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Gestão do Planejamento Educacional: Organização do Trabalho Pedagógico Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Wagner Impellizzieri Revisão Textual: Profa. Esp. Vera Lídia de Sá Cicarone 5 • Introdução • Algumas Considerações Históricas • A Gestão Democrática da Educação e a Participação Social Reitero o prazer em tê-l@ conosco nesta Unidade - Participação e Gestão Escolar: perspectivas da gestão democrática - do curso do qual você está participando. Convido-@ a interagir com os materiais disponíveis na unidade de conhecimento, conversando com os autores, visitando as páginas de aprofundamento e participando das atividades propostas. Você deverá ler os textos, estudá-los para fazer a atividade de aprofundamento, em que deverá produzir um pequeno texto, fazer atividades de autocorreção, participar dos fóruns de discussão com outros colegas estudantes, colocando-se à vontade com suas opiniões e interpretações pertinentes aos assuntos propostos e discutidos. · Nesta unidade, estudaremos alguns conceitos acerca da participação da sociedade civil na gestão da educação escolar dentro das perspectivas políticas, legais e espistemológicas (com base nos estudos de diversos autores consagrados), o que nos remeterá ao entendimento das possibilidades de uma escola estruturada dentro dos princípios da democracia. Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática • Gestão Democrática Versus Administração Empresarial • Alternativas Legais para uma Escola Democrática 6 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Retomando alguns assuntos discutidos na unidade anterior, em que afirmávamos que os esforços para a conquista de uma estrutura e uma organização escolares que visem ao aprimoramento dos profissionais da educação, à melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem e ao aumento das possibilidades de inserção da sociedade civil na construção do seu projeto pedagógico requerem, dos pedagogos, interação com as demais ciências do conhecimento, a fim de que adquiram capacidades intelectuais suficientes para a autonomia de decisão. Pois bem, nesta unidade, veremos que, de fato, onde não há autonomia, não haverá qualidade de ensino. Vamos, agora, analisar alguns pressupostos teóricos que nortearão nossos conhecimentos acerca da necessidade de uma gestão voltada para os alunos, para a população que, da escola, se serve e para o atendimento dos interesses dessa sociedade, a fim de que esta venha a participar da organização e do planejamento da escola em busca da tão desejada autonomia pedagógico-administrativa. Estudaremos teorias que foram analisadas em dissertação de mestrado sobre o assunto Gestão Democrática da Educação com a Participação da Sociedade, apresentada pelo professor Wagner Impellizzieri, em que se somam as experiências de gestor e administrador de escolas públicas e privadas. Esperamos que aproveitem bem, pois trata-se de um tema bastante polêmico, vez que devemos ter, em observância, dois balizadores que não podem deixar de fazer parte do cotidiano e da qualificação do gestor: as leis e os interesses públicos da sociedade civil. Pretendemos responder a essas e outras perguntas junto com você. Para tanto, veremos que, durante a história do Brasil (e, como dissemos, também da América Latina), os debates que se concentraram sobre a questão da educação voltaram-se necessariamente para questões das políticas públicas educacionais e a gestão propriamente dita. A gestão da educação é o cerne das preocupações, pois é a partir dela que se tratam outras questões de efetivação dos princípios e objetivos na formação das crianças, jovens e adultos, o que se dá a partir do Planejamento e do Projeto Pedagógico feito nas escolas em todo o território nacional. Outro aspecto que enfatizamos nesta unidade está ligado ao contexto da globalização da economia, ao neoliberalismo e ao atrelamento do Estado às políticas externas do capitalismo mundial. Lembrando que essas análises versam sobre uma intenção de estimular profissionais da educação, professores e estudantes a ressignificarem suas práticas e conceitos sobre educação de qualidade e o papel da escola na formação de cidadãos livres, política e culturalmente, e competentes. Contextualização Pense Como isso se dá? É simples a conciliação desses aspectos? Como conquistar a autonomia necessária e a possibilidade de implementação de uma gestão democrática, principalmente sob a estrutura rígida do Estado? 7 Você se lembra de quantas vezes, na sua vida de estudante ou de professor, aconteceu o fato de professores, alunos ou pais serem convocados pela direção de uma escola, por meio de um bilhete ou comunicado colado na porta central de entrada de alunos ou do estacionamento acerca de uma “importante” reunião para tratar de assuntos de interesses de “todos”? Quantas vezes a comunidade comparece em massa, ávida por saber do que se trata ou ansiosa para participar das decisões que serão tomadas “por todos” e cumpridas ao longo do ano letivo? Lembra-se das reuniões em que o Diretor ou a Diretora chega minutos após todos estarem na sala de reunião especulando sobre o que será discutido e quais dos seus desejos serão “colocados em pauta e discutidos sem falta” naquele dia, e, ao sentar-se, a direção pede ao Professor Coordenador que leia a pauta (extensa) sobre os problemas financeiros, disciplinares, materiais, sobre os Planos de Ensino, as normas do governo, a nova legislação, as regras e o planejamento da Diretoria de Ensino ou da Coordenadoria de Ensino da cidade (que chegaram a pouco por e-mail), regras que devem ser conhecidas e cumpridas prioritariamente, e, em seguida, pede para que a outra professora apresente a Calendário Escolar, já determinado pelas autoridades superiores, e informa que deve ser indicada, pelos presentes, ‘apenas’ a disposição das atividades no já traçado calendário, deixando todos ocupadíssimos com o cumprimento dessas (e outras) tarefas, num curto espaço de tempo em que decorre essa reunião, e, ao final, você sai frustrado por não ter discutido “aqueles assuntos importantes”, mas feliz por ter dado conta e cumprido a pauta burocrática e organizacional da direção? Isso pode parecer brincadeira ou surreal, no entanto é pura rotina no cotidiano dos diretores e professores. Por que isso acontece e como chegamos a esse estado de inoperância e impotência social ou profissional; quais alternativas legais e possíveis estão à disposição de nossa prática profissional nas escolas é o que vamos estudar nesta unidade. 8 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Para se cumprir o objetivo desta unidade, apresentaremos a resenha de uma pesquisa sobre a implementação de um modelo de gestão escolar democrática que resultou em dissertação de mestrado do Professor Wagner Impellizzieri, da Universidade Cruzeiro do Sul e Universidade Cidade de São Paulo, e que julgamos pertinente e adequada ao curso de Pedagogia do qual você está participando, tendo em vista que o maior desafio dos gestores apresenta-se na perspectiva das possibilidades de conquista de uma escola aberta e participativa. Dois motivos nos levam a crer que este estudo será proveitoso: por um lado, a experiência de gestão democrática vivida pelo autor em escola pública do Estado de São Paulo e o sucesso obtido por esse modelo de gestão e, por outro, a base epistemológica, teórica e conceitual, baseada em autores consagrados da literatura educacional que consideramos indispensável para a formação de gestores e administradores escolares na atual conjuntura política e cultural do Brasil. Historicamente, no período do pós-Segunda Guerra Mundial, a educação passaa responder às novas exigências ou, antes, a vivenciar o antagonismo de mudanças de paradigmas da formação humana, não mais ética e moral, científica e intelectual, mas do confronto entre as “necessidades de reprodução do capital, de um lado e as múltiplas necessidades humanas, de outro” (FRIGOTTO, 2002, p.36). Por esse motido, o combate à pobreza associa-se ao conceito de “capital humano”, que foi introduzido no rol das necessidades básicas humanas, indispensáveis à manutenção da vida dos trabalhadores. Ela reveste-se de novo ideário, na tese da sociedade do conhecimento que transforma o proletariado em “cognitariado”, segundo Milton Santos (2001), para fazer frente à reestruturação econômica, ajustando seus sistemas educativos, bem como utilizando-se de estratégias “empresariais para fazer face às necessidades