Prévia do material em texto
FIBRA ALIMENTAR · Nas últimas décadas, as informações sobre as propriedades físico-químicas dos diferentes compostos presentes na fração da fibra alimentar (FA) dos alimentos foram ampliadas, culminando no surgimento dos pré-bióticos, em função do perfil de fermentabilidade de substâncias específicas e sua interação com a microbiota colônica. · Paralelamente, houve aumento significativo das evidências sobre a eficácia da FA na redução do risco de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Na atualidade, a FA- carboidrato não disponível é o principal ingrediente utilizado em alimentos funcionais, constituindo mais de 50% do total de ingredientes utilizados no âmbito mundial, e, no Brasil, a FA é o ingrediente com maior número de alegação de propriedades funcionais. DEFINICÃO A definição de FA vem sendo continuamente modificada, ocorrendo o mesmo com os métodos analíticos para sua quantificação. A FA pode ser definida tanto por seus atributos fisiológicos como pelos químicos. Até o início da década de 70, conheciam-se apenas a celulose, a hemicelulose e a lignina, fração denominada fibra bruta, importante para o funcionamento intestinal e de valor energético nulo. Em meados dessa década, Trowell57 criou uma definição de natureza essencialmente nutricional, que foi utilizada por um longo tempo: "A FA é constituída principalmente de polissacarídeos não amido das plantas, e de lignina, que são resistentes à hidrólise pelas enzimas digestivas humanas". Essa definição passou a incluir outros componentes, além dos que já compunham a fibra bruta. Os primeiros processos químicos para quantificação de polissacarídeos não amido extraíam diferentes frações de fibra a partir do controle do pH das soluções; nesse contexto, surgiram os termos solúvel e insolúvel. Essas denominações proporcionavam uma classificação simples e útil para a FA, com diferentes propriedades fisiológicas, conformeentendimento na época. Eram consideradas fibras solúveis aquelas que afetavam principalmente a absorção de glicose e lipídios, por sua capacidade de formar soluções viscosas e géis (p. ex., pectinas e betaglicanos). Já as fibras com maior influência sobre o funcionamento intestinal eram chamadas de insolúveis (p. ex., celulose e lignina). Atualmente, ficou evidente que essa distinção fisiológica de forma simplificada é inadequada, porque determinados tipos de fibra insolúvel são rapidamente fermentados, e alguns tipos de fibra solúvel não afetam a absorção de glicose e lipídios.23 Dessa forma, a Food and Agriculture Organization/Organização Mundial da Saúde (FAO/OMS) 17 recomendaram que os termos fibra solúvel e insolúvel não deveriam mais ser empregados por induzirem a erros de interpretação. Em função dos avanços nas pesquisas sobre as propriedades fisiológicas e nutricionais de componentes específicos da fração FA, inúmeros órgãos e países propuseram definições mais amplas e/ ou correlacionadas com os efeitos fisiológicos. A seguir, estão descritas a definição daAmericanAssociation Cereal Chemistry (MCC)1 e do CodexAlimentarius10• A fibra da dieta é a parte comestível das plantas ou carboidratos análogos que são resistentes à digestão e à absorção no intestino delgado de humanos, com fermentação completa ou parcial no intestino grosso. A fibra da dieta inclui polissacarídeos, oligossacarídeos, lignina, e substâncias associadas às plantas. A fibra da dieta promove efeitos fisiológicos benéficos, incluindo laxação, e/ ou atenuação do colesterol do sangue e/ ou atenuação da glicose do sangue.1 Essa definição, de 2001, relaciona aspectos fisiológicos e metabólicos da FA, origem e descrição dos componentes que fazem parte da fração fibra. Inclui os polissacarídeos não amido e os oligossacarídeos resistentes, a lignina, outras substâncias associadas aos polissacarídeos não amido e os carboidratos análogos (carboidratos isolados de crustáceos e organismos unicelulares, polidextrose, maltodextrinas resistentes, amido resistente e celulose modificada). Codex Alimentarius:10 durante as 30ª e 31 ª reuniões do Codex Committee on Nutrition and Foods for Special Dietary Uses (CCNFSDU), foram acordados a definição de FA e os métodos analíticos para sua quantificação como um todo e de seus componentes específicos. A comissão do Codex Alimentarius acatou a recomendação do CCNFSDU e adotou esta definição de FA para rotulagem nutricional, em 2010. FA é constituída de polímeros de carboidratos· com dez ou mais unidades monoméricas que não são hidrolisados pelas enzimas endógenas no intestino delgado e que podem pertencer a três categorias: 1. Polímeros de carboidratos comestíveis que ocorrem naturalmente nos alimentos na forma como são consumidos. 