era pedagogo e filósofo brasileiro, considerado um dos maiores pensadores do campo da educa- ção. Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção104/183 vimento das habilidades relacionadas ao cálculo e como proceder em relação ao seu processo de ensino. Estas questões serão abordadas no item a seguir. 2. O processo de aprendizagem e o desenvolvimento da habili- dade de cálculo Um dos princípios que sustentam a pers- pectiva da Psicologia Histórico-Cultural e da Pedagogia Crítica, é que a educação promove o desenvolvimento humano.Nes- ta compreensão, encontra-se em seu cerne o importante papel do processo de escola- rização na constituição do sujeito, no que se refere à sua possibilidade de alcançar for- mas mais abstratas de pensamento e cons- ciência sobre si, o outro e a realidade. Link Recomendamos que, para que você possa saber mais sobre a Pedagogia Crítica e os principais postulados de Paulo Freire, acesse o artigo dispo- nível em: <http://www.uel.br/eventos/sema- naeducacao/pages/arquivos/ANAIS/ARTI- GO/PERSPECTIVAS%20FILOSOFICAS/A%20 PEDAGOGIA%20CRITICA%20NO%20BRA- SIL%20A%20PERSPECTIVA%20DE%20 PAULO%20FREIRE.pdf>. Acesso em: 11 maio 2017. Para explicar como ocorre o processo de aprendizagem, Vygotsky (2003) utiliza o conceito de Zona de Desenvolvimento Pro- ximal (ZDP) que se refere à forma como o http://www.uel.br/eventos/semanaeducacao/pages/arquivos/ANAIS/ARTIGO/PERSPECTIVAS%20FILOSOFICAS/A%20PEDAGOGIA%20CRITICA%20NO%20BRASIL%20A%20PERSPECTIVA%20DE%20PAULO%20FREIRE.pdf http://www.uel.br/eventos/semanaeducacao/pages/arquivos/ANAIS/ARTIGO/PERSPECTIVAS%20FILOSOFICAS/A%20PEDAGOGIA%20CRITICA%20NO%20BRASIL%20A%20PERSPECTIVA%20DE%20PAULO%20FREIRE.pdf http://www.uel.br/eventos/semanaeducacao/pages/arquivos/ANAIS/ARTIGO/PERSPECTIVAS%20FILOSOFICAS/A%20PEDAGOGIA%20CRITICA%20NO%20BRASIL%20A%20PERSPECTIVA%20DE%20PAULO%20FREIRE.pdf http://www.uel.br/eventos/semanaeducacao/pages/arquivos/ANAIS/ARTIGO/PERSPECTIVAS%20FILOSOFICAS/A%20PEDAGOGIA%20CRITICA%20NO%20BRASIL%20A%20PERSPECTIVA%20DE%20PAULO%20FREIRE.pdf http://www.uel.br/eventos/semanaeducacao/pages/arquivos/ANAIS/ARTIGO/PERSPECTIVAS%20FILOSOFICAS/A%20PEDAGOGIA%20CRITICA%20NO%20BRASIL%20A%20PERSPECTIVA%20DE%20PAULO%20FREIRE.pdf http://www.uel.br/eventos/semanaeducacao/pages/arquivos/ANAIS/ARTIGO/PERSPECTIVAS%20FILOSOFICAS/A%20PEDAGOGIA%20CRITICA%20NO%20BRASIL%20A%20PERSPECTIVA%20DE%20PAULO%20FREIRE.pdf Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção105/183 processo de aprendizagem deve ocorrer, sendo subsídio para explicar e conduzir as ações didáticas de ensino. O processo de aprendizagem deve sempre partir do nível de desenvolvimento real do aluno, que se refere àquilo que conhece so- bre determinado conceito. Com a ajuda de um parceiro mais experiente, que na maio- ria das vezes é representado pela figura do professor, é oferecido apoio e conheci- mento necessários para o aluno alcançar seu nível de desenvolvimento potencial, que se refere àquilo que o aluno não pos- sui domínio, mas tem as possibilidades para acessá-lo. A aproximação entre o nível de desenvolvimento real e o potencial é o que caracteriza e legitima o processo de apren- dizagem, sendo que no momento em que o aluno apreende determinado conhecimen- to, seu nível potencial torna-se real, criando outras possibilidades de desenvolvimen- to potencial. Você lembra da relação entre o conhecido e o desconhecido que abordei no texto referente ao Tema 3 sobre disle- xia? Pois bem, o nível de desenvolvimento real é aquilo que o sujeito conhece, e o nível de desenvolvimento potencial é aquilo que desconhece, mas que pela mediação con- seguirá ter acesso, transformando o desco- nhecido em conhecido – processo este que deve ocorrer por toda vida. O que este conceito de ZDP ajuda você a compreender sobre a discalculia? Ou me- lhor, sobre o desenvolvimento da aprendi- zagem relacionado a cálculos? Primeiro é a importância de um adulto mais experiente Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção106/183 que ajude o aluno em seu processo de apren- dizagem, como o professor; o segundo é a necessidade de que este profissional adote como ponto de partida o que o aluno co- nhece, domina, sem importar-se tanto com o que este aluno deveria saber com base em sua série e faixa etária. A partir desta iden- tificação, o profissional trabalhará de modo gradativo, processual, complexificando aos poucos as exigências e habilidades numé- ricas, respeitando sempre o ritmo de cada aluno. Via de regra, o ensino de habilidades en- volvendo cálculo torna-se tão complexo, distante das possibilidades reais do aluno, que ele não consegue se apropriar dos con- ceitos ensinados, podendo estabelecer um sentimento aversivo quanto ao aprendiza- do deste tipo de conhecimento. Neste sentido, é necessário um trabalho mais individualizado, que tenha como pon- to de partida o que o aluno conhece, e de modo gradativo promover a apropriação de novos conhecimentos relacionados ao cálculo. Também é importante um trabalho no sentido de apoiar este aluno, fazendo-o acreditar que é possível aprender, superan- do sua condição de incapaz que muitas ve- zes é naturalizada e cristalizada (LONGARE- ZI; FRANCO, 2016). Frente a estas orientações, cabe questionar: por que é tão importante buscar estraté- gias que favoreçam o desenvolvimento da aprendizagem de habilidades envolvendo cálculo? Muitas vezes ouvimos de alunos o seguinte comentário: “não vou fazer facul- Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção107/183 dade de matemática ou outro curso na área de exatas, então não preciso saber mate- mática”, “só preciso decorar como faz a re- solução deste exercício para passar na pro- va”. Em contrapartida, também ouvimos a seguinte justificativa de professores: “mes- mo não cursando a faculdade de matemá- tica ou outras áreas relacionadas a exatas, você precisa saber matemática, como vai dar um troco no supermercado? Fazer con- tas básicas?”. Estas falas me fazem pensar em outra questão mais profunda: para que serve o conhecimento escolarizado, em es- pecial a matemática? Na maioria das vezes, compreende-se que o conteúdo escolarizado tem a funcionali- dade de ser aplicado somente nas ativida- des práticas, relacionando ao cotidiano de modo direto, como aprender a lidar com números para ir no supermercado ou ou- tras atividades do dia a dia. Entretanto, nem sempre o conhecimento pode ser aplicado à realidade, característica da maior parte das disciplinas da educação regular. A história, como pode ser aplicada na realidade? E a física? Assim, dificilmente o conhecimento escolarizado será aplicável de modo direto na realidade, mas oferece subsídios para a pessoa compreender a realidade e favorecer seu desenvolvimento psicológico. Como dito anteriormente, a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, portanto, o fundamento que sustenta o processo de aprendizagem de várias disciplinas diferen- tes é favorecer o desenvolvimento das fun- ções psicológicas superiores, como o pen- Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção108/183 samento, a consciência, a imaginação, en- tre outras (VYGOTSKY, 2006). No que se refere à aprendizagem de ha- bilidades envolvendo cálculos, sua apro- priação favorecerá o desenvolvimento do pensamento lógico, função psicológica bastante utilizada e exigida nos problemas envolvendo cálculo. Este desenvolvimento surtirá efeito nas mais diversas atividades futuras do sujeito, não necessariamente apenas naquelas que envolvam números, mas em todas as que exigem a atuação do pensamento lógico, por exemplo: visuali- zar um objeto tridimensionalmente, realizar probabilidades rápidas que determinarão alguma escolha etc. Portanto, cada disciplina do sistema regu- lar de ensino será responsável por desen- volver determinada função psicológica, por exemplo, a história desenvolve mais a me- mória, a literatura mais a emoção, e assim por diante. Dizer que uma