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Microbiologia e Higiene dos Alimentos Aula 3: Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) Apresentação Nesta aula, identi�caremos a etimologia das doenças transmitidas por alimentos (DTA), que são um dos grandes problemas de saúde pública no mundo, não só pelos agravos à saúde, mas também por problemas relacionados às graves consequências econômicas para a sociedade. Abordaremos os fatores de risco das DTA devido à ingestão de alimentos contaminados por perigos químicos, físicos e biológicos, causando os agravos à saúde. Analisaremos os tipos de DTA e os agentes de infecção e intoxicação (bactérias, fungos e vírus), bem como os surtos dessas doenças, seguindo a metodologia da Vigilância das Doenças Transmitidas por Alimentos, do Ministério da Saúde. Objetivo Reconhecer a história das doenças transmitidas por alimentos; Identi�car os perigos causadores de origem alimentar e os fatores de riscos de agravos à saúde; Compreender o processo de investigação de surtos de DTA. Palavras iniciais Na aula de hoje vamos continuar estudando sobre as doenças transmitidas por alimentos (DTA). Conhecer os principais aspectos epidemiológicos, identi�car os perigos causadores de doenças de origem alimentar e compreender todo o processo de investigação dos surtos no Brasil. Fonte: Shutterstock Aspectos epidemiológicos Existem aproximadamente 250 tipos de doenças alimentares e, dentre elas, muitas são causadas por micro-organismos patogênicos, os quais são responsáveis por sérios problemas de saúde pública e expressivas perdas econômicas (OLIVEIRA et al, 2010). As síndromes, resultantes da ingestão de alimentos ou água contaminados por esses micro-organismos são conhecidas como Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA). Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) Existem vários mecanismos patogênicos envolvidos com a determinação das DTA. E de forma geral, podemos classi�cá-las em: Infecção; Intoxicação; Toxinfecção. De�nimos os tipos de DTA na aula anterior, você lembra? Nesta aula abordaremos os principais agentes causadores de cada uma. A incidência das DTA varia de acordo com vários aspectos: Educação; Condições socioeconômicas; Saneamento básico; Fatores ambientais, culturais e muitos outros. Enquanto que a contaminação dos alimentos pode ocorrer em toda a cadeia de produção alimentar, desde a produção primária até o consumo (plantio, manuseio, transporte, cozimento, acondicionamento etc.), mas podemos destacar que os alimentos de origem animal e os preparados para consumo coletivo são os maiores responsáveis por surtos no Brasil. Certos grupos de pessoas são mais susceptíveis a desenvolver as DTA: Crianças; Idosos; Pacientes imunodeprimidos (indivíduos com aids, neoplasias, transplantados); Pessoas com acloridria gástrica. Além disso, de modo geral, as DTA não conferem imunidade duradoura, o que possibilita casos de reinfecção pelo mesmo patógeno. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera as DTA uma grande preocupação de saúde pública global e estima que, a cada ano, causem o adoecimento de uma a cada 10 pessoas. Além disso, DTA podem ser fatais, especialmente em crianças menores de 5 anos. Na região das Américas, as doenças diarreicas são responsáveis por 95% das DTA. O Center for Disease Control and Prevention (CDC), centro de vigilância de doenças dos Estados Unidos, estima que a cada ano cerca de 1 em cada 6 americanos �ca doente, totalizando 128 hospitalizações e 3.000 mortes por DTA. No Brasil, a vigilância epidemiológica das DTA (VE-DTA) monitora os surtos de DTA em todo o país. A VE-DTA teve início no �nal de 1999 e está regulamentada pelas portarias de consolidação MS-GM nº 4 e nº 5 de 28 de setembro de 2017. Mas o que é Vigilância epidemiológica a�nal? Vigilância Epidemiológica Existem vários mecanismos patogênicos envolvidos com a determinação dasÉ o conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a �nalidade de recomendar e adotar medidas de prevenção e controle das doenças e agravos. Fonte: Shutterstock De acordo com os dados do Sistema de Informação de Agravos de Noti�cação (Sinan), são noti�cados, em média, 700 surtos de DTA ao ano, com envolvimento de 13 mil doentes e 10 óbitos. É importante salientar que, tanto o número de surtos noti�cados quanto o número de doentes vêm decaindo desde 2014, como podemos observar na Tabela 1. Contudo a incidência de surtos de DTA na realidade pode ser ainda maior. Segundo dados do Ministério da Saúde de 2019, a maioria dos surtos de DTA (37,2%) acontecem nas próprias residências, o que nos leva a crer que muitos surtos não são reportados ao Sinan, casos que chamamos de subnoti�cação, visto a característica autolimitada da maioria dessas infecções, na qual o indivíduo não busca auxílio médico e realiza muitas vezes automedicação. Tabela 1: Série histórica de surtos de DTA. Brasil, 2009 a 2018. Ano Surtos Expostos Doentes Hospitalizados Óbitos Letalidade 2009 594 24.014 9.407 1.328 12 0,13% 2010 498 23.954 8.628 1.328 11 0,13% 2011 795 52.640 17.884 2.907 4 0,02% 2012 863 42.138 14.670 1.623 10 0,07% 2013 861 64.340 17.455 1.893 8 0,05% 2014 886 124.359 15.700 2.524 9 0,06% 2015 673 35.826 10.676 1.453 17 0,16% 2016 538 200.896 9.935 1.406 7 0,07% 2017 598 47.409 9.426 1.439 12 0,13% 2018* 503 18.992 6.803 731 9 0,13% Total Geral 6.809 643.568 120.584 16.632 99 0,08% Fonte: BRASIL, 2019 "Um surto de doença de origem alimentar é caracterizado quando duas ou mais pessoas apresentam os mesmos sinais e sintomas, após a ingestão de alimentos contaminados com micro-organismos patogênicos, suas toxinas, substâncias químicas tóxicas ou objetos lesivos, con�gurando uma fonte comum. " (CDC, 2006) Provavelmente todos nós já tivemos em algum momento da vida uma DTA. Isso porque a maioria das DTA estão relacionados à ingestão de alimentos com boa aparência, sabor e odor normais, sem qualquer alteração sensorial perceptível. Se você se perguntou como isso é possível, saiba que isso ocorre porque a dose infectante de patógenos alimentares geralmente é menor que a quantidade de micro-organismos necessária para deteriorar os