de um sistema produtivo que incorpora crescentemente as novas tecnologias” (FRIGOTTO, 2002, p.46). Essa visão de escolarização produtiva é bastante enfatizada no trabalho feito por Ana Maria Rezende Pinto (1991), que conclui: Introdução Algumas Considerações Históricas “[...] a educação é um instrumento importante no desenvolvimento econômico e social, constituindo para a redução da pobreza ao aumentar a produtividade dos pobres [...]” (TORRES, 2000, p.21). As mudanças em curso nos sistemas de ensino parecem sugerir que a produtividade da escola improdutiva já não é de todo funcional à ordem capitalista. (PINTO, 1991, p.21) 9 A escolarização e a estrutura dos sistemas educacionais compõem o patamar das maiores preocupações das políticas públicas nos países latino-americanos e no Brasil, que, nas décadas de 80 e 90, recebem forte aporte financeiro do Banco Mundial, cujas negociações trazem consequências significativas para a autonomia e gestão da educação nesses países, pois comprometem-se a garantir o retorno exigido pelos agentes externos. Preocupações que se confirmam, também, no empresariado brasileiro, quanto aos programas de investimentos serem igualmente inseguros em face da desqualificação da mão de obra no país. As preocupações dos empresários brasileiros ficam explícitas, quando, em documentos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP (1990), constata-se a necessidade da especialização da mão-de-obra na indústria para não aumentar os riscos dos altos investimentos na nova base tecnológica. A formação do capital humano é essencial para novos investimentos, de acordo com o documento. Os empresários dão-se conta de que a escolaridade, em bom nível de aprendizado, o treinamento e o “adestramento” (GIROLETTI, 1987, p.1) do trabalhador, desde sua formação escolar, ainda figura como importante meta nas políticas públicas educacionais, bem como vem justificar “a criação de inúmeras instituições educativas organizadas para esse fim” (FRIGOTTO, 2001, p.40). O Estado, ajustado ao ideário neoliberal, passa a desempenhar novo papel nessa relação entre produtividade, escolarização e administração escolar, voltadas, nas décadas de 1980 e 1990, ao cumprimento de metas influenciadas pelo Banco Mundial. Como vimos em Eric Hobsbawm (apud HELOANI, 1994, p. 98), “o discurso da ampla reforma do Estado surge como um dos fundamentos das políticas da década de 1980”. Nesse discurso, incluem- se a “empregabilidade, privatização, mercado, flexibilização dos contratos de trabalho” (HELOANI, 1994, p. 99) como parte da terminologia no interior das organizações públicas e privadas, que passam a compor os temas que ocupam o cenário dos novos comportamentos sociais, individuais e políticos nos diferentes níveis dessas organizações, incluindo as estruturas hierárquicas. A burguesia, ou os homens de negócio, apropria-se dos espaços das políticas públicas, pelas vias da aproximação dos homens de poder no cenário da política partidária e governamental, e acaba por influenciar as tomadas de decisões e ações de governos na defesa dos conceitos da polivalência e policognição, “expressão mistificada e apologética” (FRIGOTTO, 2001, p.54), em que se situam o homem e suas necessidades como o eixo da produção e da formação, sobre as estruturas do sistema de ensino. As inúmeras receitas dos consultores de recursos humanos, ou dos homens de negócio, “convergem para as características da flexibilidade, versatilidade, liderança, orientação global, comunicação, habilidade de discernir, equilíbrio físico-emocional” (BOCLIN, 1992: 21 apud FRIGOTTO, 2002, p.54), compondo um receituário curricular que se incorpora à cultura da instituição escolar sob comando da direção de escola. A carência de pesquisa básica aplicada, a escassez de mão de obra especializada e a rápida absolescência das inovações tornam os investimenos em setores de alta tecnologia os mais arriscados de um país [...]. Uma ênfase maior em tecnologia de ponta deve ocorrer quando o país estiver apto a investir maior parcela de recursos na formação de capital humano. (FRIGOTTO, 2002, p.48). 10 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Assim, a escola recebe as regras e cumpre-as, quando não questionadas e contraditas pela comunidade e pelos profissionais da educação, sofrendo, em sua estrutura interna e sua organização, a ingerência dos homens de negócio, uma vez que, estando “impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo, necessitando estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte “ (MARX; ENGELS, [197-?] v.1.), o que o faz, quando financia o sistema de ensino em todo o país. Como resultado dos acordos internacionais com o Banco Mundial, os homens de negócio e o Estado brasileiro “esvaziam os clamores dos movimentos reivindicatórios por uma educação nos moldes do Japão e Tigres Asiáticos, pois se voltam em defesa de uma escola pública demarcada por um patamar possível apenas (nos limites) da alfabetização funcional” (FRIGOTTO, 2001, p.57). A consequência, em nível de administração e gestão escolar, é a rígida estrutura hierárquica e idiossincrática no seio da escola, para a manutenção do ideário neoliberal, sem, logicamente, a participação da sociedade. A exclusão da sociedade e a impossibilidade de participação só serão combatidas quando representarem, na bandeira da ação pedagógica, a conquista da autonomia, a conscientização da comunidade educativa sobre o necessário processo de democratização do ensino, de empoderamento da sociedade no espaço público, de mudanças dos paradigmas da gestão escolar nos moldes da administração empresarial, nos paradigmas da qualidade de ensino demarcados pela “estreiteza do ajuste ao mercado de trabalho” (FRIGOTTO, 2001, p.58). A democratização nos espaços públicos da educação é uma questão, em última análise, de conquista de direitos sociais. Como dizem Francisco de Oliveira e Eric Hobsbawm, no texto de Frigotto (2001), a construção de formas sociais “efetivamente democráticas, tem como exigências que os sujeitos sociais coletivos tenham capacidade de ampliar a esfera pública e ter acesso ao que é público” (FRIGOTTO, 2001, p.80), o que implica um processo de retomada dos espaços da escola por parte da comunidade. Vivenciamos uma situação de crise na educação, em que – apresentando-se, de um lado, como tábua de salvação do naufrágio intelectual, cultural, ético e moral, que permeia todas as instituições sociais, motivado pelos atropelos da irracionalidade com que se desenvolvem a produção, a concorrência, a exploração da humanidade e da natureza pelos homens de negócio ao redor do mundo e, de outro, como instrumento de qualificação e formação humana para o exercício da cidadania plena e, ao mesmo tempo, para o mundo do trabalho, dentro das perspectivas da globalização – deparamo-nos com uma questão crucial: a gestão da escola e a sua autonomia de ação no contexto de um Estado neoliberal.O que, inevitavelmente, tem que ser repensado. A Gestão Democrática da Educação e a Participação Social 11 Foi no contexto das lutas pela descentralização do sistema educacional das décadas de 70 e 80, quando este era “situado como um instrumento reprodutor das relações sociais de dominação, que a ideia de ‘autonomia’ associou-se à de democracia na escola” (OLIVEIRA, 2005, p. 22). O mesmo conceito de autonomia, mais atual, refere-se, nas análises de Gadotti (1993, p. 199) “à criação de novas relações sociais que se opõem às relações autoritárias existentes”. Podemos, também, considerar, segundo os autores, a importância da palavra autonomia, seu sentido epistemológico, radicado no grego, como autogestão, autoconstrução (autos – si mesmo; nomos – lei), quando “significa a capacidade de autodeterminar-se [...]. Uma escola autônoma seria aquela que se autogoverna”. (GADOTTI, 1993, p. 21). A luta pela autonomia na educação no Brasil tem marcos ou fundamentos importantes nos anos de 1920 e 1930, com os movimentos da Escola Nova1, mesmo considerando, aqui, as críticas a essa escola, por ser ela vista, também, como protagonista na luta pela “hegemonia da classe dominante” (SAVIANI, 1989, p. 56-59). Ela empunhava a bandeira da descentralização de poder estruturado verticalmente, do autoritarismo de Estado e excessiva burocratização, constituindo-se fatores que dificultavam o acesso à escola e a sua universalização. Esse movimento escolanovista e as lutas, “exerceram um papel crítico e mobilizador contra o poder instituído verticalmente” (SAVIANI, 1989p. 22). Para Gadotti (1993), a luta pela autonomia e gestão participativa nas escolas depende da efetiva construção dos espaços que a sociedade vier a travar e assumir. A democracia da gestão pública nas escolas estatais será tanto mais verdadeira e viável quanto maior a autonomia que se conquista pela organização das pessoas e cidadãos que dela participam, segundo a própria Constituição Federal de 1988. 