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1 SUMÁRIO 1 CONCEPÇÃO DE CAMPO E DE EDUCAÇÃO DO CAMPO ............. 2 2 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ............................................................... 9 3 ARTIGO PARA REFLEXÃO: ........................................................... 23 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................. 42 2 1 CONCEPÇÃO DE CAMPO E DE EDUCAÇÃO DO CAMPO É importante fazer uma distinção dos termos “rural” e “campo”. A concepção de rural representa uma perspectiva política presente nos documentos oficiais, que historicamente fizeram referência aos povos do campo como pessoas que necessitam de assistência e proteção, na defesa de que o rural é o lugar do atraso. Trata-se do rural pensado a partir de uma lógica economicista, e não como um lugar de vida, de trabalho, de construção de significados, saberes e culturas. Como consequência das contradições desse modelo de desenvolvimento, está, por um lado, a crise do emprego e a migração campo-cidade e, por outro, a reação da população do campo que, diante do processo de exclusão, organiza- se e luta por políticas públicas, construindo alternativas de resistência econômica, política e cultural que também inclui iniciativas no setor da educação. A concepção de campo tem o seu sentido cunhado pelos movimentos sociais no final do século XX, em referência à identidade e cultura dos povos do campo, valorizando-os como sujeitos que possuem laços culturais e valores relacionados à vida na terra. Trata-se do campo como lugar de trabalho, de cultura, da produção de conhecimento na sua relação de existência e sobrevivência. Assim, essa compreensão de campo vai além de uma definição jurídica. Configura um conceito político ao considerar as particularidades dos sujeitos e não apenas sua localização espacial e geográfica. A perspectiva da educação do campo se articula a um projeto político e econômico de desenvolvimento local e sustentável, a partir da perspectiva dos interesses dos povos que nele vivem. O que caracteriza os povos do campo é o jeito peculiar de se relacionarem com a natureza, o trabalho na terra, a organização das atividades produtivas, mediante mão-de-obra dos membros da família, cultura e valores que enfatizam as relações familiares e de vizinhança, que valorizam as festas comunitárias e de celebração da colheita, o vínculo com uma rotina de trabalho que nem sempre segue o relógio mecânico. A identidade dos povos do campo comporta categorias sociais como posseiros, boias-frias, ribeirinhos, ilhéus, atingidos por barragens, assentados, 3 acampados, arrendatários, pequenos proprietários ou colonos ou sitiantes – dependendo da região do Brasil em que estejam – caboclos dos faxinais, comunidades negras rurais, quilombolas e, também, as etnias indígenas. Fonte:www.google.com.br A identidade política coletiva é gerada a partir da organização das categorias em movimentos sociais, a exemplo do MST, das etnias indígenas, dos quilombolas, dos atingidos por barragens e daqueles articulados ao sindicalismo rural combativo. A identidade sociocultural é dada pelo conceito de cultura. Schelling (1991) traz uma definição de cultura como práxis que pode ser útil à educação do campo. Para a autora, a capacidade do homem de se transformar e ser transformado é uma característica humano-genérica (estruturar e ser estruturado) e essa capacidade está na base do conceito de cultura como práxis, por meio da qual [...] o homem não só se adapta ao mundo, como também o transforma. Essa transformação ocorre em dois níveis: em primeiro lugar no nível da interação do homem com a natureza e como ser da natureza, modificando o ambiente natural com o uso de ferramentas. Ocorre também no nível da consciência, da interação comunicativa entre os indivíduos e sua organização social (SCHELLING, 1991, p.32). 4 Fonte:www.google.com.br Nas teses sobre Feuerbach (trad. 1999, (p. 126), Marx afirma que “É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento”. Ele faz a crítica à doutrina materialista tradicional, para a qual os homens seriam produto das circunstâncias e da educação, bem como que os homens transformados seriam produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada. Destaca que o materialismo tradicional “esquece que são precisamente os homens que transformam as circunstâncias e que o próprio educador deve ser educado” (FEUERBACH, 1991, p. 126). Por sua vez, Schelling cita Marx ao demonstrar o atributo genérico do modo humano de existir. O animal forma uma unidade com sua atividade vital. Ele não distingue a atividade de si mesmo. Ele é sua atividade. Mas o homem faz de sua atividade vital um objeto de sua vontade e consciência. Ele tem uma atividade vital consciente. Não é uma determinação com a qual ele se identifique completamente. A atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais [...]. Apenas por essa razão sua atividade é atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação, na medida em que o homem, por seu autoconsciente, faz de sua atividade vital, seu ser, apenas um meio para sua existência [...] (MARX apud SCHELLING, 1991, p.33). É na práxis que o homem tem condições de superar a própria situação de opressão, mediante a análise de que a divisão do trabalho é característica de 5 uma determinada formação social e não um fato natural. A práxis passa a ser condição para a ação revolucionária, de modo que os homens podem pensar o sentido de suas atividades, a sua organização política e ações conjuntas na luta contra a opressão. Fonte:www.google.com.br Schelling (1991) cita a crítica de Gramsci ao conceito afirmativo de cultura: Precisamos nos livrar do hábito de ver a cultura como conhecimento enciclopédico, e os homens como simples receptáculos a serem preenchidos com fatos empíricos e um amontoado de fatos brutos isolados, que tem de ser catalogados no cérebro como nas colunas de um dicionário, permitindo a seu proprietário responder aos vários estímulos do mundo exterior. Essa forma de cultura é realmente perigosa, em particular para o proletariado. Serve apenas para criar pessoas mal ajustadas, pessoas que acreditam ser superiores ao resto da humanidade por terem memorizado certo número de fatos e datas [...] (GRAMSCI apud SCHELLING, 1991, p. 35). 6 Estudiosa de Gramsci, Schlesener (2002, p. 47) demonstra a compreensão que o respectivo político e filósofo italiano tem sobre cultura: Dou à cultura este significado: exercício do pensamento, aquisição de ideias gerais, hábitos de conectar causa e efeito. Para mim, todos já são cultos, porque todos pensam, todos conectam causas e efeitos. Mas o são empiricamente, primordialmente, não organicamente. Schlesener (2002, p. 47) demonstra que a cultura: [...] apresenta-se como saber que se produz na relação com a ação, o pensar que cria e transforma [...] os homens são capazes de renovar, de mudar o mundo conhecendo a história e a sua própria capacidade de reviver “do seu esforço atual numa força do amanhã”. Um desafio está posto à educação do campo: considerar a cultura dos povos do campo em sua dimensão empírica e fortalecer a educação escolar como processo de apropriação e elaboração de novos conhecimentos. Fonte:www.google.com.br 7 Assim, o conceito de cultura como práxis guarda relação com a compreensão da história como processo coletivo de autocriação do homem, sob a possibilidade de criar uma ordem social de maior liberdade e justiça (SCHELLING, 1991, p. 37-38). Entender o campo como um modo de vida social contribui para auto afirmar a identidade dos povos do campo, para valorizar o seu trabalho, a sua história, o seu jeito de ser,os seus conhecimentos, a sua relação com a natureza e como ser da natureza. Trata-se de uma valorização que deve se dar