alimentos, fator que di�culta rastrear qual foi o alimento fonte da contaminação. Vários fatores contribuem para o aumento do número de casos de DTA, dentre eles podemos destacar: O crescente aumento das populações; A existência de grupos populacionais vulneráveis ou mais expostos; O processo de urbanização desordenado; A necessidade de produção de alimentos em grande escala. Outros fatores que também contribuem para o aumento na incidência das DTA são: O maior consumo de alimentos do tipo fast foods; O consumo de alimentos em vias públicas; A utilização de novas modalidades de produção de alimentos; O aumento no uso de aditivos químicos; A mudança de hábitos alimentares; As mudanças ambientais; A globalização; As facilidades atuais de deslocamento da população, inclusive em nível internacional. Muitos estudos indicam que as bactérias são as principais causadoras de DTA. Porém, outros estudos apontam os vírus como os principais responsáveis por surtos alimentares. Sem dúvida, a pesquisa de vírus em alimentos é menos frequente em investigação de surtos no Brasil e no mundo, o que pode justi�car sua subnoti�cação nos dados epidemiológicos. O Ministério da Saúde disponibiliza anualmente publicações da vigilância epidemiológica que con�rmam esses fatos. Por exemplo, em 2018, dos 2.593 surtos noti�cados, com identi�cação do agente etiológico, de 2000 a 2017, 92,29% foram causados por bactérias, 6% por vírus e 0,6% por protozoários e 1,2% por agentes químicos (Figura 1). Figura 1: Proporção de agentes etiológicos identi�cados nos surtos de DTA no Brasil, 2000 a 2017. (Fonte: BRASIL, 2018) As bactérias Escherichia coli, Salmonella spp. e Staphylococcus aureus são os agentes etiológicos mais identi�cados em surtos de DTA nos últimos anos (Figura2). Em 2018, dentre os agentes etiológicos identi�cados como únicos responsáveis pelos surtos con�rmados laboratorialmente (80 surtos), a Escherichia coli (27,5%/22 surtos) também foi o mais comum, seguida por Norovírus (25,0%/20 surtos). E, dos alimentos suspeitos identi�cados (167 surtos), a água foi a mais incriminada (29,9% / 50 surtos), seguida pelos alimentos mistos (23,4%/39 surtos), cuja composição possui ingredientes de mais de um grupo alimentar. Figura 2: Distribuição dos 10 agentes etiológicos mais identi�cados em surtos no Brasil de 2009 a 2018. (Fonte: BRASIL, 2019) Agentes etiológicos A qualidade sanitária de um alimento ou de uma preparação alimentícia pode estar comprometida por perigos de natureza química, física e biológica em quantidades su�cientes e com capacidade para se manterem no curso da cadeia alimentar e causar agravo à saúde (Tabela 2). A sobrevivência e a multiplicação de um patógeno nos alimentos dependem de seus mecanismos de defesa e das condições do meio. São aqueles fatores que falamos nas aulas 1 e 2 lembra? Tais como níveis de oxigenação, pH, pressão osmótica e temperatura, eles variam também de acordo com cada alimento. O período de tempo entre o contato com o micro-organismo e o aparecimento dos primeiros sintomas é chamado de período de incubação. Ele varia de acordo com o agente etiológico, podendo ser de frações de horas a até meses. Na aula de hoje estudaremos as principais bactérias, vírus e o fungo produtor de micotoxinas, causadores de DTA transmitidos por água e alimentos. Tabela 2: Perigos associados a alimentos. (Fonte: FORSYTHE, 2013) Doenças transmissíveis pela água A água é um dos fatores mais importantes para garantir a saúde pública de uma população e vimos que ela foi o principal veículo de contaminação segundo os dados publicados pelo Ministério da Saúde em 2019. Abordaremos agora as principais doenças transmitidas pela ingestão de água contaminada. Doenças transmitidas pela ingestão de água contaminada Clique no botão acima. Cólera A cólera é uma doença diarreica gastrintestinal grave, que atualmente se restringe aos países em desenvolvimento. Ela é causada pela ingestão de água contaminada contendo células de Vibrio cholerae, uma espécie de proteobactéria gram-negativa de aparência curva e móvel, devido à presença de um único �agelo polar (Figura 3). Mas também pode ser contraída pela ingestão de alimentos contaminados, principalmente mariscos preparados de forma inadequada. Figura 3: , o agente causador da cólera. (Fonte: MADIGAN et al., 2016) Segundo Franco & Landgraf (2005), o período de incubação da doença varia de seis horas a cinco dias e as pessoas infectadas podem apresentar ou não os sintomas da doença. Após a ingestão da água ou alimento contaminado, as células ingeridas aderem-se às células epiteliais do intestino delgado, onde se desenvolvem e liberam a toxina colérica, uma potente enterotoxina. Mas, para desencadear o estado de doença é necessária a ingestão de um grande número de células de V. cholerae. Desde 1817, a cólera varreu o mundo em sete importantes pandemias. A OMS estima que somente 5 a 10% dos casos da doença são relatados, de modo que a incidência mundial total da cólera provavelmente seja de mais de um milhão de casos por ano. a) preparação corada pelo gram. B) imagem de microscopia elerônica de varredura (esta imagem ou similar). "A enterotoxina colérica provoca diarreia grave, que pode resultar em desidratação e morte caso o paciente não receba tratamento adequado com �uidos e eletrólitos. Essa toxina provoca a perda de líquidos nas fezes de até 20 litros ao dia, causando uma desidratação grave. A taxa de mortalidade da cólera não tratada é geralmente de 25 a 50% dos casos." (MADIGAN et al., 2016) A prevenção de epidemias de cólera é baseada principalmente na infraestrutura de saneamento básico adequado, além de boas práticas de higiene pessoal. O cozimento adequado dos alimentos marinhos e a prevenção de contaminação pós-processamento desses alimentos também auxiliam na prevenção. Febre tifoide O micro-organismo causador da febre tifoide é a Salmonella ntérica sorovar typhi (S. typhi), um bacilo gram-negativo, anaeróbio facultativo, com �agelo peritríquio, não produtor de esporos (Figura 4). A febre tifoide é transmitida por água ou alimento contaminado com material fecal humano. Figura 4: , agente causador da febre tifoide. Como