1 Escola Nova. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. A Reconstrução Educacional no Brasil – Ao Povo e Ao Governo. Documento elaborado para dar sentido novo à Revolução de 1930, em que são signatários vinte e seis intelectuais pertencentes à Associação Brasileira de Educação (A.B.E), publicado após a IV Conferência Nacional de Educação, em 1931. A doutrina considera o aluno e o respeito por ele como eixos principais do trabalho escolar, proporcionando-lhe momentos em que seja “levado ao trabalho e à ação por meios naturais” (AZEVEDO, Fernando. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, nº 70, 1960) Não dá para se opor a propostas de mudanças sem propor outras mudanças. As forças que representam os interesses da maioria pobre têm de elaborar um projeto consistente da saída da crise e derivar dele as mudanças constitucionais necessárias [...] cabe agora reinventar o Estado mais permeável à sociedade civil, que se coordene com as grandes classes sociais para dar cabo de inaugurar nova etapa de desenvolvimento [...] (SINGER, 1993, p. 86). É uma luta dentro do instituído, contra o instituído, para instituir uma outra coisa. Depende de cada escola experimentar o novo e não só pensá-lo, [...]. A autonomia se refere à criação de novas relações sociais que se opõem às relações autoritárias existentes (GADOTTI, 1993, p. 199). 12 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Constituindo-se em instrumento legal, a Constituição Federal, promulgada em 05 de Outubro de 1988, garante o Estado Democrático de Direito e fundamenta-se na soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, bem como garante, conforme seu Artigo 1º, Parágrafo Único, que “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos da Constituição”. Dessa maneira, a democratização da escola é, antes de qualquer entendimento, uma construção nas relações político-sociais necessárias para o pleno exercício da cidadania. A Constituição brasileira de 1988 trouxe a possibilidade de os cidadãos participarem de forma direta ou indireta na construção de um país democrático, no qual todos têm os mesmos direitos e deveres para o desenvolvimento das potencialidades individuais e coletivas. Para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme seu Artigo 3º, que garante o desenvolvimento nacional, erradique a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais, promovendo o bem a todos, sem preconceitos de qualquer ordem discriminatória, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Para a construção de uma sociedade que venha a respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos, é necessário que se estabeleçam os espaços nos quais essa construção se dará, em cada lugar, em cada instituição, em cada instância da organização social. Contudo, o que de fato vem a ser autonomia, qual sua amplitude nas relações com o poder de Estado, como se dá, se conquista, quem dela participa, são questões bem profundas que merecem cuidados quanto às concepções que norteiam os projetos de uma escola que pleiteie implementar uma gestão considerada democrática. Motta (1987) traz à baila a questão da politização, que pode ser uma consequência da participação efetiva da sociedade nas decisões administrativas e pedagógicas da escola. Isso quando ele relaciona a administração no contexto escolar. Faz ele, algumas considerações extraídas, inicialmente, do clássico de Max Weber, Economia y sociedade, que entende o poder como: Considera, ainda, insuperável a dominação da opressão “à medida que se retira do dominado a faculdade de pensar e decidir sobre o que faz, em determinadas esferas da vida, como o trabalho”2 Para ele, a participação é a única maneira de superar ou “minimizar o aspecto coercitivo da administração”; assim, será uma participação autêntica e não falaciosa. O autor acrescenta que: 2 MOTTA, 1987, p.90 Temos clareza de que uma nova prática, que seja democrática e que objetive a construção da cidadania, pode ser construída na medida em que, como apontam Bordignon e Gracindo (2001), sejam desenvolvidas a autonomia e a participação de todos num clima e numa estrutura organizacionais compatíveis a esta prática, visando à emancipação (OLIVEIRA, 2005, p. 23). Exercido por um conjunto de administradores profissionais que se estruturam hierarquicamente e que, em nome da racionalidade e do conhecimento, planejam, organizam, coordenam, comandam e controlam, por uma relação de mando e subordinação, uma determinada sociedade. A isso, inspirado em Max Weber, chamamos de dominação (MOTTA, 1987, p.90). 13 Nesse sentido, para participar, seria necessário algum conhecimento político, assim como certas habilidades políticas. É necessário envolvimento sobre as matérias em que está envolvida a sociedade, para, daí, opinar. Assim, apresenta-nos a própria Constituição de 1988, a possibilidade de aproximação da população aos gestores das políticas públicas, sobretudo no que tange à especificidade da educação e aos interesses dessa população. Nós, da educação, consideramos que a Carta Magna representa um importante marco na história da redemocratização no Brasil, que se desdobra na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, promulgada em 20 de Dezembro de 1996, o que significou uma dessas conquistas sociais e políticas para o desenvolvimento da educação. Nela, temos possibilitadas, num espaço legal e não arbitrário, discussões acerca dos interesses públicos que devem nortear a educação brasileira. A LDB/96 reabre uma possibilidade de se discutir e alterar, no seio das estruturas educacionais, em nível nacional, em todas as escolas espalhadas pelo Brasil, as práticas educativas, a ponto de poderem dar respostas aos anseiose vocações de um ensino qualificado e democratizante. Não devemos, no entanto, confundir possibilidades de debates com efetivas transformações nos meios educacionais a partir apenas dos pressupostos contidos na Lei 9.394, o que nos leva ao entendimento quanto às mudanças estarem limitadas à força exercida pelos atores sociais diversos e não só pelo que está escrito ou sacramentado no papel. Para isso, a discussão e o debate sobre seu ordenamento no seio da sociedade impede que a lei se torne “letra morta” ou venha a ser apropriada e manipulada por “opositores da causa da escola pública, especialmente os proprietários de instituições privadas” (PEREIRA, 2007, p. 99). A Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) representa a expressão dos interesses coletivos de intensas lutas e organizações sociais que incorporam reivindicações dos movimentos diversos de educação com amparo no Artigo 205, seção I, da Constituição Federal, que preconiza a “educação como direito de todos e dever do Estado e da família” e o artigo 227, da LDB, coloca como “dever da família, [...] do Estado [...] assegurar com absoluta prioridade, o direito Evidentemente, participar não significa assumir um poder, mas participar de um poder, o que desde logo exclui qualquer alteração radical na estrutura de poder [...]. Não implica, necessariamente, que todas as pessoas ou grupos opinem sobre todas as matérias. Mas implica necessariamente alguns mecanismos de influência sobre o poder [...] (MOTTA, 1987, p.91). Seria ingenuidade atribuir a esta lei força ou mesmo potencialidade para provocar uma revolução da educação no país. Entretanto, o reordenamento dos sistemas educativos [...] poderá criar contextos de relações estruturais de transformação, e reforma e de inovação como parte do processo de “regulação social” (PINO, 2007, p. 19). 14 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática à vida, [...] à educação, à profissionalização, à cultura [...]”