pelos próprios povos do campo, numa atitude de recriação da história. Em síntese, o campo retrata uma diversidade sociocultural, que se dá a partir dos povos que nele habitam: assalariados rurais temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados atingidos por barragens, pequenos proprietários, vileiros rurais, povos das florestas, etnias indígenas, comunidades negras rurais, quilombos, pescadores, ribeirinhos e outros mais. Entre estes, há os que estão vinculados a alguma forma de organização popular, outros não. São diferentes gerações, etnias, gêneros, crenças e diferentes modos de trabalhar, de viver, de se organizar, de resolver os problemas, de lutar, de ver o mundo e de resistir no campo. Fonte:www.google.com. 8 Tal diversidade encontrada nas populações do campo sinaliza um fato que não pode ser deixado de lado: as escolas do campo terão presente no seu interior essa conflituosa, portanto rica, diversidade sociocultural e política. A educação do campo deve estar vinculada a um projeto de desenvolvimento peculiar aos sujeitos que a concernem. São povos que ao longo da história foram explorados e expulsos do campo, devido a um modelo de agricultura capitalista, cujo eixo é a monocultura e a produção em larga escala para a exportação, com o agronegócio, os insumos industriais, agrotóxicos, as sementes transgênicas, o desmatamento irresponsável, a pesca predatória, as queimadas de grandes extensões de florestas, a mão-de-obra escrava. Fonte:www.google.com.br Eis por que a educação do campo deve ter como fundamento o interesse por um modelo cujo foco seja o desenvolvimento humano. Como afirma Fernandes (2005), que seja um debate da questão agrária mediante o princípio da superação, portanto, da luta contra o capital e da perspectiva de construção de experiências para a transformação da sociedade. Na educação do campo, devem emergir conteúdos e debates, entre outros, sobre: 9 - A diversificação de produtos relativos à agricultura e o uso de recursos naturais; - A agroecologia e o uso das sementes crioulas; - A questão agrária e as demandas históricas por reforma agrária; - Os trabalhadores assalariados rurais e suas demandas por melhores condições de trabalho; - A pesca ecologicamente sustentável; - O preparo do solo. Vale destacar que tais temas possibilitam o estudo de um modelo de desenvolvimento do campo que se contraponha ao modelo hegemônico. Fonte:www.google.com.br 2 A EDUCAÇÃO DO CAMPO A educação do campo tem sido historicamente marginalizada na construção de políticas públicas. Tratada como política compensatória, suas demandas e sua especificidade raramente têm sido objeto de pesquisa no espaço da academia e na formulação de currículos nos diferentes níveis e 10 modalidades de ensino. A educação para os povos do campo é trabalhada a partir de um currículo essencialmente urbano e, quase sempre, deslocado das necessidades e da realidade do campo. Mesmo as escolas localizadas nas cidades têm um currículo e trabalho pedagógico, na maioria das vezes, alienante, que difunde uma cultura burguesa e enciclopédica. É urgente discutir a educação do campo e, em especial, a educação pública no Brasil. Será que a educação tem servido para desenvolver cultura entendida como práxis, ou tem contribuído para afirmá-la na perspectiva do conceito burguês? Fonte:www.google.com.br A cultura, os saberes da experiência, as dinâmicas do cotidiano dos povos do campo raramente são tomadas como referência para o trabalho pedagógico, bem como para organizar o sistema de ensino, a formação de professores e a produção de materiais didáticos. Essa visão, que tem permeado as políticas educacionais, parte do princípio que o espaço urbano serve de modelo ideal para o desenvolvimento humano. Esta perspectiva contribui para descaracterizar a identidade dos povos do campo, no sentido de se distanciarem do seu universo cultural. Essa lógica faz parte de um modelo de desenvolvimento econômico capitalista, baseado na concentração de renda; na migração do trabalhador rural para as cidades, atuando como mão-de-obra barata, na grande propriedade e 11 na agricultura para exportação que compreende o Brasil apenas como mercado emergente, predominantemente urbano e que prioriza a cidade em detrimento do campo. Entre as características da educação do campo que se pretende construir, estão: Concepção de mundo: o ser humano é sujeito da história, não está “colocado” no mundo, mas ele é o mundo, faz o mundo, faz cultura. O homem do campo não é atrasado e submisso; antes, possui um jeito de ser peculiar; pode desenvolver suas atividades pelo controle do relógio mecânico ou do relógio “observado” no movimento da Terra, manifesto no posicionamento do Sol. Ele pode estar organizado em movimentos sociais, em associações ou atuar de forma isolada, mas o seu vínculo com a terra é fecundo. Ele cria alternativas de sobrevivência econômica num mundo de relações capitalistas selvagens; 12 Fonte:www.google.com.br/ Concepção de escola: local de apropriação de conhecimentos científicos construídos historicamente pela humanidade e local de produção de conhecimentos em relações que se dão entre o mundo da ciência e o mundo da vida cotidiana. Os povos do campo querem que a escola seja o local que possibilite a ampliação dos conhecimentos; portanto, os aspectos da realidade podem ser pontos de partida do processo pedagógico, mas nunca o ponto de chegada. O desafio é lançado ao professor, a quem compete definir os conhecimentos locais e aqueles historicamente acumulados que devem ser trabalhados nos diferentes momentos pedagógicos. Os povos do campo estão inseridos nas relações sociais do mundo capitalista e elas precisam ser desveladas na escola; Concepção de conteúdos e metodologias de ensino: conteúdos escolares são selecionados a partir do significado que têm para determinada comunidade escolar. Tal seleção requer procedimentos de investigação por parte do professor, de forma que possa determinar quais conteúdos nos contribuem diversos momentos pedagógicos para a ampliação dos conhecimentos dos educandos. Estratégias metodológicas dialógicas, nas quais 13 a indagação seja frequente, exigem do professor muito estudo, preparo das aulas e possibilitam relacionar os conteúdos científicos aos do mundo da vida que os educandos trazem para a sala de aula; Fonte:www.google.com.br/ Concepção de avaliação: processo contínuo e realizado em função dos objetivos propostos para cada momento pedagógico, seja bimestral, semestral ou anual. Pode ser feita de diversas maneiras: trabalhos individuais, atividades em grupos, trabalhos de campo, elaboração de textos, criação de atividades que possam ser um “diagnóstico” do processo pedagógico em desenvolvimento. Muito mais do que uma verificação para fins de notas, a avaliação é um diagnóstico do processo pedagógico, do ponto de vista dos conteúdos trabalhados, dos objetivos, e da apropriação e produção de conhecimentos. É um diagnóstico que faz emergir os aspectos que precisam ser modificados na prática pedagógica. 14 Fonte:www.google.com.br/ Para a educação que se quer construir, um procedimento essencial é a escuta: - Escutar os povos do campo, a sua sabedoria, as suas críticas; - Escutar os educandos e as suas observações, reclamações ou satisfações com relação à escola e à sala de aula; - Escutar as carências expostas pelos professores das escolas do campo; enfim, ouvir cada um dos sujeitos que fazem o processo educativo: comunidade escolar, professores e governos, nas esferas municipal, estadual e federal; - Por meioda escuta, será gerado o diálogo e nele serão explicitadas as propostas políticas e pedagógicas necessárias à escola pública. Busca-se uma educação que seja crítica, cuja característica central é a problematização dos conhecimentos. Problematizar implica discutir os conteúdos de forma a gerar indagações e não de forma enciclopédica e mecânica. Para tanto, na educação do campo, o tema questão agrária é essencial para compreender os determinantes que levaram a educação do campo a estar historicamente marginalizada nas políticas educacionais. 