a doença se manifesta? De acordo com Madigan et al. (2016), o patógeno atinge o intestino delgado, onde se desenvolve, e penetra no sistema linfático e na circulação sanguínea; a partir daí́, ele pode se deslocar para diversos órgãos diferentes. De uma a duas semanas depois, os primeiros sintomas da febre tifoide aparecem: febre branda, cefaleia e mal-estar geral. Durante este período, o fígado e baço do paciente doente tornam-se fortemente infectados. Cerca de uma semana mais tarde, a febre se torna mais intensa (até́ 40°C) e o paciente geralmente apresenta delírios; diarreia pode ser observada neste estágio da doença e a dor abdominal pode ser intensa. Podem aparecer complicações, incluindo hemorragia intestinal e perfuração do intestino delgado (MADIGAN et al, 2016). "O Homem é o principal reservatório e algumas pessoas se tornam portadores durante muito tempo, mesmo após os sintomas desaparecerem. Esses portadores são a principal fonte de contaminação de água e alimentos por S. typhi. Alguns casos de febre tifoide foram associados ao consumo de leite cru, mariscos e vegetais crus." (FRANCO & LANDGRAF, 2005) Norovírus O norovírus é um vírus de RNA �ta-simples (Figura 5). É a principal causa mundial de doenças gastrointestinais. A doença raramente é fatal, embora a desidratação que acompanha as repetidas crises de vômito e diarreia desencadeadas pelo vírus possa apresentar uma ameaça à vida do paciente, especialmente em grupos de risco que são mais susceptíveis a desidratação como crianças e idosos. Além disso, a infecção por norovírus apresenta sintomas como diarreia e mal-estar, relativamente de curta duração. Por esses sintomas serem muito comuns a diversas outras infecções virais, muitas vezes é tratado apenas como mais uma virose e não é realizada sua identi�cação. Além disso, na maioria dos casos o indivíduo nem chega a buscar auxílio médico, sendo raramente noti�cada. Figura 5: norovírus Segundo Madigan et al. (2016), a doença do norovírus é facilmente transmitida de pessoa para pessoa ou por meio de alimentos contaminados pela via fecal-oral. A dose infecciosa é muito pequena, isto é, a exposição a 10 ou 20 vírions de norovírus já é su�ciente para iniciar a doença. As fontes de surtos de norovírus transmitidos pela água são mais frequentemente associadas a águas de cisternas ou recreacionais que foram contaminadas por esgotos. Doenças transmissíveis por alimentos A maioria dos surtos de doenças transmissíveis por alimentos é decorrente da manipulação e preparação inadequadas do alimento pelos consumidores domésticos, geralmente afetam um pequeno número de indivíduos e raramente são noti�cadas. No entanto, surtos causados por falhas nas boas práticas de fabricação e manipulação em restaurantes, indústrias de processamento e distribuidoras de alimentos podem afetar um grande número de indivíduos. Comentário É comum ser noticiado na TV reportagens sobre surtos alimentares, você já assistiu a alguma? Infecções alimentares As infecções alimentares são causadas pela ingestão de micro-organismos patogênicos, com capacidade de penetrar e invadir tecidos, originando quadro clínico característico que varia com o grau de patogenicidade do micro-organismo. Vamos falar agora dos principais agentes responsáveis pelas infecções alimentares. Principais agentes responsáveis pelas infecções alimentares Clique no botão acima. 1. Salmonelose A salmonelose é uma doença gastrintestinal decorrente da ingestão de alimentos contaminados por Salmonella spp. ou por meio do manuseio de animais ou produtos animais contaminados pelabactéria, já que seu habitat é o trato intestinal de animais. Os principais alimentos associados à salmonelose são: ovos, maionese artesanal e frango. A Salmonella spp. é um bacilo gram-negativo, móvel, anaeróbio facultativo, não esporulado. A maioria das espécies são móveis, através de �agelos peritríquios (Figura 6). As espécies Salmonella typhimurium e Salmonella Enteriditis são mais frequentemente associadas à salmonelose transmitida por alimentos. Figura 6: spp. A temperatura ideal para sua multiplicação é de 35 a 37ºC (mínima de 5ºC e máxima de 47ºC). Ela não tolera concentrações de sal superiores a 9% e seu pH ótimo para multiplicação �ca próximo ao neutro (7,0). A forma mais comum de salmonelose é a enterocolite. A ingestão de alimentos contaminados contendo células de Salmonella viáveis resulta na colonização do intestino delgado e grosso. Destes órgãos, elas invadem os fagócitos, desenvolvendo-se em seu interior e, em seguida, disseminando-se para as células adjacentes à medida que as células hospedeiras morrem. Segundo Madigan et al. (2016), após a invasão, a Salmonella patogênica produz diversos fatores de virulência, tais como endotoxinas, enterotoxinas e citotoxinas que dani�cam e matam as células hospedeiras. Os principais sintomas da enterocolite são cefaleia, calafrios, vômitos, diarreia e febre, geralmente aparecem de 8 a 48 horas após a ingestão do alimento e pode persistir por vários dias. A doença normalmente é autolimitada, isto é, desaparece sem qualquer intervenção, em 2 a 5 dias. Porém, mesmo após a recuperação, os pacientes eliminam células de Salmonella em suas fezes por semanas e alguns se tornam portadores saudáveis. O calor é a forma mais e�ciente para destruir a Salmonella dos alimentos, por este motivo é contraindicado o consumo de preparações com ovo cru como a maionese artesanal, ovo com gema mole e carnes malcozidas. 