. E como valor social “ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (LDB/96, Art. 205). Assim como na Constituição de 1988, a LDB, a partir dos anos de 1990, possibilita novas discussões quanto à inserção da sociedade civil nas engrenagens do aparelho de Estado. A participação da comunidade na instituição escolar, a participação dos professores, alunos e pais na gestão e administração da escola pública é uma boa experiência em favor da conscientização dessas possibilidades; torna as ações educativas uma realidade na construção da democracia. No entanto, num sentido oposto, estão as posturas e as formas de administração escolar que dificultam, quando não impedem, essa possibilidade de participação dos alunos, professores e comunidade junto às decisões administrativas ou, ainda, retiram dos gestores a possibilidade de ações autônomas, fruto de elementos organizacionais exportados de outros sistemas de administração. No caminho oposto ao da democratização, as análises da gestão escolar remete-nos ao período da implementação de um modelo de gestão e administração empresarial, imposto no período da pós-industrialização, em atendimento às necessidades do desenvolvimento econômico do capitalismo em expansão. Os estudos levam-nos a considerar que a direção escolar assume, assim, conceitos teóricos e práticas de processos em torno de “um modelo burocrático de administração no qual a eficiência e a eficácia ocupam a centralidade das questões gerenciais” (BORDIGNON, 2001, p. 161), dificultando, e até impossibilitando, lançar mão de opções específicas da organização educacional que lhes fossem mais próprias. As análises das principais características das teorias das organizações e dos modelos de gestão ajudam-nos a pensar em outras formas, como as democráticas, que não engessem os gestores a esses modelos burocráticos ou modelo estrutural-funcionalista, citados por Bordignon (apud FERREIRA, 2001, p. 161). Neles, o enfoque maior é baseado na centralização do poder, da superintendência, na delegação de tarefas, “mantida a unidade de comando [...] no qual o sujeito é poder e o objetivo é a subordinação” (FERREIRA, 2001, p.162), com base nos princípios da eficácia, da produção em escala, da eficiência nas questões de resultados a serem esperados, logicamente do ponto de vista e das metas impostas pelas elites que controlam econômica e politicamente a educação. Nesse modelo empresarial, mergulha a estrutura educacional. Qualquer busca de inovações e mudanças fica por conta e risco dos dirigentes escolares e seu grupo de gestores. Gestão Democrática Versus Administração Empresarial O cliente é o objetivo, mas como usuário passa a ser o objeto e, por isso, deve moldar-se aos paradigmas de quem concebe a ação ou comanda a organização, mesmo que esta seja uma “escola” (BORDIGNON,2001, p. 162). 15 Como cliente, entenda-se todo aquele que usa e se serve dos serviços educacionais, sejam os alunos, os pais, os professores e gestores. Nessa concepção de usuários-clientes, todos devem cumprir metas esperadas e delimitadas pelas legislações e agentes do poder político. O dirigente educacional, na figura do diretor de escola, representa um corpo de especialistas em educação responsável pela dinâmica e funcionamento geral de uma unidade específica, situada no seio de uma comunidade bem definida e localizada. Sua atuação depende, significativamente, da atuação dos que participam direta ou indiretamente dessa escola, devendo, portanto, responder, sobretudo, aos anseios dessa comunidade, incluindo os professores e funcionários. Em contrapartida, para cumprir metas estabelecidas pelos dirigentes hierarquicamente superiores a ele, corre o risco de ser obrigado a revestir-se do autoritarismo imposto pelo modelo de administração tradicional empresarial. Fica, assim, estabelecida uma situação paradoxal no exercício da administração escolar e da gestão educacional, pois os modelos de gestão e administração postos à disposição das escolas públicas tendem a seguir padrões clássicos e tradicionais, enquanto as necessidades de um desenvolvimento mais humanizado, cultural, ético e social estão, praticamente, indisponíveis na estrutura oferecida pelo Estado. Decorre daí o estrangulamento tanto da autonomia quanto da qualidade dos serviços prestados à coletividade, uma vez que o poder público limita suas funções mais universais dentro das pedagógicas e menos nas administrativas. Também podemos considerar Paro (1997), ao tratar da autonomia da gestão escolar como uma utopia a ser entendida no conceito tradicional de “o lugar que não existe”, para a afirmação de que “não quer dizer que não possa vir a existir” essa autoridade dos gestores escolares. Afirma, ainda, o autor, que é “nesse sentido que precisam ser transformados o sistema de autoridade e a distribuição do trabalho no interior da escola” (PARO, 1997, p. 9). O poder na escola, segundo Paro, está hierarquicamente colocado nas mãos do diretor, mas vive o dilema entre autoridade máxima na escola, o que lhe outorga autonomia para o exercício desse poder e, ao mesmo tempo, “acaba se constituindo, de fato, como responsável último pelo cumprimento da Lei e da Ordem na escola, um mero preposto do Estado” (PARO, 1997, p. 11). Por outro lado, o poder, situado na instituição do Estado, no que diz respeito às suas funções legais, inscreve-se, conforme a LDB/96, Título IV, Artigos 8º e 9º, como meio de centralizar as decisões mais gerais, como da manutenção financeira do sistema de ensino, dos aportes econômicos às Secretarias de Estado da Federação, dos controles de avaliação e monitoramentos à distância, por meio de instrumentos disseminados por todo o país. A LDBN de 1996 deixa Nesse sentido, cresce a necessidadede definir o papel político do administrador da educação na luta pelo controle e pelo poder na escola e na administração [...] A dimensão política soma-se à dimensão pedagógica de tal maneira que a razão de ser da gestão educacional é a própria educação como prática político-pedagógica (SANDER, 1995, p.143). 16 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática claro que a centralidade refere-se a questões materiais e financeiras do ponto de vista das provisões necessárias à viabilidade, garantia de oferta e manutenção do ensino em todo o país, redistribuídas essas funções entre os Estados e Municípios brasileiros. As funções descentralizadas, na mesma LDB/96, estão vinculadas a dois aspectos: primeiro, à execução e administração desses recursos nas unidades escolares, sob a responsabilidade dos diretores; segundo, à adaptação desses recursos, respeitando-se as necessidades do desenvolvimento dos processos educacionais da coletividade em conformidade com o Projeto Político Pedagógico. Contrariando, portanto, as legislações, os controles excessivos feitos pelos dirigentes nas estruturas educacionais seguem os padrões de controles exercidos pelos dirigentes empresariais. Os modelos seguem rituais-padrões que, efetivamente, impõem aos participantes dos processos de produção - empresa ou escola – comportamentos que vão desde ações pedagógicas e metodológicas até comportamentos psicológicos que se considerem adequados ao atendimento das metas. Essas dinâmicas de centralização e controle, por parte dos governantes e dirigentes da elite dominante, vêm responder à preocupação incessante com os resultados dos processos de implementação das metas e diretrizes impostas por eles, o que fica patente, quando os dirigentes se utilizam das legislações como instrumentos de pressão – leis, pareceres, decretos, resoluções - que devem ser cumpridas pelos agentes de menor escalão na hierarquia de poder. Assim, no caso específico da educação em São Paulo, em que vivenciamos e experimentamos uma democratização na gestão escolar, são os dilemas que enfrentam as propostas advindas da população e dos professores face à hierarquizada estrutura de Estado que, historicamente, enraíza-se em conceitos de “eficiência e eficácia empresariais” (SANDER, 1995, p. 144), que limitam as competências esperadas do gestor. Em consequência disso, temos uma administração escolar voltada para e centrada nas tarefas circunscritas nos limites, por exemplo, da economia da educação. Assim, temos uma escola com limites materiais, sem autonomia, em que o gestor delimita seu papel como “cumpridor da Lei e da Ordem e torna-se mero preposto do Estado” (PARO, 1997, p. 11 apud CATANI, 2003, p. 71). Tendo seu direito aviltado pelo autoritarismo e sem direito ou condições de exercitar autonomia, a própria comunidade estará, igualmente, distante da possibilidade de exercer também a cidadania na escola. Como vemos, a “falta de autonomia do diretor sintetiza a impotência e a falta de autonomia da própria escola.” (PARO, 1997, p. 11). Embora não seja possível analisar todas as experiências da gestão da produção, há uma característica fundamental, comum a todas [...]: tentativa de “harmonizar” um grau de autonomia dos trabalhadores, com o desenvolvimento de controles mais sutis, que objetivam colocar o trabalho numa posição de “dependência” ou ”incapacidade” em relação ao capital, [...] revela-se uma notória modificação na relação de poder dentro do espaço [...] (PAGÈS, 1987, p. 227. Apud HELOANI, 1994, p.99). 