2. Quando derivada de plantas, a FA pode incluir frações de lignina e/ ou outros compostos associados aos polissacarídeos na parede celular. Esses compostos também podem ser quantificados por método(s) específico(s) para FA Entretanto, tais compostos não estão incluídos na definição de FA se forem extraídos e reintroduzidos nos alimentos.A decisão sobre a inclusão de carboidratos com 3 a 9 unidades monoméricas na definição de FA deve ser tomada pelas autoridades nacionais. 2, Polímeros de carboidratos obtidos de material cru por meio físico, químico ou enzimático e que tenham efeito fisiológico benéfico comprovado sobre a saúde humana, de acordo com evidências científicas propostas e aceitas por autoridades competentes, 3. Polímeros de carboidratos sintéticos que tenham efeito fisiológico benéfico comprovado sobre a saúde humana, de acordo com evidências científicas propostas e aceitas por autoridades competentes. Desde a conclusão da definição do Codex, inúmeros grupos de pesquisadores, indústrias e governos têm discutido o tema. A principal controvérsia refere-se à inclusão ou não de polímeros de carboidratos com três a nove unidades monoméricas na definição, decisão que deve ser tomada individualmente pelas autoridades de cada país. A seguir, estão relatadas as principais conclusões dos Comitês de Carboidratos Alimentares do International Life Sciences Institute (ILSI) da Europa e ILSI América do Norte24 e da publicação do ILSI Brasil:22 1. Não há justificativa científica ou fisiológica para assumir que os carboidratos não disponíveis tenham comportamento diferenciado quando o número de unidades monoméricas é< 10 ou:::: 10. 2. Os oligossacarídeos já fazem parte da definição de FA proposta e adotada por inúmeras instituições na área (AACC, EC, ILSI), por comportarem-se de forma similar à FA no organismo humano, por apresentarem inúmeros efeitos benéficos para a saúde intestinal (pré-bióticos) e/ ou pela falta de suporte científico para diferenciar os efeitos fisiológicos entre aqueles oligômeros com três a nove unidades monoméricas e aqueles com maior número de unidades monoméricas. 3. Considerando que diversos países já vêm adotando a inclusão dos oligossacarídeos na definição de FA, a continuidade desse critério pode facilitar a harmonização da rotulagem nutricional e reduzir barreiras junto ao comércio internacional. 4. Com o uso do método AOAC 2009.01 [que fornece o conteúdo de FA (polissacarídeos solúveis + insolúveis + lignina + amido resistente + oligossacarídeos) em alimentos e produtos fonte de oligossacarídeos] o conteúdo de FA ficaria superestimado, caso estes compostos não sejam incluídos na definição. 5. Como o consumidor entende que FA é um grupo de compostos que proporciona vários efeitos benéficos ao organismo, qualquer alteração conceituai pode proporcionar confusão e interferir na seleção adequada dos alimentos, consequentemente afetando sua ingestão diária. A decisão de inclusão de carboidratos não disponíveis de três a nove unidades monoméricas na definição de FA pode propiciar efetiva harmonização global da rotulagem nutricional, não interferir em sua quantificação, reduzir barreiras junto ao comércio internacional e não interferir no entendimento do consumidor sobre a função da FA. Até o momento, o Brasil não abriu a discussão sobre o tema, o que ocorrerá em conjunto com ospaíses membros do Mercosul. COMPONENTES , PROPRIEDADES FÍSICO - QUÍMICAS , RESPOSTAS NO ORGANISMO E EFEITO PRÉ-BIÓTICO Componentes Segundo a AACC, 1 a FA inclui polissacarídeos, oligossacarídeos, lignina e substâncias associadas às plantas que são resistentes à digestão e à absorção no intestino delgado humano. Alguns desses componentes são descritos a seguir. Celulose Esse polissacarídeo linear é composto de até 10 mil unidades de glicose por molécula e é o principal componen te da parede celular dos vegetais, por isso é considerado estrutural várias moléculas compactadas fo rmam longas fibras resistentes à digestão pelas enzimas do s istema digestório. Em razão de sua estrutura cristalina, é insolúvel tanto em meio alcalino quanto em água. A celulose apresenta capacidade de retenção de água; cada grama de celulose pode reter 0,4 g de água no intestino grosso. Embora essa quantidade seja considerada modesta em relação a outros componentes mais viscosos, contribui para tornar o b olo fecal mais pastoso, facilitando a evacuação. A celulo se está presente principalmente nos cereais, nas hortaliças e nas frutas. 