2. Shigelose A Shigella spp. é um bacilo gram-negativo, imóvel, não formador de esporos (Figura 7). A temperatura ótima de crescimento é 37ºC, mas cresce na faixa de 10ºC a 40ºC, toleram baixas concentrações de sal (até 6%) e são relativamente sensíveis ao calor. Figura 7: ., agente causador da shigelose A Shigella spp. causa uma doença denominada disenteria, trata-se de um tipo de diarreia na qual as fezes apresentam sangue e muco. O período de incubação é de 7 a 10 dias e a dose infectante é baixa, isto é, é necessário um pequeno inóculo para desencadear a doença. Os sintomas variam muito, desde uma infecção assintomática ou branda, sem febre, até uma disenteria fulminante com presença de febre muco-sanguinolentas, desidratação severa, tenesmo, toxemia e até convulsões em crianças menores de quatro anos. Esses micro-organismos são adaptados ao Homem e aos primatas e a doença é disseminada por via fecal-oral. A origem da contaminação da água e de alimentos é sempre em virtude da presença de fezes humanas provenientes das mãos de indivíduos assintomáticos ou doença branda não diagnosticada. Desta forma, a shigelose está sempre associada à falta de higiene pessoal e condições sanitárias de�cientes. A Shigella dysenteriae produz uma toxina, a toxina de Shiga, que apresenta várias atividades tóxicas. Embora essa toxina contribua para dani�car a mucosa intestinal, seu principal papel está relacionado à síndrome de uremia hemolítica (HUS), na qual ocorre a falência renal poucos dias após um ataque de disenteria, podendo ser fatal. 3. Escherichia coli patogênica Segundo Madigan et al. (2016), a maioria das linhagens de Escherichia coli não é patogênica, sendo membros comuns da microbiota entérica do colo de seres humanos. Contudo, poucas linhagens são potenciais patógenos transmitidos por alimentos (e ocasionalmente pela água) e produzem potentes enterotoxinas. Estas linhagens patogênicas são agrupadas com base no tipo de toxina que produzem e nas doenças especí�cas que acarretam. A E. coli é o ser vivo mais estudado no mundo. Trata-se de um bastonete gram-negativo, anaeróbio facultativo, não esporulado, fermentador da lactose com produção de ácido e gás, móvel através de um �agelo (Figura 8). Figura 8: Escherichia coli Com base nos fatores de virulência, manifestações clínicas e epidemiológicas, as linhagens de E. coli consideradas patogênicas são agrupadas em cinco classes: a) EPEC: Enteropatogênica clássica A EPEC é conhecida como um importante micro-organismo causador de gastroenterite em crianças, especialmente em recém-nascido e lactentes, por serem mais susceptíveis. A diarreia é, geralmente, acompanhada de dores abdominais, vômitos e febre. A duração da doença varia de 6 horas a 3 dias, com período de incubação variando entre 17 e 72 horas. A virulência da EPEC está associada à capacidade de adesão à mucosa do intestino e à destruição das microvilosidades intestinais e acúmulo de actina no local da lesão. b) EIEC: Enteroinvasiva As cepas de EIEC são capazes de penetrar nas células epiteliais e causar manifestações clinicas semelhantes às infecções por Shigella. Os sintomas característicos da doença são: disenteria, cólicas abdominais, febre, mal-estar geral, com eliminação de sangue e muco nas fezes. O período de incubação varia de 8 a 24 horas. c) ETEC: Enterotoxigênica A ETEC possui cepas capazes de causar toxinfeção através da produção de enterotoxinas. Os principais sintomas são: diarreia aquosa, febre baixa, dores abdominais e náuseas. Em sua forma mais severa, esta doença se assemelha à cólera. Cepas de ETEC são capazes de aderir à mucosa do intestino delgado e produzir toxinas, que por sua vez causam uma diarreia aquosa e consequente desidratação. d) EHEC: Enterohemorrágica A designação de EHEC foi inicialmente empregada para cepas de E. coli sorotipo O157:H7, agente etiológico da colite hemorrágica, mas posteriormente o sorotipo O26:H11 foi incluído. Os sintomas da colite hemorrágica são dores abdominais severas e diarreia aguda, seguida por diarreia sanguinolenta e ausência de febre. O período de incubação varia de 3 a 9 dias e a duração da doença de 2 a 9 dias. De 2 a 8% dos casos de enterocolite evolui para uma doença mais grava chamada de síndrome urêmica hemolítica (HUS). O mecanismo de patogenicidade está relacionado com a produção de citotoxinas, denominadas de toxinas shiga-like, pois são semelhantes à toxina produzida pela Shigella dysenteriae tipo 1. e) EAEC: Enteroagregativa A EAEC foi a linhagem descrita mais recentemente e ainda existem poucos dados a respeito desses micro- organismos. A patogenicidade parece estar relacionada a um mecanismo diferente de adesão à mucosa intestinal das demais classes, que ocorre principalmente no cólon. As cepas de EAEC parecem estar associadas com casos crônicos de diarreia. 4. Campylobacter spp. Esse micro-organismo é um bacilo curvo, espiralado, gram-negativo, microaeró�lo, não esporulado, móvel com único �agelo polar (Figura 9). Várias espécies de Campylobacter spp. são reconhecidas, porém C. jejuni e C. fetus são comumente associadas principalmente a doenças transmissíveis por alimentos em seres humanos. Figura 9: spp. O C. jejuni causa enterocolite, uma doença caracterizada por diarreia com febre baixa e dores abdominais. Alguns casos podem apresentar febre alta e fezes com sangue e muco, vômitos são raros. O período de incubação varia de 2 a 5 dias, podendo se estender até 10 dias. Os principais alimentos veículos de contaminação são aves domésticas ou carne de porco malcozida, mariscos crus ou, ocasionalmente, por água contaminada com resíduos fecais. Após um indivíduo ingerir o alimento contaminado, o micro-organismo multiplica-se no intestino delgado, invade o epitélio e causa in�amação. 5. Listeriose Listeria monocytogenes causa a listeriose, uma infecção alimentar gastrintestinal que pode levar à bacteremia (presença de bactérias no sangue) e meningite. A L. monocytogenes(Figura 10) é um bacilo gram-positivo, anaeróbio facultativo, não formador de esporos, móvel pela presença de �agelo peritríquio, tolera o ácido, o sal e baixas temperaturas,há relatos de crescimento a 0ºC. Este micro-organismo suporta repetidos congelamentos e descongelamentos. Figura 10: , agente causador da listeriose. A L. monocytogenes é encontrada no solo e na água, isto é, está amplamente distribuída na natureza, por esse motivo os alimentos podem ser contaminados em qualquer fase da produção ou processamento. As carnes prontas para o consumo, os queijos cremosos frescos, os laticínios não pasteurizados e o leite cru ou pasteurizado inadequadamente são os principais veículos alimentares deste micro-organismo, mesmo quando são armazenados adequadamente em temperatura de refrigerador (4ºC). As células de Listeria no intestino cruzam a barreira intestinal e são carreadas pela linfa e pelo sangue para outros órgãos, em especial para o fígado, onde se multiplicam da mesma forma que nos fagócitos intestinais. A partir do fígado, a L. monocytogenes pode infectar o sistema nervoso central, levando à in�amação das meninges (os tecidos que recobrem o cérebro e medula espinal), causando a meningite. Evidências obtidas a partir de estudos experimentais em animais e observacionais em seres humanos, juntamente com a elevada frequência de contaminação pela bactéria em alimentos crus e processados, sugerem que este micro- organismo não seja altamente invasivo e que provavelmente seja necessário um grande inóculo para iniciar os sintomas da doença. A listeriose acomete principalmente idosos, mulheres grávidas, recém-nascidos e adultos com o sistema imunológico debilitado. 