17 O problema criado aos dirigentes educacionais está muito ligado à ordem conceitual. Conforme já dissemos, devemos entender mais sobre que bases teóricas se fundam as expectativas dessa eficiência e eficácia esperadas desses gestores; ou seja, um problema de ordem conceitual que permeia os trabalhos dos gestores no tocante aos controles que o Estado exerce sobre estes. Trata-se de um arcabouço de conceitos de gestão e administração que recorrem à utilização de termos como “eficiência”, “eficácia”, “produtividade”, os quais aparam as avaliações de desempenho desses profissionais da educação, como parte de sistema empresarial, com bases quantitativas e não qualitativas. Tais conceitos representam verdadeiros dilemas a serem enfrentados pelos gestores públicos no que se refere à falta de autonomia de ação e que, portanto, colaboram para dificultar a construção de um processo democratizante da escola pública e a melhoria do ensino. Para facilitar os ajustes e a retomada do espaço na escola pública pela sociedade, foram criados, com base na Constituição Federal de 1988, mecanismos para a sua efetiva participação, de forma a garantir que a educação seja gerida num modelo democrático pela instituição e possibilidade de atuação dos Conselhos de Escola. Essa instituição viu, ao longo da história, muitas controvérsias pelas inúmeras definições que, até o momento da vontade magna constitucional, encontravam-se limitadas aos desejos e dominações definidas (ou impostas) pelas elites intelectuais. O que a Lei 9.394/96 nos remete a entender e praticar quanto à participação da sociedade no cotidiano das escolas? A LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 1996, em seu Artigo 14, definiu gestão democrática da escola pública com as seguintes condicionantes: participação das comunidades escolar e local em Conselhos Escolares ou equivalentes e participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola. No entanto, o que temos de real e factual é que leis representam uma base para a criação de valores que são apropriados pela sociedade, mas não criam cultura. A questão da gestão democrática em escolas públicas vai além de análises puramente legais e instituídas; deve, contudo, ser o resultado de uma postura de âmbito cultural a ser cultivada nos meios educacionais, sobretudo no seio da sociedade, além dos grupos de gestores. É a instituição de novos paradigmas de gestão. A LDB de 1996, em seu Artigo 14, condiciona democracia à definição do princípio da participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. “Assim, a LDB não institui o Conselho Escolar, apenas sugere alternativas de gestão colegiada.” (BRASIL, 2004, p. 43). A efetivação do novo princípio da gestão democrática requer um processo instituinte de uma nova cultura de gestão escolar. Gestão que não se confunde mais com o gestor, com a centralização nas mãos do diretor, mas que passa a ser vista como um projeto coletivo, que institui uma organização colegiada. Paradigmas não nascem da lei, nascem das ideias, das concepções mais radicais de pensamento e das práticas que arruínam o velho para instituir o novo (BRASIL, 2004, p. 54). 18 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Os Conselhos de Escola aparecem como instrumentos legais de caráter decisório, não somente consultivo (como preconizava a legislação no período anterior à Constituição de 88), de cunho participativo da sociedade civil, além dos demais membros da escola, que responderão aos anseios dessa sociedade, enquanto instituinte, na estrutura instituída pelo Estado, fazendo parte do poder que, mesmo não sendo o Estado, participa como cidadão nas suas decisões. E mais, “o conselho será um instrumento de tradução dos anseios da comunidade, não de legitimação da voz da direção” (BRASIL, 2004p. 37), que, em última análise, deve existir para legitimar esses anseios sociais, geralmente excluídos da pauta de discussões da maioria dos dirigentes escolares mais preocupados com o atingimento de metas governamentais de cunho administrativo do que com as metas e diretrizes do processo educativo. Em outras palavras, se o “poder emana” realmente “do povo”, pois pela lei isso é fato, na práticada organização e efetivação das ações do povo, por intermédio dos Conselhos de Escola legitimados, esse poder exercerá pressão significativa nas decisões tomadas tanto pelos dirigentes, em nível de escolas, quanto pelos governantes, obrigados a responderem a essas pressões. Não foram poucas as oportunidades que tivemos de ver alteradas algumas determinações supervenientes pela maioria absoluta dos participantes da escola no tocante às reivindicações feitas pelos pais e professores, em reuniões, para se tratar de assuntos de interesse coletivo, o que se deu por meio de coleta de assinaturas junto à comunidade escolar. Muitas vezes, as determinações seguiam para um rumo e as necessidades do coletivo para outro, como a exemplo de algumas verbas que, pela reivindicação da comunidade, foram redirecionadas. Nesse processo dinâmico de debates, o desejo do povo suplantou o do Estado. O documento apresentado pelo próprio Ministério da Educação explicita essa questão de forma clara e contundente. Pelo menos teórica e legalmente, apregoam-se intenções de democratização, na forma de gestão participativa das instituições educacionais. Incluem-se, na documentação oficial, em termos de intenções políticas quanto à democratização, o proposto pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed, no documento intitulado “Subsídios para os novos gestores da Educação”, de Dezembro de 2010, no qual apresentam, no item 3: Promoção da gestão democrática, como princípio legal previsto na LDB, a gestão democrática nas escolas brasileiras como condição fundamental para melhorar a qualidade da Educação. Até o ano de 2014, quatro medidas são imprescindíveis: Alternativas Legais para uma Escola Democrática O conselho existe para dizer aos dirigentes o que a comunidade quer da escola e, no âmbito de sua competência, o que deve ser feito. Os conselhos [...], não falam pelos dirigentes (governo), mas aos dirigentes em nome da sociedade. Por isso, para poder falar ao governo (da escola) em nome da comunidade (escolar e local), desde os diferentes pontos de vista, a composição dos conselhos precisa representar a diversidade, a pluralidade das vozes de sua comunidade (BRASIL, 2004, p. 37). 19 a) assegurar os meios necessários para que todos os gestores da Educação (nos níveis estadual, distrital e municipal) sejam administradores plenos dos recursos da área, tal como determina a LDB; b) aprimorar os mecanismos de transparência na construção e execução dos orçamentos da Educação pública; c) criar programas de fortalecimento da gestão democrática, por meio da necessária estruturação dos conselhos escolares, municipais, estaduais, distrital e nacional de Educação, garantindo a participação de toda a comunidade na gestão educacional, especialmente dos estudantes; d) institucionalizar o Fórum Nacional de Educação, que deve ser composto por representantes da sociedade civil e das esferas governamentais de todos os níveis da federação. O Fórum terá a responsabilidade de convocar e organizar as próximas edições da Conae bem como auxiliar a realização de suas etapas preparatórias (municipais, estaduais e distrital), além de monitorar a implementação das políticas públicas deliberadas na etapa nacional da Conferência. Por direito e de fato, isso nos dá certa garantia na tentativa de resgate do espaço público para que o processo de melhoria da qualidade educacional seja efetivamente implementado pela força da presença e participação do povo e não pela benevolência ou concessão de dirigentes educacionais, incluindo diretores. A questão aprofunda-se mais e intensamente, quando os elementos fundantes dessa participação, a comunidade, conscientizam-se do valor que têm na construção da qualidade e melhoria da educação de seus filhos no âmbito local, independentemente de ser obrigação de Estado, mas parte da responsabilidade social. Essa conscientização é tanto mais acentuada, quanto mais próximos estiverem das atividades escolares os pais e outros agentes, como os comerciantes, empresários, associações etc. Como podemos destacar em Pedro Demo (1998): Segundo o autor, essa participação só será efetivamente implementada pela construção e pelo esforço de todos os interessados nesse processo educativo no âmbito das escolas. Trata-se de uma verdadeira luta que deve ser travada pela sociedade e profissionais da educação em face do autoritarismo que vem em oposição aos esforços que esses interessados agentes sociais dedicam. A luta contra o autoritarismo nas escolas públicas é semelhante à luta contra o autoritarismo no próprio país, cunhado por força do colonialismo português, do imperialismo inglês, do americano, dos Estados-Nações na atual conjuntura global. Trata-se de mais um instrumento na construção da autonomia das escolas públicas, que não obstante sua legalização, não acontece sua efetiva participação social automaticamente. Ao contrário, se não houver incentivo, luta pela sua conquista não acontecerá por “dádiva ou espaço pré-existente” (op.cit.p.13. apud OLIVEIRA, 2005, p. 26). 