disciplina favore- ce o desenvolvimento de determinada fun- ção não exclui de modo algum o fato de que as outras funções que compõem o sistema psicológico também não estejam sendo desenvolvidas. Segundo Vygotsky (2006), as funções psicológicas superiores atuam como um sistema em que uma influência depende das demais, constituindo o desen- volvimento do sistema psicológico. Também, é importante dizer em relação à aprendizagem que cada pessoa se apropria dos conceitos de uma determinada forma e nível,apresentando, às vezes, maior difi- culdade em determinada disciplina (SCOZ, Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção109/183 1994). Entretanto, esta diversidade não deve ser compreendida como um problema, mas como um processo normal e necessário que caracteriza nossa sociedade pela diver- sidade. O importante é que o conhecimento seja disponibilizado para qualquer pessoa, independentemente de sua condição so- cial, cognitiva ou emocional, partindo sem- pre da ideia de que é necessário pensar em estratégias diferenciadas que promovam o aprendizado do aluno, caminho este nada fácil, mas que corresponde aos pressupos- tos da educação inclusiva de que toda pes- soa tem direito a acessar o conhecimento historicamente produzido. Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção110/183 Glossário Acalculia: incapacidade geral em relação a habilidades de cálculo após uma lesão no córtex ce- rebral. Naturalização: processo de conceber algo como natural, que segue suas próprias leis, indepen- dentemente da interferência do meio externo. Cristalização: forma de conceber algo como estático, não mutável. Questão reflexão ? para 111/183 Você, profissional, quais propostas de intervenção promoveria para incentivar o aprendizado de alunos com problemas em cálculo? 112/183 Considerações Finais • Necessidade de questionar as teorias hegemônicas que defendem a discal- culia como uma doença associada ao desenvolvimento neurológico somen- te. • Necessidade de compreender a discalculia para além de seu diagnóstico, a fim de buscar estratégicas de aprendizagem, em especial no que se refere à habilidade de cálculo. • No processo de aprendizagem, é importante partir sempre das possibilida- des reais de desenvolvimento do aluno. • O conhecimento envolvendo cálculos é importante para o desenvolvimento do pensamento lógico. • As disciplinas escolares, de modo geral, favorecem o desenvolvimento do sistema psicológico. Unidade 5 • A discalculia e suas possibilidades de intervenção113/183 Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de trans- tornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. KRANZ, C. R.; HEALY, L. Pesquisas sobre discalculia no Brasil: uma reflexão a partir da perspectiva histórico-cultural. Revista de Matemática, Ensino e Cultura (UFRN), v. 8, p. 58-81, 2013. LONGAREZI, A. M.; FRANCO, P. L. J. A formação-desenvolvimento do pensamento teórico na pers- pectiva histórico-cultural da atividade no ensino de matemática. Educativa, v. 19, n. 2, p. 449- 473, 2016. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMG). CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10a rev. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997. vol.1. SCOZ, B. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. Petrópo- lis, RJ: Vozes, 1994. TOPCZEWSKI, A. Aprendizado e suas dificuldades: como lidar? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. VYGOTSKY, L. V. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003. VYGOTSKY, L. S. Desarrollo de las funciones psíquica superiores en la edad de transición. In: Obras escogidas IV - Psicologia Infamtil. 2. ed. Madrid: Visor y A. Machado Livros, p. 117-203, 2006. 114/183 1. Segundo a definição do DSM-V (APA, 2014), a discalculia refere-se a um problema: a) No processamento de informações numéricas. b) Na dificuldade de concentração. c) No transtorno de personalidade. d) No transtorno opositivo defensivo. e) Na codificação de algumas palavras. Questão 1 115/183 2. Para Vygotsky (2006), o desenvolvimento é: Questão 2 a) Posterior ao processo de aprendizagem. b) Anterior ao processo de aprendizagem. c) Interligado ao funcionamento neurológico. d) Relacionado ao desenvolvimento biológico. e) Relacionado ao desenvolvimento social. 116/183 3. No processo de aprendizagem, é necessário que o ensino adote como ponto de partida: Questão 3 a) O nível de desenvolvimento ideal do aluno. b) O desenvolvimento social do aluno. c) O desenvolvimento econômico do aluno. d) O desenvolvimento afetivo do aluno. e) O nível de desenvolvimento real do aluno. 117/183 4. O que significa zona de desenvolvimento proximal? Questão 4 a) Condição neurofisiológica. b) Desempenho escolar. c) Processo de aprendizagem do aluno. d) Condição social. e) Desenvolvimento potencial. 118/183 5. A aprendizagem de habilidades envolvendo cálculo favorece principal- mente: Questão 5 a) O desenvolvimento do pensamento lógico. b) As habilidades de leitura e escrita. c) O desenvolvimento real do aluno. d) O desenvolvimento afetivo. e) O desenvolvimento da memória. 119/183 Gabarito 1. Resposta: A. Segundo a definição do DSM-V (APA, 2014), a discalculia trata-se de um problema em relação ao processamento de informações numéricas. 2. Resposta: A. Segundo Vygotsky (2006), o desenvolvi- mento ocorre posteriormente ao processo de aprendizagem. 3. Resposta: E. No processo de aprendizagem, é muito im- portante que o ponto de partida do professor seja sempre o desenvolvimento real do alu- no. 4. Resposta: C. Zona de desenvolvimento proximal refere- -se ao processo de aprendizagem do aluno. 5. Resposta: A. A aprendizagem de habilidades envolvendo cálculo favorece principalmente o desen- volvimento do pensamento lógico. 120/183 Unidade 6 A disortografia e suas possibilidades de intervenção Objetivos • Caracterizar a disortografia. • Apresentar as principais causas da disortografia. • Destacar a importância do contato com a leitura e a escrita para superar os problemas de escrita. • Apontar alguns caminhos para promover o desenvolvimento da escrita. Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil121/183 Introdução Cada vez mais é crescente o número de pes- soas com dificuldades na escrita, sendo um dos principais obstáculos em relação a um efetivo desempenho escolar. Para tanto, é importante compreender as várias causas desse tipo de problema, bem como realizar uma análise cuidadosa das condições es- colares e familiares no que se refere ao es- tímulo à leitura e à escrita. Entretanto, em alguns momentos essa dificuldade com a escrita é associada a uma doença, um pro- blema, utilizando-se do diagnóstico da di- sortografica para justificar tal dificuldade (FERNANDEZ, et al, 2010; TULESKI; CHAVES; BARROS, 2012). 1. A disortografia e sua caracte- rização A disortogrofia é compreendida como mais um tipo de transtorno de aprendizagem es- pecífico que afeta, em especial, o desenvol- vimento da escrita, sobretudo no que se re- fere a erros ortográficos e gramaticais (FER- NANDEZ et al, 2010). Segundo definição apresentada pelo DSM- 5 (APA, 2014), a disortografia enquadra-se no transtorno específico da aprendizagem, em que há um prejuízo na expressão escri- ta, no que se refere à precisão na ortografia, gramática, pontuação e clareza na organi- zação da escrita. A disortografia afeta somente a escrita, sendo que a leitura é desenvolvida normal- Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil122/183 mente. Nos casos em que a dificuldade de escrita associa-se à dificuldade e a erros na leitura, enquadra-se no diagnóstico da dis- lexia. Os casos de disortografia são bastan- te raros, visto que a maior parte das crianças que possui dificuldades na escrita também têm dificuldades com a leitura (FERNANDEZ et al, 2010). Segundo Fernandez et al (2010), os sintomas característicos da disortografia são comuns e fazem parte do processo da aprendizagem da escrita, mas devem ser superados ao