6. Hepatite A O agente etiológico da hepatite A é um vírus RNA �ta simples, pertence ao grupo do enterovírus (Figura 11), a principal via de transmissão é a fecal-oral e a contaminação ocorre através do consumo de água e alimentos contaminados, principalmente moluscos bivalves. Este vírus tem elevada resistência térmica, suportando temperaturas de 60ºC por 30 min. Os principais sinais e sintomas são icterícia e necrose hepática. Entretanto, o período de incubação é longo, varia de 2 a 6 meses após a ingestão do alimento contaminado. Figura 11: Vírus da hepatite A 7. Rotavírus O rotavírus (Figura 12) é um vírus de RNA �ta simples que causa gastroenterite principalmente em crianças menores de 6 anos. A principal manifestação clínica é a diarreia, decorrente do achatamento das vilosidades intestinais. O período de incubação é em média de 48 horas e os sintomas duram cerca de 3 dias. As infecções causadas pelo rotavírus são mais comuns nos meses de inverno e os principais veículos são água e alimentos contaminados. As medidas de prevenção são basicamente a lavagem frequente das mãos e a higienização adequada dos alimentos. Figura 12: Rotavírus Intoxicações alimentares São provocadas pela ingestão de toxinas pré-formadas nos alimentos em decorrência da intensa proliferação do micro- organismo patogênico. Aqui consideraremos os principais patógenos causadores de intoxicações alimentares. Principais patógenos causadores de intoxicações alimentares Clique no botão acima. 3. Staphylococcus aureus O S. aureus é um coco gram-positivo, anaeróbio facultativo, mas cresce melhor em aerobiose. Quando vistos em microscópio aparecem na forma de cacho de uvas (Figura 13). Produz enterotoxinas termoestáveis que, quando consumidas, provocam sintomas gastrintestinais, caracterizados por uma ou mais sintomas, como: náuseas, vômitos, diarreia e desidratação. O período de incubação é curto, de 1 a 6 horas, dependendo da quantidade de enterotoxina consumida, mas os sintomas geralmente regridem em menos de 48 horas. Figura 13: As toxinas passam pelo estômago para o intestino delgado, e neste local desencadeiam os sintomas da doença. Além de suas atividades gastrintestinais normais, as enterotoxinas esta�locócicas são também superantígenos e podem provocar a síndrome do choque tóxico, que é potencialmente letal. Os S. aureus são bactérias mesó�las, tolerantes a concentrações de 10 a 20% de NaCl e a nitratos, o que torna alimentos curados veículos potenciais para as mesmas. Este micro-organismo coloniza a pele, em especial a mucosa nasal, garganta e cabelos e, por este motivo, está associado a baixas condições de higiene pessoal. Logo, os alimentos muito manipulados também costumam ser fontes de contaminação. 2. Botulismo O termo botulismo é utilizado para designar uma grave intoxicação alimentar, potencialmente fatal, que ocorre após o consumo de alimentos contendo a exotoxina produzida por Clostridium botulinum. O período de incubação varia de 12 a 36 horas após a ingestão da toxina. Trata-se de um bacilo gram-positivo, anaeróbio estrito, formador de endósporos (Figura 14). Atualmente, três formas de botulismo alimentar são conhecidas: Clássico, correspondente à intoxicação causada pela ingestão de alimentos contendo neurotoxinas; De lesões, que é uma doença infecciosa causada pela proliferação e consequente liberação de toxinas em lesões infectadas com C. botulinum; Infantil, que é também uma doença infecciosa causada pela ingestão de esporos de C. botulinum e subsequente germinação, multiplicação e toxigênese no intestino de crianças menores de 1 ano de idade. Figura 14: , agente causador do botulismo. O habitat desta bactéria são o solo e a água, porém suas células ou endósporos podem contaminar alimentos crus e processados. Se endósporos viáveis de C. botulinum permanecerem no alimento, eles podem germinar e produzir a toxina e a ingestão de uma pequena quantidade desta substância pode ocasionar uma doença grave ou até́ a morte. A toxina botulínica é uma neurotoxina que afeta os nervos que controlam funções corporais essenciais como a respiração e os batimentos cardíacos; a consequência típica é a paralisia �ácida. Esta toxina é destruída pelo calor (80ºC por 10 minutos) e, dessa forma, os alimentos bastante cozidos, mesmo se contaminados pela toxina, podem ser totalmente inofensivos. A maioria dos casos de botulismo alimentar ocorre em decorrência da ingestão de conservas caseiras processadas de maneira inadequada, especialmente de alimentos não ácidos, como milho e feijão. Nessas condições, os endósporos viáveis de C. botulinum que permanecerem nas embalagens seladas podem germinar durante a estocagem e produzir a toxina. 