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Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS HISTÓRIA E ENSINO DE ARTE NO BRASIL Autora: Fabiane Behling Luckow 700.9 L941h Luckow, Fabiane Behling História e ensino de arte no Brasil / Fabiane Behling Luckow. Indaial : Uniasselvi, 2011. 128 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-478-2 1. Artes – Ensino e história I. Centro Universitário Leonardo da Vinci CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Tatiana dos Santos Silveira Revisão Gramatical: Profa. Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci Copyright © Editora Grupo UNIASSELVI 2011 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Possui graduação em Artes Visuais – Habilitação em Gravura (2006), graduação em Música – Habilitação em Canto (2008), ambos concluídos na Universidade Federal de Pelotas (RS) e mestrado em Música – Área de concentração em Etnomusicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2011). Durante a graduação, foi bolsista PIBIC, tendo colaborado em diversos projetos sobre a história e memória da música de Pelotas. Participou de diversos congressos e seminários na área de pesquisa em música, tendo diversos artigos publicados em anais. Atuou durante 6 anos como regente de coro na cidade de Pelotas e, atualmente, trabalha como professora de canto, ministrando aulas particulares. Sua linha de pesquisa atual relaciona-se a estudos de gênero em música, tendo defendido recentemente a dissertação “Chanteuses e Cabarés: A performance musical como mediadora dos discursos de gênero na Porto Alegre do início do século XX”, sob orientação da profa. Dra. Maria Elizabeth Lucas. Fabiane Behling Luckow Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................ 7 CAPÍTULO 1 Expressões e Conceitos Básicos dos Períodos Artísticos em Relação ao seu Contexto Sociohistórico ...... 9 CAPÍTULO 2 Percursos Históricos do Ensino de Arte no Brasil ............. 41 CAPÍTULO 3 A Semana de Arte Moderna ...................................................... 65 CAPÍTULO 4 As Organizações de Ensino e as Academias de Belas Artes ......................................................... 91 CAPÍTULO 5 A Escola Nova e o Movimento "Escolinhas de Arte do Brasil" ......................................................................111 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Nesta disciplina abordaremos a História e o Ensino de Arte no Brasil, inter- relacionando os movimentos artísticos com as iniciativas de criação e reforma das instituições de ensino de arte no país. No capítulo 1, “Expressões e conceitos básicos dos períodos artísticos em relação ao seu contexto sociohistórico”, situaremos histórica e socialmente os períodos artísticos brasileiros em relação ao contexto político e o cenário artístico mundial, de forma a compreender como estes dialogaram com o desenvolvimento do ensino da Arte. Além disso, buscaremos relacionar os períodos artísticos com o contexto histórico brasileiro, abordando desde a arte indígena produzida antes do descobrimento pelos portugueses, passando pelo período Barroco, no tempo do Brasil colônia, chegando ao século XIX, quando a corte portuguesa e a Missão Artística Francesa mudam o panorama artístico do país. No capítulo 2, “Percursos históricos do ensino de arte no Brasil”, buscaremos expor os percursos históricos do ensino de Arte no Brasil, da chegada da Missão Artística e a fundação da Academia Imperial de Belas-Artes até o início do século XX. No capítulo 3, “A Semana de Arte Moderna”, apresentaremos a Semana de Arte Moderna, abordando seus antecedentes, seus principais personagens e seus desdobramentos posteriores, examinando a tentativa de ruptura proposta pela Arte Moderna e sua repercussão no cenário brasileiro. No capítulo 4, “As organizações de ensino e as academias de Belas Artes”, relataremos o desenvolvimento das instituições e organizações de ensino de Artes no Brasil, principalmente as propostas de reformas a partir das mudanças políticas ocorridas no país, na virada do século. Exploraremos, ainda, as manifestações artísticas brasileiras, através da obra dos artistas formados nas instituições de ensino de arte, relacionando-as com o ensino da Arte no país. Finalmente, no capítulo 5, “A Escola Nova e o movimento Escolinhas de Arte do Brasil”, apresentaremos as principais ideias que nortearam o ensino de Arte no Brasil, especialmente na primeira metade do século XX, buscando compreender como essas ideias se relacionam com as práticas atuais do ensino de Arte. CAPÍTULO 1 Expressões e Conceitos Básicos dos Períodos Artísticos em Relação ao seu Contexto Sociohistórico A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Situar histórica e socialmente os períodos artísticos brasileiros em relação ao contexto político e o cenário artístico mundial e compreender como dialogaram com o desenvolvimento do ensino da Arte. Relacionar os períodos artísticos com o contexto histórico brasileiro. 10 História e ensino de arte no brasil 11 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Contextualização Começaremos esse caderno de estudos revisitando nossa história, olhando-a a partir da perspectiva da arte. Que arte era produzida no Brasil antes da chegada dos descobridores portugueses? Veremos que os indígenas que habitavam toda a extensão do continente americano produziam seus objetos funcionais com um cuidado estético. A seguir, observaremos o impacto que a chegada dos descobridores teve sobre as civilizações indígenas e a arte que surgiu a partir da colonização do Brasil, chamada de Barroco brasileiro. Esse estilo consagrou-se como associado à religião católica, sendo utilizado principalmente na construção e ornamentação de igrejas. Perceberemos que o desenvolvimento do Barroco esteve diretamente relacionado ao avanço econômico de diferentes regiões do país, onde o estilo acabou fl orescendo de forma mais pronunciada. A chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1806, interrompeu esse processo, pois trouxe consigo um estilo de vida europeu, principalmente no que diz respeito à arte. Encerraremos o capítulo com a Missão Artística Francesa e o Neoclassicismo que resultou dessa infl uência. O Que os DescoBridores Encontraram: a Arte Indígena O território americano começou a ser colonizado há aproximadamente 15 mil anos, quando ainda era possível andar do continente asiático para o americano, na altura do Estreito de Behring, através de uma faixa de terra de mais de mil quilômetros. No auge do último período glacial, o mar encontrava-se 100 metros abaixo do nível atual, favorecendo essa imensa caminhada. A partir de então, esses habitantes começaram a espalhar-se por todo o território do continente, pois há cerca de 9 mil anos, o continente todo já se encontrava habitado por populações nômades, que foram se diversifi cando, cultivando cultura própria, à medida que se adaptavam às características ambientais. (NEVES; DIAS, 2003). 12 História e ensino de arte no brasil Figura 1 - Chegada do homem na América Fonte: Disponível em <http://www.infoescola.com/historia/chegada- do-homem-a-america/>. Acesso em: 3 ago. 2011. Quando pensamos na história antiga de nosso país, rapidamente nos remetemos à época de seu descobrimento, no ano de 1500. Entretanto, antes das caravelasde Pedro Álvares Cabral chegarem, a América já era amplamente habitada por diversas civilizações, em diferentes níveis tecnológicos, com diferentes línguas e formas de sociedade. Segundo Proença (1994), cerca de 5 milhões de indígenas habitavam o território brasileiro na época do descobrimento. Para compreendermos esse período “pré-colombiano” ou “pré-cabralino” (termos que denominam o período anterior à chegada das expedições de Cristóvão Colombo, em 1492, e de Cabral, em 1500), vamos pensar no continente como um todo e não apenas no território brasileiro, que foi delimitado somente muitos anos depois. Como comentamos anteriormente, no período compreendido entre 15 e 9 mil anos atrás, esses habitantes espalharam-se por todo a América, ocupando desde o Alasca até a Patagônia. Estes povos eram nômades, ou seja, não se fi xavam em um lugar específi co, mudando-se sempre que necessário. Como viviam da caça e da coleta, buscavam lugares onde as condições de sobrevivência fossem as mais adequadas. À medida que foram encontrando locais propícios, foram se adaptando às características do ambiente e desenvolvendo- se culturalmente, de forma diversifi cada. Os povos que ocuparam o litoral, por exemplo, tinham sua economia voltada para a pesca e apara a coleta de moluscos marinhos. Com as carapaças (as “embalagens”) desses moluscos eram erigidos os sambaquis. Os povos que ocuparam o litoral, por exemplo, tinham sua economia voltada para a pesca e apara a coleta de moluscos marinhos. Com as carapaças (as “embalagens”) desses moluscos eram erigidos os sambaquis. 