lon- go do processo de escolarização, o que nem sempre acontece por vários motivos. Entretanto, assim como os demais proble- mas específicos de aprendizagem, a disor- tografia só pode ser considerada como hi- pótese diagnóstica nas situações em que mesmo com o processo de ensino conside- rado “adequado” o aluno não consegue su- perar seus erros e dificuldades (FERNANDEZ et al, 2010). E aí cabem questões como:o que seria um ensino adequado? Aquele em que o professor ensina e o aluno apropria- -se por completo do que lhe foi dito? Será que uma mesma forma de ensino serve para qualquer aluno? Via de regra, o que parece sustentar a con- cepção de ensino-aprendizagem presente nos chamados problemas e distúrbios de aprendizagem é a ideia de que se ensina ao aluno e este deve aprender, caso contrário pode ser um sinal de algum problema, do- ença ou transtorno. Que bom seria se nos apropriássemos de uma única vez tudo aquilo que nos foi dito, ensinado ou apre- Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil123/183 sentado, não é mesmo? Entretanto, o pro- cesso de aprendizagem é muito mais com- plexo. Na relação ensino-aprendizagem, há um aluno que fará a mediação deste processo, constituído por afetos, emoções e diferen- tes formas de pensamento, que com sua his- tória e bagagem de conhecimento atribuirá seus próprios sentidos e significados ao que lhe é ensinado. Portanto, o que determina o ensino não é exatamente o que é ensinado, mas sim os sentidos e significados que o su- jeito atribui a este processo. Também, nos- sas funções psicológicas são extremamente seletivas e apreendem informações especí- ficas sobre o que está sendo dito, observado e sentido (VYGOTSKY, 2006). No que se refere ao desenvolvimento da es- crita, a qual é afetada nos casos de disorto- grafia, trata-se de uma habilidade extrema- mente complexa, que exige a apropriação de muitas regras, conceitos e abstrações do pensamento. Este tema será aprofundado a seguir: 2. O desenvolvimento da escrita e possibilidades de intervenção A escrita, entendida como construção hu- mana, surgiu pela necessidade do homem em comunicar fatos e acontecimentos que não são possíveis de serem transmitidos apenas pela fala oral. É pela escrita que te- mos acesso ao que aconteceu no passado, no presente e inclusive a algumas especula- ções e hipóteses para o futuro. Entretanto, a Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil124/183 escrita não se restringe somente a sua fun- ção social no que se refere à comunicação, ela também promove o desenvolvimento, uma vez que amplia e constitui muitas das nossas funções psicológicas como, o pen- samento, a memória, a imaginação, entre outras (TULESKI; CHAVES; BARROS, 2012). É pela escrita que nos apropriámos do co- nhecimento historicamente produzido, bem como produzimos novos conhecimentos, constituindo assim as mais diversas formas de pensamento. A memória, pelo auxílio da escrita, consegue armazenar informações, ou seja, a escrita é utilizada como recurso mnemônico. A imaginação, em que no pro- cesso de escrita articula muitas situações e eventos, cria outras formas de viver e com- preender a realidade. Portanto, a escrita possui duas grandes funções: comunica- ção social e o desenvolvimento das funções psicológicas (TULESKI; CHAVES; BARROS, 2012; LURIA, 1988). Conforme abordado brevemente no texto referente ao tema da dislexia, a habilidade de escrita é desenvolvida bem antes do mo- mento em que a criança começa a escrever propriamente dito. Neste sentido, segundo Luria (1988), a criança ao ingressar na esco- la já tem desenvolvido habilidades e destre- zas que favorecem o aprendizado da escrita. Em um primeiro momento, a escrita é re- produção, em que a criança reproduz mo- vimentos e rabiscos com a intencionalidade de imitar o processo da escrita, sem atribuir nenhum significado. Em um estágio mais desenvolvido, a criança já passa a significar Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil125/183 seus rabiscos, utilizando-os para expres- sar algo ou como recurso mnemônico. Lu- ria (1988) chamou este momento de escri- ta pictográfica, em que a criança começa a aprender a se relacionar com o mundo por meio de signos, que são representações que visam expressar determinado pensamento, ideia ou situação. Neste momento, ainda não tem desenvolvido a escrita alfabética, que é aquela desenvolvida no processo de escolarização. Para demonstrar a escrita pictográfica, Lu- ria (1988) realizou diversos experimentos, a fim de identificar e demonstrar a gênese do processo de escrita. Para isto, realizou sessões, com crianças de quatro a seis anos de idade, em que falava algumas palavras ou frases e a criança tinha que memorizar para depois relatar o que havia sido dito. As crianças foram instruídas a utilizar registros escritos que as ajudassem a memorizar as palavras e frases. Estes riscos e desenhos tornaram-se cada vez mais complexos con- forme a idade da criança e a frequência dos exercícios realizados. Para saber mais Alexander Luria, que viveu entre 1902-1977, foi um famoso psicólogo soviético que trabalhou junto com Vygotsky, sendo um dos criadores da Teoria Histórico-Cultural. O próximo nível de escrita é a alfabética, em que a criança em idade escolar passa a aprender a escrever suas primeiras palavras Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil126/183 e frases. Entretanto, isto não é um processo que acontece de um dia para o outro, tra- ta-se de um processo longo, complexo, em que haverá muitos momentos de avanços e retrocessos. Sobre isto, Luria (1988, p. 180) afirma que “a escrita não se desenvolve, de forma alguma, em uma linha reta, com um crescimento e um aperfeiçoamento contí- nuo. Isto significa que a criança ou inclusive o adulto, mesmo tendo o domínio da escri- ta, poderá utilizar a escrita pictográfica ou a imitação da escrita de algumas palavras sem saber seu significado. Você já teve a experiência de estar em outro país que não possuía fluência na língua? Se não, imagine você nessa situação, precisando obter in- formações sobre determinada localidade. Na impossibilidade de comunicação oral, você provavelmente recorrerá à escrita, uti- lizando de desenhos ou algum texto que co- piou de algum lugar. Para saber mais Além da escrita alfabética, que se pauta pela uti- lização de letras, também há a escrita tátil, como é o caso do Braille, desenvolvida para as pessoas com deficiência visual. Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil127/183 Até mesmo no processo da escrita alfabética da língua a qual possui domínio, muitos er- ros ortográficos ocorrerão, visto a comple- xidade da constituição das nossas palavras. Muitas vezes, será comum a troca de letras que possuem uma fonética muito parecida entre si e erros gramaticais ocorrerão. Estas dificuldades serão superadas com a imer- são da cultura escrita, seja pela prática da escrita, reescrita rotineira (que ocorre pela mediação de um adulto mais experiente pela correção) e também da leitura. Quanto mais contato o aluno tiver com a produção escrita e a leitura, menores serão seus er- ros ortográficos (SCOZ, 1994; TOPCZEWSKI, 2000). Portanto, é muito importante pensar em práticas que favoreçam o contato com a escrita e leitura em atividades, por exemplo: • Investir na leitura de livros com temas de interesse do aluno. • Promover atividades diferenciadas de contação de histórias. • Estimular a escrita de várias maneiras, como a utilização de um diário. • Permitir que o aluno escreva sobre te- Para saber mais A escrita pictográfica teve um papel muito impor- tante na história da escrita, sendo origem de to- das as formas de escrita, ainda bastante utilizada por pessoas que não possuem o seu domínio, na sinalização de trânsito e em locais públicos. Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil128/183 mas que sejam de seu interesse. • Pedir para que o aluno leia em voz alta o que escreveu, oferecendo um espaço de reflexão e diálogo sobre o conteúdo escrito. • Nos casos em que ainda não há o domínio da escrita alfabética, estimular a expressão pelo desenho e outras formas de registro. Link Atualmente há vários livros e contos clássicos em domínio público que podem ser acessados e uti- lizados em suas intervenções, por exemplo, os textos de Machado de Assis. Disponível em: <http:// machado.mec.gov.br/>. Acesso em:19 maio 2017. Para aprofundar seus conhecimentos nas intervenções pedagógicas para o desenvolvimento da escrita, consulte o artigo, disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/fractal/v24n1/v24n1a03. pdf>. Acesso em: 19 maio 2017. http://machado.mec.gov.br/ http://machado.mec.gov.br/ http://www.scielo.br/pdf/fractal/v24n1/v24n1a03.pdf http://www.scielo.br/pdf/fractal/v24n1/v24n1a03.pdf Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil129/183 Assim, a partir dessas considerações sobre o desenvolvimento da escrita, é possível afirmar que sua aquisição não ocorre apenas a partir do treino repetitivo e da reprodução das palavras, ou até mesmo de um amadurecimento cognitivo do sujeito, mas envolve o domínio de uma habilidade cultural extremamente complexa, que exige uma imersão processual do aluno no mundo letrado e o aprendizado de que a escrita permite muitas formas de expressão, sendo um caminho bas- tante frutífero para a constituição do aluno como protagonista de sua história. Link Convido você a aprofundar seu conhecimento em relação ao papel da leitura e da escrita na cons- tituição do aluno, você pode consultar o artigo, disponível em: <https://www.researchgate. net/profile/Vera_Souza3/publication/262556165_Once_upon_a_time_there_was_a_si- xth_grade_class_Studying_teenagers’s_imagination_in_school_context/links/56eff- 1d708ae01ae3e70e7ad.pdf>. Acesso em: 18 maio 2017. https://www.researchgate.net/profile/Vera_Souza3/publication/262556165_Once_upon_a_time_there_was_a_sixth_grade_class_Studying_teenagers’s_imagination_in_school_context/links/56eff1d708ae01ae3e70e7ad.pdf https://www.researchgate.net/profile/Vera_Souza3/publication/262556165_Once_upon_a_time_there_was_a_sixth_grade_class_Studying_teenagers’s_imagination_in_school_context/links/56eff1d708ae01ae3e70e7ad.pdf https://www.researchgate.net/profile/Vera_Souza3/publication/262556165_Once_upon_a_time_there_was_a_sixth_grade_class_Studying_teenagers’s_imagination_in_school_context/links/56eff1d708ae01ae3e70e7ad.pdf https://www.researchgate.net/profile/Vera_Souza3/publication/262556165_Once_upon_a_time_there_was_a_sixth_grade_class_Studying_teenagers’s_imagination_in_school_context/links/56eff1d708ae01ae3e70e7ad.pdf Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil130/183 Glossário Mnemônico: recurso de auxílio à memória. Signo: recurso utilizado para ocupar o lugar do objetivo, sendo a palavra um dos mais impor- tantes tipos de signo. Gênese: relaciona a origem de determinado fenômeno. Questão reflexão ? para 131/183 No final do texto, citamos algumas ações que podem ser realizadas para intensificar o contato do aluno com o processo de escrita e leitura. E você, quais outras ati- vidades proporia? 132/183 Considerações Finais • A disortografia trata-se de um problema associado à dificuldade na escrita. • Nos casos de disortografia não há nenhum comprometimento na capacidade de leitura. • Quando a dificuldade de escrita é associada também a uma dificuldade de leitura, enquadra- -se no diagnóstico da dislexia. • Necessidade de pensar em práticas que favoreçam um maior contato com a leitura e a escrita. Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil133/183 Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de trans- tornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. FERNANDEZ, A. Y.; et al. Avaliação e intervenção da disortografia baseada na semiologia dos er- ros: revisão da literatura. Rev. CEFAC, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 499-504, 2010. GOTIJO, C. M. M.; LEITE, S. A. S. A escrita como recurso mnemônico na fase inicial de alfabetiza- ção escolar: uma análise histórico-cultural. Educação & Sociedade, 78, 2002. LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita. In: VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Lin- guagem, desenvolvimento e aprendizagem. 9. ed. São Paulo: Ícone, p. 143-190, 1988. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMG). CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10a rev. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997. vol.1. SCOZ, B. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. Petrópo- lis, RJ: Vozes, 1994. TOPCZEWSKI, A. Aprendizado e suas dificuldades: como lidar? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. Unidade 6 • Proibição do Trabalho Infantil134/183 TULESKI, S. C.;et al.. Aquisição da linguagem escrita e intervenções pedagógicas: uma aborda- gem histórico-cultural. Fractal: revista de psicologia, v. 24, n. 1, p. 27-44, 2012. VYGOTSKY, L. S. Desarrollo de las funciones psíquica superiores en la edad de transición. In: Obras escogidas IV - Psicologia Infantil. 2. ed. Madrid: Visor y A. Machado Livros, p. 117-203, 2006. Referências 135/183 1. A disortografia é um problema que afeta: Questão 1 a) A escrita. b) A leitura. c) A escrita e a leitura. d) O desenvolvimento motor. e) As funções psicológicas. 136/183 2. Em relação ao desenvolvimento da escrita, quais seriam suas principais funções? Questão 2 a) O desenvolvimento psicológico e afetivo. b) A Comunicação social e desenvolvimento interpessoal. c) A comunicação social e o desenvolvimento das funções psicológicas. d) O desenvolvimento socioafetivo e comunicação. e) O desenvolvimento das funções psicológicas superiores. 137/183 3. Em relação ao processo de apropriação da escrita, é possível afirmar que seu início ocorre: Questão 3 a) No processo escolar. b) Aproximadamente com sete anos de idade. c) Quando criança aprende as letras. d) Começa bem antes da escrita alfabética. e) Antes do desenvolvimento da fala oral. 138/183 4. Quais são os principais recursos de escrita da criança antes da escrita alfabética: Questão 4 a) Rabiscos e desenhos. b) Palavras. c) Gestos. d) Fala. e) Expressões corporais. 139/183 5. Para promover o desenvolvimento da escrita, é importante investir em práticas que: Questão 5 a) Focalizem o desenvolvimento motor. b) Focalizem a repetição das palavras. c) Focalizem a cópia das palavras. d) Favoreçam a leitura e a escrita. e) Favoreçam o amadurecimento neurológico. 140/183 Gabarito 1. Resposta: A. A disortografia é um problema que afeta especificamente a escrita. 2. Resposta: C. A escrita tem como principal função favo- recer a comunicação social e o desenvolvi- mento das funções psicológicas superiores, como o pensamento, a memória etc. 3. Resposta: D. No processo de desenvolvimento da escrita, seu início é anterior ao aprendizado da es- crita alfabética propriamente dito, uma vez que a criança se utiliza de outros recursos de comunicação escrita. 4. Resposta: A. Os principais recursos utilizados pela crian- ça antes da escrita alfabética são os rabis- cos e o desenho. 5. Resposta: D. Para favorecer o desenvolvimento da escri- ta, é importante o contato com as diversas formas de leitura e escrita. 141/183 Unidade 7 A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção Objetivos • Discorrer sobre o papel da psicomotricidade. • Analisar a dimensão motora nos processos de aprendizagem. • Discutir o papel da psicomotricidade frente aos problemas e distúrbios da aprendizagem. • Refletir sobre o papel do corpo no atual contexto educacional. Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção142/183 Introdução Até o momento, discutimos sobre os trans- tornos e distúrbios da aprendizagem em que há um comprometimento em relação ao processo de aprendizagem, associado, na maioria dos casos, a doenças genéti- cas, transtornos globais do desenvolvimen- to etc. Também discorremos sobre os pro- blemas específicos de aprendizagem, nos quais não há um comprometimento cog- nitivo, mas sim uma dificuldade específica na apropriação de determinada forma de conhecimento. Independentemente do tipo de problema e distúrbio da aprendizagem, hoje todas as pessoas com algum tipo de dificuldade possuem o direto de frequen- tar o ensino regular, favorecendo-se com o processo de aprendizagem. Neste sentido, tão mais importantedo que a realização do diagnóstico, é pensar em práticas que favoreçam o aprendizado do sujeito inde- pendentemente de sua condição física, so- cial ou cognitiva. A partir deste momento, abordaremos alguns aspectos importantes que vêm ganhando destaque no proces- so de superação dos problemas escolares e oferecendo caminhos para o processo de inclusão escolar, como a questão da psico- motricidade. 2. A psicomotricidade no con- texto escolar A psicomotricidade é uma área do conheci- mento que vem ocupando crescente espaço no contexto escolar. Segundo a Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP, 2017): Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção143/183 No desenvolvimento da psicomotricidade como área de conhecimento, muitas teorias e concepções a influenciaram, em especial aquelas que se debruçaram na tarefa de compreender o papel do corpo no desen- volvimento do psiquismo. A discussão sobre o papel do corpo partiu em especial pelo questionamento dos pos- tulados de René Descartes, autor da famosa frase “penso, logo existo”. Segundo Descar- tes (1979), a única forma de acessar o co- nhecimento seria pela razão, apresentando uma concepção que cinde corpo e mente. Psicomotricidade é a ciência que tem como objeto de estudo o homem atra- vés do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e exter- no. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e or- gânicas. É sustentada por três conheci- mentos básicos: o movimento, o inte- lecto e o afeto. Link Conheça a Associação Brasileira de Psicomotri- cidade acessando seu site no link, disponível em: <http://psicomotricidade.com.br/>. Acesso em: 29 maio 2017. Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção144/183 Alguns autores contemporâneos a Descar- tes, como Espinosa (2009), questionam a cisão apresentada entre corpo e mente, jus- tificando que no processo de apreensão de determinado conhecimento, não é apenas a dimensão do pensamento que é deman- dada, mas sim o sujeito por inteiro, formado por aspectos cognitivos, afetivos e motores. Henri Wallon é um dos autores que inspirou os postulados da psicomotricidade. Para este autor, organismo e meio não se sepa- ram, o que significa que o homem é pro- duto e produtor de seu contexto. A pessoa é compreendida a partir de uma perspecti- va monista, pela integração dos conjuntos funcionais – motor, afetivo e cognitivo. Tais conjuntos precisam ser compreendidos de um modo imbricado, sendo que a afetação de um deles interfere nos demais. Apesar da inseparabilidade dos conjuntos funcio- Para saber mais René Descartes viveu entre 1596 a 1650 e foi um grande filósofo e matemático francês. Para saber mais Espinosa viveu entre 1632 a 1677, nasceu em Amsterdã e é considerado um dos maiores nomes da Filosofia Moderna. Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção145/183 nais, para Wallon há um predomínio de de- terminado conjunto funcional nas fases de desenvolvimento (MAHONEY; ALMEIDA, 2005). O conjunto motor envolve o movimento do corpo no tempo e no espaço, movimentos voluntários, reações posturais e expres- sões faciais diante de diferentes situações. É pelo corpo que a criança conhece o mun- do, explora os objetos, aprende as relações de causa-efeito, entre outros aspectos. O corpo, neste sentido, seria a primeira via de aprendizagem da criança, presente muito antes do desenvolvimento da fala (MAHO- NEY; ALMEIDA, 2005). O conjunto cognitivo é responsável pela apreensão e transformação de informações e conhecimentos, permitindo lembrar e ela- borar o passado, focalizar-se no presente e projetar-se para o futuro (MAHONEY; AL- MEIDA, 2005). O conjunto afetivo envolve as emoções, os Para saber mais Henri Wallon viveu entre 1879 a 1962, foi filósofo, médico, psicólogo e político francês. Link Caso queira conhecer mais a teoria de Henri Wallon, você pode acessar o seguinte artigo, dis- ponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ psie/n20/v20a02.pdf>. Acesso em: 29 maio 2017. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n20/v20a02.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n20/v20a02.pdf Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção146/183 prevalência do motor e afetivo. • Sensório-motor e projetivo (1-3 anos): prevalência da cognição. • Personalismo (3-6 anos): prevalência do afetivo. • Categorial (6-11 anos): prevalência da cognição. • Puberdade e adolescência (11 anos em diante): prevalência do afetivo. • Adulto: equilíbrio entre os conjuntos funcionais. Além de Wallon, outros teóricos também foram importantes para o desenvolvimento da psicomotricidade, como as ideias de Le Boulch. A partir de seus estudos a psicomo- tricidade passou a ser aplicada no contexto sentimentos e as paixões. As emoções se- riam a expressão corporal da afetividade, por exemplo, o choro. Os sentimentos cor- respondem à elaboração da emoção, não envolvendo uma manifestação direta como a emoção. A paixão seria o controle da emo- ção pelo intelecto (MAHONEY; ALMEIDA, 2005). A pessoa seria a integração destes conjun- tos funcionais. Em cada pessoa os conjun- tos funcionais são estruturados de uma de- terminada forma, bem como a prevalência de determinado conjunto funcional, o que constituirá a individualização das pessoas (MAHONEY; ALMEIDA, 2005). Os estágios propostos por Wallon são: • Impulsivo-emocional (0-1 anos): Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção147/183 educacional, principalmente como funda- mento da educação física, como forma de trabalhar a dimensão do corpo na relação com a aprendizagem, especialmente de alunos que possuíam alguma dificuldade ou distúrbio de aprendizagem. Segundo Le Boulch (1992), o processo edu- cativo que envolve a dimensão do corpo fa- vorece o desenvolvimento de conhecimen- tos e habilidades importantes como: • Desenvolvimento do esquema cor- poral: reconhecimento do próprio corpo, bem como sua capacidade e atuar sobre ele. • Lateralidade: identifica não somente a preferência manual, mas a organiza- ção do conceito de esquerda e direita, determinando o uso de maior força, agilidade e precisão pelo membro de- terminado. • Coordenação oculomanual: tem como finalidade o domínio do campo visual, associado à motricidade fina das mãos – elementos básicos para o grafismo. • Estruturação espaçotemporal: loca- lizar os objetos em relação a si mes- ma e depois entre eles. Compreensão e noção de tempo – “antes”, “depois”, “agora”, “lento”, “rápido” etc. • Conceitos espaciais: direita, esquer- da, atrás, na frente, entre, perto, lon- ge, maior, menor etc. Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção148/183 • Motricidade fina das mãos e dos de- dos: gesto requerido para a escrita. Além destas habilidades, há também o inte- resse dos alunos pelas atividades envolven- do a dimensão do corpo, não sendo possível ficar “indiferente” ao processo de aprendi- zagem. Portanto, a psicomotricidade deve estar presente nas práticas escolares de muitas formas, não se restringindo às aulas de educação física. Deste modo, outras dis- ciplinas e práticas que envolvam a dimen- são do corpo podem estar presentes em ati- vidade como: jogos ou dinâmicas; estudos observacionais e de exploração; e utilização de expressões artísticas (teatro, dança, por exemplo). Portanto, muitas são as possibilidades de intervenção para o trabalho com a psicomo- tricidade e que também inserem uma nova dimensão para trabalhar com os problemas e distúrbios de aprendizagem envolvendo o coletivo. Geralmente, os trabalhos com difi- culdades e distúrbios da aprendizagem são realizados individualmente, em consultório ou na própria escola em atividade de refor- ço escolar, dificultando o processo de in- clusão destes alunos. Com as atividades de psicomotricidade, além dos alunos apende- rem muitosconceitos, também aprendem a lidar com o outro, com suas próprias limita- ções e potencialidades. Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção149/183 Entretanto, ainda é necessário superar al- gumas barreiras, desmistificando concep- ções sobre a dimensão do corpo na educa- ção, tema este que será abordado a seguir. 2. Os desafios da psicomotrici- dade no contexto escolar De que modo as práticas escolares têm se caracterizado? Qual a dimensão mais va- lorizada no processo de ensino-aprendiza- gem? No processo de ensino o aluno é con- siderado em suas multideterminações? Es- tas são questões que visam problematizar o modo como os processos de ensino vêm sendo caracterizados no contexto escolar. Comumente o foco do processo de ensino- -aprendizagem está na busca pelo desen- volvimento cognitivo, racional do sujeito. Há a concepção de que a escola (principal- mente a partir da idade escolar) não é lugar para a expressão das emoções e que o cor- po precisa estar sobre “controle”, deixando apenas o cognitivo em foco. Expressões do tipo: ”não pode chorar”, “não pode correr”, “precisa ficar quieto para aprender” são re- correntes nas práticas pedagógicas, trans- Link Convido você a aprofundar seus conhecimentos sobre a coletividade na escola, você pode con- sultar o seguinte artigo, disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/pp/v21n2/v21n2a13>. Acesso em: 29 maio 2017. http://www.scielo.br/pdf/pp/v21n2/v21n2a13 http://www.scielo.br/pdf/pp/v21n2/v21n2a13 Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção150/183 parecendo a ideia de que as emoções e o motor precisam ser colocados em suspen- se para o aprendizado ocorrer. Na maioria das vezes, o afetivo e a dimensão do corpo são concebidos como algo que atrapalha o processo de aprendizagem e que, portanto, precisam ser contidos. Neste sentido, a psicomotricidade vem questionar em especial a exclusão do cor- po nos processos de ensino-aprendizagem, destacando a necessidade de compreender o aluno como um todo (PEREIRA; CALSA, 2014). Entretanto, ao discorrer sobre a importân- cia de considerar a dimensão do corpo, você pode questionar-se: e no caso daqueles alunos que possuem alguma limitação ou dificuldade motora, como poderão se bene- ficiar do processo de aprendizagem? Os estudos com a psicomotricidade come- çam pelo estudo da pessoa com deficiência física e na literatura científica muitas pro- duções podem ser acessadas. Apesar dos estudos demonstrarem que considerar a dimensão do corpo traz inúmeras possibi- lidades para o processo de aprendizagem, nos casos em que há alguma limitação fí- sica grave o desenvolvimento cognitivo nem sempre é afetado. Um exemplo disto é a história de Stephen Willian Hawking, que possui uma doença degenerativa gra- ve a qual limita seu aspecto motor, mas que se tornou um dos grandes físicos de nossa história. Sua história de vida retrata que a limitação motora não é um impedimen- to para o funcionamento da cognição e na Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção151/183 maioria dos casos quando há uma limitação muito séria em determinado conjunto fun- cional (neste caso no aspecto motor) os de- mais conjuntos funcionais se estruturam de modo a equilibrar o psiquismo. No caso de Stephen Hawking, a cognição e as emoções ganharam destaque e o constituiram com os dos maiores gênios da história. Link Conheça mais a história de Stephen Hawking, acessando sua biografia no link a seguir. Dispo- nível em: <https://www.ebiografia.com/ste- phen_hawking/>. Acesso em: 30 maio 2017. e distúrbios da aprendizagem dentro de muitas possibilidades (TOPCZEWSKI, 2000; SCOZ, 1994). Portanto, a psicomotricidade é apenas uma das estratégias para lidar com os problemas https://www.ebiografia.com/stephen_hawking/ https://www.ebiografia.com/stephen_hawking/ Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção152/183 Glossário Coletivo: refere-se à interdependência entre os seres humanos. Desmistificar: desconstruir o aspecto místico ou misterioso de determinado conhecimento. Doença degenerativa: doença que gradualmente compromete o funcionamento de uma célu- la, tecido ou órgão. Questão reflexão ? para 153/183 Quais seriam as atividades que você proporia em uma atividade envolve o grupo, utilizando seus conhecimen- tos sobre psicomotricidade? 154/183 Considerações Finais • A psicomotricidade é uma forma de trabalho que favorece tanto os alunos com pro- blemas ou distúrbios de aprendizagem quanto os sem nenhuma dificuldade em seu processo de escolarização. • Necessidade de considerar o aluno por inteiro, considerando sua dimensão cogniti- va, afetiva e corporal no processo de aprendizagem. • Necessidade de as escolas criarem mais oportunidades de expressão corporal. • Importância de ressignificar o papel do corpo nos processos de aprendizagem. • A psicomotricidade como forma de trabalho coletivo. Unidade 7 • A psicomotricidade e suas possibilidades de intervenção155/183 Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE (ABP). O que é psicomotricidade?. Disponí- vel em: <http://psicomotricidade.com.br/sobre/o-que-e-psicomotricidade/>. Acesso em: 2 Mai. 2017. DESCARTES, R. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 35. ESPINOSA, Benedictus de. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Psicologia da educação, São Paulo, 20, p. 11-30, 2005. PEREIRA, L, A., CALSA, G. C. A importância da psicomotricidade e do processo de tomada de consciência para prevenção de dificuldade de aprendizagem na educação infantil. Revista Ele- trônica de Psicologia e Epistemologia Genética, 6, 2, p. 93-114, 2014. SCOZ, B. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. Petrópo- lis, RJ: Vozes, 1994. TOPCZEWSKI, A. Aprendizado e suas dificuldades: como lidar? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. 156/183 1.A psicomotricidade significa a ciência que estuda: Questão 1 a) O organismo humano. b) O psicológico. c) O desenvolvimento neurológico. d) As relações afetivas. e) O corpo em movimento. 157/183 2. A psicomotricidade sustenta-se em três princípios básicos que consti- tuem o sujeito: Questão 2 a) Motor, intelecto e afeto. b) Emoção, razão e paixão. c) Cognição, aprendizagem e desenvolvimento. d) Movimento, emoção e corpo. e) Relações interpessoais, cognição e aprendizagem. 158/183 3. Para Wallon (MAHONEY e ALMEIDA, 2005), quais são os conjuntos fun- cionais que integram a pessoa? Questão 3 a) Intelecto, pensamento e afeto. b) Afetivo, intelecto e paixão. c) Motor, afetivo e cognição. d) Motor e afetivo. e) Intelecto e paixão 159/183 4. Qual é um dos principais desafios da psicomotricidade? Questão 4 a) Pensar em práticas que favorecem a contenção do corpo. b) Descrever o perfil psicológico de cada sujeito. c) Oferecer caminhos para superar as dificuldades escolares. d) Refletir sobre o processo de aprendizagem. e) Ressignificar a dimensão do corpo nos processos de aprendizagem. 160/183 5. A psicomotricidade faz uma crítica quanto aos processos de aprendiza- gem, com a justifica de que: Questão 5 a) A escola focaliza somente o desenvolvimento cognitivo. b) A escola não favorece a socialização. c) A escola não favorece o aprendizado escolar. d) A escola focaliza somente o afetivo. e) A escola focaliza somente o aspecto neurológico. 161/183 Gabarito 1. Resposta: E. A psicomotricidade é a ciência que estudo o corpo em movimento e sua relação com o desenvolvimento do psiquismo. 2. Resposta: A. A psicomotricidade sustenta-se em três princípios básicos: motor, intelecto e afeti- vo. 3. Resposta: C. Para Wallon (MAHONEY E ALMEIDA, 2005), os conjuntosfuncionais são formados por: motor, afetivo e cognição. 