3. Aspergillus spp. O Aspergillus spp., um sapró�ta comum geralmente encontrado na natureza como um bolor de folhas, produz alérgenos potentes, que provoca asma e outras reações de hipersensibilidade em indivíduos susceptíveis. A doença fúngica ocorre em função da produção e ação de micotoxinas, um grupo grande e diverso de exotoxinas fúngicas. Os exemplos mais conhecidos de microtoxinas são as a�atoxinas, produzidas por Aspergillus �avus, uma espécie que habitualmente desenvolve-se em alimentos armazenados inadequadamente, como grãos (Figura 15). Figura 15: , fungo produtor de a�atoxina. As a�atoxinas são altamente tóxicas e carcinogênicas. Elas são produzidas em temperatura de 23 a 26ºC e em alimentos ricos em carboidratos, gorduras e proteínas: Amendoim; Semente de algodão; Castanhas e grãos de outros cereais como milho. Pequenas quantidades de a�atoxina podem causar danos hepáticos e hemorragias no TGI e cavidade peritoneal. O calor pode reduzir a atividade dessas a�atoxinas, mas não causa inativação completa. Os adultos não são seriamente afetados pela exposição leve às a�atoxinas. No entanto, a exposição crônica em crianças pode causar sérias doenças hepáticas e outros problemas de saúde. Toxinfecções São causadas por micro-organismos toxigênicos, cujo quadro clínico é provocado por toxinas liberadas quando eles se multiplicam, esporulam ou sofrem lise na luz intestinal. Bacillus cereus O Bacillus cereus é um bacilo gram-positivo grande, aeróbio, mesó�lo, móvel com �agelos peritríquios e produtor de esporos (Figura 16). Ele é amplamente distribuído na natureza, sendo o solo seu reservatório natural. Figura 16: Bacillus cereus. Esta bactéria produz duas enterotoxinas que provocam diferentes sintomas. A toxina diarreica é termolábil (55ºCpor 20min), porém a toxina emética é termo resistente (126ºC por 90min). Na forma diarreica, são observadas manifestações clínicas como diarreia e dor gastrintestinal. Na forma emética, os sintomas são principalmente náuseas e vômitos. O B. cereus desenvolve-se em alimentos cozidos e mantidos em temperatura ambiente para o resfriamento lento, como arroz, massas, carnes ou molhos. Quando os endósporos desta bactéria germinam, a toxina é produzida. O reaquecimento pode matar as células vegetativas, porém a toxina termoestável pode permanecer ativa. As medidas de controle são basicamente: Tratamento térmico adequado; Manutenção da temperatura acima de 65ºC depois do alimento pronto; Resfriamento rápido para armazenar. Clostridium perfringens O C. perfringens é um bacilo gram-positivo, anaeróbio, esporulado, apresenta cápsula e é imóvel (Figura 17). Este micro- organismo tem intensa atividade metabólica em alimentos. É capaz de produzir uma grande variedade de enzimas hidrolíticas extracelulares e fermentar uma grande variedade de substratos. Uma de suas características mais importantes é a capacidade de multiplicação em temperaturas elevadas (40 a 45ºC). Figura 17: Clostridium perfringens. A enterotoxina produzida pelo C. perfringens é formada durante o processo de esporulação que ocorre principalmente no intestino. Dois tipos diferentes de toxinfecção alimentar são descritos na literatura: Cepas do tipo A causam uma doença mais branda com manifestações clínicas como dores abdominais agudas, diarreia, náuseas e febre, sendo vômitos raros. Cepas do tipo C causam uma enterite necrótica bem mais grave, com os seguintes sintomas: dores abdominais intensas, diarreia sanguinolenta, vômitos eventuais e in�amação necrótica do intestino delgado, sendo frequentemente fatal, porém seus casos são mais raros. O seu reservatório é o solo e o intestino do Homem e de muitos animais. Este micro-organismo é frequentemente isolado em alimentos, tanto crus quanto processados, sendo os alimentos à base de carne bovina e de frango os principais causadores de doenças alimentares causadas pelo C. perfringens. A temperatura de 60ºC inativa as células vegetativas, entretanto, os esporos sobrevivem ao cozimento de alimentos e sua germinação pode ser estimulada pelo aquecimento. Surtos de DTA Agora que você aprendeu acerca dos principais patógenos causadores de DTA é importante saber como ocorre o processo de investigação do surto. Como falamos anteriormente, um surto de origem alimentar é caracterizado pela ocorrência de 2 ou mais casos de doença associados a um único alimento. Basicamente, a identi�cação de um surto é realizada através de um inquérito epidemiológico, conduzido entre os indivíduos que tenham e que não tenham consumido o alimento suspeito, quer tenham apresentado os sintomas característicos, ou não, e também através de exames laboratoriais em amostras clínicas, bromatológicas e toxicológicas. Veja na Figura 18 o �uxograma de ações no processo de investigação de um surto de DTA. Fonte: shutterstock Figura 18: Processo de investigação de um surto de doença transmitida por alimento. (Fonte: BRASIL, 2010) A investigação epidemiológica do surto de DTA envolve 4 etapas: Fase 1: Informação do surto; Fase 2: Investigação de campo; Fase 3:Processamentos dos dados da investigação; Fase 4: Conclusão da investigação. Vale lembrar que nem todos os indivíduos que consomem o alimento contaminado tem os mesmos sintomas, pois o período de incubação, a gravidade dos sintomas e a duração da doença variam de acordo com a idade, estado nutricional, a sensibilidade individual e a quantidade do alimento ingerido por cada indivíduo. Toda a investigação epidemiológica de DTA é descrita detalhadamente no Manual integrado de vigilância, prevenção e controle de doenças transmitidas por alimentos do Ministério da Saúde. A seguir descrevemos de forma resumida as principais ações de cada etapa da investigação. Informação do surto Após a con�rmação da ocorrência de um surto de DTA é imprescindível que a noti�cação seja imediata ao setor municipal de saúde responsável pela vigilância epidemiológica (VE). Devem-se usar os meios de comunicação mais rápidos e disponíveis e em seguida utilizar o �uxo do Sistema Nacional da Vigilância Epidemiológica. Inicialmente, é realizada a noti�cação do surto através do site do Sinan. Figura 19: Local de registro de surto no Sinan (Fonte: BRASIL, 2010) As informações prestadas pelos diversos meios devem ser registradas no Formulário 1 para Registro de Noti�cação de Caso/Surto de Doença Transmitida por Alimento (Figura 20). Veri�ca-se a consistência das informações no momento da noti�cação com o próprio noti�cante ou logo a seguir com outras fontes referenciadas. Se as informações caracterizam a suspeita de um surto de DTA, inicia-se o planejamento das ações. Figura 20: Formulário 1: Registro de Noti�cação de Caso/Surto de Doença Transmitida por Alimento. javascript:void(0); Investigação de campo É uma ação imediata à noti�cação. Caracteriza-se pelo deslocamento de uma equipe aos(s) local(is) onde se