20 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática O excessivo regramento e o legalismo exacerbado transformam as atividades sociais populares em verdadeiras maratonas nas intrincadas e complexas exigências impostas no decurso dos processos reivindicatórios, com a única intensão de dificultar ou de fazer desistir deles. Vitor Paro (1997) enfatiza a questão da concessão, da autorização, da liberação, da permissão, que são dádivas de alguns dirigentes escolares aos alunos, pais e comunidade como consultores ou apoiadores, com o intuito de obtenção de seus interesses particularistas. Uma democratização às avessas, no âmbito das consultas ou do apoio administrativo permitidos, não caracteriza uma conquista de fato, ou seja, dependente de “alguém que “dá” abertura ou que “permite” sua manifestação [...] a prática em que tem lugar essa participação não pode ser considerada democrática, pois democracia não se concede, realiza-se.” (PARO, 1997, p. 19). O documento da Secretaria de Educação Básica do MEC enfatiza o conceito de “relevância” da “inclusão comunitária na percepção do processo educacional e do apoderamento dos instrumentos de construção desse processo potencializam a difusão do sentimento de pertencimento e integração” (PARO, 1997, p. 26). E mais, que reforçar laços de pertencimento “revigora o sentimento de partilha, tornando o processo vivo e dinâmico e caracterizando pragmaticamente o caráter democrático da interação estabelecida” (PARO, 1997p. 26). Não obstante as normas e as leis favorecerem a constituição dos Conselhos de Escola, até ao ponto de tornarem obrigatória sua implantação nas escolas públicas, esses Conselhos enfrentam dificuldades para sua efetiva atuação, tornando-se limitadas ou inacabadas suas ações mobilizadoras e deliberativas. Entre as dificuldades encontradas nas escolas para a efetivação das funções amplas do Conselho, destacam-se: a- a própria constituição dos seus membros, que, via de regra, fica condicionada ao convite que a escola faz aos profissionais, pais e alunos que são mais próximos à direção, ou seja, aos que já se sentem familiarizados ou são já conhecidos pelo diretor, ou seja, um convite à aproximação do que já está instituído não requer muitos esforços, tampouco exigirá muito diálogo ; b- os pais e alunos, que não se sentem preparados para o exercício da participação nas decisões pedagógicas e de planejamento que compõem funções deliberativas do Conselho, ficando tímidas e restritas suas atuações, geralmente, às questões financeiras e de manutenção física do prédio; c- as escolas, que encontram dificuldades em compor o número de membros do Conselho que está normatizado estatutariamente. Essa composição acaba sendo insuficiente, em muitos casos, nasescolas de periferia das grandes cidades, que dependem de pessoas disponíveis para preencher as vagas dos outros colegiados; Mendonça (2000, p. 262) afirma que “a criação, a implantação e o funcionamento dos colegiados nos sistemas de ensino têm se disseminado, sendo essas instâncias de participação parte integrante dos mecanismos que materializam a norma institucional da gestão democrática” (apud OLIVEIRA, 2005, p. 26). 21 d- o estatuto do Conselho, que, por ser elaborado pelos sistemas de ensino próprios em cada região, deve conter inserções das necessidades e realidades, a partir do diagnóstico feito pela escola, e que, para isso, depende de discussões do grupo, o qual, muitas vezes, não se reúne para esse fim, tornando-se esse estatuto inacabado ou mal formulado; e- a função de presidente do Conselho, que é, naturalmente, do Diretor de Escola, o que pode condicionar todas as ações do colegiado aos interesses e influências desse membro importante e decisivo, inibindo os demais. Isso ocorre facilmente por meio de decisão unilateral na escolha, por exemplo, da pauta das reuniões; f- a contenção da autonomia e participação (no sentido de partilha de poder e decisão) (OLIVEIRA, 2005, p. 27), disseminando relativa autonomia no interior das escolas, quase nula em relação ao poder decisório da sociedade civil, não obstante existir dentro das “contradições neoliberais, movimento inverso de permitir essa participação e “decretar” a autonomia” (OLIVEIRA, 2005p. 28). Temos, por outro lado, algumas sugestões e propostas acerca de experiências relatadas por Barroso (2000, p.11-31. Apud OLIVERIA, 2005, p. 24), por exemplo, que podem elucidar nossos estudos sobre as possibilidades da implementação de uma democracia por meio da participação nos colegiados, não só por estarem “decretadas” para as escolas, mas por constituírem uma conquista a ser alcançada pelas comunidades locais. O autor fala-nos sobre “Territorialização das políticas educativas” por meio da qual seja observado um “quadro de crise de legitimidade entre Estado e sociedade, público e privado, entre interesses públicos e privados [...]” (BARROSO, 2000, apud OLIVERIA, 2005, p. 24) em que os opostos e os interesses antagônicos da comunidade e das autoridades na escola são claramente observados. Verificando, atentamente, as práticas da gestão não compartilhada, centradas nas mãos do gestor escolar, podemos constatar a extrema centralização dos controles e funções que deveriam ser redistribuídos e descentralizados, provocando a sobrecarga de serviços burocráticos e desvio do foco educacional. Essa territorialização diz respeito aos espaços apropriados pelos diferentes e diversos agentes no âmbito das unidades escolares, consoante as suas realidades locais no intuito da construção e da conquista da autonomia dessa escola, tendo como princípio de autonomia a luta clara entre os interesses opostos do governo, professores, alunos e comunidade. A relatividade dessa autonomia configura-se, exatamente, pelo antagonismo expresso pelos diferentes grupos de poder em ação. O autor remete-nos a alguns pressupostos interessantes, até como propostas a serem absorvidas pelas lutas em prol da construção dessa autonomia relativa nas escolas. Como podemos ler: – o reforço da autonomia não pode ser definido de um modo isolado, sem ter em conta outras dimensões complementares de um processo global de Territorialização das políticas educativas; – a autonomia é relativa porque está condicionada pelos poderes de tutela e superintendência do governo e da administração pública; – seu reforço deve ser assentado na criação de condições e montagem de dispositivos que permitam liberar as autonomias individuais, num sentido coletivo; – o reforço de ser uma possibilidade e não uma obrigação das escolas; [...] é um investimento que tem custos, baseia-se em compromissos e tem de traduzir-se em benefícios; autonomia também se aprende. (BARROSO, 2000, apud OLIVERIA, 2005, p. 25). 