4. Resposta: E. Um dos principais desafios da psicomotri- cidade é ressignificar a dimensão do corpo nos processos de ensino-aprendizagem. 5. Resposta: A. A psicomotricidade de modo implícito faz uma crítica à forma como a escola focaliza somente no desenvolvimento cognitivo. 162/183 Unidade 8 Aprendizagem e a neurociência Objetivos • Sintetizar os conceitos sobre os processos de aprendizagem. • Destacar a importância de considerar toda a complexidade envolvida nos problemas e dis- túrbios de aprendizagem. • Necessidade de considerar o aluno por inteiro. • Apresentação das contribuições e limitações da neurociência na relação com a aprendiza- gem. Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência163/183 Introdução Muitas são as teorias que buscam discor- rer sobre os processos de aprendizagem. Na maioria das vezes elas focalizam aspec- tos diferentes que constituem os processos de ensino-aprendizagem. Isto ocorre pela complexidade e multideterminações en- volvidas no processo de aprendizagem, co- locando-se como desafio a necessidade do profissional estar em constante atualização, não somente para agregar conhecimentos, mas também para repensar suas concep- ções. 2. O processo de aprendizagem Ao longo deste curso foram abordados os processos de ensino-aprendizagem como caminho para superar ou trabalhar os casos de problemas e distúrbios de aprendizagem. Também, você pôde notar que o processo de aprendizagem é algo complexo, cheio de conflitos, dificuldades e problemas. Portan- to, a dificuldade de aprendizagem deve ser considerada como algo normal e, inclusive, esperado no processo de escolarização. No entanto, algumas crianças possuem difi- culdades mais acentuadas em seu processo de escolarização e precisam de um atendi- mento mais focado em suas necessidades. A dificuldade de aprendizagem não deve ser justificativa para a exclusão desses alunos de seu direito de frequentar a escola regular, bem como de se beneficiar deste processo. Via de regra, os professores costumam queixar-se da falta de condições para ofe- recer um atendimento mais individualiza- Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência164/183 do ao aluno que possui algum problema ou distúrbio de aprendizagem, justificando- -se pela quantidade expressiva de alunos que são responsáveis. Esta é uma realidade da maioria dos profissionais da educação, principalmente daqueles que trabalham no contexto público, onde as condições de trabalho são bastantes desmotivadoras em vários sentidos. Entretanto, é necessá- rio pensar em caminhos e possibilidades de trabalho frente à realidade crescente de alunos com problemas e distúrbios de aprendizagem. Ao longo deste curso você pôde observar a importância do atendimento especializado, realizado no âmbito individual, entretanto, também pôde constatar caminhos e estra- tégias de trabalho no coletivo, envolvendo grupos de alunos. Em atividades grupais as possibilidades são maiores, sendo possí- vel melhorar resultados e perspectivas não só do aluno com problema ou distúrbio de aprendizagem, mas de todos. Para saber mais Segundo Madalena Freire (2008), o que caracteri- za um grupo é um conjunto de pessoas que pos- suem necessidades e motivos semelhantes e se reúnem em busca de um mesmo objetivo. Você viu também a necessidade de conside- rar o aluno em toda sua complexidade, en- volvendo a dimensão afetiva, motora e cog- nitiva. No âmbito afetivo, é importante con- siderar que o processo histórico de fracasso Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência165/183 escolar vivido pelos alunos com problemas e distúrbios de aprendizagem é real e, mui- tas vezes, fonte de sofrimento. São muitos os anos dedicados ao processo de escolari- zação, anos em que esses alunos estão em contato permanente com seus rótulos, fra- cassos, insucessos e desmotivação frente ao processo de aprendizagem, desenvol- vendo em algumas situações o sentimento de aversão ou até mesmo falta de sentido em relação à escola (MAHONEY; ALMEIDA, 2005). Geralmente, o reflexo desta situação é expresso sob a forma de desinteresse, de- satenção, hiperatividade etc. Tais afetos negativos frente ao processo de escolarização precisam ser ressignifica- dos, o que envolve a necessidade de cons- truir novos afetos que sejam favoráveis ao processo escolar. Para isto, o conhecimento precisa emocionar, tocar o aluno de alguma forma para que sejam configurados senti- dos e significados em relação ao conteúdo. Desta forma, o processo de aprendizagem é Link Para aprofundar seus conhecimentos sobre a importância do afetivo no processo de apren- dizagem, você pode consultar o seguinte arti- go. disponível em: <revistaseletronicas.pucrs. br/ojs/index.php/faced/article/downlo- ad/9584/9457>. Acesso em: 30 maio 2017. http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/download/9584/9457 http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/download/9584/9457 http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/download/9584/9457 Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência166/183 muito mais complexo do que a reprodução mecânica dos conteúdos. das vezes, vivenciam de modo muito próxi- mo o histórico de fracasso escolar. No âmbito cognitivo, é importante conside- rar que os processos de aprendizagem favo- recem o desenvolvimento das funções psi- cológicas superiores. É pela aprendizagem dos conhecimentos escolares que o sujeito tem a possibilidade de acessar outras reali- dades, situações e emoções que permitirão ampliar sua consciência. Nos casos em que há um comprometimento com a dimensão cognitiva, é importante favorecer dentro da capacidade de cada pessoa seu processo de aprendizagem. Assim, mesmo que o sujeito não alcance o nível ideal, é importante ofe- recer condições para que este desenvolvi- mento seja potencializado ao máximo (VY- GOTSKY, 2007). Para saber mais Muitas vezes os aspectos afetivos são considera- dos apenas em sua dimensão positiva, por exem- plo: a alegria, felicidade, riso etc., no entanto, há também afetos negativos que limitam o desen- volvimento humano, como a indiferença, o desin- teresse etc. Também, é importante o suporte da escola oferecendo condições para que a aprendi- zagem ocorra, valorizando as potenciali- dades desses alunos e trabalhando sempre dentro de suas possibilidades de desenvol- vimento. Tal apoio deve ser estendido para as famílias destes alunos que, na maioria Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência167/183 Em relação ao aspecto motor, vimos no tema sobre a psicotricidade que o corpo não deve ser concebido como algo que atrapa- lha o processo de aprendizagem, mas que a favorece (LE BOULCH, 1992). aluno a partir de todos os elementos que o constituem, acompanhamos um movimen- to em relação aos problemas e distúrbios de aprendizagem que busca cindir o sujeito, considerando apenas seu desenvolvimento cognitivo e neurológico. A seguir aprofun- daremos esta questão. 