encontram os comensais que foram expostos (doentes e não doentes), com a �nalidade de obtenção de informações epidemiológicas. A equipe também deve se deslocar ao(s) local(is) onde foi preparada e/ou consumida a refeição suspeita para a identi�cação de pontos críticos e a introdução de medidas sanitárias de controle. A agilidade dessa ação é importante para propiciar a coleta de amostras antes que os doentes recebam medicação e os alimentos suspeitos sejam desprezados. Integram a equipe de atividade de campo os pro�ssionais das áreas de vigilância epidemiológica e sanitária. Os pro�ssionais das áreas de laboratório, assistência à saúde e educação em saúde comporão a equipe sempre que possível e/ou necessário. Na investigação do surto serão desenvolvidas atividades relacionadas a: Comensais: são as pessoas que participaram da mesma refeição; De�nição de caso: a investigação de doenças transmitidas por alimentos tem como elemento essencial a de�nição de caso, estabelecendo critérios su�cientes e necessários para decidir se um doente pertence ou não ao surto; Coleta de amostras clínicas: as amostras dos doentes devem ser coletadas o mais precocemente possível. Também são realizadas coletas de amostras clínicas de todos os manipuladores usuais e eventuais, tais como proprietários, gerentes e outros envolvidos na manipulação e/ou produção do(s) insumo(s) relacionado(s) com o surto; Inspeção sanitária: é o procedimento da �scalização efetuada pela autoridade sanitária, que avalia em toda a cadeia alimentar, as Boas Práticas de Fabricação (BPF) com vistas a atingir o Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ). Orienta, ainda, a intervenção, objetivando a prevenção de agravos à saúde do consumidor no que se refere às questões sanitárias, inclusive quanto ao teor nutricional; Coleta de amostras bromatológicas e toxicológicas: para a elucidação de surtos de DTA é importante que a amostra seja constituída do alimento que foi efetivamente consumido pelos afetados. A amostra é signi�cativa em qualquer quantidade, já que não se constitui em amostra com �ns de análise �scal e o estabelecimento de quantidade mínima passa a ser relativo. Processamento dos dados da investigação A partir dos dados disponíveis na �cha de inquérito coletivo (formulário 2), determina-se a de�nição de caso relacionado ao surto, baseada na análise da frequência dos sinais e sintomas predominantes. Juntamente com as variáveis de tempo e lugar é possível apontar o grupo de comensais que são considerados expostos. Com a de�nição de caso estabelecida, realiza-se análise dos dados para descrever o surto por lugar, tempo e pessoa. Essas características estão descritas a seguir: Características dos dados a serem analisados Clique no botão acima. Lugar: é a delimitação do espaço onde acontecem os casos e essa informação permite a identi�cação de aglomerados de casos; Tempo: deve-seestabelecer, o mais exatamente possível, o início do surto a partir da data dos primeiros sintomas do primeiro caso. Essa informação, juntamente com a delimitação do espaço, permite identi�car os casos relacionados e estabelecer a existência do surto. Quando associada ao momento em que foi consumida a refeição suspeita, permite ainda identi�car o período de incubação que orientará as hipóteses diagnósticas e terapêutica; Pessoa: características relacionadas a pessoas como sexo, idade, ocupação, hábitos alimentares in�uenciam na suscetibilidade às doenças e nas oportunidades de exposição; Período de incubação do surto: pode ser calculado pelas medidas estatísticas de tendência central como a média aritmética, a moda e a mediana. Todavia, prefere-se a mediana, uma vez que não sofre a in�uência de valores extremos muito diferenciados, fato comum em surtos de DTA; Refeição relacionada com surto ou refeição suspeita: usado para determinar qual é a refeição relacionada ao surto. Para isso, usa-se o formulário 4, onde se registram as informações sobre as últimas refeições em comum entre os comensais, antes da data dos primeiros sintomas do primeiro caso. Para cada refeição oferecida, identi�cam-se os que a consumiram (expostos) e os que não consumiram (não expostos) para: a) calcular a taxa de ataque nos expostos e não expostos, para cada refeição, de acordo com as seguintes fórmulas: Exemplo: em um restaurante X, 22 de 33 pessoas que comeram maionese �caram doentes: TA1 (maionese) = 22 pessoas doentes (expostas) / 33 pessoas (total de expostas) Logo, TA1 (pessoas expostas à maionese) = 67% Interpretação do resultado: o alimento que apresentar a TA mais alta é provavelmente o responsável pelo surto. b) Em seguida, deve-se calcular a diferença entre as taxas com a seguinte fórmula: Interpretação: a refeição que apresentar a maior taxa de ataque entre os expostos e a menor entre os não expostos e a maior diferença positiva entre as taxas de ataque, provavelmente, é a refeição responsável pelo surto. c) Calcular o Risco Relativo (RR) de cada refeição e identi�car se há associação entre o fator estudado (refeição) e o efeito (doença): Risco Relativo (RR): é uma medida da força da associação entre um fator de risco e o desfecho em um estudo epidemiológico. É de�nido como sendo a razão entre a taxa de ataque entre indivíduos expostos e a taxa de ataque entre os não expostos. Indica quantas vezes a ocorrência do desfecho nos expostos é maior do que aquela entre os não expostos. Interpretação do resultado do risco relativo: RR = 1 ⇒ ausência de associação. RR < 1 ⇒ sugere que o fator estudado não é um fator de risco, pode ser um fator protetor. RR > 1 ⇒ sugere que há associação. O fator estudado é um fator de risco para ocorrência do efeito. Nos exemplos a seguir podemos observar que a refeição suspeita do surto é o almoço de sexta-feira (exemplo 1) e o alimento que apresentou a maior taxa de ataque entre os expostos e a menor entre os não expostos, resultando a maior diferença positiva entre as taxas, foi a carne de porco (exemplo 2). (Fonte: BRASIL, 2010) Conclusão da investigação Uma vez concluída a investigação, deverá ser avaliado o cumprimento das medidas de controle, observando-se o comportamento da doença, sua tendência, os