22 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Os Conselhos de Escola e outras formas de associações e colegiados podem vir a representar os espaços necessários para o empoderamento tanto de conceitos, quanto de práticas, mesmo que relativizadas, acerca da autonomia e da participação efetiva. Como exemplo da apropriação dos pressupostos da participação no âmbito das escolas, tanto do ponto de vista das conquistas da sociedade civil quanto do ponto de vista dos pressupostos do Estado, está a consideração que se faz dos espaços escolares como parte necessária do processo de aprendizagem das crianças e de sua socialização. Tal que cumprirá, segundo o entendimento do Estado (especificamente do Ministério da Educação), as funções precípuas da cidadania pretendida, num entendimento que se dá pelo próprio Estado na “lógica de ocupação do espaço social” (BRASIL, 2004, p. 25). As legislações que favorecem a implementação dos colegiados nas instituições escolares são alvo de interpretações antagônicas de interesses que se explicitam nas ações da gestão educacional, nos diversos lugares políticos em que são manipuladas. Podendo, assim, se não absorvidas pelo entendimento e exercício prático, pelas vias da participação efetiva, serem reinterpretadas e mantida sua apropriação por grupos alheios aos escolares, em defesa de sua hegemonia de poder. Um novo paradigma de gestão participativa comprometida com os interesses coletivos se dá, exatamente, nas novas concepções de apropriação do espaço público, até para ser resgatado o conceito de cidadania e sua possível prática que se configura no exercício da autonomia. Segundo Bordignon (2001, p. 169), “o novo paradigma de gestão precisa resgatar o papel e o lugar da escola como centro e eixo do processo educativo autônomo”. Nesse projeto de democratização via participação social colegiada, os objetivos das políticas públicas devem estar traçados em função do diálogo entre Estado e sociedade, em que os conceitos de qualidade de ensino, processos educativos, projeto pedagógico como norteador da estrutura escolar, fins e objetivos da educação e formação de alunos, estejam alinhados e afinados aos interesses mútuos subjetivos, ou seja, do Estado, em defesa dos direitos humanos e sociais à educação plena e de qualidade, e da sociedade, em defesa dos seus interesses mais gerais de melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento pleno. A expressão das políticas educacionais é, dessa forma, constituída “dos embates travados no âmbito do Estado e nos desdobramentos assumidos por ele” (DOURADO, 2003, p.77). É nessa perspectiva, do duplo papel, que podemos encontrar a base do sofrimento e do embate travado pelos gestores no cumprimento das políticas públicas. Ou seja, por um lado, esses gestores sofrem as pressões exercidas pela exigência de cumprir o papel de prepostos do Estado, de representantes dos interesses públicos, e acomodar no papel de meros mediadores nas relações do embate, dessa luta de interesses antagônicos travada entre Estado e sociedade, mas o de cumpridores da Lei Maior, da Constituição Federal, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, como defensores dos direitos da participação efetiva dessa sociedade nos processos internos da escola e nos destinos que devem ser traçados por ela. Tais embates situam-se no contexto de mudanças e reordenamento das relações sociais sob a égide ideológica da globalização da economia, como sinalização do triunfo da política neoliberal, que, ao redimensionar o papel do Estado, minimizando a sua atuação, busca redirecionar as políticas sociais [...] (DOURADO, 2003, p.78) 23 Reconhecer o papel fundamental da direção, na tentativa de redemocratizar a estrutura de uma escola, é reconhecer que sua liderança será tanto melhor e mais eficiente, quanto maior for sua conscientizaçãona busca por uma “liderança cooperativa e prática de uma autoridade negociada” (THURLER, 2001). Autoridade é um termo que encontra sua significação e sua base na própria Constituição, como vemos no capítulo da Educação, que pressupõe: direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, tese que deu sustentação aos desejos de uma sociedade em luta na conquista de uma base sólida, moral e ética, com vistas à construção de seus sonhos, suas vidas, sua liberdade para o desenvolvimento das novas gerações de alunos da escola pública Estadual Padre Antão, na cidade de São Paulo. A educação, como base da sociedade, pressupõe um esforço integral e coletivo, na identidade de um povo que luta, cotidianamente, pela sua felicidade, suas realizações pessoais, individuais, dentro do conjunto. Nesse sentido, educação, como processo formativo de um povo, reserva o privilégio do ensino escolar à instituição própria, a escola, cujo projeto pedagógico se consolida nos princípios constitucionais da gestão democrática, do pluralismo das ideias, dos direitos fundamentais de acesso à educação de qualidade, visando ao pleno desenvolvimento do educando. Como dizem Francisco de Oliveira e Paul Singer (1992), “O estado deve ser permeado pela ação da sociedade civil organizada. Os processos de gestão necessitam ser democráticos no método, no conteúdo e na forma” (apud FRIGOTTO, 2002, p.81). Dentre as funções da comunidade, por exemplo, estão a organização e o planejamento de seu projeto pedagógico, a ser construído a partir de avaliação local, no interior da escola. Percebemos, em sua prática de avaliações e planejamentos, a certeza dos participantes quanto à busca por um ensino ministrado com base nos princípios democráticos, sugerindo, especialmente no âmbito da gestão, a participação da sociedade na construção coletiva do projeto educacional, como único princípio para a consolidação do que, em lei, sugere-se: o ensino como direito público subjetivo. Assim, como vemos em Motta (1987, p. 94), “a participação constitui tema de estudantes, professores, administradores e demais funcionários” e, a participação da comunidade e dos professores na construção do projeto pedagógico, tendo em vista que passou, no caso dessa escola, a “ser uma exigência da gestão escolar” (OLIVEIRA, 2004, p.1127). A participação social na escola é, portanto, fundamental para o desenvolvimento das consciências e das práticas a partir destas para, ao final, conquistarem-se metas de educação e ensino de qualidade. A participação da comunidade local na avaliação das necessidades, através do diálogo com as autoridades oficiais e os grupos interessados no interior da sociedade, é uma das etapas essenciais para ampliar e aperfeiçoar o acesso à educação. A busca deste diálogo, recorrendo aos meios de comunicação social, a debates no interior da comunidade, à educação e formação dos pais, à formação em serviço dos professores, suscita, em geral, maior conscientização e capacidade de discernimento, bem como um desenvolvimento das capacidades endógenas. Quando as comunidades assumem maior responsabilidade no seu próprio desenvolvimento, aprendem a apreciar o papel da educação, quer como meio de atingir os objetivos societais, quer como uma desejável melhoria da qualidade de vida (DELORS, 1998, p.26). 24 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Concluindo esta unidade, destacamos, fundamentalmente, a necessidade de repensarmos o papel dos gestores educacionais, na íntima ligação com o papel do Estado, em que figuram como representantes, nas instituições públicas de ensino, dos interesses da sociedade civil, no exercício dos direitos fundamentais à formação humana e à educação, cujo aspecto mais relevante seja a consideração de suas obrigações legais, morais e éticas em relação à mesma sociedade para a qual são chamados a servir. Construir uma escola dentro do modelo democrático de gestão e participação social, socializante na sua essência, configura-se como uma frente de batalha e de luta, tanto no sentido das reivindicações sociais, na defesa dos interesses da coletividade, quanto no sentido da luta pela conscientização dos gestores e agentes diversos, no interior dessa escola pública. Nesse sentido, a construção dessa escola torna-se urgente para o enfrentamento das políticas públicas de educação que se apresentam, como vimos no capítulo anterior, voltadas ao ideário neoliberal e compromissadas com a formação de capital humano. Configura-se, assim, como luta, pois, além de representar um investimento em prol da redemocratização do espaço educativo, é, também, um marco histórico da ação popular na história política do sistema educacional tradicional e inflexível das engessadas estruturas do sistema nacional de educação. Esse movimento de redemocratização da escola pública é, certamente, um ganho bastante grande, conforme afirma, em suas pesquisas, Oliveira (2004), que reconhece, de um lado, “ganhos para a população em geral e para os trabalhadores da educação em especial” (OLIVEIRA, 2004, p.1135), mas salienta que, por outro lado, pode representar a esses mesmos profissionais “maior ameaça profissional, no que se refere a supostas garantias de exclusividade sobre determinados terrenos” (OLIVEIRA, 2004, p. 1135), ou seja, quando se trata de discussões sobre questões pedagógicas, a democratização dos espaços que exigem especializações, como no caso das disciplinas e conteúdos específicos, pode ser confundida com ingerência de pessoas que não são preparadas. No