13 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Os sambaquis eram depósitos de conchas, uma espécie de “aterro sanitário”. Alguns encontrados no Brasil chegam a 30 metros. Esses mesmos amontoados de conchas também eram utilizados como local de sepultamento dos mortos. Junto aos sambaquis foram encontradas esculturas de pedra polida, representando animais ou fi guras humanas, que faziam parte do ritual de sepultamento. À medida que os povos indígenas começaram a domesticar o cultivo de plantas, há cerca de 6 mil anos, praticando a agricultura, já não era mais necessário vagar de um lugar a outro. Esse fato resultou em diversas mudanças em seus modos de vida. A população cresceu, conduzindo a mudanças signifi cativas nos modos de vida, “dando origem a formas de organização social hierárquicas, sustentadas pela produção intensiva de alimentos e caracterizadas por assentamentos sedentários e pela especialização artesanal.” (NEVES; DIAS, 2003, p. 48). Com a necessidade de armazenar sua produção agrícola, surgiu a cerâmica. A principal demanda dos objetos criados pelos povos indígenas era a funcionalidade. A estética estava a serviço da forma. Vasos e potes de cerâmica deveriam armazenar grãos, urnas funerárias eram adornadas para conterem restos mortais, estatuetas garantiriam a fertilidade das mulheres ou uma boa colheita, entre outros. O conceito de arte ocidental não pode ser aplicado ao que chamamos de arte indígena. Proença (1994, p. 191) destaca que “a arte indígena é mais representativa das tradições da comunidade em que está inserida do que do indivíduo que a faz.” A fi gura do artista/artesão não fazia parte da cultura indígena. A identidade era do grupo, não do indivíduo. Por isso, encontramos estilos variados de uma civilização para outra, mas não entre os objetos de um mesmo grupo. Dentre as diversas culturas que deixaram vestígios, a literatura destaca três: • Marajoara (400 d.C – 1300 d.C); • Guarita (900 d.C – 1500 d.C); • Santarém (1000 d.C – 1500 d.C). Com a necessidade de armazenar sua produção agrícola, surgiu a cerâmica. 14 História e ensino de arte no brasil a) Cultura Marajoara A cultura marajoara, cujo nome relaciona-se à ilha de Marajó, no Pará, local onde se desenvolveu, tem como sua produção mais signifi cativa a cerâmica de modelagem antropomórfi ca (representação humana esquematizada), em uma linguagem geometrizada. Segundo Proença (1994), as cerâmicas tinham duas funções primordiais: Tabela 1 – Funções das cerâmicas Vasos de uso doméstico Simples e sem decoração Vasos de uso cerimonial ou funerário Com decoração elaborada, utilizando pinturas com duas ou mais cores, com desenhos feitos em relevo na argila. Fonte: A autora. Ainda hoje, vasos, pratos e potes são produzidos por artesãos locais no Pará como autêntico produto de sua cultura. A cultura marajoara entrou em declínio por volta do ano de 1350, sendo provavelmente absorvida por outros povos e culturas que chegaram à região. Os motivos decorativos da cultura marajoara aproximam-se daqueles que eram utilizados pelos povos da Colômbia, que também se caracterizavam pela geometrização de seus desenhos. Figura 2 – Cerâmica marajoara Fonte: Disponível em <http://danielbrandaoblogspotcom.blogspot.com/2011/04/ arte-marajoara-ceramica-marajoara-para.html>. Acesso em: 3 ago. 2011. A cultura marajoara, cujo nome relaciona- se à ilha de Marajó, no Pará, local onde se desenvolveu, tem como sua produção mais signifi cativa a cerâmica de modelagem antropomórfi ca (representação humana esquematizada), em uma linguagem geometrizada. 15 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 b) Cultura Guarita As cerâmicas da cultura Guarita eram decoradas com pintura policrômica, empregando as cores vermelha, preta e branca. Motivos antropomorfos (representações humanas) e zoomorfos (representações de animais) decoravam suas urnas funerárias. Os sítios Guarita localizam-se na região da Amazônia central. c) Cultura Santarém Figura 3 - Vasilhame de cerâmica das civilizações de Santarém, Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém. Fonte: Disponível em <http://sasarte.arteblog. com.br/2/>. Acesso em: 3 ago. 2011. A cultura Santarém desenvolveu-se na região próxima à junção entre os rios Tapajós e Amazonas. Também se caracterizou pela produção de peças em argila, como vasos, pratos, estatuetas entre outros. Suas peças apresentavam uma decoração mais complexa do que as da cultura marajoara. Utilizavam, além da pintura e dos desenhos, ornamentos em relevo de fi guras humanas ou de animais. Outra importante característica de sua cerâmica era o uso de cariátides na decoração de seus vasos e pratos. As cariátides eram estatuetas de fi guras humanas que apoiavam, que seguravam o vaso em seus ombros. A cultura Santarém importante característica de sua cerâmica era o uso de cariátides na decoração de seus vasos e pratos. As cerâmicas da cultura Guarita eram decoradas com pintura policrômica, empregando as cores vermelha, preta e branca. Motivos antropomorfos (representações humanas) e zoomorfos (representações de animais) decoravam suas urnas funerárias. 16 História e ensino de arte no brasil Segundo Proença (1994, p.192), suas peças, sejam elas estatuetas ou vasos, diferenciavam-se daquelas da cultura marajoara, pois apresentavam “maior realismo, [...] reproduzem mais fi elmente os seres humanos ou animais que representavam.” Figura 4 – Muiraquitã Fonte: Neves e Dias (2003, p. 55). Utilizavam representações zoomórfi cas, antropomórfi cas e antropo- zoomórfi cas (combinação da fi gura humana com a de algum animal). Entre as estatuetas, destacam-se os muiraquitãs. Muiraquitãs - pequenas rãs de pedra polida que eram usadas como amuletos. A cultura Santarém perdurou até a chegada dos colonizadores portugueses, no século XIV. Notamos que grande parte da produção dos povos indígenas é constituída de peças em cerâmica e que tinham uma função bem defi nida. Dessa forma, compreendemos que para estes a arte decorativa não tinha um signifi cado autônomo. O objeto de decoração, como hoje possuímos em nossos lares,não fazia parte de seu dia a dia. Podemos dizer que sua arte era funcional. Observamos, ainda, que quanto mais desenvolvido o povo, mais vestígios deixou para os arqueólogos. Povos nômades não poderiam ter muita bagagem, pois precisavam locomover-se constantemente. 17 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Devemos, ainda, compreender que temos apenas um vislumbre do que foram esses povos, a partir dos poucos vestígios que sobreviveram ao tempo e à colonização europeia. Segundo Neves e Dias (2003, p. 47), A partir do século XVI, as fontes orais, escritas e materiais da história americana pré-cristã foram esquecidas em função do extermínio físico das populações nativas, da submissão das culturas remanescentes à visão de mundo dos novos senhores da terra e da pilhagem de suas edifi cações e objetos. Somente mais tarde, no século XIX, com a redescoberta dos grandes centros urbanos Maia da América Central, surgiu um interesse científi co pelas culturas pré-colombianas, sendo esse absorvido também pelas artes. A Europa começou a interessar-se pelo exótico, seja nos estudos naturalistas, seja nas artes visuais, seja na música. Os grupos indígenas que estão espalhados pelo Brasil ainda confeccionam diversos objetos e expressões culturais, como máscaras, pinturas corporais, cerâmica, cestarias, além da arte plumária (rapidamente lembramo-nos dos coloridos cocares). Vamos entender melhor a cronologia? Tabela 2 – Cronologia dos grupos indígenas Início da colonização da América 15.000 anos atrás (Auge do Período Glacial) Todo continente americano ocupado por tribos nômades e igualitárias 9.000 anos atrás Começam a serem erigidos os sambaquis no Brasil Domesticação das plantas 6.000 anos atrás Aumento populacional Alguns povos passam a ser sedentários (fixam-se em uma região) 4.000 anos atrás Cultura marajoara 400 d.C – 1300 d.C Cultura guarita (rio Negro e Solimões) 900 d.C – 1500 d.C Cultura Santarém 1000 d.C – 1500 d.C Fonte: Baseado em Neves e Dias (2003). 18 História e ensino de arte no brasil O Barroco Brasileiro: Diálogo entre Culturas Em abril de 1500, a frota de Pedro Álvares Cabral chegou à costa brasileira, no litoral sul da Bahia. Entretanto, a colonização do novo território não começou imediatamente. A postura do governo português em relação ao novo território era de exploração e extração de suas riquezas naturais, principalmente do pau-brasil, árvore que deu nome ao nosso país. Havia, ao longo do litoral, entrepostos para estocagem e comércio de escravos e de produtos tropicais, mas ainda construídos de forma improvisada. Durante a fase pau-brasil (1500-1530), o território recém descoberto foi atacado por diversas outras expedições exploratórias de holandeses, ingleses e franceses. Essa situação de instabilidade precipitou a colonização do Brasil para garantir a sua posse. A partir do ano de 1530, começam os primeiros esforços da coroa portuguesa para colonizar o Brasil. Foi realizada uma expedição, comandada pelo português Martin Afonso de Souza, com o objetivo não apenas de povoar, mas de expulsar invasores que a todo o momento chegavam ao território, além de iniciar o cultivo da cana de açúcar. O período que compreendeu os séculos XVI e XVII, portanto, fi cou conhecido como a fase do açúcar. Além do cultivo, também foram erguidos engenhos para transformar a cana em açúcar, que seria vendido no mercado europeu. Essas fazendas e engenhos concentravam-se no litoral nordeste do país, região próxima à cidade de Salvador (BA), tida, então, como uma espécie de capital da colônia. Foi ainda na fase do açúcar que começou o tráfi co de escravos africanos para o Brasil, para trabalhar no cultivo da cana e nos engenhos. ABRINDO UM (PARÊNTESIS) O artista holandês Frans Post chegou ao Brasil na comitiva trazida por Maurício de Nassau, que governou Pernambuco de 1637 a 1644, entre outros artistas e cientistas europeus que vieram ao continente americano no período, pintou diversas telas, representando a paisagem do novo mundo, bem como seus hábitos e costumes. Podemos perceber, em suas pinturas, que representou A fase pau-brasil (1500-1530), o território recém descoberto foi atacado por diversas outras expedições exploratórias de holandeses, ingleses e franceses. O período que compreendeu os séculos XVI e XVII, portanto, fi cou conhecido como a fase do açúcar. Além do cultivo, também foram erguidos engenhos para transformar a cana em açúcar, que seria vendido no mercado europeu. 