resultados laboratoriais e as informações da equipe. Em seguida, deve se proceder à divulgação dos resultados e das recomendações que se �zerem necessárias. Fonte: Shutterstock A equipe de investigação deve de�nir o responsável pela divulgação dos resultados parciais e �nais da investigação do surto à mídia e à população. A vigilância epidemiológica deve garantir o retorno das informações aos técnicos e setores envolvidos na prevenção e controle de surtos de doenças transmitidas por alimentos, incluindo as medidas adotadas e/ou previstas para médio e longo prazo. Atividades 1. As doenças transmitidas por alimentos, mais comumente conhecidas como DTA, são causadas pela ingestão de alimentos e/ou água contaminados. Desta forma, quais são os tipos de doenças causadas por agentes microbiológicos? Como diferenciá-las? 2. Comente sobre a infecção causada por Salmonela, Shigella, Escherichia coli e Staphylococcus aureus, bem como sinais e sintomas e alimentos relacionados. 3. Veri�que as a�rmativas abaixo e assinale aquela que diferencia corretamente as de�nições de intoxicação alimentar e infecção alimentar: a) Toxinose ou intoxicação alimentar é causada pela ingestão de toxinas bacterianas pré-formadas nos alimentos, decorrente da multiplicação de bactérias toxinogênicas nos alimentos. A infecção alimentar é causada pela ingestão de microrganismos patogênicos que se multiplicam no trato gastrintestinal, produzindo toxinas ou agredindo o epitélio. b) Toxinose ou intoxicação alimentar é causada por colonização e ação de toxinas e infecção alimentar é provocada pela ingestão de células viáveis do microrganismo patogênico, por colonização e/ou invasão de epitélio gastrointestinal. c) Toxinose ou intoxicação alimentar é provocada por colonização de esporos e infecção alimentar é causada pela ingestão de células viáveis do microrganismo patogênico por invasão do epitélio gástrico. d) Toxinose ou intoxicação alimentar é causada por colonização e ação de toxinas e infecção alimentar é provocada pela ingestão de toxinas viáveis do microrganismo patogênico. e) Toxinose ou intoxicação alimentar é causada pela ingestão de células viáveis do microrganismo patogênico, por invasão do epitélio e a infecção alimentar é provocada pela colonização de toxinas. 4. Durante uma investigação de surto alimentar, analisando a frequência dos sintomas apresentados pelos comensais veri�cou-se que a maioria apresentou: náuseas, visão dupla, vertigens, perda de re�exos, di�culdade de deglutir e falar. Também foi veri�cado que o período de incubação variou de 12 a 72 horas. Qual o gênero e espécie do microrganismo envolvido na contaminação e por quê? Qual o possível alimento relacionado à contaminação por este microrganismo? 5. Sabemos que surto DTA é ocorrência de dois ou mais casos de uma manifestação clínica semelhante, relacionados entre si no tempo e espaço, e caracterizados pela exposição comum a um alimento suspeito de conter microrganismos patogênicos, toxinas ou produtos químicos. Marque o item que descreve a metodologia de investigação do surto em sua respectiva ordem. a) Investigação de campo; Processamento e análise de dados; Conhecimento da ocorrência; Acompanhamento. b) Conhecimento da ocorrência; Investigação de campo; Processamento e análise de dados; Acompanhamento. c) Conhecimento da ocorrência; Acompanhamento; Investigação de campo; Processamento e análise de dados. d) Conhecimento da ocorrência; Investigação de campo; Processamento e análise de dados. e) Investigação de campo; Processamento e análise de dados; Acompanhamento. Notas Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual integrado de vigilância, prevenção e controle de doenças transmitidas por alimentos. Brasília, 2010. BRASIL, Ministério da Saúde. Doenças transmitidas por alimentos - Informações técnicas. Disponível em: http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/doencas-transmitidas-por-alimentos/informacoes-tecnicas. Acesso em: 9 ago. 2019. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Surtos de doenças transmitidas por alimentos no Brasil. 2018. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/17/Apresentacao-Surtos-DTA-2018.pdf. Acesso em: 9 ago. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Surtos de doenças transmitidas por alimentos no Brasil. 2019. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/15/Apresenta----o-Surtos-DTA---Fevereiro- 2019.pdf. Acesso em: 9 ago. 2019. CENTER FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. CDC. Surveillance for Foodborne-Disease Outbreaks - United States, 1998-2002. Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR) November, 2006. Disponível em:http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/ss5510a1.htm#top. Acesso em: 9 ago. 2019. FORSYTHE, S.J. Microbiologia da segurança dos alimentos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. javascript:void(0); javascript:void(0); javascript:void(0); javascript:void(0); FRANCO, B. D. G. M; LANDGRAF, M. Microbiologia dos alimentos. São Paulo: Atheneu, 2005. GERMANO, P. M. L.; GERMANO, M. I. S. Higiene e Vigilância Sanitária de Alimentos. 6. ed. São Paulo: Manole, 2019. JAY, J. M. Microbiologia de alimentos. 6. ed. São Paulo: Artmed, 2005. MADIGAN, M. T. et al. Microbiologia de Brock. 14. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. OLIVEIRA, A. B. A. et al. Doenças transmitidas por alimentos, principais agentes etiológicos e aspectos gerais: uma revisão. In: Rev. HCPA, 30(3), p: 279-285, 2010. SILVA, N.; JUNQUEIRA, V. C. A; SILVEIRA, F. A. S. et al. Manual de métodos de análise microbiológica de alimentos e água. 5. ed. São Paulo: Bluncher, 2017. Próxima aula Avaliação da qualidade microbiológica em alimentos; Microrganismos indicadores e deteriorantes; Probióticos. Explore mais Para se aprofundar mais nesta aula, explorando as doenças transmitidas por alimentos, você pode acessar o Manual do Ministério da Saúde, sobre a Vigilância das Doenças Transmitidas por Alimentos. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_integrado_vigilancia_doencas_alimentos.pdf javascript:void(0);
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