entanto, a questão estará mais adequadamente discutida até junto à comunidade, quando verificamos os estudos sobre profissionalização ou desprofissionalização, segundo Rodrigues (2002, p.41. Apud OLIVEIRA, 2004, p. 1137), em que pese a exclusividade dos serviços educacionais, de formação intelectual, aos professores e só a eles, como “autonomia para organizar e regular as respectivas atividades; monopólio profissional” (OLIVEIRA, 2004, p.1137). Esses estudos nos advertem quanto à necessidade de fazer críticas às posturas que alguns profissionais da educação têm e que consideram a escola como lugar exclusivo para profissionais, excluindo a população, uma vez que a crítica à participação dos pais e da comunidade está mais relacionada à dificuldade que se tem em situá-los no espaço do direito à participação e à gestão da escola, enquanto o respeito às funções e especificidades de cada uma é o fator mais importante no resgate dos deveres e direitos de cada um, no seu campo de atuação adequado e específico. A principal crítica atribuída às profissões, de acordo com Gyarmati (1975), relaciona-se ao fato de o poder acumulado e as prerrogativas especiais de que usufruem serem utilizados em proveito próprio e não da coletividade, o que constituiria um obstáculo, impedindo a maioria da população de ter normal acesso aos serviços que prestam (OLIVEIRA, 2004, p.1137). 25 Ainda, segundo a autora, “mudanças mais recentes na organização escolar apontam para uma maior flexibilidade, tanto nas estruturas curriculares quanto nos processos de avaliação, estando diante de novos padrões” (OLIVEIRA, 2004, p.1139), ou seja, há uma exigência de novo perfil de profissionais da educação, para que não se expressem apenas teoricamente os novos modelos de organização, mas pela prática efetiva dela, com a participação da população, que vivencia uma realidade bem diferente do que a teoria pode mostrar. Dentro dessas perspectivas teóricas e epistemológicas, a Escola Estadual Padre Antão, na Zona Leste da cidade de São Paulo, encontrou amparo suficiente para implementar um modelo de gestão democrática emque a sociedade civil pode exercer seu papel cidadão junto com a direção, os professores e alunos, convencendo-nos acerca da possibilidade de gerir, com relativa autonomia, o Projeto Político Pedagógico da escola, sem macular os espaços de cada agente, respeitando-se as especificidades de cada um a partir de posturas comportamentais relativamente revolucionárias e ousadas. Posturas que, ao final, garantiram a inclusão de conhecimentos mais amplos, contextualizados e problematizados no currículo da escola, de forma crítica, no intuito de contrapor-se ou adequar-se à realidade dinâmica dos sistemas e estruturas das políticas educacionais voltadas, oficialmente, ao imperativo da globalização, uma vez que não podem ser negligenciadas. É um ato político, antes de tudo, o fato de se compor um grupo de pessoas interessadas em defender seus direitos e fazer frente a grupos de interesses antagônicos, nem sempre amparados pelos mesmos direitos, mesmo que esse grupo venha a ser o próprio Estado. Diante das nefastas exclusões sociais, provocadas pelas novas relações do mundo do trabalho, das relações humanas de competitividade, da mercantilização da sociedade do conhecimento, gerida pelos interesses empresariais capitalistas, torna-se imprescindível que a comunidade de trabalhadores, na pessoa de estudantes, pais e outros agentes que se somam ou compõem a gestão escolar, participem da construção do projeto que é, em primeiro lugar, político na sua essência para, em seguida, construir o pedagógico, como decorrência. Valores como autonomia, participação, democratização foram assimilados e reinterpretados por diferentes administrações públicas, substantivados em procedimentos normativos que modificaram substancialmente o trabalho escolar. O fato é que o trabalho pedagógico foi reestruturado, dando lugar a uma nova organização escolar, e tais transformações, sem as adequações necessárias, parecem implicar processos de precarização do trabalho docente (OLIVEIRA, 2004, p.1140). Valores como autonomia, participação, democratização foram assimilados e reinterpretados por diferentes administrações públicas, substantivados em procedimentos normativos que modificaram substancialmente o trabalho escolar. O fato é que o trabalho pedagógico foi reestruturado, dando lugar a uma nova organização escolar, e tais transformações, sem as adequações necessárias, parecem implicar processos de precarização do trabalho docente (OLIVEIRA, 2004, p.1140). 26 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática Veja o que líamos no Jornal Folha de São Paulo, em 21 de abril de 1998, página 1 e 2 do Caderno Educação, quanto à questão das depredações e violência nas escolas, reportagem local de André Lozano, com o título “Para especialistas, escola deve estar integrada “ em que cita “ A integração da escola com a comunidade é a principal solução apontada por especialistas em educação e em segurança para resolver o problema da violência nos estabelecimentos de ensino. É preciso abrir a escola para os alunos e para a comunidade (...). Nessa reportagem, de 1998, falavam-se das possibilidades de solução para vários problemas escolares, incluindo o da violência. Anos mais tarde, em 2013, vimos pouca coisa ser feita por governos municipais ou estaduais quanto à questões que prejudicam o desenvolvimento do aprendizado dos alunos e, nesse aspecto, encontra-se o cerne do maior problema: gestão escolar. Para pesquisa – PUIGRÓS, Adriana. Para que serve a escola? Pátio, Artmed. Ano 1, nº 3, Nov. 1997/ Jan. 1998, PP.8-13 Apud VIEIRA, Sofia Lerche, In FERREIRA, N. S. C. (org.) Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001. (2001). Material Complementar Diálogo com o Autor Leia o que sugerimos, aqui resumidamente, nos textos ricos de Sofia Lercher Vieira, incluído no livro “Gestão da Educação: impasses e perspectivas, organizado por Naura Syria Carapeto Ferreira, Editora Cortez, 2001”, que incluímos na bibliografia desta Unidade: “A retomada da constatação óbvia de que a escola tem papel fundamental na formação da cidadania, revela o caráter estratégico de uma gestão para o exercício desta função política e social. No âmbito da escola, passa-se de uma concepção de administração do cotidiano das relações de ensino-aprendizagem para a noção de um todo mais amplo, mutifacetado, relacionado não apenas a uma comunidade interna, constituída por professores, alunos e funcionários, mas que se articula com famílias e a comunidade externa. Assim, não por acaso, o diretor e/ou a unidade administrativa dirigente, passam a ser chamados de ‘gestor’, ‘núcleo gestor’ e expressões congêneres. Não se trata aqui de uma simples troca de nomes. Na verdade, o que está a ocorrer é o reconhecimento da escola enquanto instituição caracterizada por uma cultura própria, atravessada por relações de consenso e conflito, marcada por resistências e contradições. A escola representa, a um só tempo, ‘‘espaço de democratização e de educação individual” e de “ transmissão dos valores coletivos e da consciência social” (Puigrós, 1998:10). A educação, embora ultrapasse e se exerça em outros espaços que não o escolar, “é uma tarefa coletiva da sociedade e, portanto, de cada comunidade” (Nogueira, 1999:19). 27 – NOGUEIRA, Neide. A relação entre escola e comunidade na perspectiva dos parâmetros curriculares nacionais. Pátio. Artmed. Ano 3, nº 10, ago./out. 1999, PP. 13-17 Apud Apud VIEIRA, Sofia Lerche, In FERREIRA, N. S. C. (org.) Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001. (2001). – SANTOS, M. O retorno do território: apresentação por Maria Adélia Aparecida de Souza. Revista OSAL, ano 6, n. 16, p. 250-261, ene.-abr. 2005. – http://acervo.folha.com.br/fsp/1998/04/21/264 28 Unidade: Participação e Gestão Escolar: Perspectivas da Gestão Democrática AZEVEDO, Fernando. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, nº 70, 1960. BORDIGNON, G. Gestão da educação: o município e a escola. In. FERREIRA, N. S. C. A gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988 . São Paulo, Editora Fisco e Constituinte, 1988. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBN, Brasília, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica: Conselhos Escolares: Uma estratégia de gestão democrática da educação pública. Brasília: 2004. CATANI, A. M. Participação e gestão escolar: conceitos e potencialidades. 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