19 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 um Brasil menos exuberante, com uma luminosidade holandesa, bastante diversa do ensolarado Nordeste brasileiro. Figura 5 - Engenho de Açúcar, Frans Post (1661) Fonte: Neves (2003, p. 55). É preciso reconhecer que as pinturas do período constituíram fato isolado na evolução artística brasileira, dado que nada infl uíram em seu desenvolvimento posterior e nem tinham raízes em nossa cultura. (LOPEZ, 2000, p. 4). Durante estes dois séculos, XVI e XVII, praticamente não houve produção artística na Colônia, ao menos por parte dos colonizadores. Segundo Lemos e Leite (1979, p. 28), “seu aparecimento está diretamente ligado à estabilidade da colonização, ocorrendo nos pontos materialmente mais evoluídos do território.” Dessa forma, os primeiros monumentos artísticos foram feitos na Bahia, em Pernambuco, São Vicente, Paraíba, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Também contribuiu para o desenvolvimento artístico da Colônia a chegada das ordens religiosas jesuíta (1549), beneditina (1581) e franciscana (1584). As primeiras estátuas e pinturas tinham, portanto, caráter sacro. Eram imagens de santos, afrescos e altares, peças empregadas no serviço religioso. As primeiras edifi cações construídas no Brasil, entrepostos e feitorias, “caracterizavam-se não só pela rusticidade, mas também, e sobretudo, pela adequação de suas construções às técnicas indígenas.” (LEMOS; LEITE, 1979, p. 29). Ou seja, construíam-se os prédios com o mesmo desenho, com o mesmo jeito que eram feitas as casas na Europa, com plantas compactas e retangulares, 20 História e ensino de arte no brasil mas com materiais nativos. A estrutura era feita de paus roliços e sua cobertura, inclinada, com sapé ou folhas de coqueiro. Podemos notar que houve “diálogo” entre as técnicas que os indígenas utilizavam em suas construções e a concepção arquitetônica dos colonizadores. Conforme a colonização se expandia, passaram a construir com a técnica da taipa de pilão. Segundo Proença (1994), essa técnica se popularizou e, ainda hoje, diversas dessas construções existem. A parede de taipa era feita de barro comprimido dentro de uma espécie de forma de madeira. Figura 6 – Taipa de pilão Disponível em:< http://www.arq.ufsc.br/arq5661/trabalhos_2003-1/ ecovilas/taipa_pilao.htm>. Acesso em: 13 out. 2011. O território começou, então, a ser explorado e os bandeirantes descobriram que havia ouro no interior do Brasil, mais precisamente na região de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Iniciou-se o ciclo do ouro (século XVIII). O desenvolvimento das regiões auríferas fez com que a capital da colônia fosse transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, também cidade litorânea, para que fosse administrada mais de perto (ver Figura 7). A grande riqueza produzida, bem como a afl uência de pessoas de todas as partes da colônia para trabalhar nas minas resultou no rápido desenvolvimento urbano de diversas cidades mineiras, como Vila Rica (atual Ouro Preto), Mariana e Diamantina. 21 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Figura 7 – Mapa da Estrada Real Fonte: Disponível em:< http://www.viajeeviagem.com.br/pacote- de-viagem-para-estrada-real/>, Acesso em: 13 out. 2011. É a partirda metade do século XVII, no Nordeste, que o Barroco brasileiro começou a tomar forma. Nesse período, surgem as primeiras igrejas barrocas, construídas nas cidades mais ricas da região. Apesar de também serem construídos diversos edifícios civis com suas características, o estilo está diretamente associado ao catolicismo e, em consequência disso, foi nas igrejas que apresentou todo seu esplendor. Proença (1994) aponta duas linhas que caracterizam o estilo: aquele praticado nas regiões enriquecidas pelo açúcar e pela mineração (Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco), com suas igrejas revestidas de ouro e exuberantes esculturas em madeira, e outro mais modesto, em lugares onde a economia era menos pujante. A parede de taipa era feita de barro comprimido dentro de uma espécie de forma de madeira. 22 História e ensino de arte no brasil a) O Barroco na Bahia Um bom exemplo do “Barroco rico” é a igreja de São Francisco de Assis, em Salvador (BA). Lembremo-nos que esta cidade era o centro econômico e a capital do país. Seu interior é revestido por talha dourada, “ornamentos esculpidos por entalhe duma superfície de madeira, mármore, marfi m ou pedra.” (PROENÇA, 1994, p. 208). Eram entalhados motivos fl orais, anjos, linhas espirais, entre outros motivos, que depois eram recobertos com uma fi na película de ouro. Podemos conferir o resultado na imagem abaixo: Figura 8 - Interior da Igreja de São Francisco de Assis, Salvador, BA Fonte: Disponível em: <http://irmandadebjp.blogspot.com/2010/06/igreja- de-sao-francisco-de-assis-recebe_17.html>. Acesso em: 4 ago. 2011. Figura 9 - Igreja de São Francisco de Assis, Salvador, BA (fachada) Fonte: Disponível em: <http://bahiapreciosa.blogspot.com/2010/06/ pelourinho-igreja-de-sao-francisco-de.html>. Acesso em: 4 ago. 2011. 23 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Veja como Proença (1994, p. 197) descreve a igreja: A igreja de São Francisco, cuja construção teve início em 1708, impressiona pela sua rica decoração interior. O intenso dourado que recobre as colunas, os ornamentos dos altares e as paredes é complementado pelos painéis que decoram o teto da nave central. O espaço interno se divide em três naves: uma central e duas laterais. As naves laterais são mais baixas que a nave central e nelas se encontram os altares menores, que são guarnecidos por grande número de trabalhos com motivos fl orais e arabescos dourados, anjos e atlantes. Na fachada, o frontão de linhas curvas é o elemento barroco mais caracterizador da parte externa da igreja. b) O Barroco em Recife e João Pessoa Também no Recife (PE) e João Pessoa (PB), o desenvolvimento econômico refl etiu nas edifi cações, principalmente nas igrejas barrocas que lá foram construídas, como a igreja de São Pedro dos Clérigos, cujo projeto de Manuel Ferreira Jácome foi iniciado em 1728 e concluído somente em 1782, e o convento franciscano de Santo Antônio, fi nalizado em 1730, respectivamente. Ambas possuem forros pintados na técnica do trompe-l’oeil [engana olho], que através do uso da perspectiva cria a impressão de profundidade. Essa técnica foi amplamente usada nas igrejas barrocas da Europa. c) O Barroco no Rio de Janeiro O desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro teve relação direta com o início da extração do ouro em Minas Gerais. Por ser uma cidade portuária, tornou-se o centro do intercâmbio comercial entre a região mineradora e Portugal. (PROENÇA, 1994). Em 1763, passa a ser a capital do país. Durante o século XVIII, a cidade passa por um processo de urbanização, ganhando diversos melhoramentos, como é o caso do Aqueduto da Carioca, também conhecido como “Arcos da Lapa” (Figura 10). No Recife (PE) e João Pessoa (PB), o desenvolvimento econômico refl etiu nas edifi cações, principalmente nas igrejas barrocas que lá foram construídas, como a igreja de São Pedro dos Clérigos, cujo projeto de Manuel Ferreira Jácome foi iniciado em 1728 e concluído somente em 1782, e o convento franciscano de Santo Antônio, fi nalizado em 1730. 24 História e ensino de arte no brasil Figura 10 – Arcos da Lapa Fonte: Disponível em: <http://historiadorio.com.br/ pontos/arcosdalapa>. Acesso em: 13 out. 2011. Figura 11 - Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro Rio de Janeiro, (RJ) Fonte: Disponível em: <http://www.arquiteturahistorica.com. br/HistoriadaArquitetura.htm>. Acesso em: 4 ago. 2011. Nesse período, diversas igrejas barrocas são construídas na nova capital. A Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, bastante diferente do modelo das igrejas barrocas, por sua nave poligonal e por não ser ornamentada com talha dourada, e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Paula, cuja construção foi concluída em 1773. A Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, bastante diferente do modelo das igrejas barrocas, por sua nave poligonal e por não ser ornamentada com talha dourada, e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Paula, cuja construção foi concluída em 1773. 