2. A neurociência e a educação As reflexões da neurociência na interlocu- ção com a educação tiveram início com o neurologista e educador americano chama- do Henry Donaldson Herbert, no final do sé- culo XIX. Seus estudos discorreram sobre as contribuições da neurociência à educação (MARQUES, 2016). Com o crescente interesse de vários profis- Link Para aprofundar seus conhecimentos sobre a di- mensão do corpo nos processos de aprendizagem, você pode consultar o seguinte artigo, disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revis- tas-metodista/index.php/EL/article/view/144>. Acesso em: 31 maio 2017. Entretanto, apesar de muitos autores des- tacarem a necessidade de compreender o https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/EL/article/view/144 https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/EL/article/view/144 Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência168/183 sionais pela neurociência, nosúltimos 30 anos houve um avanço expressivo de tec- nologias como a neuroimagem, a qual per- mite o estudo das áreas cerebrais que fa- vorecem a explicação do sistema nervoso central. Neste processo, ocorreram várias descobertas sobre a relação entre o funcio- namento cerebral e o processo de aprendi- zagem (CAPOVILLA; VALLE, 2011; ROTTA; OHSWEILER; RIESGO, 2006). A principal contribuição da neurociência ao campo da educação é em relação ao seu conceito de plasticidade cerebral que sig- nifica que o cérebro é capaz de se adaptar às condições, dependendo dos estímulos que o meio oferece. Portanto, isto nos traz a importante informação de que os casos de problemas e distúrbios de aprendizagem não podem ser vistos de modo a determinar o desempenho escolar da pessoa por toda sua vida. Por meio de uma situação favo- rável ao desenvolvimento, o aluno poderá superar suas dificuldades ou, quando não possível, acentuar suas potencialidades (MARQUES, 2016). Sobre isto, Vygotsky (1997) vai dizer que o psiquismo diante de algum problema ou deficiência desenvolve mecanismos de compensação que fazem com que a pes- soa tenha um desenvolvimento saudável ao longo de sua vida. Desta forma, nosso cére- bro possui muitas possibilidades de desen- volvimento, desde que sejam oferecidas si- tuações sociais de desenvolvimento. Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência169/183 Na maioria dos problemas e distúrbios de aprendizagem que foram apresentados ao longo deste curso, suas definições apoia- vam-se na compreensão neurológica, as- sociados a uma disfunção cerebral. Neste sentido, a neurociência se destaca na ex- plicação sobre os problemas e distúrbios de aprendizagem (CAPOVILLA; VALLE, 2011; ROTTA; OHSWEILER; RIESGO, 2006). Entre- tanto, este cenário precisa ser repensado visto não considerar o aluno em suas multi- determinações e complexidade. Em alguns momentos deste curso, você pôde observar que é necessário não mini- mizar os problemas e distúrbios de aprendi- zagem a uma condição neurológica, indivi- dualizando o problema no aluno. Na maio- ria das vezes, os problemas e distúrbios de aprendizagem são de ordem social, relacio- nados ao modo como os processos de ensi- no-aprendizagem acontecem no ambiente escolar. Este é um dos principais problemas na educação: transformam problemas que são sociais, resultantes de toda uma com- plexidade do modo como os processos de ensino-aprendizagem acontecem no in- terior da escola, em problemas individuais (MOYSES; COLLARES, 2013). Tal fenômeno Para saber mais Situação social de desenvolvimento foi um termo descrito por Vygotsky (1997) ao relatar a ação de criar situações no contexto com a intencionalida- de de promover o desenvolvimento humano. Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência170/183 não acontece somente com os alunos, mas também com professores. Nas formações de professores é possível ver o quanto a maioria está cansada de dis- cursos que colocam o problema de toda a educação em seus ombros, justificando os problemas escolares como sendo culpa da incapacidade do professor. Refletir e ques- tionar sobre os conhecimentos que visam simplificar e individualizar os problemas de aprendizagem é importante e faz-se neces- sário. Deste modo, encerro este curso com a re- flexão de que os problemas e distúrbios de aprendizagem são reais e existem, mas que sua ação como profissional não deve res- tringir-se apenas à busca pelo diagnóstico. É necessário ir além, pensar em alternati- vas, práticas e intervenções que favoreçam a potencialização da aprendizagem de cada pessoa, independentemente de sua condi- ção física, social ou cognitiva. Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência171/183 Glossário Sentimento de aversão: sentimento de antipatia, necessidade de afastamento em relação a uma pessoa ou coisa. Ressignificação: processo de atribuição de novos significados a algum determinado aconteci- mento. Cindir: dividir em duas partes ou mais. Questão reflexão ? para 172/183 Após a realização deste curso, quais seriam as principais mudanças de concepção frente aos problemas e distúr- bios de aprendizagem? 173/183 Considerações Finais • O processo de aprendizagem envolve muitas dificuldades e conflitos em seu decorrer. • Necessidade de considerar o sujeito por inteiro no processo de aprendizagem. • Importância de considerar os problemas de aprendizagem como um fenômeno complexo as- sociados a múltiplos fatores. • A neurociência como área do conhecimento oferece explicações sobre os problemas e distúr- bios de aprendizagem. • Necessidade de considerar várias concepções teóricas sobre os problemas e distúrbios de aprendizagem. Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência174/183 Referências CAPOVILLA, F. C.; VALLE, L. E. L. R. Neuropsicologia e aprendizagem. 3. ed. Ribeirão Preto: Novo Conceito, 2011. FREIRE, M. O que é um grupo? In: FREIRE, M. Educador. São Paulo: Paz e Terra, 2008 LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Psicologia da educação, 20, p. 11-30, 2005. MARQUES, S. Neurociência e inclusão: implicações educacionais para um processo inclusivo mais eficaz. Trama Interdisciplinas, 7, 2, p. 146-163, 2016. MOYSÉS, M. A. A.; COLLARES, C. A. L. Control y medicaliación de la infancia. Desidades, n. 1, p. 11-21, 2013. ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobio- lógica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Organizadores Michael Cole Et al. Tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Unidade 8 • Aprendizagem e a neurociência175/183 ______. Obras escogidas: fundamentos da defectologia, tomo V, Madrid: Vysor Aprendizaje y Mi- nisterio de cultura y ciencia, 1997. Referências 176/183 1. O trabalho com problemas e distúrbios de aprendizagem pode ser reali- zado: a) Individualmente ou em grupo. b) Individualmente. c) Em grupo. d) Individualmente no contexto escolar. e) Em escolas e centros especializados. Questão 1 177/183 2. No âmbito, afetivo quais são os impactos dos problemas e distúrbios da aprendizagem? Questão 2 a) Sentimento de potencialização. b) Sentimento de satisfação. c) Sentimento de fracasso frente ao processo de aprendizado. d) Ressignificação do processo de aprendizagem. e) Problemas associados ao aspecto motor. 178/183 3. No âmbito cognitivo, quais são os impactos dos problemas e distúrbios de aprendizagem? Questão 3 a) Desmotivação. b) Desinteresse e hiperatividade. c) Falta de concentração. d) Limitação do desenvolvimento neurológico e) Limitação do desenvolvimento das funções psicológicas superiores. 179/183 4. Qual o papel da neurociência nos processos de aprendizagem? Questão 4 a) Discutir o desenvolvimento cerebral. b) Discutir as conexões neurais. c) Relacionar o aspecto motor e a cognição. d) Discutir a relação entre o funcionamento cerebral e o processo de aprendizagem. e) A neurociência não discorre sobre os processos de aprendizagem. 180/183 5. Qual é um dos principais problemas da neurociência?. Questão 5 a) Individualização dos problemas de aprendizagem. b) Concepção contextualizada dos problemas de aprendizagem. c) Discordância em relação aos processos de aprendizagem. d) Compreensão monista do sujeito. e) A neurociência não possui nenhum problema. 181/183 Gabarito 1. Resposta: A. Trabalho com problemas e distúrbios de aprendizagem pode ser realizado tanto individualmente quanto em grupo. 2. Resposta: C. Em relação aos problemas e distúrbios de aprendizagem, muitas vezes o sujeito vivencia o senti- mento de fracasso frente a seu processo de escolarização. 3. Resposta: E. Os problemase distúrbios de aprendizagem podem limitar o desenvolvimento das funções psi- cológicas superiores. 182/183 4. Resposta: D. A neurociência no campo da educação tem como objetivo analisar o funcionamento cerebral no processo de aprendizagem. 5. Resposta: A. Um dos principais problemas da neurociência no campo da educação é a individualização dos problemas e distúrbios de aprendizagem. Gabarito