15 Fonte:www.google.com.br No Brasil, como diz Martins (2000), a questão agrária não tem impedido o desenvolvimento do capital, porque no país o grande capital já se apropriou das grandes parcelas de terras. Porém, há que se discutir a geração de empregos, a condição da grande massa de miseráveis, o que, observa Martins (2000) de forma crítica, que também não tem impedido o desenvolvimento capitalista, uma vez que: [...] a exclusão se tornou parte integrante da reprodução do capital [...] há quem fale numa espécie de auxílio estatal à pobreza que dispensaria a reforma agrária, custosa, e asseguraria a sobrevivência dos pobres em condições mínimas sem necessidade de pagar o custo de grandes transformações econômicas e sociais como a reforma agrária (MARTINS, 2000, p.100). Essas são questões que a educação do campo pode desvelar, numa atitude de elaboração de um conhecimento que parte dos próprios povos do campo e de suas experiências vividas, como diria Gramsci, uma cultura ligada à vida social. 16 Fonte:www.google.com.br No âmbito da educação do campo, objetiva-se que o estudo tenha a investigação como ponto de partida para a seleção e desenvolvimento dos conteúdos escolares, de forma que valorize singularidades regionais e localize características nacionais, tanto em termos das identidades sociais e políticas dos povos do campo quanto em valorização da cultura de diferentes lugares do país. Trata-se de uma educação que deve ser no e do campo - No, por que: [...] o povo tem o direito de ser educado no lugar onde vive; [Do, pois] “o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais” (CALDART, 2002, p. 26). Há uma produção cultural no campo que deve se fazer presente na escola. Os conhecimentos desses povos precisam ser levados em consideração, constituindo ponto de partida das práticas pedagógicas na escola do campo. Quais são os conhecimentos dos povos do campo? Damasceno (1993, p. 57) entende que a prática produtiva e política dos camponeses é a fonte básica do conhecimento social. Para ela, os saberes sociais dos camponeses podem ser: - Engendrados na prática produtiva do campesinato; - Elaborados na prática política, envolvendo a construção da identidade de classe e a organização política do campesinato. 17 www.google.com.br Portanto, são os conhecimentos do mundo do trabalho no campo, das negociações em torno da produção, das necessidades básicas para a produção de determinados produtos, a organização dos trabalhadores em cooperativas, iniciativas na área da agroecologia, organização das comunidades de pescadores, que fortalecem grupos de resistência, que se recusam a inserir-se no modelo capitalista competitivo de produção e criam alternativas para manter o vínculo com o trabalho e vida no campo. Os conhecimentos do mundo da política, a participação ou a observação de como se dá a tomada de decisão, por parte do poder público local ou nacional, fazem se necessários aos povos do campo, para que sobrevivam na lógica perversa que o mercado impõe àqueles que constituem força de trabalho e/ou vivem da produção em pequenas parcelas de terras. Nesse aspecto, a escola deve realizar uma interpretação da realidade que considere as relações mediadas pelo trabalho no campo, como produção material e cultural da existência humana. A partir dessa perspectiva, deve construir conhecimentos que promovam novas relações de trabalho e de vida para os povos no e do campo. 18 Fonte:www.google.com.br Outra importante reflexão, quando se fala dos povos do campo, é o conceito de “camponês”, que é polêmico. Embora não seja objeto de reflexão deste texto, indicamos alguns referenciais que podem auxiliar em sua definição. Segundo Poli (1995, p. 124-125), os principais elementos para caracterizar o camponês são: - É um trabalhador que cultiva uma pequena área de terra, com uso de ferramentas simples, ou pequenas máquinas de tecnologia rudimentar; - Está baseado quase exclusivamente na mão-de-obra familiar, podendo empregar, esporadicamente, trabalhadores assalariados; - Combina a produção dos meios de vida com a produção de mercadorias, sem as condições de acumular capital; - É um sujeito inserido e reproduzido no interior do modo de produção capitalista, sem ser um capitalista, na sua essência; - A família é a sua unidade básica de posse, produção e consumo; - Organizado de forma coletiva, tem na própria família, no interior da sociedade global, a função de permitir a oferta de produtos agropecuários a preços inferiores aos das empresas capitalistas. - A família camponesa está sempre ligada a uma unidade maior, o bairro rural, o grupo de vizinhança, a comunidade, sendo a família uma das unidades básicas de socialização; - Mantém contato frequente com a sociedade urbana, numa relação subordinada a ela, de inferioridade, social, política e econômica; 19 - Possui grau elevado de autonomia no processo de decisão e gestão da produção; - O contato com o mercado é frequente, com caráter parcial e incompleto; vende seus produtos excedentes e adquire mercadorias complementares para satisfazer necessidades básicas; - Tem objetivos de produzir valores de uso e não valores de troca; - Sua agricultura está voltada à manutenção de um modo de vida e não de um negócio. Fonte:www.google.com.br Poli entende, portanto, que “o camponês representa um modo de vida”, isto é, uma cultura. Esses elementos, dentre outros, caracterizam a diversidade sociocultural peculiar ao modo de vida camponês. Compreender a educação a partir da diversidade camponesa, do modo de vida, implica construir políticas públicas que assegurem o direito à igualdade, com respeito às diferenças; implica a construção de uma política pública de educação na qual a formação de professores possa contemplar esses fundamentos. Hoje, os professores saem dos bancos escolares, dos cursos de licenciatura, sem ter estabelecido qualquer discussão sobre o modo de vida camponês, pressupondo que o modo de vida urbano prevalece em todas as 20 relações sociais e econômicas brasileiras. Da mesma forma, a maioria dos cursos de formação continuada deixa de valorizar a educação do campo. A formação continuada, conforme era concebida por Freire, permite que o educador faça de sua prática objeto de estudo, reflita-a coletivamente e à luz de teoria, recriando-a permanentemente. Apoiando-se em Freire, escrevem Benincá e Caimi (2002, p. 100-101): A formação continuada, no pensamento de Paulo Freire, tem como pressuposto a existência de um processo político-pedagógico e, ao mesmo tempo, de uma antropologia fenomenológico-hermenêutica. Isto implica um passado que se faz história, um presente em permanente transformação e um futuro a ser construído. O passado se faz história e realidade, embora seja sempre uma determinada leitura dos acontecimentos e textos já construídos. O futuro, porém, é sempre um presente em transformação, enquanto desejo e utopia. Iniciativas das universidades em parcerias com os movimentos sociais precisam ser valorizadas pelo poder público, pois partir delas a formação inicial e/ou continuada poderá ser incrementada,pela difusão de conhecimentos que permitam aos professores valorizar o campo e a cultura dos povos do campo no Brasil. Também, a atitude de disposição por parte do professor precisa estar manifesta. É necessário que ele seja sujeito do processo pedagógico, sinta-se sujeito, queira ser sujeito. Ao longo da última década, realizou-se o processo de nuclearização das escolas do campo e a municipalização dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Com isso, muitas escolas foram retiradas das comunidades, passando a se localizar nas sedes dos municípios. Ainda que essa escola não esteja próxima ao local de moradia, ela deve ser concebida como uma escola do campo e não pode recair no equívoco de privilegiar a cultura da cidade, desvalorizando a identidade desses alunos, sejam crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Da mesma forma, a escola não pode reduzir o processo pedagógico às discussões da realidade camponesa, desconsiderando a interdependência campocidade. A grande maioria das sedes dos municípios em que se encontram essas escolas possui características do campo, na produção, no trabalho, na 21 diversão, no modo de vida. Essa forma própria de existência produz saberes que foram acumulados ao longo das experiências vividas pelos sujeitos do campo. Destaca-se a importância de a escola localizar-se no campo, para que seja reforçado o debate da educação do campo. Mesmo havendo necessidade de nuclearização, é importante que esta seja efetivada no próprio campo. A escola vai além de um local de produção e socialização do conhecimento, sendo espaço de convívio social, onde acontecem reuniões, festas, celebrações religiosas, atividades comunitárias como bazar, vacinação etc., que vivificam as relações sociais na comunidade, potencializam-lhe a permanente construção de uma identidade cultural e, em especial, a elaboração de novos conhecimentos. Fixada no campo, evita o desgaste provocado pelas grandes distâncias e pelo transporte de baixa qualidade. A política de transporte escolar que vem sendo implementada nas últimas décadas contraria o sentido da luta pela educação do campo, pois retira as crianças e adolescentes da sua realidade local, levando-os para os núcleos urbanos. Os professores que atuam nas escolas do campo denunciam, em suas falas, a condição precária de muitas estradas rurais e dos ônibus usados para o transporte dos alunos. Isso faz alunos perderem boa parte do ano letivo, prejudicando o processo de ensino aprendizagem. Ao entender o campo como lugar de um modo de vida, de produção econômica e de organização política, alguns eixos temáticos são sugeridos na 22 sequência. O intuito é motivar e enriquecer o debate nas escolas do campo, ampliar as proposições pedagógicas, propiciar um repensar das aulas, da prática social dos professores, dos alunos e da comunidade escolar. 23 3 ARTIGO PARA REFLEXÃO: EDUCAÇÃO DO CAMPO: PRESSUPOSTOS QUE NORTEIAM SUAS BASES CULTURAIS E CURRICULARES Camila Timpani Ramal Prof. Dr. Luiz Bezerra Neto Universidade Federal de São Carlos, Centro de Educação e Ciências Humanas, Área de Fundamentos da Educação INTRODUÇÃO Até meados do século XX há o predomínio de uma visão otimista em que o papel da escola era o de tentar superar todos os atrasos sociais e econômicos de uma nação. Havia um pensamento de que a construção e o aparecimento de escolas públicas garantiriam a todos os cidadãos o acesso à educação de qualidade, prevalecendo assim o princípio de igualdade entre todos os cidadãos. Neste caso, as condições de ensino estavam determinadas e eram consideradas igualitárias devendo prevalecer apenas os dons individuais. Assim se houvesse fracasso escolar, a responsabilidade não seria da escola, mas do próprio indivíduo que não teria tido competência ou não teria se esforçado o suficiente para ser aprovado. A partir dos anos de 1960, Pierre Bourdieu formula respostas para a profunda crise em que a escola se encontrava naquele momento de reflexões acerca de sua função, enquanto esta buscava reinterpretar o seu papel na sociedade acabava abandonando todo o otimismo pedagógico das épocas anteriores. Inova-se nas concepções sociológicas da educação e agora, a origem social do cidadão passa a ser levada em consideração na sua aprendizagem e no ambiente escolar. Descarta-se a antiga concepção de que o fracasso escolar era inerente ao indivíduo. 24 Várias pesquisas começaram a ser divulgadas, patrocinadas, principalmente, pelos governos francês, inglês e americano que relatavam de forma bastante clara que a origem social do sujeito também tem forte influência no seu destino escolar. Esse novo pensamento de ensino foi bastante divulgado havendo também a criação de muitas vagas na escola pública o que acabava desvalorizando os títulos escolares e frustrando as expectativas dos estudantes franceses nos anos 60 de ascender socialmente através da educação. Neste momento, Bourdieu preocupa-se em oferecer à sociedade uma nova visão de interpretar a educação e a escola e explicar todas as dificuldades que anteriormente não haviam sido esclarecidas. Para este pensador a educação perde o seu antigo papel de democratização e transformação da sociedade e passa a ser vista como uma instituição que legitima, mantém e colabora com a divisão de classes e dos privilégios sociais. O novo caráter atribuído à escola ajuda a repensar as novas obrigações da família, que devem juntamente com esta instituição ser responsabilizada pela formação social, política e cultural de seus membros e afirma ainda, que devemos reconhecer a relação que se estabelece entre escola e sociedade e que no interior da instituição escolar se reproduz toda a estrutura social. Para Bourdieu o homem não é um sujeito de caráter autônomo, é um indivíduo que carrega consigo uma bagagem social herdada seja em seu ambiente interno ou externo, podendo ser exposto positivamente ou não, a serviço do sucesso escolar. Influenciando neste aspecto estão o que este autor denominou de capital econômico, social e cultural. Os aspectos relacionados à Sociologia da Educação expressos por Bourdieu, ressaltam a importância do capital cultural na formação do sujeito e promove a diminuição do capital econômico na justificativa das desigualdades escolares. É importante lembrar que a ênfase do capital cultural por Bourdieu se justifica por que ele favorece o desenvolvimento escolar do sujeito facilitando a apreensão dos conteúdos e dos códigos que são tão cobrados pela instituição escolar. 25 Com a apreensão prévia do capital cultural a escola torna-se apenas a extensão da família, visto que as crianças da elite já trazem de casa o maior ou menor domínio da língua culta, os parâmetros culturais e conhecimentos já legitimados pela sociedade e cobrados pela instituição escolar em suas bases curriculares. Contrariamente a esse fato, estão as crianças oriundas das classes populares que estão excluídas do capital cultural elitizado e que ao adentrarem no mundo da escola se veem ameaçadas num mundo estranho ao seu, não se identificando com a realidade que lhes é apresentada. No ambiente escolar o estranhamento das classes menos abastadas se justifica na medida em que a escola cobra de seus alunos um comportamento elegante de falar, se comportar e até mesmo que sejam perfeitos na escrita e que tenham interesse, curiosidade e disciplina. Assim, essa realidade só pode ser cumprida por indivíduos previamente educados e socializados dentro desses ambientes e valores, no cotidiano dos museus, teatros e, entre livros e boa música, atividades que são desenvolvidas e estimuladas pela família. A posição social de cada grupo ajuda a construir determinadas ações quefazem com que cada grupo social escolha estratégias seguras e rentáveis, asseguradas através de experiências de êxito e fracasso que são incorporadas pelos indivíduos como parte de seu habitus.1 No campo da educação os exemplos de fracasso e sucesso escolar dos indivíduos fazem com que esses sujeitos, inconscientemente, apliquem à sua realidade as chances de investimentos na educação. Maria Alice Nogueira (2002), citando Bourdieu explica que Isso significa que os membros de cada grupo social tenderão a investir uma parcela maior ou menor dos