25 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Entre os escultores que trabalharam no Barroco carioca, Proença (1994) destaca a fi gura de Mestre Valentim (1745-1813), comparando sua importância com a de Aleijadinho. Valentim, apesar de mulato, possuía sua própria ofi cina (uma das maiores do Rio de Janeiro) e tinha ido estudar sua arte em Portugal. Executou obras para praças e jardins públicos, mas sua principal produção foi para as igrejas da cidade. Figura 12 - São João Evangelista (ca. 1801 – 1812), Mestre Valentim Fonte: Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/ index.cfm?fuseaction=artistas_biografi a&cd_verbete=902>. Acesso em: 13 out. 2011. Para saber mais sobre a vida e a obra de Mestre Valentim, leia; CARVALHO, Anna Maria Fausto Monteiro de. Mestre Valentim. São Paulo: Cosac Naify, 1999. d) O Barroco Paulista São Paulo não experimentou a mesma opulência barroca das cidades anteriores. Sem grande expressão até o século XVIII, as igrejas e prédios religiosos construídos até então eram bastante modestos. Talvez por isso, poucas construções da época tenham resistido em pé frente ao seu crescimento. Entre 26 História e ensino de arte no brasil estas edifi cações, destacam-se a Igreja e Convento da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, “conjunto que ainda testemunha o aspecto sóbrio e modesto do Barroco paulista.” (PROENÇA, 1994, p. 202). O conjunto começou a ser construído no fi nal do século XVIII e foi concluído em 1828. Já a Igreja de Nossa Senhora da Luz cuja construção foi iniciada em 1600, ganhou o aspecto atual apenas em 1774. Em suas dependências, localiza-se, desde 1970, o museu de arte sacra de São Paulo. Sobre as esculturas realizadas na região nesse período, Proença (1994, p. 203) observa que: Na realidade, as imagens representativas do Barroco paulista são muito simples. Em virtude da pobreza da cidade, nenhum grande artista dirigia-se para essa região. Por isso, as imagens são rústicas, primitivas. Geralmente feitas em barro cozido, trazem a marca do artista popular: a simplicidade e a ingenuidade. O fraco desenvolvimento do Barroco em São Paulo, portanto, está diretamente relacionado com sua estagnação econômica. Entretanto, muitos paulistas migraram para Minas Gerais, para trabalhar nas minas de ouro, como bandeirantes, fundando diversas vilas na região. No site Youtube, você pode assistir a um vídeo sobre a Igreja e Convento da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência. Digite “Igreja São Francisco Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo” ou (http://www.youtube.com/watch?v=IrznzDhTAnk) e conheça um pouco mais de sua história. Perceberá como essa construção difere da suntuosidade das igrejas mineirase nordestinas. e) O Barroco Mineiro Já em Minas Gerais, a prosperidade advinda da extração do ouro atraiu uma população crescente, o que incluía todo tipo de artífi ce e artista. As igrejas da região, a princípio, foram feitas com taipa de pilão (barro compactado), entretanto, aos poucos, a técnica foi substituída pela construção de pedra. O terreno era duro e pedregoso, não oferecendo matéria-prima para execução da taipa. As igrejas construídas com taipa confi guraram-se pelo seu formato retangular. A técnica não permitia a execução de paredes sinuosas, características do São Paulo destacam- se a Igreja e Convento da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, “conjunto que ainda testemunha o aspecto sóbrio e modesto do Barroco paulista.” 27 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 estilo Barroco. A Igreja de Nossa Senhora do Pilas, de Ouro Preto, foi construída em taipa, mas o português Francisco Antônio Pombal criou paredes internas de madeira, conforme mostra a planta abaixo, para dar-lhe um formato poligonal, no qual diversos artistas trabalharam, criando “um dos interiores mais ricos do Brasil.” (PROENÇA, 1994, p. 205). Tornou-se, assim, mais adequada a ornamentação barroca. Figura 13 - Planta da Igreja de Nossa Senhora do Pilar (Ouro Preto, MG) Fonte: Proença (1994, p. 205) Não podemos falar em Barroco mineiro sem citar seu expoente máximo: Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (ca. 1730-1814). Era fi lho de um mestre de obras com uma escrava. Provavelmente tenha sido na ofi cina do pai que começou sua formação artística e profi ssional. Recebeu esse apelido por conta de uma enfermidade, a respeito da qual os historiadores e estudiosos ainda especulam. A igreja de São Francisco de Assis, de Ouro Preto, é considerada uma de suas obras mais perfeitas (PROENÇA, 1994). Da porta ao altar, cujas esculturas foram executadas em pedra-sabão, seu trabalho revela características próprias. Pedra-sabão – é uma pedra macia, fácil de ser trabalhada e polida, de cor esverdeada. Por essas características, foi muito utilizada para realizar as esculturas barrocas. Também é usada na fabricação de utensílios domésticos, como panelas, por exemplo. Em Minas Gerais, a prosperidade advinda da extração do ouro atraiu uma população crescente, o que incluía todo tipo de artífi ce e artista. As igrejas da região, a princípio, foram feitas com taipa de pilão (barro compactado), entretanto, aos poucos, a técnica foi substituída pela construção de pedra. 28 História e ensino de arte no brasil Sobre sua obra, Proença (1994, p. 206) observa que: Não é mais um interior excessivamente revestido de talha dourada, mas um ambiente mais leve, em que paredes brancas fazem fundo para esculturas repletas de linhas curvas, motivos fl orais, anjos e santos. Quer saber mais sobre Aleijadinho? Recomendamos o livro LEMOS, Maria Alzira Brum. Aleijadinho: homem barroco, artista brasileiro. Rio de Janeiro: Garamond/Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Atividade de Estudos: 1) O que difere o Barroco de Aleijadinho do Barroco nordestino? Pesquise sobre este importante artista de nossa história da arte. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Não é mais um interior excessivamente revestido de talha dourada, mas um ambiente mais leve, em que paredes brancas fazem fundo para esculturas repletas de linhas curvas, motivos fl orais, anjos e santos. 29 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Figura 14 - Igreja de São Francisco (Ouro Preto, MG) Fonte: Disponível em: <http://www.ouropreto.com.br/noticias/ detalhe.php?idnoticia=1901>. Acesso em: 5 ago. 2011. Essa igreja contou, ainda, com o trabalho do pintor Manuel da Costa Ataíde (ca. 1786-1830), que além de painéis e telas, pintou também o teto do templo. Além do uso primoroso da perspectiva, Ataíde, assim como Aleijadinho, também trouxe novas características ao Barroco mineiro. A Maria (Figura 15) que aparece em sua pintura, na igreja de São Francisco, de Ouro Preto (Figura 14), recebendo os fi éis na glória, é uma mulher morena, de traços brasileiros. Emprega cores vivas, principalmente tons de vermelho, que conferem “à cena uma graça e vivacidade que o austero Barroco europeu não chegou a conhecer.” (PROENÇA, 1994, p. 206). Figura 15 – Detalhe da pintura do teto da Igreja de São Francisco de Assis, Manuel da Costa Ataíde Fonte: Proença (1994, p. 207). Manuel da Costa Ataíde além de painéis e telas, pintou também o teto do templo. 30 História e ensino de arte no brasil Aleijadinho também planejou e executou diversos outros projetos de igrejas em Sabará, São João del-Rei, Mariana e Congonhas. Uma de suas obras mais impressionantes é o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. Considerado o “mais importante conjunto escultórico desse artista” (PROENÇA, 1994, p. 207), o conjunto é constituído pela igreja e pelo adro a sua frente, onde se encontram doze esculturas representando doze profetas bíblicos. Figura 16 - Igreja e adro com profetas do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos (Congonhas, MG) Fonte: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=14298>. Acesso em: 5 ago. 2011. Na ladeira, em frente à igreja, existem seis capelas chamadas de Os Passos da Paixão de Cristo, que narram a via sacra de Cristo até a cruz, com esculturas em madeira, em tamanho real. É interessante notarmos que, apesar de grande parte do ouro ter sido levada para a Europa e hoje revista diversas igrejas do Velho Mundo, fi cou no país ainda quantidade sufi ciente para adornar as belas igrejas barrocas brasileiras. A internet nos possibilita visitar lugares no mundo todo através da tela do computador. Utilizando o Google Imagens, você pode visualizar o interior e as fachadas dos prédios aqui citados. Afi nal, “uma imagem pode falar mais que mil palavras”. 31 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Caro(a) acadêmico(a), o desenvolvimento econômico das cidades coloniais está relacionado com o tipo de construções e de arte que nelas surgiram? Explique. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A Missão Francesa e o Neoclassicismo A chegada da Corte Portuguesa, em 1808, inaugurou um novo tempo na Colônia. Fugindo das agitações e guerras na Europa e, principalmente, da invasão dos exércitos napoleônicos, uma comitiva de cerca de 15.000 pessoas desembarcou na Bahia, transferindo-se, em seguida, para o Rio de Janeiro (PROENÇA, 1994) que, na época, contava uma população de cerca de 50.000 habitantes. A cidade, que ainda não possuía infraestrutura “civilizada”,ganhou então uma nova dinâmica social. Além de revogar o decreto que proibia a existência de fábricas no Brasil, Dom João VI criou também o Banco do Brasil. A seguir, foram organizadas diversas instituições de ensino superior, nas quais vieram a participar professores, cientistas e artistas estrangeiros. Foi nesse impulso que a Missão Artística Francesa chegou ao país, em 1816. O Barroco era ainda o estilo em voga nas construções e ornamentos, mas com a chegada da família real, começou um processo A chegada da Corte Portuguesa, em 1808, inaugurou um novo tempo na Colônia. O Barroco era ainda o estilo em voga nas construções e ornamentos, mas com a chegada da família real, começou um processo de europeização da arte. 32 História e ensino de arte no brasil de europeização da arte, alavancada pelas diversas instituições que foram fundadas (Biblioteca Real, Museu Real, Imprensa Régia) e, sobretudo, com a chegada dos artistas da Missão e a fundação da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, no mesmo ano. Houve, portanto, uma desvalorização pelo que estava sendo produzido pelos artistas locais. Essa desvalorização acentuou-se com a chegada da Missão. A comitiva estrangeira, chefi ada por Joachin Lebreton, teria sido convidada para vir ao Brasil para prover e ensinar arte. Há outra versão: os artistas e artífi ces teriam pedido refúgio ao Brasil, fugindo dos distúrbios políticos e sociais de sua terra natal. Ambas as versões explicam a má vontade com que foram recebidos pelos artistas locais, tanto brasileiros quanto portugueses. (LEMOS; LEITE, 1979). A Missão Francesa marcou a ruptura com nossa tradição colonial e não faltaram os protestos dos artistas locais contra a vinda de artistas estrangeiros, tão bem pagos. Entretanto, de nada adiantou. A partir da Missão, passou a vigorar a regra do patronato governamental aos artistas. A arte passou a se ligar ao aprendizado acadêmico, portanto, à obediência às fórmulas do estilo neoclássico: desenho bem feito, temas nobres e grandiosos, controle das ousadias e emoções, evitar assuntos e representações vis. Expressão do predomínio de uma aristocracia escravocrata e que fazia questão de marcar distância em relação a uma população mestiça e submetida, a ideologia do Neoclassicismo implicou, desde o começo, o desprezo pela arte colonial, produto de autodidatas e mulatos. O Neoclassicismo aristocratizou e, mais, “branqueou” a arte brasileira. Foi a arte do período imperial até a geração de 1922. Além disso, expressou a fase de transplante europeu a serviço de elites locais que faziam questão de pensar que estavam na Europa. Móveis, mármores e estilos vinham de lá. Nas ricas mansões urbanas e rurais, as paredes eram cobertas de papéis decorativos, onde não faltavam desenhos de janelas com paisagens de Paris. Fonte: LOPES, Luiz Roberto. Neoclassicismo mestiço e tropical. Jornal do MARGS. Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Ado Malagoli, Porto Alegre, n 59, p.4, 2000. 33 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Atividade de Estudos: 1) A partir do texto de Lopez, transcrito acima, aponte quais foram os pontos de ruptura que o Neoclassicismo pontuou em relação ao Barroco. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A Missão Artística Francesa chegou em março de 1816, no Rio de Janeiro, e, entre artistas e artífi ces das mais variadas profi ssões (mecânicos, carpinteiros, curtidores, ferreiros, serralheiros, etc.), destacaram-se os pintores Nicolas-Antoine Taunay, Jean-Baptiste Debret e o arquiteto Auguste-Henri- Victor Grandjean de Montigny. a) Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) Figura 17 - Morro de Santo Antônio em 1816 Fonte: Proença (1994, p. 211). 34 História e ensino de arte no brasil Considerado “uma das fi guras mais importantes da Missão Francesa” (PROENÇA, 1994, p. 211), por ter sido um artista consagrado na Europa, antes ainda de chegar ao Brasil. Ficou no país até o ano de 1821, quando a morte de Lebreton, em 1819, deixou a vaga de diretor da Academia para o pintor português Henrique José da Silva, que favorecia os artistas patrícios e brasileiros em detrimento dos franceses. (LEMOS; LEITE, 1979). Seu irmão, Auguste-Marie, também participante da Missão, permaneceu no Brasil até falecer, em 1824. Foi escultor, tendo feito diversos bustos e monumentos públicos, além de trabalhar também na ornamentação de festas públicas, como aconteceu nas festas de aclamação de Dom João VI, no Rio de Janeiro. Dois de seus seis fi lhos, o mais velho e o mais novo, Félix-Émile e Adrien-Aimé, respectivamente, também exerceram profi ssões ligadas a arte no Brasil, sendo o primeiro pintor e o segundo escultor. Félix lecionou na Academia. b) Jean-Baptiste Debret (1768-1848) Figura 18 - Mulher Brasileira em Casa, Jean-Baptiste Debret Fonte: Lemos e Leite (1979, p. 452). Debret, assim como Taunay, era um artista renomado e reconhecido na Europa quando chegou ao Brasil. Premiado, recebia encomendas da corte do Imperador Napoleão. Permaneceu no país até 1831 e é um dos artistas mais conhecidos da Missão. Muitos de seus trabalhos estão reproduzidos em livros escolares, por retratarem o cotidiano brasileiro do século XIX. Debret permaneceu no país até 1831 e é um dos artistas mais conhecidos da Missão. Muitos de seus trabalhos estão reproduzidos em livros escolares, por retratarem o cotidiano brasileiro do século XIX. 35 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Figura 19 – Negra tatuada vendendo frutos de caju (1987), Jean-Baptiste Debret Fonte: Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/ melancolia_ld.htm>. Acesso em: 13 out. 2011. Considerado a “alma da Missão Francesa” (LEMOS; LEITE, 1979, p. 454), foi professor de Pintura Histórica na Academia e realizou a primeira exposição de arte no país, em 1829. (PROENÇA, 1994). Sua imensa obra inclui retratos da família real, cenários para teatro e ornamentação de festas públicas e ofi ciais no Rio de Janeiro. Seu trabalho mais conhecido é, com certeza, a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, em três volumes, pois o primeiro retrata os indígenas e seu cotidiano, o segundo a sociedade do Rio de Janeiro e o último é composto por assuntos diversos, de paisagens cariocas a retratos imperiais, além de plantas e fl orestas. Muitos artistas eram “repórteres”, documentando o modo de vida dos grupos indígenas e, também, das nascentes cidades latino- americanas. Debret pode ser considerado um cronista de sua época. 1) Você concorda com essa observação? Explique. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Debret pode ser considerado um cronista de sua época. 36 História e ensino de arte no brasil O Neoclassicismo Como já observamos anteriormente, a chegada dos artistas estrangeiros inaugurou um novo período na arte brasileira. O Barroco foi desvalorizado, associado ao povo, enquanto o novo estilo trazido da Europa, o Neoclassicismo, passou a ser associado à nobreza, à corte. Ou seja,enquanto “na França era parte da burguesia antiaristocratizante foi no Brasil arte da burguesia a serviço dos ideais da aristocracia, a serviço do sistema monárquico.” (BARBOSA, 2002, p. 20). Mas o que caracteriza o Neoclassicismo? Tabela 3 - Características Gerais Neoclassicismo Características gerais do Neoclassicismo Reação aos excessos do Barroco. Equilíbrio na composição e harmonia do colorido. Sobriedade e racionalismo. Arquitetura Segue o modelo dos templos greco-romanos e das edifi- cações do Renascimento italiano. Uso de colunas, frontões triangulares e estátuas na dec- oração das fachadas. Simetria. Pintura Inspirada na escultura grega e na pintura renascentista italiana. Pinceladas não marcadas, harmonia nas cores Fonte: Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia-do-brasil/ academia-imperial-de-belas-artes/>. Acesso em: 7 ago. 2011. O Barroco foi desvalorizado, associado ao povo, enquanto o novo estilo trazido da Europa, o Neoclassicismo, passou a ser associado à nobreza, à corte. 37 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Figura 20 - Fachada da Academia Imperial de Belas-Artes (Fotografi a: Marc Ferrez) Fonte: Baseado em Proença (1994). Podemos observar os princípios da arquitetura neoclássica nos edifícios projetados pelo arquiteto da Missão Francesa, Auguste- Henri-Victor Grandjean de Montigny. O edifício da Academia Imperial de Belas-Artes, por exemplo, apresenta as características do estilo: o frontão triangular, as estátuas, as colunas, a simetria. Essa confi guração em nada lembra os edifícios barrocos, especialmente as igrejas e conventos que vimos anteriormente. Dentre os primeiros alunos da Academia estão Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), Augusto Müller (1815-?) e Agostinho José da Mota (1821-1878). Araújo Porto Alegre, além de aluno, foi diretor da instituição, no período 1855-1858. No próximo capítulo, voltaremos a abordar o trabalho da Missão Artística Francesa, detendo nosso olhar sobre a Academia Imperial de Belas-Artes. Para aprofundar o assunto desse capítulo, você pode buscar o livro de Graça Proença, “História da Arte” (Editora Ática), que traz uma abordagem sucinta da história da arte não apenas do Brasil, mas também dos períodos e movimentos europeus. O edifício da Academia Imperial de Belas-Artes, por exemplo, apresenta as características do estilo: o frontão triangular, as estátuas, as colunas, a simetria. 