3 .23 A celulose modificada e os derivados da celulose são utilizados como ingredientes alimentares; essas modificações podem ser físicas (p. ex., celulose em pó e celulose microcristalina) ou químicas (p. ex., hidroxipropilmetilcelulose, metil ou carboximetil celulose). Esses produtos têm alta solubilidade e formam soluções viscosas decorrentes de alterações na estrutura cristalina. Forma, tamanho de partícula e capacidade de r etenção de água são fatores determinantes d as propriedades e da funcionalidade dessas celuloses. Fibra Dietética e Fibra Funcional Fibra dietética refere-se aos componentes vegetais intactos que não são digeridos pelas enzimas gastrointestinais (GIs), enquanto a fibra funcional refere-se a carboidratos não digeridos que foram extraídos ou produzidos a partir de vegetais. Ambos os tipos de fibras mostraram ter funções fisiológicas benéficas no trato GI e na redução do risco de certas doenças. Essas fibras e as suas funções estão resumidas na · Os homopolissacarídeos contêm unidades repetidas da mesma molécula. Um exemplo é a celulose, que não pode ser hidrolisada por enzimas de amilase. A celulose é o componente orgânico mais abundante no mundo, constituindo 50% ou mais de todo o carbono na vegetação. A longa molécula de celulose dobra-se sobre si mesma e é mantida em posição pela ligação do hidrogênio, fornecendo, assim, · às fibrilas de celulose grande força mecânica, porém uma flexibilidade limitada. A celulose é encontrada em cenouras e muitos outros vegetais. Outros homopolímeros conhecidos como betaglucanas (glicopiranose) ocorrem com ramificação, o que os torna mais solúveis, como a aveia e a cevada. · Os heteropolissacarídeos são produzidos pela modificação da estrutura básica da celulose para formar compostos com diferentes solubilidades em água. A hemicelulose é um polímero de glicose substituído por outros açúcares; diferentes moléculas de açúcar possuem diferentes solubilidades em água. O açúcar predominante é utilizado para nomear a hemicelulose (p. ex., xilana, galactana, manana, arabinose, galactose). As pectinas e as gomas contêm açúcares e xilitol, que tornam essas moléculas ainda mais hidrossolúveis do que a hemicelulose. A estrutura de pectina do ácido galacturônico absorve a água, formando um gel; que é amplamente usado para fazer geleias. A estrutura principal do ácido galacturônico possui unidades de ramnose inseridas nos intervalos e nas cadeias laterais da arabinose e galactose. A pectina é encontrada em maçãs, frutas cítricas, morangos e outras frutas. As gomas e as mucilagens (p. ex., a goma guar) são similares à pectina, exceto pelo fato de suas unidades de galactose serem combinadas com outros açúcares (p. ex., a glicose) e polissacarídeos. As gomas são encontradas · nas secreções e sementes de vegetais. As qualidades de textura específicas das gomas e mucilagens são comercialmente úteis quando adicionadas aos alimentos processados como os sorvetes. · Os frutanos incluem fruto-oligossacarídeos (FOS), inulina, frutanos tipo inulina e oligofrutose e são compostos de polímeros de frutose, frequentemente ligados a uma glicose inicial. A inulina abrange um grupo variado de polímeros de frutose amplamente distribuídos nos vegetais como um carboidrato de armazenamento. A oligofrutose é um subgrupo da inulina com menos de 10 unidades de frutose. Todas são pouco digeridas no aparelho GI superior e, dessa forma, fornecem apenas 1 kcal/g (Roberfroid, 2005). · Os frutanos contém frutose; possuem um sabor doce, puro, e têm a metade da doçura da sacarose. As principais fontes de frutanos incluem trigo, cebola, alho, banana e chicória; outras fontes incluem tomate, cevada, centeio, aspargo e girassol-batateiro. A inulina e os compostos são usados amplamente para melhorar o sabor e a doçura adicionada dos alimentos de baixo teor calórico e a estabilidade e a · aceitabilidade dos alimentos com teor de gordura reduzido. Como não são absorvidos no intestino, os frutanos têm sido utilizados na substituição do açúcar para pacientes diabéticos. · Os prebióticos são substâncias alimentares não digeríveis que estimulam seletivamente o crescimento ou a atividade de bactérias presentes no cólon (probióticos) que são benéficas para o hospedeiro. Vários prebióticos, incluindo a inulina, frutanos do tipo inulina e FOS, estimulam o crescimento de bactérias · intestinais, principalmente as bifidobactérias. Os frutanos (sintetizados ou extraídos) têm propriedades prebióticas e são considerados como fibras funcionais (Roberfroid, 2007). A fibra funcional é comumente adicionada aos suplementos nutricionais líquidos e às fórmulas de alimentação por sonda. · Os polissacarídeos algáceos (p. ex., a carragenana) são extraídos das algas marinhas e utilizados como agentes espessantes e estabilizantes em fórmulas para bebês, sorvete, pudim de leite e produtos de creme azedo. Os polissacarídeos algáceos são