seus esforços – medidos em termos de tempo, dedicação e recursos financeiros – na carreira escolar dos 1 Reponses (1992) quando cita Bourdieu diz que “(...) sendo produto da história, o habitus é um sistema de disposições aberto, permanente afrontado a experiências novas e permanente afetado por elas. Ele é durável, mas não imutável.” (REPONSES citado por LOYOLA apud BOURDIEU: 2002, p. 32) 26 seus filhos, conforme percebam serem maiores ou menores as probabilidades de êxito. (NOGUEIRA, 2002: p. 06). Nesse caso, os investimentos em educação dependeriam do grau de benefício que cada classe social teria atingido ou adquirido com o avanço de seus pais e filhos na escolaridade. No caso das elites econômicas o investimento na escolaridade pode ser bem menor do que o de certas frações de classes que dependem, exclusivamente, dos certificados escolares para ascenderem socialmente nos diferentes mercados simbólicos (matrimônio) e na busca de um trabalho reconhecido e valorizado. A diferença entre o investimento da elite e do grupo que possui de maneira precária o capital econômico e cultural, está no fato de que o segundo investe moderadamente, ou quase nada, na educação de seus membros. Isso acontece por que as experiências de sucesso escolar seriam escassas, faltariam recursos econômicos, sociais e culturais, tornando o investimento incerto, de grande risco e de longo prazo. Neste sentido, as camadas populares tenderiam a adotar o “liberalismo”2, expresso por Bourdieu, em relação a educação de seus filhos. Os filhos poderiam estudar o suficiente para se manterem ou até mesmo, para atingirem um grau de escolaridade um pouco mais elevado que o de seus pais. Assim, as carreiras profissionalizantes e as mais curtas seriam as aspirações desse grupo, visto que dão acesso mais rápido ao mercado de trabalho. No caso das elites econômicas o investimento na educação dos seus filhos é maior do que qualquer classe economicamente ativa, mas esse investimento acontece de forma bastante descontraída. Para essa fração de classe o sucesso escolar é natural, visto que não há um compromisso estabelecido com a mobilização social e os estudos, seriam apenas extensão da educação familiar, por isso ocorreria de maneira natural e automática. Trazendo esses fatos para o âmbito da realidade escolar, Bourdieu afirma que a escola não transmite a seus alunos os conhecimentos, os métodos e as 2 Aspas das autoras NOGUEIRA (2002), ver referências. 27 avaliações de forma neutra, estes conceitos estariam subordinados a legitimação e reprodução da dominação exercida pelas elites, pois para este mesmo autor, a cultura transmitida pela escola que é legitimada e aceita pela sociedade é basicamente a cultura expressa e imposta pelas camadas dominantes. Nesse sentido, a educação do campo por acolher somente crianças advindas e pertencentes às camadas populares, norteia-se e engloba os aspectos levantados por Bourdieu que se referem ao baixo nível de capital cultural, econômico e social presente nessa fração de classe. A emergência deste debate sobre educação do campo foi concretizada, através da 1ª Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, realizada em 1998 na cidade de Luziânia, Goiás, onde iniciou-se um movimento de luta por uma educação do campo e para o povo do campo. Esta educação que propomos estudar é representada por sujeitos concretos e busca o seu recorte numa camada social específica (a dos camponeses), sem descartar a universalidade do processo educacional. Visto que a função primordial da educação é antes de tudo a formação intelectual, social e política de seres humanos. O que converge com a concepção de Caldart (2004) de que ... a Educação do Campo faz o diálogo com a teoria pedagógica desde a realidade particular dos camponeses, mas preocupada com a educação do conjunto da população trabalhadora do campo, e, mais amplamente, com a formação humana. E, sobretudo, trata de construir uma educação do povo do campo e não apenas com ele, nem muito menos para ele. (CALDART: 2004, p. 18) Ao refletirmos sobre a educação que é realizada no campo devemos pensar no sentido que damos a este local, pois não devemos perder de vista que a educação é um processo social que contribui para as lutas do povo que ali reside. Por isso a educação, quando vinculada às questões do campo não deve ser compatibilizada com o modelo de agricultura capitalista, que hoje no Brasil é expresso pelo agronegócio e pelos grandes latifúndios, causando a expulsão dos camponeses de seu ambiente. Desta maneira, deve-se pensar num ambiente de inclusão deste camponês, buscando na reforma agrária, na agroecologia popular, na agricultura camponesa a combinação entre educação e campo. 28 É neste contexto que entra o papel da escola. A escola fechada em si mesma deixa de ser o principal foco da Educação do Campo, mas a luta por manter viva esta instituição é imprescindível, pois a maneira como esta se encontra no campo a torna fonte perpetuadora do processo de dominação e de degradação das condições de vida dos camponeses. Por isso, esta instituição tem como papel imprescindível à busca pela formação educativa das novas gerações, pois é através dela que se pode ter o conhecimento e a realização da Educação do Campo na procura de um projeto de vida e de sociedade mais humana. Outro aspecto básico da educação é a construção de um “olhar” para o mundo. Nesse caso, a escola deve se preocupar em relacionar o seu currículo, seus conteúdos com um ideário que possa orientar os seus alunos num enraizamento histórico, consciente e explícito de seu cotidiano. Esse “olhar” deve revisar ideias sobre o mundo onde vivem, compreendendo-o e tentando de várias maneiras modificá-lo. Para que essa ideia seja realmente válida e tenha algum impacto na vida desses alunos camponeses, a escola como instituição de formação e socialização de indivíduos e principalmente a escola do campo, deve se preocupar com a seleção de seus conteúdos, visto que para Jean-Claude Forquin (1993) ela é permeada por intensos conflitos acerca de sua função, transmissão e seleção de seus conteúdos. Este autor levanta algumas ideias tendo como referência as chamadas “pedagogias novas”, e sobre a “oferta cultural escolar” e aponta dois extremos que podem ser muito prejudiciais. De um lado o desprezo ao contexto social mais amplo em que a escola está inserida, postura essa que a condenaria a ficar “perdida no tempo e no espaço”. Por outro lado, seguir exatamente tudo que a cultura social determina também tiraria a função social da escola. De fato, a relação entre cultura escolar e cultura de vida é bem tensa, como explicita Forquin. Todavia, ele reforça a especificidade da escola, cujo currículo, por mais que se baseie no cotidiano do aluno tem como “função” transcender esses conhecimentos “subjetivos” e buscar formar e transmitir uma compreensão cientifica do mundo. 