38 História e ensino de arte no brasil Algumas Considerações Repassando a história de nosso país, percebemos como as manifestações artísticas de cada período não apenas refl etem o que acontecia no campo político, econômico e social, mas participavam desta construção. Antes do descobrimento, as civilizações indígenas espalhadas pelo continente americano possuíam suas culturas, diversifi cadas e adaptadas ao ambiente onde elas estavam fi xadas. Seus objetos e cerimônias serviam às necessidades físicas e espirituais e participavam de forma ativa de sua cosmologia, de sua visão do mundo. Com a chegada dos europeus, os indígenas entraram em contato com uma civilização bastante distinta da sua. Apesar do receio dos portugueses, houve diálogo entre os dois mundos. Como observamos, as construções dos portugueses no litoral, por exemplo, apesar de obedecer uma concepção europeia, foram executadas com técnicas aprendidas dos nativos. E esse “intercâmbio” foi além. Muitos portugueses tomaram esposas ou amasiaram-se com mulheres indígenas, aculturando-se ao novo mundo. A arte barroca, apesar do modelo europeu, tomou feições nativas, sendo, muitas vezes, executada por escravos e mestiços. As feições dos anjos e santos assemelham-se às de seus executores. Em diversas igrejas, são encontrados anjinhos com feições mestiças. As igrejas barrocas são um indício da riqueza natural existente em nosso país. Se o que fi cou foi uma pequena porção do ouro retirado, podemos imaginar a quantidade de metal precioso que foi encontrado em Minas Gerais. A chegada da corte, que sai da Europa, fugindo de Napoleão Bonaparte, interrompe o Barroco brasileiro. Junto à comitiva, vêm os gostos europeus e, pouco tempo depois, chega a Missão Artística Francesa, inaugurando um novo tempo. A chegada da Missão não traz apenas o Neoclassicismo, estilo em voga na Europa, mas o ensino formal das artes. Esse assunto será discutido de forma mais detida no próximo capitulo, entretanto, podemos observar que, no período colonial, o ofício artístico, seja de pintor, seja de escultor, seja de arquiteto, era aprendido de maneira informal nas ofi cinas de mestres experientes. Com a inauguração da Academia, é proposto um novo paradigma, no qual a formação artística acontece dentro de uma instituição. 39 EXPRESSÕES E CONCEITOS BÁSICOS DOS PERÍODOS ARTÍSTICOS EM RELAÇÃO AO SEU CONTEXTO SOCIOHISTÓRICOCapítulo 1 Tabela 4 – Cronologia da arte no Brasil Pré-descobrimento Arte indígena Arquitetura Barroco brasileiro Colônia (1500-1822) 1808 Corte no Brasil 1826 Missão Artística Francesa Império (1822-1889) Neoclassicismo/Academicismo Primeira República (1889-1930) Movimentos de vanguarda Modernismo Semana de 22 Fonte: Fonte: A autora. BiBliograFia BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2002. LEMOS, Carlos A. C.; LEITE, J. R. T. Os primeiros cem anos. In: ______. Arte no Brasil. v. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 27-37. LOPEZ, Luiz Roberto. Neoclassicismo mestiço e tropical. Jornal do MARGS. Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, Porto Alegre, n. 59, p. 4-5, 2000. NEVES, E. G.; DIAS, A. S. A identidade na mudança: transformação e reprodução na arte pré-colombiana das Terras Altas e Terras Baixas da América do Sul. In: AGUILAR, Nelson. (Org.). 4ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul. Porto Alegre: Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2003. p. 47-69. PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo: Editora Ática, 1994. 40 História e ensino de arte no brasil CAPÍTULO 2 Percursos Históricos do Ensino de Arte no Brasil A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: compreender os percursos históricos do ensino de Arte no Brasil, considerando a infl uência das ideias fi losófi cas, econômicas, sociais, artísticas e educacionais. Explorar o ensino da Arte no Brasil de forma sucinta e de acordo com as demais disciplinas. 42 História e ensino de arte no brasil 43 PERCURSOS HISTÓRICOS DO ENSINO DE ARTE NO BRASILCapítulo 2 Contextualização A partir do século XIX, da chegada da Corte ao Brasil, começou uma preocupação com o ensino superior no país, fazendo com que sua organização acontecesse antes mesmo dos ensinos fundamental e médio, como hoje chamamos. Esse fato teria ocorrido por acreditar-se que, a partir do ensino superior, ocorreria uma renovação e estruturação do ensino como um todo (BARBOSA, 2002, p. 15). Além disso, as instituições de ensino superior também formariam a elite que movimentaria a vida cultural da colônia, ao mesmo tempo que a defenderia de possíveis invasores (BARBOSA, 2002, p. 16). Alguns anos depois, a preocupação com a educação nacional visava a formação de uma elite que governaria a República. As primeiras instituições inauguradas no país foram, portanto, escolas militares, cursos médicos e a Academia Imperial de Belas-Artes. No fi nal do século XIX, com o advento da República, surgiram diversas escolas de direito, nas principais capitais do país. Nesse momento, a Academia passa a ser vista como um resquício do período monárquico, gerando um preconceito que pode ter precipitado uma série de mudanças em sua estrutura. As mudanças na direção e nas diretrizes dos cursos serão abordadas ao longo deste capítulo, de forma que perceberemos como a relação entre a inauguração e as reformas ocorridas na Academia Imperial de Belas-Artese as mudanças do sistema político brasileiro. A escola brasileira buscou acompanhar as mudanças sociais que ocorriam no país, como a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República. Esse processo levou cerca de duas décadas, levando os ideais educacionais do século XIX até o século XX. A Corte no Rio: a ABertura da Academia Imperial de Belas-Artes Em 1808, chegou ao Rio de Janeiro, uma comitiva de cerca de 15.000 pessoas, acompanhando a família real portuguesa. A capital passou então a ter nova movimentação, principalmente cultural. Foram inaugurados teatros, a Biblioteca e o Museu Real. Também surgiram indústrias e foi criada a Imprensa Régia, permitindo a publicação de diversos jornais. 44 História e ensino de arte no brasil Imprensa Régia – com a chegada da corte, surgiu a necessidade de divulgar os atos, normas e leis promulgadas pelo Imperador. É criada a Impressão Real. Além disso, também é permitida a publicação de jornais, o que era proibido até então. Cabe ressaltar que os primeiros jornais passavam por censura. Para saber mais sobre a Imprensa Régia, acesse o portal Educar Brasil (http://educarbrasil.org.br/Portal.Base/Web/VerConte nido.aspx?ID=206628). Com a chegada da Missão Artística Francesa, em março de 1816, as atividades culturais na capital se intensifi cam. Chefi ada por Joachin Lebreton, a comitiva era formada pelos pintores franceses Nicolas-Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret e pelo arquiteto Auguste-Henri-Victor Grandjean de Montigny, que vinham precedidos de fama e reconhecimento em sua terra natal, entre outros. A princípio, a Missão Artística tinha por objetivo fundar e fazer funcionar a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, e não uma academia de Belas Artes (BARBOSA, 2002, p. 25). Ou seja, o projeto inicial visava um ensino mais amplo, que tinha por objetivo também formar trabalhadores especializados em diferentes ofícios. A presença de artesãos como mecânicos, carpinteiros, curtidores, ferreiros, serralheiros, entre outros, confi rmam essa hipótese. Em agosto de 1820, o nome da instituição é alterado para Academia Real e Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. No mesmo ano, o nome é resumido para Academia Real de Belas- Artes. Mais tarde, com a Proclamação da República, seu nome será novamente modifi cado, passando a chamar-se Escola Nacional de Belas-Artes. Os artistas franceses, muitos deles bonapartistas, alimentaram o preconceito do povo contra a Academia. A fuga da família real de Portugal foi ocasionada pela invasão dos exércitos de Napoleão a este país. Além disso, todos tinha orientação neoclássica, enquanto a tradição popular brasileira era a do Barroco- Com a chegada da Missão Artística Francesa, em março de 1816, as atividades culturais na capital se intensifi cam. A princípio, a Missão Artística tinha por objetivo fundar e fazer funcionar a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, e não uma academia de Belas Artes. 45 PERCURSOS HISTÓRICOS DO ENSINO DE ARTE NO BRASILCapítulo 2 rococó. Nesse caso, as diferenças estilísticas eram gritantes e acabaram gerando partidos, como percebemos no quadro abaixo. Tabela 5 – O Neoclássico e o Barroco Neoclássico Frio, intelectual Associado à Corte e à aristocracia, à pequena burguesia Barroco Quente, emocional Praticada pelo povo Fonte: A autora. Os artistas do Barroco brasileiro eram vistos pelos artistas franceses como meros artesãos. Entretanto, como vimos no capítulo anterior, sua contribuição à arte brasileira foi extremamente importante e rica. Aqui chegando, a Missão Francesa já encontrou uma arte distinta dos originários modelos portugueses e obras de artistas humildes. Enfi m, uma arte de traços originais que podemos designar como barroco brasileiro. Nossos artistas, todos de origem popular, mestiços em sua maioria, eram vistos pelas camadas superiores como simples artesãos, mas não só quebraram a uniformidade do barroco de importação, jesuítico, apresentando contribuição renovadora, como realizaram uma arte que já poderíamos considerar brasileira. (BARBOSA, 2002, p. 19) A institucionalização da arte, através da abertura a Academia Imperial de Belas-Artes, fez com que esta se afastasse do povo. Além de propor um novo paradigma artístico, sua associação com a aristocracia, via Academia, fez com a arte passasse a ser considerada uma “atividade supérfl ua, um babado, um acessório da cultura” (BARBOSA, 2002, p. 20), preconceito ainda hoje presente em nossa sociedade. Os artistas do Barroco brasileiro eram vistos pelos artistas franceses como meros artesãos. 