usados comercialmente, pois formam géis fracos com as proteínas e estabilizam as misturas de alimentos, impedindo que os ingredientes suspensos fiquem depositados no fundo do recipiente. Tobacman (2001) demonstrou que a carragenana danifica as culturas de células humanas e destrói as células mioepiteliais mamárias dos seres humanos em concentrações tão baixas quanto 0,00014%. Com o seu uso disseminado em alimentos comerciais e com a incerteza sobre a extensão da sensibilidade humana, são necessárias mais investigações sobre a carragenana. · A polidextrose e outros polióis são polímeros sintéticos dos alcoóis açúcar utilizados como substitutos do açúcar nos alimentos. Eles não são digeríveis, contribuem para o aumento do volume fecal e podem ser fermentados no intestino delgado. Estes ainda não foram classificados como fibras funcionais (IOM, Food and Nutrition Board, 2002). · A lignana é uma fibra alimentar lenhosa encontrada nos caules e nas sementes de frutas e vegetais e na camada de farelo dos cereais. Ela não é um carboidrato, mas é um polímero composto de alcoóis e ácidos fenilpropílicos. Os grupos fenil contêm ligações duplas conjugadas, que os tornam excelentes antioxidantes. A lignana da linhaça também possui atividade de fitoestrogênio e pode imitar o estrogênio · nos seus receptores nos órgãos reprodutores e ossos. · Papel da Fibra na Digestão e Absorção · O papel da fibra no sistema GI varia de acordo com sua solubilidade. Os oligossacarídeos e as fibras não absorvíveis possuem um efeito importante sobre a fisiologia humana. As fibras insolúveis, tais como a celulose, aumentam a capacidade de retenção de água do material não digerido, levando ao aumento do · volume fecal, ao aumento da frequência de evacuações diárias e ao trânsito intestinal diminuído. Por outro lado, as fibras solúveis formam géis, desaceleram o tempo de trânsito gastroinstestinal, ligam outros nutrientes, tais como colesterol e sais minerais, e diminuem a sua absorção. Certos oligossacarídeosnão digeríveis (OND), que são fermentados pelas bactérias intestinais, estimulam a absorção intestinal e a retenção de alguns minerais, como o cálcio, o magnésio, o zinco e o ferro (Scholz- · Ahrens et al., 2001). · As concentrações de lipídios séricos podem ser modificadas tanto pela celulose insolúvel e lignana quanto pela pectina solúvel e psilium. Eles se ligam aos ácidos biliares fecais e aumentam a excreção do colesterol derivado de ácidos biliares, reduzindo assim a absorção de lipídios. Oligossacarídeos fermentáveis e fibras alimentares são convertidos por bactérias intestinais para a cadeia curta de ácidos · graxos (AGCCs), que diminui os lipídios no sangue. As evidências são conflitantes para o efeito hipocolesterolêmico das fibras solúveis, incluindo FOS, polidextrose e polióis sintéticos, pectina viscosa, goma guar, farelo de aveia, casca de psílim, feijões, leguminosas, frutas e vegetais. Os efeitos variam com o tipo de quantidade de fibras (American Dietetic Association, 2008.) A modulação prebiótica pela fibra ocorre pela fermentação nos AGCC, acetato, butirato e no propionato. Os AGCCs · são facilmente absorvidas pela mucosa intestinal e do cólon. Eles melhoram a absorção de água e sódio, o fluxo sanguíneo do cólon, a proliferação de colonócito, a produção hormonal GI, a produção de energia metabólica e estimulam o sistema nervoso autônomo por meio de receptores específicos no cólon (Tazoe et al., 2008). O AGCC butirato (4C) é a principal fonte de energia (mais de 70%) dos colonócitos, · derivando principalmente do amido. O propionato (3C) é absorvido e depurado pelo fígado para o metabolismo de lipídios hepáticos ou da glicose. O acetato (2C), produzido a partir do carboidrato não digerido, é rapidamente metabolizado em dióxido de carbono pelos tecidos periféricos, e pode servir como substrato para a síntese de lipídios e colesterol (Cummings et al., 2001). · O papel da fibra na fisiologia do sistema GI é complexo. A ingestão adequada da fibra total é de 38 g/dia para homens e 25 g/dia para mulheres (IOM, Food and Nutrition Board, 2002). A ingestão média de fibra dos norte-americanos é atualmente a metade da recomendada. Além das fibras, outros compostos vegetais não nutrientes, incluindo taninos, saponinas, lectinas e fitatos interagem com os macronutrientes, · e podem reduzir sua absorção. O ácido fítico ou fitato, um anel de seis carbonos com uma ligação de fosfato a cada carbono, é encontrado na cobertura da semente de grãos e leguminosas e pode se ligar a íons metálicos, especialmente cálcio, cobre, ferro e zinco. O fitato em excesso pode reduzir a hidrólise do amido caso este se una ao cálcio, o qual catalisa a ação da amilase.