29 Uma crítica também exposta por este autor é de que a escola é acusada de conservadorismo cultural. Entretanto, argumenta que a conservação do que é universal e digno de ser transmitido de todo o legado cultural da humanidade faz parte da função socialda escola. Mas, o apego ao novo, ao atrativo, ao puro espírito criativo por si desvirtuaria a escola de seus verdadeiros rumos. “(...) A escola não é inimiga da verdadeira novidade, mas ela não partilha da obsessão pelo atual, do gosto pelo efêmero e do culto das aparências” (FORQUIN: 1993, p.170). A não-propagação dos saberes tidos como úteis é outra acusação geralmente feita à instituição escolar, o que é previsível em uma sociedade técnico-industrial e capitalista, no qual tudo é medido pelo lucro e pelo utilitarismo. A discussão educacional, porém, não pode se guiar por essa concepção. A cultura escolar vale por ela mesma, seu valor intelectual intrínseco já é suficiente para a justificar e legitimar, caso contrário, se tal orientação for seguida, na visão do autor, será o fim de toda cultura e o “triunfo de um neutralismo de insignificância”. Assim, critica-se ora o universalismo extremo da escola, ora a sua ação desenraizadora, visão essa bem comum na sociologia da educação. Por vezes a escola é vista como culpada de transmitir uma cultura de “classe”, tendenciosamente discriminatória, que não possibilitaria qualquer identificação das crianças com a instituição, especialmente as da classe trabalhadora, no nosso caso especificamente, as advindas do campo. Isso seria a falta de universalidade. Por outro lado, de tão universal ela pode promover o desenraizamento e a exclusão social. Diante de tais acusações Forquin indica um reexame crítico das teorias sociológicas que as promoveram, especialmente nos anos 70. Ele questiona a validade das exigências impostas às escolas, ao se afirmar que ela conscientemente escolhe por transmitir uma cultura “com valor de distinção, com finalidade discriminatória”. 30 Fonte:www.treslagoas.ms.gov.br/ Recorrendo à função social da escola que envolve tanto o lado específico de formação, quanto à inscrição cultural para além das arbitrariedades dos grupos sociais particulares, Forquin conclui sobre a impossibilidade de validar tais críticas e acusações à escola tanto no plano das pesquisas empíricas, quanto no plano conceitual. Por mais que contenha falhas, a instituição escolar ainda é imprescindível. Forquin Procura enfatizar que a cultura e a educação têm características fundamentais em comum, na medida em que procedem, ultrapassam e instituem os sujeitos humanos. Para ele a cultura erudita e livresca é como um tesouro acumulado que as gerações sucessivas nos legaram. O papel da educação, nessas condições, será o de transpor didaticamente esses saberes universais, visando preparar o indivíduo para viver em sociedade. “A cultura é considerada como um repertório, um fundo, um tesouro no interior do qual a educação efetua, de certo modo, extratos para fins didáticos” (FORQUIN: 1993, p. 38). A educação do indivíduo é principalmente resultado da transmissão cultural, nesse sentido, enfatiza-se que a escola deve valorizar a tradição e a transmissão cultural. Esta deve ensinar aos alunos sobre aquilo que é permanente nas sociedades humanas e que o preparará para ter ao mesmo 31 tempo, conhecimento para viver em sociedade e visão crítica, profunda que o tire do cotidiano imediato, pois ao que a escola deve se opor é à condição de vida moderna que cristaliza a exigência do novo e que traz uma cultura massificada como referência para as pessoas. Para Nogueira (2002) as ideias de Bourdieu complementam o pensamento de que a escola não constrói coerentemente o conhecimento do qual o aluno necessita, mas já o considera pronto e acabado. Desvaloriza o conhecimento e a cultura de origem de seu educando e o que ele tem a oferecer, “enquadrando-o” em meio aos currículos, as avaliações e aos métodos pedagógicos impostos pelas elites. “Os conteúdos curriculares seriam selecionados em função dos conhecimentos, dos valores, e dos interesses das classes dominantes” (NOGUEIRA :2002, p. 12). Para complementar todos esses aspectos básicos da educação, torna-se função básica da escola trabalhar os aspectos de formação e percepção de identidades que se formam nos processos sociais. Para Caldart (2004) este processo de construção de identidades é, de fato, ...um aprendizado humano essencial: olhar no espelho o que somos e queremos ser; assumir identidades pessoais e sociais, ter orgulho delas, e enfrentar o desafio do movimento de sua permanente construção e reconstrução. (CALDART: 2004, p.42) A educação deve ajudar a formar, construir e fortalecer identidades. Formar sujeitos, dentro de seus valores, cultura, modo de vida. Para tal não se objetiva a destruição dos conteúdos curriculares, mas a sua reconstrução a partir de um contexto diferente, entendendo que os mesmos devem formar as pessoas para conhecer o mundo e nele interferir de maneira autônoma e coerente. Faz-se necessário que eduquemos os jovens do campo, embasados num currículo que os levem a pensar e agir não apenas sobre questões ligadas a esta realidade específica e adotando uma ideia ingênua de que todos permanecerão no campo. A maioria irá sair e, em princípio não tem nada de ruim nisso. O importante é que o jovem, a partir do conhecimento adquirido e sistematizado pela escola, se aproprie dos mecanismos e dos processos de mudanças que o levam a sair do campo. O desafio da educação é, pois, ajudá-lo a compreender estes fenômenos e, assim, entender sua realidade e fundamentalmente que ele 32 aprenda a refletir para que em outra realidade, em outra situação, ou outra escola, ele saiba acima de tudo pensar. A educação do campo deve ser uma educação diferenciada, mas acima de tudo voltada para a formação de seus sujeitos, afim de que possam interferir em sua realidade na busca de uma vida humana mais plena. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9394/96 a educação básica é compreendida “pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio” e tem por finalidade “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (LDB 9394/96, artigo 22). A expressão educação básica já indica a ampliação e popularização da escola pública mesmo que a lei só garanta a obrigatoriedade do ensino fundamental. Aos poucos a sociedade está incorporando a importância dos outros níveis de ensino, como a educação infantil e o ensino médio. A educação infantil por estar se concretizando como uma ideia de escola e o ensino médio, por ser uma possibilidade de chegar à universidade ou por almejar um emprego melhor para os que deixam os estudos ou não ingressam nas nossas universidades. A educação do campo também garantida pela LDB é assim especificada: Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação as peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I- Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II- Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola; III- Adequação a natureza do trabalho na zona rural (LDB 9394/96). 33 Apesar de estar presente na lei, a educação básica no campo não tem sido atendida de maneira satisfatória e nem ao menos tem sido delineada como proposta para a formação de identidade do meio rural, na busca de um novo projeto de desenvolvimento do campo. As alternativas educacionais e políticas, com relação às concepções, princípios e métodos pedagógicos são parciais e fragmentadas, por isso é difícil fazer uma análise aprofundada de suas carências. O que pode ser feito é a observação da realidade com algumas informações retiradas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mostrou que um dos grandesproblemas a ser enfrentado pela educação do campo é o analfabetismo. Em 1995, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) (apud KOLLING, NERY & MOLINA: 1999) através de seus dados apontou que cerca de 32,7% da população do campo com mais de quinze anos era analfabeta, isso quer dizer que é grande o percentual de nossa população que ainda está excluída do processo de leitura e escrita. Para resolver este problema é necessário que haja políticas públicas voltadas para a alfabetização de jovens e adultos que ainda continuam fora da escola e analfabetos. As escolas do campo sofrem com o abandono. Essas escolas geralmente funcionam de maneira precária, sob o comando de uma única professora que leciona para uma classe que agrega as quatro séries do ensino fundamental, classes multisseriadas. Para Davis & Gatti (1993) algumas escolas rurais isoladas apresentam-se de uma forma que devemos deixar de lado tudo o que conhecemos e sabemos sobre uma instituição escolar. Neste sentido eles afirmam que na escola rural isolada... Não havia uma construção que lembrasse uma escola, nem várias salas de aula, nem diversas professoras, nem mesmo uma diretora. A começar pelo aspecto físico e precariedade das instalações, a escola isolada parecia ser o reino do informalismo e da improvisação. De certa forma, foi mais fácil defini-la pela negação, na medida em que ela era antítese do que se imaginava a respeito de uma escola (DAVIS & GATTI: 1993, p. 77). 