46 História e ensino de arte no brasil Figura 21 - A Liberdade guiando o povo (1830), Eugène Delacroix (http://artenahistoria.wordpress.com/2011/05/25/ romantismo/, acesso em 22 de agosto de 2011) O Neoclassicismo difundido pela Missão Artística Francesa foi assimilado pela pequena burguesia local, principalmente como forma de distinção do “povão”, que se identifi cava com o Barroco. Essa associação é bastante curiosa. Como observamos no capítulo anterior, na França, o neoclássico estava associado à burguesia que lutava contra a aristocracia, enquanto no Brasil, o estilo foi assimilado pela burguesia que apoiava o sistema monárquico (BARBOSA, 1978, p. 20). Ou seja, enquanto na França, o neoclassicismo era caracterizado por seu viés revolucionário, no Brasil serviu aos interesses da monarquia. A partir do quadro “A Liberdade guiando o povo”, do pintor francês Eugène Delacroix (1789-1863), podemos compreender essa observação. A tela é alusiva à Revolução Francesa e incorpora seus ideais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Entretanto, o artista, como “categoria institucionalizada em nossa sociedade com a vinda da Missão Francesa, não desfrutava a mesma importância social do escritor, do poeta” (BARBOSA, 2002, p. 20). A herança da educação jesuítica, com sua tradição escolástica, que, mesmo sendo a ordem expulsa do país em 1759, continuou infl uenciando a política educacional. Infl uenciados pela fi losofi a de Platão, separavam as artes liberais dos ofícios manuais. A literatura e a música, por exemplo, eram consideradas muito mais nobres que as artes plásticas, consideradas ofícios manuais. Essa herança humanística difi cultou a difusão e a afi rmação do ensino técnico, nesse primeiro momento. Restou à Arte apenas o caminho estreito e pouco reconhecido de se afi rmar como símbolo de distinção e refi namento, e O Neoclassicismo difundido pela Missão Artística Francesa foi assimilado pela pequena burguesia local, principalmente como forma de distinção do “povão”, que se identifi cava com o Barroco. Na esfera da educação, “se concentrou na exploração dos aspectos educacionais nos quais fora omissa a ação jesuítica e numa renovação metodológica que abrangia as Ciências, as Artes Manuais e a Técnica” (BARBOSA, 2002, p. 22). 47 PERCURSOS HISTÓRICOS DO ENSINO DE ARTE NO BRASILCapítulo 2 este foi na prática aberto pelo próprio Dom João VI, quando transpôs para o Brasil o hábito das cortes europeias de incluir as Artes na Educação dos príncipes. (BARBOSA, 2002, p.26) A expulsão dos jesuítas fazia parte da reforma realizada pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, durante o reinado de D. João VI. Na esfera da educação, “se concentrou na exploração dos aspectos educacionais nos quais fora omissa a ação jesuítica e numa renovação metodológica que abrangia as Ciências, as Artes Manuais e a Técnica” (BARBOSA, 2002, p. 22). Essa reforma abre espaço para o ensino do Desenho, que então passa a ser amplamente discutido. Não sabemos quais os métodos empregados no ensino do Desenho, mas é indicativo de uma nova abordagem educacional sua inclusão no currículo, como também o é a criação de uma aula régia de Desenho e fi gura em 1800. Foi nomeado para regê-la Manuel Dias de Oliveira,o Brasiliense, que introduziu o modelo vivo no ensino do Desenho no Brasil, prática que iria ser muito explorada pela metodologia da Missão Francesa. (BARBOSA, 2002, p. 23) O ensino do Desenho, portanto, antecede a chegada da Corte e da Missão Artística Francesa ao Brasil. Curiosamente, o desenho com modelo vivo seria introduzido nos Estados Unidos apenas 50 anos depois e, ainda assim, sofreu com reações negativas por conta da sociedade norte-americana. Lá, a representação do nu era realista, enquanto por aqui, idealizava-se a fi gura humana. O observado servia apenas de ponto de apoio para a representação dos padrões de beleza neoclassicistas, baseados nos padrões de beleza greco-romanos. Podemos observar essa abordagem nas telas dos alunos da Academia Imperial, nas representações dos habitantes indígenas do Brasil, sempre etéreos, idealizados. Representativo desse período é o quadro “Moema” (1866), do pintor brasileiro Victor Meirelles (1863-1903), um dos mais talentosos alunos da Academia. Voltaremos a obra deste pintor no capítulo 4. Figura 22 - “Moema”, Victor Meirelles (1866) Fonte: Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/ vm_fl orianopolis.htm>. Acesso: 29 ago. 2011. 48 História e ensino de arte no brasil Dentre os alunos egressos da instituição, outro se destaca: Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879). Porto-Alegre foi um dos primeiros alunos, tendo começado a frequentar as aulas de pintura e de arquitetura no ano de 1827. Além das diversas aptidões artísticas, foi também professor de desenho e pintura, crítico de arte, poeta romântico, escritor e teatrólogo (PROENÇA, 2004, p. 213), tendo se destacado principalmente na área da literatura e poesia. Instruído pelos franceses, continuou no esquema neoclássico, apenas abrandando seus princípios (BARBOSA, 2002, p. 29). Em 1855, foi nomeado diretor da Academia Imperial de Belas-Artes. Iniciou uma reforma na instituição, na qual buscou inserir e organizar o ensino de ofícios. Entretanto, por conta da herança da educação jesuítica e da sociedade escravocrata, o trabalho manual era ainda associado ao escravo, à classe inferior. Dessa forma, a formação do artífi ce, na Academia, surgiu como uma concessão da elite, o que resultou na excessiva simplifi cação curricular dos cursos, que formavam profi ssionais com pouca qualifi cação. Porto-Alegre permaneceu durante três anos na direção. Ainda assim , a preocupação com a criação de cursos técnicos “a criação do curso técnico é expressiva dos dilemas e paradigmas que desafi avam os homens engajados no projeto de sintonizar o Império com as chamadas nações “civilizadas” da época” (SQUEFF, 2000, p. 108). O novo cenário social e econômico que se desenhava necessitava dos trabalhadores que seriam formados na instituição. O status do trabalho manual começou a mudar apenas com a abolição da escravatura, em 1888, e com a primeira etapa da revolução industrial, quando o trabalho físico foi substituído pelo mecânico. Os cursos noturnos começaram a ser criados em 1886. Podemos compreender melhor a sucessão de eventos no esquema abaixo: O status do trabalho manual começou a mudar apenas com a abolição da escravatura, em 1888, e com a primeira etapa da revolução industrial, quando o trabalho físico foi substituído pelo mecânico. 49 PERCURSOS HISTÓRICOS DO ENSINO DE ARTE NO BRASILCapítulo 2 Para compreender melhor o período, você pode assistir o fi lme Carlota Joaquina: Princesa do Brasil, que retrata a chegada da corte portuguesa ao Brasil Atividade de Estudos: 1) Caro aluno, no esquema acima, podemos observar como as mudanças políticas e sociais refl etiram no ensino das artes no país. Comente sobre isso, interligando os aspectos acima relacionados. 1806 – Chegada da Corte no Brasil 1826 – Chegada da Missão Artística Francesa Afastamento das Artes do povo Preconceito da classe dominante em relação ao ensino de ofícios Herança jesuítica Concepção das Belas-Artes como fúteis e sem utilidade 1888 – Abolição da escravatura Início da industrialização 1889 – Proclamação da República Reforma no ensino – novas propostas Artes aplicadas elevadas a meio de redenção econômica do país e da classe obreira (BARBOSA, 2002, p. 30) O trabalho manual passa a ser considerado instrumento de progresso do país. 50 História e ensino de arte no brasil ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Artes Aplicadas: pela Formação de uma Classe TraBalhadora No fi nal do século XIX, uma série de eventos e mudanças de paradigmas contribuíram para o surgimento e desenvolvimento do ensino de ofícios, ou seja, das artes aplicadas. A abolição da escravatura e o início da fase industrial ajudaram a quebrar o estigma que o trabalho manual carregava. Era necessário formar trabalhadores capacitados, que ajudassem o Brasil a se modernizar. Embora escolas técnicas já tivessem sido fundadas no tempo de D. João VI, elas não prosperaram, por causa da herança do sistema de ensino colonial, baseado nos paradigmas humanísticos propagados pelos jesuítas, conforme já apontamos anteriormente. Além disso, “a exploração do trabalho escravo e a falta de atividades industriais, também contribuíram para a desvalorização das profi ssões e estudos ligados às atividades de tipo manual ou à técnica.” (BARBOSA, 2002, p. 26-27). O que era o ensino técnico? O termo ensino técnico popularizou-se na Europa na década de 1870 e no Brasil, a partir da década de 1880. A parte artística do ensino técnico consistia do desenho técnico ou industrial, “dentre os quais cabe citar quatro categorias principais: o desenho geométrico, o desenho mecânico, o desenho de perspectiva feito com instrumentos e o desenho de padrões e ornamentos” (CARDOSO, 2008). A abolição da escravatura e o início da fase industrial ajudaram a quebrar o estigma que o trabalho manual carregava. 