34 Estas escolas isoladas representam a grande dicotomia existente entre o rural e o urbano, o que muitas vezes faz com que as prefeituras coloquem transportes para levar os alunos destes locais para estudarem nas cidades, aumentando ainda mais esse fenômeno. Os alunos do campo são colocados em uma mesma sala de aula, com período de estudo específico, sendo caracterizados como fracos ou atrasados. Apresenta-se o estigma de que a escola urbana é melhor do que a escola do campo. Esta realidade faz com que as políticas de investimento fiquem voltadas para este critério, por isso as escolas das cidades se tornam prioridade na agenda de investimentos dos governos, enquanto que as escolas do campo ficam em segundo plano. Por isso é necessário que se aplique políticas específicas para o desenvolvimento da educação do campo, para romper de vez com a dicotomia entre o campo e a cidade e fortalecer a identidade, o currículo e a cultura dos diversos grupos que vivem e se mantém dentro desta realidade. Dito isso, é garantido a diferença entre rural e urbano e não a desigualdade entre uma cultura e outra, entre um modo de vida e outro. Discutir sobre a formação de uma escola básica no campo é levar adiante o pensamento de implicações que avance na luta por políticas públicas. Outra iniciativa importante é o processo de gestão democrática que busca auxílio na comunidade local, nas famílias e nas organizações sociais, para tomar as decisões e a fiscalização de recursos destinados as suas escolas. Não devemos deixar de lado a formação continuada de educadores nesse processo, para que possam atuar de maneira satisfatória nas escolas do campo. E também, o financiamento do Estado para escolas, iniciativas, projetos sociais criados pelas comunidades rurais, movimentos sociais que não tenham como finalidade o lucro. Ao estudar sobre escola do campo, uma primeira condição para que ela exista e funcione de maneira satisfatória é a clareza e a definição do lugar social que a sua educação ocupa para construir um projeto de desenvolvimento. A educação não é responsável por resolver e sanar todos os problemas sociais, econômicos e políticos de uma nação, mas, ela pode ser um componente definidor quando combinada com elementos políticos, econômicos e culturais 35 que de alguma maneira interfere no modelo econômico vigente, podendo até mesmo transformá-lo. O que podemos dizer é que a educação do campo quando combinada com reforma agrária, com transformações nas políticas agrícolas, policultura e pequenas propriedades, pode e deve ser pensada como condição definidora de desenvolvimento rural. O pensamento de um novo modo de ser do cidadão do campo e de sua educação deve estar respaldado pelo princípio de diversidade cultural e social e pelo direito garantido à diferença e a igualdade e principalmente, ao acesso ao bem público, como a educação que deve ser um direito de todos os cidadãos. Aos poucos, articulando esses direitos, a Educação do Campo estará renovando os seus conteúdos curriculares e suas metodologias na busca de um projeto integrado de desenvolvimento baseado nas diretrizes nacionais definidas pela educação básica. Para esta concepção, para atender a esta nova ideia de desenvolvimento da educação básica e de padrões de sustentabilidade são necessárias ações que busquem na formação profissional e no cotidiano da vida no campo a ampliação do capital humano e social. No Brasil, a desigualdade educacional está intimamente ligada à desigualdade social e econômica, causando diferença e influência na renda do trabalhador, como já especificado. As diferenças educacionais são mais visíveis no ensino rural em contraposição ao ensino urbano, isso significa que deve haver um fortalecimento no desenvolvimento rural e na agricultura familiar dentro de bases sustentáveis para que haja uma profunda reforma na educação básica do campo e que possa garantir o acesso, a qualidade e a permanência dos educandos no ensino fundamental. Essas mudanças devem implicar no enfrentamento dos reais problemas da educação do campo. Neste sentido, deve ser gerado um ambiente educacional que busque no ensino básico, na extensão tecnológica e na formação e valorização do profissional da educação a sua reestruturação e sua reformulação. Essa maneira de pensar a educação pressupõe que o nível educacional será um dos principais argumentos para o sucesso dos agricultores, tanto para 36 os que forem obrigados a exercer ocupações fora do campo da agricultura quanto para aqueles que conseguem driblar os obstáculos impostos pela tecnologia. Neste sentido, pode-se afirmar que o nível de instrução faz muita diferença para quem quer permanecer no campo ou fora dele. Embora, não se possa afirmar que o sucesso econômico da agricultura brasileira esteja diretamente ligado ao nível educacional, a realidade demonstra que tal fato não demorará a ocorrer, pois em lugares onde a pressão pela inovação é mais intensa já se aponta sinais dessa natureza. Para Kliksberg (1998), nesta perspectiva, podemos afirmar que ...o Chile é um exemplo desta tendência, pois nas últimas décadas o desenvolvimento rural chileno foi mais acentuado que o desenvolvimento urbano, já se evidenciando claros sinais de que a elevação de escolaridade está diretamente ligada à valorização dos resultados obtidos. (KLIKSBERG (1998) apud DEMARCO: 2002, p. 117). Dentre os elementos do fenômeno educacional a formação dos agricultores familiares é um processo importante e complexo, que exige também a participação da escola e ainda mais, o contato com associações, cooperativas, sindicatos, igrejas. Estudos do NEAD (Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural) (1998) (apud DEMARCO: 2002) apontam que a desconcentração do capital humano é viabilizada pela combinação de algumas ações prioritárias, como a articulação da produção das famílias com a extensão da pesquisa na área das potencialidades locais; a ampliação das vagas no ensino básico para a família do campo, articulada com a pesquisa, a formação profissional e a extensão, a fim de garantir o ensino básico para os jovens e adultos nos pequenos municípios; a montagem e difusão de tecnologias que são necessárias à vida familiar rural, na busca da comercialização, produção, transformação e organização social da produção familiar e, por fim, a formaçãoprofissional e a capacitação das famílias para o potencial produtivo da localidade para um novo mundo no campo. Para que essas diretrizes se efetuem, deve haver uma busca na orientação dos instrumentos adequados, como os recursos financeiros, legais e 37 meios para a implementação dessas ações. Assim, devem ser feita articulações nas forças sociais no meio rural para revelar as potencialidades de cada território para fazer parte do processo de desenvolvimento; deve haver uma montagem e articulação das cooperativas, sindicatos e governos nas iniciativas e valorização dos recursos pedagógicos e da formação de identidade do ambiente educacional no campo; integrar e viabilizar recursos financeiros públicos e privados para o campo e desconcentração territorial dos incentivos e investimentos em educação para o meio rural; recursos financeiros para os investimentos na agricultura familiar e apoio a criação de assentamentos e ainda, recursos dos Municípios, Estados e União para promover educação, pesquisa, extensão