51 PERCURSOS HISTÓRICOS DO ENSINO DE ARTE NO BRASILCapítulo 2 Segundo Squeff (2000, p. 111), por causa dessas condições da vida social, grande parte dos alunos que frequentavam a Academia Imperial nesse momento eram advindos de famílias pobres, com pouca instrução. O preconceito em relação as atividades manuais e a valorização dos estudos ligados às letras, especialmente a área jurídica, mostravam-se muito mais atraentes para quem tivesse condições fi nanceiras de pagar o curso de direito. Dessa forma, “a esmagadora maioria dos formandos pela AIBA tinha origem humilde: eram fi lhos de pequenos comerciantes e ex-escravos” (Durand, 1989 apud SQUEFF, 2000, p. 111). Barbosa observa que uma vez que a arte como criação, embora atividade manual, chegou a ser moderadamente aceita pela sociedade como símbolo de refi namento, quando praticada pelas classes abastadas para preencher as horas de lazer, acreditamos que, na realidade, o preconceito contra a atividade manual teve uma raiz mais profunda, isto é, o preconceito contra o trabalho, gerado pelo hábito português de viver de escravos. (BARBOSA, 2002, p. 27) Com a abolição da escravatura e o advento da indústria no país, que criou uma demanda de mão-de-obra qualifi cada, as escolas técnicas passaram a ter nova importância, assim como a atividade manual. Araújo Porto-Alegre, já mencionado acima, quando diretor da Academia Imperial de Belas-Artes, buscou “estabelecer a ligação entre a cultura de elite e a cultura de massa” (BARBOSA, 2002, p. 28), conjugandona instituição duas classes de alunos: a dos artesãos e a dos artistas. Entretanto, em 1855, os estatutos criavam, além do “aluno artista”, a fi gura do “aluno artífi ce” (CARDOSO, 2008). Não resta dúvida de que esta separação tinha por fi m manter uma distância entre as duas classes, impedindo que o artífi ce viesse a trocar a sua condição mais humilde pela situação social potencialmente superior do artista. Nesse sentido, os estatutos já previam a obrigação do aluno de declarar a sua profi ssão como requisito para o ingresso nas aulas enquanto, ao mesmo tempo, guardavam um silêncio estratégico sobre a possibilidade do aluno artífi ce frequentar outras aulas que não fossem as de ‘ensino industrial’, ou seja, esta hipótese nem era admitida. (CARDOSO, 2008) O aluno artífi ce, portanto, tinha um acesso bastante restrito à escola, podendo frequentar apenas as disciplinas que o formariam como artífi ce. A possibilidade de Com a abolição da escravatura e o advento da indústria no país, que criou uma demanda de mão- de-obra qualifi cada, as escolas técnicas passaram a ter nova importância, assim como a atividade manual. 52 História e ensino de arte no brasil vir a ser um “artista” não parecia ser mencionada. A ligação entre a elite a massa, pretendida por Porto Alegre parece ter permanecido apenas em seu discurso. Ambas as classes frequentariam as mesmas disciplinas básicas, entretanto, como comentado anteriormente, a excessiva simplifi cação do currículo técnico e a restrição do acesso às disciplina de formação do artista contribuíram para que a iniciativa não surtisse o efeito esperado. É provável que a associação da Academia com a Arte como atividade de lazer tenha afastado os possíveis alunos. À formação de artistas aptos a contribuir com imagens e monumentos para a nação que se consolidava sob o reinado de D. Pedro II – objetivo precípuo da instituição – o novo diretor acrescentaria uma tarefa suplementar, de instruir artífi ces e operários. Tratava-se de acrescentar o ensino técnico aos cursos da Academia. (SQUEFF, 2000, p. 107) A proposta de reforma de Porto Alegre “buscava adaptar a instituição aos progressos técnicos de meados do século XIX, e fazer da corte imperial, o Rio de Janeiro, uma cidade sintonizada com a ‘civilização’” (SQUEFF, 2000, p. 106). Em 1856, foi fundado o Liceu de Arte e Ofícios de Bethencourt da Silva. Essa instituição contou com maior confi ança por parte das classes menos favorecidas, o que pode ser apreendido pelo grande número de matrículas. O ensino das Artes, nesse novo paradigma industrial, passou a ser considerado como o ensino do Desenho. Como observamos anteriormente, essa concepção já era adotada desde o início do século XIX, passando pela Academia Imperial de Belas-Artes e chegando até a República. A educação passou então a ser discutida por pensadores e políticos brasileiros, na tentativa de construir um modelo educacional que trabalharia a favor do progresso e da modernização do país. Veremos a seguir, duas das mais importantes fi guras políticas desse período Rui Barbosa e Benjamin Constant. a) Rui Barbosa Rui Barbosa (1849-1923) foi “considerado um dos mais fi eis intérpretes da corrente liberal brasileira” (BARBOSA, 2002, p. 44). Valorizava o Desenho e o ensino da Arte na construção da classe trabalhadora brasileira. Em 1856, foi fundado o Liceu de Arte e Ofícios de Bethencourt da Silva. Essa instituição contou com maior confi ança por parte das classes menos favorecidas, o que pode ser apreendido pelo grande número de matrículas. Rui Barbosa foi considerado um dos mais fi eis intérpretes da corrente liberal brasileira. 53 PERCURSOS HISTÓRICOS DO ENSINO DE ARTE NO BRASILCapítulo 2 O Liberalismo exerceu grande infl uência sobre a organização da nova República. Entre seus princípios básicos, defendia a propriedade privada e a igualdade de todos os homens perante a lei. Entretanto, no Brasil, essa corrente de pensamento ajudou a perpetuar os ricos e poderosos no poder. Liberalismo no Brasil Não foi por mera casualidade que as elites brasileiras buscaram no pensamento e no modelo político liberal inspiração para organizar o Estado brasileiro. O Estado liberal, nas suas origens, condicionava a participação ativa nas instituições do Estado, por meio do voto e da elaboração das leis, à condição de propriedade ou de renda. Isto é, o Estado liberal nasceu excludente, como uma democracia de proprietários. Essa forma de pensar a organização do Estado coincidia com a visão das elites políticas aristocráticas brasileiras, as quais consideravam que as principais instituições do Estado deveriam estar sob controle dos grandes proprietários de terras e de escravos. (OLIVEIRA, 2011) Segundo Rui Barbosa, “a redenção econômica do país estaria estreitamente ligada à capacitação profi ssional de seus cidadãos” (BARBOSA, 2002, p. 43). A educação do povo incrementaria o desenvolvimento industrial, que por sua vez resultaria no enriquecimento do país. Figura 23 - Rui Barbosa Fonte: Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com. br/ba_lbras/rui.htm>. Acesso: 29 ago. 2011. 54 História e ensino de arte no brasil O crescimento da indústria mundial, especialmente nos Estados Unidos, onde era atribuído ao estudo do Desenho e à organização do ensino da Arte aplicada à indústria inspirou a política educacional dos liberais (BARBOSA, 2002, p. 39). O jornal “O Novo Mundo”, publicado em Nova York pelo brasileiro José Carlos Rodrigues, escrito em português, atualizava os intelectuais brasileiros sobre as últimas tendências. Esta publicação exerceu grande infl uência sobre as atividades do Liceu de Arte e Ofícios de Bethencourt da Silva (BARBOSA, 2002, p. 40). Um exemplo de sua infl uência foi a criação de classes de Desenho para mulheres, em 1881, como uma opção para sua profi ssionalização. Educação técnica e artesanal do povo Desenvolvimento industrial Enriquecimento econômico do país Para Rui Barbosa, “a educação artística seria uma das bases mais sólidas para a educação popular” (BARBOSA, 2002, p. 45). Essas concepções, amparadas no modelo americano, que pretendia implementar no Brasil. Almejavam tornar obrigatório o ensino do Desenho em todos os anos do secundário. Baseava-se nos textos do inglês Walter Smith, diretor de arte-educação em Massachusetts, nos Estados Unidos, e autor de vários livros sobre ensino do desenho. Rui Barbosa, em seu “Paracer sobre Ensino Secundário”, subscreveu suas ideias sobre Educação Artística, que “passaram a ser defendidas como sustentáculo do progresso, durante quase 30 anos depois de terem sido escritas” (BARBOSA, 2002, p. 53). Durante esse período, que compreende também as duas primeiras décadas do século XX, o liberal brasileiro foi considerado símbolo de sabedoria, tanto entre a classe trabalhadora quanto entre a burguesia, por suas ideias e pela sua atuação política. Para uma indústria ainda inexistente, o desenho seria a “mola propulsora”; para uma população excluída dos processos decisórios, sua contribuição para a coletividade se daria pelo trabalho e pela educação. Rui Barbosa expressa como necessidade o trabalho industrial e a educação das classes populares enquanto quesitos para o desenvolvimento da nação brasileira, economicamente e moralmente. À construção de uma nação economicamente liberal e rica estaria diretamente vinculado o pensamento educacional e, principalmente, da consolidação do ensino de desenho. Rui Barbosa pudera observar o desenvolvimento econômico e industrial destes países [Estados Unidos e países da Europa] enquanto elementos anexados ao aprendizado do desenho pelas classes trabalhadoras. (SOUZA, 2009) Portanto, para Rui Barbosa, o desenvolvimento do país como um todo dependia de um modelo educacional adequado aos novos paradigmas sociais. A exemplo dos Estados Unidos, de onde vinha o modelo por ele proposto,
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