e desenvolvimento tecnológico. A relação estabelecida aqui entre desenvolvimento e educação não busca um aparato numa política social compensatória e em uma visão seletiva para o campo, e não encara o desenvolvimento educacional como fator principal de desenvolvimento social. Mas, busca na educação, quando esta se articula com outras políticas, o crescimento social, a desconcentração de riquezas, a gestão democrática, a geração de empregos, enfim a participação efetiva e concreta do cidadão no bem público. É importante ressaltar que o ensino básico no campo não deve ser limitado pelo simples fato de levar escolas para este local. A instituição escolar deve ser parte integrante e importante nas estratégias de desenvolvimento do campo. Para que isso aconteça é preciso pensar e desenvolver projetos escolares contextualizados com a produção do conhecimento, que trabalhe e busque intervenções sociais na realidade de seus sujeitos. Assim, a educação básica do campo deve ser fundamentada e embasada em critérios que levem em conta os princípios de justiça social, democracia, solidariedade, cidadania e acima de tudo, proporcionem o acesso de seus sujeitos a instrução e formação humana. 38 Fonte:4.bp.blogspot.com Neste sentido, um dos grandes desafios da educação do campo é proporcionar aos seus educandos a cultura produzida nas relações sociais, vivenciada e vinculada ao trabalho na terra e no campo e tem como um grande desafio se consolidar como uma educação fortalecida em seu próprio ambiente e que supere a dicotomia entre rural-urbano, ao mesmo tempo em que resguarda a identidade cultural dos grupos que ali constituem sua vida. Assim, uma escola do campo não deve ser uma escola agrícola, mas necessariamente uma instituição vinculada à família e a cultura que se manifesta e se caracteriza por meio de relações sociais mediadas pelo trabalho na terra. Considerações Finais A Educação do Campo como foi abordada buscou apontar a deficiência dos projetos e das políticas públicas para uma educação que tem como função primordial o desenvolvimento humano do homem do campo, visto que o campo deixou de ser um espaço de produção econômica para a subsistência, para o encontro com a natureza, com a sabedoria, com a fertilidade, com os costumes, com a preservação ambiental etc. Hoje nos deparamos com uma realidade que atende a um modelo de desenvolvimento capitalista e que abrange objetivos 39 como a produção monocultora para a exportação. Neste contexto a agricultura de subsistência, as pequenas propriedades e a policultura perderam espaço para os grandes latifúndios que expulsaram as pessoas do campo (êxodo rural) e inevitavelmente e acabaram desvalorizando as escolas presentes naquele ambiente. Diante deste espectro, é preciso repensar sobre qual educação queremos para o campo dentro dessa realidade imposta, sendo necessário que haja políticas públicas que não sejam pontuais e ainda menos, compensatórias para preservar a Educação do Campo e suas escolas que ainda sobrevivem ao modo de produção capitalista. A defesa de políticas públicas que sejam específicas para o campo não indica a discriminação ou a postura dicotômica entre rural e urbano, mas o fortalecimento de sua identidade, cultura e modo de vida. Nesse sentido, entende-se que o olhar e o redirecionamento para a educação do homem do campo devem privilegiar o trabalhador como identidade coletiva, as suas lutas, o seu saber, a sua cultura na qualidade de sujeito central no processo de recriação de sua educação. Assim, busca-se assegurar e recriar a cultura mediante o acúmulo e a apropriação do saber científico, das tecnologias e da pesquisa atrelado às universidades e sindicatos na procura da reelaboração destes saberes em função dos seus interesses e de uma classe, tendo como alicerce o seu conhecimento e saber social, para pensarmos na conquista de uma nova realidade que garanta autonomia para questionamentos da ordem presente. A Educação do Campo deve ser, portanto, um meio de formação que tenha como compromisso reconhecer os sujeitos, recuperar a sua cultura e sua identidade de trabalhador do campo e criar alternativas de um outro tipo de conhecimento e prática que tenha como objetivo sua emancipação. É neste contexto, que a comunidade deve ser o eixo pedagógico da escola na busca da inserção social dos seus indivíduos e de transformação da escola. Essa inserção de seus sujeitos deve ser pensada do âmbito da transformação curricular na escola, resgatando a identidade histórica da comunidade fundamentada na raiz da cultura, do saber e da experiência de cada um dentro do seu espaço social. 40 Isso não significa dizer que a escola deve valorizar o currículo predominante. É preciso reler este currículo oficial e questionar as matrizes pedagógicas existentes, para isso ser efetivado a comunidade precisa discutir o seu papel, se colocar e atuar como parte integrante do processo educativo. A cientificidade dos conhecimentos não deve ser desqualificada, como já dito anteriormente, tem que ser complementada com as tradições culturais. Esta relação de complementaridade está presente na forma de organizar o conhecimento no campo e na exigência da qualificação dos trabalhadores e dos diferentes saberes que promovem, referindo-se a terra como um ambiente transdisciplinar e complexo na busca de técnicas de plantio inovadoras, mas que possam conviver pacificamente com práticas de milhares de anos, um melhor aproveitamento dos recursos naturais aumentando a capacidade crítica da comunidade sobre sua própria produção. Cabe ressaltar que, nesta perspectiva, o papel do Estado é o de garantir os direitos universais para todos em espaços públicos, recursos e políticas públicas e a educação do Campo não deve ficar sob responsabilidade da comunidade ou dos movimentos sociais, mas da sociedade como um todo, preferencialmente as instâncias ligadas aos diversos governos e ao Estado. Um olhar e um tratamento mais público para a Educação do Campo poderá ser a garantia ou o começo de novos tempos para a história da educação. Ao reconhecer a educação como um direito universal de todo o ser humano e o Estado assumir o seu dever, a educação do povo do campo poderá ser construída e idealizada sobre novas bases. Essas políticas devem ser universais, mas devem buscar referências na concretude das formas e valores de vida e trabalho e que se referem à cultura, valores, crenças e a sociabilidade dos diferentes povos do campo. Políticas que estabeleçam e reconheçam as diretrizes, os princípios e os direitos universais aceitos no campo da educação, mas acima de tudo garanta as bases, a materialidade sem a qual os princípios educacionais não podem ser traduzidos em garantias concretas. Assim, o importante é quese dê prioridade no campo das políticas públicas a existência física e concreta de escolas do campo no campo, no contexto social e cultural no qual a infância e a adolescência se socializam. 41 Devem-se definir responsabilidades políticas mais precisas e pontuais nos órgãos federativos e não deixar a Educação do Campo a indefinições de responsabilidades. Por fim, a Educação do Campo tem como um grande desafio se consolidar como uma educação fortalecida em seu próprio ambiente e que supere a dicotomia entre rural-urbano, ao mesmo tempo em que resguarda a identidade cultural dos grupos que ali constituem sua vida. Nesse sentido, o principal objetivo de uma escola do campo não é ser uma escola agrícola, mas ser necessariamente uma instituição vinculada à cultura que se manifesta e se caracteriza por meio de relações sociais mediadas pelo trabalho na terra. 42 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Lei de Diretrizes e bases da educação nacional. (Lei nº. 9.394/96). 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